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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE GESTÃO DE NEGÓCIOS


CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Bruna Aparecida de Almeida


brunalmeida@live.com

A PROPAGAÇÂO DO AMERICAN WAY OF LIFE E INFLUÊNCIAS NO


BRASIL

PIRACICABA
JUN./2017
1
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE GESTÃO DE NEGÓCIOS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Bruna Aparecida de Almeida

A PROPAGAÇÂO DO AMERICAN WAY OF LIFE E INFLUÊNCIAS NO


BRASIL

Monografia II, desenvolvida como


exigência curricular
do Curso de Relações
Internacionais apresentada na
Unimep

Orientadora: Profa. Dra. Sueli Mançanares


Leme

PIRACICABA
Dez./2017

2
BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Profª. Drª. Sueli Mançanares Leme (Orientadora)

______________________________
Prof.

________________________________
Prof.

3
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus pela capacidade e força que me deu de


ter conseguido chegar até aqui, além de ter me permitido a possibilidade de
trabalhar em algo que gosto para ter capacidade financeira para arcar com os
gastos da graduação. Agradeço a meus pais pelo apoio emocional e financeiro
dado durante toda minha vida, além da paciência e disposição que sempre
tiveram. Agradeço-os também pelo amor que compartilham por mim e o orgulho
que demonstram ao mencionarem meu nome a todos.

Agradeço aos meus irmãos Wesley e Leia e meu padrinho Edmar por
também compartilharem desse orgulho e amor e principalmente por fazerem
parte ativa e constante da minha vida. Agradeço a meu sobrinho Felipe aos dias
que me distraiu e alegrou quando necessitei, além de sempre seguir meus
passos, buscando se tornar uma ótima pessoa, aluno e profissional.

Agradeço a Keren pela amizade que me concedeu nesses 4 anos de


graduação e que pretendo levar pro resto da vida, além do apoio que sempre foi
dado nos momentos de desespero.

Agradeço a minha orientadora Sueli pelo apoio, por todas as dicas e


correções, e por me auxiliar durante todo o andamento da monografia.

Por fim, mas não menos importante, com uma intensidade gigantesca de
importância em minha vida, agradeço meu futuro marido Vinícius. Agradeço-o
por muitos motivos: pela paciência, pelo apoio emocional e financeiro, pelo
imenso amor, pelo carinho, por me ajudar a passar por momentos difíceis e por
momentos de intensa ansiedade. Agradeço-o também por ser a minha força
quando não restava mais nenhuma em mim, por ser minha esperança quando
dentro de mim não existia nem um pouco e pelos vários conselhos (que em
algumas vezes não escutados, mas deveriam ter sido).

4
DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia à mim mesma como demonstração de


capacidade e vitória.

5
RESUMO

Esse trabalho busca mostrar a propagação da influência dos EUA não


apenas internamente, mas também internacionalmente, com foco no Brasil.
Além disso, identificar quais as ferramentas usadas para propagar os ideais norte
americanos e apontar quais são as consequências dessa propagação para a
população brasileira. A identificação do que foi apontado acima, foi feita diante
de uma análise histórica da sociedade e governo norte americano, além de
políticas externas que aproximaram os ideais e cultura norte americana ao Brasil.

Verificou-se então que diante a exposição à cultura e ideais norte-


americanos, o Brasil foi fortemente, porém cegamente, afetado. Apresentando
assim, o termo “invasão cultural”. Concluindo finalmente que diante da exposição
e integração dos brasileiros a uma cultura externa a deles, há a necessidade de
romper com esses ideais de maneira a expor uma possível extinção da cultura
brasileira que poderá ocorrer se a população seguir cegamente ideais e culturas
não naturais ao país.

Palavras-chave: Invasão cultural, ideais norte-americanos, american way of life,


propagação cultural norte-americana, cultura brasileira, inserção cultural norte-
americana.

6
ABSTRACT

This work seeks to show the spread of US influence not only internally, but
also internationally, with a focus on Brazil. In addition, to identify the tools used
to propagate the North American ideals and to point out the consequences of this
propagation to the brazilian population. The identification of what was pointed out
above was made in the face of a historical analysis of North American society
and government, as well as external policies that brought the ideals and American
culture closer to Brazil. It was then verified that in the face of exposure to
American culture and ideals, Brazil was strongly but blindly affected. Thus
presenting the term "cultural invasion". Finally concluding that in view of the
exposure and integration of brazilians to a culture external to theirs, there is a
need to break with these ideals in order to expose a possible extinction of
brazilian culture that could occur if the population blindly follow ideals and
unnatural cultures to the country.

Keywords: Cultural Invasion, American ideals, American way of life, North


American cultural propagation, Brazilian culture, North American cultural
insertion.

7
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................p.9
2 O AMERICAN WAY OF LIFE.....................................................................p.12

3 O USO DA MÍDIA NA PROPAGAÇÃO DOS IDEAIS NORTE


AMERICANOS...............................................................................................p.20
4 A POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA E A INVASÃO CULTURAL NORTE
AMERICANA NO BRASIL..............................................................................p.27
5 O COLONIALISMO CULTURAL: A SUBORDINAÇÃO CEGA DO BRASIL AOS
EUA.................................................................................................................p.39

6 CONCLUSÃO..............................................................................................p.45
REFERÊNCIAS..............................................................................................p.47

8
1 INTRODUÇÃO
Os Estados Unidos se consideram “o centro do mundo”, porém, esse
termo não está nem um pouco ligado a questão geográfica, mas sim a questão
de poder econômico, militar, tecnológico, entre outros. Suas forças armadas
possuem o monopólio da bomba atômica e propagam bases militares por todo o
globo. O Estado dita a sua política e propaga a sua hegemonia ao resto do globo.
Também detêm a supremacia econômica, que foi alcançada por vários meios e
táticas, por exemplo, com a exportação de capitais, produtos industriais,
empresas, agrícolas e o mais importante tecnologia.

Exercem influência sobre as economias nacionais e determinam seus


rumos. Muitas de suas empresas se tornam multinacionais com filiais espalhadas
por todo o planeta. Têm a idealização da perfeição americana feita e propagada
de Hollywood para todo o globo. Por questões como essas, influenciam o
mundo, principalmente com sua cultura e estilo de vida.

Os Estados Unidos são a versão original da modernidade, são a utopia


realizada. [...] A convicção idílica dos americanos de que são o centro
do mundo, a potência suprema e o modelo absoluto, não é falsa. E
baseia-se menos nos recursos, nas técnicas e nas armas do que no
pressuposto milagroso de uma utopia encarnada, de uma sociedade
que, com uma candura que se pode considerar insuportável, se
instituiu a partir da ideia de que é a realização de tudo aquilo com que
as nossas sociedades têm sonhado: justiça, abundância, direito,
riqueza, liberdade: ela sabe-o, ela crê nisso, e finalmente, os outros
também o creem. Todo o mundo acaba por voltar-se, na crise atual,
para a cultura que ousou, num teatral golpe de força, materializá-los
sem delongas, para aquelas que, graças à ruptura geográfica e mental
da emigração, pôde pensar em criar, peça por peça, todo um mundo
ideal; não se deve desprezar a consagração fantasmática de tudo isso
pelo cinema. Aconteça o que acontecer, e seja o que for que pense da
arrogância do dólar ou das multinacionais, é essa a cultura que fascina
mundialmente aqueles mesmo que têm de sofrer o seu impacto e isso
em virtude dessa convicção íntima e delirante de que tal cultura
materializou todos os sonhos deles. (BRAUDILLARD, 1986, p. 66)

A maneira como os Estados Unidos propagam sua cultura mundialmente


e com a ideologia de ser “o país das maravilhas”, modificando culturas e ideais
propostos e impostos em países, principalmente no Brasil, se constitui no foco
desse trabalho, ato que se traduz com a expressão criada pelos norte
americanos, “The American Way Of Life” ou, “estilo de vida americano”.

9
Entende-se que no sistema internacional os Estados são movidos pelos
seus interesses, agindo de maneira a manter sua sobrevivência e garantir sua
ascensão. Seus interesses estão ligados imensamente à detenção de poder no
sistema, usando de vários meios para obtê-lo.

As relações entre desejo, poder e interesse são mais complexas do


que se acredita e não são necessariamente os que exercem o poder
que têm interesse em exercê-lo, os que têm interesse em exercer não
o exercem e o desejo do poder estabelece uma relação ainda singular
entre o poder e o interesse. (FOUCAULT, 2001, p. 77)

Com o poder no sistema internacional se dá a liderança e “da liderança


sempre surgem benefícios que satisfazem os interesses dos países e de seus
cidadãos. [...] as nações podem ter interesses distintos, o que as levaria a
defendê-los a qualquer custo”. (SARFATI, 2005, p.89)
Considerando o poder como motivador das ações dos Estados, a questão
que se pretende responder é: quais foram os motivos estratégicos e instrumentos
norte-americanos usados para a propagação do American Way Of Life aos
cidadãos americanos e principalmente aos brasileiros.
Tem-se explícito que os ideais norte-americanos, especificamente, o
American Way of Life, teve sua criação e propagação por motivos inteiramente
estratégicos que trariam aos EUA. Estes têm como objetivo trazer vantagens.
Essas vantagens permeiam desde o desejo da população de outros países do
globo de se tornaram cidadãos norte-americanos, ou que seus países sejam
como os EUA, ou pelo menos, que tenham a imagem dos EUA propagada ao
resto do mundo, de um país que detém extrema possibilidade de crescimento
financeiro, facilidade para se obter sucesso profissional, entre outras qualidades,
até a questão de alcance dos outros países do sistema internacional. Por
exemplo, é mais fácil impor suas decisões, sem questionamento a um país como
o Brasil que, além de ser capitalista, segue muitos ideais americanos, do que à
Rússia que tem seu passado comunista e também uma rivalidade com os EUA,
ou seja, existe maior facilidade dos EUA imporem suas vontades ou até mesmo
dominar países que de alguma maneira, tenham características comuns.
Os objetivos da pesquisa estão divididos em objetivos gerais e objetivos
específicos. O objetivo geral da presente pesquisa está pautado na intenção de
melhor compreensão da influência internacional da hegemonia norte-americana
no Brasil e bem como da propagação dos ideais dessa nação. Em termos
10
particulares, pretende-se buscar a identificação dos meios que permitiram a
propagação do American Way Life feita pelos Estados Unidos e verificar como o
Brasil foi afetado pela mesma.
É essencial ao internacionalista a compreensão das intenções, objetivos
e estratégias como motivador da tomada de decisões dos Estados no cenário
internacional. Dada a condição hegemônica dos EUA no sistema internacional,
é indispensável conhecer-se a estratégia subjacentes à propagação de seus
ideais mundialmente.
Dada a natureza teórica do trabalho, será utilizada como técnica de
levantamento de dados, a pesquisa bibliográfica.

11
2 O AMERICAN WAY OF LIFE

Quando se trata do termo “sonho americano”, até quem não conhece ou


nunca ouviu falar consegue identificar do que se trata, pelo menos de uma
maneira superficial. Ao ouvir esses termos, consegue-se associá-los facilmente
com a ideia da esperança, da crença, ou até mesmo da fé. Ter esperança
é acreditar que alguma coisa muito desejada vai acontecer. E essa esperança
pode ser baseada em alguma utopia, ou seja, quantas pessoas já não
abandonaram suas famílias e países para embarcar no sonho americano?

De maneira simplória, o conceito de sonho americano pode ser facilmente


associado a uma viagem, seja essa viagem para um novo emprego, uma nova
maneira de se viver, ou uma nova realidade. “Trata-se de movimento e
progresso, trata-se de otimismo, e trata-se de encontrar êxitos e realização ao
longo do caminho. [...] as condições em que os americanos têm perseguido este
sonho estão repletos de risco e incerteza econômica. ” (tradução nossa ) (RANK;
HIRSCHI, 2014, p.2)

Como dito acima, existem pessoas que já deixaram seus países para
arriscar ter uma vida melhor na “américa”, mas esse sonho além de incluir o
mundo todo, também inclui quem está dentro dos EUA, os próprios americanos.

Desde os primórdios os americanos têm almejado esse sonho, um sonho


completo de inseguranças, na maioria das vezes econômicas.

