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Tannhäuser

Primeiro Ato

A ouverture, embora tenha como modelo as de Weber, adquire uma perfeição com a qual
Weber nunca sonhou. Começa com o tema da Salvação pela Graça (andante maestoso). O
tema tem pronunciado caráter religioso que procede não apenas da sua melodia e harmonia,
mas do colorido peculiar que lhe dá o fato de ser tocado somente por instrumentos de sopro:
clarinetes, fagotes e trompas. Sucede-lhe o motivo do Arrependimento. Ambos os motivos são
desenvolvidos com firmeza. O motivo da Salvação é executado fortíssimo por quase toda a
orquestra, sem as trompas, reservadas para o clímax final; os violinos executam a melodia com
um movimento vivo de tresquiálteras quebradas, no intuito de simbolizar a Vibração da Vida.
Karajan, numa de suas últimas entrevistas em Salzburg, de maneira cômica alude à inspira-
ção desse motivo, que seria uma velhinha chorando porque a sua casa estava pegando fogo e
a vinda dos carros de bombeiros com sua habitual buzina. A paixão extingue-se gradualmente
e de novo se ouve o primeiro Tema da Abertura, no mesmo tom religioso. Mas, no seu desen-
volvimento, é interrompido bruscamente pelo motivo inicial, associado com as bacanais do
reino de Vênus, que é febrilmente desenvolvido pelos violinos. Sucede- lhe um segundo tema
bacanal e um terceiro executado a princípio em suave timbre de flautas, oboés e clarinetes.
Tannhäuser

Os clarinetes vêm mais associados com as sereias e é completado com outro tema vibrante.
Prossegue com o tema do convite das Sereias ao prazer. Uma nova melodia conduz ao tema
da Glorificação de Vênus. E nesse momento que Tannhäuser canta a sua paixão pela deusa.
Na concepção de vários temas bacanais há um sedutor tremolandi dos violinos, simbolizando
o Encanto de Vênus: é nesse trecho que a deusa, verificando que Tannhäuser está prestes a
libertar-se, tenta mais uma vez enfeitiçá-lo. A música eleva-se a uma voluptuosidade que, pro-
vavelmente, nunca foi excedida em nenhuma outra obra por qualquer compositor. Depois vai
morrendo aos poucos para fundir-se no Convite das Sereias, que é cantado com a frase “Naht
euch dem Strande” (vinde até as margens da praia) por um coro invisível de vozes femininas.

CENA 1
O pano sobe no ponto em que a inicial abertura se confunde com a Nova Música do
Venusberg. O palco representa o interior do Venusberg (Hörselberg, perto de Eisenach) -
uma gruta espaçosa que se prolonga em curva para o fundo da cena, dando a impressão de
perder-se ao longe. De uma abertura alcantilada, provém uma claridade pálida, e uma queda
d’água irrompe através dessa fenda da rocha e se para baixo da grota, escumando selvage-
mente sobre as pedras; da escudela que recolhe a água, um arroio corre para longe e forma
um lago, em que se banham Náiades, enquanto as Sereias descansam nas margens. Nos dois
lados da gruta, os esguichos de água da rocha, de formas irregulares, fizeram crescer plantas
tropicais maravilhosas, como corais. O lado esquerdo da gruta se abre para o alto, de onde um
doce vapor rosado provém. Em frente da gruta, vê-se Venus, recostada em suntuoso leito,
envolta naquela suave penumbra rosada. Tannhäuser, meio ajoelhado, com a harpa caída ao
chão, repousa a cabeça no regaço da deusa. As Três Graças, encantadoramente entrelaçadas,
rodeiam o leito. Ao lado do leito e atrás dele, numerosos pequenos cupidos estão adormecidos
e estendidos desordenadamente uns por cima dos outros, formando um ajuntamento muito
enredado “como crianças que, cansadas de brincar, caíram de sono” -para citar as próprias
palavras de Wagner. Todo o primeiro plano é banhado por uma luminosidade avermelhada,
vinda do solo, através da qual se descobre nitidamente o verde esmeralda da cascata e o pra-
teado das vagas escumantes; distantes, as praias do lago estão iluminadas como por um clarão
da lua, havendo uma cerração azulada e límpida. Ao abrir-se o pano, os Efebos ainda estão
estendidos, suas taças bem junto deles, sobre as saliências do rochedo. Eles respondem sem
