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Nos últimos anos, a pesquisa tem demonstrado que uma boa parte da falta de
saúde é causada diretamente pela falta de atividade física . A tomada de consciência
desse fato, acompanhada de um conhecimento mais completo a respeito de cuidados
para com a saúde, está modificando os estilos de vida. O entusiasmo atual pelo
movimento não é modismo. Sabemos agora que o único meio de prevenir os males da
inatividade é permanecer ativo – não durante um mês, nem um ano, mas a vida toda.
Nossos ancestrais não sofriam dos problemas que se seguem a uma vida
sedentária; eles precisavam trabalhar para sobreviver. Permaneciam fortes e saudáveis
devido a atividades vigorosas e constantes (ao ar livre): cortando lenha, cavando,
cultivando o solo, plantando, caçando, além de todas as demais tarefas diárias. Porém ,
face ao advento da Revolução Industrial, as máquinas passaram a realizar o trabalho
que era feito a mão. À medida que as pessoas passaram a ser menos ativas,
começaram a perder força e também o movimento natural.
É evidente que as máquinas tornaram a vida mais fácil, mas elas também
criaram sérios problemas. Em vez de andarmos, dirigimos; em vez de subirmos
escadas, usamos elevadores; enquanto antigamente estávamos quase o tempo todo em
atividade, hoje gastamos a maior parte de nossas vidas sentados. Na ausência de
exercícios físicos diários, nossos corpos tornaram-se depósitos de tensões acumuladas.
Na ausência de canais naturais de saída para nossas tensões, nossos músculos tornam-
se fracos e tensos, e perdemos o contato com nossa natureza física, com as energias
vitais.
Considerando-se que a vida sem atividade física pode ser igualmente vivida
sem educação, sem saúde, sem alimentação adequada e sem assistência
médica/odontológica, acreditamos poder, através da atividade física e saúde tornar
nossos alunos, autônomos, no sentido de organizarem suas próprias vidas e
acrescentar a ela mais anos, ou acrescentarem a ela mais anos ou, aos anos, mais vida.
Colégio Rainha da Paz
Esporte e Saúde
Selva Maria Guimarães Barreto
Professora do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da UFSCar Universidade
Federal de São Carlos
email: selva@power.ufscar.br
Nos cursos de Educação Física está ocorrendo uma revolução, que vem
provocando questionamentos sobre alguns conceitos: o que se tenta expor
criticamente hoje é a relação entre “Esporte e Saúde”. Esta veiculação,
infelizmente, não é a mais usual, pois geralmente é substituída por “Esporte é
Saúde” pelo conhecimento popular, uma relação que aparenta ser uma verdade
absoluta, quando não, obrigatoriamente, é. Os novos conceitos trabalhados
relacionam Esporte, Saúde e Qualidade de Vida, de maneira a levantar o debate
para refletirmos sobre os mesmos.
O Esporte coletivo é um meio de aprender sobre nossos limites corporais e sobre
como nos relacionar com os limites do outro.
O Esporte, como conceito, é considerado uma atividade metódica e regular, que
associa resultados concretos referentes à anatomia dos gestos e à mobilidade dos
indivíduos. Esta é a conotação que podemos chamar de “Esporte de alto nível”,
veiculada nas mídias em geral, representada por pessoas executando gestos
extremamente mecanizados, uniformes, com um certo gasto de energia para
produzir um determinado tipo de movimento repetidas vezes. São gestos plásticos,
muito organizados, moldados e com muitas regras, para que se possa obter algum
resultado prático. O Esporte pode ser encarado, dentro de outras ópticas, tanto
como o Esporte veiculado nas mídias, como uma atividade dentro de um grupo de
amigos (na escola, na rua ou qualquer local).
Existem outros conceitos de Esporte, em que se consideram como um componente
dos blocos de conteúdos da Educação Física escolar, isto é, a Educação Física nas
escolas possui alguns conteúdos, tais como a Dança, os Jogos, as Lutas, as
Brincadeiras, e o Esporte é um destes. É na escola que a conotação de Esporte
deve ser diferente do Esporte de alto nível, apesar de alguns professores de
Educação Física insistirem em alto rendimento. Felizmente este modelo vem
modificandose, aos poucos. Assim, a idéia que se tem de Esporte é muito ampla,
o que permite uma variedade de conceitos. Dependendo do conceito e do
entendimento, Esporte pode estar ou não veiculado à Saúde.
