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Doutorando em Administração, NPGA/UFBA; Mestre em Administração, NPGA/UFBA;
Bacharel em Administração, UFBA. Pesquisador do Laboratório de Análise Política Mundial —
Labmundo — Antena Bahia. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior.
Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v.9, n.25, p. 51-75, fev.-mai.2016
Sobre a possibilidade de interpretação da globalização a partir do Manifesto (...) Rômulo Carvalho Cristaldo
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Sobre a possibilidade de interpretação da globalização a partir do Manifesto (...) Rômulo Carvalho Cristaldo
Introdução
Um espectro rondava a Europa, afirmavam Marx e Engels na primeira linha
de um documento de 1848 elaborado como o resumo de seu pensamento
para a Liga dos Justos, o qual acabou se tornando o Manifesto daqueles,
já sob a alcunha de O Partido Comunista (GABRIEL, 2013). Desde o final do
século XX uma assombração tem afligido o mundo, mas não se trata da pecha
infame do comunismo — este considerado derrotado desde o ocaso de sua
variação encarnada no socialismo realmente existente —, e sim o espírito
assustador e supostamente onipresente da globalização. Demonizada por uns
(BAUMAN, 1999), celebrada por outros (THUROW, 2005), sempre indefinida
e constantemente questionada (STIGLITZ, 2002), a palavra globalização cada
vez mais perde sua força política e seu caráter de novidade, embora esteja se
tornando cada vez mais concreta. O mundo em crise fala de proteção de mercados
consumidores, estatização, limitação dos capitais e até mesmo intervenção do
Estado na economia. Ressurge tudo aquilo que os entusiastas da globalização
haviam enterrado no cemitério das causas perdidas, junto com o comunismo e
as propostas alternativas ao capitalismo (ZIZEK, 2012). 53
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Sobre a possibilidade de interpretação da globalização a partir do Manifesto (...) Rômulo Carvalho Cristaldo
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Sobre a possibilidade de interpretação da globalização a partir do Manifesto (...) Rômulo Carvalho Cristaldo
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“O principal defeito de todo materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que
o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da
contemplação, mas não como atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente. [...] Feuer-
bach quer objetos sensíveis [sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados dos objetos do pensa-
mento: mas ele não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche
Tätigkeit].” (MARX, 2007, p. 533).
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Sobre a possibilidade de interpretação da globalização a partir do Manifesto (...) Rômulo Carvalho Cristaldo
as coisas aparecem diante de seus olhos. Ou seja, por se relacionar antes de tudo
com a práxis, se veem imersos num mundo em que tudo é definido a partir de
como primeiro aparece aos sentidos, mesmo que aquilo não represente de fato
a totalidade da verdade em si das coisas, o mundo da pseudoconcreticidade. Este é o
plano imediato do agir-no-mundo formado (1) pelo conjunto das representações
e dos fenômenos percebidos diretamente, (2) pela práxis fetichizada e (3) pelas
concepções e conhecimentos criados acerca do fenômeno. Mas este plano não
encerra toda realidade social.
Na interpretação de Kosic (2002) sobre o materialismo dialético emerge
uma noção de totalidade ontológica formada por aquele mundo aparente e as
suas leis sociais de seu funcionamento, sendo estas “leis” a coisa-em-si por detrás
dos fenômenos, suas aparências sensíveis. Tais leis seriam também resultado da
ação do homem, ou melhor, são a própria ação do homem ao se relacionar com
seus pares na consecução de seus objetivos. Como afirma o autor, é, portanto,
preciso não só um grau de esforço, mas um desviar do olhar para apreendê-lo,
ou como diz Slavoj Zizek (2008), tais processos não se mostram, a não ser em
paralaxe. O que significa dizer que se faz necessária a prática de assumir que as 56
representações imediatas são insuficientes para o conhecimento, e destas desviar-
se no intuito de compreender dialeticamente o que está por detrás daquilo que se
vê a princípio.
Como tanto as leis do fenômenos como os fenômenos em si estão
relacionadas com a práxis e, portanto são eminentemente sociais, então é preciso
compreender que são consequentemente históricas — não naturais e cuja
dinâmica depende do próprio devir das relações humanas. Neste sentido, Marx
(2013) afirma que a coesão histórica do agir-no-mundo do homem é o seu trabalho,
pois a base da coletividade está enraizada nas relações sociais de produção e
reprodução. Estas seriam historicamente constituídas, de modo que a construção
de uma análise acerca de qualquer fenômeno, ou suas leis de funcionamento,
será também e sempre historicamente localizada e circunscrita — até porque as
relações sociais estariam em constante transformação.
