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ÍNDICE

NOTA DO AUTOR
...............................................................................................................................13

CAPÍTULO I

Reacionários e renovadores

Valôres que se perdem. Valôres que se ganham. Inquietação de


conservadores. Acusação à

escola. Análise sumária do libelo. Escola tradicional e pseudo-escola nova.


Identidade doutrinária de

uma e outra. A teoria da escola nova ou, melhor, progressiva. Reacionários e


renovadores têm o

mesmo ideal
.......................................................................................................................................17

CAPÍTULO II

A transformação da escola

A) Escola nova ou escola progressiva ?

B) Fundamentos sociais da transformação escolar. Natureza da civilização


moderna.

Tendências ou diretrizes essenciais. Uma nova filosofia da vida.


Industrialismo ou idade da máquina.

Democracia, Autoritarismo e liberdade. Novos deveres da escola. A escola


tradicional e os seus

pressupostos. A transformação que se impõe.


C) Fundamentos psicológicos da transformação escolar. Nova psicologia da
aprendizagem.

"Leis" da aprendizagem. Transformação que ainda se impõe. A escola


progressiva: escola de vida e

experiência; alunos ativos; mestres renovados


.................................................................................. 25

CAPÍTULO III

Diretrizes da educação e elementos de sua técnica

A) A criança - centro da escola. Respeito pela personalidade infantil.


Tendência a se extremar

do movimento de reconstrução escolar. Visita a uma escola experimental.


Equilíbrio recomendável.

B) Reconstrução dos programas escolares. Teoria de educação que a


fundamenta. O processo

educativo, no seu todo. Os programas - parte ou fator nesse processo total.


Teoria da aprendizagem.

lntegração e isolamento da aprendizagem. Atividades "intrínsecas” e "ex-


trínsecas". Vida presente da criança e experiência da espécie. Atividade
infantil e "textos" e "compêndios". Parte dos programas

que pode ser prèviamente traçada. Programas "mínimos". Função do


professor na elaboração dos

programas. A objeção da ausência de sistematização do ensino.

C) Organização psicológica das "matérias" escolares. Matérias escolares ou


matérias de estudo.

Conceito clássico. Conceito moderno. Matérias de estudo para o


"especialista": organização lógica.

Matéria de estudo para a "criança": organização psicológica. Análise da idéia


quanto a uma das matérias

escolares. Dificuldade do ensino pela organizaçâo puramente lógica. Os


programas escolares para

uso do professor. O ensino por meio de "projetos". A organização dos


conhecimentos do aluno.

Conclusão
............................................................................................................................................52

CAPÍTULO IV

A educação e a sociedade

A) A educação e a sociedade, vistas como dois processos fundamentais da


vida humana.

Mobilidade e continuidade. "Uniformidades" naturais. "Organismos" e vida.


Nível bioiógico. Nível mental. Agir, sentir e saber. Educação e inteligência.
Educação: a natureza que se faz arte.

B) A educação, como fenômeno individual. A educação como fenômeno


social. A inteligência

e sua função própria. Tentativas de contrôle da ação da inteligência.


Autoritarismo, idealismo objetivo.

Um problema mal colocado. Liberdade individual e direção social.


Sociedades conservadoras e

sociedades progressivas.

C) A sociedade, a educação e a escola.


O processo social e o processo educativo, confundidos no seio das
sociedades. A escola,

instituição consciente de educação. Função primitiva: preservar certos


conhecimentos e valôres.

Função atual: acompanhar, corrigir e harmonizar a educação integral do


indivíduo. Essa função é

literalmente imposta pelas circunstâncias. A escola e o verdadeiro progresso


social. A reconstrução

escolar
................................................................................................................................................
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CAPÍTULO V

A conduta humana e a educação

A) Moral científica e moral tradicional. Separação da moral das atualidades


presentes da vida.

Moral convencional. Moral dos "homens de ação", Moral "natural". Moral


"espiritual". Identidade das premissas fundamentais dêsses diferentes
aspectos da "Moral Tradicional".

B) Análise das três premissas basilares e de suas conseqüências.

I) A natureza humana é corrompida ou bárbara. Concepção da filosofia do


século XVIII.

Determinisrno spenceriano do século XIX. A função do conhecimento,


segundo Dewey. Concepção

atual da natureza humana. Indeterminismo do progresso social ou moral.

II) A atividade humana é um simples meio para se atingir o bem, que é um


fim estranho ou

superior a essa atividade. Vida é preparação. Diferentes aspectos dessa


concepção. Êrro de fato e

êrro de compreensão. Êrro de fato: o homem é, por sua natureza, passivo; a


atividade é um dever.

Origem geral dêsse êrro: a imperfeita organização social.

Êrro de compreensão: concepção inadequada do funcionamento de meios e


fins na vida

humana. Desenvolvimento da teoria de John Dewey a respeito do seu


verdadeiro funcionamento.

Ilustração demonstrativa da inversão que se opera, com a explicação da moral


tradicional, na ordem real

dos fatos. Espiritualismo e materialismo, vítimas do mesmo equívoco.

A organização atual da vida justifica êsse êrro. Exceções: vida infantil. vida
de alguns homens.

Identidade da atividade com o próprio fim da vida.

III) As regras da conduta humana fluem de princípios eternos e estranhos à


experiência positiva

dos homens. Princípios extra-humanos ou, puramente, ideais. Necessidade de


fundamentos

experimentais para os "princípios" ou "hipóteses" diretores da moral.

C)

Conclusão.
O

bem

ou

felicidade

está

na

atividade

presente,

dirigida

inteligentemente......................................................................................................................
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CAPÍTULO VI

Filosofia e educação

A) Origem da filosofia (segundo John Dewey). Necessidade de reconciliação


entre o

conhecimento positivo e o conhecimento tradicional e religioso. Os primeiros


"filósofos" da nossa

civilização. Os sofistas. Caracteres da filosofia decorrentes da sua origem.


Ausência de

imparcialidade e de espírito objetivo. Ambição de universalidade.


Artificialidade dos seus "raciocínios".
Formalismo lógico.

B) Aspectos modernos da filosofia. A reconstrução da filosofia. O objetivo da


filosofia não é a

"verdade" no sentido estritamente cientifico do têrmo, mas os "significados",


os "valôres", as

"interpretações" da vida.

C) Filosofia e educação. Filosofia é a teoria geral da educação. Dependência


da filosofia da

vida social. Filosofia e democracia. A escola e as exigências da vida


democrática .......................... 133

NOTADOAUTOR

Procurei, neste pequeno livro, publicado pela primeira vez em 1934, expor
em forma

simples, quase coloquial, os fundamentos da teoria da educação baseada na


experiência, que

dirige todo o movimento de reconstrução educacional de nosso tempo.

O pensamento do autor não tem preocupações de originalidade. Filia-se ao


dos

educadores e, mais diretamente, ao do grupo que reconhece, como sua


principal figura, a do

filósofo John Dewey.

A êste e a Kilpatrick confessa-se profundamente devedor, embora assuma a

responsabilidade exclusiva da forma de apresentação das idéias, das lacunas e


das possíveis
inexatidões dêste trabalho.

Quanto ao título originário - Educação Progressiva: uma introdução à


filosofia da

educação - invertemos-lhe agora a ordem, passando educação progressiva a


ser o subtítulo.

É que hoje a designação de progressiva perdeu, de certo modo, a razão de ser.


Tôda a

educação moderna adota a teoria da experiência como base de sua filosofia,


continuando o

estudo e a pesquisa de suas formas de aplicação. Conservamos, entretanto, a


referência à

escola progressiva, como registro histórico do período inicial de implantação


das novas

concepções, que vêm transformando a escola (daí "ou a transformação da


escola") e fazendo

da educação, em nosso século, uma educação em mudança permanente, em


permanente

reconstrução, buscando incessantemente reajustar-se ao meio dinâmico da


vida moderna, pelo

desenvolvimento interno de suas próprias fôrças melhor analisadas, bem


como pela tendência

de acompanhar a vida, em tôdas as suas manifestações.

Rio, maio, 1967.

CAPÍTULO I
Valôres que se perdem. Valôres que se ganham. lnquietação de
conservadores. A

acusação à escola. Análise sumária do libelo. Escola tradicional e pseudo-


escola nova.

Identidade doutrinária de uma e outra. A teoria da escola nova ou melhor,


progressiva.

Reacionários e renovadores nova ou, melhor, progressiva têm o mesmo


ideal...

NO INTERESSANTE PERÍODO de transição que estamos vivendo, a cada


nova crise que

surge, uma nova inquietação entre os homens, preocupados com os valôres


que se vão

perdendo nas idas e vindas da transformação social. Dispensável será dizer


que há nessas

transformações mais conquistas de novos do que perda de antigos valôres.

Mas o homem é um animal de hábitos. E tôdas as vêzes que lhe renovam as


roupas

ou os pensamentos, êle julga que perdeu qualquer coisa...

E na sua necessidade de localizar os culpados dessas perdas, investe contra


isso e

contra aquilo.

Mais do que tudo, costuma investir contra as escolas. Se há crise nas letras, se
não

se escreve como dantes, se a língua evolui e perde antigos sabores primitivos


e ingênuos, é
que as escolas já não são as mesmas e urge reformá-las.

Se há crise do "espírito", como hoje se diz, se os valôres humanos, na sua


perpétua

transformação, conquistam novas formas, e velhas ilusões se vão desfazendo


em troca de

valôres realistas e ásperos, - é que as escolas estão a falhar na sua finalidade


espiritual…e

urge reformá-las.

Se há crise de costumes e de maneiras e o homem, longe de se comprazer na


velha

dissimulação habitual, reorganiza os seus valores com brutalidade quase,


encarando a

realidade de face, - é que as escolas já não formam o caráter... e urge


reformá-las ou antes

obrlgá-las a voltar aos velhos ídolos e velhas fórmulas.

É diante de uma dessas situações que nos encontramos presentemente. A

transformação por que passou a juventude atual, nos seus métodos de vida,
nos seus

costumes, nas suas aspirações e nas suas coragens de ação, é interpretada


como uma

singular crise de caráter. A nova geração está perdendo a forte marca antiga
de disciplina,

solidez e segurança que fazia a honra da geração estável, conformada e


cumpridora de
deveres que foi... a geração anterior. E não falta quem culpe a escola... E
agora, os visos da

acusação, parece, se corroboram. As escolas passam, com efeito, por


transformações

alarmantes. A velha autoridade dos mestres já não é a mesma, se é que existe


ainda. A

própria autoridade dos livros começa a ser posta em dúvida. Há, pelo menos,
uma porção de

livros, e de opiniões adversas, - todos sendo igualmente compulsados e lidos.


Critica-se tudo

e tudo se questiona. Nada é sagrado. Diante de coisa alguma pára a coragem


corrosiva e

insolente dêsses pensamentos adolescentes e vivazes... E pior do que tudo


isso ... Há sinais

de aprovação por parte dos educadores. Estranhas teorias percorrem as

escolas

de

autodisciplina e autogovêrno, de programas voluntários, de liberdade de


escolha e de recusa,

de expressão das próprias personalidades, de respeito por essas


personalidades, e de

subordinação dos interêsses reais da vida, - que são os dos adultos - aos das
crianças e dos
jovens, que evidentemente não podem deixar de ser caprichos e
extravagâncias.

Mas, é evidente: semelhante educação está a modificar a nossa juventude. É a


tal

"educação nova", a tal "liberdade" e a tal "expressão da própria


personalidade" - que explicam

os desvarios, as loucuras, as rebeldias inesperadas da juventude moderna.

Assim fala, expressa ou tàcitamente, o reacionário, que vive dentro de cada


um de nós,

repetindo a eterna linguagem dos reacionários de todos os tempos.

Examinemos, porém, o libelo de acusação. Não haverá, porventura, aquêle


famoso

grão de verdade que o filósofo costuma dizer existe em todos os erros, nessas
vozes de

reprovação que se levantam do passado ? Não será mesmo que a escola se


está a deixar

levar exageradamente pelo "espírito do tempo", favorecendo, assim, em


nossos jovens, certas

fraquezas sensíveis de caráter? Não será que tôda essa psicologia de nos
"exprimirmos a

nós mesmos", de evitarmos a repressão clara ou dissimulada de nossas


personalidades, e da

livre expansão de nossas tendências, tem realmente qualquer coisa de


excessivo e de...

dissolvente?
Está ainda sob os meus olhos a caricatura de um humorista internacional. O
quadro é

o de uma sala de estar. Duas crianças, uma com um serrote e outra com um
martelo e um

formão, se entretêm, uma delas serrando a perna de uma cadeira e, outra,


arrancando a

formão e martelo as teclas do piano. Os pais, que vinham chegando, se


retiram nas pontas

dos pés, enquanto a mãe segreda: "Respeitemos as personalidades de nossos


filhos. . . "

Não haverá, realmente, na aplicação das teorias modernas o excesso de zêlo


que a

charge do caricaturista procurou assinalar?

Não direi que não. Pode haver, na aplicação da teoria. Não nos parece,
porém, que

haja na teoria, em sua compreensão exata.

Antes de mais esclareçamos que não são as escolas as responsáveis pelas

transformações do espírito da sociedade. As escolas são como os


romancistas, também

acusados de corromperem a sociedade. Elas, como êles, refletem, tão


sòmente, o que já vai

pela própria sociedade.

A teoria dos educadores busca ajustar a escola às necessidades dessas

transformações, procurando retificá-Ias e harmonizá-las mùtuamente.


A chamada teoria da educação nova é a tentativa de orientar a escola no
sentido do

movimento, já acentuado na sociedade, de revisão dos velhos conceitos


psicológicos e sociais

que ainda há pouco predominavam.

Essa revisão, longe de representar concessões a um conceito de vida menos


sério ou

menos forte, exprime tão sòmente a correção, no sentido dessa sociedade, dos
valôres em

que ela, verdadeiramente, se deve basear. Talvez, mais do que tudo, a idéia de
que educação,

ou melhor, auto-educação - porque só a própria pessoa se educa - é, antes de


tudo, o

resultado de se assumir direta e integralmente a responsabilidade dos próprios


atos e

experiências.

Assumindo tal responsabilidade, aviva-se, na pessoa, a consciência dos


processos e

conseqüências daqueles atos e experiências e, lògicamente, das lições que


decorrem daí.

Não é arrebatado pela sedução da liberdade pela liberdade que o educador


moderno

prega a necessidade de uma escola onde os alunos sejam livres na escolha das
suas

atividades, livres no planejá-las e livres no executá-las.


É porque o educador veio a verificar que só por êsse meio êles se
disciplinarão, só por

êsse meio êles ganharão o hábito do esfôrço tenaz e continuado, só por êsse
meio assumirão

a plena responsabilidade dos seus atos, só por êsse meio terão caráter e
integridade,

habituando-se à unidade de propósitos, retidão de vontade e leal aceitação das


limitações e

sacrifícios da vida.

A escola fundada nos “programas de lições prèviamente traçadas” e no


regime do

“aprende ou serás castigado” ignorava, antes do mais, a complexidade do ato


educativo e tudo

que podia, realmente, conseguir, eram crianças hábeis no jôgo da


dissimulação, que

procuravam cumprir - para evitar a pena ou ganhar o prêmio - com o mínimo


de

responsabilidade voluntária a tarefa obrigatória que lhes marcavam os


mestres.

Passar daí para o domínio da escola onde não se faz senão o que der na
veneta, onde

tudo seja prazer no sentido pejorativo e flácido dêsse têrmo, seria substituir o
regime do

compulsório, desagradável e deseducativo da escola tradicional pelo regime


do caprichoso,
extravagante e igualmente deseducativo de uma falsa escola nova.

Isso seria, porém, uma deformação monstruosa da teoria moderna de


educação,

deformação que se vem basear num conceito errôneo da natureza humana,


paradoxalmente

comum às duas concepções, só aparentemente antagônicas da escola


tradicional e dessa

pseudo-escola nova.

Com efeito, ambas as concepções pressupõem a natureza do homem


refratária à

disciplina, ao progresso, à marcha normal do saber e do aperfeiçoamento


pessoal. Ou

impomos tudo isso, mal e compulsòriamente, ou largamos a brida ao homem


para que êle se

entregue aos seus caprichos, suas desordens, sua ignorância e sua


indisciplina.

A teoria moderna da educação está equidistante dêsses dois extremos. O seu

postulado fundamental é o de que a natureza humana tende, normalmente, a


se realizar a si

mesma. E que se essa realização exige disciplina, método, contrôle de si


mesmo e do meio

ambiente, e para isso esfôrço, tenacidade, paciência, coragem e sacrifício - o


homem tende a

essas virtudes pelas próprias características de sua natureza.


Daí concluir que, dado o meio normal ou favorável, o homern se
desenvolverá correta e

harmônicamente.

O que sucede, porém, com os falsos renovadores? Sucede que êles julgam
que aquêle

meio "normal ou favorável", é o meio em que não haja solicitações de espécie


alguma, é o

meio em que não homem não chegue mesmo a ocupar-se, e viva entregue aos
valvéns da sua

fantasia, do seu capricho e da sua vontade desgovernada por falta de


estímulos sérios e

fortes.

Semelhante educação só não resultará nos mais espantosos desastres, porque


a

natureza humana reagirá, as mais das vêzes, procurando, por meio de


qualquer ocupação,

conquistar a disciplina de si mesma, que é a sua forma de poder, a sua forma


de ser, a sua

forma de expressão própria.

Não será, porém, sem graves perigos que tais experiências se hão de
processar. E

são elas que justificam a charge do caricaturista a que nos referimos.

Porque, veja-se bem, no próprio conceito da teoria moderna de educação, não


se
afirma que a natureza humana marche fatalmente para a aquisição dos meios
de contrôle do

ambiente e de contrôle de si mesma - o que constitui a educação - mas,


simplesmente, que

tende a isso. E tender é inclinar-se, é ter clisposição para alguma coisa, mas
de que se pode

ser desviado, como se é pelo regime de licença e desordem de uma falsa


escola nova.

A verdadeira doutrina é a que enxerga na criança o impulso e a tendência e,


na

experiência organizada da espécie, o têrmo e o alvo dessa tendência. Por


meio da

experiência já adquirida da humanidade, deve o educador traçar o roteiro do


desenvolvimento

individual, dirigir o seu curso, corrigir os seus desvios, acelerar a sua marcha,
assistir, enfim,

em todos os passos, a obra da educação, de que é o guarda e o responsável. A


escola

fundada em tais bases não será, pois, uma escola que forme homens sem
capacidade de

esfôrço e de resistência. Muito ao contrário, os homens formados nessa


escola provaram, em

sua plenitude, o prazer de conquistar, passo a passo, o caminho de sua


emancipação.

Emancipação do desordenado, do incerto, do não planejado, da ignorância, da


prisão dos seus
desejos e de suas paixões, para a liberdade da disciplina de si mesmos, e para
a fôrça e o

poder de execução e realização que lhes deu o hábito de controlar o meio


externo,

subordinando-o aos seus fins e aos seus planos lúcidos e voluntários.

Alguém já disse que o homem é um animal de conquista. De rapina, chega a


dizer

SPENGLER, no pessimismo ácido das suas violentas afirmações. Pela sua


própria natureza,

tende ao domínio. Crescer e desenvolver-se é para o homem aumentar em


fôrça de

compreensão, fôrça de realização e fôrça de expansão. Nenhuma dessas


fôrças se efetiva,

porém, sem que êle experimente antes dirigir, coordenar e comandar as


próprias fôrças de seu

desejo, do seu pensamento e do seu corpo.

A escola progressiva é a escola onde as atividades se processam com o


máximo de

oportunidades para essa ascensão.

O meio que aí se desenvolve é um meio cheio de estímulos e de direção para

atividades que tenham continuidade, que exijam esfôrço e que sejam


cabalmente

desempenhadas.
O educador moderno não acredita que o pensamento ou a ação se gerem no
vácuo, ou

que a criança não precise de ser guiada e orientada no processo do seu


crescimento mental e

social. Se o próprio crescimento físico, o mais automático dêles, precisa de


ser observado,

corrigido e acompanhado, o que não diremos do seu crescimento mental e


social, onde as

possibilidades de desvios, de paradas e de erros são mil vêzes maiores.

Só uma atitude falsa de educador, de reverência pouco lúcida para com tudo
que é

infantil, em que se não distingam o transitório do permanente, o desviado do


correto, o

importante do não importante, é que pode conduzir à organização de escolas


cujo centro

sejam o capricho, a incerteza, a inconstância e a extravagância infantis - isto é


- tudo que, na

criança, define os seus limites e as suas inferioridades.

Êsses limites e inferioridades não são desprezíveis, mas, longe de


constituírem os

motivos de nossa indulgência desarrazoada, devem ser tão sòmente os nossos


pontos de

partida. Sairemos dessas origens para chegarmos, afinal, ao homem educado,


que não é

outro senão aquêle que sabe ir e vir com segurança, pensar com clareza,
querer com firmeza

e executar com tenacidade, o homem que perdeu tudo que era desordenado,
informe,

impreciso, secundário em sua personalidade, para tê-la definida, níida,


disciplinada e lúcida.

Êsse deve ser o produto da escola. Êsse o objetivo por que trabalham os que
desejam

vê-Ia renovada e eficiente.

O reacionário e o renovador, dentro de cada um de nós, ou dentro da


sociedade,

querem a mesma coisa, têm o mesmo ideal, mas vêem faces antagônicas do
movimento que

nos poderia conduzir para a aspiração comum.

CAPÍTULO II

A transformação da escola

A) Escola nova ou escola progressiva?

B) Fundamentos sociais da transformação escolar. Natureza da civilização

moderna. Tendências ou diretrizes essenciais. Uma nova filosofia da vida.

Industrialismo ou idade da máquina. Democracia. Autoritarismo e liberdade.


Novos

deveres da escola. A escola tradicional e os seus pressupostos. A


transfomação que

se impõe.
C) Fundamentos psicológicos da transformação escolar. Nova psicologia da

aprendizagem. "Leis" da aprendizagem. Transformação que ainda se impõe.


A escola

progressiva: escola de vida e experiência; alunos ativos; mestres renovados.

A) Escola nova, ou escola progressiva?

e INíClO, um esclarecimento. Escola nova. Por que essa designação? Há, aí,

D mais do que a precariedade insustentável do adjetivo, qualquer coisa de

combativo e atrevido, que choca alguns companheiros avisados de trabalho,


receosos

de uma ofensiva contra os valôres reais da escola.

A designação "escola nova", necessária, talvez, em início de campanha, para

marcar vivamente as fronteiras dos campos adversos, ganharia em ser


abandonada.

Por que não "escola progressiva", como já vem sendo chamada, nos Estados
Unidos?

E progressiva, por quê? Porque se destina a ser a escola de uma civilização


em

mudança permanente (KILPATRICK) e porque, ela mesma, como essa


civilização,

está trabalhada pelos instrumentos de uma ciência que ininterruptamente se


refaz.

Com efeito, o que chamamos de "escola nova" não é mais do que a escola

transformada, como se transformam tôdas as instituições humanas, à medida


que lhes

podemos aplicar conhecimentos mais precisos dos fins e meios a que se


destinam.

Entre a medicina de Hipócrates e Galeno e a medicina moderna, há, para


quem

buscar um ponto de vista bastante elevado, seqüências e harmonias


irrefutáveis.

Nem por isso, entretanto, alguém cuida poder hoje reviver os métodos
errôneos ou

empíricos daqueles primeiros tempos.

Pois existe tanto uma educação nova quanto uma nova medicina ou uma nova

engenharia. Em todos os tempos o homem se esforçou para curar e se


esforçou para

construir. Mas, dia para dia, transformaram-se os recursos e os instrumentos


e, dia

para dia, a medicina e a engenharia se renovaram, como se vai renovando


lioje a

educação. Renova-se nos seus meios e, por intermédio dos meios, nos
próprios fins.

Porque de fato, fins e meios não se distinguem senão mentalmente.

Fins inexplicáveis não são fins, mas fantasias. Os fins são verdadeiramente
fins

quando os conhecemos de tal modo que dêles se desprendem os meios de sua

realização. Os meios são "frações de fins" (DEWEY).


Desta sorte não são pròpriamente os fins que se renovam, mas os nossos

recursos de conhecê-los, aprofundá-los e esclarecê-los. A engenharia


moderna tem

fins diferentes da engenharia primitiva. As pontes que se constroem hoje, ou


as

cidades e os edifícios que se erguem pelo mundo, não podiam sequer ser
imaginados

pelos antigos. O desenvolvimento técnico da engenharia permitiu ao homem

reconstruir os seus fins e realizar as maravilhas dos nossos tempos.

Em educação, o problema de reconstrução escolar não pode ser visto com


essa

objetividade, porque o desenvolvimento das ciências que nos vêm


emancipando da

rotina, do improvisado e do acidental é tão recente e tão incompleto que não


pôde,

ainda, conciliar tôdas as inteligências. As divergências são inevitáveis, como


inevitáveis

as confusões, as expectativas exageradas, os entusiasmos e os desânimos, as

audácias e os temores, as alas direita e esquerda de uma transformação


inevitável,

mas de que não se têm ainda os elementos integrais para definir, em tôda a
amplitude,

o objetivo e o alcance e traçar, com nitidez, os caminhos e os processos.

Êste, o esclarecimento inicial, quanto ao nome e ao sentido do movimento


que

se processa em tôrno da escola.

Transforma-se a sociedade nos seus aspectos econômicos e sociais, graças ao

desenvolvimento da ciência, e com ela se transforma a escola, instituição


fundamental

que lhe serve, ao mesmo tempo, de base para sua estabilidade, como de ponto
de

apoio para a sua projeção.

B) Fundamentos sociais

da transformação escolar

O cuidado benevolente de um amigo levou-me, certa vez, a visitar, em São

Paulo, o museu do Ipiranga, o famoso museu paulista de história e ciências


naturais.

Em uma de suas salas o observador encontra, construída em gêsso, com um


detalhe e

uma perfeição notáveis, em miniatura, a cidade de São Paulo, em 1840.


Apenas 127

anos atrás, São Paulo era uma cidadezinha sertaneja, de casinhas brancas e
solares

coloniais, com algumas igrejas e conventos a assomarem aqui e ali. Na longa


galeria

que nos levara até essa sala, alinham-se as "cadeirinhas" que serviam de
transporte à
sua gente fidalga.

A quem se detiver na observação e quiser fazer nascer ali, numa


reconstituição

imaginativa, o São Paulo moderno, não lhe parecerá menos que milagre a
imensa

mudança.

O "progresso" tomou conta da cidade e e fêz dela o que ela é hoje. Mas, que é

"progresso"? Na imaginação popular é nêle que se resume o caráter da


civilização de

nosso tempo. E em "progresso" ela vê mais que tudo a transformação


material do

mundo. São as casas maiores e mais confortáveis. É o transporte mais rápido


e mais

barato. São as ruas mais bonitas. É a diversão mais interessante e mais


acessível. É

a luz e água mais fáceis e melhores. São os jornais e as publicações mais


numerosos

e mais bem feitos.

Mas é isso tudo que faz o nosso tempo tão diferente do tempo dos nossos

antepassados de 1840? É isso e mais alguma coisa.

Por que progredimos? Que foi que se deu no mundo para que pudéssemos,
em

tão pouco tempo, mudar tanto que um romano teria menor surprêsa em se
encontrar
na côrte de Luís XV, do que teria um contemporâneo de Pedro I que surgisse
hoje no

Rio?

O que se deu foi a aplicação da ciência à civilização humana. Materialmente,


o

nosso progresso é filho das invenções e da máquina. O homem conseguiu

instrumentos para lutar contra a distância, contra o tempo e contra a natureza.


A

ciência experimental na sua aplicação às coisas humanas permitiu que uma


série de

problemas fôssem resolvidos, e crescessem essas enormes cidades que são a


flor e o

triunfo maior da civilização.

Mas, não foi só isso. O fato da ciência trouxe consigo uma nova mentalidade.

