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Denis Guenoun A Exibição Das Palavras
Denis Guenoun A Exibição Das Palavras
A exibição
das palavras
Uma idéia (política) do teatro ,
Tradução
FáiimaSaadi
~li.m
Enstuos
Tr adução
FátimaSaadi
Revisão técnica
Sumário
Walter Lima Torres
Revisão
Paulo Telles
Capa, projeto gráfico e editoração
Bruno Cruz
Secretária Apresentação • 9
Márcia Alves
8 0 p.: 12 x 18 em
1. Teatro 2. Estética
Apresentação
9
Para Robert Abirached
I.
exceções, até mesmo, antífrases - uso de um termo concerne ao povo tomado em seu conjunto, à
por uma espécie de passagem ao limite oposto - coletividade social e política, ao Estado). É uma
como pode acontecer com qualquer definição: um tese : discutível, configurada, que aqui expomos.
automóvel se desloca sozinho e, contudo, às vezes
ele tem que ser empurrado. O teatro é público: a O teatro é, portanto, uma atividade intrinse-
mesma palavra serve para designar a assembléia camente política. Não em razão do que aí é
dos espectadores. mostrado ou debatido - embora tudo esteja ligado
- mas, de maneira mais originária, antes de
(A palavra: público. Mas também a palavra: qualquer conteúdo, pelo fato, pela natureza da
teatro. Lembremos que, no lugar teatral grego, de reunião que o estabelece. O que é político, no
onde nos vem o termo, "teatro" - théatron - não princípio do teatro, não é o representado, mas a
designa a cena - que é designada pelo termo skênê representação: sua existência, sua constituição,
-, mas sim as arquibancadas onde se senta o povo. "física", por assim dizer, como assembléia, reunião
Isto mudará: mais tarde, a palavra passa a pública, ajuntamento. O objeto da assembléia não
denominar, realmente, a área de representação, o é indiferente: mas o político está em obra antes da
francês clássico vê os atores "sur le théâtre".· E este colocação de qualquer objeto, pelo fato de os
deslocamento de um espaço a outro é signo de uma indivíduos se terem reunido, se terem aproximado
história. Para nós, "teatro" designa por extensão o publicamente, abertamente, e porque sua confluên-
prédio em seu conjunto. Mas, no começo, o teatro é cia é uma questão política - questão de circulação,
o lugar do público - do público reunido.) fiscalização , propaganda ou manu-tenção da
ordem.
Formulemos aqui uma tese: a convocação, de
forma pública, e a realização de uma reunião, seja
qual for seu objeto, é um ato político. Pela reunião,
*
em si (que , sendo uma assembléia, contém todos
os germes desenvolvidos, ou não, do político), e Embora fundamental, esta determinação é
por sua publicidade ("público" designa, antes de fa cilmente esquecida. É espantoso como o
mais nada, segundo o dicionário Robert, o que pensamento do teatro se preocupa pouco com ela:
pensamento cuja história poderia ser contada como
.,
14 * Théãtre; aqu i, significa palco. (N. da T.) 15
A e x i 11 i ç ã () 11 a s JI a I a v I ' a s D eni s G ué no u n
o d e senvolvim ento d e um esq uecime nto da Num edifício sobrevive ainda alguma coisa
represe ntação - do fato , do acontecim ento da destas det erminações . A localização do prédio
re presentação - em proveito da atenção disp ensada (subúrbio ou ce ntro da cidade?), sua forma e o
ao representado, ao conteúdo. sistema de suas funções internas, com tudo o qu e ele
pressup õe no tocan te a escolha do horário, duração
Verem os qu e es ta e voluçã o arnn e sia , e desenrolar das rep resentações: são es tas as
cegueira , censur a, co mo preferirem - duplica uma p'li meiras marcas da política. ~ instância política qu e
linh a da próp ria hist ória do teatro: deslocamento orde na o teatro é, em primeiro lugar , a arqu itetura.
do ce ntro, do coraç ão, do lugar desta arte - a Isto não significa qu e o que é rep resentado no teatro
platéia vai se nd o mergulhada na penumbra, o seja desprovido de significação política, se m projeção.
palc o vai se nd o iluminado. Simplesmente o qu e se represent a é previamente
ordenad0 2 pela arq uitetura - literalmente, colocado
* em cena por ela. A arquitetura, como se sabe, é arqui-
política: art e instituída pela política e qu e talvez, em
o ato, político, de convocar uma represen - contrapartida, a institua. eensar o tea tro a par tir de
tação pod e c ha mar o público para uma rua, um oesclições do que acontece em cena, ignorand o o
edifício - rara mente para um descampado. Na rua, qu e a existência, a forma, o lugar, o volume desta
é lima aglo meração : é política a es colha d o lugar cena devem a uma construção - qu e não é universal
(afastad o ou ce ntra l, cidade ou vilarejo), da hora não é óbvia - é pensar o teatro esquece ndo a política
(dia, noite , horário de lazer ou de trab alho) , bem qu e o orde na - a prescri ção, a convocação política
corno da composição e da forma da ass embl éia. que o põe em ce na.
Cad a urn a d est as carac te rís tic as tr ad uz urna
relaçã o muito precisa com a orga nização da cidade *
e formu la urna es pécie de d iscurso e m relação a
ela - consc iente, deliberado , explícito ou não, o Ora, uma viage m ao reino da arq uitetura teatral
q u e , n e st e mom ent o , n ã o tem qualqu er (viagem no tempo e também no es paç o) imp õe-nos
importâ ncia. T od as es tas posições são assumidas urna constataç ão: a imen sa maioria dos teatros foi
publicament e - e se instala m fisicamente - no constru ída seg undo um desenho circ ula r.
es paço d o político.
Não vamos nos deter neste ponto: não é nosso que os curiosos se dispõem espontaneamente num
tema aqui. Basta lembrar que, mesmo se só círculo perfeito - se o espaço não apresentar
levarmos em conta os teatros ocidentais, as três nenhum obstáculo, claro.
arquiteturas que marcam sua história: a greco-
romana, a elisabetana e a assim chamada "à Esta explicação não basta: dada a evolução
italiana", produziram volumes redondos. Por quê? " dos espetáculos, os teatros de planta circular não
oferecem mais, hoje em dia, a melhor visibilidade.
Antes de tudo porque, ao que parece, o círculo Todas as tentativas de construir salas de fronta-
é uma boa disposição para ver e ouvir. Os teatros lidade mais rígida (salas em forma de retângulo,
refazem a organização espontânea da aglomeração, nas quais cada espectador está de frente para o
fixando-a: qualquer pessoa que já tenha armado palco), por um lado, resultam em lugares onde todo
um tablado num lugar de circulação pública sabe mundo tem a oportunidade de ver bem mas, por
outro, criam teatros detestáveis: frígidos, para dizer
o mínimo. Qual a razão, então, para esta
superioridade do circular?
3. Precisemos um pou co mais, tendo em
mente o leito r qu e pen saria apenas nos
"teatros de ar en a" , áreas circulares que se Será qu e é o caso de pensar que nossos dois
prestaram às mais di ver sas expe riênc ias. sentidos estão em contradição'? - é qu e, nas salas
Este leitor pod eri a se espantar com a nossa
tese, na medida e m qu e os teatros de arena totalmente frontais, os espectadores do fundo vêem
são muito raros. A rotundidad e à qual nos melhor do qu e nas extremidades laterais dos
referimos aqui design a , por exe mp lo, o balcõ es (nos nossos teatros antigos , lugares
anfiteatro antigo, construído sobre um ar co
de cír cul o; o cilind ro perfeit o d o teatro
elisab etano - a célebre maqu ete do Glob e
- no qual as galeri as se enco ntra m com o
espaço cênico e chegam até a instalar alguns
• negat ivo: é um teatro cujos muros laterais
es pec tad ores atr ás da cena; ou ainda à
maioria de nossos teatro s ditos ..à italiana" não sã o vistos , porqu c es tão esco nd idos
por es pe ctado res. Numa sa la retangular.