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p. 43).
Do mesmo parágrafo da frase anterior, Marx e Engels então descrevem
a “produção cosmopolita” como a desnacionalização das indústrias. Estas
indústrias se incluiriam não mais no círculo local, mas se veriam interconectadas
à “economia-mundo capitalista” (ARRIGHI, 1996). Já em Marx existe a
concepção de que o capitalismo precisaria cada vez mais suprimir as fronteiras
para articular dinamicamente os mercados e a produção, criando um espaço
amplo de atuação marcado por interações heterogêneas.
Ao invés das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos
nacionais, surgem novas demandas, que reclamam para sua
satisfação os produtos das regiões mais longínquas e de climas os
mais diversos. No lugar do antigo isolamento de regiões e nações
auto-suficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e
uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto
à produção material como à produção intelectual. As criações
intelectuais de uma nação tornam-se patrimônio comum. A
estreiteza e a unilateralidade nacionais tornam-se cada vez mais
impossíveis; das numerosas literaturas nacionais e locais nasce
uma literatura universal. (MARX; ENGELS, 2007b, p. 43).
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44).
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p.45).
Talvez fosse possível ver nas duas primeiras assertivas uma previsão da
crise de 1929, a qual de fato se configurou como uma tensão de superprodução;
mas Marx e Engels vislumbram a crise capitalista de 1844, um já acentuado
colapso marcado pela superprodução (HOBSBAWM, 2010). Qual é o diagnóstico
daquela crise? Segundo os autores, sua causa seria, resumidamente, a “civilização
em excesso”. Neste caso, “civilização” parece significar, em verdade, não um
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Considerações Finais
A guisa de finalização, façamos então uma retomada da discussão. No presente
ensaio primeiro observamos que o método marxista enxerga a totalidade
concreta da realidade, esta por sua vez um processo histórico. Assim sendo, será
possível considerar que este método pode tratar de processos sociais ainda não
estabelecidos, a-históricos? Ou ainda, fazer previsões acerca de fenômenos que
não tiveram seus fundamentos já constituídos?
Não é a resposta para esta pergunta, simplesmente pelo fato de que é
impossível descrever as relações sociais concretas, históricas, daquilo que não
existe subjetiva ou objetivamente, por princípio de definição. Ou seja, se os
processos descritos por Marx e Engels guardam alguma relação com o fenômeno
da globalização, é porque estes processos perduram ou deram origem às atuais
formas sociais que assim denominamos — ou melhor, como é o caso específico,
se configuram como um arranjo particular relacionado, mas não idêntico.
Foi possível apreender da exposição de Michalet (2003) que a configuração
da mundialização de capital do segundo quartel do século XX até pelo menos
a primeira década do século XXI, foi dominada pela lógica da dimensão da 71
circulação dos capitais financeiros. Ou seja, não apenas a intermediação financeira
ofereceu os melhores níveis de valorização, como sua lógica de funcionamento
foi utilizada como parâmetro para escolha e julgamento dos investimentos
destinados às duas outras esferas da mundialização, a saber: (a) a dimensão de
trocas de bens e serviços; e (b) a dimensão dos investimentos diretos no exterior.
Resumidamente, as características descritas por Marx e Engels acerca do
processo de expansão mundial da burguesia e seu modos operandi de acumulação, em
meados do século XIX, apontava as seguintes características: (1) estabelecimento
de um mercado mundial em substituição aos mercados nacionais; (2) mudança
contínua dos processos produtivos e das instituições sociais; (3) busca constante
de novos mercados/setores de atuação; (4) mundialização do capital, ou seja,
investimentos em cada vez mais longínquas parcelas do globo; (5) padronização
do consumo, tanto a um “gosto ocidental” como à necessidade de escala
industrial; (6) adoção do meio de vida ocidental; (7) submissão do campo à
cidade; (8) concentração de riqueza, concentração de propriedade dos meios de
produção; (9) concentração populacional e, como consequência, centralização
política; (10) estabelecimento de crises de superprodução, que se tornariam cada
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Referências
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