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Pedro M.

Fajardo Custodio e Victor Hugo Arantes


COMENTÁRIO SOBRE O SEMINÁRIO APRESENTADO EM AULA

O Texto que apresentamos em seminário “Em Nome dos Outros:


Classificação das relações sociais entre os Txicáo do Alto Xingu”, foi apresentado por
Patrick Menget em 1977 como sua tese de doutorado. A orientação da tese é de Levi-
Strauss e muito do estilo do texto é reflexo das influências do estruturalismo. O que
Patrick Menget pretende abordar no trabalho está diretamente ligado ao projeto
apresentado em “O Pensamento Selvagem”, como o autor explicita na abertura da
primeira parte do livro, de título “A classificação social Txicáo – Ideologia, terminologia,
onomástica”, o objetivo do etnógrafo em sua análise é o de revelar os princípios da
classificação como são postulados pelos Txicáo. Mais do que um interesse pelas
diferenças presentes no léxico de apresentação de uma classificação, o que Menget
busca é seu principio de articulação e seus reflexos nas práticas da sociedade Txicáo.
Embora a coleta e análise lexical não seja o foco do autor, sua análise traz um extenso
compendio dos termos nativos detalhados em seus diferentes usos. Sobre o esforço
classificatório do pensamento indígena, Menget apresenta a articulação em dois níveis
que necessariamente ocorreriam nos processos classificatórios.

“As classificações indígenas obedecem a duas séries de constrangimento


muito distintos por um lado, devem obedecer a imperativos lógicos para
existir enquanto sistema comunicável, e estes imperativos são universais;
mas por outro lado, devem ser compatíveis com as concepções particulares
da sociedade que as utiliza.” (p. 153)

Na abordagem de Menget, as concepções particulares caem dentro do


conceito de ideologia. Chama atenção a importação do conceito para o texto do etnógrafo
por este aparecer primeiramente num vocabulário marxista, e ter seu uso relacionado a
um falseamento da realidade através das instituições culturais do capitalismo. O termo
recebe uma dimensão política na análise marxista na medida em que sair da condição de
sujeito à ideologia é parte da crítica que busca a superação do capitalismo.
O uso de Patrick Menget vai em outra direção através de uma torção que o
autor propõe do conceito, nas palavras do autor: “Se aceitarmos não definir ideologia
como conjunto de justificações a posteriori, podemos dizer que todas as sociedades
engendram a sua ideologia.”. O termo perde sua conotação política e histórica e se
apresenta no sentido mais neutro, do senso comum dentro do qual recebe utilização mais
próxima do conceito de ‘ideário’, relativo ao conjunto de ideias que compõem a visão de
mundo de determinada cultura.
É sobre o suporte que dá sentido a cultura que Patrick Menget pretende se
debruçar em seu trabalho, a busca é pela “Ideologia global Txicáo” e sua articulação com
os sistemas de classificação da sociedade. Nas palavras do autor: “Revelar a ideologia
geral de uma sociedade é, na medida do possível, precisar as orientações globais e o
campo de aplicação dos sistemas de categorias dessa sociedade.”
A partir do método de análise escolhido pelo autor, o de precisar a ideologia
global Txicáo, é necessário explicitar a articulação desta com a reprodução social, posto
de outra maneira, a exploração se debruçará sobre o jogo simultâneo dos fatores internos,
relacionados ao caráter biológico, natural da reprodução humana, com os fatores de
ordem cultural e relacional, externos ao indivíduo Txicáo. Para tal articulação o conceito de
guerra, na análise de Menget é essencial. No início do trecho que intitula “A Ideologia
Txicáo” o etnógrafo traz a tona a importância da guerra para esta etnia.