(embora e les seja m, co m fr eqü ên cia,
as fileiras dc poltron as vão dar. à esq ue rda
bastardos), cuja circularidade é ass umida,
e à direita, e m par ed es lisas ou decoradas.
so bre tudo. pelos balcões. qu e c hega m até
Ao cont rá rio , nas sa las qu e cha mamos d e
a beira do arco de proscênio (e. na platéia.
arr edond ad a s. a bs t r a íd as tod as a s
os assent os são disp ostos. freqü entemente,
difer en ças. dos lad os só vem os o pú hlico
em linhas curvas muit o abe rta s).
(no s bal cõe s ou nas arq uiba nc ad as do
O que estamos cha mando de teatro circular anfit eatro), cujos assentos mais laterais
18 pode ser d efinid o tamb ém de modo. quase en cost am no palco, 19
A c x i b i ç ã o d a s p a I a v I' a s Deni s Guénou Il
cons ide rados quase cegos), e m compe nsaç ão, se ouça m (é possível esc utar algu ém qu e es tá
escuta m de forma muito pior ." É verdade . No atrás d e nós), mas é precisamente a es tr utura
e nta nto, existe m salas retangulares co m uma qu e permite qu e as pessoas se vejam e distin gam
acústica exce lente qu e sofre m, co ntudo, do qu e as d em ais não co mo ma ssa , mas como reunião
cha mare mos provi soriamente de frieza - ausê ncia d e indi vídu os: p ermit e ve r os r o st os -
desta misteri osa "boa rela ção" entre o pal co e a recon hecer- se .
plat éia , à qu al todo s os atores se referem, se m
conseguire m defini-la a não se r por uma es pécie Ora , o púlJIico dos teatro s não é uma multidão.
de se nsação, e nigmá tica mas in contest ável. em uma aglomeração de indi víduos isolados. Este
público qu er ter o se ntimento, concre to, de sua
* ex istê ncia coletiva. O público qu er se ver, se
reconhecer como grupo. Qu er perceber s uas
Mas o qu e impo rta não está aí. ÓS o procura- próprias reações, as emoções qu e o percor rem, o
rem os - co mo o leitor pode imaginar - na origem cont ágio do riso, da aflição, da expec tativa. t lima
política da representação teatr al. E se fund am enta reunião volunt ária, fund ad a sobre uma divisão. É,
num a observação ingênua: o círculo é a disposição ao men os como es pe ra nça, co mo so nho, 11 ma
qu e permite qu e o público se veja. co munida de.
Nu m grupo, para qu e cad a um veja tod os Logo após a Segunda Guerra, fez-se a tentativa
os d em ais, é preciso es ta r e m círc ulo. O cí rc ulo de construir na Fran ça teatr os onde o púb lico todo
não é a organização qu e permite qu e as pessoas ver ia be m. Havia nisto um a preo cupação qu e
c ha mava m de dem ocráti ca e (lue se define com
mais exatidão como igua litár ia. As vezes, desejava-
se tam bém , po r razõ es d e mod ernism o ta nto
4-. Simples men tc porque es tão longe. Em qu ant o de econo mia, aprese ntar nu m único lugar
d uas salas dc igual lotação. os espectadores
me nos hem localizados es t ão nas late ra is
teatro e cine ma. O fracasso foi comp leto. Teatr o e
extre mas do s balcõ cs (c. portanto. nu ma cine ma não reúne m o pú blico de modo análogo.
re lação de visão execráve l, mas ruuitíssimo O cin ema a uto riza um a re lação individua l do
próxi mos do palco): ó o caso do teat ro
circ ula r. Ou. então. es tão re legad os às
es pec tado r co m a tela . E m determ inados períodos
[ileiras do fundo (ua hipótese fron tal) e.
port ant o. dc fre nte. mas longe d em ais.
O pre ç o d as e n t ra das d en ot a. co m
20 freqiiêneia esta hierarquia. 21
A e x i biçã o d a s p a l a v r a s D e ni s Gu é noun
de sua hist óri a, ele favorece esta relação: assim , Daí a necessidad e de teatro s circulares."
faz uns vinte anos, proliferaram as pequ enas salas ,
cujo conceito de conforto consiste em qu e cada *
espectador possa afunda r na poltrona e se esquecer
do que está em volta. " A forma retan gular se presta Em que medida esta necessid ad e é política?
bastant e bem a isto: ela privilegia a melhor visão
possível de cada poltrona diant e da imagem. Ela Vamos esquecer por um momento o teatro.
nã o imp ed e , mas tamb ém não e nc or aj a a O círc ulo perm it e a um gr u po qu e ele se
comunicação entre o público. É possível ver um reconheça. Portanto, qu e ele se fale: o círculo é a
filme sozinho numa sala e tirar disto gra nde prazer. form a d as a ss e m b lé ia s - p el o men os das
as s e mbléias livr e s . Que p r e s su p õem um a
No teatr o, jamais é possível o prazer solitário. comunidade consc iente de si mesma e capaz de
Se a plat éia está deserta, a representação fica decidir seu destino. O anfitea tro exprime esta idéia
prejudi cada. O público quer a percep ção de se u de Cida de: reúne o povo todo, ou se us rep resen -
estar-ali coletivamente. Ele quer se sentir, se ouvir , tant es. Mas num ou noutro caso, sua rotun did ad e
expe rimentar se u pert en cimento, sua reunião. Os d e si gna a c o m u nid a de, s u a un id a d e , s u a
espectado res qu erem se ver uns aos outros." autonomia. Ela é a condição da deliberação, bem
como sua figura: o esque ma próprio d o coletivo
na de mocracia.
E isto nos leva , sem dúvida, a dar um pouco circular , a ponto de se encontrar com o pal co. O
mai s de consistê ncia à nossa determinação do qu e ocorria também , ao que parece, com os
alcance políti co do teatro (do fato , do aconteci- primeiros teatros g;:-egos - e m madeira - até onde
mento, da representação teatral, ant es de qualquer sabemos. Em todos estes casos, o espaç o do
exame de seu conte údo ou de seu des enrolar-se). público se fech a pelos lados na direção do lugar
Como dissemos, a convocação do s espectadores dos atores. E é possível formular isto de outro mod o,
é, efetivame nte, um ato público - que se processa por um ligeiro deslocam ento do olhar: os atores
no es paço da organização da cidade . E nunca é fazem parte do círculo, eles são se u comple me nto,
indiferente, seja qual for a forma do Estado e seu seu fechamento , eles agem no ponto em qu e se
regim e, qu e seja convocada, publicamente, uma completa sua rotundidade.
reunião na qual se mobiliza o desejo da comuni-
dad e. Est e d es ejo se r á aí mobilizado talv ez A pureza do des enho não é o qu e mais
timid am ente, de modo velado ou medroso. Ele int eressa nesta ob serv ação, ma s se u corolário
se rá, talvez, obj eto de coerç ões ou desvios. Mas imediato: os atores são membros da comunidade
ele se rá ali mobilizado - ou então nã o se es tar á reunida, o palco es tá na platéia . O qu e se põe e m
no teatro. E a provo cação , pública, de uma reunião jogo no palco não é heterogên eo ao qu e se mobiliza
deste tipo não pod e se r indiferente ao Estado. no público. O palco é ocupa do por urna fração da
Pou co importa se ela lhe sorri ou se ele se põ e e m comunidade , qu e aí se enco ntra - origina ria me nte
alerta por ca usa dela. - em conse q üê nc ia de urna es pécie de delegação,
ou, se pr eferirem (segundo a dupla resson ân cia
* da palavra qu e nos rem ete a afinidade e a política):
por eleição.
A c irc ula r id a de do t eatro é urna pré-
d isp osição política . Est e e nunc ia d o ped e dois (Dizendo isto, não pr etend em os afirmar qu e
co mple me ntos. o ator é membro da comunida de por proveni ên cia,
por orige m. Não : ele e ntra na assembléia pelo ato
Observemos a maqu et e d o Clobe: é um - políti co - d a representação. Acontece co m
cilindro quase perfeito. Olhem os também a planta freqüên cia, desd e o início do teatro, qu e o at or
de um aut êntico teatro à italiana: a platéia é quase sej a um es trange iro , qu e viaja. Isto não o exclui
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A exibição das palavras Denis Guénoun
da comunidade reunida. Pelo contrário. Este relato, sob a forma que lhe demos aqui,
O momento do teatro na cidade éo convite a esta é, evidentemente, um romance das origens.
narrativa e a este narrador, estrangeiros.) A sucessão não é factual nem tampouco linear.
