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A Falácia da Geoengenharia

21. novembro 2017 por Barbara Unmüßig

Creator: Jeff Mitchel. Esta imagem está sob licença de Creative Commons.

Artigo originalmente publicado em Project Sindycate <https://www.project-


syndicate.org/commentary/climate-change-geoengineering-false-promise-by-
barbara-unmuessig-2017-10/portuguese> , disponível em 10 idiomas.

BERLIM – Enquanto o mundo se esforça


<https://www.nytimes.com/2017/06/02/climate/climate-goals-paris-accord.html?
_r=0> para controlar as emissões de gases com efeito de estufa e limitar o
aquecimento planetário, uma nova bala de prata tecnológica está a ganhar
adeptos. A geoengenharia
<http://etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/etc_geoeng_briefing_usletter_
– a manipulação em larga escala dos sistemas naturais da Terra – foi popularizada
como meio de neutralizar os efeitos negativos das alterações climáticas.

Os defensores desta ciência alimentam a ilusão de que existe forma de engendrar


uma saída da crise climática, cumprir os objetivos do acordo climático de Paris de
2015 e manter um estilo de vida pesado.

No entanto, esta solução não é tão simples como os defensores desta ciência nos
querem fazer crer. A aposta na engenharia climática – seja como uma apólice de
seguro para o planeta ou como uma medida de último recurso para combater o
aumento das temperaturas - não só é arriscada, como também afasta a atenção da
única solução que sabemos que irá funcionar: a redução das emissões de carbono.

Cada uma das tecnologias de engenharia em debate


<http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1674927815000830> acarretam
perigos e incertezas. Por exemplo, a única maneira de testar a eficácia da gestão
da radiação solar (GRS) numa escala mundial seria através da realização de
experiências no ambiente – pulverização de partículas na estratosfera ou
modificação artificial das nuvens. Embora tais testes
<http://www.etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/etc_briefing_why_srm_
fossem concebidos para determinar se a GRS poderia refletir um nível suficiente
de luz solar para arrefecer o planeta, a experiência em si poderia causar danos
irreversíveis. Os modelos atuais <http://climate.envsci.rutgers.edu/GeoMIP/>
prevêem que a implantação da GRS iria alterar os padrões globais de precipitação,
prejudicar a camada de ozônio e comprometer os meios de subsistência de
milhões de pessoas.

Para além dos riscos ecológicos, os críticos alertam


<http://climate.envsci.rutgers.edu/pdf/20Reasons.pdf> para o fato de a GRS poder
gerar armas potentes após a sua implantação a nível mundial, conferindo aos
Estados, empresas ou indivíduos a capacidade de manipular o clima para obter
benefícios estratégicos (uma ideia à qual nem Hollywood consegue resistir
<http://www.imdb.com/title/tt1981128/> ). Contudo, talvez a crítica mais
importante seja de natureza política: num mundo em que o multilateralismo é
desafiado, como seriam administradas as intervenções ecológicas mundiais?

Perguntas semelhantes são suscitadas em torno de outro grande grupo de


tecnologias de engenharia climática em debate – a designada eliminação do
dióxido de carbono (EDC). Os defensores destas tecnologias propõem a eliminação
do CO2 da atmosfera e o seu armazenamento no subsolo ou nos oceanos. Algumas
abordagens no âmbito da EDC já foram proibidas, devido a preocupações com
possíveis consequências ambientais. Por exemplo, a fertilização dos oceanos com
plâncton susceptível de fixar o carbono foi proibida
<http://www.etcgroup.org/content/brief-primer-ocean-fertilization-cbd-and-
london-convention-and-protocol#_ftn1> em 2008 pelo Protocolo de Londres
relativo à poluição marinha
<http://www.imo.org/en/OurWork/Environment/LCLP/EmergingIssues/geoengineeri
. As partes envolvidas nesta decisão estavam preocupados com os potenciais danos
para a vida marinha.

No entanto, outras abordagens em matéria de EDC estão a ganhar apoio. Uma das
ideias mais debatidas visa a integração da biomassa com técnicas de captura e
armazenamento de carbono (CCS). Designado por “bioenergia com CCS” ou BECCS,
este método procura unir as capacidades de absorção de CO2 das plantas de
crescimento rápido com métodos de armazenamento subterrâneo de CO2. Os
defensores do método argumentam que o BECCS produziria efetivamente
emissões “negativas”.

No entanto, à semelhança do que acontece com outras soluções de engenharia, as


promessas são boas demais para ser verdade
<http://www.biofuelwatch.org.uk/wp-content/uploads/BECCS-report-HBF-web.pdf>
. Por exemplo, seriam necessárias grandes quantidades de energia, água e de
fertilizantes para fazer funcionar adequadamente os sistemas BECCS. Os efeitos
sobre o uso dos solos resultariam provavelmente na perda de espécies terrestres,
bem como no aumento da disputa pelos solos e na deslocação das populações
locais. Algumas previsões sugerem que as atividades de desbravamento de
terrenos e de construção associadas a estes projetos poderiam levar a um aumento
líquido das emissões de gases com efeito de estufa, pelo menos a curto prazo
<https://www.nature.com/polopoly_fs/1.19318!/menu/main/topColumns/topLeftColu
.

