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XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA

29 de maio a 1 de junho de 2007, UFPE, Recife (PE)

GT26: SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Karl Mannheim: Um Pioneiro Da Sociologia Da Juventude

Wivian Weller1
Universidade de Brasília, UnB
wivian@unb.br
Notas introdutórias

Embora o nome de Karl Mannheim esteja fortemente associado à Sociologia do


Conhecimento, também podemos considerá-lo um pioneiro da Sociologia da Juventude. Em
seu primeiro trabalho sobre o tema o autor desenvolve o conceito de gerações, destacando
que a posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico não está dada
pela possibilidade de presenciarem os mesmos acontecimentos ou vivenciarem
experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processarem esses acontecimentos ou
experiências de forma semelhante. Outra contribuição relevante para a Sociologia da
Juventude diz respeito aos estudos realizados no período de exílio na Inglaterra 2 . O
presente trabalho apresenta as contribuições do autor e destaca sua atualidade e
pertinência para os estudos sobre as juventudes contemporâneas em suas distintas
interfaces de gênero, classe, raça/etnia, dentre outras. Para tanto, iniciaremos com uma
breve discussão sobre sua obra e respectivas publicações.

Algumas considerações sobre os escritos de Karl Mannheim

De acordo com Bohnsack (1999), os escritos de Karl Mannheim podem ser divididos
em três fases, que não estão apenas relacionadas aos distintos contextos geográficos ou
países em que o autor viveu, mas que apresentam produções diferentes. Na Hungria,
Mannheim dedicou-se principalmente a temas literários e filosóficos. O período em que
viveu na Alemanha (1920 a 1933) corresponde à fase sociológica-filosófica, abrangendo
trabalhos conhecidos como O problema das gerações (1928) ou Ideologia e Utopia (1929),
assim como outros trabalhos que Mannheim nunca publicou e que só chegaram ao
conhecimento do público na década de 1980, com a organização do livro Strukturen des
Denkens (Structures of Thinking). Já na Grã-Bretanha, Mannheim se dedicou a análises

1
Doutora em Sociologia pela Universidade Livre de Berlim (2002). Professora adjunta da Faculdade de
Educação e credenciada junto aos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Educação da Universidade
de Brasília. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e coordenadora do grupo de pesquisa em
Educação e Políticas Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude – GERAJU.
2
Para maiores detalhes sobre a biografia de Karl Mannheim cf. Weller, 2005; Boas, 2004.
2

político-pedagógicas relativas a temas emergentes naquela época, fruto de seu trabalho na


área de Educação na London School of Economics and Political Science e de suas reflexões
sobre a guerra e os desafios futuros3. Grande parte dos trabalhos relativos a esse período
foram publicados postumamente, e, em alguns casos, os compilatores dos manuscritos se
colocaram inclusive como co-autores de Mannheim 4 . Portanto, as leituras e críticas dos
textos de Mannheim devem contemplar as distintas fases e contextos da produção do autor,
observando-se o período em que determinado trabalho foi escrito e não apenas a data de
sua publicação ou tradução. Ao mesmo tempo não sabemos se os escritos publicados
postumamente teriam sido editados da forma como o foram se Mannheim estivesse vivo. Na
introdução do livro Liberdade, poder e planificação democrática, publicado na Inglaterra em
1951, Adolph Löwe escreve o seguinte: “Se o autor tivesse vivido mais algum tempo, é
provável que teria alterado e suplementado o texto em vários sentidos” (1972, p. 7).

O problema das gerações na perspectiva de Karl Mannheim

Embora o conceito de gerações de Karl Mannheim represente, para muitos, a mais


completa tentativa de explicação do tema (DOMINGUES, 2002, p. 69), o mesmo tem sido
muitas vezes citado por se tratar de um “clássico”. Schäffer (2003, p. 56) critica ainda o
recorte realizado por alguns autores que se apropriam de algumas partes do artigo –
sobretudo a subdivisão do conceito de geração de Mannheim, que mesmo representando
uma parte importante do artigo, só faz sentido quando analisada no conjunto e a partir das
leituras que levaram Mannheim a essa “conceituação fina” (FORQUIN, 2003) do conceito de
gerações. Nesse sentido, faremos uma breve reconstrução do ensaio O problema das
gerações (1928) da forma como nos foi apresentado pelo autor.

