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DIREITO PÚBLICO

A CRISE CONSTITUCIONAL DO NOSSO TEMPO

Themístocle.s Cavalcanti
(Da Universidade do Brasil)

Existe um sentimento geral de que os sistemas jurídicos


que vigoram, não correspondem mais às exigências do progres-
so social e às transformações sofridas pela estrutura social,
nessa primeira metade do século.

A crítica tem atingido as Câmaras legislativas e a estru-


tura do Poder Executivo e mesmo os métodos adotados nas
elaborações das leis, nas relações entre podêres e o sistema
judiciário.
Seria longo analisar as causas dessa transformação que
atingiu todos os setores da vida, alterando o sentido e a medida
dos valores.
o fato mais sensível, entretanto, é que o progresso tecno-
lógico, o desenvolvimento industrial, atuando decisivamente na
estrutura social e no comportamento dos homens, terá necessà-
riamente que impor novas técnicas de govêrno e novas estru-
turas constitucionais.
Não se pode raciocinar, nem viver, nem sentir, nem agir
no tumultuoso mundo atual da mesma forma por que sentiam,
pensavam, agiam os que viveram no século XIX.
As ciências sociais são ciências em qUe o comportamento
dos homens constitui pressuposto necessário.
Ressalvados os princípios, a nosso ver, insubstituíveis, da
ética cristã, tudo se transformou. Devemos procurar, assim,
novas formas, novas estruturas.
Mas para isso, temos de partir de pressupostos que não
têm sido devidamente considerados e que são os seguintes:
Rev. Dir. PúbI. e Ciência Política - Rio de ]anelfo - VoI. IV, 09 3- setembro/dezembro 1961
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Primeiro, a evolução do progresso técnico modificou com-
pletamente as condições da vida social.
Segundo, todos os problemas d~vem ser tratados com
maior flexibilidade, mais simplicidade, mais eficiência.
Terceiro, as soluções são mais complexas, porque mais
apurados os estudos técnicos e a investigação, jogando também
com elementos novos e mais numerosos.
Quarto, novos métodos de trabalho foram descobertos e se
modificaram as relações humanas em sua natureza e em seu
mecanismo.
Outros, portanto, são os dados para a elaboração de uma
estrutura constitucional, porque outros devem ser os instru-
mentos e meios de govêrno.
As grandes conquistas do pensamento político devem ins-
pirar as reformas do Estado, porque elas permitem imprimir
às instituições políticas o máximo de liberdade, indispensável
para realizar a vocação democrática do nosso povo, e um siste-
ma mais flexível e racional de govêrno.
Não se compreende a insistência com que se procura con-
servar uma estrutura constitucional superada, sem flexibilida-
de, sem especialização técnica, sem eficácia para resolver as
crises políticas que, periodicamente e sempre as mesmas, nos
afligem.
Devemos analisar os nossos males crônicos e procurar cor-
rigi-los com inteligência, objetivamente, corajosamente.
Desde a sua proclamação em 1889, a República foi insti-
tuída sob as seguintes bases fundamentais: regime democrá-
tico, forma republicana e representativa de govêrno, forma fe-
derativa de Estado.
Regime democrático significa para os povos ocidentais
uma organização política que transfere ao povo, não somente
o exercício pleno da soberania, mas também imprime certo
estado de espírito à consciência coletiva, pressupõe também
uma forma de govêrno que possa conceder ao povo o máximo de
liberdade e o máximo de satisfação dos seus interêsses indi-
viduais e coletivos.
Por isso mesmo, aí está a forma clássica, consagrada pela
tradição democrática do govêrno "do povo, pelo povo, para o
povo".
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - R;o de ]lneiro - Vol. IV, n9 3 - setembro/dezembro 196r
A democracia francesa deu a esta concepção um sentido
eminentemente político, porque ali, o fato mais importante foi
a substituição do poder absoluto do rei, emanação divina, por
aquilo que ROUSSEAU chamou de vontade coletiva e que teve a
sua expressão mais poderosa no sufrágio universal.
A democracia anglo-saxônica, principalmente a democracia
americana, procurou essencialmente valorizar o indivíduo e
atribuir ao homem a plena expansão da sua personalidade. O
princípio da livre emprêsa é uma das expressões mais sensÍ-
veis dêsse culto pela liberdade, através do pleno desenvolvimen-
to do homem em sua capacidade econômica.
Aí estão os famosos versos de W ALT WHITMAN: "Não é o
mundo, não é a América que são grandes, sou eu, que sou ou
posso vir a sê-lo; é você, que está aí, ou qualquer um ... "
É um estado de espírito, uma moral de vida que deve, por-
tanto, imprimir ao homem e à sua política, um sentido perma-
nente de que não pode ser desrespeitado.
O direito de viver livremente, de prosperar, de divergir,
eis o sentido da democracia, na pureza do pensamento de um
HARRINGTON J de um LoCKE, de um ROOSEVELT.