Além disso coloca-se a questão da escala. Para que o BECCS alcançasse os limites
de emissões estabelecidos pelo acordo de Paris, seriam necessários entre 430
milhões e 580 milhões de hectares (entre 1,1 mil milhões e 1,4 mil milhões de
acres) de terras para cultivar a vegetação necessária. Isto representa um terço da
terra arável do mundo <http://avoid-net-uk.cc.ic.ac.uk/wp-
content/uploads/delightful-downloads/2015/07/Synthesising-existing-knowledge-
on-the-feasibility-of-BECCS-AVOID-2_WPD1a_v1.pdf> .

Simplificando, existem formas mais seguras e comprovadas de eliminar o CO2 da


atmosfera. em vez de criar explorações artificiais de fixação de CO2, os governos
deveriam concentrar-se na proteção dos ecossistemas naturais já existentes e
permitir a recuperação dos ecossistemas degradados. As florestas tropicais, os
oceanos e as turfeiras (como os pântanos) possuem uma imensa capacidade de
armazenamento de CO2 e não necessitam de manipulação tecnológica não testada.

Ao apresentarem tecnologias hipotéticas como cura para todos os males


responsáveis pelas alterações climáticas, os seus defensores estão a sugerir que o
mundo se vê confrontado com uma escolha inevitável: a geoengenharia ou a
catástrofe. Mas isto não é verdade. São as preferências políticas, e não a
necessidade científica ou ecológica, que explicam o entusiasmo pela
geoengenharia.

Infelizmente, os debates atuais sobre engenharia climática são antidemocráticos e


dominados por visões mundiais tecnocráticas, perspectivas das ciências naturais e
da engenharia e interesses instituídos nas indústrias dos combustíveis fósseis. Os
países em desenvolvimento, os povos indígenas e as comunidades locais devem
ser chamados a pronunciar-se, de modo que todos os riscos possam ser totalmente
considerados antes do ensaio ou implementação de qualquer tecnologia de
geoengenharia.

Assim sendo, que debate devemos manter em matéria de geoengenharia?

Para começar, é necessário repensar a panorâmica de governança existente. Em


2010, as partes na Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica
(CDB <https://www.cbd.int/> ) concordaram com uma moratória internacional de
<https://www.cbd.int/decision/cop/default.shtml?id=12299> fato
<https://www.cbd.int/decision/cop/default.shtml?id=12299> sobre a geoengenharia
relacionada com o clima. Atualmente, contudo, com defensores poderosos a
exercerem tanta pressão para fazer sair do laboratório as tecnologias de
geoengenharia, as proibições informais já não são suficientes. O mundo necessita
urgentemente de um debate honesto sobre a investigação, a implementação e a
governança associadas a estas tecnologias; A CBD e o Protocolo de Londres são
pontos de partida
<https://www.boell.de/sites/default/files/etc_hbf_geoeng_govern_usletter_sept2017_v
dimension1=division_iup> fundamentais para estes debates sobre governança.

Entre as tecnologias que exigem maior prudência encontram-se os projetos de EDC


que ameaçam as terras indígenas, a segurança alimentar e a disponibilidade de
água. Estes esquemas tecnológicos de grande escala devem ser regulamentados de
forma diligente, para garantir que as soluções para as alterações climáticas não
afetam negativamente o desenvolvimento sustentável ou os direitos humanos.

Além disso, os testes ao ar livre e a implantação de tecnologias de GRS devem ser


banidos de forma definitiva tendo em conta o seu potencial para prejudicar os
direitos humanos, a democracia e a paz internacional. Esta proibição deve ser
supervisionada por um sólido e responsável mecanismo de governança global
multilateral.

Ainda não foi encontrada nenhuma bala de prata para as alterações climáticas.
Além disso, embora as tecnologias de geoengenharia continuem a ser sobretudo
uma ambição, existem opções de mitigação
<https://www.boell.de/sites/default/files/change_of_course.pdf> reconhecidas que
podem e devem ser ativamente implementadas: o desenvolvimento das energias
renováveis, a eliminação gradual dos combustíveis fósseis (incluindo o
encerramento antecipado das infra-estruturas fósseis existentes), o recurso
alargado à agricultura agro-ecológica sustentável e o aumento das energias e dos
recursos utilizados na nossa economia.

Não podemos dar-nos ao luxo de brincar com o futuro do nosso planeta. Se


promovermos debates sérios sobre medidas ecologicamente sustentáveis e
socialmente justas para proteger o clima da Terra, não haverá necessidade de
lançar os dados da geoengenharia.

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