COMO A NARRATIVA AFETA O CÉREBRO E O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA
As histórias tornam a informação compreensível e memorável e a narração delas
provavelmente existe desde que existe a vida humana. Neurocientificamente falando, ao se apresentar fatos, apenas duas áreas do cérebro são ativadas, a de Broca e a de Wernicke. Em geral, esse tipo de informação é processado pelo cérebro e passa por uma decodificação das palavras que possuem sentido, mas, pouco acontece em seguida. Contudo, ao se contar uma história, até sete regiões corticais são ativadas. Falar de música ativa o córtex auditivo, temas que abordem movimento, desencadeiam atividades no córtex motor. Contar uma história não promove apenas uma imagem mental; também proporciona a experimentação da história contada. Pesquisadores da Espanha descobriram que a narrativa é muito mais poderosa do que a comunicação de mensagens ou fatos, pois a ciência cognitiva já a reconheceu como uma forma de organização básica da memória, e essa prática ocorre desde a primeira infância, quando contamos histórias sobre nossas ações e experiências, onde o objetivo principal não é a precisão, mas a coerência. Histórias são pessoais e emocionalmente mais atraentes para convencerem o cérebro e, portanto, são mais bem lembradas do que um conjunto de fatos informados. Desse modo, relacionar essas informações científicas com a fala da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, “O perigo da história única” (TED Talks, 2009), proporciona uma reflexão sobre como as narrativas afetam o cérebro, especialmente se estas se prestam a uma só história, contada repetidas vezes, pois pode se tornar uma verdade única, um dogma, e é aí que reside o perigo. A verdade pode ser outra e os equívocos e estereótipos ganham corpo e se perpetuam. Chimamanda revelou que uma colega de quarto na universidade se espantou ao perguntar como onde ela havia aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando a escritora respondeu que o inglês era a língua oficial da Nigéria. Também pediu para ouvir sua “música tribal”, que tocou uma canção de Mariah Carey, causando grande desapontamento à colega. Esse episódio fez Chimamanda perceber que a colega sentira pena dela antes mesmo de tê-la visto, pelo fato de conhecia apenas uma única história sobre a África, de catástrofe, ausente da possibilidade de os africanos serem seus iguais. Essa “história única” agiu como um estimulador dos estereótipos. Do mesmo modo, a escritora também conhecia apenas histórias únicas sobre os pobres (não pareciam ser capazes de criar coisas), mexicanos (seriam imigrantes abjetos) e outros povos e lugares. Saber de suas realidades deixou Chimamanda envergonhada por ser ela uma conhecedora de “histórias únicas”. A repetição de narrativas sobre uma mesma história, única, sem outras versões, provavelmente ativou o cérebro de Chimamanda Adichie em várias funções como memória e cognição, percepções sensoriais, motoras etc. A mesma narrativa, exposta de forma reincidente, atuou de modo poderoso na ativação de várias áreas corticais do cérebro de Chimamanda. Contudo, essas mesmas áreas podem ser ativadas para novas narrativas de histórias que passarão a não ser mais únicas.