O estado do problema5

Mannheim inicia seu artigo com uma revisão dos enfoques teóricos sobre gerações.
Nessa revisão ele compara a ‘vertente positivista’ - predominante no pensamento liberal
francês com o ‘pensamento histórico-romântico’ alemão, alegando que o tema das gerações
é abordado por ambas correntes a partir de dois ângulos distintos. Os positivistas – segundo
o autor – optaram por analisar o problema do “ser-humano” (Mensch-Seins) a partir da
captação de dados quantitativos, enquanto que na corrente histórico-romântica se priorizava
a abordagem qualitativa. Nessa corrente há uma recusa em se fazer contas matemáticas,

3
Uma compilação da obra de Mannheim por ordem cronológica foi organizada por Yncera, 1993, p. 245-253.
4
Por exemplo em An introduction to the Sociology of Education que foi compilado por W.A.C. Stewart.
5
Esse tópico compreende a primeira parte do ensaio que não se encontra publicada no Brasil. Para maiores
detalhes cf. a versão inglesa (p. 276-286) ou espanhola (p. 147-193-204).
3

prioriza-se interiorizar o problema (cf. 193s/5096). Mannheim critica os positivistas alegando


que para eles
La meta es comprender el cambio formal de las corrientes espirituales y sociales
inmediatamente a partir de la esfera biológica; aprehender la configuración del progreso del
género humano partiendo del sustrato vital … la historia del espíritu aparece en esa visión
como se únicamente se hubieran estudiado las tablas cronológicas. Después de esas
simplificaciones parece como si la dificultad del problema tan sólo estribara en calcular el
período medio de tiempo que tarda en ser sustituida la generación anterior por la nueva en la
vida pública y, principalmente, en encontrar el punto de comienzo natural donde se procede a
hacer, en el decurso histórico, un oportuno corte, para poder empezar a contar. La duración de
las generaciones se determina de forma diversa según los casos. Algunos fijan la duración del
efecto de la generación en quince años (p. ej., Dromel), pero la mayoría de los autores sostiene
que dura treinta, fundamentándolo en la siguiente consideración: los treinta primeros son años
de formación; solo al alcanzar esa edad empieza el individuo medio a ser creativo, y cuando
llega a los sesenta, el hombre deja la vida pública (p. 195s/511s).

Mannheim não esconde sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã e


destaca ainda que este é um exemplo bastante claro de como a forma de se colocar uma
questão pode variar de país para país, assim como de uma época para outra7. Ao invés de
associar as gerações a um conceito de tempo externalizado e mecanicista, pautado por um
princípio de linearidade, o pensamento histórico-romântico alemão se esforça por buscar no
problema geracional uma contraproposta diante da linearidade do fluxo temporal da história:
“De esta manera, el problema generacional se transforma en el problema de la existencia de
un tiempo interior no mensurable y que solo se puede comprender como algo puramente
cualitativo”, ou seja, esse tempo interno só pode ser apreendido subjetivamente e não
objetivamente (p. 199/516). Mannheim destaca dois aspectos inovadores do pensamento de
Dilthey e os toma como referência: 1) A contraposição entre a mensuração quantitativa e a
compreensão exclusivamente qualitativa do tempo interior de vivência (erfassbarer innerer
Erlebniszeit); 2) O fato de que não é somente a sucessão de uma geração que cobra um
sentido mais profundo do que o meramente cronológico, mas também o fenômeno da
“contemporaneidade” ou “simultaneidade” (Gleichzeitigkeit).
Essa noção de vínculo geracional como fruto das experiências vividas na
contemporaneidade inspirada no conceito qualitativo de tempo de Dilthey, será elaborada de
forma ainda mais radical quando Mannheim recorre à expressão cunhada por Pinder (um
historiador da arte) de “não-contemporaneidade dos contemporâneos” (Ungleichzeitigkeit
des Gleichzeitigen) ou “não simultaneidade do simultâneo” como Domingues preferiu
traduzir (2002, p. 70). Com isso Mannheim chama a atenção para o fato de que diferentes
grupos etários vivenciam tempos interiores diferentes em um mesmo período cronológico:

6
Optamos por citar as páginas de acordo com a tradução em espanhol seguido da indicação das páginas na
versão original.
7
Assim escreve Mannheim: “La tesis de que la forma de plantear las cuestiones y los modos de pensar
cambian con los países, las épocas y las voluntades políticas dominantes, difícilmente puede encontrar una
prueba mejor que la de confrontar las soluciones propuestas para ese problema en los distintos países con
las corrientes que dominan en cada uno de ellos” (p. 198/514).
4

“Cada uno vive con gente de su edad y con gente de edades distintas en una plenitud de
posibilidades contemporáneas. Para cada uno el mismo tiempo es un tiempo distinto; a
saber: una época distinta y propia de él, que sólo comparte con sus coetáneos” (PINDER
apud Mannheim, p. 200/517).
Outra questão que Mannheim irá trabalhar, a partir das idéias de Pinder, diz respeito
ao problema da “enteléquia” de uma mesma geração, ou seja, de seus objetivos internos ou
de suas “metas íntimas” (cf. p. 201/518), que estão relacionadas ao “espírito do tempo”
(Zeitgeist) de uma determinada época ou ainda à sua desconstrução, uma vez que várias
gerações estão trabalhando simultaneamente na formação do que viria a ser o “espírito do
tempo” (SCHÄFFER, 2003, p. 58s). Mannheim reconhece não apenas a riqueza das
contribuições de Pinder, mas também as limitações ou perigos do pensamento romântico,
“cujas fantasias especulativas oscilam entre um espiritualismo extremo e a tentativa de
regulamentação dos positivistas” (YNCERA, 1993, p. 155 – trad. WW). Trata-se de um erro
fatal seguir acreditando que só nos deparamos com um autêntico problema geracional
quando estamos em condições de demonstrar a existência entre o ritmo de uma geração e
outra de um intervalo fixo e idêntico a todas elas. Mannheim destaca ainda ser preciso
abandonar o caminho da “especulação imaginativa” e levar em conta que o ritmo biológico
reage no elemento do acontecer social (p. 203s/521s: Der biologische Rhytmus wirkt sich im
Elemente des sozialen Geschehen aus). A noção de “não-contemporaneidade dos
contemporâneos” e a “enteléquia geracional” constituem, portanto, categorias centrais a
partir das quais Mannheim irá desenvolver sua análise sociológica sobre o problema das
gerações (SCHÄFFER, op cit.).