Primeiro, determinou que a nova ordem de coisas de estável e permanente


passasse

a dinâmica. Tudo está a mudar e a se transformar. Não há alvo fixo. A


experimentação

científica é um método de progresso literalmente ilimitado. De sorte que o


homem

passou a tudo ver em função dessa mobilidade. Tudo que êle faz é um
simples

ensaio. Amanhã será diferente. Êle ganhou o hábito de mudar, de


transformar-se, de
"progredir", como se diz. E essa mudança e êsse "progresso" o homem
moderno os

sente: é êle que os faz.

Êle constrói e reconstrói o seu ambiente. E cada vez é mais poderoso, nesse

armar e desarmar de tôda uma civilização. Nesse seu grande afã, por tudo

transformar, pareceu, à primeira vista, que só a ordem material era atingida.

A ordem social e a ordem moral, essas eram eternas e obedeciam a "verdades

eternas" que não sofriam os choques e contrachoques da ciência


experimental.

Mas o homem é mais lógico do que os seus filósofos.

Com a nova civilização material, feita e governada por êle, começou a velha

ordem social e moral a se abalar. Muda a família. Muda a comunidade.


Mudam os

hábitos do homem e os seus costumes. E raciocina-se. Se em ciência tudo tem


o seu

porquê e a sua prova, prova e porquê que se encontram nos resultados e nas

conseqüências dessa ou daquela aplicação; se em ciência tudo se subordina à

experiência, para, à sua luz, se resolver, - por que também não subordinar o
mundo

moral e social à mesma prova?

E é aí que está a maior transformação de nossos dias.

Se fôsse sòmente o quadro externo da civilização que estivesse a sofrer as


mudanças de uma ordem essencialmente dinâmica, não teríamos senão
pequenos

problemas técnicos de ajustamento. No fundo teríamos a mesma civilização


de

nossos avós, com a diferença de nossa riqueza. Ontem, cem de nós


gozávamos

vantagens materiais de confôrto, de bem-estar, de prazer, hoje cem mil de nós

tínhamos essas vantagens. Mas, o homem era o mesmo, com os mesmos


hábitos

morais, as mesmas docilidades à autoridade e o mesmo sentimento de


permanente

dependência às coisas invisíveis que o governavam e dirigiam.

Não é assim, entretanto, que sucede. O período de revisão e reconstrução é

muito mais profundo e mais universal. O homem está com responsabilidades


novas

em tôda a sua vida. Êle ensaia no mundo moral e social, senão com a mesma
audácia,

por certo sob o influxo dos mesmos princípios que lhe permitem
experimentar no

mundo material. Só um esclarecido e nítido porquê, por êle visto e por êle
sentido, lhe

pode determinar a sua ação. A velha ordem preestabelecida, seja ela religiosa
ou

tradicional, não lhe merece já respeito.


O homem, assim como está reconstruindo o ambiente material em que vive,

quer também reconstruir o ambiente social e moral, à luz dos mesmos


processos de

julgamento e de experiência: o seu beneficio na terra onde vive.

Nessa nova ordem de mudança constante e de permanente revisão, duas

coisas ressaltam, que alteram profundamente o conceito da velha escola


tradicional:

a) precisamos preparar o homem para indagar e resolver por si os seus

problemas;

b) temos que construir a nossa escola, não como preparação para um futuro

conhecido, mas para um futuro rigorosamente imprevisível.

Se a natureza da civilização do nosso tempo é a de uma civilização esteada na

experimentação científica, e, como tal, animada de um permanente impulso


de

movimento e contínua reconstrução, nem por isso deixam de existir certas


grandes

tendências, mais ou menos fixas, que marcam as linhas gerais por onde a
nossa

evolução se está processando.


A primeira dessas diretrizes, deixamo-la apontada na nova atitude espiritual
do

homem. A velha atitude de submissão, de mêdo e de desconfiança na


natureza

humana foi substituída por uma atitude de segurança, de otimismo e de


coragem

diante da vida. O método experimental reivindicou a eficácia do pensamento


humano.

Por certo não substitui êle o velho dogmatismo das "verdades eternas". Antes,

tôda verdade passou a ser eminentemente transitória. Contudo, dentro dos


limites da

prova experimental, o que o homem pensa está certo. Um fato nôvo, uma
prova mais

cabal e experimental pode levar à revisão dêsse pensamento. Mas, se as


conclusões

podem ser e são falíveis, o método é sempre digno de confiança. O ato de fé


do

homem moderno esclarecido não repousa nas conclusões da ciência, repousa


no

método científico, que lhe está dando um senso nôvo de segurança e de

responsabilidade. De segurança, porque, graças a êsse método, se está


construindo a

civilização progressiva dos tempos de hoje, tôda feita pelo homem e para o
homem.

Porque, graças a êle, ganhou-se o govêrno da natureza e dos elementos a fim


de

ordená-los para o maior benefício do homem, que, se tem ainda inimigos, se


ainda é

vencido - aí estão as moléstias, os cataclismos e as crises - sabe porque é


vencido e

tem esperança de dominar e de conquistar, um dia, êsses últimos obstáculos.

Êsse "nôvo senso de segurança" e de independência é acompanhado de um

nôvo sentido de responsabilidade. O homem moderno sabe que pode mudar


as

coisas e sabe que deve mudá-las. O homem antigo podia ser um


irresponsável. A

ordem em que vivia lhe era ditada por autoridade estranha e superior. A vida
era um

castigo e o homem era considerado mau, visceralmente mau. Tudo era


permitido.

Tudo se tolerava. A um homem fraco e mau e a uma natureza inclemente e


áspera,

não havia limites a criar.

Nem sempre podemos ver com a clareza que o caso exige, como, só agora, o

progresso, o real progresso, moral e social, do homem começa a ser possível.

Quantos de nós ainda cremos que a vida não mudará essencialmente, que a

guerra sempre estará entre nós, que o crime e a moléstia sempre flagelarão o
homem!
Entretanto, quando percebemos que só ontem começamos a progredir, que
não

conhecemos ainda nem o décimo milionésimo do que poderemos e


precisamos

conhecer, e que, ainda assim, estamos realmente iniciando uma "nova ordem
de

coisas", vemos, pelo contrário, que só um sôpro de robusto e orgânico


otimismo é que

nos deve animar, diante da relativa celeridade com que o homem está
refazendo a

vida, para sua maior tranqüilidade, seu maior bem-estar, sua maior dignidade
e sua

maior felicidade.

Outros poderão achar que, em outros tempos, nesses outros sempre dourados

tempos do passado, o homem foi, por causa de sua maior pobreza, mais
sacrificado e

mais honesto. De mim, eu só reconheço um crédito aos que me precederam:


êles

sofreram mais do que nós e, por isso, tudo lhes deve ser perdoado.

Maior sinceridade, porém, um desejo mais lúcido pelo melhoramento real da

vida do homem na terra, um sentido de responsabilidade mais agudo pelo que


resta a

fazer, um espírito maior de sacrifício e de heroísmo pela conquista objetiva


do
progresso, - ninguém os teve como os tem o homem moderno.

É essa a nova atitude espiritual: a ciência tornou possível o bem do homem

nesta terra e nós temos a responsabilidade de realizá-lo pela revisão completa


da

velha ordem tradicional do "vale de lágrimas". Êsse nôvo homem,


independente e

responsável é o que a escola progressiva deve vir preparar.

A segunda grande diretriz de vida moderna, é o industrialismo, como a nova

visão intelectual, do homen, também filho da ciência e da sua aplicação à


vida.

A indústria está tornando possível a completa exploração dos recursos


materiais

do planêta e, mais do que isto, está articulando e integrando a terra inteira.


Graças à

máquina, não sòmente o homem multiplicou o rendimento de seu trabalho -


na

América, o trabalho atual de um homem equivale ao de 40 homens


fìsicamente válidos

- como pela facilidade do transporte e da comunicação criou uma nova

interdependência entre todos os pontos do globo. Não sòmente somos


imensamente

mais ricos, como temos, além disto, um sentimento nôvo de profunda


dependência dos

demais centros de produção ou de cultura.

A indústria está integrando o mundo inteiro em um todo interdependente.


Não

só a matéria-prima, mas a idéia e o pensamento, hoje são propriedades


comuns de

todo homem. O vapor, o trem, o automóvel e o aeroplano, como o telégrafo,


o

telefone, o rádio, e a televisão põem todo o mundo em comunicação material


e

espiritual.

Essa enorme unidade planetária, apenas esboçada, há de se refletir

profundamente na mentalidade do homem moderno, que tem que pensar em


têrmos

muito mais largos do que o do seu esplêndido isolamento local ou nacional de


outros

tempos.

A "grande sociedade" está a se constituir e o homem deve ser preparado para

ser um membro responsável e inteligente dêsse nôvo organismo.

Mais perto de nós, porém, um outro efeito da indústria é o de retirar à família


as
suas antigas funções econômicas. Uma por uma, as velhas funções caseiras
do

preparo da roupa, do alimento, da diversão, etc., foram destacadas para a


fábrica ou

para a indústria.

A família com isso se está alterando profundamente. O homem moderno não

trabalha em casa e não se diverte em casa. Em centros muito adiantados, o


antigo

lar, tão decantado, não é mais do que o "lugar onde alguns indivíduos voltam,
à noite,

para dormir".

Um outro aspecto é o da superespecialização do trabalho na grande indústria.

O trabalho torna-se com isto uma simples tarefa, desintegrada na vida do


homem, que

sente, assim, cada vez mais, que êle é uma simples "peça da máquina", não
havendo

lugar para pensar, nem para ter essa natural satisfação de saber o que está
fazendo e

que o que está fazendo vale a pena.

Dessa desintegração das pequenas unidades anteriores - o trabalho individual,

o lar, a cidade e a própria nação até a vinda da grande integração da "grande

sociedade" - muitos problemas têm de ser resolvidos e mais uma vez se há de


exigir
do homem mais liberdade, mais inteligência, mais compreensão, se é que não

queremos ficar em uma simples interdependência mecânica e degradante.

E todos êsses problemas são problemas para a educação resolver.

A terceira grande tendência do mundo contemporâneo, é a tendência

democrática. Democracia é, essencialmente, o modo de vida social em que


"cada

indivíduo conta como uma pessoa". O respeito pela personalidade humana é a


idéia

mais profunda dessa grande corrente moderna.

Nessa nova vida social, o homem não só terá oportunidade para a expressão

máxima dos seus valôres, como lhe assistirá permanentemente o dever de se


exprimir

de sorte a não reprimir valôres de ninguém, mas, antes, facilitar a máxima


expressão

de todos êles.

É curioso notar que de tôdas as correntes modernas, essa de respeito pelo

homem, ou democracia, é a que mais de longe se filia à ciência. Não falta


quem diga

que antes a ela se opõe. Mas, democracia é, acima de tudo, um modo de vida,
uma

expressão ética da vida, e tudo leva a crer que o homem nunca se encontrará
satisfeito

com alguma forma de vida social que negue essencialmente a democracia.

Dois deveres se depreendem dessa tendência moderna e se refletem

profundamente em educação: o homem deve ser capaz, deve ser uma


individualidade,

e o homem deve sentir-se responsável pelo bem social. Personalidade e


cooperação

são os dois pólos dessa nova formação humana que a democracia exige.

Essas tendências da civilização atuam sôbre a escola no sentido de sua

transformação. Graças ao desenvolvimento da ciência e sua aplicação à vida

humana, não só as condições materiais da vida mudam, dia a dia, como a


própria

visão do homem sôbre a vida. Acima de qualquer outro aspecto, ressalta,


quanto a

êsse ponto, o desapêgo aos velhos sistemas autoritários do passado, sejam


êles

tradicionais ou religiosos. Êsse desapêgo é mais acentuadamente pronunciado


entre

os moços. A noçao atual de liberdade envolve, caracterìsticamente, a


capacidade de

se orientar exclusivamente por uma autoridade interna.


Nenhuma autoridade exterior é hoje aceita. As idéias e os fatos são
examinados

nos seus méritos e resolvidos de acôrdo com as luzes da razão de cada um.
Êsse

nôvo homem, com hábitos novos de adaptabilidade e ajustamento, não pode


ser

formado pela maneira estática da escola tradicional que desconhecia o maior


fato da

vida contemporânea: a progressão geométrica com que a vida está a mudar,


desde

que se abriu o ciclo da aplicação da ciência à vida.

Podemos perceber a nova finalidade da escola, quando refletimos que ela


deve

hoje preparar cada homem para ser um indivíduo que pense e que se dirija
por si, em

uma ordem social, intelectual e industrial eminentemente complexa e


mutável. Antes a

escola suplementava, com algumas informações dogmáticas, uma educação


que o lar

e a comunidade ministravam ao indivíduo, em uma ordem, por assim dizer,


estática.

Tôda educação consistia em ensinar a seguir e a obedecer.

Hoje, sem nenhum exagêro, se quisermos que a nova ordem de coisas


funcione

com harmonia e integração, precisamos que cada homem tenha as qualidades


de um

líder. Pelo menos a si, êle tem que guiar e tem que fazê-lo com mais
inteligência,

mais agilidade, mais hospitalidade para o nôvo e imprevisto, do que os


vellios líderes

autoritários de outros tempos.

Não seriam, pois, precisas outras razões que as da profunda modificação


social

por que vamos passando para justificar a alteração profunda da velha escola

tradicional - preparatória e suplementar - na escola progressiva de educação


integral.

A escola é o retrato da sociedade a que serve. A escola tradicional


representava

a sociedade que está em vias de desaparecer.

É fácil demonstrar como todos os pressupostos em que a escola se baseava

foram alterados pela nova ordem de coisas e pelo nôvo espírito de nossa
civilização.

A escola progressiva não pretende, por sua vez, apoiar-se senão nesses fatos e

nessa nova mentalidade. Como a escola tradicional, ela é a réplica da


sociedade

renovada em que vivemos.

I - A escola pressupôs, e com razão, que a educação se fazia no lar e na vida


da
comunidade, cabendo-lhe, tão sòmente, suplementá-la, dando oportunidade
para a

aquisição dos instrumentos fundamentais da cultura: ler, escrever e contar, e,


mais,

informações e fatos de natureza livresca, que o aluno assimilaria e mais tarde


poria em

prática.

II - A escola pressupôs uma ordem estática para o mundo, cabendo-lhe


preparar

a criança para cumprir, quando adulta, o seu papel, que, substancialmente,


seria o

mesmo de seus pais.

Ill - A escola pressupôs que, no interêsse da tranqüilidade, deveria manter,


pelo

dogmatismo intransigente de seu ensino, as aprovadas atitudes sociais, ou


morais, ou

religiosas. Tão bem andaram as escolas nessas funções, que Igreja e Estado,

geralmente, porfiavam por seu contrôle, certos de que êsse seria o melhor
modo de

garantir a permanência de seus credos religiosos ou patrióticos.

IV - De acôrdo com essa teoria, a escola pressupôs que não tinha mais que

ensinar às crianças certas técnicas e certos fatos e certos modos de proceder,


que as

preparassem para o período de adulto, futuro que se supunha perfeitamente


conhecido.

Assim a escola nada mais era do que uma casa onde as crianças aprendiam o

que lhes era ensinado, decorando as lições que os professôres marcavam,


depois

tomavam, e que lhes forneciam elementos de informação e saber, que só mais


tarde

deveriam utilizar.

Tôdas as noções, mesmo pedagógicas, relativas à escola tradicional se

prendem a êsses pressupostos.

Estudo - é o modo de aprender uma lição. Aprender significa aceitar e fixar,


na

memória ou no hábito, um fato ou uma habilidade. Ensinar, simplesmente


uma

doutrinação daqueles fatos ou conceitos. O ciclo era simples: o professor


prelecionava,

marcava a seguir a lição e tomava-a no dia seguinte. Os livros eram feitos


adrede, em

lições. Os programas determinavam o período para se vencerem tais e tais


lições.

Exames, que verificavam se os livros ficaram aprendidos, condicionavam as

promoções. O aluno bom era o mais dócil a essa disciplina, aquêle que
melhor se

adaptava a êsse processo livresco de se preparar para o futuro.


Ora, tal escola, simplesmente suplementar e preparatória, é inadequada para
a

situação em que nos achamos.

E o é, sobretudo, porque a educação que a criança recebia diretamente da

família e da comunidade perdeu o seu antigo caráter de eficiência e


integração. E os

deveres que cabiam antes a essas duas fôrças educativas, vieram acrescer os

primeiros deveres puramente suplementares da escola.

Porque, convém observar, nunca se deixou de julgar que a criança se educa,

vivendo. Era a sua vida familiar e a sua vida social que a educavam. A escola

simplesmente ensinava certas artes e certos conhecimentos necessários lá


para fora,

onde a sua vida e a sua educação transcorriam.

Mas, hoje, a vida de família já não é, como em outros tempos, uma


instituição

de educação integral, e a vida social tornou-se tão eminentemente complexa


que

oferece à criança, para sua visão e análise, apenas aspectos fragmentários do


seu

todo; por outro lado, essas instituições ganharam uma certa velocidade de

transformação, que não lhes permitem ser conscientes de sua ação educativa.
Não

só essa ação é mais vaga e menos direta, como a velocidade de,


transformação lhes

impede exercê-la com lucidez e consciência.

A necessidade, pois, de a escola tomar, em grande parte, a si, as funções da

família e do meio social, corresponde a uma verdadeira premência dos nossos


tempos,

se quisermos dar às nossas crianças a oportunidade de se adaptarem e se


ajustarem

à ordem social do nosso vertiginoso presente.

Daí o relêvo impressionante que ganhou o movimento educativo. Estamos


com

responsabilidades dobradas, diante do fracasso por que as instituições


tradicionais de

educação estão passando com o advento da nossa era. E tais deveres se


refletem,

sobretudo, nos responsáveis pela educação escolar, porque a êles cabe


reorganizar a

escola para o fim de servir às novas funções que lhe dita o atual momento de

civilização.

A reorganização importa em nada menos do que trazer a vida para a escola. A

escola deve vir a ser o lugar onde a criança venha a viver plena e
integralmente. Só

vivendo, a criança poderá ganhar os hábitos morais e sociais de que precisa,


para ter
uma vida feliz e integrada, em um meio dinâmico e flexível tal qual o de
hoje.

Se a escola deve, assim, mais do que informar e ensinar algumas artes úteis,

preparar a criança para ser boa, serviçal, operosa, tolerante e forte, como pode
ela

obter tudo isso pelo velho sistema de disciplina e lições? Como posso eu
marcar uma

lição de bondade, uma lição de tolerância, de simpatia, de entusiasmo? Só


uma

situação real de vida pode fazer com que a criança aprenda essas atitudes
sociais

indispensáveis à vida moderna.

A escola precisa dar à criança não sòmente um mundo de informações

singularmente maior do que o da velha escola - só a absoluta necessidade de


ensinar

ciência fôra bastante para transformá-la - como ainda lhe cabe o dever de
aparelhar a

criança para ter uma atitude crítica de inteligência, para saber julgar e pesar
as coisas,

com hospitalidade mas sem credulidade excessiva; para saber discernir na


formidável

complexidade da integração industrial moderna as tendências dominadoras,

discernimento que há de habituá-la a não perder a sua individualidade e a ter

consciência do que vai passando sôbre ela pelo mundo afora; e ainda, para
sentir, com

lúcida objetividade, a interdependência geral do mundo e a necessidade de


conciliar o

nacionalismo com a concepção mais vigorosa da unidade econômica e social


de todo

o mundo.

Isso com respeito ao próprio aspecto externo da civilização. E com relação ao

que poderíamos chamar a sua estrutura espiritual, com relação ao espírito


democrátlco

moderno?

Primeiro, a escola deve prover oportunidade para a prática da democracia - o

regime social em que cada indivíduo conta plenamente como uma pessoa.

Democracia na escola importa em democracia para o mestre e democracia


para o

aluno, isto é, um regime que procure dar ao mestre e aos alunos o máximo de
direção

própria e de participação nas responsabilidades de sua vida econômica.

Segundo, como democracia é acima de tudo o modo moral da vida do homem

moderno, a sua ética social, a criança deve ganhar através da escola êsse
sentido de

independência e direção, que lhe permita viver com outros com a máxima
tolerância,

sem, entretanto, perder a personalidade.


Devemos ter sempre presente que a escola não vai dar soluções já feitas à

nossa juventude. Tudo que podemos fazer é dar-lhe método e juízo, para lutar
com

os problemas que vai encontrar, e o sentido da responsabilidade social que


lhe assiste

na solução dêsses problemas.

Em democracia não há senão uma tendência fixa: a busca do maior bem do

homem. Como tal, é essencialmente progressiva e livre, e para o exercício


dessa

forma social progressiva e livre, precisa-se de homens conscientes,


informados e

capazes de resolver os seus próprios problemas.

É êsse o fim da escola, a êsse respeito: ajudar os nossos jovens, em um meio

social liberal, a resolver os seus problemas morais e humanos.

Que enormes, pois, são as novas responsabilidades da escola: educar em vez

de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um


futuro

incerto e desconhecido em vez de transmitir um passado fixo e claro; ensinar


a viver

com mais inteligência, com mais tolerância, mais finamente, mais


nobremente e com

maior felicidade, em vez de simplesmente ensinar dois ou três instrumentos


de cultura
e alguns manuaizinhos escolares ...

Para essa finalidade, só um nôvo programa, um nôvo método, um nôvo

professor e uma nova escola - podem bastar.

C) Fundamentos psicológicos

da transformação escolar

Até o presente, nada mais fizemos do que insistir nas exigências novas que
uma

ordem social, em transformação, faz sôbre a escola.

Como a escola deve ser uma réplica da sociedade a que ela serve, urge

reformar a escola para que ela possa acompanhar o avanço "material" de


nossa

civilização e preparar uma mentalidade que moral e espiritualmente se ajuste


com a

presente ordem de coisas. Além disso, porém, uma visão mais aguda do ato
de

aprender vem em muito alterar a psicologia da escola tradicional.

Aprender significou durante muito tempo simples memorização de fórmulas

obtidas pelos adultos. O velho processo catequético de pergunta e resposta é


um

exemplo impressionante disto. Decorar um livro era aprendê-lo. Mais tarde,

começou-se a exigir que se compreendesse o que era decorado. Um passo


mais, foi o
de exigir do aluno que repetisse, com palavras próprias, o que se achava
formulado

nos livros. Não bastava decorar, não bastava compreender, era ainda
necessária a

expressão verbal pessoal, e então, sim, estava aprendido o assunto.

A nova psicologia veio provar não ser isso ainda suficiente. Aprender é
alguma

coisa mais. Fixar, compreender e exprimir verbalmente um conhecimento não


é tê-lo

aprendido. Aprender significa ganhar um modo de agir. Dito assim, parece

excessivamente limitado. Para muita habilidade puramente mecânica, nao há


dúvida.

Aprender significa a aquisição de uma determinada habilidade. Mas, uma


idéia?

Aprende-se uma idéia ganhando um nôvo modo de proceder ou agir? É


exatamente o

que se dá. Aprendemos, quando assimilamos uma coisa de tal jeito que,
chegado o

momento oportuno, sabemos agir de acôrdo com o aprendido. A palavra agir


tem

vulgarmente um sentido estreito de ação material. Mas um ato é sempre uma


reação a

uma situação em que nos encontramos. Reagimos contra estímulos que


recebemos

por meio dos sentidos internos ou externos. E o que aprendemos é sempre


uma forma

especial de reação.

Quando é que aprendemos - dois mais dois são quatro? Quando diante de

qualquer situação que sugira esta resposta, o nosso organismo a dê


fatalmente. O que

aprendemos tem assim uma fôrça de projeção que nos força a reagir daquele
modo

diante, suponhamos, da pergunta: 2 x 2 igual a quê?

Ora, do mesmo modo que fixamos a resposta específica para essa situação,
do

mesmo modo aprendemos qualquer outra coisa. Uma habilidade, uma idéia,
uma

emoção, uma atitude, um ideal, aprendemo-lo do mesmo modo, fixando uma


certa

reação do organismo a uma certa coisa.

Não aprendemos uma idéia quando apenas sabemos formulá-la, mas quando
a

fizemos de tal modo nossa, que passa a fazer parte do próprio organismo e
exigir de

nós, quase automàticamente, uma reação ou uma série de reações especiais.

Logo, não se aprende senão aquilo que se pratica. Aprender é um processo

ativo de reagir a certas coisas, selecionar reações apropriadas e fixá-las


depois no
organismo. Não se aprende por simples absorção.

Chegou-se, hoje, a fixar certas interpretações gerais do ato de aprender, que


se

podem chamar de “leis”. As duas mais importantes são a de prática e efeito e


a de

inclinação (“readiness”).

Pela primeira, afirma-se que aprendemos, pela prática, certas reações que

ocasionam certos efeitos e não aprendemos outras. As reações que não nos

satisfazem, tendemos a não repeti-Ias e, portanto, a não as aprender.

A primeira fonte da aprendizagem está, assim, nas necessidades físicas,

intelectuais ou morais do organismo. Tais necessidades, no homem, são


imensamente

variáveis e dependentes do ambiente social, dos hábitos, das atitudes e das

informações que tem o indivíduo que aprende.

O mais importante, no momento, é notar como o ato de aprender depende

profundamente de uma situação real de experiência onde se possam praticar,


tal qual

na vida, as reações que devemos aprender e, não menos profundamente, do


propósito

em que estiver a pessoa de aprender essa ou aquela coisa.

Uma situação real de experiência. - Não se aprendem sòmente idéias ou

fatos, aprendem-se ainda atitudes, ideais, apreciações. Para aprender uma


idéia, ou

informação, eu posso preparar, mesmo na escola tradicional, um ambiente


eficaz.

Devo, apenas, dispor as condições para o exercício daquele conhecimento


nôvo - a

água é composta de oxigênio e hidrogênio, por exemplo - e praticar com a


criança até

que ela aprenda.

Mas se eu quiser ensinar a urna criança a ser boa, não há meio de fazê-la

praticar bondade e ter as satisfações que o exercício de bondade pode trazer,


sem

que, na escola, haja condições sociais reais que desenvolvam o sentimento de

bondade.

Não se pode praticar tolerância ou bondade como se pratica aritmética.

Logo, se a escola quer ter uma função integral de educação, deve organizar-se

de sorte que a criança encontre aí um ambiente social em que viva


plenamente. A

escola não pode ser uma simples classe de exercícios intelectuais


especializados.

Assim, é a nova psicologia de aprendizagem que obriga a transformar a


escola

em um centro onde se vive e não em um centro onde se prepara para viver.

Propósito ou intento do aluno. - A lei do efeito nos diz que não aprendemos
tudo que praticamos, mas aquilo que nos dá prazer ou satisfação.

Êsse prazer ou satisfação dependem, porém, essencialmente do propósito ou

intento do indivíduo que vai aprender. Se eu quero aprender a fazer uma certa

carambola ao bilhar e passo a exercitar-me com as bolas, tanto me aproveito


com os

golpes errados quanto com os certos. Os primeiros golpes, eu os desaprendo


de fazer

e os segundos, os certos, eu os aprendo.

O propósito ou intento de aprender os segundos, fêz-me aprendê-los.

O mesmo sucede com relação aos demais atos de aprender. O desejo do


aluno,

o seu interêsse para usar a palavra consagrada, orienta o que vai êle aprender.

Outro aspecto tremendamente importante da nova psicologia do ato de

aprender, é que não se aprende nunca uma só coisa.

Imaginemos uma criança que aprende a escrever. Tôda a sua atividade física

está empenhada nisso. Os músculos do braço e da mão, a cabeça, o pescoço,


o

tronco, tudo está em movimento. Várias sensações de pressão, de esfôrço de

respiração, ela está experimentando. Tôda a sua atividade mental também


trabalha.

Observa, recorda, imagina, planeja processos especiais, experimenta de um


modo e
de outro. Mais do que isso, porém, ela sente. Pode estar satisfeita ou
aborrecida,

esperançada ou desanimada. Para com o escrever, para com a classe, para


com os

colegas, para com o professor e para com a própria vida, a criança está ali

experimentando uma atitude favorável ou desfavorável que lhe será útil ou


prejudicial.

