Você está na página 1de 35

Para citar este texto:

VASCONCELLOS, Celso dos S. Para Não Desistir da Docência. In: Gestão da Sala de Aula. São Paulo:
Libertad, 2018 (no prelo).
[maio de 2018]

Para Não Desistir da Docência


—Subsídios para Reflexão e Ação—
PREÂMBULO .................................................................................................................................................... 1

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 4

I-A DESISTÊNCIA EM QUESTÃO ................................................................................................................... 7

II-ENFRENTANDO ARGUMENTOS INIBIDORES ........................................................................................... 9

1.Argumentos Relacionados à Inviabilidade de ser Professor .................................................................................... 10


a)“O salário é muito baixo” ......................................................................................................................................... 10
b)“Há muita violência na escola”................................................................................................................................. 13
c)“Atualmente o professor é tudo: pai, mãe, psicólogo, menos professor”.................................................................. 14

2.Argumentos Relacionados à Dificuldade de ser Professor ....................................................................................... 15


a)“A família não colabora” .......................................................................................................................................... 15
b)“Os alunos estão desinteressados” ............................................................................................................................ 16
c)“É sempre culpa do professor” ................................................................................................................................. 16
d)“Os sindicatos nem sempre ajudam” ........................................................................................................................ 18

3.Argumentos Relacionados à Perda da Importância do Professor ........................................................................... 18


a)“Informação há em todo lugar”................................................................................................................................. 18
b)“É o aluno quem aprende, portanto, o professor é dispensável” ............................................................................... 18
c)“O importante é aprender a aprender, logo, os conteúdos não são relevantes” ......................................................... 19

4.Argumentos Relacionados aos Limites da Escola e do Professor ............................................................................ 19


a)“Na verdade, eu não tinha o sonho de ser professor”................................................................................................ 19
b)“O professor fica pouco tempo com aluno, seu trabalho tem pouca chance de dar resultado, pois o que faz aqui
dentro é desfeito lá fora. Sinto-me impotente...” ......................................................................................................... 19
c)“Há uma grande defasagem entre o conteúdo escolar e o científico” ....................................................................... 21
d)“O ritmo de mudança da escola é muito lento em relação ao da tecnologia” ........................................................... 21
e)“Falta ‘aparato tecnológico’ na escola; muitos professores só dispõem de saliva e giz” .......................................... 22

III-RESGATANDO AS GRANDES ALEGRIAS DA DOCÊNCIA.................................................................... 22

1.Atividade Extremamente Relevante ........................................................................................................................... 23

2.Encontro Humano ....................................................................................................................................................... 24

3.Aprendizagem .............................................................................................................................................................. 25

4.Ensino ........................................................................................................................................................................... 25

IV-SINTETIZANDO: ESTRATÉGIAS PARA O RESGATE DO QUERER (E DO PODER) DO PROFESSOR


......................................................................................................................................................................... 27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................... 29

ANEXO: POSSÍVEIS MEDIAÇÕES ................................................................................................................ 32


Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Para Não Desistir da Docência


—Subsídios para Reflexão e Ação—
Celso dos S. Vasconcellos1

Há homens [e mulheres] que lutam um dia e são bons


Há outros que lutam um ano e são melhores
Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons
Mas há aqueles que lutam a vida toda
Estes são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht (1898-1956)

Preâmbulo
Há professores desistindo da docência! Este fato não é novo; a novidade é o aumento
expressivo da desistência, sobretudo quando consideramos não apenas aqueles que efetivamente
pedem demissão, mas os que se demitem da função docente e continuam a atuar nas escolas.
Isto nos preocupa muito, muito mesmo em função da mais alta relevância da profissão docente.
O fenômeno da desistência docente é bastante complexo, tendo um leque enorme de
motivações.2 Assim sendo, seu enfrentamento também tem múltiplas frentes de atuação. Em
grandes linhas, podemos categorizar estas formas de atuação em dois grandes campos: Objetivo
e Subjetivo.

Dialética Objetividade-Subjetividade
Do ponto de vista Objetivo, podemos vislumbrar um conjunto de demandas que passa
fundamentalmente pelas questões da remuneração (salário, plano de carreira, concurso, etc.) e
das condições de trabalho (número de alunos em sala, instalações e equipamentos, quadro
funcional completo, material didático adequado, trabalho coletivo constante, gestão democrática,
ambiente de trabalho, indisciplina, violência da comunidade, dos alunos e/ou dos pais, burocracia,
assédio moral dos colegas, solidão, aula em várias escolas e/ou de outras matérias para
completar carga horária, rotatividade dos profissionais da escola, etc.). Há também o desafio da
organização política da categoria para as necessárias lutas. Além disso, pesam a falta de apoio
dos pais, a transferência de suas responsabilidades para a escola/professor, e a desvalorização
da profissão docente na sociedade como um todo. A docência é uma das profissões mais bonitas
e mais complexas! Todavia, paradoxalmente, muitas vezes, é uma das mais banalizadas e
desvalorizadas!
Do ponto de vista Subjetivo, temos de enfrentar toda a hipercomplexa questão do sentir,
querer, pensar, falar, fazer humano. A questão da subjetividade pode parecer pequena frente à da
objetividade, com toda sua concretude, suas contradições tão radicais que tanto fazem sofrer os
professores (e estudantes!). Há apenas um pequeno “detalhe”: toda ação no campo objetivo é
realizada (ou não) por um sujeito (pessoal e/ou coletivo)!
Para “complicar” um pouco a montagem desta equação, não devemos esquecer que o
sujeito não é “um anjo”, um ser abstrato, mas que, pelo contrário, é constituído na placenta social.
Já dizia o velho Marx, O indivíduo é o ser social (1989: 195); Ortega y Gasset (2005), na mesma

1.Prof. Celso dos Santos Vasconcellos é Doutor em Educação pela USP, Mestre em História e Filosofia da Educação
pela PUC/SP, Pedagogo, Filósofo, pesquisador, escritor, conferencista, professor convidado de cursos de graduação e
pós-graduação, consultor de secretarias de educação, responsável pelo Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e
Assessoria Pedagógica. celsovasconcellos@uol.com.br www.celsovasconcellos.com.br
2.Há, inclusive, uma desistência que é bastante positiva: daqueles que estavam no magistério por “acidente”, por uma

questão de sobrevivência ou mesmo por “bico” para complementar a renda. Todavia, estes, em geral, são poucos.
1
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

linha, afirma que O homem é o homem e suas circunstâncias; Wallon (1979) diz que somos
geneticamente sócias; Vygotsky (1984) nos lembra que as funções psicológicas superiores
primeiro estão entre nós e só depois em mim (inter  intrapsíquico), etc.
A saída para o equacionamento desta complexa composição da realidade é a dialética
entre Objetividade e Subjetividade, qual seja, uma supõe, nega e supera a outra, num contínuo
movimento, sem que haja um ponto de “gênese absoluta”, isto é, um ponto do qual
necessariamente deveria se começar a mudança. Como nos lembra Morin (1998: 14), Qualquer
um de nós, onde quer que esteja, está na luta inteira!

O Papel Imprescindível da Subjetividade


A vantagem dos elementos objetivos que interferem na desistência docente é, perdoem a
redundância, sua objetividade, qual seja, sua concretude: não é preciso muita elucubração para
saber que o salário é um ponto importantíssimo para a configuração digna da atividade docente.
Já em relação à subjetividade não temos a mesma clareza, a não ser num ponto: seu papel
absolutamente imprescindível para o enfrentamento das questões objetivas, já que as condições
objetivas não se alteram por si mesmas: pedem a intervenção do sujeito (logo, dependem de uma
nova subjetividade).3
Neste texto, buscamos dar nossa contribuição, com todas suas possibilidades e limites, no
campo que nos é possível dar através da escrita: a subjetividade. Lutar com a palavra! (Brandão)
Temos clareza de várias frentes de luta a serem fortalecidas ou desencadeadas no campo
objetivo. Porém, se não houver um sujeito em pé, querendo, acreditando, nada irá acontecer (pelo
menos naquilo que diz respeito à contribuição que aquele sujeito singular poderia dar).
Ocorre que, muitas vezes, há uma descrença em relação a tudo aquilo que seja “teoria”,
reflexão mais rigorosa. Podemos verificar isto em frases comuns como “na prática, a teoria é
outra; falar é fácil, o difícil é fazer; o papel aceita qualquer coisa; é tudo blábláblá; conversa para
boi dormir”; etc.
Imaginem um professor marcado por esta descrença e que, além disto, não está vendo
sentido em sua profissão, que por exemplo acha que com as mudanças tecnológicas o magistério
não tem mais função, que acha que não pode fazer nada (“uma andorinha não faz verão”), que
ação irá desencadear? Nenhuma, a não ser pedir demissão, se tiver um mínimo de coragem... É
clássica a afirmação que O pior inimigo é aquele que se instala em nós sem nos darmos conta. No
dia a dia, uma série de interrogações ou afirmações sobre a desvalia do professor vão sendo
feitas:

“Já passou o tempo do professor; informação hoje tem-se em qualquer lugar, não precisando mais
da escola e do professor; se até os pais conseguem ensinar, para quê o professor?; o professor
passa apenas algumas horas com os alunos, que influência pode ter?; quem sabe faz, quem não
sabe ensina; atualmente temos de ser tudo pai, mãe, psicólogo, assistente social, menos
professores; se é o aluno que aprende, para quê o professor?; como concorrer com a tecnologia, se
temos apenas saliva e giz?”; etc.

Ao não serem confrontadas, acabam configurando negativamente sua subjetividade. Como


sabemos, as ideias (insistimos, algo aparentemente tão frágil quando confrontadas com a
objetividade) que nos habitam têm consequências muito concretas, podem potencializar a ação
ou inibi-la!

Se alguém (...) me perguntar, com irônico sorriso, se acho que, para mudar a Docência, basta que
nos entreguemos ao cansaço de constantemente afirmar que mudar é possível e que os seres

3.Porseu turno, para mudar a subjetividade, são necessárias novas condições objetivas. Sem saída? Não! Como vimos,
processo dialético de aproximações sucessivas, nas respectivas Zonas de Autonomias Relativas (ZAR).
2
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

humanos não são puros espectadores, mas atores também da história, direi que não. Mas direi
também que mudar implica saber que fazê-lo é possível. (cf. Freire, 2000: 53).

A referência ao cotidiano escolar como “inferno” é relativamente comum por parte dos
professores que estão em crise. De fato, há situações assim, como relata a diretora de uma
escola municipal de São Paulo:

“Não tem nenhum perigo de a escola dar certo... Realmente tudo está muito bem organizado para
deseducar, desumanizar. Está tudo errado! A escola está um caos total. Estamos com um terço dos
professores em licença médica por depressão, compulsão, repressão ou seja lá o que se nomeie.
Enfim, todos estão desistindo... A escola está trabalhando como uma máquina desenfreada, indo na
direção do caos e pra piorar... descobri que não tem leme, direção, guidão ou seja lá o que para
desviar do caos. Também não encontro o freio, a ré, o paraquedas, ou uma boia que seja.”

É um desabafo que revela quadro devastador. Ocorre que o “inferno” da escola pode ficar
maior ou menor em função do posicionamento que tivermos, pessoal e coletivamente, diante dele.
Vamos a um exemplo: a questão da indisciplina. Como é sabido, a indisciplina em sala de aula
tem sido um dos motivos de desistências de professores. Também aqui estamos diante de um
quadro complexo, cujas causas remontam desde a crise geral da sociedade, a modernidade
líquida (Bauman), a falta de perspectiva de emprego, a permissividade da mídia, até a questões
das novas configurações da família. Tudo isto deve ser levado em conta para não cairmos em
abordagens ingênuas do problema. Todavia, há, com certeza, uma parte que à escola, ao
professor. Questionamos: será que a escola tem feito a “lição de casa”?

Tem Projeto Político Pedagógico construído coletivamente? É efetivo ou fica só no papel?


No PPP, há o Projeto Disciplinar?
O Regimento está coerente com o PPP?
Houve participação dos pais na construção do PPP?
Os pais receberam PPP na matrícula, ou o PPP está disponível no site ou blog da escola?
Há unidade de linguagem e de ação entre direção, coordenação, professores e funcionários?
Há trabalho coletivo constante (HTPC, ATPC) para comunicação, reflexão e tomada de decisão
coletiva?
Há trabalho sistemático com Representantes de Classe?
O Conselho de Escola é ativo?
A escola abre-se à comunidade (e à cidade), tanto no sentido de disponibilizar o uso de seus
espaços, quanto de se deixar tocar pelas necessidades sociais?
Há formação hábitos e internalização dos valores desde os anos iniciais?
Trabalha-se desde cedo com os alunos com sanção por reciprocidade?

Há uma passagem de Rubem Alves (1981: 21) que, embora forte, cremos que seja
importante para nos fazer refletir: Quando os ferros em brasa nos marcaram, não é verdade que já
éramos bois de carro, há muito tempo? (Vasconcellos, 2017c). Metaforicamente, isto é uma
grande humilhação: é receber a marca do proprietário. Entretanto, faz sentido, pois se vamos
abrindo mão daqueles instrumentos que temos à disposição na escola, por não acreditar neles,
por não querer ressignificá-los no caso de estarem distorcidos, que moral temos de reclamar
quando as coisas estouram? Se o professor abriu mão de atuar na sua ZAR, o limite de seu
trabalho fica muito mais forte, seu campo de ação fica muito mais restrito. Daí a importância de
exorcizar os fantasmas que nos levam ao desamino, à descrença, ao ceticismo, enfim, à
desistência.

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual
vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A
primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de
deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar

3
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.
(Calvino, 2002: 150)

Sintetizando: por um lado, não existe formulação teórica ou reflexiva que garanta, por si,
um bom trabalho educativo. Por outro, não existe atividade humana consciente que não seja
pautada por alguma referência teórica ou reflexiva. Como seres semióticos, teleológicos, de
linguagem, precisamos de instrumentos simbólicos que façam nossa mediação com o mundo. No
entanto, estes instrumentos são o que são, isto é, instrumentos, não tendo poder de atuar por
conta própria. É nesta tensão entre a necessidade e o limite do instrumento teórico que nos
situamos, que produzimos reflexões, textos, e incentivamos que os educadores nas escolas façam
o mesmo.
O presente texto é composto basicamente por dois blocos reflexivos. No primeiro,
procuramos contextualizar o problema da desistência docente e analisar, passo a passo, as
representações mentais, as ideias desmobilizadoras que temos encontrado nos professores, no
cotidiano da escola, bem como contrapô-las a outros argumentos, no sentido de sua superação.
No segundo, buscamos algumas perspectivas mais gerais para o resgate do significado, da
satisfação, da realização, enfim, das grandes alegrias da docência!
Partilhamos um desejo especial que é ajudar a resgatar um elemento da nossa Criança
Interior, que pode ter vários nomes, mas que é o motor do desenvolvimento humano e da
aprendizagem:

Espanto, Assombro, Surpresa, Contradição, Desequilíbrio, Pulsão, Fome, Gosto, Paixão,


Disposição Epistemofílica, Avidez, Sede, Amor, Anseio, Busca, Consciência da Incompletude,
Tendência, Inclinação, Vontade, Curiosidade, Interesse, Desejo, Necessidade, Motivação,
Mobilização para a Aprendizagem, o Ensino e a Vida!

