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As meninas brincavam ainda “às casinhas”, que eram sempre ornamentadas com flores silvestres
e preenchidas com mobiliário feito de materiais naturais, nomeadamente cestinhos de erva milhã,
uma erva das família das gramíneas, ou relógios do fruto de bico-de-cegonha (Erodium
cicutarium), e “ao pai e à mãe”, brincadeira na qual os filhos eram representados por bonecas
feitas de trapos, de carolos de maçarocas ou mesmo de uma pedra mais oval, quase sempre
envoltas em folhas de couve ou vinha a fazer de lençol. Os rapazes mais novos puxavam pequenas
latas de sardinha vazias, às quais atavam um cordel, imaginando carroças que carregavam com
bolotas ou frutos pecos caídos das árvores; os mais velhos divertiam-se deslizando em “carros de
se arrastar”, que iam desde tábuas rasas que untavam com cebo, para melhor escorregarem nas
ladeiras, a carros mais elaborados, utilizando, muitas vezes, caixas de sabão cedidas pelos
merceeiros da localidade. Umas e outros passavam horas a fazer bolas de sabão, utilizando um
tubo de cana-vieira (Arrundo donax L.) ou mesmo o caule das folhas de aboboreira ou pepineleira
(Sechium edule) molhado em água de sabão azul, treinando, assim, a subtileza do sopro para ver
quem conseguia fazer a maior bola. Jogavam também “às graças” com um pequeno arco feito de
vime, com cerca de 30 cm de diâmetro, e dois paus, também de vime e de idêntica medida, que,
enfiados no arco e por extensão dos braços do jogador, deveriam fazê-lo chegar ao adversário, que
o receberia com os seus paus e repetiria o gesto anterior, mantendo o arco no ar o maior tempo
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possível. Julgamos ser este um verdadeiro jogo madeirense, quer pelo material utilizado, quer
pelo facto de não o vermos referenciado em outros locais.
Frequente era, também, ver os rapazes ou mesmo os homens a jogarem “às damas”, de 12 ou 21,
escarranchados nos muros das estradas, onde riscavam, com cacos de telha de barro, os
tabuleiros onde moviam as peças, também elas de pequenos pedaços de telha, arredondados por
fricção em paredes ásperas ou mesmo no chão. De barro eram também as cinco pedrinhas com as
quais jogavam as meninas, com espantosa habilidade, o jogo do mesmo nome. Mais tarde, essas
pedrinhas foram substituídas por berlindes de vidro, ou mesmo de ferro, cedidos pelas oficinas de
automóveis, os quais introduziram uma variante no jogo, ressaltando depois de atirados ao ar e
antes de serem recolhidos.
Outros jogos eram ainda praticados pela juventude madeirense, sobretudo nas tardes de
domingo, nos adros das igrejas, nas eiras ou mesmo nas estradas, já que o movimento automóvel
era reduzido. Assim, também se faziam brincos de cereja, cestinhos de giesta, colares de flores
silvestres e barquinhos de casca de pinheiro para viajarem nas levadas, sobretudo nas horas de
“giro” (forma de regadio madeirense, que permite que a água de rega passe periodicamente por
vários regantes, os heréus), até serem apanhados no local onde a água mudava de dono. Para
matar lagartixas, não faltavam as “laçadas” feitas da conhecida “erva rija” e, para treinar a
pontaria, lá estavam as “forquilhas” (fisgas) aproveitando os galhos bifurcados das árvores e os
restos de borracha (visgos) das câmaras-de-ar. As lutas de peões de madeira, feitos por artesãos
da localidade, aconteciam quando o “sono” do peão não era suficientemente demorado, de modo
a permitir que o seu dono o passasse, habilidosamente, do chão para a palma da sua mão. Por
castigo, era o brinquedo colocado no chão e sujeito às “bicadas” dos outros peões, podendo ser
destruído. Sentir-se “gigante” a passear sobre umas andas, andadeiras ou andilhas era
passatempo também muito do gosto da rapaziada. Estas eram feitas a partir de varas às quais se
pregavam transversalmente, a alturas variadas do chão (20 a 30 cm ou mais), duas pequenas
tábuas, ou mesmo duas latas de folha vazias, sobre as quais se apoiavam os pés. As mãos, essas,
agarravam-se às varas e, em equilíbrio, lá se fazia a caminhada.