“De facto, não se trata apenas da guerra, mas de um nexus ideológico em


que estão intimamente ligadas as concepções da morte, da reprodução
social e da guerra. Este complexo de noções é central no pensamento
Txicáo, orienta toda a vida social, a atividade cerimonial e mesmo,
parcialmente, a função econômica.“(p.157)

É na guerra, como Menget nos mostra, que o problema da reposição de


pessoas e nomes se resolve, garantindo a perpetuação da etnia. Na guerra capturam-se
inimigos, que como mostrará o autor são essenciais para a reprodução social Txicáo por
aumentar o estoque de nomes desse povo. Antes, no entanto é necessário entender as
concepções de nascimento e morte dentro da Ideologia geral Txicáo.
Aqui, a pergunta norteadora elaborada pelo etnógrafo: “Como alguém se torna
Txicáo?” recebe uma resposta dupla que determina a série de relações e restrições
possíveis e necessárias para determinado indivíduo. Alguém se torna Txicáo por nascer
dentro de uma família já pertencente a esta etnia, ou seja, alguém que nasce de mãe e
pai, ou, mãe ou pai Txicáo estará alocado por seu nascimento biológico dentro da
identidade coletiva Txicáo. O outro caso para a perpetuação da reprodução social e que
equaciona o problema das mortes Txicáo é o da incorporação sociológica do inimigo, um
cativo de guerra que substitui um morto Txicáo, sendo incorporado nos grupos parentais e
após algum tempo assimilado como integrante da etnia. A captura soluciona o problema
gerado por uma morte Txicáo. Neste momento faz-se necessário para o autor explicar o
entendimento que os Txicáo têm da morte. A morte para os Txicáo é entendida como
fenômeno sempre gerado pela vontade e ação do inimigo próximo. Na guerra externaliza-
se a violência do inimigo, que deseja matar um indivíduo Txicáo, a morte e seu agente
encontram-se nesse caso num mesmo plano contingente, no entanto, para toda outra
morte Txicáo esta está relacionada à ação e vontade desse mesmo inimigo para causar
doença, acidente ou infortúnio a um indivíduo Txicáo, utilizando para isso a feitiçaria.
Entende-se aqui que um dos motivos para a guerra e principalmente a captura é então
vingar uma morte Txicáo, trazendo de volta um vivo que substitui aquele que foi tomado
pela intenção do inimigo.
Aqui Menget elabora duas observações, uma quanto ao funcionamento desta
substituição dentro de uma contagem e análise da maldade inimiga e outra quanto ao
local e função ocupados pelo cativo dentro da sociedade Txicáo que passa a integrar.
Para toda morte Txicáo é necessária uma substituição, no entanto, o cativo, substituto
preferencial de um Txicáo não entra na contagem de corpos de maneira a recompensar
um único corpo Txicáo, por exemplo, de modo que uma morte Txicáo não é substituível
diretamente por uma única captura. A vingança exercida através da guerra pode estar
relacionada com a perda de um parente distante temporal ou relacionalmente, de modo
que para toda morte se faz necessário um exercício de retomada das maldades inimigas,
medindo-se sua intensidade e o tamanho cabível da retributiva, nas palavras de Menget:
“A vingança ideal é sempre a captura, mas não se mantém, a esse respeito, uma
contabilidade de entradas e saídas muito rigorosa.”. Ainda sobre o necessário
entendimento das mortes dentro do contexto do evento e sua relação com a interpretação
de mundo como postulada pela ideologia geral Txicáo, Menget afirma.

“Seja como for, mostramos que a ideologia geral não era um domínio de
idealidades irrecusáveis, mas sim um conjunto de proposições
subordinadas a ação da história, modificável na sua aplicabilidade, de
acordo com circunstâncias, e na sua orientação geral, de acordo com a
apreciação dos elementos históricos. Os Txicáo, mesmo sem o saber,
integram a lição da história na sua ideologia.” (p.166)

