Você está na página 1de 4

Entrevista com Margareth Rago

“O feminismo está na moda. Virou pop”


http://www.uff.br/observatoriojovem/materia/margaret
h-rago-%E2%80%9Co-feminismo-est%C3%A1-na-
moda-virou-pop%E2%80%9D

29/11/2015 – 10:19 | carrano

A historiadora da Unicamp diz que a luta feminina ganhou novas questões

Revista Época/Vida - SERGIO GARCIA 15/11/2015 - 10h00 - Atualizado 15/11/2015 10h00

A historiadora paulistaMargareth Rago, 65 anos, esquadrinha omovimento feministahá


mais de três décadas e encara com otimismo a torrente de manifestações que tem varrido
o país com uma pauta tão cara às mulheres. Professora da Unicamp, Margareth se diz
surpresa com a adesão maciça à campanha #primeiroassedio, em que as internautas
relatamabusos sexuaisque sofreram. Afirma que esses relatos a puseram a pensar em
questões que, antes, não identificava como motivos para luta feminina. “É muito legal as
jovens estarem exigindo o direito de não ter que amarrar o moletom na cintura para não
serem chamadas de ‘boazudas’. Eu me acostumei a ter um moletom na bunda para
disfarçar”, diz. A historiadora diz que ofeminismonão é perfeito, mas é um caminho para
criar novos modos de existência “mais éticos, mais livres, mais verdadeiros e mais justos”.
“Uma pensadora alemã do início do século passado disse que o feminismo não veio para
derrubar os homens, mas sim para socorrê-los, porque os heróis estão cansados. Ela está
certa.”
NOVAS BANDEIRAS
A historiadora Margareth Rago. "Gosto deste movimento bem-humorado. O mundo é muito
chato.Temos de alegrá-lo" (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)
ÉPOCA – Como avalia essa avalanche de manifestações de cunho feminista,
como as campanhas #primeiroassédio e as passeatas contra o Projeto de Lei
5.069, que dificulta o aborto?
Margareth Rago –O feminismo está na moda, virou pop. Como historiadora, vou explicar
que são dois séculos de luta. O Brasil está em turbulência, e não é de hoje. A luta contra a
ditadura militar mobilizou meio mundo, fez questionar as instituições e veio junto com
uma modernização impressionante. Na segunda metade da década de 70, o feminismo se
articulou timidamente por aqui, e explodiu mesmo nos anos 80. De lá pra cá, só fez
crescer. Agora estamos colhendo as flores.
ÉPOCA – Por que as novas gerações despertaram para a causa, como mostram
os recentes protestos nas ruas, apinhados de jovens?
Margareth –Não tem garotada só nofeminismo.Tem no anarquismo, nos movimentos
sociais. Nos protestos de junho de 2013 só havia moçada. São as filhas e netas, que já
foram criadas em outro patamar. As políticas públicas da última década alteraram
significativamente a situação dos jovens. Houve uma transformação social e cultural e eles
estão no mundo com uma rapidez muito maior que a de minha geração. É interessante. Ao
mesmo tempo em que a gente tem a sensação de que o país se despolitizou, no caso de
lutas específicas, como pelo aborto e contra a homofobia, as coisas cresceram muito. O
feminismo renasce no Brasil na segunda metade dos anos 70 como um movimento contra
a ditadura. Hoje ele está mais pragmático e sem aquele discurso ideológico.
ÉPOCA – Há semelhanças entre os movimentos de 2013, que inicialmente pedia
o passe livre, e o de agora?
Margareth –Com certeza, sim. Muitos grupos feministas não se limitam à causa. Eles são
feministas e ecológicos, feministas e veganos, ou ligados à luta pela descriminalização da
maconha. A coisa é mais ampla entre os jovens, que tendem a ser mais transversais. É
muito interessante nesses grupos jovens a crítica, internamente, da questão das relações
de gênero. Outra coisa que está entrando é a luta dos transgêneros. E é uma briga
também anti-identitária, que é muito legal, porque a identidade sufoca. A noção de
identidade vem do século XIX, num mundo urbano e industrial, surgindo a partir da
preocupação de identificar o indivíduo na multidão.
ÉPOCA – Em 2013 as manifestações começaram por causa do passe livre e o
discurso se dispersou. Este movimento atual tem o discurso mais unificado?
Margareth –Sim, o que não quer dizer que não existam conflitos. O feminismo é um