De sorte que se aprende não só o objetivo primário, que se queria aprender,

como várias outras coisas associadas ou concomitantes, o que torna o ato de


aprender

sumamente complexo.

Muitas vêzes, isso que se está aprendendo, concomitantemente ou por

associação, é mais importante do que o objeto direto do estudo. Ora, a escola

tradicional nunca percebeu que, em uma lição de aritmética, podia estar


ensinando as

crianças a não terem coragem, a não serem sociais, a alimentarem complexos


de

inferioridade, etc., de que iriam sofrer por tôda a vida.

Então vemos como a velha escola, onde as crianças iam para fazer aquilo que

não queriam, com uma disciplina semi-militar, está profundamente


inadequada não só

para a sociedade presente, como para a própria concepção moderna da

aprendizagem.
*

**

Diante de tudo isto, de que escolas precisamos nós?

Conforme KILPATRICK, a escola que pode satisfazer as exigências sociais e

pedagógicas que apontamos atrás, deve ser:

1) Uma escola de vida e de experiência para que sejam possíveis as

verdadeiras condições do ato de aprender.

2) Uma escola onde os alunos são ativos e onde os projetos formem a


unidade

típica do processo da aprendizagem. Só uma atividade querida e projetada

pelos alunos pode fazer da vida escolar uma vida que êles sintam que vale a

pena viver.

3) Uma escola onde os professôres simpatizem com as crianças, sabendo que

só através da atividade progressiva dos alunos podem êles se educar, isto é,

crescer, e que saibam ainda que crescer é ganhar cada vez melhoes e mais

adequados meios de realizar a própria personalidade dentro do meio social

onde se vive.

Tal escola é totalmente diversa da escola tradicional, onde os alunos recebem

um tarefa e sofrem uma ordem imposta externamente.

Para a escola progressiva as matérias são a própria vida, distribuída por


“centros de interêsse ou projetos”. Estudo - é o esfôrço para resolver um
problema ou

executar um projeto. Ensinar - é guiar o aluno na sua atividade e dar-lhe os


recursos

que a experiência humana já obteve para lhe facilitar e economizar esforços.

**

O fenômeno educativo, na frase de DEWEY, é a reconstrução da experiência,


à

luz da esperiência atual. Diante dessa concepção, confirmada pela presente

psicologia, o processo educativo se opera em uma situação real de vida, onde


o que é

aprendido funciona com o seu caráter próprio, e produz as suas naturais

conseqüências. Além disto, para que a aprendizagem seja integradora, o que


vale

dizer educativa, a situação escolar e a vida do aluno devem ajustar-se e


harmonizar-se

como um todo contínuo.

Diante disto, como organizar a escola sob a base de matérias a estudar? A

única matéria para a escola é a própria vida, guiada com inteligência e


discriminação,

de modo que a façamos progressiva e ascensional.

Está claro que não vamos fazer a criança repetir a experiência racial tôda,
desde o princípio. Isso seria, como diz DEWEY, simplesmente estúpido,
porque

impossível. As experiências e as atividades escolares hão de ser sempre


selecionadas

e, para elas, o concurso da experiência do passado, sempre inestimável.

Seleção e organização das experiências escolares não representarão, porém,

nunca dar prontinhos às crianças os resultados formulados pelos adultos em


seus

compêndios finais.

Imaginemos que algumas crianças desejam fazer uma reprêsa. Está aí uma

atividade que é delas e que representa uma situação real de vida, porque
várias vêzes

foram até êsse pequeno rio e sempre cogitaram de ter ali um reservatório de
água

maior, para que pudessem tomar banho, suponhamos.

Metem mãos à obra. O professor sugere estudar o assunto. Antes delas, tôda a

humanidade fêz reprêsas. Os meninos vão buscar livros, examinam,


averiguam,

aprendem. Aí está como a experiência já ganha da espécie entra na atividade

escolar.

Está aí como os livros podem e devem ser utilizados. Nem por isso a situação

deixou de ser uma situação real de vida e de experiência.


Se a própria concepção da aprendizagem impõe hoje tal organização escolar,

que diremos se refletirmos sôbre as novas funções da escola? Como pode


uma

escola que não seja, realmente, de vida, dar à criança os hábitos sociais que,

conforme as nossas considerações anteriores, são indipenáveis ao próprio


bem-estar

da comunidade democrática em que vivemos?

**

Corolário imediato de uma escola de experiência e de vida é que os alunos

sejam ativos. Em vez da velha escola de ouvir, a nova escola de atividade e


de

trabalho.

Não basta, porém, que os alunos sejam ativos. É necessário que êles
escolham

as suas atividades. Vimos o papel que têm na aprendizagem o intento, o


propósito e o

interêsse do aluno. Se só se aprende o que sucede ou o que satisfaz, aquilo


que a

criança entende, em cada caso, como sucesso, é sumamente importante.


Ponhamos

uma criança a praticar tênis. Se não tem interêsse no jôgo e não quiser
aprender tais e
determinados golpes, poderá exercitar tôda a sua vida e nada aprenderá. Os

insucessos não a aborrecem, nem lhe dão prazer os sucessos. Umas e outras

experiências lhe passarão pelo organismo sem nêle deixar mossa.


Possìvelmente

aprenderá uma porção de coisas, associadas ou concomitantes: desgôsto pelo

esporte, má vontade contra o professor, etc., etc.

Não precisamos, pois, insistir no ponto. É indispensável, como diz

CLAPARÈDE, que as crianças não façam tudo o que quiserem, mas queiram
tudo o

que fazem.

Podemos resumir, com KILPATRICK: “desde que um interêsse ativo guie os

alunos a se empenharem em empreendimentos adequados - nem muito


difícies nem

muito fáceis - tanto maior probabilidade de sucesso haverá com todos os bons
efeitos

que o sucesso traz: melhores serão as condições de aprendizagem total, e


melhor será

a organização escolar resultante”.

E, por outro lado, só em uma vida onde todos trabalham com o sentimento e

que participam, como indivíduos, da atividade coletiva, que é também a sua,


podem-se

realizar as condições de responsabilidade e de prazer que são indispensáveis


para o
crescimento educativo dos alunos e para a sua progressiva participação na
sociedade

adulta.

**

Tôda educação até hoje foi autocrática! Os mestres sofriam a autocracia dos

administradores, e as crianças, a dos mestres. Na reorganização democrática


das

escolas, a uns e outros tem-se que dar independência. Educar é uma arte tão
alta

que não se pode subordiná-la aos métodos de imposição possìvelmente


adaptáveis às

tarefas mecânicas. Mestres e alunos devem trabalhar em liberdade e à luz do


que o

filósofo e o cientista esclarecerem sôbre a profissão dos primeiros e o labor


dos

últimos.

Mas assim como o administrador deve confiar no mestre, deve o mestre


confiar

no aluno. Perca para sempre a idéia de que lhe cabe qualquer soberania sôbre
o

pensamento do seu discípulo. Dê-lhe oportunidade para pensar e julgar por si.
Os

problemas dêle só poderão ser resolvidos por êle. Êle vai viver a vida um
passo

adiante do mestre. Com as novas responsabilidades que vai assumir, dê-se-


lhe nova

liberdade de pensar.

Não passe pela cabeça de ninguém que isso seja completa anarquia. Tão

habituados estamos a impor nossas fórmulas, que parece que o dia em que
elas

desaparecerem, desaparecerá a ordem.

Lembremos que estamos passando de uma civilização baseada em uma

autoridade externa, para uma civilização baseada na autoridade interna de


cada um de

nós.

E com a nova civilização, o que desejamos é uma vida melhor e mais ampla.
A

única finalidade da vida é mais vida. Se me perguntarem o que é essa vida, eu


lhes

direi que é mais liberdade e mais felicidade. São vagos os têrmos. Mas, nem
por

isso êles deixam de ter sentido para cada um de nós. À medida que formos
mais livres,

que abrangermos em nosso coração e em nossa inteligência mais coisas, que

ganharmos critérios mais finos de compreensão, nessa medida nos sentiremos

maiores e mais felizes.


A finalidade da educação se confunde com a finalidade da vida. No fundo de

todo êste estudo paira a convicção de que a vida é boa e que pode ser tornada
melhor.

É essa a filosofia que nos ensina o momento que vivemos. Educação é o


processo de

assegurar a continuidade do lado bom da vida e de enriquecê-lo, alargá-lo e


ampliá-lo

cada vez mais.

Na escola progressiva cujos lineamentos se comentaram aqui, não se busca

outra coisa senão a permanente reconstrução da vida para maior riqueza,


maior

harmonia e maior liberdade, dentro do ambiente de transformação e de


progresso que

a era industrial inaugurou.

CAPíTULO III

Diretrizes da educação

e elementos de sua técnica

A) A criança - centro da escola. Respeito pela personalidade infantil.

Tendência a se extremar do movimento de reconstrução escolar. Visita a uma


escola

experimental. Equilíbrio recomendável.

B) Reconstrução dos programas escolares. Teoria de educação que a


fundamenta. O processo educativo, no seu todo. Os programas - parte ou
fator

nesse processo total. Teoria da aprendizagem. lntegração e isolamento da

aprendizagem. Atividades "intrínsecas" e "extrínsecas". Vida presente da


criança e

experiência da espécie. Atividade infantil e "textos" e "compêndios". Parte


dos

programas que pode ser prèviamente traçada. Programas "mínimos". Função


do

professor na elaboração dos programas. A objeção da ausência de


sistematização

do ensino.

C) Organização psicológica das "matérias" escolares. Matérias escolares ou

matérias de estudo. Conceito classico. Conceito moderno. Matérias de estudo


para o

"especialista": organização lógica. Matérias de estudo para a "criança":


organização

psicológica. Análise da idéia quanto a uma das matérias escolares.


Dificuldade do

ensino pela organização puramente lógica. Os programas escolares para uso


do

professor. O ensino por meio de "projetos". A organização dos


conhecimentos do

aluno. Conclusão.
A) A criança - centro da escola

ONJUGAM-SE, em tôrno da escola, as mesmas tendências e as mesmas

C sp

irações que marcam a evolucão social. Dentre essas aspirações e tendências

se destaca, com mais vigor, a de liberdade. Comparados os nossos tempos,


ainda

com os de um passado próximo, se não podemos dizer que o homem tenha


vingado

na sua aventura de felicidade, podemos assegurar que vai vencendo na sua


aventura

de liberdade (1).

Percorreu a escola o mesmo sôpro impetuoso de filosofia individualista que

varreu da sociedade restrições religiosas espirituais e políticas opostas à


liberdade dos

homens. Considerai, dizia KANT, tôda a pessoa sempre como um fim em si


mesma e

nunca como um meio. Êsse velho princípio caracteriza uma das diretrizes
mais

essenciais do movimento de reconstrução escolar. A criança não mais como


um meio,

mas como um fim em si mesma. A personalidade infantil aceita, respeitada,


ouvida, e
não mais ignorada ou, conscientemente, reprimida.

1 O têrmo “liberdade” é usado aqui significando expansão da personalidade


humana, aumento dos seus podêres de

ação e diminuição progressiva de restrições externas sôbre o pensamento.

A frase de JOHN DEWEY é típica. “Trata-se de uma transformação, diz êle,


que

se compara com a de Copérnico em nosso sistema planetário”. O eixo da


escola se

desloca para a criança. Não é mais o adulto, com os seus interêsses, a sua
ciência, a

sua sociedade, que governa a escola; mas a criança, com as suas tendências,
os seus

impulsos, as suas atividades e os seus projetos.

Para os elementos mais radicais, o problema se pôs em têrmos claros. A

criança é a origem e o centro de tôda a atividade escolar. A sua atividade


impulsiva e

espontânea deve governar a escola, que se transforma em um pequenino


mundo feito

à sua imagem e semelhança.

O sentimento de respeito pela personalidade infantil, os estudos psicológicos

que vieram demonstrar a necessidade de uma formação livre e espontânea


para a

expressão harmoniosa do indivíduo, como ainda a convicção de que o


homem se
desenvolve naturalmente para um ajustamento social perfeito - concorreram
para a

reorganização escolar. Levados às últimas conseqüências, êsses princípios


nos

conduziram a certas escolas experimentais de nossos dias.

Visitei, por mais de uma vez, várias dessas escolas, em vários e diversos

centros de civilização.

Nada aí lembra as escolas tradicionais que estamos habituados a ver. São

casas de crianças, onde a vida corre alegre, divertida, cheia de côres,


movimento, riso

e som. As classes são salas de bric-à-brac. Há de tudo. Em uma adorável

desordem. Os alunos - tal nome não tem sequer sentido nessas escolas - por
tôda a

parte, em conversa, trabalhando, planejando, presidindo clubes ou discutindo


coisas a

fazer. Nesta sala, tôda uma cidade armada no chão. Com linhas de bonde, luz
elétrica,

correios, corpo de bombeiros, tudo enfim que constitui uma cidade. Um


grupo de 30

crianças ergueu-a do chão em um ou dois anos de atividade. A iniciativa e o


espírito

social dessas crianças parecem milagres. Adiante, um estudo sôbre


transporte.

Todo um museu de gravuras, de modelos e de exemplares reais de meios de


comunicação. Monografias interessantíssimas. Uma estranha aliança dos
recursos

técnicos dos nossos dias com a imprecisão das capacidades infantis. No


auditorium,

um concêrto de 200 crianças. Todos os instrumentos construídos pelas mãos


dêsses

meninos maravilhosos. A música, composta por aquêles artistas liliputianos.


Enfim,

sai-se com a impressão de um conto de fadas.

Quando se busca, como é inevitável, contrastar aquela infância com o que foi
a

nossa infância, as lágrimas nos vêm aos olhos. A doçura daquele espetáculo
desfaz,

entretanto, as amarguras da lembrança. E da visita fica, tão sòmente, uma


confiança

muito funda nos dias melhores, que já vêm chegando, dias em que a infância
seja

completamente feliz e os homens fortes e tranqüilos.

Até que ponto, porém, essas escolas são possíveis no mundo? Até que ponto

não se apagam aí valôres indispensáveis para a vida, como ela se organiza


hoje? Até

que ponto será possível generalizar as técnicas que se vão assim


desenvolvendo?

Tais escolas perderam tôdas as preocupações conscientes de preparar para o


futuro. Vivem a vida imediata dos desejos e dos impulsos. O professor segue,

dòcilmente, a vontade das crianças. As atividades são escolhidas ao sabor das

situações, para servir às experiências de cada dia. A escola é tôda ela flexível,
como a

natureza mesma. A filosofia que a fundamenta, a de uma confiança ilimitada


no

espírito infantil e a de um respeito religioso pela personalidade da criança.

O ímpeto com que se chega às extremas conseqüências da teoria serve par


nos

mostrar, com vidro de aumento, a tendência central da renovação escolar: o


respeito

pela individualidade infantil.

Entre êsse extremo e o outro extremo da escola tradicional, há tôda uma gama

de posições.

Nem vale a pena alguém se assustar com a perspectiva dessa liberdade sem

limites. O que há, é examinar se a tendência está certa e se tem fundamentos

científicos e sociais.

Os povos primitivos, conta HAROLD RUGG, costumavam enfaixar as


cabeças

das crianças para lhes dar as formas cônicas ou chatas, que os costumes
prescreviam.

Essa deformação física é bem mais inocente que a deformação mental a que
ainda
hoje nós, civilizados, submetemos os pequeninos cérebros infantis.

Na escola tradicional, com efeito, a ordem é exatamente oposta à da escola


que

vínhamos comentando. Aí a criança é o autômato. Está em uma fôrma que a

prepara para a vida futura. Obedece à autoridade do professor, à autoridade


do

programa, à autoridade do livro. Não há atenção às possíveis diferenças


individuais,

nem mesmo aos elementos fundamentais de uma personalidade. Como os

pequeninos cérebros enfaixados, pouco a pouco se deixam modelar pelo tipo


em série,

que a escola busca produzir, para perpetuar indefinidamente a sociedade


retardatária

e estática, de que é a reprodução.

A tendência de transformação se acentua no sentido de dar mais direitos à

criança, de considerar mais atentamente os seus impulsos, as suas


capacidades e as

suas diferenças, de fazer da sua vida atual uma coisa interessante, em si


mesma, e

não sòmente uma preparação para a vida de amanhã. Tal tendência se


encontra na

escola e se encontra na família. Por tôda parte a criança é mais bem tratada.

Começa-se a compreender que, supresso o castigo físico, urge suprimir a


coação
intelectual. A compressão nada pode produzir de bom. Esteja ela na
imposição de um

castigo físico ou de um estudo ininteligível, é sempre a geradora de


complexos, de

dissociações, de incompreensões, que vão impossibilitar o desenvolvimento

espontâneo e harmonioso.

Não é isso o resultado de nenhum sentimentalismo obscuro e imprevidente,

mas as conclusões a que chegaram filósofos e psicólogos sôbre a natureza do

fenômeno educativo.

Tudo está, com efeito, em se saber o que é educar.

Se educar é função de superposição, de acréscimo, de modelagem externa,

então está certa a escola tradicional. Isolem-se as atividades, limitem-se os


objetivos,

continuem-se os pequeninos exercícios. A educação se está sempre fazendo.

Mas se educar é uma função complexa de adaptação e crescimento do

organismo total da criança, pode-se de logo ver que a escola tradicional está
errada.

O organismo não pode ser treinado por partes. A sua atividade funcional de
educação

e vida, é essencialmente unitária. À escola deve transformar-se para prover


ambiente

complexo, como o ambiente da vida, onde a criança se desenvolva e se


eduque.
Essa revisão do conceito da educação obriga a revisão da escola.

Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais

autêntico da palavra. Alargada, dêsse modo, na sua compreensão, não a


podemos

encontrar nos processos mecânicos da escola tradicional. Como aí encontrar o


móvel

centralizador e harmonizador do crescimento ou da educação da criança, se


não há a

sua participação, nem o seu desejo, nem a sua atenção, e se a obra interna da

educação de nada disso pode prescindir ?

Não é sòmente o desejo de dar liberdade à criança que dirige os educadores, é

sobretudo a impossibilidade de a negar, se querem construir obra de educação

respeitável e sincera.

Dessa premissa da criança autônoma e livre é que temos de partir para a

aventura da reconstrução educacional.

As dificuldades repontam de todos os lados. Há, ainda, a falta de uma técnica

impessoal, o que eriça a obra de dificuldades supremas. Dentre todos os


problemas,

nenhum, porém, é mais delicado, mais difícil e mais fundamental do que o do

programa escolar.

B) Reconstrução dos programas escolares


Não precisamos repetir que o problema dos programas escolares, envolvendo
o

problema da própria marcha do processo educativo, está inteiramente prêso


ao

conceito de educação e à teoria geral de educação.

Seja lá qual fôr o programa adotado, alguma teoria de educação está nêle

implícita, governando-o, orientando-o, emprestando-lhe o critério para a


avaliação dos

resultados a que visa. Os objetivos que a teoria determinar para a educação,


êsses,

por fôrça, é que hão de governar a sua fatura, o seu método e o seu conteúdo.

Quando os objetivos da educação se circunscreviam à finalidade política e

intelectualista do século XIX, o problema de organizar o programa também


se

circunscrevia a uma seleção inteligente de matérias e de técnicas escolares,

destinadas a dar ao aluno um conjunto de informações e de hábitos, capazes


de

fazê-lo um cidadão leal ao regime, a que a escola servia, e com habilidade


bastante

para participar ùtilmente na economia própria e na de seu país. A aquisição


de certas

técnicas - leitura, escrita, aritmética, desenho e música: a memorização de


alguns

compêndios de geografia, história e ciência; e a educação de certa destreza


manual

em trabalhos de oficina e jardinagem, - nisso se resumia o programa. Como


dizia

GERARD, a escola visava a ensinar à criança tudo aquilo que ela, quando
adulto, não

podia ignorar.

A larga experiência escolar do século XIX, os estudos sôbre a criança e o

próprio caráter de nossa civilização vieram demonstrar que, não sòmente os


objetivos

colimados pela escola tradicional não eram real e efetivamente atingidos,


como ainda

que as novas condições estavam a exigir a transformação da própria


finalidade da

escola.

Com efeito, a escola e, na escola, o programa, são apenas partes de um todo:


o

processo educativo por que passa o homem desde que ingressa na vida. Nesse

processo, o característico essencial é que as experiências passadas afetam o

presente, transformam-se e, por meio dessa transformação, reagem sôbre o


próprio

futuro. Processo, assim, contínuo e progressivo, em que o homem e o seu


meio

mùtuamente se influenciam, modificando a própria vida. Tanto melhor, tanto


mais
perfeito é, quanto mais concorre para a transformação e ampliação da vida.

A aprendizagem resultante do processo educativo não tem outro fim, senão o


de

habilitar a viver melhor, senão o de melhor ajustar o homem às condições do


seu meio.

O currículo tradicional não discordava dessa orientação. Apenas julgava que


se

fôssem ensinados isoladamente algumas técnicas e alguns livros às crianças,


elas

depois os transportariam para a vida, tornando-a mais eficaz, mais cheia e


mais feliz.

Foi êsse isolamento da atividade escolar, que a veio perverter e inutilizar.


Nem

se aprendia realmente na escola, nem, muito menos, se transferiam


posteriormente

para a vida os resultados laboriosamente ganhos naquele trabalho. Daí


condenar-se a

orientação de preparação especializada e artificial para a vida. E condenar-se


a

orientação puramente informativa e intelectualista.

Ao invés disso, a escola deve ser uma parte integrada da própria vida, ligando

as suas experiências às experiências de fora da escola. Em vez de lhe caber

simplesmente a tarefa de transmitir os conhecimentos armazenados nos


livros, deve
caber-lhe a tarefa, muito mais delicada, de acornpanhar o crescimento
infantil, de

desenvolver a personalidade da criança.

Aprender não significa sòmente fixar na memória, nem dar expressão verbal
e

própria ao que se fixou na memória. Desde que a escola e a vida não mais se

distinguem, aprender importará sempre em uma modificação da conduta


humana, na

aquisição de alguma coisa que reaja sôbre a vida e, de algum modo, lhe
enriqueça e

aperfeiçoe o sentido.

Semelhante concepção de aprendizagem altera, substancialmente, o conteúdo

e os métodos da escola.

Está claro que não basta, para isso, aprender uma informação. Pode-se saber

tudo a respeito de dentes: a sua estrutura, a causa de suas cáries e de suas


moléstias

e, ainda assim, nada disso alterar a conduta prática na vida.

Só se aprende para a vida quando não sòmente se pode fazer a coisa de outro

modo, mas também se quer fazer a coisa dêsse outro modo. Só essa
aprendizagem

interessa à vida e, portanto, à escola. Tal aprendizagem é, inevitàvelmente,


mais

complexa do que a simples aprendizagem informativa. Nenhum processo


mecânico é

suficiente para a sua aquisição. A criança tem que ser levada em conta. E,
com ela,

os seus interêsses, os seus impulsos, os seus desejos, os seus receios, os seus

gostos e os seus aborrecimentos. Tudo isso contribui para que se aprenda ou


para que

não se aprenda. Para que se aprenda mal e para que se aprenda bem.

Ao lado da lição que se quer ensinar, vão-se também e simultâneamente

ensinando hábitos, disposições e atitudes, que têm maior importância


educacional do

que o objeto original de ensino.

A velha escola foge à dificuldade, continuando a ignorar ou agindo como se

ignorasse o que se passa com a criança. Na impossibilidade de considerar o


problema

em sua complexidade, reduz o programa a um conjunto de lições fixadas de


antemão e

que devem ser aprendidas. Sob o pretexto de preparar para o futuro, êsse
programa

se constitui de matérias de interêsse para a vida adulta. E a determinação de


isolá-las,

para o ensino, desliga-as do lugar natural que os conhecimentos têm na vida


adulta.

Não é, pois, sòmente a ignorância da criança e dos seus interêsses, é a


ignorância do
próprio sentido que a matéria tem na vida real, que constitui a falha mais
profunda dos

programas escolares usuais.

Desligados do sentido natural que têm na vida, aquêles conhecimentos não

podem ser realmente aprendidos. Em vez dêles, a criança aprende hábitos,


atitudes,

disposições que lhe falsificam o caráter, lhe retiram o espírito crítico e lhe
minam a

inteligência nas suas fontes vivas de originalidade e de iniciativa.

Em resumo, o êrro capital da pedagogia tradicional está no isolamento em


que a

escola e o programa se colocaram diante da vida. Aprender é uma função


normal da

criança e do homem. Mas, por isso mesmo, não se pode exercer senão na
matriz da

própria vida e dentro de certas condições essenciais. Essas condições devem


ser

atendidas, e não removidas. Primária entre tôdas elas, está a intenção de


quem vai

aprender. A vontade da criança ou do adulto é imprescindível para que o


aprendizado

seja real e integrado à própria vida. Seja um cálculo de aritmética ou seja uma

habilidade manual, a determinação de aprender é que faz com que as mesmas


sejam
aprendidas.

KILPATRICK classifica as atividades em "intrínsecas" à vida da criança e

"extrínsecas" a essa mesma vida, conforme participa delas, ou não, a vontade

intencional da criança. No segundo caso - atividades extrínsecas - o valor


ducativo é

duvidoso ou nulo. No primeiro caso - atividades intrínsecas - os resultados

educacionais são seguros e completos: a intenção do aprendiz articula com a


sua

personalidade a nova atividade, conduz e orienta os próprios esforços,


verifica os

resultados e lhe comunica o ímpeto necessário para novas atividades e


esforços

novos. Todos os males do isolamento ficam aí corrigidos. Não há isolamento


em

relação à posição real das coisas na vida corrente.

Apreciada, assim, não parece haver possibilidade de divergência, em teoria.

Todos estão de acôrdo em que educação não é um "instrumento estranho à


vida e que

aplicamos sôbre a vida para melhorá-la"; mas é o próprio processo de viver, o


próprio

processo de refazer, reconstruir e melhorar a vida.

Como, entretanto, conciliar essa teoria com a necessidade inelutável de


ensinar
às crianças o que é essencial que seja aprendido, com a necessidade
inelutável de

abreviar o processo dessa aprendizagem e com a necessidade inelutável de


ensinar as

grandes massas de crianças? Como organizar-se o programa, afinal, se não o

devemos organizar em lições e em matérias?

De acôrdo com a concepção que vimos defendendo, o programa deve

constituir-se com a série de experiências e atividades em que a criança se vai

empenhar na escola. Para a organização dêste programa, devemos levar em


conta

as atividades da vida presente, que sejam necessárias ou desejáveis, e os


processos

adquiridos pela experiência humana para conduzir essas atividades a bom


têrmo.

A vida da criança está em uma das extremidades e em outra, a suma da

experiência humana, representada pelas matérias escolares, pelos compêndios


e

pelos livros em geral. A função dessa experiência humana no processo


educativo

consiste em oferecer à criança a inspiração e, quando ela o necessite e


solicite, o

modêlo para sua aprendizagem individual.

O denominador comum das atividades infantis e dos aspectos perfeitos em


que
se condensou a sabedoria humana, está no conceito da experiência. As
atividades

infantis são os começos incertos e tateantes que devem conduzir à


experiência

organizada e lógica, já consubstanciada em livros. Essa última não representa


mais

do que o conjunto de leis e instrumentos já aperfeiçoados para solução das

dificuldades reais que a vida apresenta.

O currículo ou o programa deve ser, assim, a série de atividades educativas


em

que a criança se vai empenhar para progredir mais ràpidamente, de acôrdo


com a

sabedoria da experiência humana, em sua capacidade de viver.

Aceita essa concepção, o primeiro problema prático com relação aos


programas

é o de saber se essas atividades podem ser previstas, planejadas e organizadas

antecipadamente. Duas posições extremas são tomadas pelos educadores. De


um

lado, os que afirmam que o programa deve ser feito todo êle
antecipadamente, se não

queremos que o ensino venha a falhar ou se tornar confuso e ineficiente. De


outro

lado, os que dizem que experiências educativas não podem ser


predeterminadas, que
a natureza do processo educativo não permite um plano anterior, de tal modo
a sua

marcha é acidental e filha das circunstâncias em que opera.