tardar ao sedutor apelo das Ninfas e se apressam em se reunir a elas. As Ninfas tinham com
efeito iniciado, ao redor da bacia escumosa da cascata, uma provocante dança, destinada a
lançar os jovens rapazes para elas; os pares se misturam e se formam; a dança se organiza ao
redor dessas buscas, fugas e fascinantes provocações. Um cortejo de bacantes sai de longe e se
arremessa contra o grupo de amantes, convidando-os aos fogosos divertimentos. Com gestos
de entusiasmo e de embriaguez, os bacantes arrastam os amantes com uma impetuosidade
crescente. Os amantes se abraçam com ardor e embriaguez. Pelo meio de fendas no rochedo
aparecem sátiros e faunos, que agora se enlaçam com os bacantes e os grupos amorosos. Per-
seguindo, ardorosamente, as ninfas, eles aumentam a desordem; a ebriedade geral se transfor-
ma em busca desenfreada do prazer. No paroxismo dessa orgia, enquanto a orquestra executa
a sua música delirante, e os sátiros, os faunos, as ninfas e os efebos, perseguindo-se uns aos
outros, enchem de movimento a cena, as três Graças se levantam assustadas. Tentam conter
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os transbordamentos impetuosos dos dançantes e afastá-los. Impotentes, temem ser por eles
arrastadas à força; dirigem-se então aos cupidos adormecidos, sacode-os para os despertar
e os lançam para cima. Eles fogem, flutuando como uma nuvem de pássaros, dispersam-se,
ocupam em pouco tempo todo o espaço no alto da gruta; lá eles se ordenam, como em ordem
de batalha, e fazem chover uma grande quantidade de flechas sobre os grupos que se agitam
lá em baixo. Estes, que são golpeados pelas flechas, são arrebatados por um violento desejo de
amor, abandonam a dança, enfurecidos, e vão tombar um pouco à parte desfalecidos. As Gra-
ças apoderam-se dos feridos e tentam despertá-los para o fundo da gruta, provocando-lhes
um doce constrangimento, enquanto que tratam de agrupar por pares estes que, ao enlevo,
se agarraram. Os bacantes, os faunos, os sátiros, as ninfas e os jovens se afastam em todos os
sentidos, em parte perseguidos pelos cupidos vindos das alturas. Uma nuvem rósea, sempre
mais densa, cai sobre o cenário; recobre os cupidos que desaparecem, ficando tão-somente
Vênus, Tannhäuser e as três Graças visíveis. Estas dirigem-se, então, para o primeiro plano:
amavelmente entrelaçadas, aproximam-se de Vênus, como para lhe anunciar a vitória que
alcançaram sobre os indisciplinados apaixonados súditos de seu reino.
A bruma espessa que encobria o fundo se dissipa; vê-se, em um nevoeiro um painel re-
presentando o rapto de Europa que, sobre o dorso de um touro branco, escoltado por tritões
e nereidas, é transportada sobre as ondas azuis do mar. Esse quadro vaporoso do rapto de
Europa, deusa filha do rei da Fenícia, levada por Júpiter para Creta, ele sob o disfarce de touro
branco, escoltado por tritões e nereidas, remarca o amor profano entre a divindade (Vênus) e
o homem (Tannhäuser).
Coro das Sereias (atrás, invisíveis)
Aproximai-vos da praia!
Aproximai-vos das margens, onde, em ardente abraço, o bem-aventurado fogo do amor
acalmará os vossos desejos!
(A bruma rósea ao fundo se dissolve; a visão desaparece, e as Graças, em uma dança cheia de charme,
interpretando os ocultos sentidos da cena como uma obra-prima do amor, antecipam uma nova visão
que irá aparecer, durante o segundo canto das sereias.- De novo a neblina recai, e num doce crepúsculo
lunar, Leda é vista reclinada sobre as margens de um lago silvestre; o cisne aproxima-se dela e recosta,
acariciando-a, sua cabeça sobre o seu colo - lenda de Leda e o cisne - duas histórias densas de sensua-
lidade que servem de fundo ilustrativo às danças das Três Graças)
Coro das Sereias
Aproximai-vos da praia!
Aproximai-vos das margens!
À medida que a segunda cena se extingue, desaparece, gradualmente e por completo, a
neblina, e toda a gruta aparece, solitária e tranquila. As Graças inclinam-se, sorriden-
tes, diante de Vênus, e devagarzinho retiram-se da parte da gruta. Silêncio profundo.