movimento que se articula mais facilmente. Não sei identificar bem a dinâmica, mas ajuda
o fato de ser um movimento, não ter um partido. Tem uma feminista alemã do início do
século que diz que o feminismo não veio para derrubar os homens, ele veio para socorrê-
los, porque os heróis estão cansados. Às vezes penso que ela está muito certa, porque
nosso mundo está falido. O mundo começou a envelhecer rapidamente, as relações estão
falidas, os modelos estão falidos, e nesse momento a cultura feminina ganha espaço.
ÉPOCA – Uma das marcas das manifestações recentes é o bom humor. Trata-se
de uma característica nova do movimento?
Margareth –Não. Já na década de 90, as artistas feministas eram muito engraçadas. Mas
ficou a imagem do feminismo sério, ascético. O que aconteceu foi que o bom humor se
acentuou. Veja a Marcha das Vadias. Uma estudante bonita que tira a roupa e diz que é
vadia quebra completamente o código. Gosto muito desse tipo de movimento, bem-
humorado. O mundo é muito chato, temos que alegrá-lo.
ÉPOCA – A senhora se surpreendeu com a quantidade de depoimentos (quase
100 mil) reunidos na campanha sobre o primeiro assédio, que teve origem nos
comentários de cunho sexual feitos nas redes sociais sobre uma garota de 12
anos que participava de um programa de gastronomia?
Margareth –Sim, mas não só isso. (na terça-feira passada) Eu saí de casa para ver uma
peça chamada Feminicídio, e no metrô ouvia-se um alerta contra o assédio sexual e
homofobia. Voltei para casa e na televisão havia uma enxurrada de discussão sobre
assédio e estupro. Fiquei impressionada. Gente, o mundo está feminista e eu não tinha
percebido? Há mesmo que se mudar a cultural patriarcal e machista. Quando eu tinha a
idade dessa menina e acontecia isso, a vítima ficava paralisada, escondida debaixo da
cama. Hoje elas apitam e põem a boca no mundo. Quem sabe os homens aprendem e se
reeducam. Outro dia, numa aula, uma moça disse que conhece mulheres que ficam felizes
quando ouvem um “boazuda” na rua. É interessante isso também, senão ficaremos iguais
aos Estados Unidos, onde um homem te convida para tomar um café e você entende que
ele quer te estuprar. Essa lógica punitiva e normativa é complicada. Daqui a pouco o
erotismo é impossibilitado. Nós não somos uma sociedade puritana, mas corremos o risco
de nos tornar com a americanização tão profunda na vida de todo o planeta. Aqui temos a
cultura do corpo, da beleza. Ainda bem, senão é melhor viver em outro mundo.
ÉPOCA – Podemos dizer que o feminismo se espraia por todas as classes e
deixou de ser coisa de gueto?
Margareth –Sim, há muito tempo. No início, o movimento estava restrito a jovens
universitárias de esquerda, mulheres de classe média intelectualizadas. Nos anos 80, elas
entraram nos sindicatos, nos partidos, nas universidades. Aí caiu a ficha e a coisa pegou.
Não existia uma linguagem feminina própria. A mulher não sabia do seu corpo, era
educada para ter filhos. Mas e se ela não quisesse casar nem engravidar? Vejo o
feminismo como uma luta para criar novos modos de existência, modos mais éticos, mais
livres, mais verdadeiros e mais justos. Não é só uma luta pelo direito de voto, de aborto.
Ele denuncia a cultura sexista, machista, branca e injusta. Pode ser que no futuro não seja
assim, mas até o momento meninos e meninas são educados de maneira muito diferente.
ÉPOCA – A senhora concorda com a máxima que, se os homens engravidassem, o
aborto seria uma lei universal?
Margareth –Não tenho dúvida nenhuma. O mundo é masculino, branco, heterossexual e
burguês. Não acho que o feminismo seja a perfeição. Há feministas autoritárias,
machistas, neoliberais, mas em princípio o feminismo coloca outras buscas, amplia o
debate e toca fundo na questão da verdade e da ética, de produzir outros seres humanos,
porque esses não deram certo. É muito legal o fato de as jovens estarem exigindo o direito
de não ter que amarrar o moletom na cintura para não serem chamadas de “boazudas”.
Eu me acostumei a ter um moletom na bunda para disfarçar. Nem passava pela minha
cabeça que isso poderia ser um motivo de luta. Como se vê, são muitos os ganhos do
feminismo.
Fonte: Revista Época.

Você também pode gostar