Como quase sempre, uma solução intermediária é a mais consentânea com os

fatos e com a prática.

Antes de tudo, o programa deve ser extraído das atividades naturais da

humanidade. Ora, essas atividades, tendo a sua origem na natureza do


homem, são,

como tais, objeto de investigações e estudos, que as classificam, as definem e


as

organizam.

A espécie humana já acumulou, com relação ao modo de dirigir as suas

atividades, uma experiência muito longa, que se acha observada, catalogada e

condensada naquilo que chamamos matérias de estudo. Logo, de alguma


sorte, o

programa geral da escola está organizado antecipadamente.

Todo êsse material, porém, - sejam as atividades, sejam os conhecimentos e


as

leis que a experiência humana veio descobrindo - é tão rico e abundante, que
exige e

impõe uma seleção, à vista do valor educativo dos seus diferentes elementos.

Até que ponto o trabalho de seleção deve ser feito antecipadamente?


Aconselham os educadores a se levarem em conta as condições do

professorado. Existe, quanto à necessidade de planejar o programa, uma


verdadeira

gradação, conforme seja o treino e o preparo dos professôres. Alguns


professôres

serão tão bons, que qualquer determinação externa pode vir a prejudicá-los, e
alguns

outros serão tão deficientes, que a exclusiva orientação pessoal conduzirá

inevitàvelmente a desastre.

Dentro dessa escala, os programas podem ser prèviamente preparados, a fim

de marcar a orientação geral e fornecer elementos abundantes para permitir a


escolha

e para guiar e auxiliar os professôres na direção das classes. Devendo o


programa

consistir numa série de atividades que representem as atuais necessidades da


vida e

sendo essas necessidades, em seu quadro geral, mais ou menos permanentes,


é

sempre possível prefixá-Ias em um estudo central, que discrimine os


principais

objetivos da escola. No mesmo quadro, ainda é possível determinar, com a

necessária flexibilidade, muitas atividades particulares em que os alunos se


podem

empenhar para que venham a crescer e se desenvolver adaptadamente ao


meio em

que vivem.

Um corpo de educadores especializados pode organizar os planos gerais de

atividades, fazendo-as acompanhar das matérias necessárias, para que as


crianças as

empreendam com êxito.

Além disso, "programas mínimos", que compreendam o que deve ser


aprendido

pelas crianças, salvo dificuldade insuperável, podem ser também,


antecipadamente,

organizados.

O professor ou diretor da escola organizará, então, dentro dêsses limites


gerais,

o programa especial para cada classe, à medida que o trabalho progrida.

A unidade constitutiva do programa escolar é a atividade aceita pelo aluno e


por

êle devidamente planejada. As atividades devem ser tais, que levem os alunos
à

aprendizagem dos conhecimentos, hábitos e atitudes indispensáveis para


resolver os

problemas de sua própria vida. O papel do professor está em despertar os

problemas, torná-los sentidos ou conscientes, dar-lhes uma seqüência


organizada e
prover os meios necessários para que os alunos os resolvam, de acôrdo com o
melhor

método e os melhores conhecimentos.

Com relação às atividades concernentes aos problemas de alimentação, de

casa e de vestimenta, a escola, por intermédio de projetos devidamente


escolhidos,

porá o aluno em contato com os conhecimentos que se encontram na história


natural,

na agricultura, na geografia, nas artes industriais e na aritmética. Com relação


às

atividades de organização e regulamentação da vida cooperativa da classe e


da

escola, - o estudo do direito, da história e da literatura fornecerá objeto para

discussões, pelas quais se verá como a humanidade vem resolvendo êsses

problemas. Nos projetos de empregar ùtilmente o tempo de lazer e diversão, -


a

experiência da humanidade acumulada na literatura, na música, nas artes, nos


jogos e

nas danças será devidamente aproveitada. E em tôdas essas atividades, os

instrumentos da leitura, da escrita, do desenho, da aritmética e a habilidade


manual

terão sempre uma grande contribuição.

Organizada a escola dêsse modo, os fatos e os conhecimentos ficam


subordinados às atividades escolares em que a criança se empenha.

Aí está a grande objeção.

Então, organiza-se a escola para que aí se vá aprender uma coisa secundária,

incidente, ocasional? Como poderá a criança ter o seu saber organizado, se


ela o

ganha, assim, através de experiências gerais, que tornam difícil qualquer

sistematização?

Primeiro: não precisamos voltar ao princípio para dizer que pode êsse meio
não

ser ainda o melhor, mas só assim a criança realmente aprende alguma coisa.

Segundo: percamos a superstição da organização lógica, externa, em que se

acham os conhecimentos nos livros escolares.

A organização que vale é a que se faz em nosso próprio espírito, à medida


que

sentimos aumentar o nosso cabedal de conhecimentos e o sentimos


articulado, ligado

com as nossas experiências passadas, influindo em nossa ação presente e nos

fornecendo os meios para o enriquecimento progressivo de nossa vida.

A aprendizagem de fatos livrescos, presos aqui e ali em nossa memória,


quando

muito nos dá uma tôla e inútil erudição. Não é senão um meio-saber verbal,
que nada
cria nem produz. No melhor dos casos, fica essa erudição. Nos demais, tudo
que foi

aprendido assim, desligado da realidade e da vida, evapora-se, apenas


deixamos a

escola.

Não tenhamos, pois, receio de que as nossas crianças vão aprender menos.

Elas irão, muito provàvelmente, aprender mais e, sobretudo, irão aprender

eficazmente, com o sentido da realidade e da ação, destruindo-se, assim, o


flagelo do

ensino verbal e livresco, que nos tortura.

**

Não desconheço as grandes dificuldades de organizar um programa, com a

forma e a função que vimos enunciando. O problema, depois dessas


reflexões,

torna-se mais complexo. Não há uma fórmula fixa a prescrever. O perigo de


confusão

e de desperdício em uma escola organizada nessas bases é gritante.

Que fazer? Ficar com a velha organização, cuja falência já conhecemos?

Não. Atiremo-nos à tarefa, com o otimismo confortador de quem acredita que

as coisas devem ser melhoradas e, mais do que isso, o podem ser.

Com a consciência nítida das dificuldades atuais e muito cuidado no conflito


de

valôres, que se pode estabelecer, - atentos, assim, para que sempre o saldo
seja a

favor da reforma - empreendamos a reorganização dos programas, partindo


do ponto

onde nos achamos para o ideal longínquo que nos traçaremos.

O critério central há-de ser o de transformar a escola em um lugar onde a

criança cresce em inteligência, em visão e em comando sôbre a vida.

C) Organização psicológica

das "matérias" escolares

Partindo da criança e de suas necessidades, chegamos à conclusão de que o

programa escolar se deve organizar em uma série de experiências reais e


socializadas,

e não como uma simples distribuição de matérias escolares.

O próprio estudo das matérias escolares nos vai levar, também, aos mesmos

resultados. O mesmo problema, visto de um ângulo diverso, ganha, se


possível, maior

clareza e a solução aventada maior plausibilidade.

Reconstituiremos aqui, com a brevidade possível, a exposição de JOHN

DEWEY, no seu estudo, hoje universalmente conhecido, sôbre a criança e o


programa

escolar, valendo-nos ainda da contribuição trazida por KILPATRICK à


consolidação da

doutrina sustentada pelo famoso filósofo.

As matérias escolares ou matérias de estudo, em rigor, deveriam ser tudo


sôbre

que incidissem o inquérito, a reflexão, o estudo, no desenvolvimento de uma

determinada atividade. Não tem sido êsse, entretanto, na teoria tradicional, o


conceito

de matérias escolares. Na linguagem clássica, significam os diferentes ramos

classificados do saber.

A finalidade suprema da educação escolar é a de levar a criança à


participação

no sentido, nos valôres e na conduta da sociedade a que pertence.

Por que razão julgou a escola que ensinando aquêles diferentes ramos do
saber

operava o milagre dessa participação?

Pela razão muito simples de se enxergar naquelas “matérias" o conjunto de

conhecimentos que consubstanciam a própria vida coletiva da sociedade

contemporânea.

Descuraram-se, entretanto, os educadores de perceber que os conhecimentos

armazenados nos diferentes departamentos do saber humano se achavam de


tal

modo desligados da sua matriz social, que nenhum alcance tinham já sôbre as
atividades reais dos homens. A tarefa dos educadores era a de prover um
meio social

em que a criança pudesse, com economia e rapidez, percorrer os diferentes


estágios

de cultura do seu grupo. O seu êrro estêve em organizar esse meio pelo
estudo de

matérias que não se achavam devidamente impregnadas do sentido social


necessário

à sua perfeita compreensão.

Daí a escola ter-se afastado da vida, tornando-se o ambiente artificial que


vimos

condenando e onde, quando muito, se prepara o espírito para as


especializações

diversas de uma vida estritamente intelectual.

Com efeito, as "matérias escolares" - linguagem, matemática, história,


ciências

naturais, etc., - nada mais são do que resultados sistematizados dos


conhecimentos

humanos em sua forma lógica e abstrata. Como tais, só interessam ao


especialista

que pode compreender a sua linguagem simbólica ou técnica e perceber as


relações

que existem entre as diferentes partes da sua estrutura lógica. São matérias de

estudo para o especialista. Não o podem ser para as crianças.


A marcha da criança, em sua educação, atravessa três fases distintas.

Primeiro, a criança aprende a fazer coisas. É a forma mais simples de seu


contato com

o meio. Assim aprende a caminhar, a falar, a brincar, a fazer isso e aquilo. No

mesmo passo, por isso que se acha em contato com outros, a criança aprende
através

das experiências alheias, que lhe são comunicadas. Aprende por intermédio
da

informação. Essa informação está, porém, articulada e prêsa à sua atividade


geral, de

sorte que ela a absorve diretamente. E, por último, êsses conhecimentos


poderão ser

enriquecidos e aprofundados, até receberem uma organização lógica,


racionalizada e

sistemática.

A escola mostra desconhecer essa progressão e se atira desde os primeiros

tempos à terceira fase. Como todo o material acumulado hoje nos livros é
imenso e

complexo, mais fácil do que dirigir orgânicamente a experiência infantil até


êle, é

dividi-lo e dá-lo por doses aos alunos. A escola constitui, então, um outro
mundo,

onde, contra o bom senso e contra a utilidade, se aprende para fins de


promoção e de
exames. Nem existe, ali, a vida no seu sentido normal de um conjunto de
atividades

aceitas, em que nos empenhamos com sentido de responsabilidade e de


prazer, nem

ali existem, pròpriamente, saber e ciência, porque isso mesmo se perverteu


em um

simples esfôrço de repetir, pela palavra ou pela escrita, o que outros


formularam em

livros.

Como então organizar as "matérias" para que possam, realmente, constituir o

objeto do estudo e da aplicação das crianças?

Para isso temos que fugir da organização "lógica", que representa o seu
último

estágio de aperfeiçoamento, e, partindo da experiência da criança,


desenvolver,

cronològicamente, os diferentes passos da aquisição do conhecimento


científico.

A organização da matéria escolar ou das lições por essa forma educativa é

geralmente chamada a organização psicológica em contraposição à


organização lógica

do especialista.

Em essência, a organização psicológica representa a disposição da matéria ou

da lição na ordem em que se realiza a experiência da criança. A organização


lógica é
o modo por que se organiza o que ela aprendeu da experiência.

Vejamos, em detalhe, o desdobramento dessa idéia.

Suponhamos que na aprendizagem de física a primeira experiência de uma

criança tenha sido a queda de uma pedra em seu pé, por tê-la colocado em
uma

posição de desequilíbrio. A criança não passa incólume por essa experiência.


Como

por nenhuma outra. Aprende aí qualquer coisa. Na próxima vez, já não agirá
do

mesmo modo. Terá mais cuidado. De alguma sorte, sabe que, se a pedra não
fôr

colocada de certo modo, virá a cair. A sua primeira experiência deu-lhe certos

conhecimentos, para sua conduta em outras experiências com objetos


pesados. Há,

assim, duas coisas a notar: a experiência e o resultado da experiência.

Imaginemos uma série de experiências dessa natureza, se quisermos dar-lhe a

representação lembrada por KILPATRICK, de quem tomamos essa


demonstração:

E R E R E R E R .........................................................................

2
2

E E E , etc. representam as experiências, R R R , etc. representam

os resultados das experiências.

Cada experiência deixa um certo resultado que habilita a criança a encarar de

modo diverso a futura experiência e, portanto, obter dela um resultado


também

diverso. Êsse resultado, R , por exemplo, não é sòmente a soma dos


resultados

anteriores R

+R
; mas é qualquer coisa dependente dêles e reorganizada,

distintamente, com elementos novos.

No próprio processo de desenvolvimento ou aquisição de uma idéia não é de

outro modo que o espírito age. A sucessão de experiências E

vai-lhe

permitindo organizar sucessivamente os resultados R R R , com


desenvolvimento

cada vez maior e cada vez maior exatidão de detalhe.

Tomemos, agora, a série completa de experiências e resultados a que se

poderá chegar em física, a que tenha chegado hoje o maior especialista em


física.

Teriamos:

E R E R E R ................... E

................... E

50

50

51

51

R n.

n
Nessa série, como na dos primeiros conhecimentos da criança, cada E

representa uma experiência e cada R o resultado organizado que dela


decorreu e que

vai influir sôbre a futura experiência.

Se as experiências fôssem tôdas frutuosas, se nos primeiros anos os pais e

depois os mestres tivessem cuidado em que a criança percebesse claramente


cada

experiência e organizasse conscientemente o seu resultado, é inegável que


cada

resultado representaria mais ou menos um todo lógico, que resumiria,


corrigiria e

completaria o resultado anterior. Cada experiência, servida pelos resultados já


obtidos,

seria mais complexa, permitindo uma análise mais minudente das partes e
uma

integração posterior mais coesa e mais lógica.

Cada experiência é um trecho da vida, uma atividade e, naturalmente, a sua

marcha é psicológica. Cada resultado é um produto mental, a ordenação


lógica do

que foi aprendido daquela experiência.

É sobretudo para notar, aqui, como a concepção lógica da matéria tem assim

um substrato natural e orgânico. O espírito humano, agindo com inteligência,


não
pode proceder de outro modo. Tanto a criança, como o adulto, como o
homem de

ciência agem segundo as mesmas leis. Os resultados do conhecimento infantil


não

são pedaços isolados, sem ligações nem ordem. Quando muito, são
classificados

segundo critérios diversos dos do adulto. Mas são classificados.

Em geografia, por exemplo, os conhecimentos da criança serão ordenados em

tôrno de sua rua, de sua cidade; os do adulto, por isso que a sua visão mental
é muito

mais larga, libertam-se dessas condições próximas, para se classificarem em


tôrno de

conceitos gerais, e portanto, abstratos. Uns e outros, porém, se processam da


mesma

forma e estão, embora em graus diferentes, no curso da mesma escala. Logo,


em

cada momento da vida, uma determinada pessoa tem um saber próprio, com
os seus

resultados intrìnsecamente organizados e o seu aspecto lógico derivado.

Não pareça isso extravagante. A organização lógica não pode ser outra coisa

senão a organização dos conhecimentos, de modo que êles sejam mais


utilizáveis e

mais eficientes para uma determinada aplicação.

O saber, mesmo de uma criança, desde que seja um verdadeiro saber e que
afete a sua conduta, tem alguma organização lógica, tanto que ela o pode
aplicar. Do

mesmo modo, o de um grande cientista. E essa identidade, no aspecto lógico,


do

conhecimento germinal da criança e do conhecimento consumado e profundo


do

cientista, existe também, é claro, nos aspectos psicológicos.

Imaginemos alguém cujos conhecimentos em física possamos reputar

completos. Conhece até E e R . Como cientista, está empenhado em


prolongar a

série de experiências, para obter novos resultados. O seu gênio o leva utilizar-
se de

R , para projetar novas experiências - E +1, E +2, etc. - e chegar a resultados

novos - R +1, R +2, etc. As experiências têm a mesma marcha psicológica,


em

n
essência, que a da criança nos seus primeiros passos.

Analisemos, agora, em contraste com a atitude da criança e do cientista

investigador, a atitude da escola e do mestre.

O professor de física conhece também, admitamos, os resultados finais a que

chegou a física. Está perfeitamente senhor da exposição lógica em que se


resumem os

seus últimos resultados: R . Como deve êle ensinar física?

A resposta, ou a receita, da escola tradicional era simples. Tome a massa

compacta que representa a totalidade dos conhecimentos dessa ciência - R

-,

divida-a em capítulos, torne a sua exposição mais simples para os alunos


mais novos e

mais complexa para os alunos mais adiantados, e ensine a matéria, mês a


mês, e ano

a ano, em doses devidamente graduadas.

A criança, que chegou à escola com o seu desenvolvimento em física ali pela

parte inferior da série que imaginamos - E

, por exemplo, é levada ex-abrupto para o

50
R , que lhe é impôsto à inteligência, em lições. É o mesmo que desejar dar-
lhe a

noção de cadeira, explicando-lhe, separadamente, no primeiro dia os pés da


cadeira,

no segundo o assento, no terceiro o espaldar, no quarto a madeira em que


fôsse feita

e assim por diante, sem nunca lhe mostrar a cadeira tôda. Porque, notemos
bem, na

série natural de experiências e aprendizagens, cada experiência, como cada


resultado,

representa verdadeiros todos para a inteligência. À medida que se progride,


vão-se

distinguindo melhor as partes e as suas relações entre si e com o todo. Como,


porém,

posso eu compreender partes, se elas pertencem a um todo que não conheço?

O ensino do mais simples para o mais complexo, na escola tradicional, falha,

portanto, às leis da psicologia e do bom senso.

A simplicidade dos grandes princípios e regras, com que se iniciava o ensino


da

gramática ou da física, está muito acima da capacidade da criança naquele


momento

dado. Porque não é uma simplicidade inicial; mas uma resultante de muitas,
de
sucessivas generalizações e sínteses. A simplicidade dos primeiros
conhecimentos

não deve ser, não pode ser a que se supunha existir nos princípios
fundamentais de

uma ciência feita, aos quais ela só chegou ao final do caminho percorrido de
sua

formação mas a que existe em idéias que são ensinadas globalmente por
exemplos

concretos, e desenvolvidas, depois, em todos os seus corolários ou premissas.

Para se ensinar a uma criança o que é um coelho ou um gato, é preciso

mostrar-lhe primeiro o coelho ou o gato. A sua primeira noção será


imprecisa,

inadequada, mas não pode deixar de ser global. Não conseguimos tornar o

conhecimento mais simples por lhe querermos ensinar primeiro o focinho,


depois os

pés, depois o rabo, etc. À medida, entretanto, que o seu conhecimento


progride, que

ela começa a diferenciar as partes e estas passam assim a ter uma existência
mental

distinta do todo que é o coelho ou o gato, o seu conhecimento do animal se


tornará

mais minucioso, mais exato, mais completo e, podemos dizer, então, mais
complexo.

Do mesmo modo em física. Está claro que a criança que deixou cair a pedra
em seu pé, não teve, nesse dia, a visão total da física ou sequer das leis, dos

princípios fundamentais da gravidade. Mas aquela experiência e o seu


resultado

representaram, de certo modo, um todo, com unidade natural e clara para o


seu

espírito. Outras experiências, também vistas como todos, lhe permitirão


amanhã

ampliar e corrigir os seus primeiros conceitos. A análise e a síntese, que seu


espírito

naturalmente realiza em cada uma delas, abrem-lhe a noção da distinção, que


antes

não tinha. Já vê o todo mais em detalhe. Já vê melhor os detalhes no todo. E


assim

progredirá, até que uma ciência da física se lhe esboçará no espírito. Dêste
modo,

partes e todo serão sempre compreensíveis, estimulando o jôgo mental das


análises e

das sínteses progressivas. Mas, um capítulo específico da física como é hoje


escrito,

representando uma parte dos resultados finais R - do conhecimento moderno


da

ciência, nunca poderá ser compreendido pelo aluno, nem como parte, nem
como todo.

O professor poderá dar uma certa unidade à lição, mas êle mesmo não a verá
como

um todo, porque a sabe uma seção de um todo maior. E o aluno apenas a


perceberá

como qualquer coisa mal arranjada, que êle não sabe a que prender ou ligar,
por isso

que ainda não conhece o todo a que pertence o trecho, a fatia que lhe dão para

aprender. Tudo que pode fazer é recorrer a palavras, para repeti-Ias quando
llie

pedirem. Nem mesmo as idéias aprende. Porque, rigorosamente, não se


decoram

idéias. Idéias se adquirem, se conquistam, através de um processo


experimental,

através da série, que indicamos, de experiências vividas e sentidas. Aquêle


saber

pode enganá-lo e dar-lhe uma impressão de ciência, mas, por cúmulo de


ironia,

desarmá-lo-á mais profundamente para a vida, que a ignorância verbal, de


que êle

tanto se envergonharia.

Objetar-se-á: os fatos negam essas afirmações. Afinal, há alguém que


aprende.

Há mesmo muitos que sabem e que sabem muito. E se aprenderam, a escola


foi a

primeira estrada, a estrada real, talvez, dessa cultura.


Não há dúvida. Há muitos que aprendem, apesar da organização puramente

lógica da matéria. Êsses “muitos" são, porém, bem poucos, afirma


KILPATRICK, se os

compararmos aos que se perdem pelo caminho, à grande massa dos que nada

aprendem. E se triunfam, ainda é porque foram inteligências tão vigorosas,


que,

através da série de lições isoladas e desconexas, lograram, aqui e ali, pedaços


reais

de experiência vital e orgânica, que deram sentido aos seus estudos. E mais:

geralmente possuíam memórias excepcionais, que lhes permitiram gravar


tôda a

marcha do curso. Ao fim do mesmo, e só então, desde que conservaram de


memória

os passos sucessivos, lhes foi possível uma revisão global da matéria, revisão
que lhes

deu a noção de conjunto necessária à compreensão verdadeira de cada uma


das

partes e das suas relações com o todo, que, nesse momento, vieram a
perceber.

Sistema, cujo sucesso esteja a depender de tais esforços e de tais riscos, será,

quando muito, aproveitável em escolas que desejam operar uma seleção


extravagante

de inteligências. No ensino primário e no ensino secundário deve ser


condenado
como anti-econômico e ineficiente. Escolas que visam a ensinar a massas ou
a

grupos escassamente selecionados, não podem, portanto, subordinar a


instrução que

ministram aos acidentes de um método que é um absurdo para as


inteligências

comuns e uma singular provação mental até para os espíritos de escol.

**

Como se fará, porém, a organização dos conhecimentos, se dermos ao curso

de estudos a marcha psicológica, orgânica, vital, que estamos a defender?

A matéria escolar, para uso do professor, no ponto de vista que assumimos,

será organizada em bases, que, segundo o conselho de KILPATRICK, devem

obedecer à seguinte ordem ( Foundations of Method, pág. 361):

1) Descrição clara da teoria, salientando-se os objetivos novos, a que visa o


seu ensino.

2) Projetos diversos, descritos em detalhes, para mostrar o que se deve


esperar, e por

que, de um ensino por meio de atividades e empreendimentos com um fim


em vista.

Indicação dos resultados obtidos.

3) Lista de projetos em número superior aos que possam ser pràticamente


usados, com
referência de material e aparelhagem necessários.

4) Indicação dos resultados que se devem razoàvelmente esperar com relação


à

matéria, pondo-se maior relêvo na aquisição de hábitos e atitudes, geralmente

esquecidos na escola tradicional. Essa indicação servirá para que os


professôres e

os alunos meçam e estimem o progresso que estão fazendo.

5) Material para os alunos se exercitarem nesse ou naquele ponto de estudo.

Sob tais bases, o ensino passará a ser dado por meio de projetos, em vez de

lições. E os projetos não acompanharão, é bem de ver, a seqüência lógica em


que

hoje é dividida a matéria, por isso que se devem organizar em harmonia com
os

impulsos, as tendências, os interêsses e a capacidade da criança. As matérias


serão

ensinadas à medida que se tornem precisas, na seqüência de cada projeto.

O critério não será, neste caso, o de sua organização e da necessidade em que

ela se acha para prosseguir em Iógica, mas o da aptidão da criança para


compreender

determinada atividade.

Como as atividades se estabelecem em virtude de um desdobramento da

capacidade infantil, guiada e dirigida pelas condições do meio em que vive, -


poderá
sempre haver uma seqüência progressiva nos projetos utilizados. A criança, à

proporção que se desenvolve e cresce, se empenhará em atividades mais


complexas,

que exigirão maior soma de conhecimentos, cuja necessidade ema mesma irá

sentindo. Tôda a matéria que fôr assim chamada a dar a sua contribuição,
deverá ser

fatalmente incluída, mas não se forçará, sob pretexto de necessidade lógica, a

utilização de matéria que não sirva a alguma finalidade, vista e prevista, no


curso do

projeto.

Como se operará, então, a organização dos conhecimentos do aluno?

Desprezando, como desprezamos, a organização lógica sistemática, em que


se acha a

matéria, o que lhe vamos dar em substituição àquele possível valor perdido?

Vamos dar-lhe a oranização que se processa natualmente no curso de sua

atividade e que é a única legítima e útil, no estágio de desenvolvimento em


que se

encontra.

O aluno ou a criança, empenhado em uma atividade que escolheu ou em cuja

escolha participou, cujo fim percebe e procura atingir, tem no propósito que o
anima a

agir e prosseguir na ação, o eixo em tôrno do qual se distribuem, se julgam e


se
reúnem todos os conhecimentos, que vai adquirindo. Pode-se ver, por aqui,
como a

criança, tudo aprendendo em função de um fim em vista, articula os


resultados dessa

aprendizagem às suas experiências passadas, reorganiza-os em um todo cada


vez

mais amplo e se encaminha para novos projetos com um setimento de


confiança

efetiva nos seus conhecimentos.

A organização que se opera é perfeitamente vital e utilizável. Afinal,

organização é a disposição de uma série de coisas com o sentido da utilidade


que tem

cada uma delas em relação ao todo que se quer organizar.

A organização lógica e sistemática da ciência ou de uma matéria é a


disposição

dos seus conhecimentos em tôrno de certos princípios gerais. O especialista


em

matemática ou física sente perfeitamente a vantagem dessa organização, para


o seu

raciocínio e para as suas pesquisas. Está tudo disposto do melhor modo para
o seu

manejo. Aquêle conjunto de fórmulas e abstrações, de cujo segrêdo é senhor,

representa o seu material de trabalho. Quem não o possuir é simplesmente um


leigo,
com o qual nem sequer poderá conversar sôbre a matéria.

A organização que realiza a criança, através da sua atividade querida e

consciente, participa das mesmas virtudes. Os conhecimentos adquiridos


dêsse

modo se ajustam e se articulam em tôrno de conceitos que irá, pouco a pouco,

formando e que são a tôda hora utilizáveis em sua vida, porque ela os
conquistou por

um esfôrço orgânico, percebendo-lhes as relações e a função prática.

O êrro de visão da escola tradicional está em lhe querer dar, de chôfre, a

organização final da matéria, cujo sentido só o especialista percebe.

O aluno que tiver gôsto e inclinação pode chegar até lá. Os seus projetos se

poderão desenvolver, em uma certa época, ao longo de linhas especializadas,


o seu

interêsse puramente intelectual pode acentuar-se, chegando assim aos mais


altos

graus de organização científica. Tal desenvolvimento será natural e lógico,


porque não

há nenhuma antinomia entre a sua primeira atividade prática e as


culminâncias

intelectuais que vier a alcançar. Afinal, a criança que se educa e o cientista


que

descobre mais uma verdade, agem do mesmo modo. Ambos usam


inteligentemente
os recursos que têm às mãos para a consecução de um determinado fim.

Mas, a grande maioria não chegará ao ponto em que se encontram os

especialistas. A que fica, então, reduzido o ensino?

O aluno não ganhará um conhecimento completo da ciência, mas obterá uma

noção eficiente do seu método e dos seus processos. O seu pensamento


ganhará,

em física, em matemática, em geografia, em história, a atitude acertada para


encarar

os fenômenos. Perceberá êle ainda a função do conhecimento científico.