Vênus e Tannhäuser inalterados, sem se mover.

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CENA 2
Tannhäuser sobressalta-se, elevando a cabeça, como se saísse de um sonho. Vênus, com
carinho, torna a puxá-lo para si, ao som do canto das Sereias, executado pela orques-
tra. Tannhäuser passa a mão pelos olhos, esforçando- se por recordar e fixar o sonho.
Vênus dirige-lhe a pergunta:
Venus - Dize, querido, por onde vagueiam teus pensamentos?
Tannhäuser - Basta! Basta! Ah, se eu pudesse agora despertar!
(Vênus ainda não suspeita que o seu domínio sobre Tannhäuser está
enfraquecendo.)
(Tannhäuser cobre seus próprios olhos com as mãos, como se buscasse lembrar a visão de um sonho)
Venus - Dize-me o que te incomoda tanto? (Continua a acariciá-lo e pede que lhe confie os
seus pensamentos)
Tannhäuser - No sonho, tomei a ouvir aquilo que eu cri entender e que já era há muito
tempo estranho aos meus ouvidos. Como eu ouvi o som alegre dos sinos. (Um fraco repique
de sinos é sugerido pela flauta e pelo oboé, que repetem uma espécie de carrilhão sobre uma sequência de
harmonias descendentes, produzidas pelos instrum entos de corda) Oh, dize, há quanto tempo eu
não ouvia mais essas coisas? (Vênus tenta acalmá-lo, passando-lhe suavemente a mão pela fronte)
Venus - O que se passa contigo? Para de divagar a tua mente?
Tannhäuser - Não sei como contar o tempo em que aqui tenho habitado contigo! Perdi
a conta dos dias, dos meses, porque já não vejo o sol, nunca mais vi os amáveis astros do
céu, já não vejo o tenro cálamo no prado, reverdecendo, com a sua promessa de verão; já
não ouço o rouxinol anunciando a primavera! Nunca mais tornarei a ver e a ouvir estas
coisas? (Vênus, ainda segura de si e do seu império sobre o cavaleiro, lembra-lhe, em tom sereno)
Venus - (estupefata, mas contendo-se) Ah, o que devo eu ouvir? Que tola lamúria! Estás as-
sim de repente tão fatigado de nossa prodigiosa união, que te prodigalizou todo o meu
amor? Ou que coisa? Seres elevado à condição de um deus poderia tanto te atormen-
tar? E esqueceste tão de repente o quanto outrora tanto sofreste e padeceste, enquanto
que aqui vives só no deleite e no prazer?
(Ela se levanta)
Recompõe-te, meu menestrel! Apanha a tua harpa, vamos! Celebra o amor que tão
afetuosamente sabes cantar, como nos dias em que, pelo canto, conquistaste a própria
deusa do amor; celebra o amor, que te cumulou de minha suprema benevolência!
Tannhäuser - (repentinamente mudando de comportamento, movido por resolução súbita, toma sua
harpa e solenemente canta à frente da deusa. Canta todas as bondades que lhe deve, mas, logo, lhe in-
vade a alma a antiga tristeza, a antiga nostalgia, e quer voltar aos mundo dos homens; não são apenas
os prazeres do Venusberg o que deseja, mas os trabalhos e as dores da humanidade) Por ti todos os
louvores ressoem! Eu exalto os prodígios que teu poder tem sabido criar para minha
felicidade! Deixa minha canção e meus alegres tons proclamarem bem alto as doces
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delícias e voluptuosidades que eu devo à tua benevolência! O gozo, com esses magní-
ficos prazeres, ah! meu coração o deseja, meus sentidos ardentemente o anseiam: e tu,
aquilo que somente aos deuses, outrora, reservaste, por tua bondade tu me hás feito
gozar, a mim, simples mortal. Simples mortal, ai de mim, eu o sou mesmo assim, e teu
amor passa a ser excessivo para mim. Um deus pode viver sem enfastiar-se do prazer,
mas eu, eu estou sujeito à mutação; a alegria não mora mais, sozinha, no meu coração;
na felicidade e no prazer eu aspiro à dor e ao sofrimento. De teu reino, eu devo fugir: ó
rainha! Deusa! Deixa-me partir!