Se atraveSBarmos a cortina de ferro, vamos verificar que,


ali também, pretendem fundar uma democracia, a chamada
democracia popular, que é igualmente mais um estado de alma
do que a estrutura ou um sistema político, porque o mesmo
pensamento da d2mocracia ocidental, ali sofre a marca, o sêlo
do pensamento político dominante.
Muito típicos são êstes dois pensamentos de LENINE: "A
democracia proletária é um milhão de vêzes mais democrática
do que qualquer democracia burguesa; o pod-er soviético é um
milhão de vêzes mais democrático do que a mais democrática
república burguesa.
O sistema soviético é o máximo de democracia para os
trabalhadores e camponeses; ao mesmo tempo, significa o rom-
pimento com a democracia burguesa e o nascimento de um nôvo
tipo de democracia universal e histórica, isto é, a democracia
proletária ou a ditadura do proletariado" .
Como s~ vê, essas duas formas de democracia são duas
expressões políticas e ideológicas com sinais contrários, porque
se a primeira repele a autocracia, a segunda tem os seus pró-
prios fundamentos na ditadura de uma classe.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n9 3 - setembro/dezembro 196x
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Muito haveria a dizer sôbre democracia, mas dentro da
nossa estrutura constitucional, pela nossa tradição, pela nossa
formação histórica, pela nossa estrutura social, pelas nossas
concepções individualistas de vida, a nossa linha fatal está na
concepção ocidental do regime democrático que como tal foi
instituído desde a nossa independência, e que se mantém atra-
vés de tôdas as constituições monarquistas e republicanas que
temos tido até hoje.
Mas a nossa democracia é também representativa e tomou
a forma republicana, porque a não ser o Poder Judiciário, que
tem uma origem e uma formação peculiar, todos os outros
podêres são eleitos, e nisto difere daquelas democracias de es-
trutura monárquica que têm na cabeça do sistema político um
monarca coroado, sem que com isto tire da sua formação polí-
tica o sentimento democrático e o respeito às formas consti-
tucionais.
É representativo o regime porque o povo não o exerce
diretamente, mas através dos seus representantes eleitos, atra-
vés do sufrágio, teoricamente o mas efetivo processo de repre-
sentação.
O sistema representativo é o único que conduz à legitimi-
dade dos governos, não obstante os grandes percalços que a
sua instituição tem encontrado na organização, não só do elei-
torado, do seu preparo e de sua capacidade, mas também dOS
processos de coleta de vontade popular e na escolha dos siste-
mas eleitorais que podem conduzir à interpretação segura e
honesta da vontade do eleitorado.
Os modernos autores americanos notadamente têm, por
isso mesmo, elevado de categoria, no conjunto da estrutura do
Estado, o eleitorado e os Partidos Políticos que são os meios,
os instrumentos adequados da democracia para tornar efetiva
a boa escolha dos representantes populares.
O princípio da representação é, por isso mesmo, uma das
chaves do regime republicano porque, sem voto consciente, li-
vre e devidamente apurado, não pode existir sistema represen-
tativo.
Mas não só voto devidamente apurado, seria suficiente,
porque o sistema de representação não é puramente numérico,
isto é, quantitativo, há de ser igualmente qualitativo, porque a
qualidade, na estrutura política, deve constituir elemento pon-
derável como expressão dos grupos sociais organizados.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n? 3 - setembro/dezembro 1961
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Seria isto matéria para uma análise muito particular da
nossa estrutura constitucional, na qual poderiam ser examina-
dos alguns pontos essenciais, como, por exemplo: será o sis-
tema de representação proporcional o mais adequado para a
organização de uma Câmara realmente representativa da von-
tado popular? - Não seria o sistema majoritário mais simples
e um processo mais lógico para escolha de representantes? -
Não deveríamos voltar também às eleições distritais?
Ainda outro exemplo: não seria preferível a eleição in-
direta para certos cargos, processo mais aconselhável para a
escolha notadamente do Poder Executivo, cujas funções exi-
gem mais apuro e certas qualidades pessoais? - Ainda outra
questão: deve se estender o direito de voto a todos os indiví-
duos, inclusive aos analfabetos?
Tudo isso envolveria o exame de teses profundas, ligadas
também a esta grave crise e conflito entre as elites e as mas-
sas, e do dever das elites em face da responsabilidade que ain-
da têm nos acontecimentos.
São outros tantos problemas que não podem ser conside-
rados levianamente, porque o impacto que a técnica e a ciên-
cia impuseram aos .sistemas políticos produziu as mais graves
conseqüências sôbre a massa da população, atingida também
pelo choque da propaganda, da vulgarização dos conhecimentos
e de um ilusório conhecimento dos mais graves problemas do
govêrno. Mas, uma verdade é certa! Devemos possuir um sis-
tema eleitoral que dê melhores oportunidades a uma certa parte
da população, com melhores recursos de cultura e de educação,
contrabalançando o poder puramente numérico de um eleito-
rado semi-alfabetizado.
A nossa República ainda é presídencialista-parlamenta-
rista, ao contrário de muitos povos, que preferiram adotar sis-
temas rígidos - funcionando dentro de esquemas tradicionais.
Pode parecer estranha essa afirmação, mas o certo é que,
até agora, a emenda parlamentar não tem funcionado satisfa-
toriamente, dentro da técnica do sistema, conservando-se as
características tradicionais do sistema presidencial.
O que caracteriza o sistema presidencial é a estabilidade
dos governos e a figura do chefe de Estado no seu mecanismo.
DUVERGER, dentro dê.sse critério considera o sistema inglês
mais próximo do presidencialismo do que do parlamentarismo
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV. n. 3 - setembro/dezembro 1961
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e autores como DoUGLAS VERNEY classifica o regime francês
como parlamentarismo-presidencialista.
Sem uma liderança capaz de implantar um sistema parla-
mentar, conservaremos, sem dúvida, os traços essenciais do
presidencialismo.
Desapareceu, entretanto, uma das causas das tensões po-
líticas - impossibilidade das oposições de participarem do go-
vêrno, durante período certo e inflexível, que é o período pre-
sidencial do adversário, em um ciclo que se desenrolava a prazo
fixo.
o prestígio do regime parlamentar vem predsamente da
oportunidade que sempre concede, a qualquer partido, a qual-
quer momento, de participar do govêrno.
É, entretanto, pelo menos teoricamente, o regime presi-
dencial, uma forma de govêrno que tecnicamente oferece maio-
res oportunidades para uma tarefa administrativa bem plane-
jada e eficaz.
Finalmente, temos uma Federação que não é forma de go-
vêrno, mas é forma de Estado, é distribuição de autonomia po-
lítica e administrativa pelas numerosas áreas geográficas em
que se divide o Estado.
Federação é autogovêrno, é auto-administração, é auto-
-organização. Federação é, em uma forma sintética e expres-
siva, um Estado soberano constituído de diversos Estados au-
tônomos.
Não há Federação, existem Federações porque, nem os
Estados Unidos, nem o Canadá, nem a índia, nem a Alemanha,
nem a Argentina, nem o Brasil têm a mesma estrutura federa-
tiva. Por isso é que dizemos, existem tipos de federação, cada
qual com uma estrutura, com um mecanismo, com um espírito
diferente.
Os Estados Unidos passaram de uma Confederação para
uma Federação. O Brasil, de um govêrno unitário, converteu-
-se em Federação. Mas nem um nem outro dêsses países conse-
guiu fugir aos imperativos de uma centralização imposta por
motivos políticos, por exigências internacionais, por contingên-
cias econômicas que transferiram para o centro a liderança
da política política, da política econômica, da política adminis-
trativa, poder central que teve a tarefa essencial de distribuir
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - VoI. IV, n9 3 - setembro/dezembro 196r
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os recursos econômicos, as fontes de energia, os elementos ma-
teriais de que dispunha a Nação, pelas áreas mais adequadas.
Não perderam os Estados membros da Federação, entre-
tanto, a sua personalidade, a sua individualidade, com bases
geográficas, econômicas e humanas intransferíveis porque, na
Federação, realiza-se êsse milagre, da existência de um todo
no conjunto ideal de muitas unidades, articuladas, vivendo
aquela unidade de alma de que fala RENAN como um plebiscito
que se repete todos os dias.
A federação no Brasil foi uma consequencia da própria
política colonizadora em um território imenso, sem meios de
comunicação, sem ligações diretas com o centro. Nada mais
adequado para criar o sentido da autonomia do que a auto-
-suficiência das populações isoladas. Daí o municipalismo, dai
o movimento descentralizador, daí o ato adicional e o êrro da
lei de interpretação, daí, na frase de NABUCO, "a própria Re-
pública que não teria surgido, se a Monarquia tivesse feito a
Federação" .

