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COMO DIREITO
Educ. Soc., Campinas, v. 35, nº. 129, p. 1053-1066, out.-dez., 2014 1053
A qualidade da educação brasileira como direito
Introdução
A
qualidade é algo que, na linguagem comum, tem sido considerado como
uma agregação que confere valor superior a um bem, a um serviço ou
a um sujeito. Trata-se de um atributo ou predicado virtuoso pelo qual
esse sujeito, bem ou serviço se distingue de outros semelhantes considerados ordi-
nários. Ela caracteriza e distingue algo ou alguém como por uma certa propriedade
que lhe é inerente. A qualidade também pode ser apontada como capacidade para
efetuar uma ação ou atingir uma certa finalidade.
O termo qualidade advém do latim qualitas, mas cuja procedência mais
funda é a de poiótês do grego e que significa um título definidor de uma categoriza-
ção ou classificação. De certo modo, estamos no campo de um atributo distintivo
de um bem que passa a se apresentar com uma característica particular além da
comum. Por vezes, essa distinção costuma ser assinalada com uma adjetivação
como no caso de qualidade social, qualidade total, entre outras.
A qualidade, até por essa origem greco-latina, é um termo polissêmico e
cuja definição não só carece de uniformidade como também se louva em sentidos
de muita complexidade.
Caso se peça à filosofia uma determinação mais precisa do que seja a
qualidade, pode-se dizer que, considerando vários autores como Aristóteles, Kant
e Engels, ela supõe uma certa quantidade capaz de ser mensurada, na qual reside
um modo de ser de tal forma distinta que ela se veja enriquecida ao ponto de
sua realidade apresentar um salto agregando valor àquilo que a sustém. E essa
realidade qualificada pode ser conhecida pelo sujeito que pode então agir sobre
ela. Essa indicação definidora da qualidade, ainda que ela mesma se preste a
muitas outras determinações, pode nos ser útil no desvendamento de aspectos da
educação escolar.
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A efetivação destes princípios se mede por fatos e não apenas por nor-
mas legais ainda que imperativas. Este é um caminho difícil. Vale a advertência de
Bobbio (1992, p. 45):
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Ora, é preciso sair de uma situação que pede por melhoria. Sair, eis a
questão. E para que tal saída se concretize face aos desafios, cumpre uma união de
esforços, um pacto em que de comum acordo se opte por uma via de superação.
Ficar no status quo é irracional. Buscar um pacto é a única saída racional.
Essa consciência de que ficar nesse estado é irracional já havia sido de-
tectada em 1994 quando se dá a Conferência Nacional de Educação, em que as
temáticas chaves foram o Plano Decenal de Educação para Todos e a busca de um
Acordo Nacional de Educação para Todos. Nele se deu um consenso: Pacto pela
Valorização do Magistério e Qualidade da Educação. Vários foram os compromis-
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É deveras importante atentar para estes parágrafos. Eles são uma novi-
dade nesta trajetória já longa de busca de um regime de colaboração. As palavras
são fortes dentro da ciência política: negociação, cooperação e pactuação. Todas
elas se voltam para a articulação interfederativa por cujas mesas deverá escoar a
implementação das políticas educacionais.
Já o regime de cooperação, constante do art. 23, § único, da Lei Maior,
abrange apenas os entes federados. Este regime é distinto do regime de colaboração,
mas não se opõe a este, pelo contrário, são complementares. A proposição deste
regime de cooperação foi levada ao Congresso Nacional por meio do parlamentar
Ságuas Moraes (PT/MT) e já está tramitando dentro do processo legislativo sob a
sigla PLP/413/2014.7
Com o PNE, com a determinação de feitura dos planos estaduais e mu-
nicipais até junho 2015, com o projeto de constituição de um sistema nacional de
educação até 2016, com o projeto de lei complementar do regime de cooperação,
espera-se, finalmente, poder se resgatar a ampliação do acesso e que tal se veja
revestido do ansiado padrão de qualidade.
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Conclusão
Se tais medidas forem articuladas entre si, se a União mais uma vez
não descumprir os termos desse novo pacto, se houver vontade de efetivar tais
propósitos e metas, se houver um aumento da relação PIB/educação em vista de
uma expansão qualificada, é possível dizer que estamos vislumbrando uma saída
racional para um direito proclamado como direito social (art. 6º da Constituição),
com padrão de qualidade como direito de todos e dever do Estado entre cujos
princípios norteadores está tanto o resguardo da cidadania, quanto um dos pilares
dos direitos humanos.
Eis, pois, que a Conae e seus impactos sobre o Congresso e sobre os sis-
temas, representam uma oportunidade rara e histórica de o Brasil superar a pesada
herança do passado excludente e lançar políticas que nos ponham no caminho de
mudanças atuais na educação brasileira que molde uma verdadeira educação de
qualidade.
Se esta herança pesada do passado e o caráter necessário e atual de uma
educação de qualidade, representados, de um lado, pelo não cumprimento das
promessas contidas no ordenamento jurídico nacional e internacional, e de outro,
pela urgência pedida pela sociedade em vista da qualidade, nasceram da ação dos
homens de tantas gerações passadas, é da ação consciente dos educadores de hoje
que devem ser construídas as balizas de uma educação escolar que tenha a cidada-
nia e os direitos humanos como pilares de sua realização.
Notas
1. Até a aprovação da Emenda Constitucional n. 45/2004, os tratados internacionais eram incorpo-
rados ao ordenamento jurídico do país no âmbito da legislação infraconstitucional.
2. É preciso distinguir entre uma Declaração e um Tratado. A primeira é uma proclamação solene
a propósito de um direito e exprime a vontade de um Estado de pô-lo em prática. O segundo é
um acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público como os Estados. Tais
sujeitos que assinam o Tratado se obrigam a o respeitar e o efetivar mediante obrigações pertinentes.
Cf. Objetivo Estratégico n. II do PNDH/2010 com relação ao monitoramento dos compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil neste assunto. Para uma dimensão jurídica internacional, cf.
Dupuy e Kerbrat, 2012. Por uma análise crítica dos direitos humanos, cf. Santos, 2013.
3. Cf. Art. 3º , IX; art. 4º. IX; art. 7o. II, art. 9o.,VI; art. 47, §. 4o.; art. 70, IV; art. 71, I; art. 74;
art. 75, caput; § 2o da atual LDB.
4. Funções docentes.
5. Para análises críticas da avaliação da educação em nosso país, cf. Campos, 2013; Dourado e Oli-
veira, 2009; Freitas, 2005 e Oliveira, 2006.
6. Para maiores detalhes, cf. Vieira, 2000, especialmente pgs. 100 ss.
7. O relator na Comissão de Educação é Glauber Braga (PSB/RJ).
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Referências
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Recebido em 08 de dezembro de 2014.
Aprovado em 27 de fevereiro de 2015.
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