O problema sociológico das gerações

Mannheim inicia a segunda parte de seu ensaio criticando a falta de unidade na


análise do problema das gerações, de pesquisas consistentes sobre o tema e a prevalência
de uma “perspectiva estática” nas pesquisas sociológicas sobre grupos humanos, para, em
seguida, apresentar alguns conhecimentos relativos ao fenômeno das gerações
(p. 204s/522-24). Buscando analisar a especificidade do convívio dos indivíduos interligados
pela unidade geracional (Generationseinheit), Mannheim chama a atenção para o fato de a
unidade de uma geração não consistir em uma adesão voltada para a criação de grupos
concretos, preocupados em constituir uma coesão social, ainda que, ocasionalmente,
algumas unidades geracionais possam vir a constituir grupos concretos, tais como os
movimentos juvenis, entre os quais poderíamos citar o movimento estudantil de 1968. Mas à
parte desses casos específicos, nos quais a conexão geracional
(Generationszusammenhang) pode levar à formação de um grupo concreto, o autor destaca
5

ser ela uma mera conexão, ou seja, casualmente os indivíduos pertencem a ela, mas não se
percebem como um grupo concreto (p. 206/524).
Para Schäffer (op cit, p. 59) a pergunta que se coloca então é a seguinte: qual é a
especificidade da “enteléquia geracional” se a mesma não está associada a um grupo
concreto? Se não é a proximidade de um grupo (família, amigos, etc) nem a estrutura de
uma organização, quais elementos produziriam esse vínculo geracional? Mannheim
responde a essas questões recorrendo a uma categoria social a princípio distinta, mas que
apresenta semelhanças com a conexão geracional: a Klassenlage ou a situação de classe.
Essa posição (Lagerung) se fundamenta pela presença de um ritmo biológico na existência
humana (menschliches Dasein) e apresenta semelhanças com a “situação de classe”, na
qual as condições socioeconômicas constituem uma base comum:
La situación de clase y la situación generacional (la comunidad de pertenencia a años
de nacimiento próximos) tienen algo en común, debido a la posición específica que
ocupan en el ámbito sociohistórico los indivíduos afectados por ellas. Esa
característica común consiste en que limitan a los individuos a determinado terreno de
juego dentro del acontecer posible y que les sugieren así una modalidad específica de
vivencia y pensamiento, una modalida específica de encajamiento en el proceso
histórico (p. 209/528).

No entanto, Mannheim chama a atenção para o fato de que o pertencimento a uma


geração não pode ser deduzido imediatamente das estruturas biológicas: “el problema
sociológico de las generaciones comienza donde se distingue la relevância sociológica de
esos datos previos” (ibid). A situação de classe e a situação geracional, apresentam
aspectos similares devido à posição específica ocupada pelos indivíduos no âmbito sócio-
histórico. Mas essa posição gera uma modalidade específica do viver e do pensar, da forma
como os membros interferem no processo histórico, ou seja: uma tendência inerente a cada
posição e que só pode ser determinada a partir da própria posição (ibid).
A noção de situação geracional é ampliada por meio de um exercício analítico, no qual
o autor aponta cinco aspectos que distinguem uma sociedade marcada por mudanças
geracionais, tal como as sociedades em que vivemos, de uma sociedade utópica e
imaginária: 1) A constante irrupção de novos portadores de cultura; 2) A saída constante dos
antigos portadores de cultura; 3) A limitação temporal da participação de uma conexão
geracional no processo histórico; 4) A necessidade de transmissão constante dos bens
culturais acumulados; 5) O caráter contínuo das mudanças geracionais (p. 211/530). Esses
elementos caracterizam as gerações como processos dinâmicos e interativos e apresentam
características relevantes da teoria mannheimiana sobre as gerações (SCHÄFFER 2003,
p. 60-63).
A constante irrupção de novos portadores de cultura é vista pelo autor como um
fenômeno relevante para a vida social, pois são eles os responsáveis pela vitalidade e
dinamicidade das sociedades. Embora a sucessão de gerações implique em perdas de bem
6