Os colonos dos séculos XVIII, XIX e XX (RANK; HIRSCHI, 2014, p.2)


assumiram enormes riscos de chegar ao novo mundo, chegando
frequentemente com pouco mais do que as roupas nas costas. Uma
vez aqui, não havia muito na forma de ajuda do governo ou assistência
financeira (com exceção da terra disponível). A autossuficiência, o
individualismo e a determinação eram vistos como as chaves da
prosperidade (tradução nossa).

Mas, apesar das enormes incertezas que esse sonho traz, esse sonho é
o que guia a esperança do decorrer de nossas vidas. A esperança de
principalmente, obter êxito financeiro. Porém, essa ideia do estilo de vida
americana não foi criada, por nós, simples indivíduos com o sonho de uma vida
melhor. Esse ideal tem seu fundo histórico, e para compreendê-lo é necessário

12
voltar à época das grandes guerras e permear pela extensa expansão
econômica norte-americana e entender sua hegemonia.

O primeiro conflito mundial tem uma relevância extrema para o


entendimento da expansão econômica americana. O transcorrer da primeira
grande guerra (1914/1918) foi essencial para a redefinição da hegemonia no
cenário internacional. “[...] os Estados Unidos lograram emergir da guerra na
invejável posição de maior potência industrial e financeira do mundo”
(ARTHMAR, 2002, p.98) Antes da Primeira Grande Guerra países europeus
eram líderes mundiais, porém “A guerra teve um impacto [...] dramático sobre a
posição da Europa no mundo”. (SONDHAUS, 2013, p.7) e com o fim da mesma
os EUA emergem com grande força econômica, militar e tecnológica. Tais
mudanças podem ser entendidas por alguns aspectos: a entrada tardia dos EUA
na guerra, o financiamento dos países beligerantes e a produção e venda de
aparatos bélicos. “Em virtude da rendição até certo ponto [...] a supressão
incontinente da economia de comando dos Estados Unidos teve lugar com a sua
engrenagem bélico-industrial funcionando a pleno vapor. ” (ARTHMAR, 2002,
p.99). “Como essa imensa torrente de recursos desembocava integralmente no
mercado interno dos Estados Unidos, as exportações norte-americanas naquele
ano bateram num teto sem precedentes, conduzindo o superávit comercial do
país à cifra histórica de $4,9 bilhões”. (ANDERSON, 1979, p. 62).

Segundo Tota (2009, p. 118-131)

O que ficou como marca registrada do governo de Wilson foi a


participação do país na Primeira Guerra Mundial. Mesmo antes da
entrada direta dos Estados Unidos no conflito, os homens de negócios
americanos já estavam lucrando com a Guerra na Europa.
Para a maioria dos americanos, a guerra parecia algo distante.
Inicialmente eles não se sentiam tocados pela carnificina europeia; aos
poucos, entretanto, foram tomando consciência de que não poderiam
permanecer neutros, até pelo fato de a guerra, de uma forma ou outra,
já estar participando da vida deles. Em 1915, a indústria deu um grande
salto na produção graças ao conflito europeu. Encomendas dos
governos da França e Inglaterra estimulavam os negócios. [...] Wilson
insistia na neutralidade, mas como seus navios continuavam levando
mercadoria para os países beligerantes, a neutralidade tornava-se letra
morta. Wilson era um pacifista, e como tal, insistia na política de
neutralidade.
[...] 1900 anunciava a importância que o século XX teria para a história
do país. Já no início do século, as fábricas funcionavam com a força
máxima de produção. As fazendas, cada vez mais mecanizadas,
atendiam à demanda interna dos habitantes das cidades em

13
crescimento. O desemprego, que havia marcado o período anterior
como herança da crise de 1893, estava em declínio. Havia um
otimismo e um dinamismo que todos os americanos pareciam
compartilhar. A rápida e dinâmica expansão da economia americana
deu-se em grande parte graças à mecanização da agricultura e da
indústria.
[...] Até o começo de 1917, os bancos americanos já haviam
emprestado mais de 2 bilhões de dólares para a França e para a
Inglaterra. A Alemanha também havia recebido empréstimos
americanos, embora em montantes bem menores. Mais por interesses
econômicos do que ideológicos, os EUA se aproximavam da causa dos
aliados. [...] o governo americano rompeu relações com a Alemanha.
[...]. No dia 2 de abril de 1917, Wilson, autorizado pelo Congresso,
declarou guerra à Alemanha. [...] Mesmo sem preparações, cerca de
dois milhões de americanos participaram da guerra na Europa. [...] O
esforço de guerra mobilizou o país. O poder da presidência tornou-se
autônomo e forte o suficiente para organizar diversas comissões e
agencias que mantinham o pais funcionando para a guerra.

Essas são as principais explicativas dos EUA ter emergido


hegemonicamente no fim da primeira guerra. Enquanto os países que detinham
a hegemonia anterior estavam em extremo caos, com seus territórios destruídos,
suas economias enfraquecidas e parte de sua população morrendo nos campos
de batalha, a economia norte-americana alcançou uma surpreendente expansão
durante a Primeira grande Guerra, com um intenso impulso nos setores
industriais e agricultores, de maneira que os EUA foram os responsáveis pelo
fornecimento de insumos, produtos industrializados, artigos bélicos e alimentos
para a Europa nesse período. Ou seja, os EUA ficavam de fora, ganhando com
seus financiamentos, com sua produção e com o desenvolvimento da tecnologia,
principalmente bélica.

Ao final da guerra, os EUA ainda tiravam vantagem dos países


beligerantes, afinal de contas, a Europa precisava se reconstruir da destruição
causada pelo conflito mundial.

Se as vendas de armas e munições desapareceram quase


instantaneamente com o fim da guerra, elas foram logo substituídas
pela não menos substancial procura por alimentos, matérias-primas e
bens de capital para socorrer as populações famintas e atender às
necessidades de reconstrução das nações europeias (ARTHMAR,
2002, p.100).

Com isso, a economia americana continuava se superaquecendo.


Com relação superprodução e ao consumismo voltado a sociedade
americana, observa-se a mecanização das indústrias levou a um aumento

14
extremo de produtividade, resultando em safras recorde. Com a estimulação da
expansão dos crediários provenientes da expansão do capitalismo, essas
indústrias produziam bens de consumo em um ritmo surpreendente. Esses bens
de consumo representavam para os americanos um verdadeiro sonho de
consumo (desejo desenfreado de consumo que acompanha os norte-
americanos até os dias de hoje), que através do crediário, deixaram de ser
apenas um sonho, fazendo com que os americanos comprassem esses bens,
mesmo sem ter certeza de que conseguiriam quitar essas dívidas.

Com toda essa expansão da economia norte-americana, foram possíveis


as inovações, voltadas a criação de bens que melhorassem a qualidade de vida
da sociedade norte-americana. Uma das inovações importantes foi o automóvel,
com destaque ao modelo Ford, os eletrodomésticos, como a geladeira, fogão,
aspirador. Para eles, o ato de consumir estava voltado ao patriotismo, pois, com
o consumo eles ajudariam os EUA a crescer ainda mais.

Nessa época também estava em expansão a importância do cinema na


vida dos americanos, principalmente, com o papel que Hollywood iria exercer
futuramente sobre a propagação dos ideais norte-americanos.

Foi por conta desse otimismo proveniente do superaquecimento


econômico da década de 1920, que se originou o ideal americano (o american
way of life), que propagava os princípios de vida, liberdade e, principalmente, a
procura da felicidade. Essa se resume basicamente na contínua busca por uma
melhor qualidade de vida, que na maioria das vezes pode ser resumida em
consumo desenfreado.

O sonho americano tem sido, em última instância, sobre a maneira


como nossas vidas se desenvolvem e a capacidade do indivíduo, não
importa de onde ele ou ela vem, exercer um controle considerável e
liberdade sobre como esse processo ocorre. Em certo sentido, trata-se
de ser capaz de viver nossas biografias individuais em toda sua
extensão”. (RANK; HIRSCHL, 2014, p.3)

O “estilo americano de vida” levava em conta também a adoção de bons


costumes, que fomentassem a moralidade entre os americanos. Esse ideal norte
americano é expresso no slogan de Herbert Hoover (presidente no período de
1929-33): “"chicken in every pot and a car in every backyard” traduzido como:
um frango em cada panela e um carro em cada garagem.

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“Esse “slogan” é uma citação atribuída a cada um de quatro presidentes
que servem entre 1920 e 1936, e está associado mais frequentemente com
Herbert Hoover. Na verdade, a frase tem suas origens na França do século XVII.
Henry IV (MAYER, 1967) supostamente desejava que cada um de seus
camponeses desfrutasse de "um frango em sua panela todos os domingos".
Embora Hoover nunca tenha pronunciado a frase, o Partido Republicano a usou
em uma propaganda de campanha de 1928, anunciando um período de
"prosperidade republicana" que proporcionara “um frango em cada panela e um
carro em cada quintal" (tradução nossa).

Era criada uma ligação recíproca entre os aspectos sociais, culturais da


vida urbana e o progresso econômico, que com sua a prosperidade e
crescimento, consequentemente, um acabava promovendo o outro.

Porém esse ciclo virtuoso de crescimento teve seu fim em 1929,


decorrente da crise ocorrida nos EUA, mais conhecida como A Grande
Depressão, que ocorreu no dia 24 de outubro de 1929, com a quebra da Bolsa
de Nova Iorque, causando o fechamento de milhares de empresas e causando
o desemprego de aproximadamente 25% da população americana. Segundo
Gazier (2009, p.6,22,23), a crise de 1929 consistiu, numa queda da produção
em quase todo o mundo industrializado (com exceção da URSS e do Japão). A
queda de 1928-1929 nada tinha de excepcional, ou melhor, respeitava a
cronologia familiar das importantes crises que haviam acontecido ao longo do
século XIX, mais ou menos a cada oito ou dez anos. No caso, a crise de 1920-
1921, marcada por um importante recuo da produção industrial em todos os
países desenvolvidos, antecedeu-se a crise de 1929. Da mesma forma, a
multiplicidade de experiências anteriores mostrava que as Bolsas de Valores
podiam às vezes amplificar esperanças ou temores.

Gazier (2009, p.6,22,23) mostra quais foram os efeitos da derrocada de


Wall Street, sendo esses: a baixa de valor do patrimônio e, portanto, do poder
de compra para os especuladores arruinados, o que se reflete num
enfraquecimento da demanda; e o esgotamento direto de uma fonte de
financiamento para as empresas. Nenhum desses efeitos parece suficiente para
explicar a retração geral da economia americana. A atividade industrial

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enfraquece a partir de 1929. O auge da produção automotiva fora atingido no
mês de março, pode-se então concentrar-se nos bens de consumo duráveis, dos
quais o automóvel é o símbolo. O crédito ao consumo foi uma das invenções que
favoreceu esses resultados de maior consumo. Gazier afirma que em 1927, 15%
das vendas aos consumidores se fazem a crédito – 85% dos móveis, 80% dos
fonógrafos, 75% das máquinas de lavar... são comprados a crédito. São esses
os produtos em primeiro plano na crise: em 1930, a queda do consumo pessoal
é de 6%, sendo de 20% para os bens duráveis com pagamento adiado; ela
atingirá os 50% entre 1929 e 1933. O crescimento dos estoques ao longo de
todo o ano de 1929 permite ver aqui um componente importante da queda da
demanda.

Gazier afirma que ligadas a esse declínio, existem dificuldades agrícolas


especificamente americanas: apesar de a mão-de-obra do campo representar
apenas 20% da população ativa numa nação amplamente urbanizada, as
condições de exploração da terra haviam se tornado cada vez mais difíceis
durante os anos 1920. É a famosa questão da “tesoura de preços”: os preços
das colheitas e do gado, que determinam (com as quantidades em circulação)
as receitas camponesas, não permitem um benefício normal, uma vez subtraídos
os custos pagos pelo produtor.