Não obstante, a história do teatro conhece, na
verdade, momentos de irrupção bruta, de invenção
* intensa, quando a arte parece se regenerar: o
Outra consequencia: a História do teatro momento grego, claro, o momento elisabetano, o
parece feita de uma sucessão, de uma alternância momento italiano. Poderíamos apontar também
de episódios inversos. Em certas épocas, vê-se o uma espécie de momento revolucionário na
círculo surgir, fechar-se em sua forma completa. Europa dos anos vinte. São tempos nos quais o
Depois vêm tempos - mais longos - em que ele político da representação (no sentido em que nos
parece atacado, fracionado, achatado. aproximamos dele aqui - como mobilização de
um desejo comunitário e proclamação pública da
Primeiro, fracionado. O palco se opõe ao resto vivacidade deste desejo) se afirma sem prudência,
do círculo. Ele se eleva, se separa: se institui. freqüentemente com alegria. E são momentos em
O limite entre ele e a platéia, corredor provisório que o círculo se reforma.
e cômodo, não funciona mais como aproximação
mas como barra, barreira. Depois então vêm os retornos à ordem: o
círculo se abre, o corte em relação ao palco se
Em seguida, achatado. O palco separado quer ennjece.
se estender: em largura, em profundidade. Os
lados vêem menos bem. O arco de círculo em que Mas, a partir desta análise, é preciso deduzir
a platéia se transformou (desde que ela foi o seguinte: mesmo nas piores épocas de achata-
amputada de um fragmento) se abre irresisti- mento do teatro, este processo não avança até seu
velmente. A curva se atenua. O teatro se torna limite máximo. Ele não pode reduzir a represen-
pouco a pouco frontal. Face a face, confronto de tação ao frente a frente total entre um palco
espaços que se afrontam. autoritário e uma comunidade desfeita. Se isto
ocorresse, o teatro, neste ponto, se desvane-
ceria. E enquanto o teatro subsistir, por mais
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A exibição das palavras Denis Guénoun
enfraquecido que ele esteja, resta algo da vê. Ele está imaginariamente excluído da
comunidade desejada, do reconhecimento, do representação, apesar de ser seu fundamento
compartilhar. E, portanto, do círculo. prrmeiro.
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A e x i b iç ã o da s p u l u v r a s D en i s G u é no u n
tre as prim eiras fileiras e o palco. Isto não é O ator também, como afirmamos. Ma s não
arbitrário nem for çado: basta observar um clown se g u n d o o m e smo r egim e. O ator e n tr a na
ou um c a n to r na rua, e ve re mos a platéia , ass embléia habilitado p ela representação. Sua
es po nta ne a me nte org a niza da num cí rc ulo, d ei xar exis tê nc ia - co mo membro d e uma profissão ,
qu e se form e um gra n de esp aço vazio diante d o co nfra ria - test emunha uma e voluç ão originária
ca n tor , do mími co. Também aí os es pecta d ores qu e di stingue o narrador d e se u público . Na s
mai s próxim o s es t ão na s lat erai s. Nó s no s tragédias gregas, co m freqü ência, o ator principal
habituam os co m o fato d e qu e nos teatros também é também o p oeta. S ua fun ção c m ce na d e veria
este espaço sej a oc u p ado p or p oltronas. Ma s ist o s e r objeto d e u ma análise - política - profunda:
é uma e vo lução rccen te. porqu e ele figura, freqü entemente, o rei ou o
d et entor do poder, ou se u mensageiro, sc u p ort a-
Os gregos usam es te lu gar num so b e ra no voz, se u intérp rete. A p al a vra poéti ca e n u nciad a
e q u ilí b r io e n tre c oe rê nc ia e in ven ç ã o . El e s no pal co é int erpret a ção d os signos d o p olítico, isso
in scre vem aí as e voluç õe s d o co ro . At é o nd e s e quand o a própria int erpreta ção não é, cla própria,
s a b e, o co ro é um g ru p o pou c o num eroso (em política, isto é , interior ao di scurso político. Ma s
vis ta d e st e gra nd c esp aço) c uj a a tivid a d c difcrc nã o nos antecip em os a resp eit o d cste pont o. A ce na
cla ra me n te d a d os a to res : o co ro ca n ta e d an ça . figura a a uto ridad e, o pod er. Ela fala , ficticiam ent e ,
Daí qu e el es cons tituc m, seg u n d o re za a tradiçã o, e m se u nome. E o at or que est á no p a lco j á se
o e lc m e n to m ai s atra ente : mais p opular, d a di stingu e da platéia , como o pod er se di stingu e na
rcprcs ent açã o . So b re tudo - a í es tá a in ven çã o - c id a dc . Simp lesmente, o ato da representação, e a
nã o s ã o " p ro fiss ion a is " da práti ca teat r al. Ao di sposição circ u la r qu e o organiza , int egra es ta
autoridad e e se u di s curso co mo uma parte da
c on trá rio d os a tores, qu c repres cntam s o b re o
c o m u n id a de reunida, c o loca n d o- a c o mo um
pal c o , o s c o rc u t as s ã o p c s s o a s d o p o v o :
fragm ento - d estacado - d c sc u círculo c não como
co n tra ta dos p or um p crí od o muit o limit ad o ,
uma irrupção externa, incid cnte celeste ou e nxe rto
a pe nas para p a rti cipa r d a fc st a, clcs s ó agcm , na
divino . O palco es tá no teatro co mo o Olimpo na
rep res ent a ção , scgu n d o es te ca r áte r provis ório .
Gré cia, ele vado, m as c irc u nscr ito . I~ ass im qu e a
E le s provêm , d iretam ente , da a ss e m b lé ia d o
Grécia repres enta para si, aqui , p el o men os, o
público.
exte rior : não co mo alte r id ad c d e ess ência, ma s
32 33
A e x ib i çã o da s palavra s D en i s Gu én oun
como fragmento alterado de si. O palco é a figura Este lugar no chão, cir cular, colocado entre
- arquitetural e poética - de uma exterioridade o teatro e o palco, se chama orchestra. A palavra
assim colocada no interior da assembléia. Ele é o vem de um verbo grego que significa dançar: é o
signo comunitário do estranho. lugar ond e se vê o coro qu e dança. Por qu e a
dança? Por qu e é ela que define este espaço? Por
Já o coro emana do povo, diretamente. Seus que é que ela deixa seu ra stro (imperceptível,
membros são uma parte da comunidade cidad ã, esquecido) na etimologia da orquestra?
provisoriamente encarregada de cantar e dançar. O
público o vê e assim vê a si mesmo por delegação , Se respondêssemos a isto agora, anteciparía-
figuração, metonímia. O coro é exatamente uma mos mais que o necessário.
representação do público - no sentido político e
mimético do termo. Não resistiremos a uma pequena
antecipação do que virá em seguida - quanto ao
*
conteúdo, ao representado do teatro. Porque é preciso Por ora, basta mencionar o de stino que terá
observar, sem delongas, que esta delegação do coro esta superfície surpreendente . Seu vazio será
pela comunidade tem sua inscrição legível no texto. pou co a pouco pr eenchido - por dois tipos de
O coro representa - na narrativa - o povo. Ele é a afluên cia.
figura dos cidadãos reunidos diante do Rei - que
está ' no palco - e qu e o interrogam , ex ige m Primeiro, pelo público: as poltronas de platéia.
esclarecim entos, pedem -lhe contas, solicitam A ocupação deste espaço por assentos é tardia. Nos
respostas. A tragédia conta as respostas do Rei ao teatros elisabetanos e, com freqü ência , ainda no
povo - sua responsabilidade. Esta é a invenção grega século XIX, o público fica em pé neste espaço: área
do Teatro: a projeção na área central, liberada, no de circulação, em geral muito animada e barulh enta.
chão, pela constituição circular das arquibancadas, Os atores reclamam da indisciplina do "panerre",'
de um grupo de cantores e dançarinos saídos do povo
por delegação direta e que o povo vê como vê a si
próprio , aos pés da autoridade, qu e o domina,
interpelando-a de baixo, perguntando-lhe pela palavra * O lermo significa tamLém" andm·rérn,o".