Venus - (a própria deusa começa então a despertar para a realidade da situação. Repreende-o com
suavidade: em que foi que o meu amor te desmereceu para que me aflijas assim?) (Como se acordasse de
um sonho) Que devo ouvir? Que canção é essa? Que triste humor, a que sombrios sons se
entrega tua canção? Como, então, te abandonou a musa que te inspirava unicamente
canções venturosas? Que é isto? Em que coisa meu amor se fez negligente? Meu bem-
-amado, de que exatamente tu me censuras?
Tannhäuser - (canta todas as bondades que deve à deusa, mas logo lhe invade a alma a antiga
tristeza, a antiga nostalgia) Só tenho agradecimentos por tua benevolência e louvores pelo
teu amor. Eternamente abençoado é o que, quente de desejos, divide em teus braços
o teu divino ardor! Encantadoras são as maravilhas do teu reino e a magia de todas as
delícias que eu aqui respiro. Nenhum país ou lugar no vasto mundo oferece semelhan-
tes tesouros. O que eles possuem em comparação são de leve brilho, de pequeno valor,
e prescindível a ti. Mas, agora, embebido nesses vapores rosados, penso com remorso
na doce brisa de nossas florestas, no claro azul de nosso céu, em nossos frescos e verdes
campos, no doce e querido gorjeio de nossos pássaros, no som familiar de nossos sinos.
Do teu reino eu devo fugir - Ó rainha, deusa, deixa-me partir!
(Quer voltar ao mundo dos homens; não são apenas os prazeres do Venusberg o que deseja, mas os
trabalhos e as dores da humanidade. Implora à sua feiticeira que o liberte. A própria Venus começa
então a despertar para a realidade da situação. Tannhäuser rompe em louvores ao amor e às delícias
do seu reino, mas quer fugir do amor. Estará ele saciado das alegrias que ela lhe prodigalizou?)
Venus -(saltando de seu leito, censura-lhe a ingratidão e inconstância) Infiel! Ai de mim! Que me
fazes ouvir? Como te atreves a escarnecer de meu amor? Tu o exaltas mas logo queres,
não obstante, dele fugir? Todo o meu encanto te medrou para o tédio?
Tannhäuser - (tenta justificar-se: é do poderosíssimo encanto de Vênus que quer fugir; nunca a
amou tanto como agora, que a deve deixar para sempre) Ah, bela deusa! Não te irrites, não te
zangues comigo! Do teu desmedido, enorme encanto, é que desejo fugir!
(Neste ponto, a arte dramática e musical de Wagner, amadurecida, esforça- se por tirar o maior efeito deste
instante crucial. Vênus esconde o rosto nas mãos e desvia-se com um grito de pesar. Há um longo silêncio,
tanto no palco como na orquestra ‘momento de trágica intensidade’. A orquestra preludia um trecho brando
e sedutor. Enquanto a música se desdobra, Vênus atrai de novo o olhar de Tannhäuser e repentinamente
se volta para ele com um sorriso cativante. A um sinal seu, aparece uma gruta mágica, cheia de vapores ró-
seos e perfumados. Aponta para a gruta e convida-o a entrar nela em sua companhia. O acompanhamento
orquestral ‘melodia vocal ouvida na ouverture’ é agora muito mais rico e ornamentado. Quando a deusa
aproxima-se do cavaleiro, um coro invisível de Sereias canta a melodia “Vinde às margens da praia”, mas
a frase agora é cantada apenas uma vez. Em lugar da repetição, a própria Vênus canta o trecho das Sereias
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e, com o acompanhamento de parte da música que aparece pela primeira vez na Bacanal, convida-o a vir
para onde beberá néctares divinos: “beberás as profundezas do próprio vinho do amor”, nos lábios e nos
olhos de deusa. A música torna-se cada vez mais lânguida e embaladora; por fim, morre quase em surdina,
quando Vênus murmura “Dize-me, querido, confessa, meu amor, queres fugir de mim?”)
Venus - Desgraça para ti! Traidor! Hipócrita! Ingrato! Eu não te deixarei partir! Tu
não deverás me abandonar! Não! Ah!
Tannhäuser - Meu amor nunca foi tão imenso, j amais mais sincero, que agora, quan-
do devo abandonar-te para sempre.
