Você está na página 1de 10

A imagem como fonte histórica: enigmas e

abordagens

Thiago da Silva Coelho 1

Resumo: No limiar do século XXI travavam-se nos campos historiográficos debates dos
mais profundos, como o fim da URSS, o advento das novas tecnologias, a globalização,
permeando entre estes estava o debate sobre a crise da História. Uma crise alardeada pelas
produções europeias e que reverberava nos trópicos e nas terras boreais. O esmigalhar da
história trazia novas possibilidades e também novas interrogações. As imagens figuravam
entre elas, melhor dizendo, o uso das imagens como fontes para o ensino e a pesquisa de
história estava reclamando o seu espaço. Houve historiadores que atenderam este chama-
do e passaram a pensar a História a partir de toda a gama imagética da qual a sociedade é
composta. Este artigo pretende analisar os debates sobre a imagem como fonte histórica
trazendo reflexões e possibilidades para o seu uso.
Palavras-chave: Imagem. Ensino. Pesquisa. Fontes visuais. História.

Abstract: On the threshold of XXI century fought on the historiographical fields of de-
eper discussions, as the end of the USSR, the advent of new technologies, globalization,
permeating among these was the debate on the crisis of history. A crisis heralded by Eu-
ropean productions and that reverberated in the tropics and boreal lands. The crumbling
of history brought new possibilities and new questions. The images were among them,
better saying, the use of images as sources for research and teaching of history was com-
plaining about your space. There were historians this responded so-called who began to
think about history from the full range of imagery which composed the society. This article
analyzes the debates over the image as a historical source bringing ideas and possibilities
for its use.
Keywords: Image. Education. Research. Visual sources. History.

1
Professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) e Mestre em História pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012 443


Toda história possui “o caráter de Trata-se essencialmente, por um deslo-
‘história contemporânea’” camento de foco da objetiva que aumen-
ta o número e o tipo de dados possíveis,
Croce
de fazer emergir outras configurações
onde aparecem, em toda a sua complexi-
A ciência da História passa por “crises” dade, concretamente, as relações sociais
de tempos em tempos, crises estas provo- e as estratégias individuais e coletivas:
cadas pelas mudanças que ocorrem no dia- considerar as condutas pessoais e os
-a-dia das sociedades. No limiar do século destinos familiares permite, melhor que
agregados estatísticos, compreenderem-
XXI, mais precisamente no final da década
-se as racionalidades específicas que
de 1980, instaurou-se uma crise na ciência
informam os comportamentos de tal
histórica, tensão esta que trás dentro de si ou tal categoria social, muitas vezes nos
muito mais do que problemas a serem pen- interstícios de sistemas normativos cuja
sados, trás soluções. Desde o pós 2ª guerra, coerência inexiste.2
os historiadores tem, de tempos em tempos,
se voltado para a reflexão sobre a sua própria Essa escola traz consigo uma discus-
prática, para o seu campo de saber, a sua pró- são sobre o novo uso, e o uso de novas fon-
pria história. tes. Um dos primeiros trabalhos de Ginz-
Dentro destas discussões, que são cri- burg com a micro-história foi um tratado
ses de crescimento, como afirmam Domini- sobre o pintor italiano Piero della Frances-
que Julia e Jean Boutier , dá-se um diálogo ca, intitulado Indagações sobre Piero;
que nos faz refletir sobre as possibilidades da
análise histórica. A discussão gira em torno Nesse livro, Ginzburg praticou o méto-
do historiográfico que se viu montado
de uma fragmentação da disciplina segundo
até agora. Desenvolveu uma hipótese de
as reflexões de François Dossé . Para Julia
pesquisa baseada na tentativa de fazer
e Boutier, essa multiplicação dos olhares convergir dados biográficos, estilísticos,
do historiador é a fórmula do sucesso atual iconográficos e sobre a clientela, pesan-
da História. As publicações e o aumento do do a contribuição de cada um desses
número de historiadores comprovam isso dados no fornecimento de pistas mais
seguras para a interpretação histórica
como afirmam os autores, mesmo a história
das obras de arte.3
estando “dividida”, com novos focos, o his-
toriador vê crescer o seu campo de estudo, e
A partir das indicações de Boutier
suas formas de vislumbrar o passado.
e Julia sobre as novas possibilidades da
Entre as novas possibilidades apresen-
tadas por esses dois historiadores, Julia e
2
BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Passados
Boutier, está a micro-história italiana, muita
recompostos: campos e canteiros da História.
famosa no Brasil devido a grande populari- Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Editora FGV,
1998. p. 47-48.
dade de Carlo Ginzburg, um dos principais 3
PITTA, Fernanda. Limites, impasses e passagens:
utilizadores da metodologia, Julia e Boutier a história da arte em Carlo Ginzburg. In.: ArtCul-
tura. V. 9, nº 15, Uberlândia: EDUFU. Julho – De-
escrevem sobre a micro-história; zembro, 2007. p. 139.