Em port ugu ês não le mos, no vocabul ário
e pelo sentido. teat ral, um a palavra para trad uzir partcrre.
esp a ~'o d es tinad o a espec tad o re s qu e
assistia m de pé, à re p re sem nção, e qu e se
distinguia dos balcões, camaro tes e gale lilL~ ,
34 (N. d aT.) 35
A exibição das palavras Denis Guénoun
Território do público menos bem aquinhoado festas de uma cidadezinha. O espaço está vazio, o
financeiramente - ao contrário do que acontecerá chão nu. Na véspera, aconteceu ali um baile, as
no futuro, quando aí serão fixadas as poltronas cadeiras estão empilhadas, encostadas na parede.
frontais. Alguém arma um tablado - dois praticáveis que
estavam desmontados num canto. As cadeiras são
o outro ocupante que virá se instalar aí depois arrumadas em círculo. Todos se sentam.
da desaparição do coro é o grupo dos músicos (que O presidente da associação agradece ao prefeito,
por isto recebe a denominação de orquestra). Por aos bombeiros. Depois convida um ator a subir ao
muito tempo a orquestra conservará os vestígios palco improvisado. O ator sobe. Talvez seja um
de sua origem: conjunto proveniente do povo. Nas morador da cidade, conhecido da maioria dos
cidades pequenas, por exemplo, a orquestra reúne presentes - mas é o menos provável. Talvez seja
músicos do lugar - enquanto os cantores, no palco, um viajante que chegou naquela manhã mesmo.
são, com freqüência, viajantes vindos da capital Pedem-lhe que suba: é o grupo, pela voz de seu
ou do estrangeiro. A cooperação entre eles evoca representante, que o chama, atribuindo-lhe o lugar
os ofícios religiosos nos quais o coral - o coro - é do recitante, do criador de histórias. A constituição
composto por paroquianos, enquanto que o originária do teatro corresponde a este romance.
oficiante empresta sua voz ao discurso, todo- O ator só está no palco porque foi convidado, por
poderoso, do Outro. eleição da assembléia - mesmo que ele seja um
visitante de passagem por um único dia.
* *
Por que pretender, então, que o ator está em
Seria preciso ainda pensar qual o estranho
cena por delegação, por eleição? Quanto ao coro,
elo que liga a autoridade com o exterior , o outro ,
pode ser, porque ele se origina diretamente do para que a comunidade chame com tanta
povo. Mas o ator? Que é um estrangeiro, de freqüência um estrangeiro para assumir o papel
passagem... (usar a máscara, pronunciar as palavras) daquele
que detém o poder.
Vamos recorrer, novamente, a uma ficção
sobre as origens. O público se junta - no salão de
*
36 37
A e x i h i ç ã u tia s palavra s D e n i s G lI én o ll n
o q ue concluir d e tudo isto? O teatr o acontece se batem p or um teatro de rua são as que acr editam
n um esp aç o politicamente pré-di spost o. P or qu ê ? qu e é a Ru a qu e faz a d e cis ão p olítica (lugar
Qu e espéc ie d e afinid ade (do teatro com o político) insurrecional , lugar de Revolução). O público burgu ês
este p are ntesc o d e lu gar ex p r ime? d o teatr o de bul evar qu er contr olar as rédeas d a
cidade. A asse mbléia de notá veis qu e lota certas salas
Primeiro a segu inte : o teatro reúne um público d e província se vê diri gind o a vicia pública local.
que tem , ou a credita qu e tem , ca p acid ade d e E os professores, a classe méd ia ou os a ma do res qu e
d ecisão p olíti ca. E n tre os gregos, o público é a a pó iam o teatro d e AI1e se vêe m como sujeitos ativos
cid ade toda. T odos os cid ad ãos s ão co nvoc ad os . d a d emocracia liberal mod erna . Mesm o a afluência
O Esta do os ajud a , concede-lhes um a nti-impo s to, d e um público "operá ri o" - e m ge ral composto d e
um a s u b venção p or d e ve r d e presença. T od o o qu adros ou líd eres d e associaç ões ou sind ica tos -
p ovo, poten cialm ente , se vê nas arq u ibancad as - qu e fez o sucesso de um ce rt o teatro dit o popul ar
as mesmas que a asse m b léia políti ca usa, traves depois da Liber ação não pod e se r compreend ido se m
d e mad e ira , provisóri as , d esmontávei s , rem on- a es pe ra nç a, a vontad e d e parti cipação na d ecisão
tad as pa ra a festa. A a tração d o mom ento é tão política nestes se tores d e um a socied ade e m Iase d e
grand e q ue a cid ade fica d eserta: os bandidos, di z fort e sind icalizaç ão .
A ristófanes, se es ba ld a m nas cas as a ba ndo nadas .
É, pois, a p róp r ia p olítica , a fJOli;~ reunid a , qu e (Pod e-se d ed uzir daí o segu inte, q ue vale pa ra
cons titui o espaço d o fat o teatral. E a inst ância d o a co nte m po ra ne idade : se a co rrelação es tá corre ta,
pod er político - a pto à d ecisão política - q ue assiste não nos esp a nta re mos co m a baixa d e aflu ênc ia
à re p rese nta ção . ao s teatros neste per íod o d e d esapreço pelo político.
A a b s te n ç ão a fe ta s i m u lta ne a me n te os d oi s
A observa ção va le também para o teatro d e esp aços . O teat ro não p od eria se r rea b ilitad o a
Corte . A Corte reunid a no teatro é aq uel a qu e , por n ão se r nu ma é poca d e d em oc racia re a viva d a
sua proximidade com o Rei, sua influência sob re ele , p orqu e um pú bli co só ve m a o tea tr o q uan d o
exe rce a autori d ad e sob re a vida p ública. Ela inclui ac red ita , s a be ou qu e r se r pol itica me n te a tivo. )
a fa mília, os ministros, os co nsel he iros, as ca mmi lhas .
O própri o Rei pod e aparecer ali. As platéias mod ernas O cí rc ulo permite a tod as estas asse m blé ias
aind a corroboram es ta co nstatação. As ge rações q ue conve nc id as d e sua pr ópri a hab ilita ção política qu e
38 39
A e x i b iç ã o da s p a l a v r a s D eni s G u é no u n
se reconh eçam. Nas arquibancadas , a cidade grega O teatro acontece no espaço do político. Num
se ree nc ontra e se vê.Y Nos teatros à italiana, o lugar marcado , ocupado, pré-disposto pela aptidão
público burguês gosta de se exibir. Os balcõ es são (real ou fictícia) para a deliberação e a decisão
propícios a isto - a plat éia de pé pode aplaudir políticas.
um r ecém- ch egad o ilu stre . Cer tos ca mar otes
limitam com a cena - a visão é péssima , mas quem Pode-se dizer qu e o teat ro faz políti ca? Não,
está ali es tá em evidê ncia. No teatro da corte, o não exata me nte . O teatro aco ntece no es paço
Rei se mostra. Às vezes com a nob reza, ele toma político, mas ele faz com qu e aí aco nteça algo
assent o no palco , ao lado da a ção . ! ? No teatro se diferent e daquil o qu e a política faz acontecer. Há
exibe uma idéia (uma vista) da cidade reunida. teatro no lugar da política (dent ro de se u es paço,
É por isto qu e ele é um teatro do mundo : a Cidade mas também e m se u lugar - como uma usur-
se vê como análoga ao cos mo - e o teatr o figura paçã o). A r epresentação teatral co nsis te e m
sua unid ad e esférica - o Globo . produzir, na ár ea assim organi zada, d ete rmin ada
- uma ou tra pal a vr a , outros sig nos , o u tros
* adventos de sen tido .
*
Alcançam os o limite deste primeiro percurso,
9 . Coletivamen te, claro, le va ndo-se e m - conclusão provis ória , hipótese: o teatro acontece
conta a dim e nsão c o n úmero . No q ue diz no es paço do político e pr oduz o u tra cois a
respei to ao ta manho, pen sa mos nos nossos
(diferent e da política).
mo d ernos es tá d ios - n o s q u a is o
recon hecim e nto ta mbé m de se mpen ha se u
pa pel , mas co m o utras regra s, as de u m O qu ê ?
co m ba te simulado, e m torn o do q ua l os
hab ita ntes das cidades expe rime nta m o
bru tal desejo de afirma r se u pcrt e ncimen to
- e ncontra ndo, ás vezes, so b o jogo, co mo
que uma guerra real.