culturais acumulados, Mannheim chama a atenção para os aspectos práticos dessas


mudanças: “La irrupción de nuevos hombres [sic8] hace, ciertamente, que se pierdan bienes
constantemente acumulados; pero crea inconscientemente la novedosa elección que se
hace necesaria, la revisión en el dominio de lo que está disponible; nos enseña a olvidar lo
que ya no sea útil, a pretender lo que todavía no se ha conquistado” (p. 213/532).
A saída dos antigos portadores de cultura também é positiva na medida em que
suscita a memória ou a recordação social, tão importante quanto o esquecimento daquilo
que deixou de ser significativo ou necessário. Em relação à memória, Mannheim destaca
duas modalidades através das quais as vivências passadas se fazem presentes. Por um
lado, “como modelos conscientes”, orientadores das ações e condutas dos indivíduos em
sociedade; por outro, de forma “inconscientemente comprimida”, “intensiva” e “virtual”, ou
seja: como uma espécie de ferramenta condensadora de todas essas experiências,
perceptíveis nas reações trazidas à tona através da recordação dessas experiências (por
exemplo: a sentimentalidade) Essa segunda modalidade de memória das vivências
passadas remete a um aspecto importante da concepção sobre gerações de Mannheim, no
qual o autor ressalta o conhecimento implícito acumulado, elaborando assim uma definição
não-biológica da velhice e das diferenças entre as velhas e novas gerações:
Alguien es viejo, ante todo, cuando vive en el contexto de una experiencia específica
que él mismo obtuvo y que funciona como una preconfiguración, por cuyo medio
cualquier nueva experiencia recibe de antemano, y hasta cierto punto, la forma y el
lugar que se le asignan. Por contra, en la nueva vida las fuerzas configuradoras se
constituyen por primera vez; en ella, todavía pueden ser asimiladas por sí mismas las
intenciones fundamentales de esa conocida impetuosidad que es propia de las
situaciones nuevas (p. 214-15/534).

O terceiro aspecto relativo à limitação temporal da participação de uma conexão


geracional no processo histórico analisa as características geradoras da posição geracional
daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico. De acordo com Mannheim não basta
haver nascido em uma mesma época, ser jovem, adulto ou velho nesse período. O que
caracteriza uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico é a
potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar
experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou
experiências de forma semelhante. Poderíamos argumentar que os modernos meios de
comunicação ampliaram as possibilidades de participação de jovens residentes em
continentes distintos em um conjunto de acontecimentos e experiências semelhantes
colocando-os em uma mesma posição geracional. No entanto, a identificação geracional
comum implica em formas semelhantes de ordenação e estratificação dessas experiências.

8
As traduções inglesas, espanholas e portuguesas dos escritos de Mannheim adotaram em sua grande
maioria o termo homem ao invés de indivíduo ou ser humano para a palavra Mensch.
7

Ao discutir a necessidade de transmissão constante dos bens culturais acumulados


Mannheim destaca o papel e o desafio das gerações mais velhas em relação às mais novas
assim como das instituições de ensino: “Es difícil conseguir una educación y una enseñanza
adecuadas (en el sentido de la completa transmisión de los ejes de la vivencia que son
necesarios para el saber activo), puesto que la problemática vivencial de la juventud se
plantea a un contrincante distinto al del maestro” (p. 219/540). Em outras palavras, as
dificuldades existentes entre professores e alunos estão relacionadas às orientações ou
visões de mundo distintas de cada geração, como se “os sedimentos mais profundos não
pudessem ser desestabilizados” (p. 219/540). A superação dessa tensão implica em uma
interação e troca de papéis: “no sólo educa el maestro al discípulo, sino que el discípulo
educa también al maestro. Las generaciones están en incesante interacción” (idem).
Com base nesse último exemplo relativo a interação necessária entre aqueles que
ensinam e os que aprendem, Mannheim se opõe à idéia de uma suposta dicotomia existente
entre as velhas e as novas gerações e destaca o caráter contínuo das mudanças
geracionais assim como o papel ocupado pelas “gerações intermediárias” nesse processo:
“en el curso de ese equilibrio retroactivo no se enfrentan la generación más vieja y la más
joven, sino las «generaciones intermedias», que están más próximas entre sí. Son éstas las
que se influyen recíprocamente” (p. 220/540).
Para Schäffer (op cit) esse último aspecto remete a uma segunda questão central da
teoria mannheimiana sobre as gerações: por um lado ela destaca o conhecimento implícito
acumulado e transmitido de geração para geração com suas devidas releituras e
reinterpretações; por outro, aponta para a necessidade de compreensão do problema das
gerações como um processo dinâmico. Nesse sentido, Mannheim se aproxima da idéia
simmeliana de interação, ou seja, da complexa interação existente entre distintos fatores
constitutivos de gerações. Na seção seguinte do artigo o autor analisa as especificidades
presentes na concepção de gerações.

A divisão do conceito de geração e sua especificação progressiva em POSIÇÃO


GERACIONAL - CONEXÃO GERACIONAL - UNIDADE GERACIONAL, representam a parte
mais conhecida e citada do artigo de Mannheim, ainda que as traduções realizadas para o
português remetem a interpretações distintas, sobretudo dos termos Generationslagerung9 e
Generationszusammenhang10.