444 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012


História contemporânea, vê-se para o sobre determinado assunto sobre o qual
historiador atual abrir um leque diferen- estão trabalhando, e o historiador, mui-
te de fontes históricas, com esse processo tas vezes, sem ter consciência dessas in-
de discussão iniciado pela falência dos fluências das idéias do artista sobre seu
modelos prontos, surgem para o estudio- trabalho, acabam criando um equívoco
so da história inúmeras possibilidades e histórico com a sua análise.
as imagens figuram entre elas. No seu livro História & Imagem,
Se nos basearmos no dito popular Eduardo França Paiva aponta para os
“uma imagem vale mais que mil pala- problemas de trabalhar com fontes visu-
vras” , somente aí já teremos temas para ais originadas por autores que possuem
pesquisa por muito tempo. Cada imagem inspirações e anseios, assim como con-
pode ser interpretada de uma maneira dutas e ideologias, as imagens herdam
diferente, através de pressupostos dife- de seus criadores sentidos e significados.
rentes, visando elucidar sua recepção na
sociedade, analisando as conexões entre A iconografia é certamente uma das
fontes mais ricas, que traz embutida as
o contexto e a imagem, analisando as
escolhas do produtor e todo o contexto
representações que evocam e todo o uni-
qual foi concebida, idealizada, forjada
verso artístico que as rodeiam. ou inventada. Nesse aspecto, ela é uma
fonte [...] e, assim como as demais, tem
As possibilidades da crise de ser explorada com muito cuidado.4
geradora
Seguindo no raciocínio sobre o uso
Os historiadores têm buscado ulti- das imagens e a ascensão ao status de
mamente, diversificar seu objeto de estu- fonte histórica, podemos observar que
do, as imagens se abrem a essa busca do durante muito tempo as imagens eram
novo, fazendo que exista uma empolga-
desconsideradas pelos historiadores, elas
ção com a novidade. Peter Burke analisa
compunham um campo só seu, o da arte.
esse fator dizendo-nos que é necessário
Muitas das discussões do mundo da arte
alertar os historiadores para os perigos
foram trazidas para a história, como exem-
de se trabalhar com uma evidência vi-
plo temos o campo da representação. Essa
sual. Muitas vezes, o criador da imagem
está vivo, e em tantas outras vezes, para interdisciplinaridade possibilita o cresci-

não se dizer, em sua maioria, os artistas mento da história como disciplina e do his-
não criam as obras com o intuito de no toriador como profissional. Nesse contexto
futuro elas possam ser testemunhas ocu- as imagens auxiliam e muito, no processo
lares do passado. do estudo do passado.
Como todas as pessoas, os pintores,
escultores, enfim os artistas (incluso os
4
PAIVA, Eduardo França. História & Imagens.
escritores) possuem um ponto de vista Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 17

Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012 445


Enfim, já não as tomamos como simples relativo desses dois elementos varia con-
“ilustrações”, “figuras”, “gravuras” e “de- forme o tipo de iconografia que estamos
senhos”, que servem para deixar o texto analisando. Por exemplo, na obra de
mais colorido, menos pesado e mais cha- arte (um quadro a óleo, uma aquarela,
mativo para o pequeno leitor ou mesmo um afresco, [...] etc.), o valor simbólico é
para o adulto. A iconografia é tomada sempre o mais forte, uma vez que não há
agora como registro histórico realizado pintura ou desenho sem um estilo pró-
por meio de ícones, de imagens pinta- prio do autor.6
das, desenhadas, impressas ou imagina-
das e, ainda, esculpidas, modeladas, ta- A partir dessa afirmação vemos que
lhadas, gravadas em material fotográfico
não é simples compreender a mensagem
e cinematográfico. São registros com os
quais os historiadores e os professores que uma obra artística pode nos passar,
de história devem estabelecer um diálo- para que possamos entender a imagem,
go contínuo. É preciso saber indagá-los e consequentemente a sua história, é ne-
e deles escutar as respostas.5 cessário estabelecer um diálogo direto
com a fonte. Complementam Boutier e
As imagens possibilitaram esse Julia dizendo que
crescimento, entretanto há de constar
que muitos historiadores utilizam as Não pode haver história senão erudita;
imagens como meras ilustrações do tema a coleta metódica dos dados repousa
sobre o recurso, [...] a qualidade da pro-
qual estão pesquisando. Não as utilizam
dução histórica depende do questionário
como fontes primárias, e quando as co-
elaborado pelo historiador; a validade
locam no lugar de destaque da pesquisa das respostas obtidas remete, para além
podem cometer erros de análises, sim- dos procedimentos empregado, à perti-
plesmente não as compreender ou com- nência da documentação mobilizada em
preender somente o óbvio, do conteúdo relação às questões propostas.7

que a imagem possui, abro um parênte-


ses para citar Roland Barthes, para ele as Lembrando que o que faz da his-
imagens são portadoras: tória uma ciência é o seu compromisso
com o real, não o absoluto, mas sim o
De uma dupla mensagem: uma codifica- mais possível e provável sobre um even-
da (conotação), que remete a um deter- to que possa ter ocorrido. Porém o “real”
minado saber cultural e seus significa-
e a busca pela “verdade” são relações que
dos, e outra não codificada (denotação),
podem trazer o passado para os nossos
cujo caráter analógico pressupõe a capa-
cidade da imagem de reproduzir o real. dias, trazer os ecos de uma vida que pas-
Como uma imagem é capaz de provocar
6
BARTHES Apud ALEGRE, Maria Sylvia Porto.
uma cadeia flutuante de significados en-
Reflexões sobre a iconografia etnográfica: por
tre a linguagem literal denotada e a lin- uma hermenêutica visual. In.___. FELDMAN-
guagem simbólica conotada, o conteúdo -BIANCO, Bela; LEITE, Miriam L. Moreira (Org).
Desafios da imagem. Campinas: Papirus. 1998,
p.78.
5
PAIVA, Op. Cit. p. 17 7
BOUTIER; JULIA. Op. Cit. p. 37-38