Introdução
Nosso desejo é contribuir com o trabalho dos Professores, para que a escola possa
cumprir sua função social, na perspectiva de um projeto emancipador:
Aprendizagem Efetiva
Desenvolvimento Humano Pleno
Alegria Crítica (Docta Gaudium)
por parte de cada um e de todos os educandos, através da apropriação crítica,
criativa, significativa e duradoura dos saberes necessários (conceituais,
procedimentais e atitudinais) visando a potencialização da consciência, do caráter,
da cidadania e da formação para o trabalho, pautada na solidariedade, na
autonomia, na justiça, na paz e na responsabilidade.
Só que não através de palavras fáceis, de discursos demagógicos de “elevação de
autoestima”, de “massagear o ego”, falar o que o professor quer ouvir (na linha da
chamada “autoajuda”). Mas de elementos teóricos, metodológicos e práxicos rigorosos,
que ajudem a superar o senso comum tão presente na educação escolar. É claro que
desejamos sensibilizar o professor, pois, parafraseando Cora Coralina, podemos dizer que
“Nada do que escrevemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”.4

4.Recuperamos aqui (sem nenhuma conotação religiosa, mas sim didática) a belíssima passagem dos discípulos de
Emaús, descrita por Lucas, no final de seu Evangelho: os discípulos, ao recordarem o que tinha acontecido enquanto
caminham com Jesus, sem no entanto reconhecê-lo, afirmam: “Não é verdade que ardia o nosso coração quando ele
nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32). Notem que, pelo que afirmam os discípulos,
Jesus não fazia um discurso fácil, apelando para elogios aos interlocutores ou malabarismos retóricos, mas, digamos
assim, dava uma aula de história. Este, nos parece, é o ideal de todo professor: conseguir tocar o coração dos alunos a
partir do trabalho rigoroso com seus conteúdos, sem apelos outros.
4
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Queremos transmitir muita esperança, fortalecer o ânimo, a potência do educador, a


crença de que as coisas na escola podem mudar, apesar dos limites e contradições (tanto
no campo social quanto educacional).
Desejamos que os professores se sintam acolhidos em sua dura realidade de trabalho,
mas ao mesmo tempo desafiados a darem o melhor de si, em função do seu compromisso
com as crianças, jovens e adultos com quem trabalham.
Enfim, que os professores, que realmente querem ser professores, não desistam!
Devemos reconhecer a enorme diversidade de situações dos professores: estão em
diferentes momentos da carreira do magistério, atuam em contextos diversos, em vários níveis de
ensino, têm diferentes trajetórias pessoais e profissionais e, portanto, diferentes posturas diante
da vida, da realidade educacional e da profissão. Estar atento à dialética do Universal-Particular-
Singular é muito importante. Parafraseando Kluckhohn & Murray (1965: 89), podemos afirmar que
todo professor, em certos aspectos, é:
Igual a todos os outros professores,
Igual a alguns dos outros professores,
Diferente de todos os outros professores.
Em grandes linhas, e correndo o risco de simplificar demais, podemos identificar alguns
grandes grupos de posturas de Professores (denominação aqui assumida em sentido geral:
professores, orientadores, coordenadores pedagógicos, diretores, gestores escolares, etc.) na sua
relação com o desejo de serem/continuarem sendo professores. De imediato, dirigimos uma
primeira e muito sintética palavra a cada um deles:

Situação Nosso Recado Imediato


Professores que estão fortes e Unam-se, para não serem engolidos pela lógica perversa.
firmes na profissão, apesar das Formem grupo de estudo
dificuldades Pessoalmente, estudem, pesquisem, desenvolvam a
autocrítica, coloquem ainda mais em prática suas convicções
Cultivem a amizade; na verdadeira amizade podemos
experimentar o Afeto Radical, que é aquele que nos aceita do
jeito que somos, que critica nossos erros, mas a partir de uma
aceitação profunda da nossa pessoa
Não se omitam! Ajudem os colegas que estão com suas
certezas abaladas ou em sérias dúvidas
Este texto pode ajudá-los a fortalecer suas convicções
docentes
Professores que estão com os Não desistam!
alicerces de opção profissional Este texto é voltado especialmente para vocês!
um tanto abalados
Professores que estão com Procurem ajuda!
sérias dúvidas sobre a Da mesma forma, este texto é voltado especialmente para
continuidade no magistério vocês
Professores carreiristas, que Procurem perceber a contradição entre o que falam (ou até
têm um discurso “afiado”, mesmo querem) e o que estão fazendo efetivamente
atualizado, frequentam a Procurem ouvir “o outro lado”, especialmente os alunos
academia, mas que não mudam Reflitam sobre os reais motivos de estarem na docência
a prática em sala de aula Este texto também é para vocês
Professores que já têm clareza Peçam demissão o quanto antes! Assim, vocês podem:
de que o magistério não é o seu Realizar-se em outra atividade profissional
lugar Permitir que quem quer, de fato, ser professor assuma o
trabalho
Ou, se ninguém quiser assumir, provocar uma crise no
sistema, deixando claro que nestas condições não dá mais: ou
se mudam as condições, ou não haverá mais professores!
5
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Acadêmicos que estão se Parabéns! Vocês escolheram uma das mais bonitas
preparando para serem profissões. Mas também uma das mais complexas
Professores Aproveitem ao máximo as oportunidades de formação na
academia (e fora dela)
Este texto, com muita esperança, também é para vocês.

De imediato também, gostaríamos de dizer que tudo deve ser feito por todos para que o
professor, que realmente quer ser professor, não desista! Este “todos” inclui, entre outros, os
governantes, os dirigentes do sistema de ensino, os gestores escolares, os pais, os alunos, os
agentes dos meios de comunicação, os membros do judiciário, os parlamentares, os sindicalistas,
os líderes religiosos e comunitários, os colegas professores e o próprio professor!

—Mediação Simbólica
As pessoas precisam de palavras para comer (Alves, 1984: 52); ninguém vive sem um
teoriazinha de mundo (e de educação, de profissão, etc.). Ao propormos esta reflexão, entramos
na disputa pelas representações que vão embasar a prática dos educadores.
Por um lado, não existe formulação teórica ou reflexiva que garanta uma mudança de
postura ou um bom trabalho educativo. Por outro, não existe atividade humana consciente que
não seja pautada por alguma referência teórica ou reflexiva. Como seres semióticos, teleológicos,
de linguagem, precisamos de instrumentos simbólicos que façam nossa mediação com o mundo.
No entanto, estes instrumentos são o que são, isto é, instrumentos, não tendo poder de atuar por
conta própria. É nesta tensão entre a necessidade e o limite do instrumento teórico que nos
situamos, que produzimos reflexões, textos, e incentivamos que os educadores nas escolas façam
o mesmo. Seria interessante que nesta reflexão se buscasse:
Visão abrangente, de conjunto: que o olhar não ficasse restrito a um aspecto ou detalhe
da prática deixando de lado todo o resto (Totalidade)
Visão crítica: que não se ficasse preso às aparências, às manifestações primeiras; que
se fosse capaz de penetrar na essência dos processos, não ser ingênuo nas análises,
captar os conflitos e contradições; que não se usasse uma linguagem estereotipada. Que
se procurasse superar o pensamento dicotômico (Criticidade)
Visão de processo: que se percebesse como as coisas vêm acontecendo no decorrer do
tempo; não ser acomodado, nem “apressadinho”, querer tudo já (Historicidade)
Visão esperançosa: que, apesar das dificuldades, não se desistisse, mantivesse-se o
entusiasmo, acreditando que uma outra escola/mundo é possível. Esperança do verbo
Esperançar (Freire), e não do substantivo espera (Princípio Esperança)
Visão compromissada: que cada um se envolvesse, que não colocasse as coisas só para
os outros (“diagnoutro”), como se não dependesse dele também (Ética).
A teoria não é suficiente, uma vez que o muda a realidade é prática. A questão é que não é
qualquer ação que produz a mudança desejada. A prática, para ser transformadora, precisa ser
atravessada por uma intencionalidade, por uma leitura crítica da realidade e por um plano de ação
(três dimensões básicas da atividade humana: Projeção da Finalidade, Análise da Realidade e
Elaboração do Plano de Ação), qual seja, precisa ser mediada pela teoria. O importante, cremos,
é perceber que a teoria é necessária, mas não é suficiente. Deve se deixar desafiar pelo contexto
concreto que inclui afetos, sensibilidades, condições políticas e materiais, etc. Não há,
evidentemente, fórmula mágica, mas há Método (Méthodos - do grego Meta + Hodos – horizonte
+ caminho), que possibilita a autêntica Atividade Humana.
Cabe destacar que, ao construirmos nossos argumentos, estamos aqui trabalhando com o
conhecimento, que é a nossa grande ferramenta também em sala de aula (apesar de seus limites
e contradições).

6
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

I-A Desistência em Questão


Talvez, para muitos, a atividade do professor possa parecer algo tranquilo ou mesmo
idílico, pelo fato de o nosso trabalho ser altamente significativo, tanto do ponto de vista social
quanto pessoal, ter um grande potencial realizador pelos encontros humanos que propicia. Todo
autêntico educador já experimentou aquela incrível satisfação de ser cumprimentado com carinho
por um antigo aluno. Todavia, não devemos esquecer que no espaço formativo da sala de aula
emerge o mundo, através das pessoas. E se o mundo anda tão complicado, é previsível que o
trabalho docente esteja perpassado por fortes desafios.
Vivemos um momento em que, talvez como nunca, a cobrança esteja em cima de
resultados. E os controles ficaram muito mais rápidos e sofisticados com os poderosos
computadores a serviço de uma racionalidade instrumental. Se formos nos pautar por “resultados”
talvez desistamos, pois, sem negar os avanços parciais, estamos, em termos de escala global,
muito longe ainda de um mundo mais justo, mais humano. É isto que nos esfregam na cara,
tentando nos vender a ideia de que devemos desistir de sonhar com um mundo melhor, de que
esta história de “um outro mundo é possível” é “colóquio flácido para alentar bovinos” (conversa
mole para boi dormir). O que o Sistema quer com isto é justamente fazer com que nos
“integremos”, nos conformemos e busquemos a felicidade não nesta busca maior, mas nos
milhares de produtos de última geração que pode nos “oferecer” (financiados em 17, 36, 180 ou
240 meses...).
A vida é bela, mas não é fácil. Cremos que um dos grandes desafios é mantermos a
esperança dentro do turbilhão. A alegria, segundo Espinosa, vem da percepção do crescimento da
potência, da capacidade de transformar a realidade de acordo com nossos sonhos e projetos. No
entanto, como ser feliz quando há muita coisa organizada no sentido contrário aos nossos sonhos
(a começar de nossa divisão interna: queremos uma coisa, mas queremos outra também que se
contrapõe à primeira, e normalmente nem nos damos conta desta fissura interna...)?
Sem querer poupar as contradições e responsabilidades pessoais, o que pode um grande
líder de uma nação quando um grupo de 20 grandes aplicadores do mercado financeiro,
conectados a bolsas do mundo todo, pode quebrar a economia do país?5 Se um grande dirigente
não pode fazer muito pela transformação social, quem poderia então? Como ir todo dia para a
escola, com que ânimo ir para a sala de aula? Com que esperança?
Estamos adentrando um terreno muito delicado: a situação de desistência de alguns
colegas. São indivíduos que desistem da atividade docente, mas não desistem do emprego, qual
seja, continuam indo para a sala de aula, só que sem ânimo, sem esperança. E não estamos
falando de uma situação esporádica, de um desânimo ou frustração profissional passageira que,
de resto e em alguma medida, atinge cada um de nós. Trata-se de uma situação crônica e
persistente de não ver sentido naquilo que está fazendo. Evidentemente, tal fenômeno não se dá
apenas com professores. Viktor Frankl já identificou uma forte patologia contemporânea, a
neurose noogênica (do nous, do espírito), que é a neurose decorrente da falta de sentido para a
vida. Ocorre que no caso dos docentes é ainda mais patente o problema, já que uma das funções
básicas do professor é o trabalho com o conhecimento que, por sua vez, na sua essência, é
produção de sentido. Como sabemos, foi criada uma categoria própria para caracterizar a
situação do professor nos últimos tempos: mal-estar docente (Esteve). Aplica-se também ao
professor a categoria burnout, que pode ser traduzida como síndrome de desistência (Codo). Está
em jogo aqui o próprio processo de humanização, que deve ajudar a superar a neurose, a
depressão e, no limite, a psicopatia (que sempre existiu, mas agora, com os meios de
comunicação —às vezes até em busca de sensacionalismo, ganham visibilidade), que
corresponde a um comprometimento à humanização, já que é uma fragmentação entre a razão e

5.Retomamos esta questão mais à frente.


7
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

a emoção, e tem base tanto psíquica quanto orgânica. Como dizem os especialistas, num certo
grau todos nós podemos ter traços de neurose, depressão ou mesmo de psicopatia. Como
costuma dizer Caetano Veloso, de perto, ninguém é normal!
Se os professores estão desistindo, todos (governantes, políticos, juristas, empresários,
gestores, famílias, profissionais dos meios de comunicação, colegas professores, etc.) devemos
fazer de tudo para que não desistam mais, e façam um trabalho de qualidade. Um dos contributos
para isto tem a ver exatamente com a atribuição de sentido à atividade docente. Primeiro, na
afirmação da relevância social do trabalho escolar; depois, na afirmação da possibilidade de o
professor realizar este trabalho com seus alunos.
Procurando não fazer uma análise simplista, mas indo ao fundamento dos fatos,
indagamos: até que ponto determinados dirigentes que efetivamente desejam fazer mudanças em
suas instituições (ou países) conseguem fazer se não contam com uma base nos sujeitos que
dela fazem parte (microfísica do poder)? Em outros termos, sem uma outra educação?
Para fortalecer o ânimo do professor em relação ao âmago de seu trabalho, a
aprendizagem (o desenvolvimento e a alegria crítica), é bom resgatarmos um dos mitos
fundadores do Brasil, expresso na Carta de Caminha: Em se plantando, tudo dá!, e aplicá-lo
metaforicamente à situação de aprendizagem de nossas crianças, jovens e adultos: nas mais
diversas e adversas situações (crianças de rua, crianças em acampamentos do MST, crianças
dentro de favelas controladas pelo narcotráfico, crianças internadas em hospitais, crianças em
situação de guerra, jovens na antiga FEBEM, adultos nas prisões, adultos moradores de rua,
jovens e adultos nos movimentos de alfabetização) eles aprendem quando oportunidades,
situações significativas, são oferecidas.
É certo que a educação não depende só da escola ou do professor (É preciso toda uma
aldeia para se educar uma criança), todavia, o professor e a escola participam desta educação
(hoje, praticamente toda criança está na escola – e por muitos anos). Vem, então, a humilde
esperança do nosso trabalho no cotidiano da escola. Snyders sintetizava bem esta tensão
dialética: é preciso fazer a revolução e dar aula amanhã cedo (1981: 10). Não se trata de uma
coisa ou de outra, mas de ambas, num movimento de afirmação, negação e superação por
incorporação.
Exigir primeiro a mudança das condições, para que então se comprometer com a mudança
da escola, não seria ser revolucionário de fachada, de “final de semana”? Lembremos o óbvio:
quando as condições estiverem transformadas, não haverá mais necessidade de sujeitos de
transformação! Nos dias correntes, em que há tanta dor, tanto sofrimento, é que precisamos de
pessoas que se comprometam com a transformação.
Observando a realidade, percebemos que a mudança (de muitos aspectos) é necessária.
Conhecendo a História, percebemos que, dentro de certos limites dados/chegados em cada
momento histórico, é possível (um olhar sobre um período de maior duração ajuda a perceber que
muita coisa mudou). Refletindo sobre nossa posição no mundo, constatamos que embora
necessária e possível, a mudança não é fácil! Mas quem disse que a vida seria fácil?
O fato de estarmos lutando por algo que consideramos bom e justo não nos tira da dura
realidade, não nos confere um estatuto especial de “protegidos da Natureza/Deus/História/Razão/
Técnica/Desejo”. Pelo contrário: na medida em que optamos por um projeto de humanização
radical de todos, vamos nos confrontar com todas as lógicas montadas historicamente na direção
da desumanização. Mais uma vez lembramos o poema de Brecht: Há homens [e mulheres] que
lutam um dia e são bons... Mas há aqueles que lutam a vida toda, e estes são os imprescindíveis.

