Você está na página 1de 5

TRAGÉDIA E CASTIGO EM OS PERSAS DE ÉSQUILO

Daniel Gomes Cunha

Resumo: O caráter religioso do pensamento esquilino se confunde com a maestria técnica envolta no
enredo e produção de sua tragédia grega clássica, Os persas. Percebe-se que mito e realidade histórica
formam, harmoniosamente, uma narrativa capaz de exprimir da melhor maneira possível o
pensamento ético-teológico de Ésquilo. A leitura critica de Os persas nos traz uma excelente
compreensão da formação do ethos nacionalista grego. Para quem se aproxima com cuidado numa
primeira ocasião do texto de Os Persas, perceberá não apenas o requinte linguístico utilizado por
Ésquilo na sua composição, mas também, elementos deveras interessantes do ponto de vista estrutural
e narrativo.

Palavras-chave: Persas. Ésquilo. Tragédia. Castigo. Hýbris. Grécia. Mito.

1. Introdução

Se a proposta de Ésquilo de apresentar uma tragédia é sensibilizar as emoções do


público, ele de fato conseguiu e com muito mérito.
Vejamos o cenário apresentado: a angústia toma conta dos Anciãos do reino Persa e da
Rainha Atossa. Xerxes partiu para a batalha contra os gregos e não se tem notícias suas. Os
persas lamentam no palácio, após o anuncio do mensageiro sobre a derrocada do exército de
Xerxes, questionado por sua Rainha sobre tremendo acontecimento, ele põem-na a par do
terrível. Estupefatos conclamam o espectro do falecido Rei Dario e lhe anunciam a desolação
acontecida. O rei, representado em forma de uma sombra, repreende as ações de seu filho e
lhes apresenta em seu julgamento os motivos pelos quais Xerxes caiu em desgraça.
A imprudência de Xerxes exalta a coragem grega, o numeroso exército persa, não é
suficiente para sua sabedoria e perspicácia.
Apesar de se tratar de uma peça grega que naturalmente deveria agradar e engrandecer
aos gregos em todos os aspectos, por evocar e elogiar sua própria cultura naturalmente. Este
texto se esquiva desses padrões, sem desmerecer sua cultura, pelo contrário, gera no público,
talvez num primeiro momento de sua história, uma percepção do estrangeiro que talvez não
conhecessem.
O autor consegue trazer no apelo gerado pelo drama, que põe figuras externas da
sociedade grega, que até então eram rivais bélicos em guerra a uma transposição de

Aluno do curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). E-mail: danielgcunha77@gmail.com. O presente texto foi produzido para a disciplina de
Estética I, ministrada pelo professor Jasson Martins.
1
sentimentos quanto ao que consideravam bárbaros. O poder da comoção transpassa a cultura,
no momento em que é representado nos outrossuas emoções.

2. Castigo dos deuses

A figura de Dario é reconhecida no texto, do ponto de vista persa, como uma figura de
prudência e sabedoria, a qual nitidamente se contrapõe as ações de Xerxes caracterizadas
como imprudentes e levianas. Aqui se apresenta não apenas um contraste de valores éticos,
como também, implicitamente, numa leitura subliminar, exalta a própria Grécia. Deve se
notar que Ésquilo também participou das batalhas contras os Persas durante sua vida, de
alguma forma isso pode ter alimentado seu gênio criativo, não diferente dos heróis gregos ele
via no desenrolar dos fatos o entrelaçamento entre o divino e o humano (cf. LESKY, 1995, p.
271). Pertinente é ressaltar que a ambição de Xerxes é um reflexo inspirado na glória
atribuída ao seu pai pelo povo da Pérsia. Entretanto, Ésquilo encena esses ideais persas como
sendo o pecado que os levaram a trágica destruição (cf. LESKY, 1995, p. 276).
Temos no texto o elemento mítico como marca da obra de Ésquilo, não só de sua obra,
mas como apresenta a crítica, ele comunga de uma crença tradicional grega, serem
influenciados pelos deuses os acontecimentos bons ou ruins, inclusive aqueles que levaram a
narrativa de Os persas, como destaca Albin Lesky:

Neste solo cresceu aquele profundo saber do entrelaçamento de todo


acontecer humano no divino, saber que constitui, como nenhum outro, o
elemento fundamental da tragédia de Ésquilo (LESKY, 1996, p. 97).

É o conceito de hýbris que norteiam, em linhas gerais, a narrativa que se desencadeia


em Os persas. É ela que induz Xerxes ao seu erro fatal. Hýbris pode ser entendida como; uma
“arrogância que ultrapassa os limites do lícito” (LESKY, 1996, p. 102), de certa forma ela é
entendida como um pecado, uma falta contra a soberania dos deuses que regem o destino dos
homens, furiosos lançam-no a Ate, uma forma de enredar os homens cegamente no orgulho
que os induz a perdição. Rodrigues nos apresenta em seu artigo sobre Os persas uma melhor
definição sobre este conceito, para ele a hýbris:

Representa uma quebra na harmonia entre deuses e homens: à medida que os


homens tornam-se gananciosos, afastam-se do comedimento em relação às
divindades; ou seja, ao ser acometido por essa força, o mortal rompe com os

2
desígnios dos deuses, desestruturando as leis que regem a justa proporção
entre o universo humano e divino (RODRIGUES, 2007, p. 8).