Venus - (afasta-se de Tannhäuser, cobrindo o rosto com as mãos; após um período de silêncio, busca
de novo o olhar dele, para junto do qual ela retoma subitamente, com um sorriso sedutor. -A um sinal dela
aparece uma gruta mágica, que ela lhe aponta) Meu querido, vem! Olha ali aquela gruta, onde
flutuam docemente vapores róseos perfumados. Essa estância dos prazeres, os mais doces
e agradáveis, encantaria mesmo a um deus! Sobre as almofadas, as mais suaves, de toda
doçura, abandona teus membros tranquilizando-os; para refrescar tua fronte inflamada,
refrigerar-te-á uma leve brisa, e um delicioso ardor fará vibrar teu coração.
(Ela tenta puxá-lo docemente para si)
Coro das Sereias - (invisíveis, à distância) Aproximai-vos das margens da praia!
Venus - Nesta estância, onde reina a doçura, suaves melodias animam-me a enlaçar-
-te com um íntimo abraço: de meus lábios e de meus olhos fluirão para ti o néctar dos
deuses! Beberás as profundezas do próprio vinho do amor! Iluminado de amor, meu
olhar arderá sob a gratidão do amor; que nossa união seja tão-só regozijo, oblação ao
amor, no júbilo! Não uma oferenda tímida tudo isto te dedicará, mas deleite em união
com a própria deusa do amor! Dize, agora, querido amigo, meu amado! Queres fugir
de mim! (Essa interpelação é profunda. O dramaturgo faz-nos compreender a intensidade da luta que
se trava na alma de Tannhäuser, entre o desejo que lhe inspira a deusa e a ânsia de se ver livre dela.
O cavaleiro, arrebatado, pega a harpa e irrompe em nova e apaixonada canção a Venus, ainda mais
intensamente amorosa do que as precedentes. Entretanto, a despeito de todos os seus protestos de louvação
ao amor de Venus, a antiga saudade da tranquila doçura da terra toma a apossar-se dele)
Tannhäuser - (no auge de um arrebatamento, agarra sua harpa uma vez mais e irrompe em nova
e apaixonada canção) Somente para ti, em louvores, minha canção deve ressoar! E o teu
louvor eu cantarei com alarde, em voz alta! Teu encantador charme, ó deusa, é a fonte
de toda a beleza, e tudo quanto é maravilha e prodígio deriva de ti; cada prodígio tem
o brilho dos teus olhos, onde tua seiva se exprime! A paixão que tu moldaste, bem no
coração, como chama ardente, mas iluminada somente para ti! E assim, em face do
mundo inteiro, eu serei, dagora por diante, eu o vejo, teu valoroso e infatigável defensor.
Mas eu devo retomar ao mundo terrestre, pois junto de ti eu não sou senão um escravo;
tenho saudade da liberdade, da independência, tenho sede de ser livre: ao conflito e à
luta eu irei, até mesmo que disso resulte a ruína e a morte! Portanto, de teu reino eu
devo fugir; ó rainha, ó deusa, deixa-me partir!
Venus - ( possuída da mais violenta cólera, canta, antecipadamente, as palavras expressivas, da gran-
de mágoa e humilhação, com as quais Tannhäuser lhe solicitou os seus favores) Vai-te, insensato!
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Tannhäuser

Vai-te! Vai! Traidor, vê, eu não te retenho mais aqui!


Foge! Eu te deixo livre! Vai-te! Insensato!
O que desejas fazer será o teu destino!
Vai-te! Vai-te! Foge para o frio e gélido mundo dos homens, para junto dos fracos, dos
quais nós, deuses da alegria, fugimos, de mesquinhos delírios, melancólicos, para bus-
car o calor mais profundo do ventre da terra.
Vai-te, hipócrita! Busca tua salvação, busca tua redenção, mas tu jamais a encontrarás!
Junto daqueles a quem desprezaste e outrora escarneceste, triunfante, aqueles que
achincalharam tua exultante coragem, vai até eles implorar o perdão,
avilta-te diante do desprezo e geme com tua boa vontade!
Que então teu aviltamento se patenteie em grande dia e que eles riam da tua vergonha
vivíssima!
Banido, amaldiçoado, ah! Eu já te vejo desde agora retomar até mim, a cabeça baixa:
“Oh, se eu a reencontrar, quão sorridente me foi anteriormente! Ah! Se ela me reabrir
as portas do prazer!”
Só e isolado o vejo então! Prostrado ao chão ele jaz, lá onde outrora o júbilo fluía para
ele! É por um pouco de piedade que ele estende a mão em súplica, não por amor!