9
Optamos pela tradução realizada para o espanhol e que define Generationslagerung como posição
geracional. Entre outras traduções encontramos as seguintes: “status de geração” (ed. Ática), “locais
geracionais” (Domingues, 2002) “situações de geração” (Forquin, 2003).
10
A tradução Generationszusammenhang como conexão geracional (realizada na versão espanhola do artigo)
também nos pareceu mais próxima do original, embora a palavra Zusammenhang também remete à idéia de
contexto. Entre outras traduções encontramos as seguintes: “geração enquanto realidade” (ed. Ática),
“geração como realidade” (E. RÉS), “gerações como conjuntos de relação” (Domingues, 2002) e “conjuntos
de geração” (Forquin, 2003).
8

O que define a POSIÇÃO GERACIONAL (Generationslagerung) não é um estoque de


experiências comuns (ähnliche Erlebnisschichtungen), acumuladas de fato por um grupo de
indivíduos, mas a possibilidade ou “potencialidade” de poder vir a adquiri-las. Ou seja: na
noção de Lagerung está implícita a idéia na qual as condições para a vivência de um
conjunto de experiências comuns já estão dadas. Se os indivíduos irão ‘despertar’ essa
potencialidade imanente é um aspecto, que, dependerá, por sua vez, de outros fatores
sociais: “la posición solo contiene posibilidades potenciales que pueden hacerse valer, ser
reprimidas, o bien modificarse en su realización al resultar incluidas en otras fuerzas
socialmente efectivas” (p. 221/542).
Já a CONEXÃO GERACIONAL (Generationszusammenhang) apresenta
características mais determinantes do que a posição geracional. Ela pressupõe um vínculo
concreto, algo que vai além da simples presença circunscrita a uma determinada unidade
temporal e histórico-social. Esse vínculo concreto Mannheim - em alusão a Heidegger -
define como uma participação no destino comum dessa unidade histórico-social: “una
conexión generacional se constituye por medio de la participación, de los individuos que
pertenecen a la misma posición generacional, en el destino común y en los contenidos
conexivos que de algún modo forman parte de este” (p. 225/547). Para a conexão
geracional não basta participar apenas “potencialmente” de uma comunidade constituída em
torno de experiências comuns: é preciso estabelecer um vínculo de participação em uma
prática coletiva, seja ela concreta ou virtual. Mannheim recorre aqui à fenomenologia social
para analisar o convívio específico (Miteinaderseins) e os vínculos existentes entre os
indivíduos pertencentes a uma mesma conexão geracional (cf. SCHÄFFER, 2003, p. 63s).
Nesse sentido, a crítica de que Mannheim estaria realizando somente uma transposição da
análise de classe para a análise sociológica das gerações (MATTHES, 1985) não seria
procedente segundo Schäffer (op cit).
Existiria então uma conexão geracional unificada? Poderíamos responder
positivamente, mas Mannheim segue argumentando sobre a necessidade de definir melhor
os termos. Para o autor tanto a juventude romântico-conservadora, como a juventude liberal-
racionalista, pertencem à mesma conexão geracional, mas estão vinculadas a ela por
UNIDADES GERACIONAIS distintas:
Estas unidades generacionales se caracterizan no sólo por significar diversas
conexiones del acontecer vinculadas entre sí en el seno de una débil participación en
común vivenciada por distintos individuos, sino también porque significan un modo de
reaccionar unitario – un «agitarse juntos» y un modo de configurar que están
conformados por un sentido semejante – de los individuos que están (en la medida en
que lo están) directamente vinculados a una determinada conexión generacional (p.
225/547).

As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas


diferentes em relação a um mesmo problema dado. O nascimento em um contexto social
9

idêntico, mas em um período específico faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos.
Uma outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos,
mesmo vivendo em um mesmo meio social. Em outras palavras: a unidade geracional
constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão
geracional. Mas a forma como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os
fatos históricos vividos por sua geração (por exemplo, a ditadura militar no Brasil), fará surgir
distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional. Por exemplo, em
relação aos jovens paulistanos da década de setenta do século passado, Silva (2003)
destaca que os mesmos se encontravam diante de pelo menos duas opções, as quais
poderíamos exemplificar como duas unidades de geração:
Ela [a juventude] tinha como opções as manifestações finais e ingênuas do que foi a
conhecida “jovem guarda”, movimento musical brasiliero da metade final dos anos
1960, que teve como ícones os cantores Roberto Carlos, Wanderléia, Martinha,
Erasmo Carlos, Jerry Adriani, entre outros, que imitava um pouco o estilo de um rock
meloso, conhecido como iê-iê-iê, e no estilo de vestir soava rebelde, sem contudo
chocar as famílias de classe média ... Outra opção era a cultura hippie que se
espalhava nas grandes cidades, através do vestuário natural, colorido e despojado,
dos longos cabelos para homens e mulheres, das bijuterias em profusão, da música
pop e roci and roll, das drogas e da contracultura que, não necessariamente fazia
parte do pacote (op cit, p. 44).