Dir-se-á que a Federação é incompatível com a Monarquia,


mas aí está o exemplo do Canadá. Fórmula tão vazia do que
esta outra: - O Parlamentarismo é incompatível com a Fe-
deração.
A verdade é. que a própria Federação entre nós precisou
racionalizar-se, identificar-se com os nossos problemas polí-
ticos e os nossos hábitos, fugindo àquela contingência dramá-
tica que maculou a primeira República com a prática constan-
te, aquêle cacoete político que deformou o regime, das suce.ssi-
vas intervenções federais nos Estados, para nêles impor o pr2S-
tígio da Política Federal dominante.

Temos para nós, que a estrutura constitucional da nossa


Federação, salvo algumas correções, justificadas pela prática,
mormente no que se refere à competência legislativa dos Es-
tados e a preservação das autonomias locais, contra a política
do poder central é satisfatória.
O que parece indispensável é libertar os Estados de uma
subordinação exagerada do Poder Legislativo Federal em ma-
téria administrativa e educacional, modificando preceitos que
se encontram nos artigos 5 e 6 da Constituição Federal. É o
Estado que sofre com a inércia legislativa da União em certos
setores que interessam à administração.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - VaI. IV, nQ , - setembro/dezembro 1961
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Por outro lado, justificar-se-ia o melhor entrosamento do