O trecho serve para explicitar uma relação sempre contextual e relacional do


funcionamento da ideologia Txicáo, aqui como na formulação de parentesco que Menget
defenderá, cada situação problema para os Txicáo demanda um exercício de análise em
que as posições de quem sofre a maldade e quem retribui, ou, no caso do parentesco,
quem integra ou não o grupo familiar, vão determinar a solução possível. Aqui coloca-se
também a maneira como a estrutura da ideologia Txicáo necessariamente incorpora a
história dos acontecimentos sociais em seu funcionamento. O dado tem importância
também dentro da discussão paradigmática do campo antropológico que buscava
entender a relação entre as estruturas mentais e sociais de outros povos em sua relação
com a interpretação da história.
Outra exploração da análise de Menget está relacionada ao local ocupado
dentro das atividades sociais e cerimoniais dos Txicáo pelo cativo de guerra, assim como
uma explicação para a necessidade da assimilação de um cativo no parentesco e sua
importância para a reprodução social do grupo. Como aponta o etnógrafo, os Txicáo vêm
na reprodução “natural” o meio principal da manutenção da continuidade do grupo, sendo
a necessidade de vingança gerada pelo encadeamento feitiçaria-guerra-captura a base
conceitual e moral de sua relação com a ideologia global Txicáo e seu modo de relação
com outras sociedades. Mais do que a preferência pela reprodução “natural” ou pela
substituição por captura os dois modos de reprodução se somam na manutenção da
demografia do grupo. Capturar o inimigo, dentro da ideologia geral Txicáo, serve a um
duplo propósito de desvalorizar a cultura do inimigo, vista como portadora do mal para os
Txicáo ao mesmo tempo que insere a variação no sistema de designações na onomástica
da sociedade, como trata mais adiante Menget.
Nos casos de captura, objetivo preferencial da guerra, em detrimento do
homicídio, é necessária uma leitura quanto à identidade do raptor, de modo que este novo
corpo que entra na contagem dos Txicáo supra as faltas causadas pela maldade inimiga
em forma de doença e morte. A primeira categoria segundo a qual se entende o cativo
assimilável é a de egu, utilizada como designante dos animais de criação. O raptor pode
então tomar para si esse egu, tornado seu filho dentro do sistema de parentesco, assim
como pode entregá-lo a algum parente próximo, irmã ou irmão. Comumente um cativo é
realocado em diferentes grupos parentais e embora isso ocorra a relação entre raptor e
cativo se manterá por toda a vida, sempre trazendo a tona o feito do guerreiro Txicáo,
estabelecendo o estatuo de prisioneiro sob o qual se enquadra o cativo.

Para uma análise da onomástica Txicáo, aqui Menget explicita o entendimento


que se tem das funções do cativo no sistema de designação.

“Um ultimo elemento relativo ao estatuto do cativo merece a nossa atenção:


o valor deste, que pode receber um nome Txicáo, ou manter o nome da sua
língua, mas que frequentemente assume também um cognome étnico de
origem, mede-se em parte pela sua capacidade “nomeadora”. O cativo é,
com efeito, um designador privilegiado desde que consiga mobilizar na sua
memória nomes (antropônimos) estrangeiros.”(p.174)
Na segunda parte do livro Menget a partir da ideologia geral Txicáo, explicita as
concepções de reprodução social, que é fundamentada em uma dualidade da reprodução
social Txicáo. Esta depende de fatores internos de ordem biológica e "natural", e fatores
externos de ordem cultural e relacional. Esta concepção dual da reprodução afeta os
modos de reprodução social gerando consequências como: "primeiro, o estatuto incerto e
móvel do cativo, do ponto de vista da terminologia de parentesco; depois, aposição
especial que este ocupa na onomástica, quer como entidade designada quer como termo
designante.(p193)