Já Saúde, enquanto conceito, é sentirse bem em todos os seus aspectos: físicos,
motores, sociais, mentais e afetivos. Isto acaba tornando muito difícil ter uma saúde
perfeita e praticamente impossível um conjunto de profissionais completamente
saudáveis (como os professores de Educação Física, por exemplo).
A respeito de Saúde, a diferença entre os termos físico e motor é muito tênue.
Motor é uma idéia que está ligada ao movimento, isto é, é necessário estar bem; o
organismo e todos os aparelhos que o compõem precisam estar em pleno
funcionamento para se movimentar bem. Por outro lado, físico é um conceito ligado
à capacidade, força e potência (aeróbia ou anaeróbia). Logo, não
necessariamente, quem realiza bem um movimento tem uma capacidade física
muito grande, e viceversa. Por exemplo, aqueles que fazem musculação
ininterruptamente costumam ter uma certa dificuldade ao caminhar, ou seja, o
aspecto físico bem trabalhado não significa um aspecto motor de boa qualidade.
Por isso, Esporte como entendimento de uma atividade metódica pode provocar
saúde ou bemestar em nível psicomotor, mas dificilmente em nível social.
Também aquele que realiza um Esporte e coloca acima de tudo a vitória (validando
atividades “antijogo”, tais como puxão de cabelo, cotovelada e outras faltas), não
promove sua Saúde completa.
Associado à Saúde está o conceito de Qualidade de Vida, definido como a
condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio
ambientais (modificáveis ou não) que caracterizam as condições em que vive o ser
humano. Para se definir como boa qualidade de vida, devese levar em
consideração a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência:
alimentação, vestuário, trabalho, moradia e relações sociais e afetivas (as quais, no
mundo capitalista de hoje, sempre se subordinam à outra: a econômica).
Analisando agora a relação do conhecimento popular “Esporte é Saúde”, esta se
difunde como contrapartida ao mundo atual, que promove em suas práticas o
sedentarismo, como conseqüente, a obesidade – tida como o mal do século.
Assim, em combate à obesidade, o Esporte promove Saúde. O Esporte também é
promotor de Saúde por ser um incentivo às relações sociais, tais como coleguismo,
amizade e paixões.
Outras inverdades são disseminadas pelo conhecimento popular. Algumas pessoas
dizem que ao caminhar uma hora por dia mantêm seu nível de colesterol reduzido,
com chances reduzidas de obter problemas cárdiorespiratórios, ou ainda
possibilidades de emagrecimento. Mas, em seguida, comem chocolate,
"churrasquinho", "leitão à pururuca", "torresminho", doces, refrigerantes, etc –
alimentos que invalidam qualquer atividade saudável. Além disto, caminham em
locais inadequados e usam calçados impróprios para a atividade exercida. Logo, o
corpo não descansa, como ainda pode sofrer lesões por exercícios praticados de
maneira errada. Também existem aqueles que caminham em excesso, acima de
quatro horas ao dia, todos os dias da semana, sem um descanso mínimo. As
estruturas corpóreas e seus respectivos ligamentos não agüentam e acabam por
“inchar”, inflamar ou até romper. Está comprovado que qualquer treinamento físico,
principalmente os de altíssimo nível, deve ser praticado com o necessário
descanso para que o organismo possa se recuperar da atividade e da perda de
líquidos e sais minerais. Outros praticam esforços aos finais de semana como
maneira de compensar uma vida sedentária de segunda à sextafeira, sem
qualquer sistemática apropriada. Devese praticar atividades periódica e
cotidianamente, com pausas corretas de descanso.
Tudo que é feito ininterruptamente cansa, desgasta e não promove os benefícios
almejados. O Esporte é uma atividade física e, como tal, promove desgaste
energético, emagrecendo o organismo. Mas, sem respeitar os parâmetros físicos
limitantes de cada indivíduo, ou ainda, um controle alimentar adequado, ao invés
de benefícios, a atividade pode promover malefícios. O controle alimentar é muito
importante no que se refere à relação entre ingestão e gasto de energia, ou seja, o
quanto (e o que) se come e o quanto se trabalha. Neste parâmetro, podemos
entender que é perigoso pessoas obesas e despreparadas praticarem Esportes
como triathlon, uma competição onde se nada, pedala e corre longas distâncias
exaustivamente. Até que ponto é saudável praticar triathlon, ou ainda malhar de
duas a quatro horas numa academia? São associações equivocadas relacionar alto
rendimento e esforço excessivo. Para que o Esporte fazer bem, tem que suar muito
e deixar o indivíduo cansado.