8
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

II-Enfrentando Argumentos Inibidores


A questão fundante da Atividade Docente está justamente no exercê-la de forma
consciente e livre, portanto, antes de tudo, está o desejo, o querer ser professor (clareza do
motivo).
A questão do desejo, da paixão vai influenciar toda a prática pedagógica, desde a
constituição do professor, a definição do objeto de estudo, por um lado, assim como a constituição
do aluno e do seu processo de conhecimento, por outro.
O professor que é um apaixonado por sua área de conhecimento será um pesquisador
naturalmente, e não por uma exigência externa (instituição, órgão central, modismo). Mas, para
ser professor, não basta o amor pela área. É preciso paixão pelo ensinar: sentir prazer em ver o
outro crescer através daquilo que nos propomos ensinar.
Quando vivida assim, a profissão docente traz alegria, satisfação, prazer. Não estamos
nos referindo aqui a uma alegria fácil, episódica, superficial (como a experimentada no deliciar de
uma piada), mas naquele sentido radical de crescimento, de aumento de potência, de superação,
de aumento de domínio. “A alegria é a passagem de uma perfeição menor a uma perfeição maior”
Espinosa (in Snyders, 1988: 19)
A relação cognição-afetividade é dialética. Assim, embora reconhecendo as limitações da
razão, também temos de levar em conta os argumentos: quais as razões para querer ser
professor? Vygotsky nos ajuda a compreender esta dialética quando afirma que as coisas não
mudam porque pensamos nelas, mas o afeto e as funções ligadas ao mesmo mudam na
dependência do fato de que sejam conscientes (Vygotski, 1997: 268)
Existe igualmente uma dialética entre afetividade e materialidade: sobrecarregado,
cansado, fica difícil o sujeito manter o querer. Por isto, simultaneamente, não podemos descuidar
da base objetiva da atividade docente.
Talvez a característica mais importante do professor seja justamente esta humanidade
preservada ou este desejo de ser humano com outro ser humano (a histórica e ontológica
vocação de ser mais, como dizia Freire), de se tornar um ser humano melhor, disponibilizando
aquilo que de melhor até então recebeu da espécie, do coletivo humano com quem teve a
possibilidade de conviver e aprender, direta e/ou indiretamente, através da cultura; esta
capacidade de acolher e criar vínculos. A tensão dialética entre Poros e Pênia, o Recurso e
Pobreza, a fartura e a falta, que caracteriza Eros, como nos ensina Platão (O Banquete, 203c),
cremos que é uma imagem inspiradora aqui para a figura do mestre, aquele que ajuda a provocar
o Desejo e a Necessidade de conhecer.

Argumentos Inibidores
O cotidiano dos educadores é bastante desafiador. Além de todos os entraves objetivos, a
veiculação reiterada de certos discursos pode ter o efeito de se tornarem representações sociais,
crenças, verdadeiros obstáculos epistemológicos (Bachelard) e, consequentemente, baixar a
convicção docente, enfraquecer o ânimo para o trabalho, para efetivar o curriculum numa nova
perspectiva. Muitos professores acabam incorporando acriticamente e reproduzindo estes
discursos. Seria interessante nos interrogarmos: que discursos estão presentes no cotidiano de
nossa escola? Há discursos desmobilizadores? Como vamos enfrentá-los?
Apresentamos algumas falas que têm circulado no cotidiano escolar e que, ao colocarem
em questão a função social da escola e da docência, atingem o entusiasmo dos educadores.
Imediatamente, indicamos caminhos de contra-argumentos, possibilitando uma outra interpretação
das falas iniciais.

9
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

1.Argumentos Relacionados à Inviabilidade de ser Professor


a)“O salário é muito baixo”
Sabemos que ninguém ficou rico pelo fato de ser professor; no entanto, com a
remuneração que recebia até a algumas décadas, o professor tinha condições de ter um bom
padrão de vida. Estamos de acordo que o projeto de vida de um sujeito, para ser pleno, não pode
limitar-se ao ter. Porém, no caso do magistério, não é isto que está em questão: não se está
solicitando melhores salários para que os professores possam trocar de carro todo ano ou
reformar a casa da praia...6

A nossa sociedade é hipócrita e ambígua quando aplica aos professores o velho discurso da
abnegação e do valor espiritual e formativo de nosso trabalho, quando na realidade despreza tudo o
que não tenha valor material. (Esteve, 1992: 24)

É questão de sobrevivência com um mínimo de dignidade: poder morar, se transportar,


comer, vestir, cuidar da saúde, ter um pouco de lazer, ter acesso a bens culturais, até como
instrumento de trabalho (livros, revistas, jornais, cursos).
Todavia, a quem, de fato, interessa um bom professor? Não podemos ser ingênuos.
Vivemos num país com profundas e históricas desigualdades: há um enorme pavor diante da
possibilidade de avanços na superação do abismo de classes. Além disto, boa parte do modelo de
desenvolvimento econômico está baseada na exportação de bens primários e importação de bens
processados, não demandando grandes quadros de mão de obra qualificada (e quando se faz
necessário, importa-se também este profissional).
Por outro lado, devemos considerar que o trato da questão salarial deve ser feito num nível
amadurecido, superando certas posturas infantis, assumindo o princípio de realidade: é (esta
sendo) esta a realidade, é este o ponto de partida para a transformação. Objetivamente, ninguém
obriga o professor a ser professor. E, quando foi para o magistério, já tinha conhecimento, em
grandes linhas, das condições salariais que iria encontrar. Este último argumento não deve ser
usado, como fazem alguns dirigentes mal intencionados, como justificativa para a continuidade:
“Quando você se preparava para ser professor, já sabia que ia ganhar mal; portanto, não reclame
agora!”. Poderíamos responder-lhe: “Sim, já sabia das condições. E desde então tinha em mira
lutar contra esta situação aviltante do professor”.

—Projeto AAA de Resgate da Condição Econômica


Considerando o peso que a condição econômica, a questão salarial tem no cotidiano do
professor, apresentamos um esboço de perspectivas para seu enfrentamento:
1)Aumento do salário (por aproximações sucessivas)
Entendemos que a luta por um salário mais digno só será exitosa quando tivermos
efetivamente o apoio dos pais, da comunidade e da sociedade como um todo. É preciso, pois, a
ampliação do respaldo da comunidade, ter os pais ao lado nas lutas por melhores condições de
trabalho. No sistema democrático, não há governo que não se abale com a possibilidade de
perder muitos votos... Somos mais de 2 milhões de professores, atuando junto a
aproximadamente 50 milhões de alunos (só na da Educação Básica, sem contar Ensino Superior
e Pós-Graduação): imaginem o poder que teríamos, se fôssemos articulados! Cabe sensibilizar a
comunidade para a importância da educação: de um modo geral, não aparece como prioridade
para a população (até porque muitos pais contentam-se com pouco):
Superação do discurso de “vítima”, de “coitadinho”. No passado, ingenuamente, os
próprios professores contribuíram para isto, usando camisetas ou adesivos nos carros com

6.Costuma-se dizer que o professor deve “vestir a camisa da escola”, mas esquece-se de dizer o necessário
complemento: que a escola deve “vestir a pele do professor”...
10
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

dizeres do tipo: “Não me sequestre, sou professor”, “Hei de vencer, mesmo sendo
professor”. Ao coitadinho dá-se esmola. Nós não queremos esmola. Queremos respeito,
dignidade
Trabalho competente (todo aluno aprendendo): gera respeito e admiração (“Eu gosto
daquela professora porque ela quer que a gente aprenda”)
Ver positividade do aluno: normalmente, pais são chamados à escola só para ouvir
queixas sobre os problemas dos filhos
Diminuir faltas, licenças e rotatividade (por exemplo, como um pai vai apoiar a greve de
um professor cujo nome ele nem sabe, por ter tão pouco vínculo?)
Ganhar visibilidade social (ocupar espaço na mídia, mesmo que seja local, mesmo que
seja no mural da escola, no blog da escola, etc.)
Articular-se com movimentos sociais
Ética profissional (pressão sobre colegas desistentes e que fazem “bico” do magistério)
Elevar expectativas dos pais sobre a escola (pais satisfazem-se com muito pouco: vaga,
uniforme, kit de material, transporte, alguém para tomar conta do filho, etc. Tudo isto é
importante, mas é condição para a educação, e não educação de qualidade)
Participação dos pais na construção do Projeto Político Pedagógico (envolvimento mais
profundo com a escola)
Não montar armadilhas para colegas dos anos seguintes. Evitar desgastes futuros em
função de trabalho equivocado no presente: as crianças, de imediato, podem não
manifestar de forma explícita sua insatisfação com a prática pedagógica, mas isto a marca,
levando a, posteriormente, ou ao desânimo, ou à revolta em relação à escola).
Outro aspecto básico desta luta é a organização da categoria docente, a participação
inteligente e crítica nas associações profissionais e nos sindicatos, a articulação com outros
segmentos da sociedade (em particular os representantes do povo no parlamento). No início da
revolução industrial, os trabalhadores, entre eles crianças e mulheres (até mesmo grávidas),
chegavam a morrer em cima das máquinas, tal o nível de exploração. Sabem como isto mudou?
Um dia, os capitalistas foram visitar o interior das fábricas e ficaram altamente sensibilizados; a
partir de então, estabeleceram um limite para a jornada de trabalho, passaram a se preocupar
com o bem estar dos trabalhadores, etc. Foi assim? Só nos contos da carochinha... As mudanças
foram conquistas a partir da organização da classe trabalhadora. Às vezes, parece que certos
professores esperam o “reconhecimento natural de seu valor para a sociedade”, não vendo a
necessidade de se organizar para tal.
2)Administração dos Recursos Financeiros
Lutar por plano de carreira
Diminuir demanda de especialistas na escola (quanto mais gente, menor a fatia de
recursos para cada um)
Diminuir gastos com fracasso escolar (reprovação, evasão)
Diminuir gastos devido às faltas de professores, licenças sem necessidade
Fiscalizar a aplicação das verbas da educação (tanto no aspecto de aplicação naquilo
que é prioritário, quanto no combate à corrupção)
Buscar novas formas de organização do trabalho pedagógico (de maneira a potencializar
o trabalho do professor com mais experiência)
Professor x Professor-Auxiliar
Uso da Educação a Distância em parte das atividades
(Estes são aspectos muito delicados que precisam ser muito bem entendidos e
discutidos, para não servirem de “tapa buraco” para a falta de professores, em
função da não mudança das condições de trabalho)
Ter critério para gastos pessoais
11
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Outras possibilidades
Vilas Docentes (semelhante às vilas militares: professores morando
gratuitamente, próximos das escolas onde atuam)
Vale Livro
Financiamento especial para aquisição de residência
Diminuição da carga horária e bolsa de estudos para aperfeiçoamento
profissional.
3)Adequação da expectativa salarial
Se for para consumir tudo aquilo que a mídia comercial veicula (carro, celular, cerveja ,
corpo, moda, peitos & Cia, status/sucesso, vida de celebridade, etc.), vinte mil reais por mês será
pouco... Vira e mexe, revistas da área administrativa ou econômica colocam em suas capas
manchetes do tipo “Como ganhar seu primeiro milhão”, gerando, naturalmente, uma falsa
expectativa para a absoluta maioria da população (inclusive para os docentes).

—“Estudar para ser isto que você é?”


Alguns alunos chegam a indagar: “Professor, eu vou estudar para ser isto que o senhor
é?”. Tal declaração funda-se no valor econômico, que é o hegemônico na sociedade hoje.7 O
professor que baseava o interesse de suas aulas nesta motivação extrínseca de ser alguém na
vida está tendo sua segurança abalada, porque cada vez mais os meninos vão percebendo
pessoas que não estudam e se saem bem, e, por outro lado, um grande contingente de pessoas
que estudam, porém estão desempregadas ou mal remuneradas. O problema, a nosso ver, não é
tanto o aluno fazer tal indagação, mas o professor, diante dela, não saber o que o responder!
Quando o professor tem claro para si a função social de sua atividade, os motivos de sua
opção e permanência no magistério, pode revelá-los aos alunos, ajudando-os a ressignificarem
sua presença e trajetória na escola. Considerando aquela provocação do aluno citada acima, os
termos da resposta do professor poderiam ser mais ou menos como os que seguem.

“Quando você diz ‘estudar para ser isto que eu sou’, deve estar influenciado
pelos valores da sociedade de consumo, que colocam o valor econômico como o
maior ou único valor, e referindo-se ao meu salário, não é? Pois é bom distinguir: uma
coisa é o que eu ganho (ou aquilo que muitos professores ganham, fruto de uma
relação de expropriação a que vêm sendo submetidos, como estratégia de desmonte
profissional), que pode não ser suficiente para adquirir os bens que você considera
indispensáveis. Outra, muito diferente, é o meu valor: isto não pode ser comparado
com o que eu ganho!
Estamos juntos há pouco tempo e você ainda não teve oportunidade de me
conhecer melhor. Eu estou aqui por opção e não por medo da vida lá fora, por
incompetência. Note bem: o que estou falando é importante porque também na sua
vida, num certo momento de sua trajetória, você terá de fazer uma opção profissional,
e qual será o seu critério? Escolher a profissão onde se ganha mais? Será esta a
melhor opção? Se o meu projeto fosse simplesmente ganhar mais, eu tenho
conhecimento e capacidade para conseguir isto sem ser na escola. Não que eu queira
ganhar mal; não é isto, tanto é que estou lutando nas instâncias certas para reverter
este quadro.
O que quero dizer é que estou aqui inteiro, por opção. Eu sei porque estou
aqui, e tenho algo muito importante para vocês, que dificilmente encontrarão em outro

7.Existem, p. ex., alunos nossos de curso noturno cujos salários são maiores que os nossos; existem alunos nossos na
escola particular cujas mesadas são maiores que nossos salários.
12
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

lugar. Em outro lugar vocês podem encontrar informações, todavia provavelmente não
as encontrarão marcadas por sentido, desejo, projeto, perspectiva, criticidade,
totalidade, historicidade, tal como eu e meus colegas nos propomos a trabalhar com
vocês, a partir da nossa competência e do nosso compromisso. Não quero impor
projeto algum a vocês, mas ajudar cada um a construir o seu. Tenho convicção disto.
A escola compra o meu tempo, mas não compra o melhor de mim. O melhor de
mim eu dou a quem eu quero. E é isto que quero partilhar com vocês: a busca de um
sentido digno para a existência, através do conhecimento, do desenvolvimento
humano pleno e da alegria crítica!”