Neste sentido o autor questiona a preponderância do parentesco, enquanto


área de estudo privilegiada na antropologia para explicar a prática social e seu princípio
de ordem. Para tanto em sua análise os termos de parentesco são tratados como um
subconjunto dos modos de classificação social que por sua vez podem contribuir com
uma série de indicações "sobre as regularidades estruturais do sistema social"(p196);
Acentuando o ponto de vista que encara a relação entre sistemas de classificação e
organização social como mais complexa do que a descrição de um princípio de
agenciamento dos grupos sociais a partir de um conjunto de termos de parentesco.
Portanto “a existência de um sistema de parentesco, protótipo do sistema social, não é
um a priori, antes depende das condições de designação das relações genealógicas e da
sua posição numa ideologia particular”(p.197) no contexto etnográfico Txicáo o autor se
propõe a obter um modelo satisfatório da organização social através da análise dos
sistemas de parentesco e dos sistemas de nomeação, levando em consideração suas
respectivas participações na classificação social.
Enquanto na análise antropológica corrente se opõe categorias de relações e
nomes de pessoas considerando os primeiros como classificatórios e os segundos como
individualizantes. No caso analisado por Menget tanto as categorias de relações como os
nomes pessoais são categorias relacionais, além delas existem “categorias vetores que
permitem, em determinadas situações sociais, transformar um não parente num parente
ou, por vezes, o inverso”(p.198). Desta maneira entre os Txicáo os nomes próprios
funcionam como categorias que criam novas relações genealógicas, gerando novos
termos de parentesco a certas relações constantes.
Antes de demonstrar o funcionamento dos sistemas de categorias Txicão o
autor ressalta a necessidade de elucidar os contextos sociolinguísticos em que se utiliza
da classificação social. Para tanto recorre ao sistema de substantivos para os Txicáo que
é semelhante a todo o grupo linguístico caribe, o sistema é dividido em duas classes, os
substantivos que existem independente de alguém possuí-los, e os que necessariamente
são acompanhados de uma marca possessiva ao serem evocados. Os termos de
parentesco bem como a maior parte do termo de relações pertencem a segunda classe
de substantivos, entretanto há exceções: o subconjunto dos termos de tratamento onde
pode ser incluído os etnônimos encontram-se em enunciados sob a forma não possessiva.
Dentre as possíveis formas de indicar posse o autor chama atenção para a forma
dual, chamada dual inclusivo uk-pari – onde está incluída a primeira e a segunda pessoa
– pois os termos de parentesco em sua totalidade podem adotar essa forma.

Prendendo-se a sua proposta metodológica de pesquisa, no capítulo “As


categorias gerais” Menget inicia a apresentação de uma extensa análise do léxico que
colheu em seu trabalho de campo. Ao analisar o léxico Txicáo percebemos que este é
recheado de categorias - que para uma visão etnocêntrica - “confunde” determinadas
posições genealógicas de gerações diferentes, bem como categorias que podem definir
conjuntos de pessoas variáveis em número e em princípio de agregação, ou seja
aparentemente categorias imprecisas. É o caso da palavra tenpano – categoria mais geral
da nomenclatura Txicáo, o homem por oposição às demais espécies vivas.

Das categorias de seres vivos o autor chama a atenção para a de wonkin “ser
dotado de uma particularidade ambígua, ou melhor situada em condições extraordinárias”.
Termo que se refere a espírito(seres polimorfos geralmente maléficos). Wonkin não é
distinto das demais categorias segundo dados da realidade sensível, desta maneira
qualquer ser pode ser wonkin. “ o que acaba por distinguir os wonkin dos outros homens e
animais é uma realidade mais profunda, de ordem inteligível e não sensível”(p.203). Ou
seja wonkin funciona como classe residual onde seus critérios de definição escapam a
coerência de conjunto do esquema. Por tanto é definido por uma condição suplementar,
exterior a sua definição classificatória.