446 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012


sou, entretanto segundo uma das teses Segundo Burke o método icono-
sobre a história escrita por Walter Ben- gráfico surgiu na escola de Warburg,
jamin; que ficava na cidade de Hamburgo, an-
tes da ascensão de Hitler (1920-1930) e
A verdadeira imagem do passado per- tem entre seus maiores defensores “Aby
passa, veloz. O passado só se deixa
Warburg (1866-1929), Fritz Saxl (1890-
fixar, como imagem que relampeja ir-
1948), Erwin Panofsky (1892-1968), e
reversivelmente, no momento em que
é reconhecido. “A verdade nunca nos Edgar Wind (1900-1971)”9. O método
escapará” – essa frase de Gottfried Kel- iconográfico se divide em três níveis e
ler caracteriza o ponto exato em que o para que ele possa ser utilizado corre-
historicismo se separa do materialismo tamente, deve-se ter um conhecimento
histórico. Pois irrecuperável é cada ima- sobre a cultura onde a imagem foi pro-
gem do presente que se dirige ao presen-
duzida.
te, sem que esse presente se sinta visado
por ela.8
“O primeiro desses níveis era a des-
crição pré-iconográfica, voltada para
Para Benjamin o passado só se faz o ‘significado natural’, consistindo na
presente como imagem, e a imagem como identificação de objetos (tais como
inferimos é portadora de várias mensa- árvores, prédios, animais e pessoas)
gens, e de várias influências. Assim como e eventos (refeições, batalhas, procis-
a imagem, o passado se projeta aos nossos sões, etc.). O segundo nível era a análi-
se iconográfica no sentido estrito, vol-
dias com diversas possíveis interpretações,
tado para o ‘significado convencional’
e é através dessa imagem do que já passou (reconhecer uma ceia como a Última
que vamos buscar descobrir o “real” e o Ceia ou uma batalha como a Batalha
“verdadeiro” sobre os tempos idos. Para tal de Waterloo).
empreitada devemos nos precaver, e para O terceiro e principal nível, era o da
interpretação iconológica, distinguia-
isso nos servem as metodologias de utiliza-
-se da iconografia pelo fato de se vol-
ção da imagem no estudo da história.
tar para o ‘significado intrínseco’, em
No seu livro Testemunha Ocular: outras palavras, ‘os princípios subja-
História e Imagem, Peter Burke discute centes que revelam a atitude básica de
a possibilidade e as alternativas do uso de uma nação, um período, uma classe,
imagens na pesquisa histórica. Burke nos uma crença religiosa ou filosófica’. É
nesse nível que as imagens oferecem
apresenta em seu livro algumas formas de
evidência útil, de fato indispensável,
estabelecer uma conversa com as fontes vi-
para os historiadores culturais.”10
suais. Uma delas é o método iconográfico
ou iconológico.

8
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e polí- 9
BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e
tica: ensaios sobre literatura e história da cultu- imagem. Bauru: EDUSC. 2004. p. 44-45
ra. São Paulo: Brasiliense. 1994. p. 224 10
BURKE, Op. Cit. p. 44

Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012 447


Entretanto ao mesmo tempo em signos, é a interpretação do significado
que Burke aponta como método indis- de cada imagem. Para os (pós-) estru-
pensável à utilização do historiador, ele turalistas, a imagem pertence a um todo
critica e cita algumas falhas: o método maior e ela é feita de vários signos todos
iconológico não se interessa pelo con- os signos juntos formam a linguagem
texto social, não se preocupa para qual pela qual se comunicará a imagem.
finalidade a obra foi feita, menos ainda Segundo o autor temos dentro da
com a sua utilização, o método genera- História Social da Arte, dentre outros,
liza a situação européia quanto um todo, o enfoque feminista e a teoria da recep-
cometendo anacronismos, assim como é ção. A História Social da Arte afirma,
falho em imagens que não possuem ale- diferentemente do método iconográfico,
gorias pictóricas. do psicanalítico e dos estruturalistas, a
Mesmo assim apesar de todas es- ação do contexto social sobre o homem e
sas deficiências Burke nos diz que, os a mulher. O contexto social influencia os
estudiosos de História devem se utilizar artistas nas suas composições, a conjun-
“da iconografia, porém, devem ir além tura política, social e cultural tem ação
dela. É necessário que eles pratiquem a direta sobre as produções imagéticas.
iconologia de uma forma mais sistemá- A teoria feminista busca analisar
tica, o que pode incluir o uso da psica- questões relacionadas com estudos de
nálise, do estruturalismo e, [...] da teoria gênero, tanto do artista, do comprador,
da recepção” , este último juntamente
11
do financiador, etc. Esse enfoque traz a
com as análises feministas, fazem parte tona um debate sobre as relações entre o
da História Social da Arte. machismo e a produção cultural, buscam
O método psicanalítico proporcio- analisar o olhar advindo dessa cultura
na uma análise à luz da teoria freudiana, nas composições artísticas. A teoria da
segundo alguns pesquisadores da área, Recepção desloca a análise do artista e de
Freud deixou em seus últimos escritos sua obra para o público, e de que manei-
sobre a interpretação dos sonhos pistas ra a composição foi recebida pelos que
de como analisar imagens. Essa teoria irão consumir. O efeito da sociedade na
traz principalmente o inconsciente como imagem dá lugar ao efeito que a imagem
produtor. Evidência também a ligação causou na sociedade.
dos traumas infantis com o processo de Burke por fim argumenta que as
criação. imagens quando são utilizadas na pes-
O método estruturalista e pós-es- quisa histórica enriquecem e acrescen-
truturalista procura analisar a semiolo- tam muito a análise dos estudos do pas-
gia do quadro. Semiologia ou semiótica sado, e que diversas linhas de pesquisa
são o que podemos chamar de sistema de podem se utilizar delas para compreen-
der melhor como são essas relações entre
11
BURKE, Op. Cit. p. 44 o objeto de estudo e o tempo. Acrescen-