Que sentido tem a vida se não podemos imprimir na realidade nossos sonhos, nossos
projetos? Que sentido pode ter a vida quando há tanto sofrimento, tanta dor, tanta incompreensão,
injustiça? (o problema da presença do Mal). Ora, será que um dos sentidos básicos não é
justamente nos colocarmos nesta luta por um mundo melhor?
A opção de ser professor passa por uma concepção de vida, de sociedade! O sistema
social é altamente excludente, não havendo condições para que todo ser humano tenha uma vida
digna. Já há muitos anos, Josué de Castro denunciava uma tendência cruel que vem se
confirmando: passamos a ter dois tipos de pessoas na sociedade: os que não comem porque não
têm o que comer, e os que não dormem, de medo dos que não comem! (cf. 2003: 130). A questão
nuclear não está nesta constatação, mas justamente na postura diante dela. Este é o divisor de
águas. Vamos apresentar esta lógica como sendo inexorável dizendo ao aluno: “seja o melhor”,
“tenha um diferencial competitivo no mundo globalizado”, “garanta o seu”? Ou vamos ter coragem
de despertar os educandos para a indispensável mudança que deve ocorrer?
Eticamente, um novo paradigma se impõe: não se trata mais de estudar simplesmente
para poder garantir o seu lugarzinho no bonde da história. Trata-se, isto sim, de estudar a fim de
ganhar competência, buscar naturalmente seu espaço, mas se comprometer também em mudar o
rumo deste bonde, ou seja, ajudar a construir uma sociedade onde haja lugar para todos!
Sintetizando, diríamos que o papel do professor é educar (= humanizar) através do
ensino! Em função das distorções históricas, esclarecemos que ensino não é a mera transmissão
de informações aliada ao controle dos corpos. O ensino não tem um fim em sim mesmo: é um
meio, é uma forma de organização, uma mediação sistemática que visa a apropriação crítica,
criativa, significativa e duradoura dos elementos relevantes da cultura (material e/ou espiritual),
expressos justamente na proposta curricular. Daí a exigência de aprendizagem por parte de todos.
Portanto, dialeticamente, a atividade de ensino se define com seu par complementar, a atividade
de estudo, que propicia a aprendizagem, a formação do aluno. A escola deve primar por sua
característica antropoplástica (Jaeger, 1979: 13), formadora do anthropos (arte de plasmar o ser
humano).
Por isto é que afirmamos que o professor deve ser especialista no humano. Os alunos
estão precisando mais do que nunca de um sentido para o conhecimento, para o estudo, para as
coisas, para a própria vida.

b)“Há muita violência na escola”


Existem várias denúncias quanto à presença da violência na escola contemporânea. Sobre
ela manifestam-se os meios de comunicação, gestores escolares, professores, pais e até alunos.
Em certa medida, isto é até esperado, considerando que a escola não está fora da realidade
social maior, onde há significativa presença da violência. Há situações muito delicadas e
perigosas para os trabalhadores da educação, sobretudo quando envolvem as drogas e seu
submundo. Com o avanço das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação), ao bullying
em sala de aula, acrescenta-se o ciberbullying (virtual).
13
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Todavia, alguns cuidados devem ser tomados no enfrentamento desta questão. Em


primeiro lugar, devemos considerar a lógica de certos meios de comunicação em que “notícia boa
é notícia ruim”, qual seja, coloca-se uma lente de aumento sobre estes acontecimentos;
programas sensacionalistas afirmam que “eles não criam os fatos, apenas dão a conhecer”. Ora,
quanta coisa boa acontece, inclusive no mundo da educação escolar, e que não tem o menor
apoio da mídia... Em segundo lugar, é preciso não generalizar, analisar com isenção de ânimos o
efetivo grau de incidência da violência nas escolas. Cabe registrar que esta tem sido uma temática
que tem rendido muitas publicações na área da educação, tornando-se também um objeto de
consumo da moda pedagógica, criando um mercado. Em terceiro lugar, devemos distinguir o que
é violência do que é indisciplina: muitos casos que têm sido classificados como violência (até
mesmo com a intervenção do Conselho Tutelar ou da polícia) são, na verdade, questões
pertinentes ao campo didático e pedagógico, como por exemplo, conflitos em sala de aula
decorrentes de posturas, metodologias ou exigências equivocadas de professores. Temos muitos
relatos sobre professores, na mesma escola, que são tratados de formas absolutamente
diferentes pelos mesmos alunos (alguns são agredidos, outros são acompanhados pelos alunos,
como espécie de “anjos da guarda”).

c)“Atualmente o professor é tudo: pai, mãe, psicólogo, menos professor”


É preciso evitar a confusão (e a omissão) de papéis: os professores dizem que não são
pais, mães, assistentes sociais, psicólogos, etc. dos alunos, no que estão repletos de razão: não
são e não devem tentar ser, pois provocaria uma confusão muito grande, além de provavelmente
aumentar os problemas, uma vez que não tiveram formação para tal. Todavia, cabe compreender
que o processo de aprendizagem, no seu autêntico sentido, tem uma dimensão psicológica
(subjetividade, memória, consciência, cognição, cargas afetivas, etc.) a qual o professor precisa
dominar. O processo de aprendizagem implica a paternagem, isto é, trazer a norma, a tradição,
ser o porto seguro, já que isto corresponde à necessidade de referência e segurança por parte da
criança e do jovem que aprende; H. Arendt afirma que quem não se responsabiliza pela cultura,
pela tradição, não pode ter aluno! (1997) A atividade docente exige também maternagem, a
capacidade de engendrar, acolher, ajudar a partejar as ideias e identidades. Pede ainda o cuidar
do ser em desenvolvimento, estar atento às necessidades fundamentais. E assim
sucessivamente. P. Freire, referindo-se à preocupação do educador com a problemática mais
pessoal de um ou outro aluno, é cabal: não sou terapeuta ou assistente social. Mas sou gente
(1997: 163). Espera-se, pois, a formação, as condições mínimas e o compromisso do professor
para exercer sua atividade, ao mesmo tempo, tão bonita e tão complexa.
Antes de querer saber para quê aprender determinado conteúdo, o educando quer saber
para quê estudar (e, a rigor, antes ainda, quer saber para quê viver: “O significado da vida é a
mais urgente das questões” - Albert Camus). Na medida em que ajuda o discente a ter acesso à
cultura, refletir, imaginar, criar, atribuir valor, criticar, desenvolver a consciência, o professor tem
um papel decisivo por trabalhar com a produção de sentido.
A atribuição de sentido é uma das necessidades humanas mais radicais.
Claro que não se pode viver sem dar, espiritualmente, um sentido à vida. Sem filosofia (a
sua própria filosofia de vida pessoal), pode haver niilismo, cinismo, suicídio, mas não vida.
Vygotsky8

Muito sinteticamente, apontamos o seguinte sentido para o Ensino/Estudo:


Compreender o mundo em que vivemos

8. Em carta para Levina, datada de 16 de julho de 1931, in van der Veer e Valsiner, 1996: 29.
14
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Desenvolvimento da Consciência (necessidade humana fundamental: viver num mundo


que faça sentido)
Compreensão Crítica da Condição Humana e da Realidade nos seus vários campos
Condição para Usufruir o objeto, partir para o Conhecimento de Outro objeto, ou
Transformá-lo
Usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade: participar do riquíssimo acervo
Simbólico e Material (inclusive para sua sobrevivência), das conquistas histórico-culturais (de
maneira consciente, não predatória, sustentável)
Transformar este mundo: colocar este conhecimento a serviço da alteração do currículo
pessoal (superar-se), assim como do currículo da Polis (construção de uma realidade melhor,
mais justa, solidária e plena), na perspectiva da formação omnidimensional do ser humano,
através da Atividade Humana em Geral, do Trabalho e do Engajamento Social.

2.Argumentos Relacionados à Dificuldade de ser Professor


a)“A família não colabora”
Existem vários estudos e pesquisas mostrando o quanto a família pode influenciar, positiva
ou negativamente, tanto a aprendizagem quanto o comportamento do aluno na escola. Um deles,
por exemplo, sobre o alto desempenho escolar dos alunos estrangeiros —orientais— nas
universidades americanas, revela que o fator diferencial e decisivo não está no Q.I. (Quociente de
Inteligência), mas na valorização e apoio que a família dá ao estudo. É sabido também, de longa
data, o papel da família na formação do caráter da criança, notadamente do quadro de valores
referencias.
Frequentemente, no entanto, os professores não reconhecem este apoio familiar. Pelo
contrário, as queixas em relação à família estão entre as mais citadas pelos docentes (até mesmo
na universidade!).
Às vezes, da forma como os professores referem-se aos pais, parece que eles fundaram,
em Brasília, a ANPP (Associação Nacional dos Pais Pervertidos), e estabeleceram uma carta de
princípios que determina que, a partir daquela data, eles irão se separar, não dar amor, atenção,
limites aos filhos, não irão respeitar a escola e o professor, irão se desempregar, ser presos,
tornarem-se alcoólatras, drogados, prostituírem-se ou prostituírem seus filhos, valorizar os objetos
de consumo da mídia e não os estudos e livros, etc. Será que existe esta tal de ANPP, ou os pais
são tão vítimas desta lógica social desumana quanto os professores? Entendemos que ao mesmo
sistema a quem não interessa um bom professor não interessa também uma família bem
estruturada, com valores bem definidos, pois, de imediato, isto teria um enorme impacto sobre o
consumo: se a família sabe bem o que quer, não vai entrar facilmente nas mentiras e seduções do
mercado (não podemos esquecer que a lógica do mercado não está pautada na produção de
bens de primeira necessidade para todos, e sim de objetos do desejo para os que podem pagar –
e os que não podem que se matem para conseguir ter aquele objeto).
Os professores, como intelectuais que são (no sentido gramsciano), não podem ficar
presos ao senso comum. Precisam ir além da aparência, compreender os processos de produção
histórico-cultural tanto da escola quanto da família. Não queremos, de forma alguma, poupar os
pais de suas contradições e responsabilidades (“Quem pariu Mateus, que o embale”). Estamos
alertando para o grande equívoco atual de muitas escolas em que os pais tornaram-se personae
non gratae, verdadeiros inimigos, do jeito que o sistema gosta: enquanto os pequenos se
devoram, os “bacanas” deitam e rolam...

15
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

b)“Os alunos estão desinteressados”


Este é um gravíssimo problema, uma vez que não só compromete a aprendizagem dos
alunos (o interesse, a motivação, embora não suficiente, é condição necessária para o sujeito
aprender), mas também contribui em muito para a desistência do professor. Dizia-nos uma
professora, num desabafo:

Neste momento, sinceramente, eu não quero ganhar mais, eu quero ser respeitada. Odeio ser
humilhada todos os dias. Penso que muitos professores se sentiriam satisfeitos com seus salários
se tivessem atenção nas suas aulas. O prazer de ser prestigiado, o dinheiro não paga.

Nesta fala, a professora reafirma a linha de reflexão de Winnicott: O pior é não ser visto,
não ser ouvido! É a famosa luta pelo reconhecimento a que se referia Hegel na Fenomenologia do
Espírito.
“Existem muitos atrativos hoje fora da escola; fica difícil conseguir o interesse do aluno”. A
escola, pela prática simbolizadora que desenvolve, pode trabalhar em muitos universos virtuais.
Deve-se considerar o prazer que há no conhecer. Além disto, seria o caso de cairmos no mito do
eterno retorno? Ou vamos reconhecer que no passado também existiam atrativos para além da
escola?9
As pesquisas revelam claramente: os alunos gostam da escola e até do professor; o que
não gostam é das aulas... Será que isto não nos dá uma dica de como melhorar a relação deles
com o saber? Com os jogos eletrônicos, p. ex., será que não poderíamos reaprender a força
mobilizadora que o desafio —no nível adequado— tem para a atividade humana
(problematização)? Os professores se queixam que os alunos “não têm limites”; mas como é que,
p. ex., se submetem a limites tão bem definidos (através de regras rígidas) dos jogos de
computador? O que está por detrás disto?
Em relação à mídia, temos vantagens significativas, como o contato direto, face a face,
com o aluno, possibilidade (nem sempre utilizada) de altíssima interatividade. Há ainda a
possibilidade de exercer a crítica, do ver além das aparências, do estabelecer relações mais
profundas, iniciativa que na mídia comercial fica muito difícil fazer (dada sua contradição de fundo
de precisar manipular para vender suas quinquilharias).
O professor deve ter suficiente convicção, segurança, autoestima, crença na importância
daquilo que está ensinando para não se deixar abalar pelos momentos de “vácuo”, de falta de
retorno dos alunos, lapsos de interesse da classe. Se isto não acontecer, há o risco de se cair
num ciclo vicioso de desmobilização recorrente entre alunos e professor.

c)“É sempre culpa do professor”


O sentimento de que “está carregando o mundo nas costas” está presente num número
significativo de professores. Ponderam que tudo caí nas costas dos professores, inclusive a culpa
pelo fracasso dos alunos. De fato, nos últimos anos, é cada vez maior as demandas em relação à
escola e ao trabalho do professor: é desafiado a enfrentar questões relativas a sexualidade,
gravidez na adolescência, drogas, consumo, trânsito, conservação do meio ambiente, educação
para a paz, educação alimentar, educação financeira, educação empreendedora. educação
patrimonial, etc., além de casos em que tem que dar educação básica como hábitos de higiene e
civilidade, ou enfrentar situações mais dramáticas (e com curva em ascensão...) como depressão
infantil ou juvenil, automutilação ou suicídio. Ao mesmo tempo, raramente são dadas condições
para poder assumir adequadamente tais atribuições (sem entrar aqui no mérito delas). Podemos
ver, na discussão das verbas para a Educação a grande dificuldade para se aumentar o gasto por
aluno, concretizar o Custo Aluno Qualidade (CAQ). O que, de fato, a sociedade quer da escola?

9.Aquilo que alguns filhos fazem hoje no game —bicicross—.muitos pais faziam “ao vivo e a cores” no passado.
16
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Antes de tudo, entendemos que ao invés de culpa (que remete ao campo da moral,
desencadeando mecanismos de defesa), o mais apropriado é falarmos de responsabilidade
(campo da ética) e, neste sentido, todos os segmentos são responsáveis pelo problema da
educação, embora nem todos pelas mesmas coisas ou com o mesmo compromisso, com o
mesmo interesse na mudança.
Constatamos que há professores que sentem-se desmotivados porque se percebem
impotentes (Tristeza é o que sentimos ao perceber que nossa capacidade de agir encontra-se
diminuída ou entravada – Espinosa, 1979: 214): os problemas que sofrem em sala de aula teriam
origem fora dela, e eles nada poderiam fazer. Ao focar sua parcela de responsabilidade no
problema temos por intenção fortalecer sua potência, ao perceberem que têm coisas que podem
fazer já na sala de aula e na escola, ao mesmo tempo em que se engajam nas lutas maiores, que,
por serem tão abrangentes, levarão mais tempo para sua mudança.