10. No teat ro de Corte, a d isp osição não
tend e necessari am e nle à circ ula rid ade.
t q ue, co mo a soc ieda de é extre ma me nte
hierárq uica , se o Hei es tá no palco vê-se d a
Cid ad e tud o o qu e é pr eciso ver - co mo
40 num par lam ent o sta linista. 41
11.
43
A e x i b i ç ã o da s p a l a v r a s D en i s Gu énoun
Como compreender então qu e certas leituras (Então, é impos sível o teatro para cegos? Não.
produzam uma impressão de teatro (e às vezes de Ele existe. É aqu ele qu e, num sentido extre mo, os
um teatro qu e se rviria de exe mp lo a muitas faz ver.)
representações - pela inteligên cia , ~ prazer e até,
pod eríamos dizer, a teatralidade)? E qu e alguma *
coisa aí se dá a ver qu e talvez seja emine ntemente
teatral. Imaginemo s a audição pública de uma o p,úblico se reúne. É para ver. Questão
gravação: I I isto sim, se destina ap enas ao ouvido . subseqüente: o que é que ele vem ver? O que é
Neste caso, qualquer vestígio de teatro es taria que o teatro lhe mostra?
pro scrito. Uma leitura pública produz efeitos de
teatro porque o leitor - que deve fazer ouvir o texto Vamos pro ced er pas so a passo, por aproxi-
- é visto. Teatro germina nesta visã o. mações - cada vez mais restritivas, se tudo der
certo. Obs erv emos o caso mais freqüent e (antes
d e c hegar às situaç ões -limite , ao s confins , às
margen s). Geralment e, o qu e é levado à ce na é
um texto. Um texto é urna seqüê ncia de palavras.
As palavras são ele me ntos d e linguagem. E a
1 1. Destinad a. por exe mplo. a fazer ouvir
linguagem não é da ord em do visível.
a voz de algné m q ue já morr eu . Ou a
ap res e ntar. nUJII tcutrn , UJII tr ab alh o
so noro . com as caixas de so m no pal co
(não é uma fic ção . já assisti a uma sessão
44 deste tipo). 45
A exihi ç â o d a s pa la v r a s D eni s G ué no ll n
Trata-se aqui d e apontar para dois planos da tea tra l. Ali, uma belíssima obra pictórica passaria
reflexão. Inicial me nte, o fato , e mpírico de q ue a quase desp ercebida. Os bon s ce nários pintados,
lingu agem se es ta be lece primeiro na pa lavra e , são, e m geral, pinturas medíocres . E os bo ns
portanto, sen sorialmente , no elem ento da escuta . pintores- cenógrafos sa be m tir a r partido des ta
As palavras pertencem originariame nte ao u ni- diferen ça. O dar a ver qu e a pintura propicia e o
verso sonoro . Nã o são vistas. O qu e o teatro quer, qu e o teatro exige são coisas hete rogên eas. Por aí,
o que ele produz, aquilo sobre qu e trabalha é o o teatr o se afa sta da qui lo q ue, na escrita, participa
coloc ar à vista, é o a to d e mostrar as palavra s - do pictural - e, portanto , d esta forma de dar a ver
q ue es tão, por natureza, no ele me nto do invisível. as pa lavras.
O teatro qu er exibir o invisível , d á-lo a ver.
Mas a escrita não é a pe nas uma região da
O leitor pod e ficar tr anqüilo: sa be mos qu e pintura. Ela produz uma visua liclade qu e atravessa
há o escrito. E qu e o escrito é precisam ente a e ult r a passa o es paç o da o b r a pin tada - ou
tran scri çã o visua l d a lingu agem. Acreditamos a té d esenhada. Ela é um arqui-sisterna d e traços ao
ter compree ndid o qu e es ta transcri ção atravessa mesm o tempo abstratos e físicos, cuja teori a não
ini cialm ente a pa lavra, que ela marca sua ori gem vamo s (rel produ zir aqui, visto q ue não é es te nosso
e não lhe co nce de o es paço d e nenhuma so no- objetivo. Assin alaremos ap enas qu e o rec urso ao
ridade pura, pr é-escritu ral, a nterior à efetuação visível , qu e age na escrita , tem rela ção co m a
d e s eu s tr aços . Mas a escr ita produz sig nos au sên cia da pal avra: a retirada d o locutor , a falt a
d et erminados - grá ficos, a té mesm o pict óri cos - d e s ua pres ença efe tiva , o afastam ento ou a
e qu eremo s afi rmar o seg uin te : não é es ta in-disposi çã o do falante para pron u nciar es te
visibilid ade que o teatro busca. O teatro não discurso no lugar e no te mpo para os quais a esc rita
trab al ha no tornar-visível das palavras expondo ao o le va . O teatro não dá a ver os vestí gio s, os
olha r núm eros e le tras. Uma e nce naç ão não é a d epósitos, os subs titutos d e u ma pa lavra a use nte .
apres ent aç ão di ant e d o públi c o d e gra n des Q teatro qu er o corpo e a voz. Ele exige a p rópria
co nfigurações grá ficas. Esta diferen ça é profunda, palavra , no ato qu e a profere. E ele qu er vê-la.
esse ncial. Ela tem rel ação, antes de tud o, co m o
fato d e qu e a visua lidade d o teat ro não é a d a (O qu e não acarreta, intui-se, talvez , qu e o
pintura. Um qu adro, co locado no palc o, não é teat ro nã o tenha rela ção algu ma co m a es crita -
46 47
A e x i h iç ã o da s p a l a v r a s D en i s C u é no u l1
aco nte cime nto vis ível d e um a pura presença para designar se u próprio es tatuto: o pen sa ment o
imediata. Claro que nã o.) co mo visão d o espírito. Mas isto , ao men os numa
primeira aproxim ação, nad a mais é q ue uma figura
* de estilo. E , mesm o se , no fund o, é d ifícil imagin ar
um conceito do inteligível totalme nte livre d est a
Neste sentid o, port anto, a lingu agem não es tá met áfora d o visual, somos levados a respeita r a
no ele me nto d o visível. É o primeiro plano d e di stin çã o - s o b pe n a d e mi s tu rarmo s tud o.
refl exão: as pal a vras são in- visíveis porqu e se Ace itaremos , po is , para e feitos ope racionais,
e nunc ia m e m sonori da des. Ist o diz resp eito à sua qu e as pal avras , p or se u significado ta mbé m
ma teri alid ad e , a se u corpo - a ord e m do s signifi- (e, portanto, na medida e m q ue abre m caminho
ca ntes , grosseir a me nte faland o. para o int eli gível ) parti cip am d e u m ele me nto
fundam entalmente não-sen sível : port an to, não vi-
Mas as palavras participam também d o não sual.
vi s íve l por i n te r m é d io d o ele me n to d e s e u
significado. Efetivamente, o significado é da ordem ~ s 'palavras são so m e se ntid o: duplam e nte
d a int electu alidad e - do int eligível e , por isto, " imostr áveis" , E o tea tr o qu er dá-las a ve r.
di stinto d o se nsíve l, d o qu al o visível é p arte.