Poder Repressivo Federal e Estadual no sentido de permitir
melhor execução das leis federais no campo da repressão po-
licial e da repre.ssão penal.
Ainda mais, seria indispensável uma revisão na partilha
tributária para aliviar os Estados da supremacia do Poder
Econômico da União que, muitas vêzes, impede uma livre ex-
pansão dos interêsses econômicos de algumas regiõe.s do país.
Mas o problema da Federação nos conduziria por si só a
um estudo exaustivo dêsse mecanismo complexo que é o sis-
tema Federal, problema que, na realidade, em nos.sa estrutura
constitucional, não é dos mais suscetíveis de reforma, pelo me-
nos, de base.
Mas é indubitável que o mecanismo federativo se modifi-
cou, em conseqüência de condições econômicas que vieram for-
talecer o poder central, conduzindo aos seguintes resultado.s:
a) o alargamento da área legislativa em assuntos essen-
ciais, como o contrôle do comércio exterior, regime de bancos,
economia popular, polícia, etc. ;
b) valorização dos sistemas regionalistas geo-econômicos,
e.struturas intermediárias entre o poder federal e o estadual
(planejamento e órgãos regionais) ;
c) multiplicação de problemas nacionais, na área dos ser-
viços públicos;
d) expansão do planejamento nacional, cobrindo a área
dos problemas locais; e
e) prestígio crescente do poder central e do govêrno cen-
tral, graças aos meios políticos e econômicos superiores de que
dispõe.
Não poderíamos esquecer também algumas palavras sô-
bre os Municípios e os Territórios.
É preciso não exagerar o problema municipalista. Embo-
ra tenha, desde 1933, ao se proceder a elaboração da Consti-
tuição de 1934, defendido tenazmente a plena autonomia mu-
nicipal, ainda não e.stou convencido de que a organização mu-
nicipal não deva merecer da Constituição Federal tratamento
tão rígido quanto que nela se -encontra.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n" 3 - setembro/dezembro 1961
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Em relação a qualquer pessoa física ou pessoa jurídica a


autonomia deve pressupor auto-suficiência, possibilidades e ca-
pacidade econõmica, meios e recursos para a auto-administra-
ção. Sem isto a autonomia é um presente de grego, é o mesmo
que se conferir ao menor, sem capacidade e meios de subsis-
tência, a sua emancipação. Autonomia pode ser concedida em
diversos graus. É como a capacidade que pode ser absoluta
ou relativa, porque a absoluta só s~ adquire com a plena ex-
pansão de capacidade de vida.
Ora, a Constituição concede autogovêrno e auto-adminis-
tração, impõe a eletividade dos prefeitos, mas não concede
meios de subsistência. É como um gigante de pés de barro.
Precisamos caminhar, por isso, para diversos regimes de
autonomia locais e, aí está o exemplo dos Estados Unidos,
atribuindo diversos sistemas de administração às suas cidades
e municípios, de acôrdo com as possibilidades e natureza de
cada uma dessas unidades.
Quanto aos territórios, não vejo como se possa, senão por
motivos políticos, e de política partidária, tirar à União a
possibilidade, através de meios adequados, de des~nvolver zo-
nas geográficas que por circunstâncias tôda.s particulares, po-
deriam prosperar, como algumas já prosperaram, sob a admi-
nistração direta do Govêrno Federal.
Não só motivos de ordem estratégica justificam a criação
dêsses territórios, mas razões de ordem econômica impõem uma
política destinada a desenvolver certas áreas, evitando soluções
intermediárias que freqüentemente importam no atrito entre
os interêsses federais e os interêsses regionais ou estaduais.
Os Estados Unidos contornaram estas dificuldades, nota-
damente no caso do Vale do 'Tenessee, verdadeiro Território
valorizado diretamente pelo auxílio do Govêrno Americano.
É verdade que também recorremos a essa.s formas oblí-
quas de auxílios no Vale do Amazonas e no Vale do São Fran-
cisco, mas em todos êstes locais, subsiste a superposição de
influência das autoridades de diversos níveis, contrariando em
sua essência a própria estrutura do sistema federativo.
Examinada, assim, a organização do Poder Federal e a
distribuição dos Podêres pelas diversas áreas em que se divide
o Brasil, passemos agora à Organização do Govêrno e da Ad-
ministração.
Rtv. Dir. Públ. e Ciência Polkica - Rio de Janeiro - VaI. IV, n? ~ - setembro/deumbr.. 1961
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É princípio constitucional expresso em têrmos, categóri-


cos como poucos, de que são podêres da União o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre
si e, como a dar mais expressão e ênfase o art. 7 reitera que Q

a independência e harmonia de podêres, como a forma repu-


blicana representativa, são princípios fundamentais da União.

Mas quando trata da revisão constitucional não voltou o


legislador constituinte a considerar como imposição irredutí-
vel do reexame do texto, a independência e a harmonia dos po-
dêres, mas apenas a federação e a república.

Quer isso dizer que na organização constitucional de que


estamos tratando, a independência e a harmonia dos podêres
não constituem barreira irremovível de momento que se man-
tenha a forma republicana, isto é, a eletividade dos agentes do
Poder Público.

É bem verdade que não pode haver República, sem a dis-


tribuição dos Podêres do Estado por diversos órgãos e que ês-
ses órgãos representem, afinal, um sistema de equilíbrio dos
Podêr2s de Estado que conduza a realiza~ão dessa forma ideal
de Govêrno que é a República.
Nada impede, entretanto, ao poder revisionista que êle
estruture os órgãos políticos de outra maneira, desde que não
haja nenhum poder sem contraste, sem a fiscalização de outro
Poder, porque a República é, afinal de contas, a negação do
próprio Govêrno absoluto.

A idéia já vem de ARISTÓTELES, e foi desenvolvida por


todos os espíritos liberais que nos conduziram à democracia
moderna, muitas vêzes sem identificar a natureza dêsses po-
dêres, dando-lhes denominações diversas como fizeram LoCKE
e MONTESQUIEU e que nós assimilamos nessa forma moderna e
atual: legislativo, executivo, júdiciário.