Esses três elementos – consumidores em relação aos bens duráveis,


dificuldades agrícolas e recuo da construção – levaram os empresários a tomar
decisões rápidas e de alcance inédito: refazer por baixo suas previsões, depois
seus projetos e contratações. Com isso, Gazier explica o motivo da demissão ou
redução de carga horária de operários e empregados e a baixa do investimento
bruto. As indústrias mais atingidas foram aquelas que haviam sido as mais
vigorosas durante os anos 1920: construção e infraestrutura de consumo e
produção. Retrospectivamente, podemos apenas enfatizar a violência dessas
reações. Elas convidam a uma análise atenta sobre a evolução do crédito e as
convulsões bancárias do período. Havia 29 mil bancos nos Estados Unidos em
1921, e apenas 12 mil em fins de março de 1933, resultado de um pânico
nacional que levara o novo presidente, Roosevelt, a fechar temporariamente
todos os estabelecimentos bancários (bank holiday).

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Apesar da enorme crise que afetou mundialmente a economia capitalista,
os EUA, buscavam diversos artifícios de recuperação dos efeitos dessa crise.

Sendo o capitalismo um sistema cíclico, onde períodos de expansão e


depressão econômicos estão inseridos em seu contexto, a capacidade
política, militar e econômica de uma nação é que irá assegurar, diante
desta realidade, as condições para a acumulação de capital e para o
crescimento sustentado ou para o combate à referida depressão.
(ARRIGHI, 2007)

O projeto que é relevante é o que mais obteve sucesso, o New Deal.


Segundo Silveira (2011, p.91):

O New Deal foi um programa de recuperação econômica


implementado nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, durante o
governo do presidente Franklin Roosevelt (1933-1945), cujo objetivo
era de recuperar e reformar a economia daquele país. Dentre suas
medidas, destacam-se o controle sobre bancos e instituições
financeiras; a construção de obras de infraestrutura para a geração de
empregos e aumento do mercado consumidor; a concessão de
subsídios e crédito agrícola a pequenos produtores familiares; a
criação de Previdência Social que estipulou um salário mínimo, além
de fornecer garantias a idosos, desempregados e inválidos; o controle
da corrupção no governo; e o incentivo à criação de sindicatos para
aumentar o poder de negociação dos trabalhadores e facilitar a defesa
dos novos direitos instituídos. No setor industrial, a principal medida foi
a redução da jornada de trabalho

Para Limoncic (2014, p. 140 -141):

[...] o governo Roosevelt seria o ponto culminante de um processo


multi-secular de reformas políticas e sociais rumo a um sistema mais
democrático e pluralista de governo. Para William Leuchtenburg,
herdeiros do Iluminismo, FDR e os New Dealers “sentiam-se parte de
um movimento humanístico mais amplo que visava a tornar a vida do
homem sobre a terra mais tolerável, um movimento que poderia
mesmo chegar a formar, algum dia, uma comunidade cooperativa [...]
Analiticamente, o New Deal poder ser dividido em quatro dimensões: a
relativa a reformas econômicas e à regulação de setores da economia,
a que se refere a medidas emergenciais, a que diz respeito a
transformações culturais, e, por último, a referente à nova pactuação
política entre o Estado e atores sociais até então largamente alijados
da esfera pública, formando a chamada coalizão do New Deal. Em
seus primeiros 100 dias, o New Deal implementou uma ampla gama
de reformas setoriais na economia americana que visavam, sobretudo,
a criar as condições para a formação de poupança interna e recuperar
a rentabilidade dos investimentos. Dentre outras, medidas foram
implementadas para sanear o sistema financeiro com o Emergency
Banking Act, para regular a produção agrícola com o Agricultural
Adjustment Act (AAA) e para evitar a perda da hipoteca das casas
próprias com o Home Owners’ Refinancing Act. Do ponto de vista
emergencial, o New Deal criou uma grande rede de assistência social
materializada em agências e programas, como os Civilian
Conservation Corps (CCC), a Civil Works Administration (CWA) e a

18
Federal Emergency Relief Administration (FERA), com o objetivo de
proporcionar emprego e renda a milhões de americanos afetados pela
Depressão.

. O New Deal foi um importante projeto para a restauração


norteamericana, mas, existe um outro ponto relevante no New Deal, pois, foi com
esse projeto que se iniciou o maior uso da mídia para propagação dos ideais
norteamericanos, tanto aos próprios americanos, para que o projeto fosse
melhor aceito, como também, futuramente, para o resto do mundo.

19
3 O USO DA MÍDIA NA PROPAGAÇÃO DOS IDEAIS NORTE AMERICANOS
“O New Deal foi o instrumento político utilizado pelo presidente democrata
para salvar o american way of life. ” (TOTA, 2009, p.154). Com a crise de 29 e o
medo da depressão, se ampliou entre os americanos a incerteza, se perderam
os ideais americanos e a esperança que antes era tão presente entre eles. A
ideologia do crescimento econômico para aqueles que se esforçassem foi
trocada pelo medo do desemprego, da fome e, principalmente, medo do que
estaria por vir no futuro.

No discurso de posse, publicado em A Documentary History of the


United States, Roosevelt falou do medo numa clássica passagem: “[...]
a única coisa que devemos temer é o próprio medo, o terror sem nome,
que não raciocina [...] que paralisa os esforços necessários para
converter a retirada em avanço”. Era uma imagem militar. E ele iria usá-
la várias vezes. Os Estados Unidos estavam em guerra contra a
pobreza, contra a Depressão e o governo precisava dispor de mais
autonomia e poder para pôr em funcionamento o plano de reformas.
(TOTA, 2009, p.154)

Com isso, a mídia, como televisão, rádio, literatura e, principalmente, o


cinema teve papel importante na ampliação do idealismo americano dentro do
país, dando novamente uma “esperança” para os americanos, de que o american
way of life poderia voltar à tona. Mais do que ampliação e divulgação do
idealismo, houve a propagação deste mundialmente.

“[...] o cinema, mais do que qualquer outro meio cultural, captou a


mensagem do New Deal, ou melhor, do americanismo, e a retransmitiu
com sucesso a um povo que se achava alquebrado. O cinema teve
papel fundamental na produção, reprodução e recriação dos mitos
americanos. O espírito americano sobreviveu, não somente graças ao
cinema, mas sem dúvida Hollywood deu um forte “empurrão” na
elevação da autoestima do americano do período. Mesmo os filmes
satíricos, comédias ou, ainda, dramas profundos de natureza social,
[...] eram construídos para ficar dentro dos padrões culturais e políticos
do mito americano. Os valores da classe média, da chamada pequena
burguesia transformavam-se em valores universais. Padrões e
comportamentos “adequados” eram aqueles que pudessem ser aceitos
pela chamada “gente simples” e até pelo operariado. Este era o espírito
do “novo iluminismo”. Um conceito de política e de comportamento
pautado pela moral austera, pela força de vontade, pela necessidade
de vencer e lutar diante das mais adversas situações. Ora, como
Roosevelt era um universalista wilsoniano, paulatinamente os valores
da política americana, do sistema americano, da democracia, do
espírito comunitário, do republicanismo, do chamado american way of
life, transformaram-se em modelo a ser seguido, a ser divulgado e
difundido para o resto do mundo. ” (TOTA, 2009, p.162)

20
Pode-se perceber que, os EUA, dado o alcance da mídia, esta era
utilizada para alcançar muitos de seus objetivos.

O cinema americano propagandeia o estilo de vida e fomenta novos


mercados que acabam por se verem associados a esta cultura. O
presidente Herbert Hoover (1929/33) notava que “onde quer que o filme
americano penetre, nós vendemos mais automóveis, mais bonés e
mais vitrolas americanas”. [...] o conceito de american way of life
procura legitimar o sistema econômico e social dos EUA e a sua
política oficial de exploração e agressão imperialistas (PEREIRA, 2012,
p.220).

Sobre o uso da mídia para alcance de objetivos, os EUA não


focavam apenas na propagação de ideais, mas também, a venda de produtos e
inserção dos mesmos em outros países e culturas. Segundo Azevedo Junior e
Gonçalves (2015) foram utilizadas variadas ferramentas de comunicação de
marketing por Franklin Delano Roosevelt, com objetivo de difundir suas ideias,
com o uso de branded content em cinema, rádio, revista e jornal; produção de
eventos, uso de assessoria de imprensa e relações públicas, moda, publicidade
e propaganda, etc. Através do uso inteligente e planejado deste conjunto de
ferramentas, somados ao poderio econômico e bélico norte-americano, foram
propagados valores que transcenderam os Estados Unidos e campearam pelo
planeta o american way of life, que repercute ainda hoje, em escala global, com
forte influência nos hábitos de comportamento e consumo.

Azevedo Junior e Gonçalves (2015, p.3,4) ainda explicitam o fato de que


na década de 1930 o rádio era o meio mais importante na comunicação com o
público. O presidente Roosevelt, ciente do potencial desta mídia, pronunciou-se
em pelo menos trinta oportunidades no período de março de 1933 a junho de
1944. Os temas variavam de questões internas como as políticas econômicas
do New Deal até o progresso militar americano durante a Segunda Guerra
Mundial.

Para os autores, o conceito central era o bem-estar gerado pelo


capitalismo democrático, representado no início do século XX pela urbanização
(arranha céus), bairros residenciais, carros e aparelhos domésticos. Os filmes
americanos da época da Depressão manifestavam o otimismo na política do New
Deal, a confiança na democracia e na iniciativa individual e a crença de que o

21
povo triunfaria sobre a hipocrisia, o egoísmo e a corrupção dos políticos e
magnatas, temas propícios para o período. As mulheres eram retratadas como
profissionais ascendentes ou garotas ricas que descobriam a importância da
democracia. Os homens, normalmente vindos de pequenas cidades, passavam
por provações que ressaltavam os padrões éticos e morais do verdadeiro homem
norte-americano. Valores ideológicos permeavam variadas produções.

TOTA (2009, p.159-160) dá exemplo do papel de Hoolywood no papel de


aceitação do New Deal e propagação do american way, tem-se os cineastas
americanos com suas obras. Frank Capra, com sua obra, de 1941, “Meet John
Doe”, traduzida como Meu adorável vagabundo, que retrata a manipulação do
homem pelo Estado. Porém, John Doe, que inicialmente é um vagabundo, ao
longo da trama torna-se um ícone, sendo então popularizado:

Depois de ser demitida pelo novo editor do jornal em que trabalhava,


Ann Mitchell [...] publica uma mentirosa coluna em seu último dia,
dizendo que um homem irá se suicidar em plena noite de Natal em
protesto contra a ganância dos ricos. Inesperadamente, a coluna tem
uma incrível repercussão, fazendo com que Ann proponha a ideia de
continuar com a farsa. Eles então procuram um homem para fazer o
papel de John Doe, o autor da tal carta suicida. Um fracassado ex-
jogador de beisebol que ficava viajando clandestinamente nos trens.
[...] John Doe é preparado pela jornalista e, quando apresentado em
um programa de auditório, acaba ganhando a simpatia do público. Doe
é um ingênuo, simples, honesto e, ironicamente, otimista e crítico da
sociedade gananciosa/materialista/consumista. A sedutora e
inescrupulosa Ann Mitchell cria clubes populares frequentados por
pessoas que veem em Doe a esperança para suas angústias. [...] John
Doe é um abnegado, altruísta, que, como Cristo, quer salvar os
sofredores, mesmo com seu próprio sacrifício. A farsa é totalmente
apoiada pelo impiedoso patrão de Ann, representado como um
empresário contrário à política trabalhista de Roosevelt. Aos poucos,
Doe percebe que está sendo manipulado e decide cumprir a falsa
promessa de se matar na noite de Natal. A farsa se converteria em
tragédia real. Aí entra o Capra que é bondoso e salvacionista. Ann se
apaixona pelo galante John Doe e impede que ele se atire do alto do
prédio. E Doe não recebe só o carinho de Ann, mas também a
solidariedade do engraxate, da cozinheira, do operário, do balconista,
do faxineiro, que vêm jurar que ele é o exemplo a ser seguido. Ao
mesmo tempo, o “povo” condena ao escárnio o ambicioso e mau
patrão. Capra é imbatível para arrancar lágrimas e suspiros da plateia.
Milhões foram aos cinemas, em especial no auge da crise.