—Por uma Epistemologia da Esperança


Foi neste sentido que desenvolvemos o conceito de Zona de Autonomia Relativa (ZAR -
ver livro Currículo: a Atividade Humana como Princípio Educativo, p. 222 e seguintes): trata-se do
espaço entre o limite externo (dado pela Natureza e Sociedade) e o limite interno (dado pela
Projeção e/ou pela Contradição do Sujeito/Grupo).

Limite Externo
(Natureza, Sociedade)

Zona de
Autonomia
Relativa
(// ZDP)

Limite Interno
Projetado pelo Sujeito
Contradições do Sujeito
Zona de Ação Atual (Eu e/ou o Outro  Armadilha)
— Esquema: Zona de Autonomia Relativa—

Analisando as escolas que fazem diferença, os professores que fazem diferença,


percebemos que não foram aqueles que ficaram esperando o mundo mudar para daí tentar fazer
algo, mas sim aqueles que, ao mesmo tempo em que estavam comprometidos com a mudança do
mundo, engajaram-se na mudança daquilo que era possível na escola (e que até então parecia
impossível, nem tanto por uma análise criteriosa, mas muito mais pelo peso da tradição, do
costume, do “sempre foi assim”, “uma pessoa não vai mudar a realidade”, “você é muito jovem, vai
ver que não adianta”, etc.). Se, por exemplo, posso participar da construção do Projeto Político-
Pedagógico de minha escola, se posso levar em conta o conhecimento prévio do meu aluno, se
posso respeitar sua cultura, sua história de vida, se posso construir o contrato didático em sala,
etc., não vou fazê-lo porque a sociedade, os meios de comunicação, os governantes, os políticos,
os pais, ainda não fizeram suas respectivas partes? Esta seria uma postura adulta, ética?
Normalmente, os educadores ficam muito ligados aos limites externos e não se dão conta
que os limites internos são os que estão, em grande parte, restringindo a ação. Quando tomamos
consciência dos limites internos, isto é, aqueles sobre os quais temos controle de imediato, um
conjunto de possibilidades de práticas se abre. A ZAR configura-se justamente como um espaço
possível para se caminhar, para se iniciar um novo curriculum escolar.
Mudanças profundas, da economia à ética, são urgentemente necessárias. Porém, não as
vislumbramos a curto prazo. Abrir mão destas lutas maiores seria entregar-se à mediocridade e

17
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

perder o sentido da existência. A sabedoria está, parece-nos, em viver o cotidiano exercendo,


freireanamente, a histórica e ontológica vocação de ser mais, que nos leva à curiosidade
epistemológica no sentido de descobrir a ZAR, aquilo que podemos fazer já dentro dos limites
impostos, de maneira a nos realizarmos humanamente, ao mesmo tempo em que estas pequenas
mudanças possíveis, ao terem como direção uma nova ordem, preparam o salto qualitativo para
uma transformação mais substancial.

d)“Os sindicatos nem sempre ajudam”


Alguns professores queixam-se de que o sindicato da categoria nem sempre consegue
melhorias profissionais efetivas. Esperavam mais e se decepcionam. Há muitos fatores aqui
implicados. Um primeiro é a própria questão da participação do professor no seu sindicato, não só
em termos de suas equipes ou quadros, mas até mesmo nas suas atividades e iniciativas de luta.
Muitas vezes, há muita queixa na sala dos professores, mas quando se fala da próxima
assembleia da categoria, cada um arranja um desculpa... Alguns justificam que não participam
exatamente porque o sindicato “é um grupinho fechado”.
De fato, isto pode acontecer. Alguns sindicalistas também estão marcados por
contradições, como por exemplo: quererem o cargo, ficam por décadas (os mesmos, só
revezando os cargos), querem se manter afastados da sala de aula, querem se projetar para se
manterem no cargo ou disputarem outros cargos (vereador, deputado). Como o sindicato vive de
contribuição obrigatória (lógica de cooptação estrutural introduzida por Getúlio Vargas) e não de
livre adesão, não se põe a necessidade imediata de fazer o trabalho educativo, de formação
política junto aos professores. O dirigente sindical fica ali, com um discurso estereotipado sobre os
problemas do neoliberalismo, criticando, criticando, repisando sempre todas as mazelas relativas
ao professor (recusando-se a reconhecer avanços parciais), e assim sente-se “revolucionário”. E
por se sentir bem, quer continuar assim. Então, busca estratégias para se manter no cargo, o que
pode passar por conchavos (fazendo ou deixando de fazer greve em função do candidato a
prefeito ou governador que apoia, por exemplo), por estratégias de manipulações de assembleia,
etc. Mas está muito, mas muito longe do trabalho educativo que, como dirigente sindical, deveria
ter. Talvez este seja um dos motivos para que, no 1º de maio, tenham de oferecer sorteio de
televisões de plasma ou de carros para conseguir atrair os trabalhadores...

3.Argumentos Relacionados à Perda da Importância do Professor


a)“Informação há em todo lugar”
“Atualmente, existe acesso muito facilitado à informação, o que faz com que o professor
perca sua função”. Este é um discurso bastante frequente e se sustenta, por um lado, no
vertiginoso aumento dos meios de comunicação: até há algumas décadas, com efeito, se a
informação não chegasse através do padre ou pastor, ou do professor, a criança simplesmente
não tinha acesso a ela. De outro lado, tem o contraponto na forte marca instrucionista com que a
escola desempenhava sua função social (a imagem do professor falando e do aluno ouvindo faz
parte dos mais antigos arquétipos da escola).
Informação, contudo, é diferente de conhecimento, que exige mobilização, atividade,
estabelecimento de relações, historicização, sistematização, categorização, ou seja, pede
mediação qualificada. Se antes faltava, agora há excesso de informação, exigindo ajuda para se
fazer a seleção, a estruturação e a crítica (há muito lixo informacional).

b)“É o aluno quem aprende, portanto, o professor é dispensável”


Efetivamente, por mais que o professor queira bem o aluno, não pode aprender por ele.
Todavia, o sujeito aprende nas relações sociais. O educador tem um papel muito importante de

18
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

mediação: ser uma espécie de catalisador (andaime, cf. Bruner). Sem ele, o aluno poderia levar
anos para aprender sozinho aqueles conteúdos ou aprender de forma ingênua, fragmentada.
Cabe ao docente acolher o educando, provocá-lo para o conhecimento (problematizar), dispor
objetos/situações potencialmente significativas para o estudo (subsidiar), e interagir com suas
elaborações até que chegue a uma síntese satisfatória.

c)“O importante é aprender a aprender, logo, os conteúdos não são relevantes”


Este é outro discurso de forte incidência. De fato, aprender a aprender é uma exigência
para o desenvolvimento da autonomia do educando, para o aprendizado ao longo da vida. Não
podemos perder de vista, no entanto, que se aprende a aprender aprendendo conteúdos
concretos, significativos. Na escola, na elaboração da proposta curricular, a partir do Projeto
Político-Pedagógico, há a definição de saberes considerados fundamentais para a formação
humana. Sem isto, ainda que habilitado para a pesquisa e investigação, o aluno correria o risco de
não chegar a se apropriar destes relevantes conteúdos (sejam conceituais, procedimentais e/ou
atitudinais), em função da infinidade de informações a que está submetido e que disputam sua
atenção (às vezes até de forma muito sedutora ou mesmo alienante).

4.Argumentos Relacionados aos Limites da Escola e do Professor


a)“Na verdade, eu não tinha o sonho de ser professor”
Não se pode deixar que o passado comande mecanicamente o futuro: muitas vezes, o
professor começou a exercer a profissão sem ter feito uma opção radical, acabou virando
professor por forças das circunstâncias, da necessidade de sobreviver. Desta forma, marcado por
culpa e má consciência (Nietzsche), sente-se condenado pelo “pecado original”. Resgatamos aqui
aquela forte colocação de Sartre (1905-1980): O importante não é tanto o que fizeram comigo,
mas o que faço com o que fizeram comigo (cf. 1978: 151), qual seja, o ser humano entender-se
como projeto. Nesta medida, o professor pode perfeitamente fazer uma re-opção pelo magistério e
assumi-lo por inteiro, como projeto de vida.

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce
educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como
educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática. (Freire, 1991: 58)

b)“O professor fica pouco tempo com aluno, seu trabalho tem pouca chance de dar resultado, pois o
que faz aqui dentro é desfeito lá fora. Sinto-me impotente...”
Em primeiro lugar, indagamos: pode-se generalizar a influência negativa do meio? Quem
disse que tudo o que acontece fora da escola vai contra sua linha de trabalho (numa espécie de
fio de Penélope: o que faz aqui, se desfaz acolá)? Quando os educadores vêem os pais como
inimigos (que são chamados à escola apenas para serem repreendidos), não se cria parceria,
identificação com a comunidade, o que terá repercussões graves, inclusive no que diz respeito à
não valorização dos profissionais da educação por parte das famílias (refletindo até mesmo na
falta de apoio, p.ex., aos movimentos da categoria por recuperação salarial). Não estaria na hora
de dar um basta a esta arrogância de algumas escolas? Hoje, com a perspectiva da educação na
cidade como um todo (Cidade Educadora), cada vez mais existe um diálogo franco, processos de
cooperação e formação mútua: quem disse que a escola é portadora exclusiva da verdade, do
bem? Sem dispensar absolutamente a crítica fundamentada às grandes mazelas sociais, com
certeza a escola tem muito que aprender com a comunidade, com os movimentos sociais, etc.
Além disto, como a sociedade vai conhecer o trabalho da escola —supondo que este seja de
muito boa qualidade— se ela se isola, constrói muros de tijolos físicos e psicológicos.

19
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Por outro lado, embora o tempo de permanência diário na instituição seja limitado, há
continuidade do contato, pois o aluno fica na escola durante vários anos. Enquanto a interferência
do meio é um tanto caótica, a ação educativa escolar é intencional, viabilizando um trabalho de
formação planejado. Além disto, há a possibilidade de uma ação coletiva integrada (todos falando
a mesma linguagem, convergindo para os mesmos objetivos).

—Valor da Atividade Docente


Muitas vezes, como apontamos, nós educadores —pais e professores— sentimo-nos
muito pequenos, impotentes, frente ao poder do sistema: profundas desigualdades sociais e
econômicas, jogo de interesses políticos, força dos meios de comunicação (imposição de
necessidades de consumo, moda, valores ou contra-valores), lentidão do judiciário, tráfico de
drogas, etc., e a partir disto passamos a desvalorizar nossa tarefa educativa: que importância
pode ter a ação de um pai de família ou de uma professora diante de um mundo que,
frequentemente, parece indicar para a direção da desumanização, da manipulação, da alienação?
Há a ilusão do poder: “Se eu estivesse no lugar de poder, aí sim teria condições de fazer algo
diferente”. A História, no entanto, tem nos ensinado que de pouco adianta o sujeito estar num
lugar privilegiado na rede do poder se não tiver pessoas que também desejem exercer o poder de
forma diferente. A professora que atua na periferia da cidade pondera: “Que relevância pode ter
meu trabalho aqui, com estas crianças? Se eu fosse coordenadora pedagógica ou diretora, daí
sim poderia fazer um trabalho mais significativo”. Torna-se coordenadora, e descobre que, das 12
professoras que atuam na escola, na verdade, só pode contar com 5, pois as demais não estão
efetivamente comprometidas com o trabalho na escola... Não queremos aqui poupar ninguém de
suas responsabilidades e contradições, mas o que Barack Obama —primeiro presidente negro
dos EUA, que tinha como lema de campanha “Sim, nós podemos”— descobriu em menos de um
ano de governo? Se não seguisse certas determinações do sistema financeiro, vinte ou trinta
aplicadores transnacionais, com um clic no mouse de seus computadores, poderiam quebrar a
economia do país. Ou seja, sim, nós podemos chegar ao poder, mas para exercê-lo de forma
diferente é preciso um conjunto de pessoas que também queiram fazer de forma diferente (que
sintam, pensem e ajam diferentemente). Numa situação bem concreta do cotidiano: eu não vou
ficar com o troco a mais da padaria porque há uma câmara filmando. Não, eu não vou ficar porque
isto não é bom, não é certo, não me faz bem, qual seja, por uma questão de valor internalizado.
Ora, onde é que se dá esta internalização? Justamente na família e na escola básica! E estamos
de volta ao ponto inicial: a importância da educação numa perspectiva libertadora desenvolvida
pelos pais e professores!
Simplificamos demais as coisas? Pode ser. No entanto, não estamos sozinhos nesta linha
de reflexão. Só para lembrar alguns pensadores:
Morin: Cada um, no lugar onde se encontra, está na luta inteira (1998: 14)
Foucault: todos aqueles que reconhecem [o poder como abuso] como intolerável, podem
começar a luta onde se encontram e a partir de sua atividade (ou passividade) própria
(1981: 77)
Marx: a teoria em si torna-se também uma força material quando se apodera das massas
(1989: 86)
Hegel: o verdadeiro é o todo (1992: 31)
Guattari: uma revolução, uma mudança social em termos macropolítico, macrossocial,
diz respeito também à questão da produção da subjetividade (1999: 26)
Prigogine: sensibilidade às condições iniciais: pequenas modificações das condições
iniciais produzem um efeito que se amplia ao longo do tempo (cf. 1996: 32).