SPENCER, analisando o saber de mais valor para o homem contemporâneo,

concluiu que êsse saber era o saber científico. Implìcitamente, pressupôs,


entretanto,

que a ciência podia ser ensinada pelos seus resultados e não pelos seus
métodos. O

essencial, porém, é dar ao educando a atitude científica, com os seus hábitos


de

reflexão, de inquérito, de análise, de crítica e de sistematização.

Êsse resultado pode perfeitamente ser atingido dentro da teoria escolar que

estamos a defender. Mais do que isso. Tal resultado é o característico do


método de

que estudamos aqui um dos elementos.

Chegamos, desta sorte, às mesmas conclusões a que nos tinham levado as


primeiras reflexões sôbre a criança e o programa.

Resumamos essas conclusões:

1) A escola deve ter por centro a criança e não os interêsses e a ciência dos
adultos;

2) O programa escolar deve ser organizado em atividades, "unidades de


trabalho" ou

projetos, e não em matérias escolares;

3) O ensino deve ser feito em tôrno da intenção de aprender da criança e não


da

intenção de ensinar do professor;

4) A criança, na escola, é um ser que age com tôda a sua personalidade e não
uma

inteligência pura, interessada em estudar matemática ou gramática;

5) Os seus interêsses e propósitos governam a escolha das atividades, em


função do

seu desenvolvimento futuro;

6) Essas atividades devem ser reais (semelhança com a vida prática) e


reconhecidas

pelas crianças como próprias.

**

Não escureçamos as grandes dificuldades de chegar a realizar integralmente


essas conclusões. Precisamos, para isso, de mais estudo, mais pesquisa, mais

paciência e mais inteligência do que, à primeira vista, parece.

O que se está procurando reformar tem séculos de organização, onde esta,

efetivamente, existe radicada. As novas técnicas estão apenas sendo


experimentadas.

Mas, desde que os princípios estão certos, não há razão para não tentar
realizar

uma escola mais consentânea com a diretriz que dêles decorre.

Lembremo-nos do problema da disciplina. Houve tempo em que os


professôres

não acreditavam em ensinar sem o castigo físico. Seria tão absurdo propor a
êsses

educadores a supressão da chibata ou da palmatória, quanto em alguns


lugares, hoje,

propor a organização psicológica das matérias escolares e o ensino por


projetos.

A orientação da educação leva, entretanto, a crer que, dentro de 10 ou 20


anos,

ninguém mais tentará o ensino por lições, nem a organização do currículo em


matérias

escolares, nem a coação intelectual de hoje.

Assim como desapareceu a coação física, também desaparecerá a coação

intelectual, por inútil e contra-producente.


Não poderemos mudar da noite para o dia. A própria organização da escola e

o exercício do seu ministério pelo professor só teriam a perder com uma


modificação

súbita.

Podemos, talvez, iniciar o movimento.

- Primeiro, fundando escolas experimentais, cujo número iria aumentando


com

os professôres convenientemente preparados;

- Segundo, retirando do dia escolar uma hora ou uma meia hora, em que se

tente o nôvo método, mesmo nas escolas tradicionais. A criança, devidamente


guiada,

escolherá a sua atividade e, nessa hora, aprenderá sob o princípio do trabalho


com um

fim em vista.

As matérias escolares passarão, ai, do seu lugar de honra para o de simples

servas do crescimento infantil, contribuindo para êle quando chamadas. A


organização

lógica dará lugar às organizações psicológicas pessoais dos conhecimentos

adquiridos.

Além dessa obra escolar, incentive o professor as atividades extra-classes. Dê

liberdade aos alunos para organizar a sua vida social e recreativa. Estimule-os
neste
exercício de autonomia e de responsabilidade.

E pouco a pouco, à medida que os resultados se acentuarem, à medida que se

sentir com fôrças para ampliar um tal programa, vá o professor alargando-o


pelas

demais fases do trabalho escolar, até abrangê-lo por inteiro.

Assim o progresso será orgânico e real. A escola será progressiva.

As novas idéias - que já não são inéditas e já estão até bem comprovadas

alhures - valem o sacrifício dessa mudança de hábitos, de planos e de


atitudes.

CAPÍTULO IV

A educação e a sociedade

A) A educação e a sociedade, vistas como dois processos fundamentais da


vida

humana. Mobilidade e continuidade. "Uniformidades" naturais,


"Organismos" e vida.

Nível biológico. Nível mental. Agir, sentir e saber. Educação e inteligência.

Educação: a natureza que se faz arte.

B) A educação, como fenômeno individual. A educação como fenômeno


social.

A inteligência e sua função própria. Tentativas de contrôle da ação da


inteligência.

Autoritarismo, idealismo objetivo. Um problema mal colocado. Liberdade


individual
e direção social. Sociedades conservadoras e sociedades progressivas.

C) A sociedade, a educação e a escola.

O processo social e o processo educativo, confundidos no seio das

sociedades. A escola, instituição consciente de educação. Função primitiva:

preservar certos conhecimentos de valôres. Função atual: acompanhar,

corrigir e harmonizar a educação integral do indivíduo. Essa função é

literalmente imposta pelas circunstâncias. A escola e o verdadeiro progresso

social. A reconstrução escolar.

A) A educação e a sociedade, vistas como dois


processos fundamentais da vida humana
EDUCAÇÃO e a sociedade são dois processos fundamentais da vida, que

A mùtuamente se influenciam.

Processos fundamentais da vida, dizemos, e intencionalmente. Porque, de

fato, a nada nos podemos referir sem de logo deixar subentendida a


contingência de

mobilidade, transformação e perpétuo vir-a-ser, imanente à natureza


evolucional do

mundo em que vivemos.

Não existe sociedade. Existe um processo de sociedade. Não existe educação.

Existe um processo de educação.

Distribuídas, pelo tempo afora, existiram, existem, existirão sociedades e

educações. São objetos de estudo para historiadores. E aqui desejaríamos


esboçar

não a história da educação e da sociedade, mas a sua filosofia.

Essa filosofia é apenas um esforço de ver claro através do longo processus de

transformação indefinida, em cujo desenvolvimento os fins imediatos se


transmudam

logo em meios, e os novos fins, em meios novos, numa identidade só


verbalmente

contraditória, mas realmente perfeita de uns e outros.


Muitas das confusões e obscuridades do pensamento contemporâneo se

explicam pela persistência com que ainda se amparam nas concepções


estáticas,

características de períodos já vividos de sua evolução. A ciência moderna,


com as

suas revelações sôbre o caráter mutável e dinâmico dos componentes mais


íntimos e

profundos do universo, está porém concorrendo, dia a dia, para que se


evidencie essa

transformação de plano.

A mobilidade incessante do universo não vai, entretanto, ferir de incerteza

permanente a marcha das coisas. Vai dar-lhe, isto sim, um ritmo diverso de
certeza.

As antigas leis científicas não terão, talvez, a rijeza estável que lhes
atribuíamos, mas

nem por isso deixam de constituir uniformidades apreciáveis da natureza,


que, dentro

de certos limites, nos asseguram o poder de controlá-la. Se, de um lado,


faltam ao

homem moderno aquelas velhas certezas de quatro pés, sólidas e inflexíveis,


em que

se apoiavam a nossa ignorância e os nossos preconceitos, por outro lado

abriram-se-lhe novas possibilidades e caminhos novos para o exercício da


ação
criadora, por isso mesmo que vive em um mundo onde as mudanças e, com
elas, os

atos de criação são permanentes e contínuos.

**

No universo, que é, com efeito, um vasto conjunto de energias em ação e

reação recíprocas, continuidades mais ou menos constantes de processos


asseguram

largas uniformidades de estrutura, em que repousam os quadros gerais da


realidade.

Combinações e organizações de processos se podem efetivar, dotados os

conjuntos de tal unidade e flexibilidade, que lhes é dado mudar e adaptar-se,


e ainda

conservar as características anteriores.

Os processos físicos-químicos combinados em grau elementar produzem os

sêres inanimados. Em grau de maior complexidade, o biológico, a


combinação

determina novas qualidades e novos atributos, em virtude de novas


organizações.

Nestas organizações - organismos, chamamo-los nós - há, por certo, o


mistério da vida

peculiar ao aparecimento daqueles novos atributos ou qualidades. Mas, os


processos
de atividade característicos da fase biológica de organização da natureza não
diferem

dos processos da fase físico-química, senão por nova combinação, direção e


dinâmica,

que passam a ter os mesmos fenômenos.

A indiferença das reações físico-químicas alça-se a um nível em que aparece


o

impulso ou a tendência no sentido de se manter a organização característica


anterior.

O sistema conjugado de processos e fôrças, mantendo-se a si mesmo sempre

articulado, leva-nos à fase psico-física, na designação de JOHN DEWEY (2).

Se avançamos ainda nas possibilidades de organização de que é suscetível a

natureza, encontramos novos “organismos" (organizações), que, além das


qualidades

de atividade psico-física, têm atividade mental.

Não há, contudo, nos diferentes estádios dessas últimas organizações outro

mistério que não o decorrente de sua maior complexidade e, por conseguinte,


das

dificuldades maiores de investigação.

Tais, as gradações de estrutura que caracterizam a própria realidade na

continuidade de seus processos, desde a atividade físico-química até a


atividade

mental.
Nas relações entre aquêles diferentes estádios, não existe nenhum problema

especial, por isso que êles não são de natureza diversa, mas contínuos e
graduais,

representando sòmente qualidades diversas de acontecimentos, dadas as


condições

em que se processam.

No campo físico, a realidade se transforma dentro de condições amplas,

havendo relativa indiferença de resultados. A amplitude das modificações


limita,

porém, o seu número. No campo biológico as mesmas transformações se


operam em

agrupamentos organizados, havendo preferências, impulsos e persistências


em

determinados sentidos. As modificações são menos amplas porém muito mais

numerosas e variadas. No campo mental tôdas essas fôrças vêm a atuar,


sempre

articuladas, em combinações ainda mais complexas, e, por isso mesmo,


jogando com

maior variedade de movimentos.

As ações e reações de nível mental são de natureza idêntica às ações e

reações de níveis físicos ou biológicos. Conquistam, apenas, no nôvo nível,


além de

imensas possibilidades de se combinarem de mil modos, a qualidade nova de


se
conhecerem.

As organizações vivas sentem e reagem em infinita riqueza de processos e

recursos. Necessidades, esforços, satisfações, caracterizam as variadíssimas


formas

dessa atividade. O organismo, entretanto, não sabe ainda que tem essa
atividade. É

2 V. Experience and Nature, do prof. John Dewey para exposição completa


da teoria aqui enunciada.

só no nível mental que surge essa nova qualidade: o animal, a natureza não
sòmente

sente e age, mas sente, age e sabe que sente e age ...

Êsse nôvo fato transfigura a face das coisas. Agora, as fôrças psico-físicas do

organismo acompanham e percebem o processo de sua própria atividade. E se


êste

processo se pode assim examinar, os resultados podem ser previstos, a


natureza pode

conduzir-se a si mesma. A natureza nesse nível de organização, em que surge


o fato

mental, ganha, portanto, o atributo singular de poder, em certas


circunstâncias,

concorrer para a direção de si mesma.

O esfôrço da natureza para se governar outra coisa é senão educação, no

sentido mais amplo do têrmo.


*

**

Educação é, com efeito, o nome que recebe a série de fenômenos decorrentes

do aparecimento da inteligência no universo. E inteligência é a qualidade que

assumem certas ações e reações de se verem a si mesmas, acompanhando a


própria

história ou processo, percebendo os seus têrmos e relações e tornando-se,


dêste

modo, capazes de reproduzi-los em novas combinações, para novos ou


idênticos

resultados. As experiências dos animais, que eram apenas tidas e sentidas,


podem

agora ser conhecidas.

A experiência, mesmo a experiência de conhecimento, não é, desta sorte,

qualquer coisa externa, adicionada à natureza; mas a própria natureza em uma


das

suas fases de organização - a de organização mental, quando as relações e

combinações são percebidas, vistas, podendo ser refeitas ou reconstruídas


para

melhor atingirem seus próprios fins naturais.

Antes dessa fase, as coisas são, de um modo ou de outro, conforme os

acidentes ou as circunstâncias. Figuremos um exemplo. Combinações


especiais de
atmosfera deflagram uma faísca elétrica. O raio alcança uma árvore. A
natureza está

em sua fase de acidente. Na fase animal, entretanto, a natureza se retrai, foge


e se

protege. A natureza conquista um nôvo arbítrio ou uma nova liberdade, para


fugir à

fatalidade do acidente. Atingida a fase intelectual, a natureza não sòmente se


retrai,

foge e se protege, mas se examina, inquire, observa, experimenta novas


combinações

dos seus elementos e prevê, fazendo surgir uma nova natureza que se
subjuga, se

regula a si mesma e se modifica. A manifestação de energia que atingiu a


árvore

agora se governa e se reconstrói, tornando possível transformar as cousas


dentro de

certos propósitos ou fins da própria natureza. Graças à capacidade da


natureza de se

examinar a si mesma, ela a si mesma se transformou.

Dir-se-á que os elementos são os mesmos. Mas são também os mesmos os

elementos do estádio biológico, e nem por isso deixamos de dizer que há


entre os dois

estádios uma diferença essencial de atributos e qualidades. Não é menos -


nem mais

- essencial a diferença entre o nível biológico e o nível mental.


O fato mental, o fato do conhecimento é que permitiu as transformações mais

radicais da natureza, pelas quais vai a pouco e pouco emergindo, do acidental


e do

precário, um mundo de ordem, um mundo voluntário e proposital,


reconstruído e

redirigido em seus próprios meios e fins, como que desejaríamos indicar que
não é a

inteligência nenhum deus ex machina mas um deus in machina, que retorna à


direção

original e combina os elementos para melhor atingi-Ia.

Educação é o permanente esfôrço de redireção da própria natureza. É a

natureza na sua grande aventura de ordem, de utilidade e de beleza, em uma

permanente reconstrução de si mesma. Educação é a natureza que se faz arte.

B) A educação, como fenômeno individual


e social
O fenômeno da educação data, assim do aparecimento da inteligência

consciente sôbre a terra, constituindo um longo processo, pelo qual a natureza


se

transforma conscientemente, para melhor atingir os seus fins ou, se quiserem,


para

atingí-los de modo diverso. O portador dessa inteligência consciente é o


homem e os

seus meios de ação, a experiência, em seu nível mental.

Experiência e natureza não são coisas distintas. Experiência é a fase da

natureza em que esta se vê a si mesma, reflete sôbre si mesma e se transforma


a si

mesma.

O fato, porém, de se localizar no homem a inteligência, comete à nova fôrça


ou

modalidade da energia um caráter específico e individual, que tem sido a


razão

permanente de um pretenso dualismo entre a natureza e o homem ou entre a


natureza

e a experiência, esta última compreendida apenas, restritivamente, como um

instrumento humano de análise e conhecimento.

Não sobra aqui espaço para refutar esse dualismo em tôdas as suas
conseqüências.

Baste-nos salientar que, do indivíduo, a experiência humana se projeta sôbre


a

natureza e a readapta para os próprios fins. A inteligência individual integra-


se em

suas origens e pelos seus atos e fins na natureza, emancipando-se do caráter

Individual.

Fixada, assim, com certas repetições necessárias, a função da inteligência no

seio da própria natureza, podemos volver aos quadros habituais das divisões e

classificações de nossa linguagem, e falar mais de perto dos problemas que


nos

interessam.

Sendo a educação o processo de contínua reorganização e reconstrução da

experiência, é um processo individual e pessoal, antes de ser social. Pelo


menos em

sua fase de plena consciência, o caráter individual e pessoal se acentua

particularmente.

A educação se processa, com efeito, por meio de um ato consciente de

readaptação, em que determinada experiência, percebida em suas conexões e

relações, habilita o homem a aumentar o seu poder de govêrno e direção de


outras

experiências. Tal ato é eminentemente individual, em sua origem e em seu


processo.

Sucede mesmo que o indivíduo só é verdadeiramente individual quando,


nessa

reconstrução da experiência, obedece a métodos e planos que lhe são


próprios. E

sendo a educação o processo pelo qual o pensamento se efetiva e se incorpora


à vida,

a educação se torna também o processo pelo qual o homem se torna,

verdadeiramente, um indivíduo. Na medida em que o homem se torna capaz


de

reflexão, de pensamento e, conseqüentemente, de reconstrução da própria

experiência, nessa medida é êle uma individualidade.

Dos primeiros anos aos últimos é o homem-assim, o animal que se educa,

adaptando-se e readaptando-se sem cessar, alargando, dia a dia, a sua


compreensão,

tornando-se, enfim, um instrumento permanente de progresso e mudança da,


própria

natureza.

O exercício da inteligência, que compete ao homem no quadro da harmonia

natural, é, de tal maneira, eminentemente individual e pessoal, tão pessoal e


individual

quanto a digestão dos alimentos que ingere ou a circulação do sangue que o


nutre.
Ninguém pode pensar por êle, ou por êle experimentar, ou educar-se por êle.
Tais

processos são personalíssimos e tudo quanto se pode fazer é sugerir, facilitar,


dirigir e

corrigir.

**

Mas os resultados do pensamento e da experiência - da educação - se

concretizam, em instrumentos, em modelos e em fórmulas ou conhecimentos.


E

objetivam-se no ambiente - no meio social - em instituições, a que o homem


se adapta,

como se adapta ao clima e à terra, ainda e sempre por um processo de


educação, isto

é, de reconstrução das próprias experiências.

Todo o mundo da linguagem, dos significados, dos conceitos, das

generalizações e das técnicas, que permeiam a vida civilizada, deve ser, por

conseguinte, assimilado pelo homem, para que se torne capaz de viver a vida
ao nível

em que a encontrou, exercendo as suas funções de animal de reflexão e de

pensamento. A obra personalíssima do pensamento, da educação, atua sôbre


o

meio, enriquecendo-o com sentidos ou significados, com hábitos, costumes,


instituições, instrumentos, técnicas, que vão constituir um outro mundo de
realidades,

criadas ou transformadas pela lnteligência humana.

A educação reverte-se, assim, constantemente, sôbre si mesma, confirmando


o

seu caráter de largo, indefinido processo, cujos meios e fins se confundem,


como se

confundem os da natureza e da vida.

O ato pessoal do pensamento perde, então, tôda a sua qualidade individual


para

se tornar, a essa altura eminentemente social. Social é, de tal jeito, o seu


conteúdo;

sociais, os seus modelos; sociais, os seus objetivos e resultados.

**

Tudo no indivíduo é, com efeito, social: a sua ação, o seu pensamento ou a


sua

consciência. E se assim não fôsse, impossível se tornaria a direção do


processo

educativo.

Se, realmente, o indivíduo tivesse um pensamento, urna consciência, uma


ação

e uma moral apenas individuais, a fôrça intelectual de que é dotado serviria,


tão,
sòmente, para condicionar o mais desordenado espetáculo de anarquia que se

pudesse conceber.

Muitos dirão, porém, que não vai longe disso o que sucede.

E por quê? Exatamente porque o individualismo de inteligência, originário,


tem

sido entendido como qualquer coisa de arbitrário e absoluto, tornando-se um

verdadeiro problema unir inteligência e propósitos ou fins sociais.

Para a solução do problema, criado por uma compreensão parcial do


fenômeno

da inteligência individual, a humanidade oscila entre os regimes autoritários e


os

regimes de pura razão ou pura lógica, ambos incapazes de assegurar uma


ação

externa uniforme e correta. E incapazes porque, seja o dogmatismo


autoritário e

coercitivo, seja o racionalismo lógico, seja o idealismo objetivo - todos os


regimes

aceitam, como fundamento filosófico, o conceito de que a ação e a natureza


se

distinguem essencialmente da razão ou da inteligência, precisando-se coerção


para

orientar a primeira ou, então, de uma milagrosa lógica da inteligência.

Com efeito, o paradoxal da atividade mental é que ela se exerce de acôrdo


com
os conceitos que adotamos.

Se admitimos que a teoria da inteligência é da sua incapacidade para dirigir-


se a

si mesma, naturalmente subordinaremos à autoridade coercitiva a ação


humana.

Repontam, então, as rebeldias e revoltas, por isso mesmo que a teoria é


compressora.

Mas, aceita a tese, a iniciativa humana se exerce no sentido de melhorar o


sistema de

autoridade ou de melhorar a educação, para a conformidade desejada.

Se, pelo contrário, entendermos que a inteligência é uma fôrça livre, que se

processa dentro de um jôgo de lógica subjetiva, insistiremos por uma direção,


que, por

fôrça, há de disparar na anarquia indlvidiial.

Tôdas essas filosofias são, de tal sorte, não só impotentes para a direção da

inteligência, mas prejudiciais ao seu próprio exercício, por isso que a desviam
das suas

condições reais.

Considerada, entretanto, a inteligência como uma função da própria natureza,

veremos, a um simples golpe de vista, que ela deve agir dentro da estrutura
da

realidade que lhe é própria. Por mais variáveis e numerosos que sejam os
seus
movimentos, êles se devem conter dentro de processos naturais e orgânicos,
cujas

condições podem ser previstas e ordenadas.

**

A idéia da inteligência como uma fôrça absolutamente livre e estranha ao


jôgo

natural das realidades foi que levou o homem a tantos erros sôbre o seu

funcionamento e, até, à prevenção receosa contra essa fôrça - a fôrça mental,


tão

natural quanto as outras fôrças da natureza, fazendo-a sofrer, através dos


tempos, as

imposições artificiais de autoridade ou as limitações de filosofias não menos


artificiais.

O chamado idealismo objetivo - característico da filosofia germânica - era,

talvez, de todos êsses artifícios, o que andasse mais próximo da realidade.

Considerando as instituições como encarnações da razão absoluta, tal


filosofia criou

um objetivo para adesão da inteligência, que se afirmaria à proporção que se

identificasse com as instituições.

Com efeito, as instituições são resultados da experiência humana, que


permitem

o livre desenvolvimento das tendências e interêsses do homem, podendo, por


isto, ser

consideradas como encarnações ou emanações, não da razão ou inteligência

absoluta, mas da razão ou inteligência relativa e humana. A inteligência tem,

realmente, na sua adaptação às instituições a forma normal e regular do seu

desenvolvimento. E isso pressentiu HEGEL e o pressentiu tôda a filosofia


germânica.

Mas, o quie não pressentiram a filosofia germânica, em geral, nem HEGEL,


em

particular, foi que essas instituições, sendo a emanação e produto da própria


razão

humana, deviam ser, naturalmente, objeto não só da conformidade, mas


também da

crítica da inteligência, para que, de instrumentos de libertação, não se


transmudassem

em instrumentos de constrição e paralisação da sua própria fôrça renovadora.

O problema do conflito entre a moral individual e a moral social tem sido,


por

tais motivos, apenas um problema mal pôsto.

Não há moral individual. Há diferentes morais sociais. O pensamento


humano

se processa pelos instrumentos de linguagem, hábitos, costumes e


instituições, todos

eminentemente sociais. Há e deve haver liberdade de exame e inquérito


individual,
para a conservação das instituições. Liberdade de exame e inquérito não
importa,

porém, em criação de instituições, hábitos ou pensamentos individualistas.


Porque

nada disso pode existir. O homem pensa em sociedade, para a sociedade, com

instrumentos e objetos sociais, não sendo possível à inteligência fugir a êsse


caráter

social.

No jôgo da liberdade de exame, com a tendência social à conformidade, os

conflitos serão tanto menos prejudiciais e tanto mais úteis, quanto


predominar, na

sociedade, o desejo de experiência e progresso. Em urna sociedade


conservadora ou

reacionária, surgem, inevitàvelmente, os conflitos entre o indivíduo e as


fórmulas

dominantes do pensamento ou de moral. Em uma sociedade progressiva, as


exceções

e as discordâncias do normal, longe de se tornarem conflitos, serão


estimuladas e

encorajadas como ensaios de renovação e de reforma, naturais, contingentes.

No campo científico, aliás, onde o pensamento humano, graças a processos

regulares de inquérito e de conhecimento, ganhou a segurança de si mesmo, o

problema do desajustamento individual deixou de existir. Não sòmente a


conformidade
com o que está provado é tranqüila e pacífica, como o inquérito individual se
faz em

particulares condições de êxito, por isso mesmo que é o recurso natural para
o

progresso do pensamento científico.

Tenhamos a coragem de elaborar os mesmos ou outros processos de inquérito

regular para o pensamento moral ou social - e teremos chegado ao mesmo


acôrdo feliz

entre o indivíduo e a sociedade.

Como os problemas de contrôle social, disciplina e govêrno estão sempre

ligados à conduta externa, o problema de liberdade se põe sempre mal: ou


como um

problema de ausência de constrangimento físico, ou como um problema de


ausência

de direção social.

Nem uma, nem outra coisa.

O problema de liberdade é, dominantemente, um problema de liberdade de

inquérito e de fixação das condições para que a mesma se exerça, a fim de


permitir as

contribuições individuais de pensamento, de modo que a conduta de cada


qual não

seja imposta, mas fruto da sua própria escolha ou decisão. Esta escolha ou
decisão se
fará, porém, na maioria dos casos, no sentido da instituição social ou do
costume

dominante porque, desde que os processos de inquérito sejam regulares, será


tão

difícil inovar nesse campo, no campo das ciências chamadas exatas.

Tais considerações tornam preciso e certo o caráter da educação como

fenômeno social. Assim como a inteligência, em sua ação no meio físico,


sofre as

limitações dêsse meio, sendo tão sòmente o instrumento da sua contínua

reconstrução, do mesmo modo a inteligência, em sua ação no meio social,


sofre

idênticas limitações, não podendo fugir ao esfôrço de contínua reorganização


dêsse

outro meio. Tôda distinção reside nos processos de raciocínio e reflexão


utilizados em

um e outro caso, porque se em relação às ciências físicas já aceitamos,

definitivamente, o método experimental, vacilamos ainda em aceitá-lo


integralmente

nas ciências chamadas sociais ou morais.

C) A sociedade, a educação e a escola

Até aqui nos temos referido à educação como fenômeno normal da vida do

homem sôbre a terra e em sociedade. A educação nos apareceu como a


conseqüência
do aparecimento da inteligência, que, por intermédio da experiência,
reorganiza e refaz

a vida, em todos os seus aspectos.

No panorama universal, o esfôrço prodigioso da natureza e do homem para

construírem um mundo ordenado, adaptado às suas condições e governável,


tem sido

coroado de êxito não pequeno. Tôdas as civilizações que existiram e as que


existem

aí estão fundamentando a afirmativa.

Nos últimos cento e cinqüenta ou cento e sessenta anos, graças ao método

experimental de conhecimento, a subjugação das fôrças naturais foi


simplesmente

maravilhosa.

O homem refez materialmente o mundo, encurtando tôda as distâncias e

centuplicando a quantidade de energia sob o contrôle direto. Tôda essa


grande luta

representa o esfôrço de educação do homem. É, pois, da natureza da


educação

tornar-se, dia a dia, mais complexa, mais vasta, mais acumulada.

Nesse sentido, tôda a humanidade é um grande laboratório, onde se ensaiam,

com maior ou menor consciência, métodos e experiências de reconstrução


material,

social e moral.
Desde que, no imenso laboratório, as maiores dificuldades de comunicações e

de livre ensaio foram dominadas e caíram as barreiras que restringiam a


atividade

humana - o ritmo de transformação e mudança atingiu tal velocidade, que a

reconstrução da vida se faz em condições, por assim dizer, imprevisíveis. A


sociedade

humana quase repentinamente, de uma sociedade de aquisições e


movimentos lentos,

tão lentos, que os seus passos se contavam por séculos, transformouse em


uma

sociedade febril e dinâmica, que totalmente se renova, sob os olhos de uma só

geração.

Antes disso o homem não cuidou, senão parcialmente, de estabelecer, ao lado

do grande esfôrço coletivo de reconstrução da vida, a instituição consciente


de preparo

dos jovens para a participação na imensa tentativa reconstrutora. A escola


era, nos

tempos que precederam o nosso, a instituição que velava para que se não
perdessem

os esforços de conhecimento e de cultura, que não podiam fàcilmente ser


transmitidos

na vida direta e imediata dos homens.