Outra obra de Capra, foi “Mr. Smith Goes to Washington”, de 1939,


traduzida como A mulher faz o homem, “[...] Capra mais uma vez presta tributo
ao clima de solidariedade da América do New Deal. ” (TOTA, 2009, p.160). Capra

22
também retrata em suas obras de 1936 e 1932, “Mr. Deeds goes to Town”
traduzido para O galante Mr. Deeds, e “American Madness”, traduzido para
Loucura Americana, nos quais “Capra demonstra como podem existir banqueiros
bondosos [...], prevendo as relações entre Roosevelt e alguns grandes homens
de negócios. ” (TOTA,2009, p.160). Ou seja, além de Capra defender as políticas
governamentais, também defendia o homem simples e honesto. Para o diretor,
“Os heróis [...] nunca conseguiram vencer os inimigos sem aliados e esses
aliados eram a gente honesta e inocente ou pessoas persuadidas a passar para
[...] o lado do bem. ” (TOTA, 2009, p.160)

Walt Disney foi tão importante quanto Capra, ou até mais. A diferença era
que Walt Disney, interpretava e apresentava o ideal americano por meio de
desenhos animados, que podem ter um alcance maior e moldar as ideias dos
indivíduos desde criança. Para representar o New Deal, tem-se como exemplo
sua obra de 1933, Os Três Porquinhos. Tota (2009, p.161), interpreta a obra da
seguinte maneira:

No meio dos Cem Dias do New Deal, o personagem do Lobo Mau


encarnava a verdadeira Depressão. E a canção do filme, “Quem tem
medo do Lobo Mau”, transformou-se logo numa espécie de “hino”
informal do New Deal. A mensagem do porquinho Prático a seus
irmãos indolentes era clara: “aprenda a lição”, “faça o melhor que você
puder”, “faça a coisa certa”. A casa de tijolos do Prático aguentou firme
a tormenta do Lobo Mau/Depressão e ainda deu abrigo aos irmãos.
Era o espírito do New Deal.

Essa obra também foi interpretada por Azevedo Junior e Gonçalves


(2015, p.6-7):

Em Os Três Porquinhos, [...] a exaltação do trabalho duro, feito com


determinação e afinco marca importante presença. Enquanto dois dos
porquinhos constroem casas de palha e madeira, de modo displicente,
cantando, dançando e tocando seus instrumentos, o terceiro constrói
sua casa de alvenaria, ciente da importância de seu trabalho e diz:
“construo minha casa de pedras, construo minha casa com tijolos. Não
tenho oportunidade de cantar e dançar, pois, trabalho e diversão não
se misturam”. Assim, ele deixa claro ter feito sua opção pelo trabalho
sério enquanto os outros continuavam a cantar e a dançar.

Ambos diretores, “foram unanimemente aplaudidos não só pelo público,


mas pelos intelectuais e críticos da época. [...] sabiam proporcionar
entretenimento de massa” que se aproximavam “das ideias de esperança que o
New Deal pregava. ” (TOTA, 2009, p.62)

23
Outra obra significativa foi O Mágico de OZ, de 1939 escrito por Salman
Rushdie, que criam “elementos definitivos de exaltação da ordem, da
racionalidade e do método, constituintes do American way of life, aparecem com
especial destaque. ” (AZEVEDO JUNIOR; GONÇALVES, 2015, p.5)

Essas obras citadas acima, deixam claro o otimismo trazido ao povo


americano pelo American Way of Life. O final feliz “tem uma mensagem clara de
que, não importa o que tenha acontecido, o final será sempre feliz, explicitando
o otimismo fundamental ao American way of life, um otimismo ingênuo e
determinado em seus objetivos”. (AZEVEDO JUNIOR; GONÇALVES, 2015, p.7)

O consumismo é outro ponto importante que compõe o american way of


life. Esse também foi retratado em Hollywood, tendo como exemplo a obra
Tarzan - O homem macaco, de 1932, do diretor W. S. Van Dyke.

Em Tarzan, O Homem Macaco [...] Jane chegava ao coração da África


para visitar o pai, o comerciante James Parker, vinda diretamente de
Londres e, depois de fazer instalar sua bagagem numerosa na cabana
precária do pai, ela começava a passar um creme no rosto para depois
removê-lo cuidadosamente com um lenço. Durante esta ação, que é
mostrada com a atriz Maureen O’Sullivan (Jane) olhando diretamente
para câmera - como se esta fosse seu espelho – plano. Próximo,
câmera plana e parada - ela e o pai - que a observa ao fundo do quadro
- travam o um diálogo em que ela pode falar-lhe (e ao público) sobre
as vantagens do uso de cremes faciais. (AZEVEDO JUNIOR;
GONÇALVES, 2015, p.7)

Com o alcance e influência dessas mídias, identifica-se facilmente que


elas conseguem, de fato, alcançar seus objetivos. Meneguello (1996, p. 17), trata
da questão da ‘influência’ cultural do cinema americano. Segundo o autor, essa
influência é geralmente entendida como: força externa que invade outro país e
se faz aceitar, seduzindo ou convencendo. Contanto, quando o autor qualifica o
cinema americano como ‘imperialista’ e empobrecedor, considerando sua
estética irrecuperavelmente propagada pelo seu tom comercial, deixa claro um
outro ponto de vista: o aspecto positivo da participação do cinema. Positivo não
no sentido moral do termo, mas no sentido em que esse cinema foi efetivo,
funcionou, veiculou padrões estéticos, de vida e expectativas, embeveceu e
irritou. Ou seja, essa mídia alcançou com sucesso os objetivos a ele proposto.

Azevedo Junior e Gonçalves (2015, p.5) relatam o fato de que durante o


século XX, o american way of life espalhou-se pelos quatro cantos do mundo,

24
sendo adotado pelas mais diferentes culturas. No Brasil, os meios de
comunicação tiveram papel fundamental na disseminação desse modo de vida,
apresentando suas características e seus procedimentos, de modo sedutor e
convincente. O cinema hollywoodiano tomou para si essa tarefa, de forma
enfática, no momento em que se consolidou como uma indústria produtora de
filmes no processo de linha de montagem. Os filmes hollywoodianos da década
de trinta, produto acabado da junção entre a ‘impressão de realidade’ e a ‘história
de sonho’, preconizados pela narrativa clássica – modelo narrativo criado por
Hollywood, fundamental para a transformação de seu cinema em um eficiente
veiculador de ideologia – possibilitaram a apresentação do modo norte-
americano de se viver a vida, sua maneira de encarar problemas, suas soluções
para eles, seu modo particular de alcançar a felicidade e o próprio conceito de
felicidade. As informações sobre esse modo norte-americano de estar no mundo
nos eram dadas tanto no roteiro dos filmes, nas falas dos personagens, em suas
atitudes, como também na própria organização da imagem exibida, nos
enquadramentos, na montagem. Os autores ainda dizem que a produção
cinematográfica norte-americana, consolidou-se na década de 1930, baseada
no oligopólio de grandes estúdios, nas celebridades hollywoodianas e na
autocensura. Para os autores, as celebridades, aproveitaram-se deste nicho de
publicações especializadas e com isso divulgavam o estilo de vida norte-
americana, que azeitava o funcionamento da indústria cinematográfica, tornando
a audiência atenta e cativa ao universo de Hollywood.

Silva (2012, p.50) aborda o cinema hollywoodiano da seguinte maneira:

Os estúdios de Hollywood, que desde as décadas de 1930 e 1940 já


dominavam a maior parte do mercado cinematográfico mundial
(MENEGUELLO, 1996), passaram a construir imagens e produzir
modelos, centrados na vida privada, que carregavam em si algumas
das aspirações fundamentais daquela sociedade, como uma tradução
implícita do American Way of Life.
Cristina Meneguello afirma que o cinema de Hollywood, principalmente
a partir da década de 1940, deixou marcas na história cultural dos
países consumidores de filmes, por sua enorme difusão, pelo caráter
mítico atribuído aos artistas e a um estilo de vida ideal, que
caracterizou a fase dos “anos dourados”, contribuindo para que o
cinema hollywoodiano se tornasse um elemento importante na
constituição de subjetividades dos indivíduos.

25
A partir da Segunda Guerra Mundial, os interesses do governo Americano
se inseriram mais ainda em Hollywood. Basicamente, eram mostrados os
esforços dos aliados com sua forte união contra e a infelicidade e não
concordância com as ações fascistas. Segundo Azevedo Junior e Gonçalves
(2015, p.7-8):
No período da Segunda Guerra Mundial, a interação entre governo e
Hollywood tornou-se mais explícita [...] com a luta pela democracia com
as nações aliadas contra as forças fascistas, representadas por
lideranças ditatoriais que escravizavam o povo; a importância do front
interno, retratando o funcionamento normal da sociedade mesmo em
tempos de guerra e; as forças de combate, mostrando o treinamento e
os batalhões multiétnicos das forças aliadas (PEREIRA, 2012 p.611).
O uso de estereótipos, fundamentais na linguagem audiovisual,
mostravam os fascistas caracterizados por lideranças autocráticas com
interesses imperialistas, fomentando guerras e disseminando o ódio
racial e religioso. São exemplos, filmes como: The Great Dictator
(Charles Chaplin, 1940); Der Fuehrer's Face (Walt Disney, 1942);
Casablanca (Michael Curtiz, 1943); Guadalcanal Diary (Lewis Sailer,
1943); Behind the Rising Sun (Edward Dmytryk, 1943).
No somatório da produção cinematográfica americana é notório que a
construção da identidade de defensores da democracia e justiça,
reconhecedores do esforço premiado com o consumo, ganhou o
mundo principalmente após a Segunda Guerra Mundial e tornou-se o
padrão do capitalismo global.

Com a ascensão fascista e a luta dos aliados para que o resto do mundo
aceitasse a causa e fosse, também, contra o fascismo, o alcance da mídia,
consequentemente, deveria maior. Ou seja, a mídia americana e o ideal do
american way of life, a partir desse momento, seria propagado de maneira mais
extensa para os outros países do globo, e principalmente, para a “outra américa”,
a nossa américa.

26
4 A POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA E A INVASÃO CULTURAL NORTE
AMERICANA NO BRASIL

Segundo Tota (2015), o relacionamento dos Estados Unidos com os


vizinhos do continente americano, inicialmente, era baseado na política Big Stick,
porém, Franklin Delano Roosevelt mudou radicalmente esse relacionamento.
Substituiu a política Big Stick do “machão” Theodore Roosevelt pela Good
Neighbor Policy, a famosa Política da Boa Vizinhança.
“Em seu discurso ao Congresso Nacional, em 06 de dezembro de 1904,
Theodoro Roosevelt expressa os fundamentos do que ficou conhecida como a
política do “Big Stick”. (ARGENTINA,1904, p.4 apud HEINSFELD, 2005, p.1):

Qualquer país cuja pessoas são bem dirigidas, pode contar com a
nossa sincera amizade. Se uma nação mostra que sabe como agir com
eficiência e decência racional em questões oficiais e políticas, se
mantem a ordem e satisfaz seus compromissos, não precisam temer a
intervenção dos Estados Unidos. O mau comportamento crónico ou
impotência pode trazer resultados na desvinculação geral dos laços da
sociedade civilizada ou pode finalmente forçar na América, ou outros
lugares, à intervenção de alguma nação civilizada, e no Hemisfério
Ocidental a adesão dos Estados Unidos à Doutrina Monroe pode forçar
os Estados Unidos a exercer, em casos flagrantes de tal conduta ou
impotência, a força policial internacional. (Tradução nossa)

“A política do “porrete” (big stick), [...] consistia basicamente de


intervenções sistemáticas em países vizinhos que estivessem atravessando
processos de instabilidade política. ” (FERES JUNIOR, 1999, p.183)
Essa política de imposição de poder se mostra totalmente diferente da
Política da Boa Vizinhança, na qual se procurava imprimir um relacionamento de
respeito mútuo entre os países da américa: “Já no início da gestão, o presidente
americano havia deixado claro que respeitaria a autonomia dos vizinhos do Sul.
Isso era uma reversão da política de intervenções [...] “Bons vizinhos devem
cumprir acordos e respeitar tratados” era a mensagem de FDR”. (TOTA, 2015,
p.163).
Uma das preocupações do OCIAA (Coordinator of Inter American
Affairs), como ficou mais conhecida essa agência [...] era transmitir a
ideia de que os Estados Unidos queriam cultivar uma amizade sincera,
sem interesses, com seus vizinhos. A agência chefiada por Nelson
Rockefeller usou todos os meios para nos convencer disso. Promoveu
programas de saneamento que incluíam combate às doenças tropicais,
ajudou a elaboração de projetos de desenvolvimento em várias regiões
do subcontinente. Mas, principalmente, utilizou da força dos meios de