448 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012


ta ainda que respeitando alguns pontos tórico da humanidade, como o surgimento
principais os historiadores podem utili- da escrita e dos primeiros vestígios da civi-
zar as imagens como importantíssimos lização que nos chegam através da arqueo-
objetos de estudo e fontes de pesquisas. logia e dos desenhos feitos pelas civilizações
antigas nas cavernas.
1. As imagens dão acesso não ao mundo Não podemos deixar também de re-
social diretamente, mas sim a visões con-
conhecer o poder das imagens, segundo o
temporâneas daquele mundo. [...] Os his-
autor “a visão vem antes das palavras”, e as
toriadores não podem dar-se ao luxo de
esquecer as tendências opostas dos produ- imagens nos passam muito mais informa-
tores de imagens para idealizar e satirizar ções que os textos escritos, e para a história
o mundo que o representam. Eles são con- isso é fundamental, entender o processo
frontados com o problema de distinguir histórico através da utilização das imagens.
entre representações do típico e imagens
Para o autor no fim do século XX,
do excêntrico.
nos anos 90, institucionalizou-se nos Es-
2. O testemunho das imagens necessita
ser colocado no ‘contexto’ [...] incluindo as tados Unidos da América (EUA), uma te-
convenções artísticas para representar as oria interdisciplinar que utiliza as imagens
crenças (por exemplo) em um determina- para estudar os acontecimentos políticos/
do lugar e tempo, bem como os interesses sociais/culturais da sociedade, tanto da
do artista e do patrocinador original ou do
sociedade atual, quanto das sociedades
cliente, e a pretendida função da imagem.
passadas. As escolas que aderiram a es-
3. Uma série de imagens oferece testemu-
nho mais confiável do que imagens indi- ses estudos analisam o que chamamos de
viduais. “Cultura visual”.
4. No caso de imagens, como no caso
dos textos, o historiador necessita ler É preciso, portanto, considerar duas pers-
nas entrelinhas, observando os detalhes pectivas gerais na definição de cultura
pequenos mas significativos – incluindo visual: [...] a primeira entende a cultura
ausências significativas – usando-os como visual de modo restrito, na medida em
que ela corresponde à cultura ocidental,
pistas para informações que os produtores
marcada pela hegemonia do pensamento
de imagens não sabiam que eles sabiam,
científico [...] ou na medida em que a cul-
ou para suposições que eles não estavam
tura visual traduz, especificamente, a cul-
conscientes de possuir.12 tura dos tempos recentes marcados pela
imagem virtual e digital, sob o domínio da
Em um artigo para a revista ArtCul- tecnologia [...]; a segunda perspectiva, que
abarca diversos autores, considera que a
tura, o historiador Paulo Knauss reflete
cultura visual serve para pensar diferentes
sobre as possibilidades e as dificuldades de experiências visuais ao longo da história
se narrar a História a partir das imagens. O em diversos tempos e sociedades.13
autor nos coloca a par da importância que
as imagens tiveram no desenvolvimento his- 13
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com
imagens: Arte e cultura visual. In: ArtCultura.
V.8, nº12, Uberlândia: EDUFU. Janeiro – Junho,
12
BURKE, Op. Cit. p.237-238 2006. p.110

Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012 449


A análise dessa Cultura Visual bus- dos os conhecimentos que a História da
ca dessacralizar o conceito de Arte e o es- Arte possa contes, mas ao mesmo tempo,
tatuto artístico. Fazendo isso se abando- estes saberes podem tornar o trabalho
na o debate sobre a problemática de ser dos historiadores muito mais completo.
ou não arte, o que facilita aos estudiosos
a utilização das imagens como produtos As flores que brotam no meio dos
provenientes de um determinado contex- escombros
to histórico, que trazem intrinsecamente
alguns sinais da época de sua produção, Nas últimas décadas tem crescido o
que para o historiador é um tesouro a ser número de adeptos do uso das imagens
analisado e serve para ajudar a explicitar na história, utilizando-as para a análise
algumas nuances do passado que ainda das representações, das permanências,
estão escondidas sobre as tintas das ima- das ausências, etc. Esses retratos da re-
gens. alidade visual podem servir para que a
história seja contada de maneira mais
A História como disciplina tem um en- crítica possível. “De fato, a análise por si
contro marcado com as fontes visuais. só não justifica e tampouco tem interes-
Esse certamente pode ser um caminho
se. Deve servir a um projeto, é este que
para rever a própria memória discipli-
nar e, ao mesmo tempo, revalorizar sua
vai dar a sua orientação, assim como per-
própria tradição erudita, ultrapassando mitirá elaborar a sua metodologia.”15
as fronteiras do conhecimento estabele- Novamente temos de levar em con-
cidas. Nesse encontro há um laço a ser sideração o alerta de que assim como os
fortalecido entre a história da imagem e
documentos escritos as imagens pos-
a história da arte para definir que o con-
suem o seu criador, e como todas as pes-
ceito de arte é histórico. O olhar sobre
a história é capaz de deixar isso claro, soas esse autor tem suas crenças e seus
mesmo que nossa experiência diante do ideais, e a sua produção pode ser, ou
fato artístico nos conduza a valores ex- então será, tendenciosa. Isso se deve ao
temporâneos.14 fato de sermos influenciados e estarmos
influenciando o meio em que vivemos.
As contribuições da História da Arte Foi falado aqui, sobre a urgência em
para o estudo do universo da visualida- utilizar as imagens no estudo da história,
de são imensas, contudo os historiado- referenciado por muitos historiadores, as
res podem utilizar-se destas fontes sem possibilidades, os benefícios que as figu-
penetrar nesta vereda estreita que não ras, gravuras, quadros, etc, trazem para o
cativa um grande grupo de seus pares. mundo do historiador. Porém atualmen-
A imagem como ponto de partida para te ainda são muito poucos os trabalhos
muitas outras reflexões independe de to-