Tentarem os nos preca ver contra os efe itos d e *
conta minaç ão: p rim ei ro porque os conte úd os d a
int el igibilidad e p od em muit o b em in clu ir Por qu e o teat ro, no q ue lhe diz resp ei to, não
significad os c ujos referentes são coisas visíveis, usa o vis u a l co m o m e tá fo r a - co m o faz o
significad os qu e trat am do visível, qu e o p en sam. pen sam ento, q ue prete nde ver, mas ap enas com o
É o qu e aco ntece com a palavra " ver me lho", cujo olho a na lógico d o logos. Com o o teatro, a teoria
significado não é, e m si, vermel ho, nem muito escond e um a referên cia ao ver e m se u núcleo
men os visível (da mesma forma qu e o conce ito d e e tim ológic o . Mas , ne s te p onto, o pa re n tesco
cac ho rro não late) . perma nece lon gínq uo: o qu e o teatro qu er é o
visível e m si , e m s ua efe tividade se nso rial. É ver
Alé m d o mais , nas tópi cas tradicionais d o ve r da deira me n te. É faz er advir diant e das
se ntido, o intelecto recorre a um a metáfora d o olha r arquibancadas algo d e r ealmente, fisi camente
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A e x i b iç ã o d a s p u la v r a s D en i s G ué no u n
d e sua bo ca , d e se u pescoço , d o e nr aiza me nto do fundador. Não é o corpo, mas a id eologia d o cor-
sopro q ue afeta se u corpo int eiro. Isto também o po ra l: o efeito d e ilusão que vela e recob re a
teatro most ra aos olh os. Reduzido ao som e ao prove ni ên cia do te atral na lingu a gem e no
se ntid o, ele se r ia d esencarn ad o , d escarnado , i-rnos tr ável d as pa lavra s.
privad o d e todos os seus atrativos físicos - mesmo
d os d a ca rne visível d o som e do se ntid o. Dupla tentação, port anto, em qu e o teatro é
solicitad o a se re negar du as vezes: como lite ratu r a
Mas o teatr o po d e também perd er a outra ou como es pe t áculo. É e ntre os d ois qu e o teatro,
a marra e se red uzir ao visua l, à pura mostração. pro pria men te, se ma n té m: e n tre as palavras
Cha mare mos es te es pe tác ulo d e ativid ad e cê nica invisíveis e a ex tensão da ce na, nesta improprie-
que produ z o visível pelo visível, se m d ar a ve r da d e radica l q ue d es-natura o texto exibind o-o,
sua proveniência no in- visív el d o text o e d as e nga na o olho oferece nd o-lhe palavras e d á a ve r,
palavras . O es pe tác ulo é o co r po d o te atro infatigavelm e nte, o imp róp rio desta exibição.
isolad o. t;l
uma matéria de palavras. Não é direção d e ce na, d e ele se di stin guir d o ato cIe suas e nunciações
agen ciam ento de cores e form as, pura disp osição suce ssivas, cIe a escrita o colocar nesta necessária
do visível : isto é qu estão d e es pe tác ulo, teatro a utonomia e m relação às vozes qu e vão qu erer
nenhum se produz ass im. O pôr/e m/cena é a art e levá-lo à ce na . I ,';
de colocar diant e dos olhos a linguage m, o ver bal, o
textu al. O teatro só é fiel à sua essê ncia na medida O texto é um es crito, um escrito literário ,
e m qu e coloca a a nterio rida de de um texto, distinto livresco. O a utor é urn esc ritor. Com o texto tudo
do ato da rep resentação e cuja represe ntação é a começ a, nele tucI o se funda e se origina . Mas o
passagem ao visível. O teatral, se ndo propriamente texto não pr oduz, por si só, a teatralidade do teatro.
es ta vind a (a ence nação, o pôr e m ce na), nã o pode iA teatraliclade não es tá no texto . Ela é a vincIa cio
dispen sar o texto primeiro, ant eri or , distint o dele e texto ao olhar. Ela é es te processo pelo qual as
dotado de urna existê ncia aut ônoma. Nisto ele difere palavras sae m d e s i mesmas para produzir o
d o cine ma , cujo texto inicial é u m instrumento visível. A teatralidacIe é o próprio pôr/em/cena.
compro me tido com a produção do filme. É o frlme
qu e se põe e m obra, enqua nto qu e no teatro é a
escri ta. O texto de cine ma não tem autono mia - 15. H á exce ções not órias : recentemen te ,
o bras de Iloh Wilson ou T ad eu sz Kanl or,
por isto sua relação com a publicação é mais incert a
por exe mplo. .Iá referim os aci ma qu e toda
e em sua definição nã o entra a aptidã o para servir a ca ra cte rizaçã o pod e se r desm en tid a pelo
várias realizações sucessivas, e nq uanto o texto d e e feito de sua própria passagem ao limite .
Seg undo Hegel : " Não í: c.u ac te riza ndo
teatro se coloca, de saída, como d istinto de qualqu er uma es p écie por um a defin ição qu alqu er
das realizações qu e lhe darão corpo. Ele pod e se r q ue chegare mos ao conce ito d esta es pécie.
levad o à ce na várias vezes, e m diversos países, e m 1..•1Definind o, por exe mplo. o anima l por
sua livre mo bilidad e. por se u poder d e
d iversas époc as, com a tores e d iretores difere ntes. deslocam en to, perceb e mos logo q uc a ostra
É por isto qu e ele faz parte d o corp us literário: ele c mu itos o utros an ima is n ão ca be m nesta
existe, e m sua autonomia, corno texto e corno livro . defini ção; definind o-os pela se nsibilidade .
per cebe mos qu e a mimosa. q ue não í: nm
a n i ma l. po s s u i. no e n t a n to . e s ta
Nes te se n tid o, o texto d e teat ro é neces- se ns ibilidade ." Efei to da rel atividad e d e
sa ria me nte esc rito: não porque a e nce naç ão vise tod as as coisas. rebeldes ao c once ito? Se ria
su má rio d em ais. No cas o q ue esta mos
a re prod uzir se u cará te r esc ritu rai, mas pelo fato a ho rdu udo . trat a-se ant es d e um trab a lho
do própri o conceito: a teatralíd ad e nos dois
i n ve n t o re s a t ua e xa t a ni c n te c o m o
co nfro ntaç ão polêmi ca co m a essê nc ia do
54 te at ro (vista co mo saída da liflguagclll para ... 55
A e xih i ç â o d a s pu la vr a s D eni s Gu énoun
co m u n itá r io, políti co. E o apa gam ento da do nascimento do visível a partir do não-visível,
passag em para o jogo, reduzida à mímica pura como um buraco negro, um abism o no fundo da
seria como qu e o corolário do eclipse da sala e m imag em , at estand o sua vinda a partir do nad a, e
ben efício do palco, do esq uecime nto da assem- se m a qual ela não é mais uma image m, mas um a
bléia , da qu al o palco é ap en as uma parte. É por coisa: privad a da atividad e, nela, do imaginário,
isto que os atores populares - cômicos, por exemplo do devenir-i magem ela image m da ficção - privada
- at uam tão bem: eles nã o param de passar ao do jogo.
jogo da atuação , de fazer o vaivém entre o jogo e o
não jogo. Isto está relacionado a seu modo, político, *
de cond uzir a represe ntação: eles não es q uece m
jama is a platéia, tomam-n a co mo testemunha, Nada há , em tud o isto, qu e ate nte contra a
diri ge m-se a ela em longos monólogos, multiplicam dignidad e dos atores, dos autores. Trata-se de dizer
os apa rtes, enviam-na se m cessar ao se ntime nto qu e , na pr ópri a atividade deles, o todo do teatro
que ela tem de si mesma - este é um dos prin cipai s consiste no pôr e m ce na, qu er dizer, nesta função
efeitos do riso - e são, port ant o, pou co suspe itos singular qu e qu er abrir ao visível a matér ia ncgra
de se enclausurare m no espaço imagético da ce na. e cega das palavras. Ator e autor são os dois pólos
Eles joga m a represent ação contra o representado , fund ad ores do teatro: pólo ver bal, literário, textual
freq üente mente até e m sua esc rita - Moli êre faz e pólo físico, corpora l, expos to à vista. E ntre eles
isto se m par ar. ) se coloca tod o o teatro: não há nad a além deles, da
atividade de se pôr e m relação. Mas nem um nem
E, dep ois, a passagem para o jogo da atu ação outro podem prescindir desta viagem , do per curso
não age ap enas e m sua forma mais explícita (as deste espaço qu e os se para e ao mesm o temp o os
fissuras e retomad as do jogo cômico, por exe mplo). reúne: se o ign orar, o autor se fech ará entre os
Ela trab alh a o coração do jogo, se mpre - mesm o livros, e o a tor se e nce rrará nos es pe táculos .