Nas escolas brincava-se ainda à “mãe cambada”, à “correia”, à “pilhagem”, ao “lenço”, ao “lume”,
à “condessa”, à “mamã dá licença”, às “infusas”, aos “cabritinhos”, à “roda”, às “escondidas”, ao
“ferrolhinho”, e à “1, 2, 3 meia-lua”, entre outros. Ter destreza no atirar e apanhar do ringue e ser
ágil e certeiro no jogo da “matança” eram garantia de prestígio entre a criançada.
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Para saber quem iniciaria os jogos ou escolheria as equipas, “dava-se a letra”, usando lengalengas
e cantilenas que eram ditas por um elemento, ritmadamente, tocando em cada um dos restantes.
O elemento que coincidia com o terminar da lengalenga era o iniciador ou responsável pelo
desenrolar do jogo.
Vejamos como se executam alguns jogos, tendo como referência a revista Folclore de julho de
1997, que apresenta uma recolha de jogos populares madeirenses, e o livro Brinquedos
Tradicionais Cantados, Trava Línguas e Lengalengas (BRAZÃO, 1985).
Jogos
Belamente
É um jogo praticado por crianças, jovens ou adultos durante a quadra da Quaresma. É jogado aos
pares. Os elementos participantes combinam os dias e as horas em que devem “dar o belamente”.
Nos momentos combinados, os jogadores devem cumprimentar-se dizendo a palavra
“belamente”, tentando cada um ser o primeiro a proferi-la e, dessa forma, ganhar um ponto. O
que ganhar mais pontos recebe do outro, geralmente em Sábado de Aleluia ou Domingo de
Páscoa, um saco de amêndoas, chocolates ou outra guloseima própria da época.
Berlinda
Os jogadores ficam, geralmente, em fila ou em roda. Um deles é destacado para ficar “na
berlinda” (em evidência). Outro elemento recolhe, em segredo, opiniões acerca daquele que está
na berlinda e, perante todos, apresenta-as. O jogador que está na berlinda escolhe uma das
opiniões apresentadas e aquele que a tiver proferido ocupa o seu lugar dele.
Damas de 12
Utilizando um caco de barro, risca-se o tabuleiro da dama no chão (fig. 1). Numa das
extremidades colocam-se doze pedras vermelhas (pedaços de telha) e, na outra extremidade, doze
pedras pretas (pequenos seixos basálticos), dando-se início ao jogo.
Regras: as pedras só podem mover-se para a frente e lateralmente; deslocam-se de casa em casa,
não podendo saltar por cima de uma casa, exceto para “comer” a pedra adversária; podem ser
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“comidas” várias pedras de uma só vez, se entre elas houver um intervalo de uma só casa; quando
uma pedra consegue atingir o ponto A (fig. 1) toma o nome de “dama”; a “dama” pode mover-se
em todas as direções e saltar quantas casas quiser; caso haja uma pedra em condições de ser
vencida e o jogador não o faça, será penalizado com a perda de três pedras (assopro); vencerá o
jogador que conseguir vencer as pedras todas ao adversário.
Damas de 21
É uma variante das damas de 12, apresentando pequenas alterações: utilizam-se 21 pedras em vez
de 12; considera-se dama quando uma pedra alcança um dos pontos A, B, ou C (fig. 1).
Fig. 1 Damas
de 12
Fig. 1 Damas de
21
Gigante ou reizinho
Infusas
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Os jogadores agrupam-se em trios e colocam-se lado a lado, atrás de uma linha. Em cada trio um
elemento coloca-se de cócoras, com as mãos dadas debaixo das pernas e a boca cheia de água,
imitando uma infusa. Os outros dois elementos seguram, um de cada lado, as asas da “infusa”. A
um sinal dado tentam transportá-la até um local previamente combinado. Ganham os trios que
conseguirem alcançar o local sem que a infusa perca, pelo caminho, a água ou as asas.
Jogo do lume
A matança
Dois grupos de jogadores com o mesmo número de elementos colocam-se frente a frente,
separados por uma linha que não pode ser ultrapassada. Escolhe-se a equipa que deverá iniciar o
jogo e todos os elementos se distribuem pelos seus campos. O capitão da equipa escolhida tenta
atingir, com uma bola, um elemento da equipa adversária.