Vai, porém, muito adiantada a marcha da humanidade, nas suas adaptações e


readaptações sucessivas. A natureza se fêz arte e, hoje, viver é um difícil
mister, que

é preciso aprender. Mais do que isso. As mudanças são tão aceleradas que, se
a

distância e a diferença de ritmo entre a escola e a sociedade permanecessem


as

mesmas de outros tempos, ao terminarmos a nossa educação escolar, seria

necessário começá-la de nôvo, tão longe, tão adiante já se acharia a vida ...

Por tudo isso, a escola teve que deixar de ser a instituição isolada, tranqüila,
do

outro mundo, que era, para se impregnar do ritmo ambiente e assumir a


consciência

de suas funções. Se depressa marcha a vida, mais depressa há de marchar a


escola.

Dentro da transformação real que se vai operando ria escola, ainda não há,

entretanto, as mais das vêzes, senão a consciência de que os seus deveres


antigos -

de guarda e perpetuadora dos valôres sociais - só poderão ser cumpridos


criando-se

dentro da escola um ambiente idêntico ao da sociedade, onde se possam


preparar as

crianças para a participação em uma civilização técnica e dinâmica.

Mas há transformação maior ainda a fazer.

Tôda a vida do homem se faz em educação e por educação. A civilização


material é educação, e educação é, outrossim, tôda a vida social. Vida é, com
efeito,

comunicação entre os homens. E comunicar é educar-se.

A vida é, pois, - e de acôrdo, aliás com os velhos aforismos humanos - uma

grande e larga escola. Urna escola, porém, acidental, sem planos e sem
previsão.

Enquanto o que havia a aprendeir era pouco, não seria para espantar que a

humanidade se contentasse com a escola que só êsse pouco lhe ensinava.


Nem o

homem sabia ainda bastante para fazer outra coisa.

As escolas, pròpriamente ditas, eram casas pacíficas de cultura literária e

artística, destinadas a atuar na formação de um corpo de fiéis às tradições do


estudo e

saber. E os problemas de reconstrução da vida humana se debatiam na


própria vida,

concedendo todos um imenso crédito ao fatalismo e ao acidente do progresso.

A civilização industrial e experimental, recentemente erguida, alterou todo


êsse

quadro.

Os instintos adormecidos dos homens, as suas aspirações e esperanças mais

profundas se alvoroçaram. A queda dad barreiras naturais - com o domínio


pelo

homem de grandes segredos da natureza - e a queda das barreiras intelectuais


- com

a conquista da liberdade de experimentação e ensaios - deram à ilusão


humana um

resplendor nôvo e uma nova esperança.

Depois de um entusiasmo exagerado e complacente, já agora vai bem

arrefecido o calor místico por uma imediata conquista do milênio, e já


começam a se

colocar na defensiva os últimos entusiastas, de tal modo as palavras de


pessimismo

estão hoje na ordem do dia. Os momentos de pessimismo são, porém, como


diz

JOHN DEWEY, sobretudo momentos para atos de coragem mais


inteligentes.

Não havia nenhum milênio a conquistar. Os homens confundiram mudança


com

progresso. E as confusões, as crises prolongadas e a incerteza de nossos dias


são

fatos naturais, que tão sòmente deverão levar o homem a se preparar ainda
mais, e

reconstruir melhor, com sentido mais amplo, mais ordenado e mais rico, a sua
própria

vida.

Apenas, - e agora é que se acentua a transformação fundamental por que


passa
a escola - apenas, urge que não entreguemos ao acidente e ao acaso o que
podemos

prever e planejar. A escola não pode ficar no seu estagnado destino de


perpetuadora

da vida social presente. Precisa transformar-se no instrumento consciente,


inteligente

do aperfeiçoamento social.

Não nos é dado dizer de antemão o que poderá representar de correções, de

ajustamentos e de regularização do processo social, o aproveitamento


inteligente ela

escola para êsse fim, seu verdadeiro fim.

A grande tarefa dos nossos dias é preparar o homem nôvo para o mundo
nôvo,

que a máquina e a ciência estão exigindo. Até agora, temos um homem ainda
antigo,

excedido e subjugado pela sua própria criação. A máquina, que o vem


libertar, o está

escravizando. O industrialismo, que lhe vem dar confôrto e fôrça, o está


fazendo

morrer à fome. A liberdade de julgamento pessoal e de auto-direção o está

asfixiando, transmudada em trágico tumulto de idéias e propósitos.

Retomemos a obra do princípio. É necessário que se não perca o grande

esfôrço de uma prolongada série de erros. Não que acreditemos que o homem
volte
atrás. O homem vive não tanto para ser feliz, como pelo seu instinto de viver.
O dia

presente o ocupa e absorve, e a expectativa de amanhã é sempre, por fôrça de


sua

natureza, a de um dia melhor. Mas se essa expectativa não se fôr


confirmando, não

será de azedume que se há de lhe encher a vida e sim de um pouco mais de


reflexão

e de filosofia. Urge que aproveitemos êsse pouco de reflexão e de filosofia. A

civilização material tornou um mundo de coisas possível e fácil. Por outro


lado, o

método experimental franqueou às inteligências novos recursos, para resolver


os

problemas mais intrincados.

A ciência está em vésperas de resolver os problemas econômicos, os

problemas sociais, e o homem pode ser educado de modo a evitar a maior


parte dos

seus problemas de desajustamento moral e social.

O progresso não consiste nas mudanças materiais que sofre a vida, mas no

enriquecimento dela em sentido, em amplitude, em maneiras mais finas de


apreciar e

compreender.

Êsse progresso é possível por meio da educação, e só por ela, desde que nos
utilizemos da escola como uma instituição inteligentemente planejada com o
fim de

preparar o homem para uma existência em permanente mudança da qual êle


fará

permanente progresso.

Dir-se-á que isso tem sido a escola. Não é, porém, exato. A escola, até os

dias de hoje, tem sido - as melhores dentre elas - apenas a continuadora da


vida social

passada (nem ao menos a presente!), pela doutrinação sistemática de alguns

conhecimentos e alguns preconceitos compendiados, porque assim o


digamos,

codificados, que os mestres aprendem e transmitem.

A escola, como instrumento de renovação social, é ainda tão sòmente uma

esperança. E é mister que se despenda muito esforço, se a quisermos ver

transformada em realidade.

Com efeito, a sociedade e a civilização que vamos possuindo têm chegado a


tal

complexidade, que bem poucos são hoje os homens que alcançam


compreendê-Ias

em tôda a sua amplitude e em tôdas as suas projeções. Fatos novos e novas


fôrças

estão a determinar transformações possìvelmente essenciais, em quase tôdas


as
instituições em que repousa a vida humana.

Por fôrça dessas circunstâncias, vivemos em uma civilização em que, ao lado

de uma cultura complexa, difícil de ser compreendida e assimilada, há um


sem número

de tendências, que a custo se podem definir com precisão, e de problemas,


cujas

soluções nem sequer estão ainda entrevistas. Há mesmo tôda uma série de
questões

que nem sabemos se chegarão a ser resolvidas.

Se a escola tem de corresponder aos deveres antigos de conduzir os homens à

participação nessa cultura, nessa civilização e, mais do que isso, aos deveres
novos

de os preparar para guiar a sua própria renovação, - bem podemos ver como
deve ser

profunda e corajosa a reconstrução por que essa escola tem de passar.

Uma compreensão clara e eficaz da cultura contemporânea não poderá ser

obtida sem uma ampla formação científica e social. Não será nos curtos anos
de uma

escola primária, nem com o professorado a que habitualmente entregam as


nações as

suas crianças, que se poderão transmitir os conceitos e generalizações que

fundamentam a vida moderna, nem, muito menos, a compreensão das


tendências
múltiplas e variadas a que ela vai obedecendo, nem ainda os dados essenciais
dos

problemas em que se debate.

Todos aquêles conceitos, generalizações, tendências e problemas só agora

começam a emergir, mais nítidos e claros, de grandes sínteses que se vão


tentando de

nossa cultura e de intrépidas análises de fatos e objetivos. Preparar o


professor para

compreendê-los bem, e para os analisar, a fim de que acompanhe a evolução


humana,

não é tarefa simples, nem de fácil execução. Que dizer, pois, de preparar a
escola - a

escola para todos, - para, integrada na mesma finalidade, realizar com


eficiência a

nova educação de nôvo homem?

Como nos parece distante, à vista disso, a pequenina escola de outros tempos,

transmitindo técnicas rudimentares e conhecimentos de 10, 20 e até 50 anos


atrás, a

um pequeno grupo selecionado de alunos, que confundiam o sossêgo das suas

tradições e do seu passadismo com a serenidade do próprio saber!

A escola de hoje viu, de repente, as suas classes invadidas por tôdas as

crianças, ao invés do pequeno punhado de favorecidos ou escolhidos, que


outrora a
freqüentava.

Mais. Não se lhe pedem sòmente as técnicas e os conhecimentos atrasados

ou simplistas. Pede-se-lhe também a transmissão das últimas conquistas da


ciência e

da cultura, em cujo alheamento é impossível viver. E mais ainda. Não


sòmente lhe

exigem conhecimentos adquiridos, até os últimos. Exigem-se, outrossim,


informação

de tendências indefinidas e problemas controvertidos ainda sem solução. E o

estudante não há de sair apenas adestrado e eficiente no seu trabalho, mas de

inteligência aguçada e alerta, compreendendo os segredos e incertezas de um


mundo

complexo e mutável acessível à simpatia e à tolerância para com as


tendências mais

opostas, sentindo que a vida evolve um pouco pelo seu esfôrço próprio de
melhor agir,

a fim de concorrer para o enriquecimento e o progresso da existência


humana.

É muito, dirão todos. Isso não será possível nem realizável. Em vez de

bacharéis, queremos pedir à escola a formação, em série, de pequeninos


Sócrates.

É verdade. Nada menos do que isso. E só assim a escola cumprirá as suas

funções. E só assim a escola poderá fazer, ela, a Revolução, antes que a


façam na
rua.

E para que isso se realize, trabalham exércitos de paz maiores que os


exércitos

de guerra: os exércitos de professôres e de educadores de todo o mundo.

Dêem-lhe os elementos de cultura, de estudo e de recurso, e êsses exércitos

irão tentar a renovação da humanidade, a grande aventura de democracia, que


ainda

não foi tentada.

Êles têm a longa e iluminada convivência das crianças. Êles sabem as


reservas

de frescura que enchem os corações e as inteligências dessas crianças. Êles


vivem

em contato com elas, que são o objetivo mais digno do amor e da dedicação
humana.

Consagraram a sua vida ao esfôrço mais progressivo da humanidade - o da


cultura e

do saber - e se empenharam na tarefa mais grandiosa que é possível - a de


formar

homens. Êles (os professôres e educadores) têm, pois, razões de crer, de lutar
e de

esperar.

E, mais que tudo isso, êles trabalham em um ambiente onde tudo está

crescendo. E onde tudo está crescendo, como disse, há longos anos,


HORACE
MANN, um formador vale mil reformadores.

CAPÍTULO V
A conduta humana
A) Moral científica e moral tradicional. Separação da moral das atualidades

presentes da vida. Moral convencional. Moral dos “homens de ação". Moral

"natural". Moral "espiritual". Identidade das premissas fundamentais dêsses

diferentes aspectos da "Moral Tradicional".

B) Análise das três premissas basilares e de suas conseqüências.

I) A natureza humana é corrompida ou bárbara. Concepção religiosa da

natureza humana. Concepção da filosofia do século XVIII. Determinismo

spenceriano do século XIX. A função do conhecimento, segundo Dewey.


Concepção

atual da natureza humana. Indeterminismo do progresso social ou moral.

lI) A atividade humana é um simples meio para se atingir o bem, que é um


fim

estranho ou superior a atividade. Vida é preparação. Diferentes aspectos


dessa

concepção. Êrro de fato e êrro de compreensão. Êrro de fato: o homem é, por


sua

natureza, passivo; a atividade é um dever. Origem geral dêsse êrro: a


imperfeita

organização social.

Êrro de compreensão: concepção inadequada do funcionamento de meios e


fins
na vida humana. Desenvolvimento da teoria de John Dewey a respeito do seu

verdadeiro funcionamento. Ilustração demonstrativa da inversão que se


opera, com a

explicação da moral tradicional, na ordem real dos fatos. Espiritualismo e

materialismo, vítimas do mesmo equívoco.

A organização atual da vida justifica êsse êrro. Exceções: vida infantil, vida
de

alguns homens. Identidade da atividade com o próprio fim da vida.

III) As regras da conduta humana fluem de princípios eternos e estranhos à

experiência positiva dos homens. Princípios extra-humanos ou, puramente,


ideais.

Necessidade de fundamentos experimentais para os "princípios" ou


“hipoteses"

diretores da moral.

C) Conclusão. O bem ou a felicidade está na atividade presente, dirigida

inteligentemente.

A) Moral científica e moral tradicional

Á UMA CIÊNCIA da moral e da conduta humana. E também ela está a


passar

H por uma transformação sensível, baseada no estudo objetivo da natureza


humana.

Essa transformação deve impregnar tôda a vida da escola, se é que lhe cabe,
conforme vimos, o papel predominante na formação do homem.

Até os dias de hoje a conduta humana não se pôde guiar por conceitos
positivos

e experimentais similares aos que caracterizam as demais ciências. E isso por


quê?

Porque, como em relação às ciências naturais quando eram tratadas pelo


método da

magia, o problema tem sido fundado em pressupostos falsos.

Que era a magia? A sua concepção básica era a mesma da ciência -

causalidade dos fenômenos. Reputavam-se, porém, misteriosas as causas que

governavam êsses fenômenos e misteriosos os meios de controlá-las.

Ainda encontramos, nas religiões, vestígios dessa concepção. Para o indiano,


a

malária que lhe mina o organismo, não é causada pelos germes com que o
infetam os

mosquitos, mas pela necessidade, em que se acha, de purgar nesta vida os


pecados

de vidas pregressas. Não há, pois, outro meio de tratar-se, senão pela oração e

penitência.

A essência da magia está aí: o tratamento dos fenômenos naturais como


efeitos

originários de causas misteriosas.

Está claro que, enquanto assim pensar, não poderão progredir, com aquêle
indiano, a biologia ou a patologia. Para todo o sempre, êle continuará a rezar,
a fazer

penitência ... e a ter malária.

Tem sucedido com a Moral uma coisa semelhante.

Os moralistas - ao traçarem a ciência do Bem - têm partido do pressuposto de

que a natureza humana é essencialmente má e que o ideal seria se a


pudéssemos

substituir por qualquer outra coisa.

Daí decorre que o reinado da moral ou do bem, como os moralistas o

concebem, é estranho à natureza humana. Qualquer coisa acima ou fora dela,


a que

temos de conformá-la ou que temos de conquistar com o sacrifício dessa


pobre

natureza. E como uma e outra coisa são mais ou menos impossíveis, estamos
como

estávamos em relação à ciência, no tempo da magia - absolutamente


incapazes de

progresso. Hoje, como ontem, como há vinte e há trinta séculos, nós


continuamos a

pregar, em moral, uma coisa e a fazer outra. E a moral que nos devia fazer
felizes,

apenas nos faz mais infelizes.

É o estudo recente da natureza biológica e social do homem, em bases


positivas e científicas, que nos deverá dar, afinal, uma ciência da saúde, da
eficiência e

da felicidade do homem.

Longe de nós a suposição ingênua de que se irão suprimir da vida as suas

perplexidades, as suas incertezas e os seus fracassos. Não se irão suprimir,


mas

chegaremos a explicá-los. E tornando-os, dêsse modo, compreensíveis,

torná-los-emos aproveitáveis para uma crescente reorganização do futuro.

A grande transformação estará em fazer da conduta moral do homem uma

conseqüência dos conhecimentos positivos a que o homem vai chegando em


fisiologia

e em psicologia. Quando chegarmos a conceber o mal como um simples

funcionamento anormal dos órgãos bio-sociais do homem - digamos assim -,


e

tivermos para com êle a mesma atitude experimental que temos para com os
males

físicos, teremos dado o primeiro passo para uma ciência moral.

Em vez da moral "espiritual", isto é, prêsa a preconceitos imutáveis e eternos,

uma moral experimental baseada nas conclusões de uma ciência do homem.

Parece muito radical tal modo de ver? Mas não haverá outro meio de
progredir,

como não houve outro meio de progredir na medicina ou nas ciências.


Imaginemos a
medicina jungida a uma série de princípios eternos alheios aos resultados da

experiência. Imaginemos a medicina governada pelos princípios morais


daquele

indiano citado atrás ou do próprio Joseph de Maistre que também considera a


doença

um castigo sobrenatural ao pecado original! Onde estaria a medicina, ainda


nos dias

de hoje, se tivesse de obedecer a êsses princípios?

Estaria onde está ainda, para a grande maioria, a Moral.

A separação da Moral das atualidades presentes da vida e da natureza


humana,

termina por codificá-la em uma série de prescrições proibitivas. Não fazer,


torna-se a

essência da moralidade.

Na prática, vem, entretanto, a resumir-se em um conjunto de costumes e


praxes

mais ou menos puros e mais ou menos cômodos, a que se dá o nome


respeitável de

moralidade convencional.

O seu dogma fundamental é o da conformidade com o rebanho. Nem ser


muito

bom, nem ser muito mau. Mas, ser neutro. Evitar os extremos. Evitar a

excentricidade. O crime maior é o de quebrar as normas dêsse quadro incolor


de
convenções a que se apelida de boa educação.

Nem todos os homens, entretanto, se fecham dentro dêsse convencionalismo.

Há, pelo menos, três grupos que fogem à classificação niveladora.

O primeiro, é o dos homens de ação. Para êsses a moralidade convencional é

uma capa em que urge revestir os atos, para a necessária aprovação social.
Frios e

calculados, reivindicam o papel da inteligência na vida. Importa, acima de


tudo, fazer

as coisas do modo mais eficiente possível, resguardando-se depois as


aparências.

No comércio, na indústria e na política é essa a moralidade que prevalece. Ser


bom é

ser sentimental - o que quer dizer ineficiente. Nada, pois, mais natural do que
a

espécie de desprêzo intelectual que prevalece neste grupo pelos bons. Os


bons

esbandalhariam a máquina montada com tanto saber e sagacidade.

Entretanto, como os bons é que, no final de contas, dão às fórmulas

convencionais da moral a sua pequena substância, e como tais fórmulas é que


os

amparam no conceito público, em nenhuma classe se encontra maior respeito

aparente e maior desejo de prestigiar os bons.

E nada é tão amargamente irônico como a "proteção" que êsses homens de


ação e de dinheiro costumam dispensar às obras de certas abnegadas
associações

humanas, destinadas exclusivamente ao bem e ao sacrifício. As regras que


governam

a vida dêsses homens de ação são, talvez, as mesmas que espalham pelo
mundo

50% dos sofrimentos que nos atormentam. E tudo isso só é possível porque
um falso

conceito das instituições humanas e uma falsa moral os defendem e


amparam.

Não há, portanto, o que admirar na sua freqüência às casas de caridade para

compensar, ali, com a esmola do fariseu, os males que provocam as suas


instituições.

E assim seria, com efeito, se tudo se passasse com tamanha lucidez. Mas, a

ironia está em que êles são os primeiros iludidos. Não percebem nem de
longe a

hipocrisia do seu procedimento. São antes de uma candura mental invejável.


O homem

que, com um golpe hábil, conseguiu arruinar um concorrente, causando males


de que

êle mesmo não sabe calcular o alcance, é capaz, nesse dia, dos gestos mais

extraordinários de “humanitarismo”. No comércio, as regras são umas. Aqui,


na festa

de caridade, outras. E a consciência se acomoda a umas e outras com


invejável
satisfação.

O segundo grupo é o dos que, não se conformando com a moralidade

convencional, atiram-se românticamente nos braços do que êles chamam a


“natureza”.

Não tendo a fôrça de vontade e de ação que permite ao primeiro grupo

utilizar-se da moralidade convencional para a realização dos seus próprios


fins, êsse

segundo grupo condena a moralidade convencional como um obstáculo ao

desenvolvimento “natural” da personalidade humana.

E constroem, então, um conceito de personalidade que é a negação de todo

bom senso e de tôda elevação humana.

Na sua glorificação da “natureza”, o que realmente glorificam são os


impulsos,

os apetites e os desejos - tudo que é mais vulgar e menos pessoal na natureza

humana.

Submeter-se às paixões, tornando-se delas miseráveis ou elegantes escravos,


é

a fórmula suprema da liberdade. Escandalizar os burgueses é o dístico


romântico que

insculpem em seus escudos de Dom Quixotes do prazer.

Nunca uma concepção de individualidade foi tão limitada e, sobretudo, tão

ininteligente.
Os grandes burgueses são, pelos menos, inteligentes. Na vida êles querem

alguma coisa e o querem com fôrça e lucidez, e manipulam devidamente os


meios,

inclusive a moral, para consegui-la.

Aquêles românticos, vencidos no que desejam, o que, bem possìvelmente,


seria

o mesmo que os burgueses, refugiam-se num amor tolo e indiscriminado à


natureza e

aos seus impulsos.

Há, porém, um terceiro grupo. É o dos que tomam a sério a moral como

qualquer coisa estranha às atualidades da vida e à natureza do organismo


humano.

Êsses se preocupam com o progresso espiritual de suas almas. Com a

perfeição interior. Com a análise inquieta dos seus motivos de ação. Vivem a

perscrutar a natureza íntima de suas ações.

A "vida quotidiana" é para êsses homens uma coisa atroz. A vida de ação, de

negócios, de política - a inconsciência organizada.

A vida daqueles apaixonados da "natureza", uma degradação sem limites.

Vivem fora do mundo.

Mas, pelo menos, dir-se-ia, êsses são perfeitos e felizes, êsses vingam a

maldade e a corrupção dos outros.


Não é verdade.

Primeiro, êsse grupo confirma os outros dois. É uma razão, às avessas, em

favor dos outros. Se a vida moral exige que desprezemos a própria vida,
exige que a

renunciemos - de que mais se precisa para provar que ela está errada, está
afastada

de seu objetivo?

Segundo, estão longe da pureza imaginada os componentes dêsse terceiro

grupo.

O isolamento mental em que se comprazem, o desprêzo que alimentam pela

vida material, a convicção em que se mantêm de que são os últimos homens


de

espírito em um mundo sórdido de materialistas, fazem brotar em seus


corações uma

qualidade de orgulho de que não têm sequer conhecimento os homens


comuns, os

que viajam na planície.

Êsse orgulho gera uma inumanidade característica. As fórmulas doces do

amor dos homens não são percebidas por êsses cavalheiros do espírito. Foi tal

inumanidade que, em outros tempos, permitiu todos os suplícios e que hoje


continua a

permiti-los sob formas mais sutis e mais encobertas.


Bem certo, por isso que êsse grupo está hoje, na vida moderna, desprovido de

possibilidades de ação, a sua inofensibilidade aparente parece não justificar


tão rude

sentença.

A sua ação continua, porém, viva e sutil no mundo mental. Êsse grupo ainda

forma muitas inteligências. E o desprêzo pela humanidade com que êles


infeccionam

essas inteligências, tal qual ela é, dá-nos direito a condenar a sua influência.

Está aí o panorama moral do mundo. O grande rebanho humano servido por

uma moral convencional que se resume em aparências e em preconceitos. O


grupo

dos homens de ação que se utiliza de tudo isso para a realização dos seus
propósitos

e que defende, por essa causa, a moral cômoda que lhes permite os triunfos.
Os

"rebeldes" que buscam numa forma inferior de libertação a revelação de suas

"individualidades". E, por último, os idealistas inumanos, que desprezam a


“natureza",

desprezam a "ação" e se fecham em um egoísmo espiritual, fanático e


ardente.

Todos sofrem do mesmo êrro de considerar a moral como um domínio


estranho

à natureza, e governado por princípios, em essência, inadaptáveis às nossas


condições de vida.

Que admirar, pois, que a vida nos pareça sem sentido e a felicidade um nome

vão e irrisório?

É a isso que se prende a divisão arbitrária da existência em dois períodos: o


dos

sonhos e o da realidade.

A mocidade, como ainda não assumiu certas responsabilidades concretas na

vida, pode dar-se ao luxo de certos idealismos irrealizáveis, e deixar


transcorrer a vida

entre as ilusões e as obrigações amenas e suaves que os homens lhe


distribuem

nessa época da existência.

Mas tão falso é êsse estado de coisas que todos o sabem precário e

passageiro.

Amanhã há de se escolher entre o rebanho e os grupos rebeldes e, então, com

a dissociação a que se submete o espírito, virão os desgostos, as decepções, a

irreconciliabilidade dos diferentes aspectos da vida e, com tudo isso, a


intranqüilidade

e a infelicidade.

Segundo essa concepção - e aí se trai o seu verdadeiro conceito da vida -

quanto menos se vive melhor é a vida. A infância é melhor do que a idade


madura,
por isso que à medida que se alargam as nossas responsabilidades, à medida
que se

enche de sentido a vida, a vida vai-se tornando pior.

O ideal, segundo idéia tão esdrúxula, mas tão comum, seria a permanência da

infância.

Analisemos as premissas em que se funda essa moral que faz da vida de cada

um a tragédia ou a comédia que todos conhecemos e, do mesmo passo,


indiquemos o

que nos pareceria a correção dos seus erros.

São três as premissas fundamentais da moral tradicional, como foi entendida

até os começos dêste século.

1ª) Considerar a natureza humana como qualquer coisa impura e corrompida


ou

bárbara, incapaz de chegar naturalmente a um desenvolvimento feliz.

2ª) Considerar a atividade humana em si, não como o bem, mas como simples
meio de

atingir o bem, que era estranho ou superior a essa atividade.

3ª) Considerar que as regras da conduta humana fluem de princípios morais

preconcebidos e estranhos à experiência racional ou positiva. Êsses princípios


se

prendem a uma ordem espiritual sagrada, que se não pode modificar sem
graves
prejuízos para os homens.

Essas três premissas fizeram da vida humana a trama obscura e contraditória

onde não há lugar para a felicidade, entendida como resultado de um


desenvolvimento

normal e progressivo da individualidade.

B) Análise das três premissas basilares

e de suas conseqüências

A idéia de que a natureza humana é corrompida e indigna de nossa confiança

vem dos tempos mais remotos.

Os moralistas encontraram, nessa fórmula, o modo de justificar a ineficiência

das suas teorias. Desaparelhados de quaisquer meios de estudar a natureza


humana

e imbuídos de estranhos princípios morais, buscados já em uma revelação


extraterrena

ou em uma lógica puramente dedutiva, não havia como explicar o


desajustamento

entre os homens e os dogmas morais, senão afirmando a corrupção intrínseca


da

natureza humana.

As tendências humanas foram divididas em boas e más, estas, porém, quase

sempre prevalecendo sôbre aquelas, como resultado da degradação original.

Nem essa concepção foi puramente a concepção religiosa da natureza


humana.

A própria concepção científica do século XIX ainda participa, embora sob


outro espírito,

dessa enormidade.

Por certo o deísmo filosófico do século XVIII, como primeira reação, foi

exatamente para o outro extremo. Os teoristas do século XVIII transferiram


para a

natureza, como obra de um deus benevolente, todos os elogios líricos e


sentimentais

com que se costumava agraciar a lei divina. Seguir a natureza era ser perfeito.

Descubra-se a lei natural, conformem-se os homens com as suas


determinações e

renovar-se-á, na terra, o velho paraíso lendário para sempre perdido.

Depressa, porém, êsse naturismo sentimental foi sendo mitigado.

A teoria da evolução e a filosofia social determinista do século XIX vieram


logo,

de algum modo, renovar a descrença antiga na natureza humana. Não era, por
certo, a

suspeição fundamental das velhas superstições religiosas, mas a idéia de que


a

natureza humana vinha, lentamente, evoluindo de formas primitivas e


bárbaras para

um progresso social que seria demorado, mas constante.