27
comunicação dos Estados Unidos para “invadir” culturalmente os
países da América Latina. Foi nessa época a ida de Carmen Miranda
para Hollywood. E foi nessa época que Walt Disney criou em seus
desenhos animados alguns personagens em homenagem à América
Latina. O mais famoso, pelo menos para nós brasileiros, foi o
“nascimento” de Zé Carioca, que ainda hoje sobrevive em esparsas
publicações infantis.
Assim, os americanos estavam cumprindo os desígnios de transferir a
seus vizinhos os valores americanos. Os valores do americanismo
composto pela ideia de democracia, de progresso, de uma sociedade
mais justa. Em outras palavras, os americanos queriam persuadir, de
qualquer maneira, a América Latina a cerrar fileiras com a “grande
democracia” na luta contra a Alemanha”. (TOTA, 2015, p.164)

Carvalho (2013, p.4) explica os propósitos da Política de Boa vizinhança


dos EUA, no Brasil. O autor inicia sua explicação explicitando o ano de 1928,
momento onde Hoover cunha o termo “good neighbor” para o Brasil, termo que
futuramente seria apropriado pelo presidente Roosevelt, tornando-o plataforma
de política externa. Para os EUA, o Brasil era visto com um importante parceiro
no continente americano, conquistá-lo por vias pacíficas significava garantir
território de influência norte americana, num contexto de guerra onde a influência
alemã se expandia globalmente.
Carvalho, ainda menciona que os EUA exportaram o american way of life
para o Brasil. Além dos norte-americanos mandarem vários profissionais
especializados para o Brasil, também levam aos EUA vários brasileiros, com o
propósito de difundir o modelo cultural norte-americano no Brasil.
O mesmo autor ainda retrata que a Política de Boa Vizinhança propôs
abandonar a intervenção dos EUA nas Américas e a igualdade jurídica entre
todas as nações do continente, deixando a conquista autoritária de lado e
buscando uma “conquista amigável”. Ou seja, com a Política da Boa Vizinhança,
os EUA substituem o Big Stick, considerada uma intervenção armada, pela
conquista dos corações e, assim sendo, não abandonam suas pretensões
imperialistas.
Aos poucos, se tornava fácil identificar a mudança de costumes
brasileiros, que a partir desse momento, eram voltadas a elementos de cultura
absorvidas por filmes que viam e por propagandas que assistiam. “A imprensa
brasileira não demorou a aliar-se ao cinema de Hollywood na tarefa de exaltar
as qualidades do modo norte americano de ser e de existir”. (AZEVEDO
JUNIOR; GONÇALVES, 2015).

28
Carvalho (2013), identifica que a partir dessa introdução cultural norte
americana no Brasil, se pode perceber que se instaura no Brasil um debate entre
favoráveis e contrários à influência norte americana sobre o país. Azevedo Junior
e Gonçalves (2015) identificam fragmentos desses debates, tendo como
exemplo o escritor modernista Mario de Andrade, que escreveu na revista Klaxon
a propósito do filme brasileiro Do Rio a São Paulo para Casar, de José Medina:
[...] acender fósforos no sapato não é brasileiro. Apresentar-se um
rapaz à noiva, na primeira vez que a vê, em mangas de camisa, é
imitação de hábitos esportivos que não são nossos [...]. É preciso
compreender os norte-americanos e não macaqueá-los. Aproveitar
deles o que têm de bom sob o ponto de vista técnico e não sob o ponto
de vista dos costumes (RAMOS, 1987, p.105-6).

Azevedo Junior e Gonçalves (2015, p.7) ainda, estudam detalhadamente,


o conteúdo das edições da revista O Cruzeiro, que foi importante publicação
brasileira nos anos trinta e quarenta, que nos mostra de maneira explicitada a
importância do cinema hollywoodiano na veiculação do American way of life e o
quanto esse modo de vida estava incorporado à vida brasileira:

A revista O Cruzeiro dedicou, durante a década de 1930, cada vez mais


espaço aos assuntos que levassem em consideração qualquer aspecto
do mundo cinematográfico, desde críticas e resenhas de filmes, até
anúncios que aproveitassem a imagem das estrelas de cinema para
vender seus produtos. Em 1931, a revista semanal apresentou uma
média de 14 páginas por mês com estas características. Em 1932, a
média subia para 20 páginas por mês, em 1936 já eram 26 páginas por
mês e no final da década, em 1939, O Cruzeiro trazia uma média de
32 páginas mensais com referências diversas ao mundo
cinematográfico sendo que, durante toda a década, Hollywood fazia
parte da esmagadora maioria dessas referências, tendo como tímidos
companheiros o cinema alemão, francês, italiano, português, latino-
americano e brasileiro.
Nas páginas de O Cruzeiro, o estímulo à cópia da aparência e do
comportamento das estrelas de Hollywood era uma constante. Em
28/01/1933, escreve-se: “Hum! Porque então ás jovens não assiste o
direito de copiarem os ares de Garbo, seus hábitos e suas roupas? ”.
A agenda da atriz Constance Bennett, com horário e descrição de cada
atividade, era publicada em 25/03/1933 com a seguinte introdução:
“Para os leitores que gostariam de saber como passam os dias os seus
artistas prediletos, vamos revelar aqui o dia de Constance Bennett, que
pode servir de paradigma”. Fred Astaire dá conselhos de como
aprender a dançar na edição de 27/07/1935 e, em 12/06/1937, a revista
aconselha o sapateado como um recurso para moças modernas
“conservar a tão desejada ‘linha’” além de ser “uma gymnastica
extremamente alegre e viva”.
Os homens e mulheres que o público brasileiro vislumbrava nos filmes
de Hollywood encarnavam o ideal da aparência humana. Não importa
se viessem da Suécia ou do México, se vestissem roupas modernas
ou trajes do século dezoito, ostentavam sempre uma aparência
hollywoodiana e, portanto, norte-americana. Aparência esta que se
universalizava enquanto ideal. Na edição de 25/11/1933 de O Cruzeiro,

29
são construídas duas fotografias, a de um homem e a de uma mulher,
chamadas respectivamente de “O Homem Ideal” e de “A Mulher Ideal”,
formadas a partir de traços retirados de outras fotografias de astros e
estrelas de Hollywood. Em 21/05/1938, O Cruzeiro trazia um anúncio
Max Factor com foto da atriz Joan Bennett, estrelando o filme Vogas
de Nova York, então em cartaz no país, e com os seguintes dizeres:
“Quando assistir ao filme todo colorido “Vogas de Nova York” e admirar
a beleza natural, harmoniosa e suave de Joan Bennett, lembre-se de
que ela usa exclusivamente o make-up de Max Factor em Harmonia
de Côres”. Fazia-se, então, uma alusão direta não só à atriz, mas
também ao próprio filme de Hollywood.
Os hábitos alimentares do brasileiro também sofreram alterações
durante a década de trinta, com os novos produtos de origem norte-
americana introduzidos no mercado nacional e com o estímulo que o
cinema dava à aceitação dos costumes alimentares norte-americanos.
Cenas da família norte-americana reunida na mesa do breakfast como
em O Amor Encontra Andy Hardy (1938) consumindo suas panquecas
e ovos mexidos vinham ao encontro da comercialização no Brasil de
produtos como a Quaker Oats (a hoje tradicional Aveia Quaker) ou o
achocolatado Toddy. Na edição de 11/11/1933 de O Cruzeiro,
encontramos um artigo intitulado “Elles preferem estes pratos...” onde,
entre outros, Greta Garbo ensina como preparar uma omelete.

A citação acima mostra claramente a inserção norte americana na nossa


cultura. Desde o “conteúdo dos filmes há todo um esquema industrial e
mercadológico montado que, mesmo talvez visando apenas a obtenção de
lucros e vantagens econômicas” (AZEVEDO JUNIOR; GONÇALVES, 2015,
p.12), trouxe para a nossa cultura um modo de vida que se tornou cada vez mais
predominante e familiar, a nós, brasileiros.

Alves (1998, p. 55,56) também identifica como Hollywood foi uma peça
importante para a inserção dos ideais americanos no Brasil, iniciando essa
identificação dando enfoque nos anos 1950 e 1960, que para ele foram, em
termos culturais, os “anos dourados” da invasão cultural norteamericana no
Brasil, iniciada antes da Segunda Guerra. A TV penetrou-se nos lares com
enlatados que propagavam sutil, mas intensamente, o american way of life, já
introduzido entre os brasileiros com os filmes sonoros feitos em Hollywood.
Conquistando o lugar de honra em suas salas de visita, foi lenta e gradualmente
nos convocando a engrossar as fileiras do grande exército mantenedor da
sociedade tecnológica e de consumo e defensor, muitas vezes
inconscientemente, do imperialismo yankee. Com seus noticiários de conteúdo
informativo selecionado por agências norte-americanas, com os super-heróis de
seus desenhos animados, filmes de cowboys, guerra e espionagem, os
brasileiros foram absorvendo algumas imagens preconcebidas, reducionistas,

30
padronizantes (estereótipos) e mensagens de conteúdo notadamente ideológico.
O autor narra que, juntamente com o cinema, os quadrinhos e a música, a TV
encheu os indivíduos de ideias como, puros clichês, estereótipos, preconceitos,
mitos e mistificações:

• Os USA eram os grandes defensores da liberdade e da


democracia, enquanto a URSS e os socialistas em geral
difundiam o terror, praticavam “lavagens cerebrais” e
exportavam” espiões para as terras do “mundo ocidental e livre”.
• O muro de Berlim, ou “muro da vergonha”, teria sido erguido
por interesses “exclusivamente russos”, que haviam
transformado o lado oriental da cidade em verdadeiro “campo de
concentração”.
• Os alemães nazistas e os russos socialistas, “apesar de
perversos” e da alta tecnologia de que dispunham,
apresentavam uma ingenuidade bastante primária diante da
astúcia e do heroísmo dos seus inimigos norte-americanos.
• Os japoneses (da Segunda Guerra), os coreanos (do pós-
guerra) e os vietcongues (da década de 1960), envolvidos em
guerra com os americanos, eram “fanáticos irracionais e
traiçoeiros”. Os chineses (naquela altura já “socializados”) eram
“enigmáticos, misteriosos e suspeitos”.
• Os verdadeiros “vencedores da democracia” na Segunda
Guerra eram os americanos, coadjuvados por ingleses e
franceses. Eram raras as cenas de filmes que mostravam os
soviéticos como aliados e vencedores também.
• Os USA ofereciam a todos os que lá viviam, ou para lá se
dirigiam, facilidades de trabalho bem remunerado, casas bem
equipadas com eletrônicos diversos e possibilidade de ascensão
fácil.
• Índios “impermeáveis ao progresso”, às vezes ingênuos, outras
vezes cruéis e vingativos, escalpelavam impiedosamente
valentes e laboriosos pioneiros e missionários, suas fiéis e
dedicadas mulheres e crianças de sorrisos angelicais e faces
rosadas e sardentas.
• As famílias americanas, apesar de pequenos
desentendimentos do casal, dividiam alegremente entre seus
membros as tarefas domésticas e divertiam-se animadamente
em weekends e picnics comunitários e primaveris,
transformando até mesmo as convenções partidárias em
“fantásticos shows da vida”.
• Policiais nunca eram corruptos. Abnegados trabalhadores a
serviço da ordem e tranquilidade da nação, sacrificavam o
convívio com a família, o lazer, e arriscavam a vida para salvar
pessoas de toda espécie de perigo.
• O espírito jovial, o coração sempre aberto e pronto a desculpar
os deslizes do namorado, a fidelidade, a perseverança, algum
truque para acentuar sua beleza, o glamour, garantiam, no final,
um bom marido às “moças casadoiras”.
• Os “heróis” eram leais aos seus amigos e à pátria. Corajosos,
enfrentavam qualquer risco para salvar crianças, mulheres,
velhos ou animais em perigo. Rápidos no raciocínio e no gatilho,
tinham um olhar avassalador, tiros e murros certeiros,
obstinação para atingir seus objetivos, mas não resistiam à
sedução de mulheres fatais, pois afinal os “apelos da carne” são
muito fortes nos homens!