20
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Notem bem: ao trazer estas contribuições não queremos ser arrogantes, mas exercitar o
poder que temos a partir de um instrumento básico do nosso trabalho de educadores: o
conhecimento! Palavras para comer...

c)“Há uma grande defasagem entre o conteúdo escolar e o científico”


Com a revolução nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), há, efetivamente,
a produção de informações em escala exponencial. A escola, porém, trabalha basicamente com
conteúdos alfabetizadores e estruturantes das várias áreas do conhecimento humano, que são de
longa duração. Deve-se considerar ainda que, para que um sujeito se aproprie das contribuições
dos saberes de ponta (da Nanotecnologia, p.ex.), precisa saber ler, escrever, calcular, situar-se no
tempo e no espaço, qual seja, dos conhecimentos, habilidades e competências básicas
desenvolvidos pela escola.
É preciso distinguir as diferentes funções das instituições no ciclo gnosiológico:
socialmente, a escola básica está mais voltada para a apropriação do que para a produção de
saberes científicos, tecnológicos, filosóficos e estéticos. A Física que o estudante aprende no
Ensino Médio, p. ex., não é para “ser físico”, mas para ter uma compreensão física do mundo. É
digna de nota a observação que David Hamilton faz sobre a concomitância da emergência, no
séc. XVI, do termo método na Ciência e do termo currículo na escola: um para extrair
conhecimento da natureza, outro para a promulgação desse conhecimento (1992: 25).
O conhecimento volátil (que dobra aproximadamente a cada 5 anos e que faz caducar os
anteriores), grosso modo, não é o de base, aquele trabalhado na escola, e sim os mais avançados
ou específicos.10

d)“O ritmo de mudança da escola é muito lento em relação ao da tecnologia”


É certo que a escola não pode ficar parada no tempo, devendo se abrir e atualizar em
todos os níveis; é certo também que, do ponto de vista sociológico, muitas vezes é uma das
instituições mais resistentes à mudança. Todavia, reconheçamos que o ritmo da construção
humana é outro, mais lento, em decorrência da própria complexidade muito maior. Estamos
chegando à Marte, porém não conseguimos superar as guerras, avançar significativamente em
termos do enfrentamento da fome, da miséria ou até no controle do mosquito da malária em
regiões pobres do planeta.
Tornou-se bem conhecida a historinha do prof. Teixeira que, vindo do séc. XV, estranha
tudo o que vê (ruas, casas, aparelhos eletrônicos), menos a escola, onde tudo continuava como
no seu tempo: o professor falando, falando, falando e o aluno ouvindo, ouvindo, ouvindo. Há um
aspecto positivo nesta crítica, pois denuncia práticas escolares arcaicas ainda presentes. Porém,
existe o risco de se imaginar que, se encontrasse uma escola cheia de computadores, tudo teria
mudado, quando, na verdade, sabemos de instituições educacionais repletas de aparatos
tecnológicos mas que não alteraram substancialmente o núcleo da relação pedagógica (continua
uma prática bancária, de depósito de informações, só que agora mediado por sofisticados
equipamentos). Além disto, poderíamos propor uma outra situação para nosso colega, prof.
Teixeira: visitar, p. ex., o leito de morte de alguém. Seria o drama humano da pessoa do séc. XXI
diante da morte muito diferente do da pessoa no séc. XV? Existem constantes humanas que são
de longa duração. Se escola tiver sensibilidade para isto, terá um campo da maior importância
para trabalhar: como nunca as crianças e jovens estão atrás de sentido para suas existências! Se

10.Assim, como ilustração, por muitas décadas foi válido, do ponto de vista científico, aquilo que a escola ensinou sobre
os estados/fases da matéria serem sólido, líquido e gasoso. De uns anos para cá, incorporou também os estados de
plasma e o condensado de Bose-Einstein (agora já se fala de um sexto: gás fermiônico), mas aqueles, embora
relativizados, continuam pertinentes
21
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

o professor é aquele que trabalha com a produção de sentido, nunca foi tanto o tempo do
professor como agora!

e)“Falta ‘aparato tecnológico’ na escola; muitos professores só dispõem de saliva e giz”


É importante que, na escola, os alunos tenham acesso ao melhor que a tecnologia pode
oferecer como recurso para a aprendizagem (uma das tarefas da escola é ajudar na alfabetização
tecnológica). Porém, não podemos deixar de considerar que existem necessidades humanas
básicas não satisfeitas pela tecnologia (interação, afetividade, reconhecimento, imaginário,
identidade, sentido), e que a escola pode —e deve— trabalhar. Vemos, nos grandes centros,
pessoas pagando até caro para aprenderem a ouvir e contar estórias, uma das práticas mais
arcaicas e “antitecnológicas” da humanidade (há milênios os neófitos se reúnem em torno do
ancião para ouvir os mitos da tribo).

Com a crise dos modelos, dos paradigmas tradicionais, aliada à revolução tecnológica,
estamos colocados como nunca diante de tarefas históricas extraordinárias: simplesmente recriar
as formas de organização das relações entre os homens, o trabalho, a afetividade, o lazer, a
cultura, a política, uma vez que as condições para a reprodução material da vida estão dadas
potencialmente, todavia, ao mesmo tempo, estão aprisionadas numa estrutura ultrapassada de
organização social, gerando uma contradição fundamental.
O mundo está para ser reinventado! Isto nos remete a solicitar o melhor de cada um e de
todos nós: usar o conhecimento, a imaginação, a intuição, a criatividade para encontrar
alternativas. É um tremendo desafio colocado ao ser humano de nosso tempo. Não se trata tanto
de ter um projeto de futuro muito bem definido, delineado; mas essencialmente de participar de
um princípio esperança (Bloch, 2005), de uma pedagogia da esperança (Freire, 1992), partilhando
a profunda crença na possibilidade de mudança e de construção de um futuro melhor para todos
(Vasconcellos, 2017c). Mais do que nunca, portanto, o professor é necessário!

III-Resgatando as Grandes Alegrias da Docência


O cotidiano do professor é muito desafiador. Sua atividade didática exige um trabalho
antes e outro depois, além do durante a aula. A sociedade pede do professor que, além das suas
tarefas básicas, esteja também atento às questões da sexualidade, gravidez na adolescência,
drogas, consumo, trânsito, conservação do meio ambiente, educação para a paz, educação
alimentar, financeira, empreendedora, sem contar os casos em que tem que dar educação básica
como hábitos de higiene e civilidade.
Diante disto, poderíamos indagar: por que ainda tantos querem ser professores? É que no
exercício do magistério existem também as satisfações, as realizações, as alegrias.
Tem-se falado muito das agruras da docência, das dificuldades para o exercício do
magistério. E temos de falar porque faz parte da realidade. Mas se, ao mesmo tempo, também
não resgatarmos as alegrias da docência, nós mesmos vamos entregando os pontos... Segundo
Espinosa, na Ética, “alegria é o crescimento da potência”. Precisamos resgatar as grandes
alegrias da docência
Dentre as pequenas alegrias podemos citar: facilidade para se formar professor;
flexibilidade do horário de trabalho, maior tempo de férias, oportunidade constante de trabalho
(emprego sempre tem, e ainda em todo lugar, possibilitando a mudança de cidade); o salário,
muitas vezes, não é grande coisa, mas chega todo mês; possibilidade de ter mais de um
emprego, estabilidade ou muita dificuldade para ser demitido; sempre há uma plateia à sua frente
na sala de aula; aposentadoria com menos tempo de serviço, aposentadoria com salário integral.
Estas pequenas alegrias, com certeza, não sustentam a opção por uma profissão que é muito
bonita, mas muito desafiante também.
22
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Já num nível intermediário, podemos citar o reconhecimento social: o professor é um dos


profissionais, junto com bombeiros e médicos, em que a população mais confia (notem que
estamos falando de confiança e não necessariamente de valorização).
Por quê, para quê sou professor? O que me motiva a ser professor? O que me faz levantar
“segunda-feira” e dirigir-me à escola? O que me traz realização no trabalho? Afinal, o que me traz
verdadeira alegria na docência?
As grandes alegrias nos remetem ao cerne mesmo da Atividade Docente, ao seu núcleo,
àquilo que é mais específico.
Se o professor não encontrar sentido em sua atividade, não há condições objetivas que
possam realizá-lo.
Dentre as grandes alegrias, elencamos:

1.Atividade Extremamente Relevante


O magistério possibilita o prazer de exercer uma atividade com extrema relevância social:
a formação humana, a educação (=Humanização) através do ensino, base da cidadania, da
democracia. Assim como os profissionais da saúde, os profissionais da educação estão ligados à
própria produção e reprodução da espécie; no nosso caso, do ponto de vista simbólico, cultural. A
sociedade contemporânea não conseguiria manter-se sem a escola.
Uma coisa é o reconhecimento social, que em determinado momento pode existir ou não
de forma adequada. Outra é o valor intrínseco da profissão, quando é exercida de forma
consciente e crítica.

Contribuição para o Desenvolvimento em Diversos Campos


Desenvolvimento Econômico: esta talvez seja uma das funções da escola mais
destacadas. De fato, é bastante evidente o quanto o avanço de um país depende de quadros
profissionais bem formados. Todavia, a relevância da atividade docente vai muito além disto.
Desenvolvimento Ambiental: cada vez mais, na contemporaneidade, cresce o alerta para
a necessidade de cuidado com nossa nave-mãe, a Terra.
Desenvolvimento Social: pesquisas revelam, por exemplo, que cada ano de escolaridade
da mãe provoca diminuição da mortalidade infantil, assim como do gasto com internação da
criança, etc.
Desenvolvimento Cultural: através do estudo as pessoas se qualificam para produzir
cultura em níveis cada vez mais diversificado e avançado.
Desenvolvimento Político: a democracia não funciona adequadamente sem uma escola
de qualidade. Porque o princípio básico da democracia é a participação, o exercício livre e
consciente da escolha e, para que as pessoas possam participar efetivamente, elas têm que ter
acesso ao conhecimento. E não qualquer acesso: deve ser crítico, criativo, significativo e
duradouro. A atividade docente está fortemente relacionada à conquista da democracia. O
docente vai ajudar a criança, o jovem e o adulto a experimentar que o conhecimento liberta. Vai
ajudar o educando a entender, de forma fundamentada e crítica, que a configuração atual da
realidade é apenas uma, e não a única, que um outro mundo é possível. A escola, ao propiciar a
internalização dos elementos significativos da cultura, tem um papel fundamental de anunciar às
novas gerações que o mundo pode ser diferente do que vem sendo, que a mudança da vida, da
realidade é possível!
Desenvolvimento Humano: não nascemos prontos, nem programados. A rigor, não
nascemos humanos; tornamo-nos humanos a partir do acesso à cultura. Se alguém tem dúvida,
basta ver os famosos casos das chamadas crianças selvagens como, por exemplo, Victor de
Aveyron na França, Kaspar Hauser na Alemanha, Amala e Kamala na Índia. No caso de Amala e
Kamala, como ocorreu no século XX, há até fotos; pelo fato de terem sido criadas por lobos,
23
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

tiveram o seu desenvolvimento profundamente prejudicado. O trabalho docente vai ajudar a


garantir o direito inalienável de acesso à cultura que todo ser humano tem, cuidando para que
cada um e todos aprendam, e desenvolvam a criatividade. O professor vai ajudar o educando a se
“desgrudar” do aqui e do agora, a navegar no tempo e no espaço, a sair da ditadura do presente,
do concreto, a transitar pelo abstrato, pelo categorial (e assim a desenvolver as funções
psicológicas superiores - Vygotsky), bem como voltar ao concreto com instrumentos para sua
transformação. É importante lembrar que a aprendizagem do aluno na escola não é uma
aprendizagem qualquer. Trata-se de uma aprendizagem sistemática, categorial, não-espontânea,
dado seu caráter científico, filosófico, estético, tecnológico. E isso não acontece ao acaso: é
preciso mediação!

2.Encontro Humano
O magistério nos permite trabalhar com gente11, permite-nos o relacionamento com
crianças, jovens e adultos, com suas dificuldades e dramas, é certo, mas também com seus
sonhos, com suas fantasias, com suas trajetórias, com suas riquezas, com suas formas peculiares
de ser, enfim, com seus mistérios (daí o sentido da reverência diante do outro). É muito difícil, mas
é, ao mesmo tempo, um privilégio porque temos, através do outro, um convite constante para
crescer. Porque cada aluno meu, todo ano, todo semestre é um pequeno desafio para que eu
melhore como ser humano, para poder me aproximar dele, para poder compreendê-lo, para que
ele de fato aprenda. Nossos alunos têm características gerais, mas também têm características
singulares, que precisam ser percebidas e trabalhadas. Então, essas peculiaridades dos alunos
representam um eterno desafio para crescer, para nos tornarmos um ser humano melhor, para
poder compreender melhor a Ana Cláudia, o Pedro César... Entendemos que o currículo escolar
é, antes de tudo, o encontro dos currículos pessoais dos alunos e dos professores.
O encontro humano na sala de aula é marcado também por momentos muito significativos,
como este relatado por uma professora12:

"(...) lembrei da recepção das crianças da minha classe quando cheguei na escola ontem. Na
verdade, eu estava muito preocupada com a minha filha, que está com uma alergia muito forte;
estava chateada com a forma de ser tratada na hora da consulta. Por conta de uma manhã tão
tumultuada pensei que teria muita dificuldade de dar aula, mas para minha surpresa foi um dia
maravilhoso devido à manifestação de carinho que recebi das crianças. A profissão de professor(a)
não é fácil, mas ao mesmo tempo ela proporciona a oportunidade de vivenciar esses momentos
primorosos, momentos que ficarão na memória para sempre, um presente que não tem preço".

O professor que está aberto a aprender com os alunos, está o tempo todo se renovando.
Nós estamos cada ano mais velhos; nossos alunos, no entanto, estão chegando sempre
mais ou menos com a mesma idade. Isto, com certeza, permite uma renovação, nos desafia a
manter diálogo com novas formas de ver e estar no mundo. Há, por exemplo, grandes publicitários
que não deixam de dar aula para se alimentarem da energia, da criatividade, da forma de ser das
novas gerações.
Hoje em dia, com a “sociedade da informação”, com o avanço das tecnologias da
informação e da comunicação, parece que está todo mundo com pressa de estar com pressa em
outro lugar. O sujeito está ali, mas o quente mesmo está acontecendo em outro lugar. Quando
chega lá, o quente mesmo está noutro... Ou seja, nunca está onde deveria estar. Só há um
problema: educação não se faz sem presença! As crianças, os jovens, os adultos estão chegando
na escola muito marcados pela fragmentação. Se não encontram alguém que ao menos está
buscando uma inteireza, o encontro humano fica impossível.
11.Há pessoas que trabalham com máquinas, com plantas, com madeira, com papel, etc. Nós temos este privilégio de
trabalhar com pessoas e ainda em fase de desenvolvimento.
12.Do Ensino Fundamental I, da Rede Municipal de Educação de Guarulhos/SP.

24
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

3.Aprendizagem
Para exercer a contento nossa atividade, precisamos continuar aprendendo ao longo da
vida. Isto vale também para outras profissões. Todavia, a aprendizagem do professor tem
algumas peculiaridades pelo fato de ter de lidar com a complexidade, com a sistematização, com
as categorias de historicidade, totalidade, criticidade, em função do ensino que vem em seguida.
Ora, o conhecimento dá um grande prazer; Freud chegou mesmo a compará-lo com o
prazer sexual. É claro que estamos falando de construção de conhecimento e não de mero
acúmulo de informações, o que costuma ser profundamente enfadonho.
Os gregos tinham ao menos três nomes para tempo. Chrónos, que é o tempo
“cronológico”, o tempo físico, o tempo corrido, que pode ser medido. Kairós, que é o tempo
oportuno, o tempo especial, o tempo da visitação. E Aión, que é um tempo muito diferente porque
é um tempo que não é tempo, que não é marcado pela duração, mas pela intensidade. Algumas
vezes traduzido como Eternidade, mas, talvez melhor compreendido como o tempo dos deuses,
porque para os deuses não existe tempo. O tempo é uma invenção humana. O famoso fragmento
53 de Heráclito diz “Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado”; o termo que usa
em grego não é Chrónos, e sim é Aión. Deleuze fala do Devir-Criança. Para que possamos viver
nosso Devir-Professor, o nosso Vir a Ser deve estar marcado por essa questão da infância, ou
seja, essa alegria de conhecer. O olhar da criança é marcado por este espanto, assombro,
surpresa, contradição, desequilíbrio, pulsão, fome, gosto, paixão, disposição epistemofílica,
avidez, sede, carência, consciência da incompletude, tendência, inclinação, vontade, curiosidade,
interesse, desejo, necessidade, motivação, mobilização para a aprendizagem.
Esta disposição epistemofílica, este desejo, esta curiosidade está na base de todo
processo de conhecimento. Avançando, lembramos que Freud comparava o prazer de conhecer
ao orgasmo. Nos encontros de formação, temos provocado os professores: “Se sua vida sexual
não vai muito bem, estude mais, pesquise mais!”. Isto porque, a rigor, todo processo de
aprendizagem está mexendo com a libido, com esta disposição básica para a vida, em todas as
suas dimensões. Isto vale também para quem tem uma vida contemplativa. Os escritos de Santa
Tereza D’Ávila, de São João da Cruz, os relatos que fazem sobre a contemplação, em alguns
momentos o êxtase, a intensidade da vivência é tão grande que parecem que estar descrevendo
um orgasmo. É impressionante a alegria que revelam no estado de contemplação. Mas a gênese
é a mesma: a busca, a curiosidade. Ninguém vai contemplar a face do Senhor se não estiver
ardentemente buscando-a. O salmista já dizia isto de forma tão clara: “Uma só coisa peço ao
Senhor, e só a ela busco: habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida”. Não estudo e
pesquisa que se sustente se não estiverem marcos por uma profunda curiosidade, por uma
ardente busca. Então, o professor que está envolvido em processo de conhecimento é aquele que
está alimentando, desenvolvendo a sua libido. Daí a sua alegria.
Notem que está tudo ligado. Estamos falando da mais profunda raiz da epistemologia, do
processo de construção do conhecimento, ao mesmo tempo da experiência do amor do casal, ou
da oração do místico. Está tudo relacionado. Essa é uma coisa muito bonita do conhecimento,
este eterno convite a ser mais, a aprender em níveis cada vez maiores de abrangência e
complexidade. E essa é a possibilidade de alegria radical do professor. O professor que é
professor está sempre envolvido nessa dinâmica da aprendizagem.