15
JOLY, Martine. Introdução a análise de imagens.
14
KNAUSS Op.Cit. p. 115 São Paulo: Papirus. 1996, p. 49.

450 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012


que utilizam de imagem não somente existência social (sensorial) a sentidos e
com fonte, mas como propósito, como valores e fazê-los atuar. Daí não se po-
der limitar a tarefa à procura do senti-
problema.
do essencial de uma imagem ou de seus
sentidos originais, subordinados às mo-
A dificuldade em dar conta da especifi-
tivações subjetivas do autor, e assim por
cidade visual da imagem faz com que,
diante. É necessário tomar a imagem
muitas vezes, ela seja convertida em
como um enunciado, que só se aprende
tema e tratada como fornecedora de in-
na fala, em situação. Daí também a im-
formação redutível a um conteúdo ver-
portância de retraçar a biografia, a car-
bal. Ou então considerada como ponte
reira, a trajetória das imagens.17
inerte entre as mentes de seus produ-
tores e os observadores, ou mesmo, no
geral, entre práticas e representações.16 Ao investigarmos esses indícios do
real que permeiam o mundo das ima-
A imagem é mais que isso. Elas não gens, além de nos preocuparmos com o
se encerram em si, elas fazem parte de “ponto de vista”, é urgente que se tenha a
todo um conjunto de práticas culturais, preocupação também com a técnica em-
de uma sociedade complexa na qual as pregada e com os símbolos que vagam
relações modificam-se diariamente. As entre o que vemos e entendemos e o que
imagens não comunicam nada, elas não não distinguimos entre real e simbóli-
falam, e cabe ao historiador buscar com- co. Maria Sylvia Porto Alegre utiliza na
preender a obra, levando em considera- epígrafe de seu artigo a seguinte citação
ção o universo no qual ela foi produzida. de Roland Barthes, citação essa que de-
monstra que as imagens além de serem
A primeira decorrência dessa postura é compostas do real, possuem um conjun-
que trabalhar historicamente com ima- to de práticas culturais, simbólicas, que
gens obriga, por óbvio, a percorrer o nos possibilitam o entendimento do que
ciclo completo de sua produção, circu-
não está explícito: “Graças ao que, na
lação e consumo, a que agora cumpre
imagem, é puramente imagem (e que, na
acrescentar a ação. As imagens não tem
sentido em si, imanentes. Elas contam verdade, é muito pouca coisa), podemos
apenas – já que não passam de artefa- passar sem as palavras e continuarmos a
tos, coisas materiais ou empíricas – com nos entender” 18.
atributos físico-químicos intrínsecos. É
a interação social que produz sentidos,
mobilizando diferencialmente (no tem-
po, no espaço, nos lugares e circuns-
tâncias sociais, nos agentes que inter-
vêm) determinados atributos para dar 17
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais,
cultura visual, história visual: balanço provisório,
16
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra. Rumo a uma histó- propostas cautelares. In.: Revista brasileira de
ria visual. In.: MARTINS, J. S.; ECKERT, C.; NOVA- História. São Paulo: ANPUH. v. 23, n. 45. Jan –
ES, S. C. (org.). O imaginário e o poético nas Ciên- Jul, 2003. p. 28.
cias Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p. 40. 18
ALEGRE, Op. Cit. p. 75

Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012 451


Referências bibliográficas MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fon-
tes visuais, cultura visual, história visual:
ALEGRE, Maria Sylvia Porto. Reflexões balanço provisório, propostas cautelares.
sobre a iconografia etnográfica: por uma In: Revista brasileira de História. São
hermenêutica visual. In.___. FELD- Paulo: ANPUH. v. 23, n. 45. Jan – Jul,
MAN-BIANCO, Bela; LEITE, Miriam 2003.
L. Moreira (Org). Desafios da imagem.
Campinas: Papirus. 1998. MENEZES, Ulpiano T. Bezerra. Rumo
a uma história visual. In: MARTINS, J.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, S.; ECKERT, C.; NOVAES, S. C. (org.). O
arte e política: ensaios sobre literatura imaginário e o poético nas Ciências So-
e história da cultura. São Paulo: Brasi- ciais. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
liense. 1994.
PAIVA, Eduardo França. História &
BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Imagens. Belo Horizonte: Autêntica,
Passados recompostos: campos e can- 2002.
teiros da História. Rio de Janeiro: Edi-
tora da UFRJ/Editora FGV, 1998. PITTA, Fernanda. Limites, impasses e
passagens: a história da arte em Carlo
BURKE, Peter. Testemunha ocular: His- Ginzburg. In: ArtCultura. V. 9, nº 15,
tória e imagem. Bauru: EDUSC. 2004. Uberlândia: EDUFU. Julho – Dezembro,
2007.
JOLY, Martine. Introdução a análise de
imagens. São Paulo: Papirus. 1996.

KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer His-


tória com imagens: arte e cultura visual.
In: ArtCultura. V.8, nº12, Uberlândia:
EDUFU. Janeiro – Junho, 2006.

452 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25, n.2, jul./dez. 2012

Você também pode gostar