nos momentos mais simulados, mais exteriores, O teatro acont ece na travessia qu e cond uz de um
mais fixos. Como espaço da improvisação, mesm o ao outro - é o es paç o da interpretação, o es paço
e m meio às mar cas mais rep etiti vas. Ela é a arte aberto do sentido. A int erpretação é es te adve nto
de e ncontrar a proveni ên cia aleatória no mai s do se ntido ao se nsível. O sentido não es tá nas
íntimo do retorno do mesm o. Ela é o testemunho pala vra s a nte s de lhes se r proposto um co rpo
60 61
A exih i ç â o da s p a l a v r u s D en i s Guénoun
aleatório e mutante. Ne m nos corpos q ue nenhum ficará completamente de cep cio nad o co m o teatro,
texto invoca. O se ntid o es tá na int erpretação, enganado e m sua expe ctativa, se não per ceb er nada
cad uca, provisória, aberta. Na passagem para o d esta vinda de um texto prévio até a ce na. Por isto
jo go, o pôr e m jogo da escrita - o pôr e m ce na . as nova s e nce naç ões d e textos clássicos desempe-
nharam várias vezes o papel d e manifesto das
E é isto que o público olha. O público não olha mudan ças d e época da teatralidade - porque elas
ap enas os corpos e as imagen s - nest e caso ele dão a ver, co m uma clareza meridiana, o trabalho
es tari a no registro d o es pe táculo, não no d o teatro. do texto au sente nos corpos e bocas visíve is. É por
O público d o teatro qu er ver a passagem d o texto isto qu e as novas p eças são tão difíceis de e ncenar,
à ce na. É es ta demanda qu e suste nta se u olhar tão porque elas levam muito tempo a dar a ler sua
sing ular. Este olha r pré-supõe o texto. Ele escava teat r alid ad e , para alé m da sua literariedad e :
a ce na para ex umar o texto so te rra d o (invisível). porque o prim eiro olha r só mu ito d ificilm ente
O olha r d o espec ta do r é aq ui um a estra nhíssima co nsegue di ssociar o te xt o d os signos qu e o
abertur a para a escuta . Não no sen tido d e qu e ele tran sp ortam e é n ecessária, n o e n ta nto es ta
d everi a fech ar os olhos para ouvir. Pelo contrário, distinção para qu e o ca minho do texto à ce na sej a
ele deve a brir be m os olhos para perscrutar a cena visível - p ara qu e haja teatro . Beckett só agora
e d istinguir aí os si nai s da passage m (in visível) do es tá alcan çando isto.
texto. O q ue o espectador olha é o j ogo d os traços
imagé ticos qu e at est a a p resença aqu i, física, E , no e nta nto: a viagem do texto à ce na qu e
corpo ral, de um texto qu e age na so mbra, obsc uro, d eve se r lida, vista, a distân cia qu e um clá ssico
e c uja oniprese nça é u ma es pécie d e a usê nc ia facilmente, facilmente a té d em ais co nsegue, é
ati va. O text o é um livro qu e ca da a tor teve por mu ito mais difícil- e tamb ém mu ito mais divertida
muito tempo na s mã os e o público sa be disto , ele - d e se produzir co m um co nte mpo râ neo - e é o
olha a represe ntação do s atores corno inteirament e
de te r minad a por um livro ause ntc.! " O público
~ di ret or , São mom entos d e teatro mui to
raros. t isto q ue raz ta mbém - c com j ustiça
- o sucesso de ce rtas " leituras -espet áculo".
I 7 . t por isto qu e se pod e se ntir um prazer qu c se considera m um a es pé cie de teatro
tão es pec ial e m ver um ator represe nta r incomp leto, p ro visóri o c produz e m algo
co m o texto na mão . t o qu e acont ece na s como o a rq ui-tcatro . Aí se torna visível.
sessões - muit as " ezes mem oráveis - em e minc ntc me nto co rporal. o salto so bre o
que. numa e mergê ncia. um ator au sent e é palco das palavras ocultas e ntre as p ágiua s
62 su listituido por outro ou at é pe lo próprio ~ qu c o alor lem nas mão s . 63
A cx i 11 i ç ã o da s "a I a v " a s
D en i s G ué no u n
olha r so bre isto tudo que funda o prazer, o júbilo limite oposto. Lugar onde se abre a questão da relação
singular d o público de teatro . É o qu e ele procura, e ntre o COlVO e se u outro, rela ção fundadora e
o qu e ele es pe ra . É ist o que ele veio olhar quando instituinte qu e insere o visível, o se nsível - o físico -
se re uniu na s arq uiba nc ad as circ ulares. Se este na qu estã o de se u outro, de sua relação com o outro.
prazer se apaga, poderemos ainda por algum O espaço da atividade teatral é o espaço da abertura
tempo utilizar os ed ifícios teatrais, mas para outra do físico a se u outro ativo e ause nte: espaço, já
co isa que nã o sua voc aç ão: o es pe tác ulo avulso, a compree nde mos, da pr ópria qu estão metafísica.
atração d o visíve l e m si mesm o: jogos de circo e
de sa ngue . 111 Pode mos daqui por diante avançar um pouco
na determinação daquilo que fund a e faz o tea tro
* - daquilo qu e o teatro fun da e faz. Como vimos, o
teatro é uma reunião políti ca, qu e acontec e num
Isto é o qu e eles vêm fazer no teatro: ver a es paço politicam ente det erminado , ma s com o
pa ssagem do texto pelo s co rpos. Idéia curiosa. obj etivo de aí produzir uma atividade q ue difere
do políti co propriament e dito. Já conhece mos es ta
Realmente, esta atividade do teatro se desdobra atividade: ela consiste e m dar a ver a proven iência
numa região muito determinada: lugar ond e se coloca do visível na língua, o tornar visível das palavras
a qu estão da rela ção do visível com o invisível, do i-mostráveis, isto é, o tentar abrir para o se nsível o
se nsível com o não-se nsível. Espaço de interroga ção próprio não- sen sível. O qu e o teatro faz (no espaço
relativa à fundação do se ntido fora da se nsação, à d o po lítico), é coloca r a qu estão metafísica sob o
viage m do se ntido em direção do COlV O. Lugar de olhar da com unid ade reu nid a .
um limite, de uma passage m - de uma passagem ao
Id éia (políti ca) curiosa , temos qu e convir.
(filos óficos) do que se convencionou chamar discurso, de um a multiplicidade de cop ias de qualidades
história da metafísica. Trata-se de trabalhar esta variáveis mas de dignidade equivale nte no qu e diz
questão sob a forma muito particular de um recurso respeito à relação com a "essência" da obra. No
ao visível das palavras diante da comunidade reunida. sentido estrito da palavra, não há original na fotografia,
Também a referência explícita ao metafisico como gê- mas ape nas uma cópia-testemunha, padr ão, Ora, a
nero de discurso , não é nem necessária nem, de modo po ssibilidad e d e uma r eprodu ção me c ânica
algum , a garantia de qu e a qu estão seja claramente indefinida produz um efeito sobre as condições de
explicitada em cena - pelo contrário, ela é, a este exercício da arte: a invenção da fotografia modifica a
respeito, às vezes o pior dos indício s. O que ocorre é históri a da pintura. O qu e acontece com o teatro, do
que a atividade teatral, por natureza, quer que a qu es- ponto de vista desta relação?
tão seja aí levantada. O que é uma última confirmação,
O teatro conheceu, no começo do séc ulo XX, a
Porque o teatro não é mais o que era. As condi-
irrupção brutal e ameaçadora de sua reprodução
ções de seu exercício foram profundamente
mecânica: o cinema. O cinema, ao meno s numa das
transformadas pela possibilidade de sua reprodução
direções abertas por seu nascim ento, afirma-se como
mecânica.!? Como é sabido , Walter Benjamin
teatro fotografado. Por algum tempo, - bem pouco
tem atizou , na esteira de outros pen sadores, mas se-
gundo uma problemática nova, aquilo que muda na tempo - o teatro se preveniu contra esta rivalidade
alie qu ando a obra não se apresent a mais segundo o pela prevalên cia do original diante de múltiplas (e,
brilho singular (a aura) de um original úni co. Um acredi tava ele, fra cas) cópias . Esta defesa não se
qu adro difere, por sua aura, da série de suas cópias. sustenta. Por razões econô micas e, logo depois,
Em compe nsação, uma fotografia não é nada além também artísticas, a competição e ntre os dois
" teatros " se torna acirrada. O cine ma parece
desfrutar de todas as vantagens, em especial por sua
19. O raciocínio q ue seguc faz. evid ente- capac idade de figurar tudo o qu e escapa ao teatro: a
mente . re fe rên cia a \Va lter Ben jami n: corri da, as montanhas, as multidões, os animais .