31
• Cidadãos e (raras vezes) algumas cidadãs eram dotados de
poderes mágicos, vindos de alguma força benéfica sobrenatural,
que os transformavam em trabalhadores incansáveis a serviço
do bem-estar das populações. Não tinham sequer tempo de
constituir sua própria família e dar vazão às suas necessidades
afetivas e sexuais mais básicas. (ALVES, 1998, p. 55,56)

Para Alves (1998), foi moldado estereótipos americanos no nosso país, e


além disso, muitos preconceitos e clichês, onde a geração que se tornava adulta
nessa época, falava, cantava, se vestia e pensava como os norte-americanos,
distanciando-se cada vez mais da realidade brasileira. Alves menciona que,
alguns anos depois, Renato Russo, denunciaria, em versos cantados até hoje,
as consequências da invasão cultural norte-americana na década de 1960:
‘Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram
com os enlatados dos USA... /Desde pequenos nós comemos lixo... /Mas agora
chegou a nossa vez: Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês’ (Geração
coca-cola).
Face a essas críticas, Alves (1998), afirma que não significa,
absolutamente, nada do que vinha dos USA não prestasse. Muito pelo contrário,
ela menciona que qualquer um que tenha acesso à produção da indústria cultural
norte-americana daquela época pode constatar seu alto nível técnico e,
sobretudo no que diz respeito à cinematografia, como por exemplo, musicais,
comédias, desenhos animados, filmes de suspense etc. que se tornaram
inesquecíveis. A mesma autora explica que analisa a questão com um ponto de
vista crítico, uma vez que entre os brasileiros são muitos os que admiram,
aplaudem e usufruem dos bens culturais norte-americanos, mas são poucos os
que observam mais criticamente, a ponto de separar “o certo do errado”, até
mesmo por falta de oportunidade de questioná-los.
Contanto, é essencial entender que não foi apenas por meio da
publicidade e por Hollywood que os ideais americanos foram inseridos no Brasil.
Segundo ALVES (1988, p.17,18):

[...] na década de 1930, mas sobretudo a partir da Segunda Guerra


Mundial (1939-1945), a influência política e econômica da Inglaterra na
América foi cedendo espaços cada vez maiores à norte-americana.
Encontrando no Brasil desse período a política getulista de
desenvolvimento industrial, o capital norte-americano foi se infiltrando
em nossa economia sob a forma de empréstimos e equipamentos,
estabelecimento de subsidiárias (filiais), assistência técnica etc.
Abriram-se então nossas portas para as multinacionais, empresas

32
gigantes que, a partir da empresa matriz, que age como centro
decisório no país de origem, atuam em vários países onde possuem
ramificações de seus negócios. As que no Brasil iniciaram suas
atividades tinham sede sobretudo nos USA, e foi sob a tutela do
capitalismo internacional, sobretudo yankee, que se desenvolveu
nosso próprio capitalismo industrial. Coincidindo esse momento com a
Segunda Guerra e a Guerra Fria, os USA usaram nossa dependência
econômica para garantir também o alinhamento político do Brasil,
primeiramente contra as potências do Eixo (Alemanha, Japão e Itália)
e depois contra a expansão do socialismo e do poder da então URSS.
Não foram, entretanto, só nossas indústrias de bens de consumo
materiais que surgiram ligadas ao capital norte-americano. Os setores
de comunicação de massa se constituíram, da mesma forma, ou por
investimentos diretos de multinacionais ou pela associação de
empresários yankees aos brasileiros, ou, ainda, quando originárias de
capital nacional, utilizando tecnologia e modelos de produção oriundos
dos USA. Além disso, a importação de filmes, músicas e quadrinhos
dos USA não parou de crescer desde os anos 1930, sobretudo nas
décadas de 1970, 1980 e 1990. Dessa maneira, sem que os norte-
americanos se apropriassem do nosso território, tivessem que vir
pessoalmente até o Brasil ou destruíssem fisicamente seus habitantes,
como no passado fizeram os portugueses, passamos a sofrer quase o
mesmo processo de invasão, dominação e colonialismo cultural
experimentado pelos índios após 1500. Tratava-se agora de uma
“invasão teleguiada”, sem a presença do invasor, que, mesmo lá da
América do Norte, fazia chegar até nós seus produtos culturais.
[...] de fato a ausência física do novo invasor e a imposição de sua
cultura através do consumo, e não da escravidão, nos dariam a ilusão
de estarmos preservando nossa liberdade e exercendo uma
autodeterminação. Além disso, a entrada no país desses novos
elementos culturais pareceria a muita bastante conveniente e até
natural, uma vez que nossos projetos “desenvolvimentistas” tinham
como meta levar o Brasil a atingir, o mais rápido possível, o estágio em
que se encontravam os USA. Tal como antes ocorrera com os nossos
índios, que para trabalhar e viver com os portugueses tiveram de
adotar os seus costumes, nós também, agora, como assalariados das
multinacionais norte-americanas ou importadores dos produtos de sua
ciência, arte e tecnologia, tivemos de aprender o inglês, manejar seus
artefatos e nos moldar aos seus padrões, a fim de produzir e consumir,
em primeiro lugar, o que lhes era mais favorável.

Essa inserção norte americana na cultura brasileira vem de maneira


ambígua e em algumas situações, não identificadas pelos brasileiros, que por
muitas vezes são instigados a agir, consumir e se comportar de uma maneira
empregada pelo subconsciente e imposta pela inserção “teleguiada” norte
americana. Dessa maneira, pode-se considerar essa inserção pelo termo
“invasão cultural”, se referindo a esse de maneira:

A invasão cultural [...] refere-se portanto, à introdução massiva e


maciça de elementos culturais norte-americanos, tanto materiais
quanto imateriais, no dia a dia de quase todos nós, transformando-nos
em milhões de brasileiros americanizados [...] que bebe coca-cola,
fuma Marlboro, pratica surf, curte techno, veste jeans, come McFish no
McDonald’s, sonha com uma viagem ao Hawai, assiste Pânico, luta
para adquirir sempre um maior status, acredita que no mundo

33
capitalista há chances para todos, que dinheiro não traz felicidade (…
mas ajuda), garante que o socialismo morreu, assiste a reality shows,
embora não preste muita atenção aos dramas sociais vividos
intensamente por compatriotas brasileiros, bem mais próximos e mais
reais, ali mesmo em sua cidade. Ou, se presta, acha que isso não tem
nada a ver com ele. Enfim, estamos falando da disseminação de
elementos produzidos fora do Brasil, muitas vezes inadequados às
nossas reais condições e necessidades sociais, e que não está restrita
apenas a alguns segmentos sociais ou regionais da população, mas à
grande maioria de brasileiros, embora seja mais marcante no eixo
Rio—São Paulo, onde se concentram as transnacionais e grandes
empresas de comunicação. O brasileiro não tem consciência plena de
que essa imposição de hábitos, modas e valores se realiza por
processos artificiais, beneficiando o capitalismo e o imperialismo norte-
americanos e garantindo nosso alinhamento político aos USA. Trata-
se, enfim, de uma penetração cultural, fruto de um planejamento
cuidadosamente elaborado pelo governo dos USA (mas
essencialmente pacífica, porque não há utilização de força ou material
bélico), da qual nem sempre nos damos conta, mas que cerra nossos
olhos e ouvidos e nos anestesia a razão e os sentidos para outras
formas estrangeiras de arte, literatura, tecnologia, lazer etc. Trata-se,
principalmente, de uma invasão que fecha amplos espaços para a
criatividade e produção cultural mais ligada à nossa brasilidade. Em
outras palavras, é da hegemonia dos padrões e valores da cultura
norte-americana em alguns de nossos setores e da sua influência
extremamente marcante em outros. [...] A hegemonia que transforma
atitudes, valores, hábitos estrangeiros em algo tão habitual, tão
aparentemente natural em nosso meio, que às vezes nem mesmo é
reconhecido como importado. (ALVES, 1988, p.18 -19)

Freire (1978) define, explica e analisa o termo invasão cultural. Para ele,
a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural
dos invadidos, impondo a estes, sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a
criatividade, ao inibirem sua expansão. Neste sentido, Freire explica que a
invasão cultural, é indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é
sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou
se vê ameaçado de perdê-la. Por isto é que, na invasão cultural, os invasores
são os autores e os atores do processo, já os invadidos, seus objetos. Os
invasores modelam, os invadidos são modelados. Os invasores optam, os
invadidos seguem sua opção. Os invasores atuam e os invadidos têm a ilusão
de que atuam, na atuação dos invasores.
Freire narra que a invasão cultural tem dupla face. De um lado, é já
dominação; de outro, é tática de dominação. Na verdade, toda dominação
implica numa invasão, não apenas física, visível, mas às vezes camuflada, em
que o invasor se apresenta como se fosse o amigo que ajuda. No fundo, a
invasão é uma forma de dominar econômica e culturalmente ao invadido. Invasão
realizada por uma sociedade matriz, metropolitana, numa sociedade

34
dependente, ou invasão implícita na dominação de uma classe sobre a outra,
numa mesma sociedade. Segundo o autor, os invasores, na sua ânsia de
dominar, de amoldar os invadidos a seus padrões, a seus modos de vida, só
interessa saber como pensam os invadidos seu próprio mundo para dominá- los
mais.

Freire ainda explicita que um fato importante, na invasão cultural, é que


os invadidos vejam a sua realidade com a ótica dos invasores e não com a sua.
Ou seja, quanto mais mimetizados fiquem os invadidos, melhor para a
estabilidade dos invasores. Uma condição para o sucesso da invasão cultural é
o convencimento por parte dos invadidos de sua inferioridade intrínseca. Como
não há nada que não tenha seu contrário, na medida em que os invadidos vão
reconhecendo-se “inferiores”, necessariamente irão reconhecendo a
“superioridade” dos invasores. Com isso, os valores destes passam a ser a
pauta dos invadidos. Quanto mais se acentua a invasão, alienando o ser da
cultura e o ser dos invadidos, mais estes quererão parecer com aqueles: andar
como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo.

Freire revela ainda que, a manutenção do status quo é o que interessa


aos invasores, na medida em que a mudança na percepção do mundo, que
implica, neste caso, na inserção critica na realidade, os ameaça. Outro fato
importante narrado pelo autor, é a questão de que, na invasão cultural, os
atores, que nem sequer necessitam de, pessoalmente, ir ao mundo invadido,
sua ação é mediatizada cada vez mais pelos instrumentos tecnológicos.