Isto não impediu que os chineses fizessem uma constitui-


ção dos cinco Podêres, absorvendo a doutrina daquele sábio fi-
lósofo que foi um SUN YAT SEN e que só malogrou com o ad-
vento da República Popular Comunista.

Os autores americanos, como já disse, procuraram incor-


porar a êsses três podêres que conhecemos também mais dois:
o eleitorado e os partidos políticos, cuja função na mecânica
e no sistema democrático é imprescindível conhecer.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. N, n9 3 - setembro/dezembro 1961
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Não obstante a opinião de muitos, o órgão por excelência


representativo da opinião pública é o Poder Legislativo, por~
que ali se acha representada a massa do eleitorado, maioria,
minoria, pequenos grupos parlamentares, enfim, tudo quanto
um número mais ou menos expressivo de eleitores pode esco-
lher para constituir o Poder incumbido de fazer as Leis, votar
o Orçamento, votar os impostos, julgar o Poder Executivo, con-
trolar tôda a atividade política, financeira e econômica do país.
Pode-se dizer que ali se encontra a síntese de tôdas as
correntes da opinião pública, por melhores e piores que sejam.
Somos, entretanto, um velho partidário do regime unica-
meral. Não convence a necessidade das duas Câmaras. Direi
como BENTHAM, que se uma aprova o qUe a outra faz, a se-
gunda é inútil, se não aprova, a primeira é desnecessária.
Entre nós existe o problema da federação e, portanto, a
necessidade de uma represeIltação igualitária do Estado, cor-
rigindo o desnível quantitativo da população dos Estados que
se reflete na Câmara dos Deputados.
Não estamos longe, entretanto, de acreditar, segundo ob-
servação pessoal, que apesar de tudo, o que prevalece é o sis-
tema dos Partidos na Câmara como no Senado, com os seus
grupos, com as suas bancadas, com os seus líderes partidários.
Somos unicameralistas e com uma Câmara constituída den-
tro de um critério de proporcionalidade, que restabeleça, tan-
to quanto possível, o desequilíbrio já apontado das grandes
bancadas Estaduais.
Muito teria que dizer ainda sôbre o Poder Legislativo, a
sua organização, o seu funcionamento, a necessidade de uma
reforma de base que permita realizar os seus objetivos.
O problema não é somente nosso, é de todos os países, que
estão verificando ser indispensável fugir àquela separação de-
masiada entre os diversos podêres do Estado, de maneira a ar-
ticulá-los devidamente.
A tarefa legislativa até antes da Guerra de 14 ainda podia
ser exercida por um Parlamento constituído sob base exclu-
siva da seleção pelo voto, mas no momento que corre, a multi-
plicação dos problemas puramente técnicos, dos problemas po-
líticos ligados a fawres econômicos dos mais complexos, são
inacessíveis à grande maioria dos membros do Parlamento.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n9 3 - setembro/dezembro 1961
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Tem-se recorrido muito às assessorias técnicas, ao auxílio


de órgãos especializados que trazem a contribuição dos seus es-
tudos, das suas informações, das suas pesquisas, para que o
legislador possa optar entre as diversas soluções. Ainda aqui
o legislador esbarra com problemas de técnica legislativa dos
mais intrincados, e que desafiam a competência e o saber de
indivíduos com larga experiência em problemas dessa natureza.
A solução aventada tem sido muitas vêzes a da chamada
delegação legislativa ou, como querem outros, a delegação de
atribuições, a fim de permitir que certos órgãos técnicos pos-
sam elaborar os diplomas legislativos sujeitos posteriormente
à aprovação e votação das Câmaras.
Somos partidários de uma solução dêsse tipo.
Na Inglaterra organizou-se em 1939 um Comitê Parlamen-
tar e CientIfico com os seguintes objetivos:

1<'» fornecer aos membros do Parlamento, por ocasião dos


debates, informações científicas de fonte autorizada;
2<.» levar ao conhecimento dos membros do Parlamento
e dos departamentos ministeriais o resultado das pes-
quisas científicas e dos progressos técnicos que pos-
sam ter repercussão sôbre questões de interêsse ge-
ral;
39 ) conseguir que sejam tomadas por via parlamentar,
tooa vez que fôr necessário, as medidas exigidas pa-
ra garantir a obediência e o respeito a uma boa orien-
tação científica;
49 ) Estudar tôdas as leis que possam interessar à comu-
nidade e tomar as disposições apropriadas;
59) fiscalizar o financiamento da pesquisa científica;
69 ) fornecer regularmente a seus membros e a outros
subscritores associados um resumo das questões cien-
tíficas examinadas pelo Parlamento.