Estamos, na verdade, longe da teoria da corrupçao original. Mas é, ainda,
uma

noção de primitividade e rudeza a explicar, errôneamente, as falhas humanas


de que o

homem só se poderia emancipar por um lento processo evolucional de

aperfeiçoamento. SPENCER com a sua doutrina evolucionista é o grande


sacerdote

dessa época.

Os males morais do mundo, a inaptidão do homem para fazer a sua


felicidade,

voltam a ser imputados à natureza humana que já não é corrompida, talvez,


mas

atrasada e má. A evolução, operando, entretanto, como uma fôrça


benevolente e

progressiva, guiá-la-á de estágio a estágio até a harmonia universal.

É a teoria do século XVIII, de uma ordem benevolente da Natureza, vista à


luz

da concepção evolucionista.

Por êsse conceito da necessidade do progresso social, os endeusadores da

Natureza, no século XVIII, haviam apenas errado quanto à data. A harmonia


universal

ainda não havia chegado, mas chegaria ... Era questão de tempo.

Que diria SPENCER se tivesse vivido até os nossos dias? Se tivesse assistido
à
Guerra? Se conhecesse a perturbação do Após-Guerra?

O seu engano estêve, segundo DEWEY, em não ver tôda a importância do

conhecimento, pelo homem, do jôgo das leis naturais.

Para SPENCER, o homem devia conhecê-las para se conformar a elas. Mas,

há mais do que isso. Conhecendo-as, o homem pode, por meio de engenhosas

combinações, modificar-lhes os resultados.

Conhecer as leis naturais não importa em aquiescência a elas. Importa em

poder controlá-las, em poder usá-las nesse ou naquele sentido. E tudo


depende,

então, do uso que iremos dar a essas leis. A descoberta, por exemplo, das leis
que

regulam a inferioridade e a superioridade humanas, pode levar os homens a


querer

fortalecer a capacidade de alguns em prejuízo de outros. A teoria de que o

conhecimento das leis naturais leva, tão sòmente, à conformidade com elas,
resultaria,

como diz DEWEY, em fazer multiplicar os mosquitos porque descobrimos


serem êles a

causa do impaludismo.

O fato uma vez conhecido torna-se diferente, realmente diferente, do fato

ignorado. Conjuga-se com o homem, com os seus propósitos, os seus desejos,


as
suas antipatias e transforma-se em um fator nôvo, a que se aliaram novos
elementos,

que vão modificar a própria estrutura das coisas.

E é isso que inabilita a teoria do progresso necessário, que SPENCER

vaticinava para a sociedade humana. A perfeita harmonia do seu


evolucionismo social

é tão utópica quanto o milênio de seus antepassados. Poderemos lá chegar por


uma

obra de inteligência, mas não chegaremos por nenhum fatalismo


evolucionista ou

histórico.

Qual, pois, a nossa concepção da natureza humana?

Não estamos com os que a supõem corrompida ou depravada, não estamos

com os que a supuseram angélica e desviada tão sòmente de suas verdadeiras


vias, e

não estamos com os que a supõem animada de uma fôrça evolutiva


ascensional que a

levará à perfeição.

Estamos, simplesmente, com a concepção mais experimental de nossos dias.

O homem é simplesmente um animal em que a obra de ajustamento ao seu

meio, longe de se fazer por processos fixos e estáticos, pode assumir as


formas mais

diversas. Todos os demais animais se ajustam ao meio com uma considerável


fixidez

- que não é entretanto absoluta - e esbarram em uma perfeição, que só o é,


porque a

mudança se tornou, virtualmente, impossível. O homem, dotado em grau


mais alto do

poder de observar, recordar o passado e prever, assim, por analogia, as

conseqüências do seu ato, - cria e recria o seu ambiente. Os seus instintos têm
mil

modos de expressão. Quase nada é fixo, assim, nem em sua natureza, nem em
seu

ambiente, que êle torna, dia a dia, mais formidàvelmente complexo.

Não há, pois, leis inflexíveis para o seu progresso. Houve-as, por certo, para a

evolução de sua natureza biológica, que talvez ainda esteja a sofrê-las. Mas,
para a

sua natureza social, não houve leis. Houve, até hoje, o acaso, o acidente,
criando

hábitos, e o próprio homem buscando consolidá-los e tentando, pelas diversas


armas

do autoritarismo e do tradicionalismo, eternizá-los nessa e naquela forma


social.

Não há nada que justifique, hoje, afirmar-se que uma lei imanente qualquer

governa o progresso social, ou, mais exatamente, as mudanças sociais.

Com o conhecimento progressivo que vamos tendo das causas e efeitos nas
ciências sociais, é que nos irá sendo possível traçar certas leis experimentais
ou,

talvez, simples hipóteses que se poderão aplicar na reconstrução social, nesse


ou

naquele sentido.

A natureza humana não é mais que a matéria-prima, nem boa nem má, que

fornece as condições e os limites para a ordem social. A ordem social é um


produto

humano que deverá ser julgado pela maior ou menor amplitude com que
permite ao

homem a plena expansão dos seus valôres.

Dentro do quadro dos flexibilíssimos instintos humanos, tudo poderá ser

tentado, como tudo tem sido tentado. O bom ou o mau será o que expande ou
o que

comprime as tendências humanas. Tôdas elas são suscetíveis de direção


social,

importando sòmente achar-lhes o caminho adequado.

Em resumo, reputamos a natureza humana essencialmente mutável e

essencialmente mutável como um corolário disso, a ordem social.

Dependerá da sabedoria dos homens conduzir essas mudanças para a sua

felicidade ou para a sua infelicidade.

Mas, dir-se-á, não é isso o que vemos. O que vemos é a natureza humana
sempre a mesma, aqui e em tôda a parte, sempre se organizando sob os
mesmos

moldes e sempre caindo nos mesmos crimes, sob o impulso dos mesmos
instintos.

Tal visão não é inteiramente exata. A realidade é bem outra. A realidade é o

homem, na civilização do ocidente, matando o homem que o ofendeu porque


é uma

desonra esquecer ou perdoar a ofensa. E na China, o mesmo homem rasgando


o seu

próprio ventre, sob os olhos do ofensor, para vingar idêntica afronta.

É o mesmo instinto, talvez, mas a se exprimir em formas violentamente

antagônicas. Os instintos são, em sua generalidade, os mesmos, mas as


formas

sociais por que se exprimem, as mais variadas e as mais diversas.

E de tal modo o homem muda e mudam as instituições, que não há dois

momentos inteiramente idênticos na história, nem dois momentos


inteiramente

idênticos entre povos diferentes.

**

A segunda premissa da moral, como foi entendida pelos moralistas, e que nos

parece errônea, é a que considera a atividade humana, em si, como simples


meio de
atingir o bem.

Nenhuma idéia é, mais do que essa, corrutora do verdadeiro critério para

julgar-se a vida.

Dentre as muitas formas que assume, a mais popular é a que faz da vida

presente uma simples preparação para a vida futura perfeita.

O conceito do homem degradado, por uma falta original obscura, revive


nessa

idéia, que define a vida como um exílio ou uma prisão, onde o homem, no
trabalho e

na dor, repara as suas faltas milenares.

Fora dessa forma, cujo radicalismo ainda prevalece, mas simplesmente em

função do sofrimento que aflige a humanidade, há outros aspectos que


assume a

mesma idéia e cuja discussão tem maior importância. Não nos interessa uma
teoria

que ponha a felicidade humana fora desta vida.

Mas, dentro das que a põem aqui, neste nosso pequenino planêta, também se

insinua o êrro sutil de divorciar o bem, a felicidade, da atividade


pròpriamente dita,

considerando aquêle bem e aquela felicidade como qualquer coisa futura ou


exterior à

atividade.
Pretendem essas teorias que o fim, êsse fim externo a alcançar, seja o prazer

ou vantagens utilitárias, ou a virtude, ou a perfeição, ou mesmo a salvação


futura, - o

que as torna errôneas é o simples fato de considerarem a atividade presente


como um

simples meio para atingir aquêle fim futuro.

A vida presente, explícita ou implìcitamente, transforma-se, em tôdas essas

teorias, em um fardo, em uma tarefa dura e árdua, que sem um regime de


penas e

recompensas o homem não poderia conduzir até o fim.

Sob o aspecto lógico, andam mais acertados os que transportam essas penas e

recompensas para uma outra vida, do que os que esperam que êsse jogo de
castigos

e prêmios venha dar, aqui mesmo, os resultados prometidos.

O presente é mau, o futuro é sempre uma decepção e, portanto, também mau;

que resta, pois, senão dormir na ilusão de um outro mundo, onde afinal as
penas

humanas se aliviam definitivamente?

Aí está a razão por que a idéia de uma outra vida ainda embala a consciência

popular com maior prestígio do que a idéia de um bem a conquistar dentro


dessa vida

terrena, seja o prazer, seja a virtude ou seja a realização da personalidade. A


fidelidade à moral nesses dois últimos aspectos, nunca se registrou senão em
uma

pequena elite de grande cultura. O homem comum e simples prefere logo o


céu futuro.

Mas, na raiz de tôdas essas doutrinas estão, ao que nos parece, um êrro de
fato

e um êrro de compreensão.

O êrro de fato consiste em supor o homem um animal inativo, criado para não

sei que estado de êxtase perpétuo.

Tôdas as teorias tradicionais de moral baseiam-se, de fato, no pressuposto

implícito de que o homem é, por sua natureza, passivo, e que a atividade é o


dever a

que o devemos compelir. Precisamos descobrir vantagens, mostrar-lhe que


das

diferentes penas, a menor é a que vem do trabalho, para fazê-lo agir. No


fundo de

tôdas essas filosofias morais reponta sempre essa idéia espantosa: um estado
de

preguiça ilimitado e eterno seria o estado de felicidade, por excelência.

Não é difícil mostrar de onde decorre tal concepção.

A vida social organizou-se em condições tão anormais, o trabalho humano

sofreu tais deformações, no correr dos tempos, que se tornou realmente


contrário à
natureza do homem. Trabalhar vem a ser, então, uma verdadeira pena.

Dêsses erros de nossa organização social retirou a moral o seu julgamento

absurdo do homem. Por isso que a atividade é estúpida ou desajustada às


molas

íntimas que movem o homem, o moralista conclui que aquela atividade é o


fim moral

do homem, mas como êsse é, por natureza, preguiçoso e imoral, precisa de


estímulos,

de penas e recompensas para não jazer em uma nirvânica indolência.

Muito ao contrário, o homem é, por sua natureza, ativo. A preguiça é ... um

vício ou uma virtude, mas virtude e vício adquiridos. E o que dirige a


atividade

humana? A virtude, a perfeição universal, o prazer, a bem-aventurança


futura? Nada

disso. Os próprios impulsos e desejos de seu organismo. Êsses é que são os


agentes

estruturais de sua atividade.

A atividade tem, entretanto, conseqüências, e o homem tem a capacidade de

observá-las e recordá-las. Na próxima vez, revendo em imaginação o que se


deu, o

homem pode reorganizar tôda a atividade primitiva, tornando-a mais


significativa para a

sua própria vida.


Pelo conceito moral que vimos discutindo, tudo isso se inverte. Aquelas

conseqüências atingidas pelo homem tornam-se os fins da atividade humana,


que

passa a existir sòmente como meio de atingir aquêles fins. Se, por qualquer
processo,

os fins pudessem ser obtidos diretamente, sem esfôrço, estaria obtido o céu.
O homem

entraria afinal no gôzo eterno.

E aí está, depois do êrro de fato que apontamos, o êrro de compreensão com

relação ao modo por que funciona em nossa vida o que chamamos de fins e
meios.

As coisas se passam realmente de modo oposto ao que supõem os moralistas.

No princípio é a atividade. No princípio é a ação. Mas, a série de atividades


em

que a vida humana transcorre é contìnuamente salteada de obstáculos. A cada

obstáculo a atividade pára e opera-se no homem um fenômeno de


desequilíbrio moral

ou orgânico. Urge reconstruir a atividade interrompida. Diferentes desejos lhe


nascem

no organismo. Recordações passadas e a observação do presente à luz dêsses

conhecimentos anteriores, vêm em seu auxílio. Em imaginação, êle dramatiza


as

diferentes soluções. É o período da deliberação. Dentre aquelas soluções, no


momento, lhe parece mais capaz de reatar o curso de sua atividade, é
escolhida. O

seu fim era reconstruir a atividade interrrompida. Tal curso de ação lhe
apareceu como

suscetível de operar a reconstrução de sua atividade. De modo que o fim em


vista que

resolveu escolher dentre todos aquêles que lhe surgiram em sua análise da
situação,

é, no fundo, o meio pelo qual vai reorganizar a sua atividade. Não é qualquer
coisa

estranha que busque atingir por meio da atividade. É antes o próprio meio,
repetimos,

de sua atividade prosseguir. O fim real do homem, o único fim substancial, é


o de viver,

o que quer dizer: exercer atividades significativas para si próprio.

Os fins, pois, dos moralistas, longe de serem coisas remotas que temos de

conquistar por meio de alguma atividade compulsória, devem ser os próprios


meios de

direção e reconstrução da atividade.

E isso não é nenhuma sutileza verbal, mas antes de uma importância

inacreditável para a inteligência da vida.

Se se quisesse fazer funcionar coerentemente a moral tradicional na


explicação

de nossa conduta, ter-se-ia a seguinte extravagância:


Imagine-se, para empregar o próprio exemplo a que alude JOHN DEWEY, a

atividade de atirar ao alvo. Por que os homens atiram ao alvo? A resposta


conseqüente

dos moralistas é a de que os homens atiram ao alvo porque existem alvos. Se


não

existissem alvos, tal atividade não seria possível. Os fins existem antes da
ação

humana e, porque êles existem, os homens agem.

E se, gerações após gerações, os homens encontrassem alvos, feitos sem a

sua intervenção, e, por qualquer necessidade social, houvesse pressão para


que se

atirasse ao alvo - a interpretação explícita ou implícita daqueles moralistas


deveria ser

a seguinte: atirar sempre fôra contrário à natureza; o homem, pela sua


essência, tendia

ao repouso; para evitar a sua completa degradação, haviam sido criados por
algum

grande poder protetor alvos e arcos, impondo-se ao homem a atividade de


atirar ao

alvo, a fim de que o dever de atirar e a virtude de acertar pudessem ser


desenvolvidos.

O cumprimento forçado dêsse dever seria impôsto ao homem para glória do


seu

grande Protetor e para a sua felicidade futura. A atividade de atirar ao alvo


seria o
dever moral e penoso dos homens, preço de sua felicidade. O exemplo é
expressivo

do modo por que se arma o feitio sagrado e compulsório do mandamento


moral.

O que nos interessa aqui, porém, é o modo por que o moralista dissocia e

inverte o sentido do fato real.

Voltemos ao exemplo. Todos sabemos como os fatos se devem ter passado.


O

ato de lançar qualquer coisa é inteiramente instintivo. O homem notou,


porém, as

conseqüências dêsse ato e, pouco a pouco, em vez da mão nua, utilizou-se de


um

arco e imaginou o alvo, para tornar mais significativa a sua ação de atirar.

A atividade primitiva foi reconstruída, redirigida para maior eficiência e


melhores

resultados.

O moralista toma os instrumentos organizados pelo homem nessa


reconstrução

ocasional de sua atividade e os coloca em um trono. De meios que eram


passam a ser

fins e fins intangíveis, para atingir os quais existe a atividade.

Tal dissociação e inversão da ordem real dos fenônemos, existe mesmo na

concepção chamada materialista dos que consideram o prazer o fim da


atividade
humana.

O prazer, ou a virtude, ou a perfeição, ou a salvação da alma, não são o fim

supremo da vida humana porque tal fim não existe. A atividade humana se
justifica por

si mesma e tem em si mesma o seu próprio fim. Prazer, virtude, felicidade


são

resultados da atividade, o que é diferente de um fim externo que se buscasse


alcançar.

Tomemos a concepção utilitária, em que se considera que o móvel ou fim da

ação humana é o prazer, entendido como um alvo externo que se busca


através de

uma atividade, em si, penosa e difícil.

Será que o bebê que procura o seio materno, o faz depois de balancear as

diferentes possibilidades de prazer que lhe podia oferecer essa ou aquela


atividade

e se resolve afinal pela que lhe parece levá-lo mais diretamente ao prazer
aspirado?

Está claro que não. O seu organismo, movido pelo impulso da fome, arrastou-
o

à ação. O prazer vem depois, o prazer é, no caso, um subproduto, uma coisa

secundária na ordem de sua resolução.

O adulto não age de outra forma. Os seus desejos não são mais do que

tendências de ação. No início está uma perturbação da sua atividade vital. Se


essa

atividade não é perturbada, se o homem está completamente satisfeito, não


pode

haver desejos. Quando, porém, a satisfação, o estado de complacência, como


o

chamou RAUP, se interrompe - o que no mundo em que vivemos e sendo nós


as

criaturas que somos é constante - surgem os desejos, cuja função é a de


sugerir meios

de restaurar a atividade interrompida. Entra, então, o organismo no período


de

deliberação. Trata-se de resolver, entre as diversas soluções que apontam os


nossos

desejos, a mais suscetível de unificar, novamente, a atividade partida. A


melhor

solução é a que melhor harmonizar as diferentes tendências de nossa


personalidade.

Decorrerá daí prazer, o prazer de ter satisfeito aquela necessidade de


expressão;

decorrerá daí um estado de felicidade, mas tudo isso, repetimos, é o resultado


e não

pròpriamente o fim externo que nos empenhássemos em atingir.

As visões de prazer que, pela imaginação, podem ter atuado no período de

deliberação, provocando a preferência por aquêle determinado curso de ação,


agiram
como meios atuais e presentes para orientar a atividade.

Essa análise da conduta humana vai-nos deixar perceber o segrêdo da


estranha

concepção da vida que os moralistas, em geral, alimentam. A vida para êles é


um

constante penar, e o mais que nos pode dar a sabedoria humana é uma
diminuição

dêsses males por meio de sábios esforços e avisadas renúncias.

De fato, se a atividade em si não dá prazer, não é agradável, se agrado e


prazer

são coisas alheias que vamos comprar com essa atividade - viver é um
sacrifício

pontilhado, aqui e ali, de raro em raro, de um gôzo e uma alegria. E como


êsse

próprio gozo e essa própria alegria em que se põe o prêmio da vida, são, no
fundo,

incompletos e decepcionantes - o que nos resta senão julgar a vida realmente

insuportável, e buscar, no mundo religioso ou no mundo intelectual, os


sonhos que nos

compensem da mágoa de viver?

A vida, efetivamente, está, em grande parte, assim organizada.

Aquêle próprio divórcio que apontava, anteriormente, entre as delícias do

período de mocidade e as tristes inclemências da realidade da vida madura,


não é
mais do que uma ilustração dêsse estado de coisas.

Apenas, quem assim pensa engana-se com a organização da vida dos moços.

Também aí os conflitos entre o que é e o que devia ser, são enormes. Pelo
menos,

logo que se inicia o período escolar. Até êsse momento a vida é feliz. As
crianças,

salvo condições domésticas indesejáveis, vêem transcorrer a sua vida infantil


sem

grandes exigências desconformes à natureza humana. São, como nunca,


ativas.

Assumem, porém, a responsabilidade de suas atividades que não lhes são


impostas.

Dificuldades, necessidade de esfôrço e pertinácia, tudo isso existe e quanto


mais

existir mais feliz é a infância. Não existe, porém, a obrigação pela obrigação,
a

atividade sem nenhum valor em si mesma, a atividade cujo valor vem de um


suposto

bem futuro a atingir. E isso é que torna a vida, em si, pesada e inaturável.

Mas, logo que a escola começa, começam geralmente essas torturas e, então,

evaporam-se de seus corações a harmonia e a felicidade de viver. Passam a


ser

felizes, como os adultos, em momentos raros a que se não devem habituar


com muita
complacência, porque a realidade de tôda hora é trabalhar, lidar, conformar-
se e sofrer.

Há, porém um grupo de homens para quem o trabalho é a sua própria alegria.

Sobretudo os artistas e os que dão à sua própria vida a natureza de uma obra
de arte,

conseguem êsse resultado surpreendente.

E o que faz dêsse trabalho ou dessas vidas urna realização harmoniosa de

prazer e de alegria? É que o trabalho vale por si mesmo, e não é uma simples

atividade que se perfaz pelo resultado externo que dela poderá advir. O
quadro, a

escultura ou o livro poderão ser vendidos e daí retirar o autor o prêmio


externo de seu

esfôrço. Uma remuneração mais alta, porém, a do prazer, da paixão e do


amor do

próprio trabalho, já lhe deu a compensação essencial.

A atividade do artista, como a atividade da criança, é a atividade em que se

resumem as suas próprias vidas. O seu trabalho, o seu prazer e a sua missão,
tudo

se funde em um só esfôrço integrado e harmonioso.

Todo trabalho humano devia participar dessas qualidades. Nesse dia, o


próprio

trabalho daria a felicidade. Nesse dia, a teoria moral que defendemos estaria

implantada na terra e muitos dos sofrimentos, dos descontentamentos e das


tragédias

da vida teriam desaparecido.

Para isso seria preciso que o homem compreendesse o seu trabalho,

partilhasse dos planos que o governam, e que lhe não déssemos sòmente uma
tarefa

a cumprir, cujos fins êle não aceitou e nem mesmo chega sequer a perceber,
Agindo,

então, sòmente por obrigação, a sua atividade se dissocia entre o que êle quer
e o que

êle faz, e, com essa dissociação lhe foge a sadia alegria de viver e de
trabalhar.

O período de labor torna-se, então, um período de desconfôrto e opressão.

Apenas liberto dessa obrigação monótona e fatigante, procura as excitações


do prazer

superficial e grosseiro.

Assim está organizada quase tôda a vida moderna. Os moralistas

conservadores teriam razão, se as coisas não pudessem mudar. Se o que é


hoje,

tivesse que o ser para sempre. O seu êrro maior está exatamente aí. As duas
doutrinas

alimentam-se da convicção de que as coisas são assim e não podem ser de


outro

modo. Daí o esfôrço de tôda moral para criar compensações.


E com isso, desencorajam as mudanças e as transformações, negam valor às

experiências novas e buscam emprestar, não sei por que receio, uma
significação

supersticiosamente sagrada às instituições de nossa época.

Tôdas elas, seja o salário, seja a divisão entre a produção e o consumo, seja o

regime de competição individual, são instituições como a do tiro ao alvo, que


podem

mudar e que devem mudar, assim que o homem compreenda e veja que elas
não lhe

facilitam a felicidade.

**

O terceiro êrro das teorias tradicionais de moral está em dar os seus


“princípios”

um caráter extra-humano ou, pelos menos, puramente espiritual ou ideal.

A ordem moral é inacessível à fertilização da experiência humana. Os valôres

morais não podem ser encontrados nessas experiências. O homem vai buscá-
los em

concepções absolutas que foram, direta ou indiretamente, reveladas ao


coração

humano.

Sabemos como em reação a essa moral sobrenatural ou espiritual, em um


momento de transição, os homens se voltaram para a natureza como a norma

suprema. Tudo que era natural era bom e era santo. O assunto, entretanto, já
foi

longamente discutido, para ser preciso voltar aos argumentos já aduzidos.

A moral para ser eficiente e progressiva tem que se fundar, como qualquer
outra

ciência, na experiência humana.

Que seria a medicina, ainda hoje, repetimos, se fôsse governada pelo

conhecimento revelado ou por princípios imutáveis?

Do mesmo modo, a moral, que é a ciência humana por excelência, não


poderá

progredir se não compreendermos que a devemos reconstruir, aproveitando


tudo que a

fisiologia, a antropologia, a psicologia, a psiquiatria e a sociologia nos vierem

ensinando. Nada é estranho à conduta humana e é no sentido de dirigi-Ia e


orientá-la

que trabalha todo o esfôrço do homem.

C) Conclusão

Enquanto a moral revê as suas velhas fórmulas valetudinárias, que devemos

propor como hipóteses atuais para a direção da conduta humana? Visamos,


aqui,

sobretudo, fazer a crítica das doutrinas mais responsáveis por uma concepção
falsa da
moral e da vida, mas dêsse longo arrazoado decorre uma conseqüência geral
que vale

a pena comentar, em forma de conclusão.

Essa conseqüência é a de que a vida será boa ou má, conforme a vontade

humana.

A vida será boa se a nossa atividade, em si mesma, e por si mesma, fôr

agradável e satisfatória.

A atividade não será, dêste modo, uma preparação para um bem futuro e

remoto, mas, ela mesma, êsse bem. Não vamos ser felizes no futuro. Ou
seremos

felizes agora ou não o seremos nunca. Vivemos no presente e só no presente

podemos governar a vida.

O futuro é imprevisto e imprevisível. No mundo em

movimento e em transformação em que vivemos, a atividade é sempre uma


aventura

no desconhecido. Os que esperam um mundo em que tudo seja seguro e certo


para

ser felizes, estão a acalentar a mais vã de tôdas as esperanças.

À medida que o homem mais conhece e mais se instrui, mais complexo se


torna

o seu ambiente, de mais incerteza se semeia a sua vida, e mais difícil se torna
viver
em segurança e em harmonia.

Perca êle, porém, o seu terrível hábito de segurança e certeza. Ganhe, em

troca, o sentido dinâmico da nova ordem em que vive. Esteja à altura de suas
próprias

criações.

A vida é mais vasta, mais complexa, mais rápida, mais intensa e mais

trepidante, mas, por isso mesmo, pode ser mais rica, mais cheia, mais
acidentada e

mais vigorosa.

Os princípios que regulam a conduta têm de ser refeitos à luz dessa nova

realidade. Tenhamos a coragem de refazê-los, fundando a moral nas mesmas


bases

experimentais que permitiram o progresso de tôdas as demais ciências. Nem


por

timidez, nem por amor à autoridade, nem pelo desejo secreto de defender os

interêsses da atual ordem de coisas, crie-se embaraço à indispensável


reconstrução

moral de nossos tempos. Busque-se, antes de tudo, nessa reconstrução, dar à

atividade sentido e significação, não desprezando nada que a possa


enriquecer com

elementos e conhecimentos novos: faça-se uso delicado e- constante da


inteligência e

se tenham sempre em vista os limites da natureza e os laços que a prendem ao


mundo

e aos demais homens. O procedmento do homem será tanto mais moral,


quanto fôr

assim largo, integrado e harmonioso o seu ponto de vista.

E tranqüilize-se quanto à felicidade. Ela lhe será dada de acréscimo, se

conseguir dar à atividade essa feição compreensiva e unificada. A ansiedade e


a dor

não desaparecerão da Terra. Nem uma, nem outra, podem, entretato, impedir
a

felicidade desde que sejam compreendidas como partes intrínsecas da vida.

Deve-se partir para a vida como para uma aventura. Se se tivesse de

aconselhar uma atitude única, aconselharíamos a atitude esportiva. Cada um


dos

momentos da vida é um jôgo com o futuro. Quanto mais armado para a luta,
melhor.

Vitória e derrota, tôdas têm, porém, a sua parte de prazer. Mais do que isso.
O

verdadeiro prazer está na luta. Se bem sucedida, a luta de amanhã será mais

interessante. Se a sorte não fôr favorável, a experiência valeu os momentos


vividos,

ensinou coisas novas e a expectativa de melhor êxito estará sempre acesa no


coração

dos homens. O insucesso não os abate, porque contam com êle entre as
possibilidades esperadas. Se não existisse, as vitórias perderiam o melhor do
seu

sabor.

O sofrimento não é senão uma forma de insucesso. Desde que certas

condições essenciais de saúde e de confôrto possam ser obtidas, o que já é, de


certo

modo, possível no atual estado da civilização, o irremediável está


virtualmente

desaparecido da existência.

Os demais sofrimentos devem ser recebidos com uma saudável coragem.

Contribuem para dar uma querida nota heróica à vida.

São as sombras que põem em relêvo as luzes e as côres da existência...