A existência dos homens é ameaçada pela hýbris, pois os deuses o conduzem ao seu
castigo, devido sua culpa pelo erro da soberba. É a Ate que ofusca a visão do homem e o leva
a tombar, a perecer. Essas forças de justiça para o castigo são, na melhor concepção, forças de
equilíbrio. Essa força não é apenas a ação de um deus sobre a ação do homem, mas o “trágico
é efeito tanto do homem quanto do deus em igual medida”. É um caminho de justiça, punição
e aprendizado, pois o trágico produz amadurecimento. Conhecer através da dor (cf. LESKY,
1996, p. 104).

3. Elegância e grandeza

Ésquilo provou seu talento e perspicácia ao nos apresentar Os persas, uma análise
critica é capaz de demonstrar isso. O fato de pôr o diálogo na boca dos antagonistas
estrangeiros já adquire maestria na elaboração de uma dimensão nova na apreciação de uma
peça. Também na composição da obra, com diversas referências a nomes de pessoas
estrangeiras utilizando a proximidade do dialeto bárbaro com sua língua grega e a
mensuração; da grandeza, do poderio militar, em descrições do grandioso exército persa,
ressaltam não só a hýbris como o caráter dramático e o apelo a apreciação do espectador da
tragédia.

Em lugar de escrever uma peça sobre a vitória grega, Ésquilo preferiu


concebê-la do ângulo do antagonista: a derrota persa em Salamina. Ao fazê-
lo, imaginou que essa perspectiva facilitaria suas invenções verbais. Há
ações e cenas interessantes no drama, mas nada que supere o que o poeta
realiza no plano da escritura. Dificilmente encontraremos melhor exemplo
teatral de sobriedade melancólica (VIEIRA, 2013, p. 15).

A opulência do exército persa em relação ao anonimato das figuras gregas, em que


Ésquilo se esquiva de apresentar, não é em vão, se deve ao fato de entender sua concepção da
relação política da Grécia de seu tempo. Não apenas o modo como os gregos triunfam contra
tamanho inimigo, ou como os deuses gregos são maiores do que a soberba estrangeira, mas
sim, a valorização do ideal político de participação conjunta do todo que é ordenado e
aprovado pelos deuses, como nos apresenta Fialho:

3
Pela terra pátria, pelo oikos, pelos deuses e pelos antepassados se exortam os
Gregos mutuamente a combater, defendendo a liberdade – ao carácter uno e
coeso da sua acção responde a terra com um eco e os deuses com a vitória: é
que a vitória é, antes de mais, manifestação da vontade divina. Igualmente o
atesta o súbito inverno do Estrímon, que logo entra em degelo, por acção dos
deuses, na ficção esquiliana, a contribuir para a morte do inimigo. Assim o
confirmará Dario, na sua solene aparição (FIALHO, 2004, p. 217).

O sentido de unidade da nação representando o ideal político da Grécia, e sendo


defendido pelos deuses na vitória contra os persas, reflete como uma oposição ao pecado da
soberba e surge como um valor ético de máxima estima.

4. Conclusão

Assim como o visto e não muito diferente de outros povos antigos, a relação do
pensamento religioso e a influência do mito na formação dos valores morais, atrelando as
ações e responsabilidades humanas aos juízos das divindades, propõem mais do que um
recurso lírico e metafórico. A associação do relato com a aprovação ou reprovação do deus
pode ser entendida como uma justificação destes próprios valores culturais. Todo valor é
justificado, conquanto seja associado ao desígnio ou vontade daquele que representa e detém
o poder sobre os eventos da vida e da natureza e é o limite máximo da compreensão humana
de perfeição.
A obra de Ésquilo tem não só um valor artístico, mas também, moral, religioso e
histórico. Em todos esses aspectos ela ressalta a beleza da ética grega, exalta a grandeza dos
deuses pátrios, neste caso Zeus, o poderoso do Olimpo, abateu a arrogância dos Persas para
garantir a vida dos Gregos. Uma tradição erigida sobre aquilo que é dramático, belo, sagrado,
reflexivo e histórico. Os persas consegue em todos os efeitos ser uma grande obra do estilo
trágico.

Referências

ÉSQUILO. Os persas. São Paulo: Perspectiva, 2013.

LESKY, Albin: História da literatura Grega. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,


Lisboa, 1995.

______. A tragédia grega. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.

FIALHO, Maria do Céu. Os Persas de Ésquilo na Atenas do seu tempo. Máthesis, n 13, ,
2004, p. 209-225.
4
RODRIGUES, M. A. Mito e História em Persas de Ésquilo. Vocábulo, v. 12, 2007, p. 1-18.

VIEIRA, Trajano. Escritura dramática. In: ÉSQUILO. Os persas. São Paulo: Perspectiva,
2013, p. 9-23.

Você também pode gostar