Estudos sôbre problemas universitários, sôbre a utilização


do carvão e fontes de energias,sôbre a produtividade, formam
outros tantos estudos realizados por essa organização.
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n9 3- setembro/dezembro 1961
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Mesmo com a delegação legislativa, como querem, não se
compreende que entreguemos os nossos interêsses, as grandes
questões nacionais e o futuro da Nação, a um organismo polí-
tico, selecionado por um critério exclusivamente político.
A delegação legislativa em boa hora incluída na emenda
constitucional n'l 4 muito poderá contribuir para a elaboração
legislativa, desde que o seu processo obedeça realmente a ex-
periências políticas e técnicas convenientes.
A elaboração legislativa só poderá lucrar se a Câmara re-
tiver ~ sua função originária e conservar o seu contrôle polí-
tico, dando à delegação uma plasticidade conveniente, mas con-
servando as características que deva obedecer a normas ga-
rantidoras de uma estabilidade legislativa indispensável.
A Inglaterra nesse particular pode dar o exemplo espan-
toso de uma revolução dos métodos parlamentares, mas, infe-
lizmente, nada mais podemos fazer senão aconselhar a leitura
daquele livro magnífico escrito por MORRlSON e seus colabora-
dores sôbre o Parlamento Inglês e sôbre as reformas de bas~
que ali se processam.
Não menos importante para realçar o relêvo dos proble-
mas técnicos a cargo do Govêrno e do Parlamento, é o livro
"Government and Science" de DoN PRICE.
Devemos, a nosso ver, tratar sêriamente de eliminar o Se-
nado como órgão legislativo, dando-lhe atribuições mais gover-
namentais, em relação à política econômica, à política exterior,
à política administrativa. órgão efetivo de contrôle de certas
arbitrariedades administrativas, especialmente dos serviços pú-
blicos autônomos, o Senado teria outra projeção, perderia o seu
papel de satélite e exerceria função própria. Atualmente, mes-
mo o seu caráter representativo é impugnado, como o fêz, de
forma exaustiva, o professor ROBERT DAHL (A Preface to
Democratic Theory) .
A sua posição no mecanismo do regime não corresponde
aos objetivos de sua criação, como órgão dos Estados.
Vamos agora ao Poder Executivo. A começar por esta
matéria explosiva que é o processo de escolha do Presidente
àa República, a que se seguirá, num rápido entrevêro, o pro-
blema do parlamentarismo.
A primeira questão ligada à eleição do Presidente da Re-
pública é a opção entre o processo direto e o indireto, ou como
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, nQ 3 - setembro/dezembro 1961
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pretendam ainda outros, na forma eclética do processo direto


no primeiro turno e na escolha pelo Congresso no caso do can-
didato a Presidente da República não atingir à maioria abso-
luta de votos.
Se tivermos de aplicar os ensinamentos da ciência política,
recusaremos eficácia ao sistema vigente, porque, quer queiram
quer não, a experiência tem sido má e, ensina a ciência política,
que uma experiência reiterada com maus resultados deve ser
modificada.
Não nos devemos ater ao espírito geométrico, como se um
sistema político fôsse uma máqUina e não tivesse de ser ma-
nipulado com aquilo que PASCAL chamou tão bem "esprit de
finesse". Ê a sutileza do mecanismo social, que não trabalha
como um relógio, mas que tem pulsações e sentimentos que o
homem só pode corrigir sentindo e pensando como êste orga-
nismo.
Ora, a eleição direta tem sido de graves conseqüências pa-
ra a nossa vida política, talvez por falta de uma estrutura so-
cial bem definida, pela coincidência da crise de crescimento
econômico com a crise política, por falta de sabedoria, não di-
rei de egoísmo, das classes dirigentes, mas o fato é que o sa-
crifício não tem correspondido à prática de um sistema que de-
veria concorrer para a continuidade e vigor do nosso regime
constitucional.
Procura-se encontrar naquela fórmula antiga, da maioria
absoluta, a solução para as dificuldades, mas logicamente, o
fracasso do primeiro escrutínio deveria exigir nôvo escrutínio
direto e não a revisão pelo Congresso com as suas fôrças par-
tidárias.
Vamos dar um exemplo que não é meu mas que me im-
pressionou profundamente: o presidente GETÚLIO VARGAS, na
eleição de 1950 não obteve maioria absoluta, mas atingiu a
48% do eleitorado.
Pergunta-se: levado o caso para o Congresso, não teriam
as fôrças políticas majoritárias, acrescidas de outras, eleito o
candidato, o saudoso CRISTIANO MACHADO que só obteve uma
percentagem muito muito menor de votos? Onde está o acêrto,
a justiça, a verdade dessa eleição?
Somos, por isso mesmo, partidários da eleição indireta, por
um eleitorado especial, constituído das fôrças vivas da Nação,
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para e'leger o seu Presidente que não teria assim o direito de


impor ao país a ditadura partidária. Os partidos têm na Câ-
mara longo campo de ação para impor a opinião da maioria.
Foi a idéia que prevaleceu em quase todos os projetos de
constituição em 1889. O marechal DEODORO DA FONSECA, ano-
tando o projeto de constituição publicado pelo Govêrno Provi-
sório, aconselhava a eleição indireta, realizando-se a eleição em
cada Estado para constituição de um eleitorado especial.