CAPÍTULO VI

Filosofia e educação

A) Origem da filosofia (segundo JOHN DEWEY). Necessita de reconciliação

entre o conhecimento positivo e o conhecimento tradicional e religioso. Os


primeiros

“filósofos” da nossa civilização. Os sofistas. Caracteres da filosofia


decorrentes da

sua origem. Ausência de imparcialidade e de espírito objetivo. Ambição de

universalidade. Artificialidade dos seus “raciocínios”. Formalismo lógico.

B) Aspectos modernos de filosofia. A reconstrução da filosofia. O objetivo da


filosofia não é a “verdade” no sentido estritamente científico do têrmo, mas
os

“significados”, os “valôres”, as “interpertações” da vida.

C) Filosofia e educação. Filosofia é a teoria geral da educação. Dependência


da

filosofia da vida social. Filosofia e democracia.

A escola e as exigências da vida democrática.

A) Origem da filosofia

(Segundo JOHN DEWEY)

ERIA UMA ILUSÃO julgar que o homem foi ou é, ainda hoje, um animal
friamente

S especulativo. Alguns homens é que, através dos tempos, se disciplinaram


bastante

para a análise especulativa ou filosófica. De modo geral, o homem é uma


criatura de

desejos, de receios e esperanças, de ódios e afeições. O homem primitivo,


mais

ainda do que o semidisciplinado homem moderno, era êsse animal de


emoções e

fantasias. O que o distinguia, substancial e permanentemente, dos demais


animais era

a memória. As suas experiências ficavam registradas e podiam ser


recordadas. E

êsse recordar ampliava o universo. Não vivia o homem sòmente entre as


coisas

físicas do seu reino material, mas entre as suas memórias e os seus símbolos.
A

diferença real entre os homens e os brutos está nessa quarta dimensão, da


vida que é

a preservação das experiências passadas, que é recordar ... isto é, reviver,


tornar a

viver a vida.

Não se torna a viver a vida, porém, em um sentido estreitamente literal.

Recorda-se do passado o que é interessante, ou o que fazemos interessante.


Viver é

quase sempre luta, aspereza e vicissitude. Recordar é, porém, quase sempre,


amável,

repousado e florido. Exercício de fantasia mais do que de inteligência.

Podemos figurar o homem primitivo ou selvagem. Empenhado na luta animal

pela existência, rodeado de perigos e incertezas, dever-lhe-ia, entretanto,


sobrar tempo

para longos e lntermináveis repousos. Na semi-obscuridade de sua


imaginação êle

recordava as suas lutas, as suas guerras, as suas aflições. Dêsses dias


passados

não subia porém a lâmina de fogo de uma análise ou exercício intelectual de


exatidão

prática, mas o fumo envolvente e delicioso das suas emoções revividas no


prazer ou

na pena da lembrança, libertada das perturbações e dores da realidade.

O fato de que o homem não recordava senão para o seu deleite, empresta a

êsse recordar o feitio mítico e fantasioso de drama e de poesia, que é o seu

característico histórico. O homem primitivo - fora dos momentos vigorosos


da luta ou

da vida prática - vivia, assim, literalmente em um reino de memórias que


eram

sobretudo um reconto fantasiado de sua vida, um longo sonho acordado.

A tradição que encontramos entre os povos primitivos e entre os civilizados -


as

mitologias, religiões e superstições - não eram, assim, ensaios de análise


filosófica do

universo, mas o resíduo consolidado das histórias que os homens de


imaginação

contavam aos companheiros, nos momentos amáveis de lazer e de folguedo.

O hábito escolástico de considerar o homem um animal racional é que nos faz

procurar nas lendas e mitologias o segrêdo de interpretação do universo.

O homem é um animal capaz de ser racional, mas que só muito raramente o


é.

Não peçamos, pois, aos longínquos antepassados, o de que ainda somos, de


certo

modo, tão pouco capazes.


O conjunto de crenças que a tradição elaborou, assim, entre os povos, não era

obra de filósofos prirnitivos mas de primitivos poetas. Os conhecimentos -


usado êsse

têrmo com a mais explícita das reservas - que daí decorriam e que
governavam a vida

emocional da tribo ou da raça no seu aspecto político e religioso, só podiam


subsistir

porque essa vida se dividia em dois reinos isolados: o da prática e o dos ritos,

cerimônias e lendas; o da realidade e o do espírito. As mais das vêzes, êsses


dois

reinos representavam duas classes distintas de pessoas. As primeiras


ganhavam a

vida, trabalhavam e lutavam com os conhecimento positivos e empíricos que


vinha

conquistando a humanidade e que lhe deram os instrumentos de caça e


guerra, o

domínio do fogo, e tôdas as artes práticas que permitiram ao homem viver. A


outra

classe de pessoas era a dos guardas das crenças, superstições e religiões,


guardas do

espiritual, que distribuíam aos demais homens as consolações e ilusões


necessárias

para florirem as árduas vicissitudes da sua luta.

Por motivo de distinção social histórica, os dois grupos de produtos mentais -


chamemo-los assim - o dos conhecimentos práticos e empíricos e o dos
sonhos,

tradições e ritos não se misturavam, como não se misturavam os homens que


os

serviam e que dêles se serviam.

A classe dos sacerdotes ou dos guardas dessa tradiçao mitológica era a classe

de domínio, de riqueza e de prestígio social. A mitologia se transformava,


assim, em

política. Distribuidores de ilusões e de consolações, os sacerdotes, os magos,


os

feiticeiros eram também os senhores, os donos e os tiranos. Havia, assim, um


secreto

interêsse em valorizar os produtos dessa tradição lendária e irracional da


humanidade.

Deve explicar-se, por aí, a persistência das superstições primitivas, mesmo


entre povos

que chegaram a urna expressão elevada de civilização.

Se os conhecimentos artísticos da humanidade, isto é, os conhecimentos

decorrentes da prática e da experiência, os conhecimentos que lhe deram as


indústrias

primitivas, se misturassem, fecundando-os, com os conhecimentos da


tradição, muito

outra seria a marcha do desenvolvimento intelectual do mundo.

Isso, porém, foi obstado, sobretudo pela separação de classes entre os que
labutavam nas indústrias e os que se entregavam ao estudo e à guarda das
religiões e

dos ritos. Tal divórcio, porém, acabaria por ser sentido. A massa de
conhecimentos

positivos, de conhecimentos concretos, conquistados pelos homens no


contato com as

coisas e a ação, crescia sempre. A incompatibilidade, entre êles e os costumes


e

ideais encarnados no código religioso e político dos povos, era inevitável.


Aquêles

promoviam as modificações, a ação e o progresso. Êstes promoviam a


conservação

das crenças, dos costumes e dos modos de viver. Não eram precisos
intelectuais

para descobrir o conflito. O conflito existia real, palpitante, irrespondível.


Mais grave,

porque nas crenças e nos costumes nunca houve idéia que por absurda
deixasse de

ser aceita. Tão pouco racional é o homem, que nunca a observação mais
elementar

pôde ser bastante para afastar as extravagâncias mais arrebatadas ou mais


ingênuas

que a imaginação do homem chegasse a elaborar.

O conflito se pronunciou, assim, de fato, real e gritante, nas modificações

trazidas pelo progresso das artes e do comércio e na incompatibilidade entre


os velhos

costumes e religiões e as necessidades crescentes de adaptação da


humanidade ao

real.

JOHN DEWEY percebe aí a origem da filosofia, como tem sido ela


entendida no

mundo ocidental.

O filósofo surgiu para reconciliar os dois mundos distintos, o do


conhecimento

empírico e positivo e o do conhecimento tradicional e religoso - em essência


poético -

da humanidade.

Històricamente, apontava JOHN DEWEY o que se deu com o movimento


dos

sofistas na Grécia. E a própria designação pejorativa com que os ferretearam


os

contemporâneos, é uma indicação da violência com que o conflito foi sentido,


quando

formulado por êsses primeiros filósofos da nossa raça intelectual.

Estranhar-se-á, entretanto, porque a luta não se feriu, de uma vez, e porque


não

surgiram da filosofia as regras luminosas do legítimo exercício da


inteligência. De um

lado, estavam os conhecimentos reais e positivos, empíricos e imperfeitos, é


certo,

mas que iam permitindo ao homem o contrôle das condições naturais e o


erguimento

de sua civilização material; do outro, os costumes, as tradições, as religiões,

consolidados em um sistema político, mas desapoiados de racionalidade, de


exatidão

ou de utilidade prática. Por que não se deu a destruição, que nos poderia
parecer

inevitável?

O progresso intelectual dos homens não se fêz por êsses golpes. Não há

mesmo processo de mais apavorante lentidão do que o que veio permitindo à

humanidade emergir vagarosamente da obscuridade primitiva para a


inteligência.

Entre os conhecimentos práticos e positivos do homem e os seus costumes e

tradições religiosos e poéticos, havia a própria essência de sua natureza, que


não é,

senão por conquista, racional. Històricamente, a sua natureza é tôda afeição e


ódio,

temor e esperança, desejo e apetite. Com as tradições religiosas, poéticas e


políticas

estavam os seus sonhos, as suas memórias, o seu passado, os seus amigos, a


sua

segurança, as suas consolações, tôda a viva palpitação da comunidade. Com


os
conhecimentos práticos e positivos estavam algumas utilidades - bem poucas
ainda -

que não chegavam a consolá-lo, mas apenas lhe permitiam viver e sofrer.

Todo o pêso das suas emoções o arrastava para a tradição. Tão grande era

êsse pêso, que homens como Sócrates, Platão e Aristóteles, não levaram a sua

audácia ao ponto de querer destruir as tradições, mas tão sòmente reconciliá-


las com

a razão. Se o primeiro foi condenado à morte, foi porque a reconciliação não


era ato

fácil como lhe parecia a êle próprio.

O que êle, porém, não conseguiu, foram-no conseguindo os demais filósofos.

Esta, a tese que DEWEY defende da origem da filosofia, quando não é

puramente destrutiva oti heterodoxa.

Pouco importa que, històricamente, a tese de DEWEY não esteja sempre com

todo o apoio. O seu ponto de vista não é, por isso, menos interessante para
nos

esclarecer certos caracteres reais encontrados na filosofia ocidental.

Em primeiro lugar, dada essa origem da filosofia, verifica-se que lhe faltou,
de

princípio, uma orientação desinteressada, sem preconceitos e sem parti pris.


A filosofia

não se iniciou para a busca pura e simples da verdade, fôsse ela qual fôsse. A
filosofia se iniciou para reconciliar produtos mentais já existentes. A sua
tarefa, a sua

missão era a de revelar os valôres existentes nos dois mundos - o dos


conhecimentos

positivos e o das tradições, morais e religiosas. Nessa pesquisa dos valôres


mentais

e reais da humanidade, a filosofia precisaria ser heróica para erguer-se contra


as

instituições sociais do tempo. A filosofia preferiu justificar, a mudar. Nem


mudar era

possível. Assim a filosofia podia ser definida, històricamente, como a


“justificação em

fundamentos racionais, do espírito, embora não da forma, das crenças e


costumes

tradicionais". (JOHN DEWEY).

Explica-se, daí, o feitio ambicioso da Filosofia, senhora da verdade última e

final, da verdade universal, trazendo para objeto dos seus estudos uma
verdade tão

ampla e tão imutável, que nela viessem a reconciliar-se o conjunto de


verdades

fragmentárias dos homens.

E, por outro lado, o feitio pedante, obscuro e aparatoso dos seus raciocínios e

sistemas. "Porque lhe faltasse, diz DEWEY, racionalidade intrínseca ao


objeto do seu
estudo, a filosofia procurou recursos numa parada de formas lógicas".

Para provar um fato real e prático, basta produzi-lo e apontá-lo aos outros - e

êsse é o método fundamental de demonstração.

Para provar, porém, "verdades de doutrinas que não podem ser aceitas senão

pela autoridade do costume ou pela autoridades social e que não são


suscetíveis de

verificação empírica, não há outro meio que o de ampliar e encarecer os


símbolos de

rigorosa especulação e rígida demonstração".

Decorre daí o caráter sibilino e sutil das filosofias, com especialidade das
que,

ainda depois dos gregos, foram arquitetadas na ldade Média, com a mesma
orientação

de justificar e racionalizar crenças e preceitos intrìnsecamente desprovidos de

fundamentos racionais.

A escolástica é, sem dúvida, pelo próprio abuso a que chegou, a ilustração


mais

rica e desenvolvida da atitude que estamos a comentar, aqui, a respeito da


origem das

filosofias.

Resumindo, temos que a filosofia, dada a sua origem, não representou

històricamente uma atividade desinteressada do espírito humano para a


pesquisa da
verdade; mas um esfôrço da inteligência, para justificar, com fundamentos
racionais,

costumes, crenças e instituições tradicionais da espécie humana.

Daí os seus caracteres históricos:

1) Ambição de explicar as coisas pelas suas razões finais e últimas.

2) Conseqüente caráter de universalidade do seu objeto, que incluía uma


síntese

completa do mundo e do homem.

3) Formalismo lógico a que teve de chegar dada a inverificabilidade dos


objetos do seu

estudo.

B) Aspectos modernos da filosofia

Que evolução sofreu a filosofia nos tempos modernos, que tenha podido

transformá-la de instrumento especializado de pesquisa de concepções


engenhosas

para a justificação e racionalização de verdades tradicionais, em um


instrumento

intelectual de trabalho para cada um de nós?

Verifiquemos, em primeiro lugar, que as filosofias só ilusòriamente tinham


objeto

próprio. Se a origem que lhes indicamos é verdadeira, as filosofias eram mais


um

método que uma matéria. O seu objeto era, em realidade, o conflito entre as
verdades

diferentes da

humanidade. A sua finalidade, resolver, reconciliar êsses conflitos.

Daí, porém, a passar à pesquisa de uma chamada verdade superior e final era

tão simples que os "filósofos" não resistiram à tentação.

E, então, o chamado

objeto da filosofia - o conhecimento das causas últimas e finais.

Buscar as causas últimas e finais e, ainda, o seu conhecimento, é tarefa que a

contingência dos homens e a contingência de um universo essencialmente


precário e

mutável nunca permitirão. O problema é, de si, sem sentido, desde que o


homem

adotou o método experimental.

Porque já agora urge uma digressão.

Vimos como desde os tempos mais remotos havia um conhecimento que

provinha da ação e da prática, que era empírico e experimental, e que


funcionava. O

selvagem sabia que o atrito entre dois pedaços de pau produzia o fogo. E êsse
saber

era um saber real, prático e positivo, um saber que resultava. Entre os gregos

êsses conhecimentos empíricos eram imensamente mais avultados. Tôda a


civilização artística e material da Grécia é um documento espantoso dêsse
progresso.

Por que, entretanto, os gregos, cuja agudeza de inteligência era tão


proverbial,

não puderam formular o método experimental e fazer dêle o instrumento de


pesquisa

da verdade em que se transformou mais tarde?

Pela fôrça da tradição, pela constituição real da sociedade e por uma

inexplicável e obstinada atitude de inteligência, os gregos não puderam


descobrir êsse

ôvo de Colombo que é o método experimental. Está, em parte em nossa


exposição

anterior, a tentativa de explicação histórica dêsse fato.

Para escapar à incerteza e precariedade inquietadoras de um universo em

permanente mudança, os homens buscaram, fora dêsse universo, ou nêle


mesmo, na

sua essência profunda, qualquer coisa de fixo ou de estável.

A êsse fixo e estável, a êsse imutável, lhes pareceu caberem tôdas as

qualidades que faltavam ao universo visível e experimentável. Tudo que se


move, que

passa e se transforma, é por essência imperfeito. Perfeito é só o que não muda


mais,

o que chegou à plenitude do ser, o que é, e nada mais. Decorria daí uma
hierarquia
de valôres. As coisas valiam mais, à medida que se aproximavam do
completo ser.

Tudo que mudava ou que sofria as contingências do que muda, estava


impregnado de

insuficiência, de imperfeição, de não ser. Entre a atividade prática do artesão


ea

atividade puramente intelectual do pensador, não podia, nessa escala, haver


dúvidas

quanto a graus de superioridade. Lidar com as coisas, fazer e construir, eram

atividades inferiores. Só a atividade intelectual podia oferecer as condições


de firmeza

e imutabilidade que aproximavam o homem da suma perfeição. A atividade


da razão

era, portanto, superior à atividade física.

Não era, pois, senão uma corrupção intelectual querer levar o raciocínio para
a

oficina ou laboratório.

O dualismo grego entre o mutável e o imutável gerou todos os demais

dualismos entre corpo e espírito, homem e natureza, fazer e pensar, conhecer


e fazer,

cultura e profissão, trabalho e lazer, etc., ctc.

Todos se originam de uma concepção dualista do universo, em que a

experiência humana não é percebida em sua continuidade, mas rompida em


dois tipos
diversos, uma contingente, inferior e incerta e outra fixa, estável e
permanente.

Semelhante dualismo impediu os gregos de se dedicarem ao método

experimental e pertubou também

por vários séculos a marcha da inteligência

humana, que se conservou até o século XVII nessa atitude estática e não
progressiva.

O reino dêsse dualismo sempre foi da filosofia. Graças a êle, a filosofia


marcou

passo indefinidamente, sendo objeto do humorismo humano que costumava


comparar

"o "filósofo" a um homem cego que procura num quarto escuro um chapéu
prêto que lá

não se acha".

As causas últimas e finais, a compreensão total do cosmos e o caráter

metacientífico de seus métodos - bastaram para fazer o descrédito da filosofia


e dos

fundadores de sistemas filosóficos.

Que resta, então, hoje da filosofia?

A reconstrução da filosofia, nos tempos modernos, acompanhou a mesma

história da reconstrução do pensamento científico ou artístico.

A velha atitude do filósofo, fundador do último sistema, e êsse, afinal certo e


permanente, deu lugar à atitude muito mais razoável e modesta do filósofo
moderno

que busca auxiliar a estabelecer o mais compreensivo método de julgar, com

integridade e coerência, os valôres reais da vida atual, para o efeito de dirigi-


Ia para

uma vida cada vez melhor e mais rica.

A história das filosofias, como a história das diversas verdades permanentes


e

eternas descobertas pelo homem, pode merecer os nossos motejos. Mas se a

compreendermos como a história "das aspirações, dos protestos e dos


predicamentos

da humanidade", é a mais maravilhosa das histórias.

À luz dêsse critério, a filosofia é um processo em marcha transformando-se,

modificando-se, reconstruindo-se na medida que o homem opera, nas outras

províncias de suas pesquisas, transformações, modificações e reconstruções.

Os velhos caracteres de totalidade, universalidade e última-causalidade são

conservados, mas reinterpretados à vista das condições modernas.

Hoje, como nas suas origens, é a filosofia uma tentativa de "compreender" os

aspectos da vida e do mundo em um todo único, para dar sôbre a experiência


humana,

em sua totalidade, uma visão tão completa e coerente quanto possível. Nesse
sentido
a filosofia se distingue da ciência, que é a série de conhecimentos verificados
e

sistematizados, não importando em nenhuma atitude geral sôbre as coisas.


Quando

começa a desprender-se da ciência essa atitude geral para com o homem e


para com

o universo, a ciência imerge na filosofia.

Por conseguinte, o caráter de generalidade e universalidade da filosofia não o


é

com relação ao objeto do seu conhecimento, mas em relação à direção e


atitude em

que se busca êsse conhecimento. Procura-se, aí, com efeito mais um ponto de
vista

coerente e harmônico em relação à pluralidade de acontecimentos que


ocorrem e os

conhecimentos que possuímos, do que um nôvo conhecimento geral e


universal.

Em relação às últimas causas, também se faz sentir o ponto de vista moderno.

Não é que se busquem realmente hoje causas últimas. É que, se em relação à

ciência o que se busca é a verdade, no sentido da sua objetividade verificável,


em

relação à filosofia o que se busca é penetrar no sentido íntimo e profundo das


coisas.

O sentido das coisas não se confunde com a verdade, como nos habituamos a
considerá-la em ciência.

É essa uma distinção que me parece de grande alcance. Há verdades e há

"coisas significativas", digamos assim, para traduzir o meaning inglês.

A verdade diz respeito a fatos e existências. No mais, não há verdades, mas

interpretações, sentidos, valôres. Ao ouvirmos uma sinfonia de Beethoven,


não há

uma verdade a verificar, há um sentido a perceber que pode ser menos ou


mais

profundo.

Em relação à filosofia, a atitude é muito semelhante. A filosofia não busca

verdades no sentido estritamente científico do têrmo, mas valôres, sentido,

interpretações mais ou menos ricas da vida.

Vai às "causas últimas" para usar a velha expressão, porquanto nos deve levar

à compreensão mais larga, mais profunda e mais cheia de sentido que fôr
possível

obter, do universo, à vista de tudo que o homem fêz e conhece na terra.

Filosofia tem assim tanto de literário quanto de científico. Científicas devem


ser

as suas bases, os seus postulados, as suas premissas, literárias ou artísticas as


suas

conclusões, a sua projeção, as suas profecias, a sua visão. E nesse sentido


filosofia
se confunde com a atividade de pensar, no que ela encerra de perplexidade,
de

dúvida, de imaginação e de hipotético. Quando o conhecimento é suscetível


de

verificação, transforma-se em ciência, e enquanto permanece como visão,


como

simples hipótese de valor, sujeito aos vaivéns da apreciaçao atual dos homens
e do

estado presente das suas instituições, diremos, é filosofia.

Filosofia é, assim, na frase de DEWEY, "a investigação e a inquirição sôbre o

que exige de nós o conjunto de conhecimentos atualmente existente ou o


conjunto dos

conhecimentos que temos".

Essa noção nos leva ao conceito de WILLIAM JAMES, quando afirma que
todos

possuímos uma filosofia, que é o sentido mais ou menos obscuro ou lúcido


que temos

do que a vida, honesta e profundamente, significa para cada um de nós. E é


com

êsse conceito, que podemos desdobrar indefinidamente, que desejamos


mostrar a

relação íntima e profunda entre a filosofia e a educação.

Se a filosofia é a indagação da atitude que devemos tomar diante das


incertezas
e conflitos da vida, filosofia é, realmente, como o queriam os antigos, a
mestra da vida.

É exatamente porque há dúvidas e incertezas e perplexidades que temos


necessidade

de uma filosofia. É porque o que sabemos em ciência briga com o que


sabemos em

religião e com o que sabemos em arte e estética e o que sabemos em


economia, que

precisamos de filosofia.

C) Filosofia e educação

Nos dias de hoje, quando a ciência vai refazendo o mundo e a onda de

transformação alcança as peças mais delicadas da existência humana, só


quem vive à

margem da vida, sem interêsses e sem paixões, sem amôres e sem ódios,
pode julgar

que dispensa uma filosofia.

Só com uma vida profundamente superficial podemos não sentir as


solicitações

diversas e antagônicas das diferentes fases do conhecimento humano, e os


conflitos e

perplexidades atordoantes da hora presente.

Na medida de nossas fôrças, construímos, então, uma filosofia e a ela nos

acomodamos, tão bem como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de


compreender e
de pacificar o espírito. Tais filosofias Individuais não se articulam, porém, em

sistemas filosóficos. Êsses, quando não são criações pedantes de gabinete,


mas

expressões reais de filosofia, representam e caracterizam uma época, um


povo ou

uma classe de pessoas. Porque, no sentido realístico de que falamos de


filosofia, tal

seja a vida, tal seja a civilização, tal será a filosofia. A filosofia de um grupo
que luta

corajosamente para viver, não é a mesma de outro cujas facilidades


transcorrem em

uma tranqüila e rica abundância.

Conforme o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada um.

A vida vai, porém, assumindo aspectos mais gerais, dia a dia, e os

predicamentos da filosofia irão também, assim, dia a dia, se aproximando.

À medida que se alargam os problemas comuns, mais vivamente sentida será


a

falta de uma filosofia que nos dê um programa de ação e de conduta, isto é,


uma

interpretação harmoniosa da vida e das suas perplexidades.

Está aí a grande intimidade entre a filosofia e a educação. “Se educação é o

processo pelo qual se formam as disposições essenciais do homem -


emocionais e
intelectuais - para com a natureza e para com os demais homens, filosofia
pode ser

definida como a teoria geral da educação", diz DEWEY.

"Com efeito", acrescenta êsse autor, "a não ser que uma filosofia seja

puramente simbólica ou verbal, ou predileção sentimental de alguns, ou


simples

dogma arbitrário, o seu julgamento da experiência e o seu programa de


valôres deve

concretizar-se na conduta e, portanto, em educação. E, por outro lado, se a


educação

não quer se transformar em rotina e empirismo, deve permitir que os seus fins
e os

seus métodos se deixem animar pelo inquérito largo e construtivo da sua


função e

lugar na vida contemporânea, que à filosofia compete prover".

Filosofia se traduz, assim, “em educação, e educação só é digna dêsse nome

quando está percorrida de uma larga visão filosófica. Filosofia da educação


não é,

pois, senão o estudo dos problemas que se referem à formação dos melhores
hábitos

mentais e morais em relação às dificuldades da vida social contemporânea".

Considerada assim, a filosofia, como a investigadora dos valôres mentais e

morais mais compreensivos, mais harmoniosos e mais ricos que possam


existir na vida
social contemporânea, está claro que a filosofia dependerá, como a educação,
do tipo

de sociedade que se tiver em vista.

A filosofia de uma sociedade democrática é diversa da filosofia de uma

sociedade despótica ou aristocrática.

Admitindo que nos achamos em uma sociedade democrática servida pelos

conhecimentos da ciência moderna e agitada, em princípio, pela revolução


industrial

iniciada no século XVIII, a filosofia deve procurar definir os problemas mais


palpitantes

dessa nova ordem de coisas e armá-los para as soluções mais prováveis.

Nenhuma das soluções pode ser definitiva ou dogmática. A filosofia de uma

sociedade em permanente transformação, que aceita essa transformacão e


deseja

torná-la um instrumento do própria progresso, - é uma filosofia de hipóteses e


soluções

provisórias.

O método filosófico será, assim, experimental, no sentido de que as soluções

propostas serão hipóteses sujeitas à confirmação das conseqüências.

Os ideais e aspirações, contidos no sistema social democrático, envolvem a

igualdade rigorosa de oportunidades entre todos os indivíduos, o virtual

desaparecimento das desigualdades econômicas e uma sociedade em que a


felicidade

dos homens seja amparada e facilitada pelas formas mais lúcidas e mais
ordenadas.

Essas aspirações e êsses ideais serão, porém, uma farsa, se não os fizermos
dominar

profundamente o sistema público de educação.

WELLS disse, em alguma parte, que estamos hoje a assistir, no mundo, a um

páreo entre a educação e a catástrofe iminente da civilização.

Sem chegarmos à hipóese vigorosa de WELLS, reconheçamos que nunca se

pediu tanto à educação e nunca foram ão pesadas as responsabilidades qe


estão

sôbre os nossos ombros.

De todos os lados lhe batem à porta. De todos os lados as instituições

humanas se abalam e se transformam. Transforma-se a família, transforma-se


a vida

econômica, transforma-se a vida industrial, transforma-se a igreja,


transforma-se o

estado, transformam-se tôdas as instituições, as mais rígidas e as mais sólidas


- e de

tôdas essas transformações chegam à escola um eco e uma exigência ...

A escola tem que dar ouvidos a todos e a todos servir. Será o teste de sua

flexibilidade, da inteligência de sua organização e da inteligência dos seus


servidores.
Êsses têm de honrar as responsabilidades que as circunstâncias lhes confiam,
e

só o poderão fazer, transformando-se a si mesmos e transformando a escola.

O professor de hoje tem que usar a legenda do filósofo: “Nada que é humano

me é estranho”.

Tem de ser um estudioso dos mais embaraçosos problemas moderno, tem que

ser estudioso da civilização, tem que ser estudioso da sociedade e tem que ser

estudioso do homem; tem que ser, enfim, filósofo ...

A simples indicação dêsses problemas demonstra que o educador não pode


ser

equiparado a nenhum técnico, no sentido usual e restrito da palavra. Ao lado


da

informação e da técnica, deve possuir uma clara filosofia da vida humana, e


uma visão

delicada e aguda da natureza do homem.

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