No sentido mais restrito tenpano remete a humanidade por excelência, ou seja, os


Txicáo. Por isso se tem a concepção de que partilhar a língua é partilhar os mesmos
mitos e os mesmos heróis, assim a mesma história, os mesmos antepassados. Ideia
expressa no termo Kantavo-banopun – a parentela de kantavo (herói mítico cuja
comunidade linguística tem uma relação de filiação mas sem conteúdo genealógico
preciso e específico) termo equivalente a comunidade dos tenpanongmo – uma
coletividade ideal e não um grupo identificável. Neste sentido tenpano opõem-se a urot (o
estrangeiro-inimigo) aquele que não tem a língua Txicáo como língua materna. Estes são
idealmente aqueles sobre quem se “exerce a vingança,fornecedores de prisioneiros, de
troféus humanos e das identidades complementares, sob a forma de nomes próprios”.
(p.205) Os dois termos nunca são marcados pelo possessivo e funcionam como
categorias complementares e nunca fixas, dependendo das relações dos Txicáo com
outros povos suas alianças políticas ou relações de hostilidade.
Diferente do par tenpano/urot, ubemeku (meu companheiro, meu camarada) /
uboymokta (meu adversário) – são categorias marcadas pelo possessivo e com menor
grau de generalidade para pensar a distinção entre Txicáo e não Txicáo. Usados em
situações para definir o grupo do aliados e dos adversários, geralmente não se aplica a
totalidade dos Txicáo, assim ubemeku remete a alguém com quem se mantém uma
relação política de aliança sendo Txicáo ou não, caso a relação tenda para guerra esta
pessoa passa de ubemeku pra uboymokta. O primeiro termo não cobre a noção de
afinidade nem implica necessariamente em um laço de parentesco. E quando utilizado
associado a um nome como Takuna-pemeku (literalmente companheiros de takuna)
aplica-se a um grupo social completo. Neste sentido pode ser sinônimo de
ibanonpun(parentela), categoria que também é polarizada em torno de um indivíduo e
remete a parentela em torno dele o grupo social. O que diferencia esses sinônimos é que
ibanonpun remete necessariamente aos laços genealógicos – caracteriza o conjunto ideal
dos descendentes de um indivíduo designado. Sobre esta questão o autor chama atenção
para o aspecto ideal desta parentela designada por ibanonpun, pois este é um “conjunto
que não se manifesta enquanto grupo em nenhuma circunstância da vida Txicáo”. (p207)
Portanto ibanonpun que remete a uma parentela de extensão variável compreende
os todos os termos de tratamento do léxico Txicáo exceto um ublinta, o termo é usado
para um rival numa relação de hostilidade ou de competição, também é utilizado(sob
conjugação eblinta) para designar o marido da irma da esposa de um homem, e a mulher
do irmão do marido de uma mulher. “um eblinta é portanto um homem ou uma mulher que
substitui indevidamente o ego, ou seu irmão do mesmo sexo (na mesma posição
classificatória)”(p.209) associado metaforicamente ao inimigo. Isso ocorre devido a pratica
social da poliginia sororal e da poliandria fraternal, praticas que estendem as relações
matrimoniais para os irmãos do(a) cônjuge.
Ser atpanopun (prefixo at – que significa reciprocidade – flexão de ibanonpun) é
ser associado a um outro humano através de actos de criação futuros ou já realizados, os
indivíduos que se dizem ligados dessa forma são sempre corresidentes. Ligações essas
transmitidas pelo pai ou pela mãe do ego, a relação transmitida tanto pode ser
consanguínea quanto aliada. Idealmente todos os Txicáo são parentes, porém não se
utiliza os termos descritivos das relações(como filho do irmão da mãe) para qualificar os
graus de parentesco, embora estas formas sejam linguisticamente possíveis. Para realizar
distinções necessárias em grau de parentesco é utilizada uma metáfora da distancia. As
mães e os pais Txicáo carregam seus filhos em um laço tecido no tear e amarrado ao
corpo, amtemkuno(o laço esta ajustado) e amtemnigem(o laço esta solto) são os termos
usados para criar uma relação entre amtet(correia porta bebe, laço) e amto (amigo intimo,
ligação) ao serem usados para qualificar uma relação genealógicamente próxima ou
distante.

Após a apresentação do que Menget chama das categorias gerais Txicáo, o autor
parte para uma análise de categorias específicas do léxico de referências do parentesco.
Em Txicáo a diferença entre termos de referencia e tratamento se constitui em praticas
sociolinguísticas diferentes. Para “explicitar uma relação ou uma obrigação com ela
relacionada,ou quando tem de explicitar a origem ou o fundamento de uma relação de
parentesco”(p.212) utiliza-se os termos de referencia. As formas vocativas são utilizadas
em relações diádicas, ou seja incluem apenas 2 indivíduos na fala, tendo a função de
chamada e tratamento, apenas em exceções pode ser substituída pela forma referencial.