As unidades de geração podem ser vistas como o elemento que mais se aproxima dos
grupos concretos. No entanto, o interesse de Mannheim não reside sobre o grupo, mas
sobre “las tendencias formativas y las intenciones vinculantes básicas que éstos llevan
incorporadas, y en que, por medio de ellos, se vincula uno con las voluntades colectivas”
(p. 224/545). Nesse sentido, uma unidade de geração não é constituída por um grupo
concreto, tampouco pelos conteúdos transmitidos através de expressões verbais ou
corporais ou por meio de algum produto artístico produzido, por exemplo, por jovens
pertencentes ao movimento hip hop (cf. WELLER, 2003). Uma unidade de geração se
caracteriza pelas intenções primárias documentadas nas ações e expressões desses grupos.
Essas intenções primárias ou tendências formativas só poderão ser analisadas a partir de
um grupo concreto porque elas são constituídas nesse contexto. Contudo, as intenções
primárias, não se reduzem ao grupo e aos atores, que, por sua vez, não se reduzem ao
status de membros de um grupo concreto mas ao de atores coletivos envolvidos em um
processo de constituição de gerações. A composição de gerações é, portanto, um processo
sociogenético contínuo, no qual estão envolvidos, tanto grupos concretos, como a
experiência adquirida em contextos comunicativos, entre outros, aqueles disponibilizados
pelos meios de comunicação (SCHÄFFER, 2003, p. 66s).
O processo de constituição de gerações na perspectiva de Mannheim tampouco é algo
específico das camadas altas intelectualizadas ou de grupos universitários como
interpretado por Marialice Foracchi. Segundo a autora:
10

A análise de Mannheim sobre o problema das gerações apresenta algumas


implicações que convêm explicitar. Preocupado em propor a noção de geração em
moldes que não fôssem formais e estáticos, mas essencialmente históricos, êsse autor
nivela, teòricamente, esta noção, à sua concepção de intelligentzia. Tal nivelamento
teórico assenta sôbre alguns pressupostos básicos dos quais é possível destacar: a)
os membros de uma geração jovem – pois é esta que se refere o autor – são os
agentes humanos potenciais da intelligentzia; b) sua atuação no plano histórico e
social reproduz a dimensão criativa da atuação da intelligentzia à qual, na concepção
de Mannheim, cabe considerável parcela no processo de criação histórica e inovação
cultural. Fica implícito, por conseguinte, que esta atuação de geração é mediatizada
pela formação universitária, abrangendo tão-sòmente a parcela dos estratos sociais
para os quais está socialmente assegurada tal possibilidade. Por outras palavras,
compreende apenas a juventude das camadas altas e favorecidas. A busca de
historicidade, no conceito, revelou-se comprometedora do seu rigor e da sua amplitude
sistemática (1972, p. 22 – grifos nossos).

A concepção de intelligentsia de Mannheim (entre outros: 2001, p. 69-139) e as


possíveis incompreensões resultantes das traduções do conceito de “intelectualidade
independente” mereceria um estudo específico e extrapola objetivos desse artigo. Em
relação ao conceito de gerações permanece a impressão de que Foracchi dedicou pouca
atenção à primeira parte do artigo, na qual Mannheim critica tanto a vertente positivista
francesa como a corrente histórico-romântica alemã. A seção do artigo sobre as
características básicas da posição geracional, com ênfase para a dinamicidade existente no
processo de constituição de gerações assim como de interpretação e transmissão cultural
realizado pelas gerações, tampouco é destacada pela autora. Ao atribuir um recorte de
classe à perspectiva mannheimiana sobre as gerações, segundo o qual apenas as
juventudes das camadas favorecidas com formação universitária estariam subentendidas,
Foracchi parece acreditar que o processo de criação histórica e de inovação cultural é
adquirido pelos jovens apenas pelo caminho da educação formal, sobretudo da educação
superior.
Com base nas pesquisas por nós realizadas podemos afirmar que as forças
mobilizadoras e constitutivas das referências históricas e culturais de uma geração,
independem da formação acadêmica. Atualmente, muitos jovens desempenham um papel
de liderança no âmbito dos movimentos geracionais contemporâneos e são vistos como
intelectuais orgânicos em alusão a Gramsci, uma vez que não encontram no ensino superior.
O funk e o hip hop podem ser citados como exemplo de movimentos geracionais/juvenis não
mediatizados pela formação acadêmica de seus precursores, os quais passaram a ocupar
um espaço relevante no processo de constituição de gerações nos anos noventa do século
passado, persistindo até o presente (cf. WELLER, 2003; DAYRELL, 2005).
O movimento estudantil não representou o único elemento do processo constitutivo da
geração 1968, assim como os movimentos funk e hip hop não são os únicos referenciais na
formação das gerações contemporâneas. Atualmente, não é possível afirmar que as novas
11