Pode-se identificar muito da cultura norte americana no dia a dia dos


brasileiros, no modo que se fala, escreve, etc. Alves (1988, p.20) analisa o
processo de invasão cultural norte americana:

Uma análise do processo de invasão cultural norte-americana sofrido


por nós aqui no brasil. [...] alguns elementos desse processo,
intensamente absorvidos e incorporados à nossa rotina diária, são
menos claramente percebidos do que outros, tentaremos fazer um
levantamento geral de sua presença em nosso cotidiano. Acreditamos
que algumas circunstâncias nos têm levado a encarar com excessiva
naturalidade, ou até mesmo com certa indiferença, a predominância no
Brasil desses elementos tão estranhos à nossa cultura. Nossa extrema
familiaridade com a língua inglesa, por exemplo, é uma dessas
circunstâncias, porque depois do português ela é a língua que mais
ouvimos, lemos e falamos no brasil, embora estejamos cercados de

35
países de língua espanhola e convivamos com imigrantes de várias
nacionalidades, cujas “falas”, aliás, a maioria dos brasileiros tem
dificuldade até mesmo de identificar a origem. Além de ser
praticamente o único idioma estrangeiro ensinado hoje nas escolas
oficiais (o espanhol começa a entrar nos currículos de algumas poucas
instituições), a presença do inglês é maciça e constante nas músicas
mais tocadas pelas fms e nos filmes em cartaz nos cinemas, exibidos
nas tvs por assinatura ou à disposição nas locadoras, em videocassete
ou em dvd. Objetos os mais diversos têm nomes ou marcas de fantasia
em inglês, e, às vezes, esses nomes não correspondem a nenhum
vocábulo que realmente exista nessa língua, mas parecem a ela
pertencer por causa da forma como são escritos. As coisas se passam
como se dessa maneira a palavra adquirisse um novo status, ou
tivesse o poder de melhorar até mesmo a qualidade do produto que ela
representa. Proliferam-se por isso palavras que não passam de
hibridismos criados pela mistura do português com algumas
características gráficas da língua inglesa, que lhes conferem um certo
“sotaque” norteamericanizado, tão ao gosto da classe média brasileira
atual. Para tanto são utilizados intensamente os sufixos -ax, -ex, -ox e
-lândia, as letras k, y, w, consoantes dobradas ou mudas (em
terminações de palavras), além do designativo de posse (ou genitive
case) e o famoso up. E assim é que usamos panex, neutrox, kibon,
success e close-up, compramos na gurilândia, comemos no antonio’s
etc. Como, no entanto, algumas palavras inglesas já foram há muito
tempo abrasileiradas em sua escrita, muitos jovens talvez nem se
dêem conta de sua origem estrangeira. É o caso, por exemplo, destas
citadas em grafia original para que melhor se evidencie a sua
procedência: basket, football, hello, beef, cocktail e muitas mais. Há
outras que também são bastante utilizadas, mas nunca foram
traduzidas para o português, como se sua forma de designação em
língua inglesa fosse a única possível. É o caso de close, drive-in, show,
slogan, office-boy etc. E ainda há aquelas que têm sua correspondente
em nossa língua, mas que insistimos ainda em usá-las no inglês por
acharmos que dessa forma elas “soam” melhor. Dizemos muito mais
drink quando nos referimos a aperitivo ou a uma bebidinha rápida
qualquer, free lancer para trabalhador independente ou autônomo,
playground em vez de parquinho, overdose quando poderíamos falar
em dose excessiva, e assim por diante.

Entretanto, apesar de se poder identificar essa invasão cultural, não há


muito que se possa fazer para mudar essa situação. Como afirma Alves (1988,
p.14): “o fato de termos consciência da invasão cultural não nos livra
absolutamente dela ”. Ou seja, todos os indivíduos, ou pelo menos a maioria, já
estão inseridos de maneira extrema aos ideais norte-americanos, na maneira de
falar, de agir, do que comer. “[...] quando passamos a ter noção de sua
existência, nossos hábitos, valores e preferências em geral estão tão
solidificados que, [...] custa muito até que nos descartemos deles, se é que nos
descartamos. ” (ALVES, 1988, p.14)
Essa influência advinda da cultura norte americana, nos torna cada vez
mais dependentes dos EUA, dos seus filmes, seus produtos, mesmo que
inconscientemente.
36
Alves (1988) afirma que em sua maior parte, os valores que foram
impostos aos indivíduos por um sistema ideológico veiculado pelos meios
modernos de comunicação de massa e pelos produtos consumidos após a
estimulação publicitária de algumas necessidades materiais ou psicológicas que
os indivíduos não tinham e que a partir da imposição dos mesmos, passam
parece-los básicos. Além disso, se fosse possível descartar todos esses
elementos importados, isso não teria significação se o processo ocorresse
apenas em escala individual e se não tivessem outros valores e formas
alternativas de solução que preenchessem o vazio deixado por eles. Alves expõe
que denunciar a invasão cultural não implica que se tenha de deixar de beber
coca-cola, ouvir rock, apreciar um bom filme norte-americano de ação ou de
ficção científica ou trocar nossos jeans por calça de algodão branco e os tennis
por sandália artesanal de couro cru, mesmo porque entre os produtos importados
da cultura americana há coisas excelentes e seria uma pobreza de espírito muito
grande não reconhecer isso. Numa época em que os meios de comunicação
propiciam cada vez mais o intercâmbio entre os povos seria impossível preservar
uma cultura de influências externas de qualquer espécie.

A possibilidade da tentativa de se livrar da influência externa, se torna


cada vez mais difícil depois que já ouve a inserção extensa dessa cultura na
sociedade em si. Tal fato se expande de tal maneira que pode até causar a perda
da identidade cultural nacional. Assim, se vê necessário ter uma identidade,
porém, se torna cada vez mais difícil mantê-la com a expansão da globalização.

Nestes tempos de globalização, com a disseminação das linguagens e


códigos da informática, do mundo empresarial, dos negócios, dos
esportes, das artes etc. e com o acesso cada vez mais amplo à Internet
e aos padrões culturais norte-americanos expandidos em todo o
planeta, nosso vocabulário cotidiano passou a incorporar outras
centenas de palavras do inglês, tais como: web, net, e-mail, laptop,
softwares, page, homepage, site, download, business, standard,
ranking, fastfood, sale, networking, expert, marketing, franchising,
MBA, delivery, hits, performance, bike, breakfast, zoom, van, camping,
jet ski, apart hotel, flat, check in, check out, off, resort, air bag, DVD,
top, t-shirt, twin-sets, fashion etc. Se por um lado a familiaridade com a
língua inglesa torna mais fácil a não percepção da invasão e a
aceitação de elementos culturais norte-americanos, por outro, em
determinadas ocasiões, é exatamente a ausência do idioma que
conduz à mesma situação (ALVES, 1988, p. 21).

37
Segundo Fróis (2004, p.4):

Pertencer a uma cultura significa ter identidade frente ao outro –


qualquer – e, sobretudo, compartilhar, com aqueles pertencentes à
mesma cultura, um grau de igualdade tal que se permita, a cada
indivíduo, ser, ao mesmo tempo, livre e igual, já que o que torna os
homens iguais em uma cultura subjaz à própria consciência de
identidade que o torna livre em sua manifestação dessa cultura.
Segundo Stuart Hall (2002), a identidade cultural apresenta-se sob dois
focos. O primeiro refere-se à cultura compartilhada em sociedade ou
nação, aquela que reflete experiências históricas comuns consolidadas
em códigos e referências [...]. Esses códigos e referências dão sentido
à pertinência a uma sociedade ou nação, representando o corpo
estável da cultura. O segundo foco refere-se, complementarmente ao
primeiro, à experiência individual que agrega valores e referências a
uma cultura, tornando-se mecanismo de transformação, mudança e
adaptação dessa. O contato entre povos de diferentes culturas,
sobretudo após a aceleração do processo de globalização verificado
desde o esvaziamento pragmático do socialismo e certamente em
decorrência da polarização mundial após a Segunda Grande Guerra,
tornou-se, contudo, um processo de contínua hibridização fragmentar:
a base das novas formas culturais verificadas não são as nações, mas
os indivíduos. A eliminação de barreiras nacionais – da qual a queda
do muro de Berlim é o ícone mais enfático – fez com que as barreiras
ideológicas se concentrassem em atores sócio-políticos, econômicos e
culturais. Nesse contexto, a capacidade de disseminação da
informação, da disseminação do meio e da mensagem, passa a ser a
medida do poder de tais ideologias. Assim, contemporaneamente,
verifica-se a primazia da cultura ocidental - nem sempre representada
por seus mais altos valores – como referente valorativo. Após o fim da
Guerra Fria, no entanto, os temas relativos à identidade e diferença
sociocultural têm se tornado cada vez mais presentes não só em
discussões acadêmicas, como também em manifestações de diversas
ordens, talvez devido à explicitação exacerbada tanto da fragmentação
cultural quanto desta primazia da cultura ocidental como referente
mundial.

Portanto, é possível entender a partir dos dados levantados que american


way of life, não “atingiu” apenas os americanos, mas também: “invadiu os
diferentes espaços em que se vive, transmitindo princípios, valores,
preferências, preconceitos que influem na formação de nosso caráter e na
postura que adotamos diante da realidade”. (ALVES, 1988, p. 21)

38
5 O COLONIALISMO CULTURAL: A SUBORDINAÇÃO CEGA DO BRASIL
AOS EUA

Alves (1998) define colonialismo cultural, evidenciando que tal expressão


não é tão explicita quando da guerra e sua visível necessidade de conquista e
ocupação física de território. Ou seja, quando se trata de colonialismo cultural,
as linhas entre dominador e dominado são mais tênues, e com isso, o dominado
pode não se dar conta desse domínio, aceitando os interesses do dominador e
até desejando, ingenuamente, ser dominado.

Em relação ao mesmo conceito Alves (1998) acrescenta que além de


nossa dependência econômica e política, com o imperialismo norte-americano
sofremos também um determinado processo de “influenciação” que
denominamos “colonialismo cultural”.

A mesma autora (1998, p.53) procura tornar mais clara a afirmação


anterior dizendo que:

O imperialismo econômico exercido pelos USA, na segunda


metade do século XX, foi um dos grandes responsáveis pela
manutenção da América Latina como fornecedora de matérias-
primas, mercado consumidor de tecnologia e de produtos da
indústria cultural e, ainda, mercado para investimento de capital.
O impulso industrial que receberam alguns países latino-
americanos deveu-se muito aos interesses do capital norte-
americano em investir nesse setor e naquelas regiões.
A discrepância entre os baixos preços dos produtos que os
países periféricos, subdesenvolvidos e dependentes exportam
para os USA e o alto custo que pagam pelos que deles compram
é responsável por déficits orçamentários que conduzem à
tomada de empréstimos e, consequentemente, a dívidas
externas gigantescas.
Por sua vez, enquanto os produtos norte-americanos entram na
América Latina pagando baixas tarifas ou mesmo sem qualquer
restrição alfandegária, as exportações dos países dependentes
encontram, ao contrário, sérias barreiras em sua entrada nos
USA.
A remessa de lucros e o pagamento de juros pelas
multinacionais norte-americanas à matriz representam também
grave sangria na economia dos países onde atuam. Em
contraposição, pequenas ajudas financeiras que lhes são
fornecidas pelos USA, sobretudo para “obras sociais”, a título de
política de “boa vizinhança e solidariedade”, acabam, no entanto,
se tornando bastante onerosas, pois os “beneficiados” ficam
obrigados a fazer certas concessões políticas e comerciais.
A manutenção desse imperialismo econômico implica uma
interferência dos USA na política interna e externa da nação

39
dominada, a fim de se garantirem “portas abertas” ao capital
estrangeiro e alinhamento incondicional a esse país.
Daí a aliança da nação dominante com governos conservadores
e autoritários e sua oposição e repressão às tentativas de
emancipação nacional e de revoluções sociais nos países
periféricos. O apoio ao governo de Batista (ex-ditador de Cuba)
e de Somoza (ex-ditador da Nicarágua), a repressão à revolução
cubana, ao governo de Allende (Chile) e aos sandinistas
(revolucionários nicaraguenses) são alguns exemplos da forte
presença norte-americana na vida política de todo o continente.
Campanhas publicitárias, operações secretas de “segurança” e
intervenções militares diretos são também táticas muito usadas.
No entanto, formas sutis e camufladas de interferência podem
ser mais eficientes e desejáveis. É aí que entra, então, o
interesse na divulgação de modelos ideológicos que conduzam
os povos dominados a não perceberem a dominação, aceitando-
a e até desejando-a. Nesse caso entramos já no campo do
colonialismo cultural.

Portanto, o colonialismo cultural ocorre toda vez que uma cultura original
de um país sair em prejuízo diante de outra cultura impositiva. “Trata-se, no
sentido literal da expressão, de pura dominação ideológica e não de simples
intercâmbio bilateral e igualitário de influências”. (ALVES, 1998, p.54)
Para Alves (1998) no colonialismo cultural a nação imperialista é a
emissora, produtora e transmissora de cultura, competindo à outra ser simples
receptora, consumidora e reprodutora. A imposição de valores da nação
dominante implica necessariamente a destruição da cultura da que é dominada.
Isso significa que padrões estéticos, morais e práticos, originados durante o
processo histórico da nação dominada como reflexo de suas necessidades e
experiências reais, são substituídos por outros gerados em esquemas de
realidade e necessidade totalmente diferentes. Alves ainda destaca que a
artificialidade acaba criando uma defasagem, uma distância muito grande entre
o que o colonizado pensa que é, o que desejaria ser e o que ele é realmente. Ou
seja, origina um desnível bastante significativo entre a identidade real e a
imaginária do povo em questão.