Para facilitar a compreensão das diferentes funções sócio-linguistiscas que


exercem o uso dos termos referenciais e vocativos o autor elabora uma tabela na qual na
pratica a fala se distingue em dois tipos de relações: as relações mediatizadas, onde é
utilizado nomes pŕoprios e termos de referencia, remete a três atores ou mais, e é
utilizada no contexto linguístico do relato ou do discurso. Já nas relações imediatas,
utiliza-se preferencialmente tecnônimos e termos de tratamento, e a fala envolve um par
de atores, acontece no contexto linguístico da interpelação e da citação. Ou seja os
diferentes conjuntos de termos de relação (referencia e tratamento) constituem séries
independentes de formas lexicais pois entre os 25 termos de referencia citados no quadro
7 e os 16 termos de tratamento citados no quadro 9, só existem duas formas comuns.
Ao analisar os termos de referencia listados no quadro 7(p. 218) Menget observa
que: dentre os 25 termos de referencia se excluirmos 2 termos arcaicos para falante
masculino, e assumirmos que 3 termos comuns para os 2 gêneros recebem significado
especifico para a falante feminina é possível sugerir uma simetria pelo menos numérica
dos termos para falante masculino e falante feminino onde cada conjunto possui 9 termos.
E ainda entre os 10 ter que são utilizados por falantes de ambos os gêneros, 6 termos
indicam relações ascendentes ao ego. Entre o duplo conjunto dos termos falados por
cada sexo(que se encontra na tabela 8) tem designações horizontais ou descendentes
quanto a geração do falante. Ou seja os parentes ascendentes ao ego são classificados
de maneira igual para os dois sexos enquanto os parentes horizontais ou descendentes
são classificados de forma diferente dependendo do sexo do falante, o que torna a
terminologia Txicáo assimétrica em torno de um eixo ideal de geração do ego.
Entre alguns dos termos de referencia ocorre o que Menget identificou como
equivalências terminológicas intergeracionais, ou seja ocorre a sobreposição de
categorias para remeter a mesmas posições. Como é o caso da prima cruzada para o
locutor masculino, esta pode ser tanto alguém com quem ele possa se casar quanto uma
parente, o mesmo ocorre para o primo cruzado em relação ao locutor feminino. Menget
ainda chama atenção para o problema das assimilações intergeracionais, pois os Txicáo
“tanto podem designar o irmão da mãe como o irmão mais velho com um termo próprio, e
a sua filha quer como filha de ego quer como uma ‘mulher’”(p.223). Embora esta
característica seja chamada comumente por tipo ‘Crow-Omaha’, o autor defende esta
designação “não recobre um conjunto coerente de propriedades que se aplicam a um
número finito de espécies. É certamente possível afinar a classificação e multiplicar os
subtipos”(p.224). Alertando a especifidade do caso Txicáo, que possui uma terminologia
diferente de qualquer relato na literatura da época.
Dentre todos os termos de referencia, apenas 5 designam uma única geração, os
demais equacionam equivalências intergeracionais. Curiosamente os 5 termos referentes
a uma única geração, embora não tenham em comum o sexo do parente designado, nem
o sexo do locutor,nem a consanguinidade, configuram um conjunto por representarem a
unidade doméstica em torno do fogo. Assim considerando a importância da
matrilocalidade entre os Txicáo o conjunto de termos:

YE: M, MZ, FBW


IMLEN: S;D
IBARU/EBIT: OZ,YZ
IBARUM: DH

Além de desenhar o “núcleo de parentes que corresponde, grosso modo, ao grupo


familiar”, ainda, “estabelece uma incontestável distinção das gerações”(p226) entre as
pessoas co-residentes: mãe e filha, mãe e genro, mãe e filho solteiro e irmãs.
Com relação as equações oblíquas num primeiro momento o autor identifica
características que poderiam classificar o sistema como Crow, como a “assimilação dos
primos cruzados matrilaterais aos filhos rapazes de ego, e dos patrilaterais ao pai e a avó
de ego”(p.228) . Porém caso assumisse esta hipótese não seria capaz de explicar
algumas relações com características Omaha “como a equivalência dos filhos da tia
materna com os da irmã do ego masculino”(p.228).
É esta impossibilidade de encaixar completamente o sistema Txicáo na
terminologia clássica que conduz Menget a analisar todas as modalidade linguisticamente
expressas da atividade classificatória, portanto incluir a terminologia de tratamento.
As assimilações intergeracionais correspondem a 13 termos de referencia, e muitos deles
remetem a consanguíneos e afins, não existindo um critério interno a classificação que os
separe. Quando relacionados aos seus termos recíprocos e colocados em uma “posição
superior as designação ascendentes em relação ao ego, em posição inferior as
designações descedentes em relação a ego, ou do mesmo nível genealógico”.(p.234) O
que é obtido é mais do uma forma de apresentação mas uma realidade lógica subjacente
à classificação. Mesmo as categorias de referencia que descrevem as posições afins
compõem esse modelo dual.
Patrick Menget realiza o mesmo procedimento quanto aos termos vocativos, que
são listados em 16, e eliminados de sua analise 3, por serem arcaicos. Mesmo o conjunto
dos termos vocativos sendo mais classificatório do que o conjunto dos termos referenciais,
devido a sua aplicação sociolinguística no contexto de descrição e expressão, o conjunto
ainda preserva a característica de equacionar gerações. Quando colocados em relação
com seus termos recíprocos, os termos vocativos também podem ser colocados na
posição de superior e inferior, evidenciando a utilização dos vocativos como sinalizador da
relação dador/recebedor de mulher. Desta maneira um “cunhado recebedor de irmã
dirige-se ao seu cunhado como a um filho”. (p.239) Ou seja por tratar-se de uma relação
assimétrica dador/recebedor de mulher é assimilado a pai/filho reconhecendo a
superioridade “natural” do pai sobre o filho por anterioridade.
Uma outra característica do subsistema vocativo se refere aos termos auto-reciprocos,
pois enquanto os termos recíprocos diferentes reforçam a dualidade superior inferior,
verificada nos termos referenciais, os termos auto recíprocos suavizam a dicotomia.
A partir da concatenação dos termos de referência com os termos vocativos o autor
conclui três afirmações a respeito do sistema de parentesco Txicáo, fomentando a tese de
Levi-Strauss de que a aliança é o princípio fundamental de toda sociedade, bem como a
universalidade do caráter desigual desta relação:

“1) o marido da irmã está para o irmão da mulher como o pai está para o filho;
2) o tio materno está para o sobrinho uterino como o irmão mais velho está para o irmão mais
novo;
3) a assimetria pai/filho traduz-se pela oposição à simetria da relação irmão mais velho/irmão mais
novo.”(p.242).

Portanto, como “postulado fundamental da terminologia Txicáo a aliança é


uma relação diádica, assimétrica, masculina como a relação pai-filho; a germanidade é
bipartida(pelo sexo) e ordenada(no sexo) pela idade.”

Enquanto a relação pai e filho é usada para pensar a relação dador e


recebedor de mulher no interior do sistema Txicáo, a relação irmão mais velho e irmão
mais novo também se generaliza para pensar os laços gerados pela aliança. Um
problema para Menget é que o sistema Txicáo não realiza uma prescrição simples de qual
mulher é casável no conjunto de designações. Pois a condição de mulher casável
depende “do estado do conjunto das relações classificatórias pré-existentes”, ao invés de
o sistema estabelecer uma prescrição fixa, a terminologia possui um dispositivo alternador
que “corresponde a uma multiplicidade de formas prescritas de casamento, subsumidas
numa única categoria, emuye. A categoria emuye é portanto disjuntiva; se tiver a acepção
“MBW”, não poderá ter acepção “MBD” ”(p.250), correspondendo ao casamento
poliândrico com a mulher do tio materno, e o casamento com a prima cruzada matrilateral.