Quando algum jogador é atingido, sem ter conseguido apanhar a bola, fica “morto” e vai colocar-
se atrás do grupo adversário, que fica na posse da bola. O jogo recomeça e cada equipa tenta
apanhar a bola para atingir os adversários ou passá-la, taticamente, aos seus elementos “mortos”,
que estão mais próximos do adversário, para que os possam atingir. Ganha a equipa que primeiro
conseguir matar todos os elementos da equipa adversária ou aquela que conseguir manter o
maior número de elementos vivos num período de tempo pré-determinado.
A pardinha
Neste jogo utilizam-se moedas ou caricas. Toma-se um ponto como referência, e.g., uma parede,
um degrau, etc. A uma certa distância marca-se o ponto de onde cada jogador, um por um,
lançará as caricas ou moedas. O objetivo do jogo é atirar a moeda com precisão, de modo que
fique o mais perto possível da parede. Quem o conseguir marcará um ponto. Se alguma das
moedas atiradas bater noutra atirada anteriormente, a jogada é considerada nula e deverá ser
repetida. Repetem-se as jogadas e ganha o jogador que primeiro alcançar seis pontos.
A pilhagem
É tirado à sorte um elemento para “apilhar” (apanhar). Os jogadores dispersam-se pelo espaço e o
jogador que “apilha” tenta tocar um dos companheiros que, por sua vez, tentam esquivar-se. Se
algum jogador é tocado, invertem-se os papéis, passando o apanhador a fugitivo e vice-versa.
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Dois cavalinhos
Movimento: duas crianças “dão a corda”, enquanto outras duas (o Pedro e o Paulo) saltam
cantando a canção. Previamente já combinaram quem é o Pedro e quem é o Paulo e fazem como a
letra indica. Cantam “1, 2, 3”, para de novo recomeçarem com a entrada do que saiu. O jogo
prossegue até que algum perca. A canção é também cantada pelas crianças que aguardam a sua
vez de saltar.
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Movimento: duas crianças “dão corda” enquanto uma terceira canta saltando. Ao dizer que deita o
lenço à água, atira ao chão um lenço, ou qualquer objeto substituindo-o, e depois recolhe-o, tal
como a própria letra da canção indica. Canta “1, 2, 3”, para de novo recomeçar. Só deixará o jogo
quando perder, isto é, quando se embaraçar na corda ou não conseguir apanhar o lenço.
São Guiné
Movimento: as crianças fazem uma roda simples de mãos dadas, balançando os braços enquanto
cantam. Tal como a letra indica, todas as crianças se ajoelham, sentam, deitam, de novo se
sentam, ajoelham e levantam.
O meu ganha-pão
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Movimento: as crianças constituem uma roda simples de pares que se desloca de mãos dadas, no
sentido contrário aos ponteiros do relógio, durante os dois primeiros versos; largam as mãos
durante o terceiro e quarto versos para fazerem com o braço do lado de fora o gesto do homem
pequenino e levantam-no de seguida, fazendo com os dedos a referência a meio tostão.
No primeiro e segundo versos da segunda quadra, param para fazer com o braço esquerdo e
direito, alternadamente, a referência “um vintém… o outro para pão”. Seguem na roda nos dois
últimos versos, levantando os braços e abanando as mãos indicando “o resto”.
Ao acabar a volta, o rapaz fica atrás da rapariga e ambos, virados para o centro e de mãos dadas,
“espreitam” em sentidos contrários durante os dois primeiros versos, com pequena deslocação
lateral, indo a rapariga para a direita e o rapaz para a esquerda; ao bisar, em “fadigas”, a rapariga
fica à esquerda do rapaz. Nos dois últimos versos, saltitam para o centro com extensão anterior
alternada das pernas. Ao bisar, a rapariga passa para a direita.
Galinha pintada
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Bibliog.: AMADO, João da Silva, Função Educativa dos Brinquedos Tradicionais Populares,
Coimbra, ed. do Autor, 1992; BRAZÃO, Maria Lígia Lopes, Brinquedos Tradicionais Cantados,
Lisboa, Editorial O Livro, 1985; CABRAL, António, Jogos Populares Infantis, Porto, Editorial
Domingos Barreira, 1991; SECRETARIA REGIONAL DE AGRICULTURA E PESCAS, Folclore, 24
horas a bailar, Funchal, 1997; SOLE, Maria de Borja, O Jogo Infantil, Lisboa, Instituto de Apoio
à Criança, 1992; TERESA, Maria Francisca, Em Casa da Avó na Ilha da Madeira, Lisboa, Livraria
Clássica, 1922.
Lígia Brazão
(atualizado a 18.11.2015)
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