Essa subordinação cria perguntas importantes, como: quanto tempo a


cultura brasileira vai conseguir se manter? Quando os brasileiros vão perceber
que está intrínseco os aspectos da cultura americana diante da nossa? Será que
vão perceber, ou vão apenas “dançar conforme a música”? Ou seja, agir de
acordo com o que somos impostos, sem nenhum questionamento.

40
Segundo Freire, (1978, p.11) “os dominadores mantêm o monopólio da
palavra, com que mistificam, massificam e dominam”. A questão é que isso tem
sido feito de maneira mascarada, onde os dominados não identificam a
dominação e a constante inserção da cultura americana no Brasil.
Segundo Alves (1998, p.54):
A base do processo da invasão cultural é a crença por parte dos
invadidos de sua inferioridade intrínseca, ao mesmo tempo que
acreditam na superioridade do invasor, nascendo daí o desejo de se
parecerem com ele, andando, vestindo-se, falando à sua maneira etc.

A partir dessa citação é possível analisar como a questão discutida no


capítulo anterior sobre a invasão cultural se relaciona com o colonialismo
cultural. Além da cultura brasileira ser prejudicada na relação com a cultura norte
americana, diante da invasão cultural e da crença que a cultura norte americana
é superior à nossa, percebe-se que, como dito acima, há uma porcentagem de
indivíduos que não identificam essa invasão, e a porcentagem que consegue,
aceitam a invasão de maneira a ter até mesmo o desejo de ser como os
americanos, ou por meio da imigração, se tornar um.
Contanto, é explícita e indispensável a necessidade do Brasil, para um
melhor desenvolvimento econômico e social, construir uma identidade cultural e
lutar contra esse colonialismo.
Alves (1998, p.98-102) confirma a defesa anterior e mostra os meios para
alcançar tal objetivo:
É importante que conheçamos melhor as formas de resistência
cultural que já se manifestaram em nossa história e os
movimentos desse tipo que também têm ocorrido em outros
países periféricos. Munidos de maiores experiências poderemos
melhor elaborar projetos próprios, atuais e originais de política
cultural.
Essa política cultural de resistência deve partir das organizações
de massa como sindicatos, entidades estudantis, sociedades de
bairro e de escritores, artistas, cientistas, educadores, partidos
políticos e grupos confessionais realmente comprometidos com
as camadas populares e/ou representativos dos excluídos
sociais.
É preciso que, entre outras atribuições que lhes são específicas,
essas organizações também chamem para si a tarefa de
estimular e divulgar a produção cultural voltada para a
transformação social, de ser foco de denúncia e de organização
de boicotes em relação às manifestações de cultura colonizada
e alienante e de encaminhar programas de educação de base
para a nossa população.
Quanto ao papel do Estado nessa luta, [...] “o Ministério deve ser
como uma luz que revela, no passado e no presente, as coisas
e os signos que fizeram e fazem, do Brasil, o Brasil”. Deve criar

41
condições de acesso universal aos bens simbólicos,
proporcionar condições necessárias para a criação e a produção
de bens culturais, “sejam eles artefatos ou mentefatos” e
promover o desenvolvimento cultural geral da sociedade, pois o
acesso à cultura é um direito básico de cidadania, assim como o
direito à educação, à saúde, à vida num ambiente saudável.
[...] Se, por um lado, não cabe ao Estado fazer cultura, por outro
o Ministério “não pode ser apenas uma caixa de repasse para
uma clientela preferencial”. Ele deve intervir, [...] “para clarear
caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar[...]”.
[...] Nesse caminhar em busca do reconhecimento e da
afirmação de nosso valor como povo, o que poderemos fazer
como cidadãos?
Cada um de nós precisa avaliar até que ponto está sofrendo e
reforçando os esquemas de dominação ideológica.
Que mensagens estamos veiculando através de nosso próprio
corpo e dos objetos que portamos diariamente? Que critérios
usamos para apreciar uma manifestação cultural, escolher um
programa, orientar o lazer ou presentear nossas crianças? Que
chances temos dado a nós mesmos [...] de conhecer produções
alternativas? Como profissionais, a que interesses temos
servido e que finalidades temos dado às ciências, técnicas e
artes com que trabalhamos? Como estudantes, somos críticos
ou passivos diante do tipo de formação e informação que
recebemos? Com quem estamos, afinal de contas,
compromissados e em que tipo de luta estamos envolvidos?
Preservar nossa identidade cultural é defender o direito de
sermos donos do nosso próprio destino e garantia também de
que poderemos construir nossa própria história. Só então
poderemos passar de meros consumidores a produtores de
cultura em caráter mundial.
Essa não é obviamente uma tarefa fácil, rápida ou simples, mas
é um destino muito bonito, se o escolhermos para nós.

Como visto acima, a autora além de explicitar a necessidade de uma


desvinculação de outras culturas, deixa claro como os indivíduos e a sociedade
são afetados por não ter uma cultura própria. Alves (1998) diz que um povo
culturalmente dominado, com autoestima baixa, acredita que “ser bom é ser
como o dominador”. Os indivíduos não percebem que os males que os afligem
são consequência dessa dominação e não de sua pseudo-inferioridade. Resistir
ao colonialismo e construir uma identidade cultural própria e positiva é condição
indispensável para o seu desenvolvimento econômico e social.-

A autora ainda mostra que toda a desinformação da sociedade é parcela


do preço que se paga por terem uma educação e comunicação dominadas. Por
isso, lutar contra a dependência externa e o colonialismo cultural é tarefa para
as categorias sociais não beneficiadas com a dominação e para as que
reivindicam que a cidadania seja estendida para todos, sem discriminação.

42
Alves finaliza mostrando o fato de que a cultura não só expressa as
condições materiais de um povo, como também pode se converter em arma
importante no seu processo de transformação. Para isso precisa ser orientada
para o questionamento das estruturas vigentes, a denúncia e análise de
problemas nacionais e o auto esclarecimento da população a respeito de seus
próprios interesses, capacidades e possibilidades de superação.

Na mesma obra, Alves (1998) mostra, que ainda existem indivíduos que
não acreditam nessa invasão cultural norte americana no Brasil, e nem na
modificação da nossa identidade cultural e costumes diante da realidade trazida
por essa invasão. E ainda existem indivíduos que afirmam que ao menos se tem
uma identidade cultural. Diante dessas afirmações, a autora lembra que àqueles
que consideram que os brasileiros não têm sequer uma identidade cultural
definida para defender da invasão dos padrões norte-americanos, será
interessante lembrar mais um trecho do discurso de posse. A multiplicidade
cultural brasileira é um fato. Ainda afirma que se pode dizer que a diversidade
interna é, hoje, um dos traços identitários mais nítidos do Brasil. É o que faz com
que um habitante da favela carioca, vinculado ao samba e à macumba, e um
caboclo amazônico, cultivando carimbós e encantados, sintam-se, e, de fato,
sejam igualmente brasileiros. Alves explicita que os brasileiros são um povo
mestiço que vem criando, ao longo dos séculos, uma cultura essencialmente
sincrética. Uma cultura diversificada, plural, mas que é como um verbo
conjugado por pessoas diversas, em tempos e modos distintos. Porque, ao
mesmo tempo, essa cultura é uma: cultura tropical sincrética ao abrigo e à luz
da língua portuguesa. A autora ainda comenta que, de fato a identidade cultural
brasileira é marcada ora pela presença da cultura de raízes africanas, ora das
culturas indígenas, sempre (de alguma forma) pela presença da portuguesa, e,
às vezes, também da francesa, italiana, alemã, japonesa, árabe, judaica etc.,
todas elas se inter-relacionando como resultado dos deslocamentos internos de
nossas populações.

Finalmente Alves (1998) mostra que, a grosso modo, pode-se verificar


atualmente no país duas grandes tendências culturais: a primeira é a de
conformação cada vez maior aos padrões da sociedade global e da cultura dita
mundializada, sobretudo nas grandes cidades, mais influenciadas pelos meios
43
de comunicação de massa e pelo mercado; a segunda representa a continuidade
de uma produção própria, não só pelos segmentos populares das zonas rurais
ou de pequenas cidades interioranas, menos influenciados pela mídia, mas
também por aqueles que, em diversos lugares, resistem conscientemente à
massificação e produzem uma cultura enraizada, criativa, mesmo quando faz
uso de novas tecnologias e incorpora influências de outros povos. Conclui seu
pensamento, explicitando que a predominância de uma ou outra tendência vai
depender dos rumos políticos que forem dados ao país, pelos quais cada um de
dos indivíduos, como cidadão, também é responsável; do incentivo que o Estado
der aos que se identificam com a segunda tendência; da preocupação das
instituições educacionais com a divulgação e preservação de nosso patrimônio
cultural; finalmente, de leis que regulamentem tanto a concessão e o uso de
emissoras de rádio e televisão quanto a exibição de filmes, por exemplo. Afinal,
apesar de todo o passado, ainda há muita gente lutando pela preservação de
originalidade cultural brasileira.

44
6 CONSIDERAÇÔES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise da ação


norte americana diante da propagação de seus ideais pelo globo, porém, com
um enfoque maior para o Brasil, onde foi identificado uma ampla disseminação
da cultura americana. Diante dessa análise, percebeu-se a imprescindibilidade
do uso da visão crítica para um internacionalista compreender e ocasionalmente
questionar a realidade que se encontra.

Diante do objetivo dessa pesquisa, foi identificada a influência


internacional da hegemonia norte-americana no Brasil e a propagação de seus
ideais nesse país: Ficou explícito no decorrer desse estudo que o American Way
Of Life foi criado propositalmente, inicialmente tendo como “público alvo” a
sociedade norte americana. Além de proposital, essa criação teve suas
intenções, como incentivar o consumo, voltado ao patriotismo, onde quando
mais consumissem, mais a economia norte americana se “aqueceria”. Outro dos
motivos dessa propagação foi difundir os ideais políticos norte-americanos
diante de um cenário de guerra e diante do contexto “comunismo contra
capitalismo”. Foi também identificado que os meios mais utilizados e que mais
obtiveram sucesso na propagação desses ideais foram os instrumentos de
mídia, dando uma ênfase maior ao cinema.
A pesquisa ainda mostrou que difundir internamente esse ideal não foi o
suficiente para a hegemonia norte americana, e partir disso, foi identificado que
a América Latina foi o novo alvo para tal propagação. Particularmente, esse
movimento de propagação externa foi intensificado por meio de tratados de
“amizade” entre as américas, dando ênfase na plataforma de política externa: a
Política de Boa Vizinhança de Roosevelt. Esse foi o contexto que iniciou a
moldagem de estereótipos norte-americanos dentro do Brasil, iniciando com
isso, o processo de invasão cultural, termo que explicita a maneira ambígua em
que a cultura norte americana foi se inserindo no país, muitas vezes não
identificado pela sociedade brasileira, moldou a maneira dos brasileiros falarem,
escreverem, consumirem e crerem, mixando culturas e deixando os valores
iniciais da sociedade para trás, crendo e seguindo culturas e valores que não
pertencem a nós. A maneira que essa invasão ocorre pode ser identificada da
mesma maneira em que foi propagado os ideais norte americanos nos EUA, ou
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seja, principalmente pelo uso da mídia. Dessa maneira dá-se também a
explicação dos meios que permitiram a propagação do American Way Life feita
pelos Estados Unidos e verificação de como o Brasil foi afetado pela mesma.
Como decorrência das consequências, torna-se necessário o
desenvolvimento de formas de ampliação da visibilidade da invasão cultural que
o Brasil está sofrendo, fazendo a sociedade enxergar esse movimento quase
imperceptível, ou pelo menos que a sociedade brasileira consiga identificar o que
é natural do país e o que não é. Também é imprescindível a criação de uma
tentativa de agilizar o processo de desvinculação da cultura brasileira de
movimentos e ideais que não nos pertencem, tentando assim, alicerçar a origem,
cultura e princípios da sociedade brasileira, possivelmente criando um ideal só
nosso, que nos convenha e que nos permita uma ampliação social, econômica,
cultural, comercial, tecnológica, etc.

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REFERÊNCIAS

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Europa no Pós-Guerra. Revista Relações Internacionais no Mundo
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