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Este dossiê temático é pautado pelo
compromisso de promoção da
solidariedade entre os povos em luta
pela paz, a justiça e a liberdade. O
texto aborda a situação no Saara
Ocidental e pode ser usado como
material de consulta ou didático.
Autora
Moara Crivelente
Saaráuis protestam diante da ONU em Genebra, Suíça, em março de 2018.
Edição
Centro Brasileiro de Solidariedade
SAARA OCIDENTAL: aos Povos e Luta pela Paz
www.cebrapaz.org.br
DÉCADAS DE LUTA
POR LIBERTAÇÃO
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INTRODUÇÃO
O Saara Ocidental é um território no noroeste da África, com saída para o Oceano
Atlântico e que se estende geograficamente da região do deserto até o Sahel – uma
faixa de transição até a savana africana, que atravessa o continente horizontalmente.
Faz fronteira com o Marrocos, a Mauritânia e a Argélia. Os seus habitantes, o povo
saaráui, têm origem beduína – nômades que habitam o deserto e transitam, em geral,
de acordo com as estações do ano. Seu idioma é o árabe – em uma variação regional
denominada hassanía – e o espanhol, principalmente. A região foi colonizada pelo
Reino da Espanha, entre 1884 e 1975.
A ONU já havia incluído em 1963 o Saara Ocidental em sua lista de Territórios Não-
Autônomos que deveriam passar pelo processo de descolonização, monitorado,
como em outros casos, pelo Comitê Especial sobre a Situação Relativa à
Implementação da Declaração sobre a Concessão da Independência a Países e Povos
Coloniais, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1960.1 O contexto era de
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A Assembleia Geral é o principal órgão deliberativo e representativo, composto pelos 193 países membros
da ONU, onde se discute e busca elaborar soluções para diversos temas mundiais, em reuniões anuais amplas
ou reuniões sobre temas específicos, em outras ocasiões. Países não-membros e outras entidades
internacionais também podem participar como observadores. Veja mais, na página da ONU:
https://nacoesunidas.org/tema/unga/
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grandes lutas por libertação nacional lideradas pelos movimentos anticoloniais em
diversas regiões. O mundo assumia o seu compromisso de encerrar este capítulo da
história da humanidade, deixando de reconhecer como válidos os sistemas de
dominação estrangeira no formato da colonização. Naquela década e na seguinte,
lutavam pela descolonização, na África, os povos da Argélia, Angola, Moçambique,
Quênia, Saara Ocidental, entre outros. Alguns já haviam alcançado a independência
nas décadas anteriores: a Líbia, em 1951, o Sudão, a Tunísia e o Marrocos, em 1956,
o Gana, em 1957, e a Guiné, em 1958, entre outros, ainda antes destas datas.
DESCOLONIZAÇÃO E REFERENDO
Diante das intenções dos países vizinhos, em 1974, a Assembleia Geral da ONU havia
pedido ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sua opinião sobre a situação do Saara
Ocidental.2 Na consulta, a Assembleia Geral questionava, principalmente, se o Saara
Ocidental pertencia a qualquer outro território quando foi colonizado pela Espanha,
ou se havia indícios, mais especificamente, de ligações legais anteriores entre o Saara
Ocidental e o que seriam o Reino do Marrocos e a Mauritânia. Em outubro de 1975,
a conclusão do TIJ foi negativa: não havia indícios de que o território do Saara
Ocidental já tivesse pertencido a qualquer dos dois antes da colonização espanhola,
o que significava que as reivindicações de ambos não tinham fundamento.
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O Tribunal Internacional de Justiça é o principal órgão judicial da ONU, estabelecido em 1945 pela Carta
das Nações Unidas, com sede em Haia, na Holanda. Seu papel é “solucionar, em acordo com o direito
internacional, as disputas jurídicas encaminhadas ao Tribunal pelos Estados e dar opiniões consultivas sobre
questões legais encaminhadas por órgãos autorizados das Nações Unidas e por agências especializadas.” Para
mais informações, consulte: https://www.unric.org/pt/informacao-sobre-a-onu/26496?start=5
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Mesmo assim, em 1975, logo após a assinatura do acordo com a Espanha, o Marrocos
promoveu um grande êxodo para o território do Saara Ocidental, conhecido na
história marroquina como a “Marcha Verde”, vinda do norte, enquanto a Mauritânia
invadia pelo sul. As forças armadas marroquinas lançavam bombas de napalm – um
composto inflamável à base de gasolina – e invadiam o território militarmente.
Milhares de saaráuis foram obrigados a fugir para a vizinha Argélia, onde
estabeleceram campos de refugiados, e outros tantos foram mortos ou continuam
desaparecidos. Aqueles que permaneceram passaram a viver sob a ocupação militar
marroquina,3 que já dura quatro décadas.
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Ocupação militar é um termo descrito no direito internacional humanitário, que regula a condução dos
conflitos armados e as obrigações dos atores envolvidos, por exemplo, na proteção dos civis ou no
tratamento a prisioneiros de guerra. Uma ocupação militar só é considerada justificada caso se explique por
uma necessidade e seja temporária, e caso a potência ocupante cumpra seus deveres de proteger a
população. Ainda que a sua manutenção seja permitida, seus efeitos violentos e seu prolongamento têm sido
denunciados em diversos casos, como o do Saara Ocidental, pelo Marrocos, e o da Palestina, por Israel.
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O Conselho de Segurança é um órgão de tomada de decisão da ONU composto por cinco membros
permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia) e 15 membros rotativos. Os membros
permanentes têm o poder de impedir a adoção de qualquer resolução através do seu veto sobre as matérias
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período de transição para a organização de um referendo, através do qual os saaráuis
poderiam lançar seu voto para escolher entre a independência ou a integração ao
Marrocos. Ademais, como parte dos esforços, em 1991 se iniciaria o cessar-fogo entre
as forças marroquinas e a POLISARIO.
em votação. A conformação e funções do órgão têm sido amplamente discutidas pela falta de
representatividade – sobretudo relativa à população mundial – e, por tanto, de legitimidade das suas
decisões, frequentemente sujeitas mais a interesses econômicos e políticos do que à preocupação com a paz.
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DIREITOS HUMANOS E AUTODETERMINAÇÃO
Um princípio fundamental da ONU e dos compromissos de cooperação internacional
por um mundo de paz justa é o direito dos povos à autodeterminação – o direito de
decidir livremente sobre o seu futuro, principalmente na esfera política e civil, mas
também na cultural e social. Este é um direito coletivo que se relaciona diretamente
com os direitos humanos fundamentais, baseado no compromisso mundial com o fim
do colonialismo e outras formas de dominação estrangeira.
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O compromisso estende-se ainda ao princípio de não ingerência nos assuntos internos das nações.
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execuções, torturas e outras formas cruéis de tratamento são cotidianas. Estas
violações dos direitos humanos dos saaráuis somam-se a outras formas de privação
ou limitação do direito à movimentação ou à expressão cultural – como o próprio uso
do hassanía ou da bandeira da RASD – denunciadas pelos saaráuis e pelos
observadores internacionais que logram visitar o território, algo persistentemente
dificultado pelas autoridades marroquinas.
União da Juventude Saaráui desfila durante comemorações do aniversário da RASD em fevereiro de 2017, nos campos de refugiados.