Com a implantaçã_1? do sistema parlamentar de govêrno, o


processo modificou-se e, já agora, a eleição será pelo Con-
gresso.
O sistema também nos parece superado, em face da expe-
riência das novas repúblicas alemã e italiana, que adotaram
um método mais representativo dos grupos políticos nacionais,
adicionando aos parlamentares, a representação de todos os
grupos provinciais, para constituir uma grande assembléia po-
lítica.
Será, talvez uma eleição indireta, mas que politicamente
satisfaz às finalidades da escolha do chefe de Estado.
O que não nos parece adequado é a eleição simplesmente
pelo Congresso.
Outro aspecto importante do presidencialismo é a dificul-
dade de conciliar o seu regime com o de partidos, dificultando
ao chefe do Poder Executivo a tarefa que é essencial e especí-
fica do sistema, a da livre escolha dos seus auxiliares diretos.
Como conciliar a livre escolha com a imposição dos parti-
dos? Com a preocupação da maioria parlamentar?
Como conciliar o regime de independência de podêres,
quando não existe a subordinação do Poder Executivo ao Con-
gresso, com um sistema partidário que t2nha a sua origem
clássica e tradicional no mecanismo parlamentar?
N os Estados Unidos a tarefa é muito mais simples, por-
que fàcilmente o Presidente da República encontra o equilíbrio
entre dois partidos apenas, jogando com os grupos parlamen-
tares que não dispõem geralmente de grandes recursos para fa-
zer uma política partidária dentro do Parlamento. A evolução
da prática presidencialista naquele país deveria merecer a nos-
sa atenção.
Rev. Dir. PúbI. e Ciência Política - Rio de Janeiro - VoI. IV, n9 ~ - setembro/dezembro 1961
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Por isso também é que conciliamos êste conceito do regi-


me presidencial em que o Presidente da República pode-se co-
locar acima dos Partidos, com o princípio da eleição indireta.
Por isso também, é que advogamos um estudo do nosso
sistema constitucional baseado numa revisão das relações entre
o Poder Legislativo e o Poder Executivo, substituindo-se essa
forma agressiva da independência dos Podêres por uma sábia
articulação de suas atividades.
Mas também não queremos insistir em um ponto tenebro-
so que nos levaria, por descuido, a talvez resvalar para um
terreno que desejamos evitar, da crítica frontal aos nossos
hábitos políticos.
Não podemos escapar, entretanto, de um tema atual sen-
sível e que se acha na ordem do dia por motivos muito diver-
sos - Parlamentarismo e Presidencialismo.
Desde que se proclamou a República, começou a campa-
nha em favor do Parlamentarismo como forma mais flexível
de Govêrno, obedecendo a uma tradição européia que durante
muitos anos foi a fonte das nossas aspirações políticas e que,
afinal de contas, era mais ou menos o sistema que vigorava
na Monarquia.
Não é fácil para um Presidencialista, porque ainda o
somos, criticar o Regime Parlamentar porque, tantos foram
os benefícios prestados por êsse Regime a numerosos países,
tão impressionante a tradição inglêsa parlamentarista qu~ não
se poderia, lSem grave injustiça, condenar, inicialmente, êsse
regime.
Dentro da estrutura democrática é incontestàvelm~nte o
mais lógico, porque permite a participação direta do órgão por
excelência da sob~rania popular que é o legislativo, na obra
de govêrno, é também o regime que facilita a solução de certas
crises políticas, por sua flexibilidade, por seu mecanismo emi-
nentemente popular e democrático.
Tem contra si a instabilidade política, o conchavo parti-
dário, como prática usual, a transigência da ideologia parti-
dária, com objetivos políticos pragmáticos, é enfim o sistema
que exigiria certa maturidade política nem sempre possível
em todos os Estados da Federação.
Confessamos, entretanto, que nos entregaríamos imedia-
tamente ao Parlamentarismo se êle pudesse produzir no Brasil
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. TV, n9 3 - setembro/dezembro 1961
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o milagre verificado na França, por exemplo, em que ao lado


da instabilidade política existe uma estabilidade administra-
tiva, uma continuidade de Govêrno, no bom sentido, que per-
mite ao país superar as crises políticas e viver quase que sem
govêrno.
Por outro lado, o regime presidencial aproxima demasia-
damente a política da administração €, não foi sem um grande
esfôrço e sem uma capacidade insuperável, que os Estados
Unidos se libertaram do sistema dos espólios para criarem um
sistema de méritos na seleção do funcionalismo, não sem deixar
um Presidente morto pela insânia de um funcionário despro-
tegido, como exemplo de um prática condenável mas feliz-
mente abolida naquele país.
Bem estruturado, entretanto, o regime presidencialista
tem as suas virtudes, porque permite o uso de métodos novos
de govêrno e melhor aproveitamento dos valores e das técni-
cas, bem como a realização de um planejamento eficaz para
a realização da obra de govêrno. O que se torna necessário
é rever o sistema, sem preconceitos, sem atender a outras
considerações que não a organização de um sistema de govêr-
no apto a realizar a tarefa legislativa.
A reforma do Poder Executivo, além do mais, se processa
no sentido de melhor utilização dos recursos fornecidos pelo
progresso técnico.
A colaboração tem de se fazer, por isso mEsmo, fora dos
quadros partidários, tão numerosos são os problemas e tão
escasso o material humano apto para manejá-los.
Recorre-se, para isso, à descentralização dos serviços por
meio de comissões, geralmente especializadas; multiplicam-se
os organismos de pesquisas e investigações; o poder norma-
tivo, em seus aspectos complementares da legislação, se desen-
volve por meio de comissões com o poder de regulamentar
certas atividades, mesmo a função jurisdicional, em seus casos
mais elementares, a exigirem solução rápida e prática, se dis-
tribui por órgãos ligados à atividade administrativa.
Se, portanto, o Parlamento ou o Congresso devem ter o
monopólio da política legi.'tlativa, não podem, nem devem ter,
o monopólio do poder normativo, se o Poder Judiciário deve
ter o monopólio no contrôle final da proteção dos direitos, não
precisa ter o monopólio na solução de controvérsias aces.síveis
aos órgãos administrativos.
Rcv. Dir. Públ. e CiênciJ Política - Rio d::- ].ine:ro - Yn~. TV, rr" 3- setembro/dezembro 1961
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Dir-se-á qUe o tema não tem mais propósito e que o