gerações encontram sobretudo nos movimentos estético-culturais uma forma de


interpretação, transmissão ou mesmo omissão dos valores culturais das gerações passadas.
Tampouco podemos concluir que as discussões travadas no âmbito das escolas ou das
universidades exercem pouca influência sobre as visões de mundo das juventudes nesse
início de século. Existe uma lacuna no que diz respeito aos estudos sobre as juventudes
contemporâneas no ensino médio e superior, sobre juventudes com seus recortes
específicos de gênero, raça/etnia, vínculos regionais, religiosos, políticos, dentre outros,
capazes de responder questões relativas às supostas diferenças entre as juventudes das
décadas de sessenta e os jovens de hoje11. Mannheim afirma haver existido “polaridades”
no âmbito das unidades geracionais, responsáveis pela mudança ou substituição dos polos
dominantes entre um e outro período desde sempre:
No es que en los años treinta surgiera una «nueva generación» que, de repente, volvió
a ser liberal-racionalista, sino que los jóvenes que estaban en la línea liberal-romántica
consiguieron entonces, por primera vez, reformar con arreglo a su propia generación la
tradición de la que procedían. Las polaridades básicas estuvieron siempre ahí. Pero la
posibilidad de formación creativa se produjo una vez a favor del polo romántico-
conservador y otra a favor del liberal-racionalista (p. 235/559).

Talvez esteja faltando às juventudes universitárias do presente novas possibilidades


de formação ou de recriação de suas formas de organização. O momento parece mais
propício às manifestações juvenis voltadas para aspectos culturais e identitários ou para
questões ambientais. Contudo, faz-se necessário ampliar os estudos comparativos sobre
distintas gerações em um mesmo período cronológico assim como sobre gerações em
tempos históricos distintos para uma melhor compreensão das polaridades existentes bem
como dos aspectos políticos, sociais e econômicos formadores dessas polaridades.

Breves considerações sobre a atualidade do conceito de gerações de Mannheim

Vários autores e pesquisadores no campo dos estudos sobre juventude destacam a


atualidade e pertinência do conceito de gerações e sua compreensão sobre o que constitui
uma geração (FORACCHI, 1972; SOUSA, 2006). Dentre outros, destacamos ainda os
seguintes aspectos:
1. O conceito de gerações de Mannheim e sua acurada elaboração sobre a posição, a
conexão e a unidade geracional rompem, por um lado, com a idéia de uma unidade de
geração concreta e coesa. Nos instiga, por outro, a centrarmos nossas análises nas
intenções primárias documentadas nas ações e expressões de determinados grupos, ao
invés de buscarmos caracterizar suas especificidades enquanto grupo. Perguntar-se pelos

11
A recente publicação organizada por Abramo & Branco (2005) de Retratos da juventude brasileira representa
um avanço nessa direção. No entanto, é preciso ampliar o número de estudos comparativos e pesquisas
qualitativas sobre os aspectos acima discutidos.
12

motivos das ações desses atores coletivos envolvidos em um processo de constituição de


gerações, implica ainda em uma análise da conjuntura histórica, política e social com base
em uma perspectiva que poderíamos denominar como sendo de nível “macro”, bem como
do conhecimento adquirido pelos atores nos espaços sociais de experiências conjuntivas, e
que poderíamos denominar como sendo uma análise “micro”.
2. A partir de uma questão concreta – o problema das gerações – Mannheim propõe um
caminho teórico-metodológico a ser percorrido pelos pesquisadores, os quais não deveriam
optar somente por uma ou outra corrente sociológica de análise, mas buscar esgotar as
possibilidades de interpretação de um determinado tema. Em um outro artigo – Beiträge zur
Theorie der Weltanschaungsinterpretation (Contribuições para a teoria da interpretação das
visões de mundo) – escrito originalmente em 1921/22, Mannheim apresenta um método
voltado para a análise das visões de mundo e das experiências ateóricas desses atores,
denominado método documentário de interpretação (WELLER et al. 2002). Ao trazer como
proposta metodológica uma análise documentária dessas experiências ateóricas, o autor
nos faz repensar o processo e o tratamento dado à interpretação sociológica (WELLER,
2005). Sendo assim, a atualidade da análise mannheimiana das gerações, reside, por um
lado, na elaboração de uma perspectiva multidimensional de análise das relações sociais e
geracionais. Por outro, Mannheim nos convida a repensar a construção de instrumentos
analíticos capazes de mapear e dar forma à singularidade de experiências concretas, que
carecem de uma análise teórica. Em outras palavras, sua perspectiva não representa
apenas uma contribuição teórica para os estudos sobre juventude e gerações, mas também
uma proposta teórico-metodológica de pesquisa, capaz de superar as dimensões binárias
presentes em algumas correntes teórico-metodológicas.

O problema da juventude na sociedade moderna

A juventude não é progressista nem conservadora por natureza, mas, em função de uma força dormitante
que sobre ela reside, está pronta para tudo o que há de novo (Mannheim, 1952 , p. 62 – trad. WW).