L 'oeuire d 'art à I 'é poque de sa reprodua ioii
mécanis ée, diversas publicações cm francês.
entre as quais BENJA MI.-':. Wa lter. Ecrits Es ta co nc orrê ncia in cita cada um a das duas
fra nçais, Paris: No uvelle Hcvue Fran çaise, artes a afir ma r sua originalidade. No cine ma, ela
1991 . (Em portugu ês, o ensaio A obra de
arte na era de sua reprodu tibilidade técnica
leva à ela bo ração de um léxico , de um a sintaxe
foi publicado pela editora Brasiliense (19B.'))
em tradu ção de S érgio Paul o Houan et . /lO
volu me 1 das Obras escolhidas dc W alter
66 Benj am in . N. da T .) 67
A exibi ç ã o ria s p a l n v r a s D en i s Gu én oull
esp ecífica : pl anos gerais, movimentos d e câ me ra, seus olh os, na atualid ade de sua reu nião, nestas
mo n tagem . E no teatro? Qu e efeito produzem no arquibancadas, nesta cidade, neste dia e nesta hora
teatr o a apari ção e d epois a difu são quase universal aprazados.
das im agens filmadas ?
É por isto, e so me nte a partir daí, que se pod e
Elas estimulam o teatro ao aprofundamento e ma ncipar um pouco o teatro de sua relação co m o
d e s ua essê ncia . Logo o teatro se torna o seguinte: olho, co m a ocularidad e como se nsação singular. Esta
a co locação diante do observador do qu e não é relação (de mostraçã o d o apare cer- ai , do tornar
fil m ável. Isto é: de tudo que escapa a qualqu er se nsível-aí palavras) é, com efeito, mas no limite,
reprodução. Colocação da própria coisa, do estar- ex te nsível à escuta. É possível ima gin ar - mas como
aí da coi sa. O teatro se torna o gest o da mo stração, uma es pécie de extre mo - um teatro de sons, um
teatro d a so mbra. Teatro da noite , do eclipse, d o
na medida em que visa não à forma do obj eto
mom ento de ob scuridade qu e se opõe às luzes como
mo strado, sua figura, se u d esenho, s ua co r - tudo
os silênc ios habitam a música. Mom en to no qual ,
o qu e a câ me r a poderia captar e reproduzir
também pela orelha , se tira a p rova do aparecer-aí
in definida me nte - mas na medida e m que co loca
de um co rpo - de um sopro, d e um a voz - q ue pode,
dian te do olhar, ali, sob os olhos, a coisa e m si e m
realmente , por um mom ent o, ser ceg a me nte ou vido.
sua fe nom en alidad e, o apare cer d e se u estar-aí, o
IVIas é a bord a d a se nsação, sua confirmaç ão pelo
qu e podería mos c ha ma r d e se u apare-cer-aí. O
ex tre mo - e ainda é p reciso qu e os olhos perscrutem
ap arece r-aí da coisa é a s ua teatralidade. o es curo. Aliás, não há teatro do nariz ou d as mãos.i"
Numa fra se : o alcance desta reunião d everi a jogo de cena , adulação do olhar; ele precisa ter a
ser levar a co munidade a co nsid erar o fund am ento dignidade de nunca esq uece r que só se apresenta ali
nã o político do político. Levá-la a observar qu e o polí- porque foi convidado por uma comunid ade reunida;
tico não tem se u fund am e nto e m si mes mo , mas res- ele precisa ter a dignidade d e nunca ob scurecê-la ,
po nde por outra coisa que não é ele. O político result a nunca relegá-l a à so m bra , admirando ap enas a si
de um a necessid ad e que o ultr apassa, que ele d eve próprio; ele precisa ter a dignidade d e jamais ce de r
se rvir, di a nte d a q ual ele d e ve resp onder. O político ao d esejo políti co d e fazer com qu e a comunid ade se
não é se u pr ópri o horizon te e é trabalhar para torn á- cale ou de organizá-la e m classes. Porque é esta
lo ind igno cnclausurá-Io na conside ração de si próprio comunid ade que o institui e m seu louco desejo d e
ap e nas, se m q ue ele jamais tenha q ue se abrir a es te olhar o invisível e exige , para isto - para que haja
outro diferente d cle q ue o inscreve c o chama. É isto teatro - se r livre, pelo menos um pou co, e m suas
a id éia (p olíti ca) d o teat ro: congrc ga r a cid ad e, reuniões, suas narrativas e nas injunções qu e esco lhe
publicamente unida na mobilizaçã o de se u d esej o diri gir a si mesma qu ando co nvida es tra nge iros a
d e co m unidad e, para convid á-la a tomar assento no tomarem lu g ar e m se u cí rc u lo para e xib ir o
lugar d a assembléia política, para abrir o político para i-rnostrável d as palavras .
outra coisa fora d e si mesm o." P a ra faze r, portanto,
um p ou co de metafísica, nã o há dúvid a . Mas não na
produção o briga t ória das pal avras c da sintaxe d o La Cluutreuse, Villeneu oe-les-A vignon,
discurso metafísico: no olhar sob re signos visíveis qu c Abril 199]
exi be m um a pal avra soterrada, um livro au sent e, para
expô-lo à vista como jogo sensível d os textos e d os
COIlJOS.
73
A exibição das palavras Denis Guénoun
não sobrevém a não ser no momento exato de político - se se tratasse do religioso - o político
um devenir no qual o espaço da cid ade difere não teri a nenhuma necessid ad e do teatro. A
do espaço religioso (do culto). Decididamente, ele ba staria sua própria ascendên cia mítica
não vejo teatro a não ser no ponto pre ciso dest e (su as lendas , suas epopéias originárias), sua
tornar- se-profano. Aí o teatro se avizinha, numa própri a ge nealogia nos cultos (os ritos , os
pro ximidade extrema, do culto do qual ele mitos). E sonhar com a refunda ção , o retorno.
pro vém, do qual ele sai (e é sem dúvida o lugar Se política e teatro são convocados lado a lado ,
das confusões imaginárias). Mas ele sai dali , é porque o religioso caiu no passado. O teatral
literalmente: em Aten as, onde a representa ção está ali para testemunhar es ta passagem , este
se desloca a partir do templo (e se institui passo. O teatro não pod e dar testemunho do
neste deslocamento) ; como no momento me- religioso a não ser em sua qu eda, nunca na
dieval em que o "mistéri o" se produz no átrio, restau ração de sua origem. A expos ição desta
bem próximo da igreja, sem dúvida, mas fora caducid ad e da religião prim eira é o qu e a pro-
dela e a assembléia deve abandonar o culto dução do teatral exibe incessantem ente - e é,
para qu e o teatro aconteça. Não há teatro com freqüência o que ela conta, da Orestéia
algum no espaço ocupado, saturado pelo culto ao An el dos Nibelungos.
(ou pelo rito). O teatro vem no movimento , no
momento , no lugar ab ertos pela se paração da No fund o, eu pod eri a diri gir a mim mesm o
cid ade em relação a tud o isto . E em sua esta objeção final: o torn ar-visível das palavras
vizinha nça, portanto , e com fre qüê ncia nesta é a encarnação'? É isto'? É o ver bo tornado
no st al gia - até mesmo ide ologia d e um a carne? Toda a qu estão é, port ant o, teoló gica '?
teat ralidade cultuaI , ritu al, mística. Mas nada P ermitam-m e respond er(-m e} o seguinte:
disto o constitui: o teatr o está ligad o ao advento tal vez . Não no se ntido de qu e a teol ogia
de uma cidade saída da asse mbléia do culto, atribuiria o lugar enfim enco ntrado do funda-
à produ ção do profan o, do cívico, - do político ment al da política , mas seg undo a idéia, ao
mesm o. Para interrogar se u fund am ent o contrá rio, de qu e a teologia, em algumas de
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A e x i b iç ã o das palavr a s