4.Ensino
O Magistério propicia o prazer de ensinar, de ver o outro aprender com nossa mediação (é
o outro quem cresce —por mais que goste de um aluno, não posso conhecer por ele—, mas com
nossa ajuda). Preparamo-nos a vida toda para ser o profissional que somos hoje; dedicamo-nos a
estudar, pesquisar, determinada área do conhecimento humano; agora, na sala de aula,
25
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

percebemos que aquilo que faz tanto sentido para nós, faz sentido também para outras pessoas,
com as quais talvez nunca tivéssemos encontrado antes. Nada se compara com a satisfação de
encontrar um antigo aluno e ouvir aquela carinhosa e significativa saudação: “Professor...” Neste
momento, temos a certeza de que deixamos uma marca (ensino vem do latim insignare, pôr um
sinal —signum—, marcar com sinal, dar a conhecer). Dessa forma, o magistério favorece a
experiência radical de ser coautor da criação. O professor, assim, não morre jamais (Rubem
Alves).13
Uma das marcas do professor é justamente esta: está sempre antenado com
possibilidades novas para a atividade de ensino. Tirou férias, está caminhando na praia, vê uma
pedra, uma formação rochosa meio diferente, o que faz? “Vou mostra isso para os alunos!” Está
sossegado em casa assistindo um filme, de repente, “Opa, posso passar esse filme para os
meninos, vai ser interessante para discutir aquele tema...” Este é o professor, ligado, vislumbrando
novas possibilidades de ensino.
Entretanto, esta alegria só pode ser experimentada por quem se dedica, se entrega
efetivamente ao ensino. Infelizmente, há professores esperando que primeiro os alunos se
disponham, para que daí ele faça sua parte. Nós somos os adultos da relação, temos de tomar
iniciativa. Certa feita, adentram a sala da coordenação pedagógica um professor e um aluno do
Ensino Médio. O aluno, dirigindo-se ao coordenador diz “O professor me xingou”; o professor vira-
se e fala “É, mas ele me xingou primeiro...” Alguém ali não estava com clareza sobre seu papel.
Afinal, quem é o adulto da relação?
Martin Buber, no livro Histórias do Rabi, tem uma colocação muito interessante: “O mestre
orienta os discípulos e, nos momentos de depressão, os discípulos reorientam o mestre”. Isto é
fantástico. Quem já foi resgatado por seus alunos em momentos difíceis de sua vida sabe o
quanto esta afirmação é verdadeira. Todavia, isso só pode acontecer se houve uma entrega
primeiro, se vínculos profundos foram criados com os alunos. Como nos diz Fernando Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro: nada


Teu exagera ou exclui
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Este poema remete à essa necessidade mergulhar, de se entregar àquilo que estamos
fazendo.
A educação é uma coisa maravilhosa, mas pede uma entrega. Nós temos que arriscar.
Não podemos ficar esperando que a iniciativa venha do aluno. A iniciativa primeira tem que ser
nossa. Há uma alegria enorme. Todavia, só é vivida por quem se entrega.
Pequeno exemplo, relatado por professoras da Rede Municipal do Rio de Janeiro, sobre
duas professoras trabalhando com o 6º ano, com os mesmos alunos, na Comunidade da Maré.
Uma professora: os alunos agridem, ameaçam de morte, riscam o carro, furam o pneu. A outra: os
alunos vão buscá-la lá fora, como uma espécie de anjos da guarda, para protegê-la. Como
explicar isso? - É o salário do professor que é um absurdo. Sim, de um modo geral o salário é um
absurdo, mas, nesse caso, é o mesmo. - É a família que não põe limites. É a mesma família. São
os mesmos alunos. – É o Estatuto da Criança. É o mesmo Estatuto. – É o Faustão. É o mesmo

13.Um fato recente na rede de ensino da cidade de São Paulo é revelador: foi desenvolvido um projeto com alunos
monitores de informática. Um dos objetivos básicos era propiciar o protagonismo juvenil. Ao término do projeto, emergiu
algo surpreendente: vários destes jovens manifestaram o desejo de ser professor. Tinham experimentado justamente
este prazer de ensinar...
26
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Faustão. Qual seja, todos os fatores externos são os mesmos. O que muda, segundo o relato das
professoras? A atitude delas, a postura, o vínculo.
Pelo relato, a primeira professora chega na classe, no 1º dia de aula, com uma postura
mais ou menos assim: “–Ai meu Deus! O que eu vim fazer aqui? Todos esses neguinhos safados,
filhos de marginais. Não vejo a hora de sair daqui.” Como sabemos, ela não precisa falar coisa
alguma, mas os alunos captam. Freud explica: nosso grande encontro é o dos inconscientes. O
que falamos é só a pontinha do iceberg. A violência física dos alunos é uma resposta, não
consciente, a essa violência simbólica, afetiva, estética, ética da professora.
E a outra professora? Pelo que contaram, no primeiro dia de aula chega na sala de aula e
diz algo do tipo: “–Eu vim para ficar. Vocês estão me vendo, aqui, este ano. Se me procurarem no
ano que vem, nesta escola, vou estar aqui. E no outro ano, também vou estar. Eu vim para ficar.
Quero dizer de coração aberto: nunca os vi, sempre os amei. Quando me fiz professora, me fiz
professora para ser professora de todos os alunos que a sociedade me colocasse. Não me fiz
professora para trabalhar com este ou com aquele aluno. Me fiz professora para trabalhar com
todos aqueles alunos que a sociedade me colocasse. Desejei ardentemente esse encontro com
vocês. Nunca os vi, sempre os amei. Esta é a minha profissão e, modéstia a parte, sou muito boa
nisso. Já ajudei muita gente a aprender. E sei que vocês todos podem aprender, porque todo ser
humano pode aprender se forem dadas todas as condições. E nós vamos dar as condições aqui.
Só não consigo fazer isso sozinha. Preciso da ajuda de vocês. Posso contar com vocês? Vamos
combinar? Nenhum a menos? Se algum colega tiver dificuldade, vamos ajudar para que venha
aprender? Se algum colega começar a faltar, vamos atrás? Vamos combinar?”
Certamente, um contrato como esse na sala de aula faz uma profunda diferença. O que
cada uma delas está fazendo? Usando sua respectiva Zona de Autonomia Relativa. Só que cada
uma numa direção. Não estamos negando os limites externos, todavia é fundamental lembrar que
sempre existe um espaço de liberdade, uma Zona de Autonomia Relativa (Vasconcellos, 2017a).

IV-Sintetizando: Estratégias para o Resgate do Querer (e do Poder) do


Professor
Ao analisarmos a Atividade Humana como um todo, compreendemos que, em grandes
linhas, esta depende do Querer e do Poder. Portanto, o Querer não é tudo. Todavia, tudo que é
humanamente significativo passa pelo Querer!
O Querer do professor passa por três aspectos básicos: o Desejo e/ou a Necessidade
(elementos propriamente do Querer), e a Representação Mental do Poder (visão que o professor
tem sobre seu Poder, que funciona como fator modulador do Querer). Portanto, o fortalecimento
do Querer do professor deverá estar atento a todos eles.

—Querer
Desejo
Possibilitar o contato do professor (desejo nasce do desejo, do encontro):
Com pessoas (do presente ou do passado) marcadas pelo desejo, pela vida, pela busca
de alternativas; este contato pode se dar direta ou indiretamente
Com práticas de mudança que estão acontecendo na nova direção; sentir o gosto, o
clima, a satisfação de quem mudou. Perceber que é possível
Com o “outro lado” (os que sofrem sua ação); ver como sua ação está repercutindo

27
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Com os excluídos, aqueles que não estão tendo “sucesso” no “esquema da escola” (ou
da sociedade); tocar a chaga daquele que sofre (ir além do próprio umbigo)14
Consigo: rever a opção pelo magistério, para ficar inteiro
Para isto, é preciso ajudar a superar o isolamento, o medo de mudar e, sobretudo, a
indiferença.

Necessidade
Ajudar professor a tomar consciência das suas contradições (entre o que sente, pensa,
quer, fala, faz). Desestabilizar, provocar a reflexão
Para isto, é preciso procurar romper estado de equilíbrio cognitivo do professor;
problematizar a ingenuidade, a alienação, ajudar a sair do “piloto automático”.

—Poder + Representação sobre seu Poder


Saber
Conceitual: Propiciar a construção de saberes por parte do professor através da
Pesquisa (ter acesso a novas concepções; aprender a dialogar com os vivos e mortos
significativos) e da Produção (se expressar, escrever — como forma de consolidação e
socialização do conhecimento)
Para isto, é preciso provocar a desconstrução de saberes equivocados. Ajudar a
desvelar as implicações (pedagógicas, psicológicas, éticas, políticas, sociais, econômicas)
de sua prática. Criticar os pressupostos (visão de pessoa e de sociedade)
Procedimental: Propiciar o desenvolvimento de um Méthodos de Trabalho, da Atividade
Humana na sua globalidade: Sensibilidade, Motivo, Análise da Realidade, Projeção de
Finalidades, Elaboração do Plano de Mediação, Ação e Avaliação. Ajudar a encontrar
passos concretos, alternativas viáveis para a mudança; incentivar pequenas iniciativas na
nova direção; trabalhar visão de processo
Para isto, é preciso fazer a crítica da rotina, da repetição das práticas, do trabalho sem
fundamento, na base do improviso. Criticar o pensar dicotômico e a idealização das
alternativas. Valorizar iniciativas, mas não ficar preso à superfície: problematizar, apontar
para núcleo da problemática. Ajudar a superar sensação de impotência
Atitudinal: Favorecer o desenvolvimento da Ética, do compromisso. Sensibilização
através da arte (filmes, poesia, música, dança, peças de teatro, relacionados à questão
educacional). Usar dramatização, desempenho de papéis, como exercício de empatia
(colocar-se no lugar do outro); jogos/exercícios de reversibilidade (a favor x contra) para
descentrar, aprender a ver de outros ângulos. Resgate da potência: tomada de consciência
do poder de intervenção. Valorizar as práticas realizadas, acompanhar, socializar. Buscar
ambiente de respeito e verdade, onde o professor sinta-se acolhido. Enfrentar o medo de
mudanças. Acreditar no diálogo (P. Freire, Habermas, Buber) como caminho de
humanização
Para isto, é preciso apontar para os mitos, preconceitos, convicções enraizadas. Lutar
para que a atitude demissionária, a transferência de responsabilidade, o desânimo não
sejam a tônica da escola. Combater a não-persistência nas práticas de mudança.
Ter
Favorecer a conquista de Recursos Políticos:
Clima de abertura, inovação, fluxo, vida, projeto

14.Como ofício temos de saber mais sobre aprendizagem. Como se processa, mas também como se quebra
o desenvolvimento mental, ético, emocional, identitário... da infância submetida à barbárie e à exclusão
(Arroyo).

28
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Apoio da equipe diretiva


Estruturas de Participação
Fortalecer relacionamentos, mística de grupo; buscar parcerias
Clima de liberdade, sentir que pode optar, que não é algo que está sendo imposto
Clima de respeito: permite que as pessoas se exponham, expressem o que de fato
pensam, sentem, fazem, enfim, que a verdade de cada um venha à tona
Referencial comum; Projeto Político-Pedagógico
Autonomia da Escola
Articulação com associações docentes, sindicatos, partidos, movimentos sociais
Para isto, é preciso combater a desarticulação, o trabalho isolado, o autoritarismo, a
burocracia paralisante, o clima necrófilo, da repetição, da rotina pesada; não deixar a
“peteca cair”. Combater expectativas sociais alienadas em relação ao trabalho docente
Lutar pela obtenção de Recursos Materiais:
Espaço de Trabalho Coletivo Constante (Reunião Pedagógica Semanal)
Condições de Trabalho (n. alunos, salário, instalações, recursos didáticos, menor
número de aulas para docente, tempo para estudo, equipe escolar completa)
Programa de Formação Permanente; abertura para autoformação
Para isto, é preciso combater a lógica do “ensino pobre para os pobres” (cf. Demo,
Arroyo) (Vasconcellos, 2017: 66-67).

A partir da tomada de consciência da Zona de Autonomia Relativa (ZAR), um conjunto de


práticas podem ser desencadeadas (ver Anexo: Possíveis Mediações), favorecendo o
empoderamento dos professores e assim contribuindo para não desistir da docência!