Outra contribuição relevante e ao mesmo tempo controversa no âmbito da Sociologia


da Juventude diz respeito aos estudos realizados no período de exílio na Inglaterra, nos
quais o autor analisou o comportamento da juventude na ascensão do nazismo e durante a
segunda guerra mundial. Na tentativa de apresentar possíveis alternativas para a superação
de regimes autoritários Mannheim destaca a importância de uma concepção mais ampla da
escola e de suas tarefas, argumentando que as novas gerações devem ter acesso a uma
educação e formação política que transforme esses jovens em agentes promotores da
13

mudança social necessária para a consolidação de sociedades democráticas12. As posições


teóricas assumidas por Mannheim na última e difícil fase de sua vida, sobretudo os
problemas concernentes a sua concepção de “planejamento” e de “democracia planejada”,
foram alvo de duras críticas, que levaram, por assim dizer, a uma rejeição de sua obra como
um todo se levarmos em consideração as poucas referências existentes ao autor em forma
de artigos, livros, dissertações e teses13. Uma análise da produção desse período merece
um estudo à parte e extrapola os objetivos aqui propostos 14 . Faremos apenas algumas
considerações sobre o texto O problema da juventude na sociedade moderna publicado no
livro Diagnóstico do nosso tempo (1961 [1952a15]). Nas páginas iniciais Mannheim esclarece
que o livro reúne uma coletânea de conferências escritas e proferidas para grupos de
estudantes e pesquisadores durante a segunda guerra “que desejavam saber o que o
sociólogo tinha a dizer a respeito de determinadas manifestações [Zeiterscheinungen]”
(1952a, p. 5). Destaca ainda que “em tempos normais” teria optado por uma forma “mais
sistemática e acadêmica”, mas que se fizesse uma revisão dos textos talvez perdesse a
oportunidade de “apresentar uma contribuição, ainda que pequena ... aos problemas
emergentes16” naquele momento.
Mannheim discute o significado da juventude na sociedade e o papel que a mesma
desenvolve ou deveria desenvolver. Destaca a importância de compreendermos a juventude
levando em consideração o contexto histórico, político e social no qual ela está inserida e de
percebermos a relação entre juventude e sociedade em termos de reciprocidade (1961,
p. 36). Diferente das “sociedades estáticas” o autor defende que as “sociedades dinâmicas
que querem dar uma nova saída, qualquer que seja sua filosofia social ou política” (id., p. 39)
devem fazê-lo levando em consideração as futuras gerações:
Na medida em que existe o desejo de adotar uma nova orientação, isso terá de fazer-
se através da juventude. As gerações mais velhas ou intermediárias podem ser
capazes de prever a natureza das mudanças futuras e sua imaginação criadora pode
ser empregada para formular novas políticas; mas a nova vida será vivida apenas
pelas gerações mais jovens. Estas viverão os novos valores que os velhos professam
somente em teoria. Sendo assim, a função da juventude é a de um agente
revitalizador. Trata-se de uma espécie de reserva que se revela apenas se tal
revitalização for desejada” (1976, p. 92-93).

12
Vide o capítulo “A educação como trabalho de base” no livro Liberdade, poder e planificação democrática
(Mannheim, 1972, p. 317-339).
13
Em uma busca ao banco de dissertações e teses da CAPES encontramos pouquíssimos trabalhos sobre Karl
Mannheim, entre outros, uma dissertação de mestrado intitulada A gênese e a compreensão do objeto
cultural em Karl Mannheim, defendida em 1999 na UNICAMP por Vicente de Paula Gomes.
14
Para maiores informações sobre os trabalhos de Mannheim produzidos nesse período cf. BORIS, 1971.
15
Ano da edição em alemão à qual também estamos nos reportando. A primeira edição em inglês é de 1943.
16
Na edição em alemão foi utilizado o termo “brennende Probleme” que em uma tradução literal corresponderia
a “problemas que estavam queimando ou ateando fogo”. O tradutor da versão para o português traduziu
como “apaixonantes problemas do momento” (1961, p. IX). É irônico pensar que um judeu exilado fosse se
reportar à segunda guerra como um “problema apaixonante”.
14

Embora Mannheim reconheça a importância da juventude como “agente revitalizador”


da sociedade, percebe-se uma mudança em relação ao papel que Mannheim atribuía às
gerações no artigo discutido anteriormente e que remonta a fase em que Mannheim viveu
na Alemanha e em seu texto sobre a função das novas gerações. Sparschuh (2000, p. 239)
salienta que em sua concepção de “democracia planejada” e do papel a ser assumido pela
juventude nesse processo – ou seja, como “força desbravadora de uma democracia
militante” (1961, p. 54) –, Mannheim estaria mais próximo das idéias de Marx do que em
seus trabalhos escritos nos anos 1920, nos quais o autor se posicionou de forma crítica
diante das abordagens marxistas. Nessa fase Mannheim – assim como Marx –, passa a
defender uma maior intervenção e controle das instituições públicas por parte do Estado, de
forma a garantir a democratização da cultura e a educação das novas gerações: “As massas
sem educação e conhecimento são hoje um perigo maior para a manutenção da ordem do
que as classes com uma orientação consciente e projetos de futuro sensatos” (MANNHEIM,
1952, p. 73 – trad. WW).

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