Esporte não é Saúde. Pode vir a ser um promotor de Saúde, mas nem sempre irá
produzir Saúde, como uma regra. Inclusive temos recentemente dois casos de
jogadores de futebol que faleceram enquanto praticavam a atividade física.
Percebemos também, que existem vários desportistas que fazem uso de
substâncias – questionáveis – para obter melhores desempenhos nas atividades, o
que corrompe a noção de que Esporte faz bem. Esporte só faz bem dentro de seus
fatores limitantes: bem empregado, bem trabalhado e sob uma perspectiva que
esteja além do alto rendimento.
Isso não quer dizer que muitos que praticam Esportes de alto rendimento não são
pessoas saudáveis. Serão na medida em que o treinamento lhes provocar bem
estar físico e uma boa relação para com os outros. Mas ao exagerar na atividade
(em nome da relação “Esporte é Saúde), acabase promovendo um malefício ao
corpo”. Outro problema nesta relação ocorre com uma concepção inadequada de
Esporte, sendo esta, muitas vezes, a concepção dos professores de Educação
Física dos ensinos fundamental e médio. Em determinada ocasião, Esporte é
considerado como um conteúdo mínimo e único, o que acaba se tornando a
exclusiva prioridade a ser promovida entre seus alunos: aos que jogam bem, a
oportunidade de praticar; aos que possuem dificuldades, acabam como juiz,
gandula ou ainda sentados no banco, só observando a turma jogar. Nestes casos,
não há Saúde social, ou, sequer, Saúde motora. Como deve se sentir o aluno que
permanece sentado durante toda a atividade dos colegas? O que ele acaba por
representar? E sobre a prática de distribuir os alunos em dois times, onde são
escolhidos um por vez, alternadamente: como se sente o último a ser escolhido?
Como “resto”? São estas as práticas a serem repensadas.
As crianças têm limites especiais que precisam ser respeitados.
A Educação Física nas escolas não pode ter por objetivo formar campeões, assim
como não deve negar a possibilidade de que alguns realmente serão futuros
campeões. Temos a necessidade de dissociar a Educação Física escolar de
treinamento esportivo. A inserção dos alunos obesos, lentos e sem muita
coordenação motora trará mais Qualidade de Vida ao conjunto, ensinando, não
apenas, nossos limites, mas também em como conviver com os limites alheios.
Nas escolas, os prérequisitos para os professores de Educação Física não devem
ser grandes atletas que sabem jogar, devem ser grandes professores que saibam
ensinar. Do contrário, o Esporte deixa de ser um agente de inclusão social para ser
um fator de exclusão social, onde “quem joga bem, joga; quem não joga bem, que
fique quieto e não atrapalhe”.
Ainda sobre os excessos além dos limites do corpo, está o que chamamos de
“Especialização Motora Precoce” ou “Inadequação no Movimento ao Nível
Desenvolvimental do Praticante”. São as Escolinhas de Esporte para crianças
(como as Escolinhas de Futebol, por exemplo) que ensinam como se estas fossem
adultos, esquecendo que seus limites físicos e motores são muito maiores. Nesta
idade, deveriam somente ensinar os movimentos que lhes são possíveis, deixando
a especialização no Esporte de alto nível para depois, quando desenvolverão sua
habilidade motora. Para as crianças de 8 até 12 anos o que deve ser praticado está
muito distante do Jogo profissional em si – apenas mobilidades precursoras. Além
do corpo não compreender o movimento se não estiver bem desenvolvido, existem
pesquisas comprovando que devemos primeiro desenvolver nossa base motora
para em seguida decidir o que fazer com ela. Isto é, na infância devemos
desenvolver nosso nível de movimentos em uma grande amplitude de ações
(genéricas) para só depois podermos decidir os esportes a praticar (em uma
especialização do movimento). Podemos ver que no Vôlei, por exemplo, os
jogadores que se destacam hoje são aqueles que sabem atuar bem em diversas
posições, levantamento, bloqueio, saque, corte, enquanto que antigamente o bom
jogador era especialista em uma só posição. O atual jogador de vôlei aprende
inicialmente os lances mais gerais e só mais tarde escolhe a posição que melhor
lhe convém, assim já aprendeu mais do esporte e desenvolveu mais amplamente
sua coordenação motora para o mesmo. Além disso, a especialização prematura
pode acarretar lesões (no joelho, ombro, cotovelo, etc – e não há maneira de se
compensar o corpo depois de lesionado), o que ocasiona uma curta vida no
Esporte, tendo que abandonar mais cedo a atividade.
© Revista Eletrônica de Ciências Número 22 Outubro / Novembro / Dezembro de 2003.