sistema parlamentar está implantado. Puro equívoco. A esta-
bilidade do nôvo sistema dependerá da maneira de executá-lo
e do sucesso na liderença política.
Poderá também a sua aplicação determinar apenas a alte-
ração do mecanismo de um Presidencialismo mal executado e
deformado, pela multiplicidade de Partidos, o que transferirá
automàticamente ao Congresso o comando político, sujeitando
o Presidente às injunções da maioria parlamentar.
A análise do regime, desde 1946, nos conduziria fàcil-
mente à demonstração de.ssa tese.
Transferida à Câmara a aprovação da eleição dos Minis-
tros, racionalizou-se apenas o mecanismo efetivo do nosso sis-
tema, mas não significa, por si só, a adoção real do sistema
parlamentar.
Algumas palavras, finalmente>, .sôbre o Poder Judiciário
que está a exigir uma reforma de base, ou com a volta ao
regime da dualidade da justiça ou com a sua unidade dentro
do quadro federal, eliminando-se os defeitos do sistema
vig2nte.
Somos ainda partidários na reforma de base que desejaria,
da organização doe uma justiça administrativa e especializada,
eliminando-se por essa forma um contrôle juri.sdicional, que
obedece a critérios e pressupostos jurídicos que não encontram
eco na moderna concepção do direito e da ciência adminis-
trativa. Em nenhum país tem sido mais perturbador o con-
trô13 judicial sôbre a administração.
O juiz em nosso sistema precisa ser enciclopédico, d2ve
conhecer a fundo, para bem decidir, todos os ramos do direi-
to. Apenas o direito do trabalho tev,e o privilégio da espe-
cialização.
Ora, os fenômenos são cada vez mais complexos, o direito
se tranforma, hipóteses novas se multiplicam, devido a novas
condições sociais e econômicas. Tudo se multiplica em núme-
ro e qualidade, mas a justiça COlli3erva os quadros tradicio-
nais dos tempos em que tudo era simples e singelo, inclusive
o direito.
As questões fiscais mais difíceis e intrincadas, onde o
vulto dos interêsses se congregam às dificuldades técnicas,
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de J",,,iro - Vol. IV. nO 3 - setembro/dezembro 1961
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são decididas por juízes, cuja formação jurídica nunca permi-
tiu o acesso às fontes do direito tributário e fiscal.
O mesmo ocorre com as questões administrativas, hoje
intrincadas com os difíceis problemas da moderna técnica
administrativa.
Continuamos, entretanto, amarrados ou a uma tradição
colonial portuguêsa ou a sistemas imitados em formas primi-
tivas de outros povos que já superaram o mecanismo que con-
sideramos intangível, por outras formas mais práticas e
eficazes.
Na Inglaterra, como nos Estados Unidos, a especializa-
ção das instâncias administrativas obedeceu ao ritmo de desen-
volvimento da técnica e da administração daqueles países.
Não estamos pretendendo demolir, senão construir, cha-
mando a nossa atenção para os nossos males constitucionais
crônicos, repetidos, reiterados e sentidos através de crises
políticas sempre com os mesmos sintomas, cada vez mais
graves.
Por qU? não analisar essas crises e os seus motivos deter-
minantes? Por que insistir em um sistema que anima o desen-
volvimento dessas crises?
São as indagações que devemos fazer, sem ânimo preve-
nido, com fé nos destinos dêss2 grande país.
Mas essa r.eforma de base tem a sua razão de ser. Temos
a esperança de que ela pode constituir um processo eficaz
para a recuperação d? valores afastados da vida pública, ou
devorados pela voracidade de uma política concebida sob bases
primárias, ou pela descrença nos homens e nas instituições
vigentes.
Temos também a esperança de que, com a recuperação
dêsses valores, também sejam restauradas as bases do regime
democrático, fundado também na repres?ntação dos valores
morais e culturais.
Mas para isso, é preciso o acôrdo das elites dirigentes, que
elas tenham vontade e coragem de atitudes capazes de criar
um clima favorável a um verdadeiro desenvolvimento, e não
a um progresso ilusório, construído sôbre a miséria. DeSen-
volvimento que não se atenha à terapêutica marxista do pro-
gresso puramente econômico, mas que procure também, atra-
Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. IV, n? 3 - setembro/dezembro 1961
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')')

vés da educação, através de um ensino serlO e eficaz, e prin-


cipalmente, através do exemplo de renúncia e dedicarão à
causa pública, elevar os nossos valores morais e a nossa vida
política.
A Ciência Política, a análise do comportamento político,
não prescindem dêsses elementos de valor, na avaliação dos
seus princípios fundamentais.

Rev. Dir. Públ. e Ciêoci, Política - Rio de Janeiro - V,,1. IV, n' 3 - setembro/dezembro 1961

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