O funcionamento da designação de um Txicáo por um inimigo capturado é


apresentado no capítulo “Onomástica: processo de nomeação”. Antes de adentrar o
processo de nomeação, Menget apresenta uma explicação quanto à forma dos nomes
para os Txicáo, assim como seu uso ou não no cotidiano. Um Txicáo no decorrer da vida
recebe uma série de nomes, que estão relacionados com os acontecimentos de sua vida,
seu lugar dentro das relações de parentesco ou apelidos. Na análise de Menget
diferenciam-se os nomes próprios

"No seu conjunto, portanto, os nomes cumprem a função banal


de diferenciar os indivíduos, mas, também a de traduzir, para
grupos de idades aproximadas, as fases recentes da história
da coletividade."(p.267)

Dentro da ideologia geral Txicáo, a escolha e transmissão de nomes ocorre


segundo regras relativas à formação do ser, de modo que uma criança só pode receber
seu nome quando está apta, isso significa formado e resistente para aguentar o nome
dentro de uma visão do corpo que entende a reprodução biológica como um processo de
formação e estabilização das substâncias, relacionadas ao couvade. Além destas regras,
é necessário atentar-se para a identidade social que a cadeia de nomes carrega, o
epônimo (parente distante pelo menos duas gerações, do qual o nome advém) e seu
destino, no processo de nomeação vinculam-se ao nomeado, portanto a escolha do nome
tem importância para que mazelas da vida do parente passado não sejam revividas pela
criança recém nomeada. Menget aponta ainda para a semelhança da relação que se
estabelece entre epônimo e nomeador, e, a entre nomeador e nomeado.
Diante da idéia de um compartilhamento de destinos entre o epônimo e o
nomeado, estabelece-se também uma equivalência categórica entre ambos dentro do
sistema de parentesco em relação aos parente próximos. A transmissão do nome de um
avô para uma criança, aloca a mesma, dentro do parentesco, na posição de designação
como este mesmo parente falecido, de modo que ocorrem, em alguns casos situações em
que crianças são consideradas parentes geracionalmente mais velhos por adultos já de
idade avançada. Um velho de sessenta anos, referindo-se a um adulto de vinte pelo termo
avô, devido ao nome que lhe foi designado no processo de nomeação
Esse processo de nomeação que recorre a rememoração dos nomes dos
antepassados, por sua estrutura de funcionamento em relação com a variação da
população Txicáo, por um entendimento de Menget, pode gerar o problema da finitude
dos nomes. Se os nomes são esquecidos ou se a quantidade de vivos supera em número
o do estoque de nomes dos mortos, poder-se-ia chegar na situação de inexistência de
nomes para os novos nascidos. Aqui, o papel do cativo como designador preferencial
sugere uma solução para o problema.
Os Txicáo recorrem a dois mecanismos de criação de nomes. Um apelido
pode ser integrado ao nome e mais tarde retransmitidos após a morte do dono do nome,
embora seja um processo comum, para os Txicáo um nome novo só é possível pela
assimilação dos nomes do cativo de guerra no seu sistema de designação.
Um cativo que adentre a sociedade Txicáo é, primeiramente assimilado por
um novo grupo parental, como vimos, recebendo estatuto de possível nomeador após
terem filhos, esses são, portanto, Txicáo. No sistema de transmissão de nomes, no
entanto, faz-se necessário ao estrangeiro retomar os nomes de parentes mortos de sua
própria parentela original, assim garantindo a variabilidade e a não finitude dos nomes
Txicáo.
A nomeação garante a continuidade do ser do grupo e a sua
permanência, recuperando identidades à medida que as vai
distribuindo. Talvez mais importante, a nomeação medeia a
oposição entre os dois modos fundamentais de reprodução
social, cujas categorias de parentesco apensa regulam a
modalidade interna, transformando a alteridade do estrangeiro
em "identidades estrangeiras" que aumentam a memória
colectiva de identidades." (p.286)

Aqui entende-se, dentro da Ideologia geral Txicáo a importância das teorias


sobre a morte. Um cativo incorporado substitui na contagem geral de seres do grupo um
parente que foi morto pela ação inimiga, igualando-se, aqui a contagem anterior e
posterior a uma morte Txicáo. Para além de retornar e estabilizar a contagem de pessoas
do grupo, o cativo tem papel de adicionar ao grupo novo nomes, e portanto a
possibilidade de novos nascimentos que terão para esses nomes.

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