Referências Bibliográficas
Geral:
ALVES, Rubem. Palavras para comer. In: Estórias de quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1984.
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro, 4a ed. São Paulo: Perspectiva, 1997.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
BRUNER, Jerome. A Cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.
BUBER, Martin. Eu e Tu. Trad. N. Aquiles von Zuben. 2ª ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo — ensaio sobre o absurdo. Lisboa: Edição Livros do Brasil, s/d.
CASTRO, Josué. Fome: um tema proibido – últimos escritos (org. Anna M. de Castro). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
ESPINOSA, Baruch de. Ética. In Os Pensadores, 2a ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
FRANKL, Viktor. Um sentido para a vida - Psicoterapia e Humanismo. Aparecida, Ed. Santuário, 1989.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas, vol. XVIII, 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Imago, 1988.
FREUD, Sigmund. Cinco Lições de Psicanálise. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, I – Racionalidad de la acción e racionalización
social. Madrid: Taurus, 1999.
HAMILTON, David. Mudança social e mudança pedagógica: a trajetória de uma pesquisa histórica. In:
Teoria e Educação, n. 6. Porto Alegre: Pannonica, 1992, p. 3-32.
HERÁCLITO. Os Pré-Socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. In: Os Pensadores, 2a ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1978.
JAEGER, Werner. Paidéia – a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
KLUCKHOHN, Clyde e MURRAY, Henry A. Formação da Personalidade: Determinantes. In: Personalidade
na Natureza, na Sociedade e na Cultura, vol. 1. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965.
KRISHNAMURTI, Jiddu. A Educação e o Significado da Vida. São Paulo: Cultrix, 1957.
MARX, Karl. Manuscritos Económico-Filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.
29
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

MORIN, Edgar. A Boa e a Má Utopia. In: Encontros de Châteauvallon. Para uma Utopia Realista. Lisboa:
Instituto Piaget, 1998.
NIETZSCHE, Friedrich W. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones Del Quijote, 8ª ed. Madrid: Revista de Occidente/Alianza Editorial,
2005 [1914].
PLATÃO. Diálogos (O Banquete, Fédon, Sofista, Político). In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1979.
SNYDERS, Georges. A Alegria na Escola. São Paulo: Manole, 1988.
__________ Escola, Classe e Luta de Classes, 2a ed. Lisboa: Moraes, 1981.
Van der VEER & VALSINER, Jaan. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Sociedade, políticas para a educação e a produção da subjetividade
avaliativa. In: FETZNER, Andréa R. e MENEZES, Janaina S. da S. (orgs.). A Quem Interessa a
Democratização da Escola? Reflexões sobre a Formação de Gestores. Rio de Janeiro: Outras
Letras, 2012.
__________ Coordenação do Trabalho Pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de
aula, 13a ed. São Paulo: Libertad, 2017.
VYGOTSKY, Lev S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
VYGOTSKI, Lev S. El problema del retraso mental. In: Fundamentos de Defectología. Obras Escogidas V.
Madrid: Visor, 1997.
WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Criança. Lisboa, Vega, 1979.
WINNICOTT, Donald W. Tudo Começa em Casa. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Sobre Questões Teórico-Metodológicas


ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência - introdução ao jogo e suas regras, 2ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1982.
BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito Científico - contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BARBIER, René. Pesquisa-Ação na Instituição Educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985 [1977].
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix.. O Que É Filosofia?, 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 1997 (1ª
reimpressão, 2000).
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 2a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
GUATTARI, Félix e ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo, 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999.
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, 2 vol., 2a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
KONDER, Leandro. O que é Dialética, 2a ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MARX, Karl. Contribuição para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel - Introdução. In Manuscritos
Econômicos-Filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.
PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Editora Unesp, 1996.
SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método. In Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Zona de Autonomia Relativa. In: Currículo: A Atividade Humana como
Princípio Educativo, 4ª ed. São Paulo: Libertad, 2017a.
__________ Breves considerações sobre o processo de mudança. In: Avaliação da Aprendizagem: Práticas
de Mudança - por uma práxis transformadora, 13a ed. São Paulo: Libertad, 2017b.
__________ Sobre o processo de transformação da prática pedagógica. In: Para onde vai o Professor?
Resgate do Professor como Sujeito de Transformação, 14a ed. São Paulo: Libertad, 2017c.

Sobre a Esperança
ALVES, Rubem. Da Esperança. Campinas, SP: Papirus, 1987 [1969].
BLOCH, Ernst. O Homem como Possibilidade. In: Tempo Brasileiro (8). Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1966.
__________ O Princípio Esperança, vol. 1. Rio de Janeiro: EdUERJ/Contraponto, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
__________ Rumo a uma “pedagogia do desejo”. In: Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: Editora
Unesp, 2001.
FROMM, Erich. A Revolução da Esperança: por uma tecnologia humanizada. São Paulo: Círculo do Livro,
s/d.
FUNDAÇÃO AMERÍNDIA (org.). Globalizar a Esperança. São Paulo: Paulinas, 1998.
FURTER, Pierre. Dialética da Esperança: uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1974.
GARAUDY, Roger. O Projeto Esperança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1978.

30
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

JOHANN, Jorge R. Educação e a Utopia da Esperança: um novo homem e uma nova sociedade. Canoas:
Editora da Ulbra, 2008.
MATOS, Olgária C. F. Ethos e Amizade: a morada do homem. In: DOMINGUES, Ivan (org.) Conhecimento e
Transdisciplinaridade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança, 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
MORIN, Edgar. A Boa e a Má Utopia. In: ENCONTROS DE CHÂTEAUVALLON. Para uma Utopia Realista.
Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
VASCONCELLOS, Celso dos S. O Professor como sujeito histórico de transformação. In: Para onde vai o
Professor? Resgate do Professor como Sujeito de Transformação, 14a ed. São Paulo: Libertad,
2017c.

Sobre o Professor
ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1981.
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
BRANDÃO, Carlos R. Lutar com a Palavra – escritos sobre o trabalho do educador. Rio de Janeiro: Graal,
1982.
CODO, Wanderley e VASQUES-MENEZES, Iône. O que é burnout? In: CODO, Wanderley (coord.),
Educação: carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
ESTEVE, José M. O Mal-Estar Docente. Lisboa: Escher, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora Unesp,
2000.
GUSDORF, Georges. Professores para quê? Lisboa: Moraes, 1970.
MEIRIEU, Philippe. Carta a um Jovem Professor. Porto Alegre: Artmed, 2006.
NÓVOA, António. Professores: Imagens do Futuro Presente. Lisboa: Educa, 2009.
SEVERINO, Antônio J. Formação de professores e a prática docente: os dilemas contemporâneos. In:
PINHO, Sheila Z. de (org.). Formação de Educadores: Dilemas Contemporâneos. São Paulo,
Editora UNESP, 2011.
TORRES SANTOMÉ, Jurjo. A Desmotivação dos Professores, 2ª ed. Mangualde: Edições Pedago, 2011.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Para onde vai o Professor? Resgate do Professor como Sujeito de
Transformação, 14a ed. São Paulo: Libertad, 2017c.
__________ Competência Docente na Perspectiva de Paulo Freire. Revista de Educação AEC. Brasília:
abril/junho de 2007 (n. 143).
__________ É Possível Sair do Marasmo – entrevista. A Revista do Educador Direcional. São Paulo: junho
de 2006 (n. 17).
__________ Falsas Idéias e (Des)Estímulo aos Educadores. Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre:
agosto/outubro de 2006 (n. 39).
__________ O(a) Professor(a) mexe com o sentido da vida – entrevista. Mundo Jovem. Porto Alegre:
outubro de 2005 (n. 361).
__________ A transformação cabe ao Professor – entrevista. Extra Classe. Porto Alegre: Sinpro/RS, maio
de 2007 (n. 113).

Dica de Leitura:

http://www.celsovasconcellos.com.br/index_arquivos/Page569.htm
31
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Anexo: Possíveis Mediações


A partir da tomada de consciência da Zona de Autonomia Relativa (ZAR), um conjunto de
práticas podem ser desencadeadas:
(Re)Opção: professor decidido a ficar — de Jovens, Informática, Teatro, Associação de
inteiro— no magistério (ou mudar de profissão) Antigos Alunos, etc.)
Procura de colega que deseja mudar para Autoavaliação
“conspirar” Desenvolvimento de um projeto de vida
Participação em grupo de estudo Construção coletiva do PPP; participação de
Solicitação de livro emprestado de colega pais e alunos
Investimento na compra de livros Uso do PPP como instrumento de luta para
Respeito ao o aluno; valorização da sua cultura, ampliação da autonomia da escola
do seu conhecimento prévio Publicação e fácil acesso da comunidade ao
Compromisso com a aprendizagem, PPP
desenvolvimento e alegria crítica (docta gaudium) Avaliação do PPP
de todos Ciclos de Formação
Cultivo da humildade, respeito, alegria/ Currículo estruturado por Projetos/Temas
entusiasmo Trabalho com Salas-Ambiente
Pesquisa/Estudo Trabalho com Docência/Regência Dupla em
Utilização de Bibliotecas públicas sala (dois professores atuando juntos)
Revisão de crenças, superação de preconceitos Diminuição do número de professores na 2ª
Crença sincera e profunda de que todo aluno Fase do Ensino Fundamental
pode aprender (e de que o professor pode Aulas duplas para permitir trabalho mais
ensinar) aprofundado
Cultivo de amizades Montagem de Quadro Geral de Saberes do
Partilha de dúvidas, angústias, descobertas com Ciclo/Segmento
colegas Cochicho durante a aula onde alunos trocam
Artigos, cartas para jornais informações e/ou levantam questões sobre a
Valorização de colegas e funcionários da escola matéria
Escolha mais criteriosa dos programas de TV Uso de livros didáticos para compor biblioteca
que assiste, sites e apps que acessa escolar ou de classe, como material de consulta
Diminuição do tempo diante da TV e da internet (e não como roteiro de aula)
Melhores critérios para gastos pessoais Grupos Operativos em sala
Permanência na mesma escola (não à Exercícios que levam a pensar e não mecanizar
rotatividade) Tarefas significativas
Participação na construção do PPP Montagem de Cantinhos Temáticos na sala
Participação no Conselho de Escola Elaboração pelo professor do próprio material
Superação do discurso de vítima, de coitadinho didático
Luta por Plano de Carreira Observação pelo professor do estudo, da
Participação em Sindicatos e Associações produção dos alunos em sala
profissionais Clareza para os alunos dos objetivos do
Participação em Movimentos Sociais trabalho em sala de aula
Voto conscientemente Adequação das expectativas: ser professor dos
Posicionamento crítico e propositivo frente ao alunos concretos que tem (e não de
sistema educacional e social "determinados conteúdos"). Partir de onde o
Compromisso com a mudança social (ter em aluno está e não de onde “deveria estar”
mente um horizonte maior) Flexibilidade para reorganização do tempo e do
Exercício da autocrítica espaço
Participação ativa em sala de aula Ruptura com arquitetura fabril das escolas
Busca constante do sentido das coisas Estabelecimento de número máximo de alunos
Valorização da participação dos colegas em por professor
sala de aula Continuidade das práticas escolares inovadoras
Participação na construção do contrato didático Continuidade das políticas educacionais
Dar devolutiva para professor sobre sua progressistas
atuação Diminuição dos turnos da escola
Ser ou apoiar o representante de classe Aumento do tempo de permanência do aluno na
Participação nas organizações estudantis escola; escola de tempo integral
(Grêmio, Rádio, Clube de Ciências, Comunidade Espaço para aluno deixar material na escola

32
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Utilização de música para aviso de mudança de Planejamento conjunto com colegas


aulas Análise cuidadosa dos projetos didáticos
Valorização das organizações dos alunos Formação permanente dos educadores
Trabalho com alunos representantes de classe Participação nas atividades de ensino em sala
Enfrentamento de pressões equivocadas da de aula
comunidade Professor se sentir competente e autorizado a
Competência e unidade do grupo para enfrentar ousar, a criar
resistências Avaliação como forma de qualificar, de ajudar a
Ambiente de confiança, de liberdade, de crescer, e não de classificar e excluir
inovação Ao longo do processo e não em momentos
Apoio/Respaldo da Equipe Diretiva: professor estanques. Através de atividades cotidianas
não se sente sozinho realizadas pelos alunos (exercícios, produções de
Tratamento do aluno pelo nome (e não por texto, relatórios, pesquisas feitas em sala, tarefas)
apelido) Interação com trabalho do aluno até que chegue
Conhecimento mais profundo da realidade dos a um nível satisfatório; sinalização de problemas
alunos e devolução para aluno reelaborar
Convivência com alunos no recreio/intervalo Ênfase no essencial
Superação da síndrome de encaminhamento de Recuperação da aprendizagem no ato mesmo
alunos para coordenação, orientação ou direção do ensino
Visita de professores da 2ª Fase do Ensino Questionamento: por que o aluno não está
Fundamental aos alunos do último estágio da 1ª aprendendo?
Fase Identificação clara, através da avaliação, das
Encontro de professores da 2ª Fase do Ensino necessidades dos alunos
Fundamental com os do último estágio da 1ª Fase Compromisso com a aprendizagem essencial
Superação da solicitação de presença de por parte de todos: em sala e durante a aula
profissionais especializados na escola (psicólogo, Compromisso com aprendizagem mínima
psicopedagogo, fonoaudiólogo, assistente social, necessária e não com a “média” (o desafio do
etc.) professor não é gerar nota e sim aprendizagem)
Superação de encaminhamento de alunos para Atendimento logo no começo: “Parar”
serviços especializados por qualquer motivo (retomada, revisão, redirecionamento, reenfoque,
Estabelecimento com os alunos das Regras de reelaboração, reforço, reflexão, replanejamento,
Trabalho/Contrato Didático retrabalho, reconstrução, transformação,
Trabalho com sanção por reciprocidade (Piaget) mudança, alteração do ritmo/ abordagem)
com alunos Atividades avaliativas que levem a refletir, a
Garantia clima de respeito: direito à dúvida e ao estabelecer relações (funções psicológicas
erro superiores)
Não rotulação por parte do professor, proibição Superação da exigência de assinatura dos pais
de rotulação pelos colegas nas avaliações
Desenvolvimento da responsabilidade coletiva Não vinculação da reunião de pais à entrega de
pela aprendizagem e disciplina em sala notas
Busca da combinação das diferenças e não sua Avaliação não só do cognitivo. Formação
eliminação, separação ou antagonização Humana: Conceitual, Procedimental e Atitudinal
Manutenção do mesmo coletivo de alunos de Não mudança do ritual de sala de aula só
um ano para outro porque é “avaliação”; superação da “semana de
Diálogo com Pais prova”
Ajuda a pais para elevarem nível de expectativa Não “fossilização”: anulação de resultados
em relação à escola superados
Incentivo a pais para participarem do Conselho Alunos elaborarem sugestões de atividades/
de Escola questões
Grupos de estudos com pais Autoavaliação do professor
Reuniões mais formativas, superando as só Autoavaliação do aluno (metacognição)
informativas Análise das atividades de avaliação pelos
Abertura da escola à comunidade (“porosidade”) próprios alunos (autocorreção ou correção mútua,
Visita a outras escolas; receber visitas sem “valer nota”)
Participação dos alunos em eventos fora da Clara explicitação para os alunos dos objetivos
escola da avaliação
Mediação junto aos professores: acolher, Uso de portfólios para acompanhamento e
provocar, subsidiar e interagir registro
Trabalho coletivo constante na escola (Reunião Entendimento do erro como hipótese na
Pedagógica Semanal) construção do conhecimento, portanto, como
Montagem de Biblioteca Pedagógica na escola elemento de interação
33
Para Não Desistir da Docência – Celso dos S. Vasconcellos

Trabalho com alunos e pais sobre o sentido da Aluno escolhe o momento para ser avaliado
mudança da avaliação (núcleo: aprendizagem, Assembleias de classe (periódicas ou em
desenvolvimento e alegria crítica) função de necessidade) para refletir aberta e
Avaliação Socioafetiva: não vinculada à sistematicamente sobre os problemas surgidos
Aprovação/Reprovação Aulas assistidas (e refletidas) por colegas
Gravação das aulas para análise posterior Avaliação externa da instituição
Sentir-se autorizado a fazer o que acredita:
parar a fim de atender os alunos, tentar outras
abordagens, usar novos recursos didáticos

34

Você também pode gostar