Para trás! Desaparece, mendigo! A escravos, jamais, a heróis somente se abrirão as
portas do meu reino!
(Nem adulação, nem ameaças comovem o cavaleiro)
Tannhäuser - Não! O meu orgulho e altivez poupar-te-ão de te deplorares de ver-me
diante de ti ajoelhado e despojado de toda honra, pois aquele que agora se separa de ti,
ó deusa, nunca mais voltará!
(Vênus, feminina que é do desprezo passa à súplica. A ameaça de Tannhäuser de deixá-la para
sempre, quebra-lhe o orgulho. Com a mais encantadora, com a mais insinuante música de toda a cena,
Vênus recorda- lhe a felicidade que juntos gozaram e exorta-o a não lhe infringir a última das angústias
- ouvi-lo lamentar-se na outra vida, e não poder consolá-lo como outrora)
Venus (com um grito) Ah! Tu não mais voltarás! Quem te o disse? Quem te o assegurou?
Nunca mais retornarás para mim? Como poderia eu acreditar? Como compreender
isso? Meu bem-amado fugir de mim para sempre? Como eu teria merecido isto, por
quais faltas e culpas sofrerei esta pena, que me subtrairá a alegria de perdoar ao meu
amante? A rainha do amor, deusa de todas as graças, se veria sozinha, privada de con-
sagrar seu próprio sacrifício para consolar seu amigo? Outrora, sorridente entre mi-
nhas lágrimas, toda cheia de desejos, eu espreitava de teu canto as melodias orgulhosas,
rendendo- me homenagens que o universo me denegara desde longos tempos. Oh, dize:
poderias tu imaginar um só instante que eu ficaria insensível ouvindo tua alma suspiran-
do até mim, depois de ter ouvido outrora o teu lamento? Oh, não me deixes pagar por
isso, nada me fará desprezá-lo, e tu, não desdenhes jamais aquilo que eu poderia fazer por
ti. (Num raio de desespero) Se tu não retomares, que seja maldito o mundo inteiro; que em
um deserto para sempre se transforme, abandonado de meus divinos favores!
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Tannhäuser

Ó retoma, retorna sobre teus próprios passos!


(No cúmulo do desespero, ela então suplica)
Confia em minha afeição por ti, em meu amor!
Tannhäuser - Quem te abandonar, deusa, bem sei, renuncia para sempre a toda for-
mosura!
Venus - No teu orgulho, não reprimas teu desejo se ele te puxar de volta para mim!
Tannhäuser - Meu orgulho me convida ao combate, eu não buscarei de novo a volup-
tuosidade nem o prazer. Ah, se pudesses me compreender, deusa! A morte é a minha
única busca! É na verdade a morte que me dá pressa de ir!
Venus - Se a morte fugir de ti, se a própria sepultura se recusar receber-te, então reto-
marás para junto de mim.
Tannhäuser - Minha morte e minha sepultura eu já as trago aqui no coração; só pelo
arrependimento e pela penitência é que poderei encontrar repouso! Venus - Nunca
terás descanso,
Nunca encontrarás a paz!
Retorna para mim se qualquer dia buscares a tua salvação!
Tannhäuser - Deusa de todas as delícias e do prazer, não! Ah, não será em ti que a
minha alma encontrará a paz nem o repouso! Minha salvação está somente em Maria!
(Vênus desaparece. O Venusberg desaparece. Com a menção do nome de Maria, todo o mágico en-
cantamento se desfaz. A cena fica às escuras, enquanto a orquestra expõe com violência a derrocada do
misterioso ambiente. O cenário muda imediatamente)

CENA 3
Tannhäuser, que não abandonou o lugar que estava, ou seja, na mesma posição em
que foi visto pela última vez perante Vênus, encontra-se repentinamente deslocado para um
belo vale, numa radiosa manhã primaveril. No fundo, à direita, vê-se o Wartburg; através de
uma passagem do vale, à esquerda, avista-se o Hörselberg. À direita, a meia altura do vale, um
caminho de montanha, descendo do Wartburg, coleante, até o primeiro plano, dirige-se para o
sítio onde, numa pequena eminência, foi erigido um santuário à Virgem Maria. Dos montes à
esquerda, ouvem-se sinceros de ovelhas; num rochedo, acha-se sentado um jovem pastor que,
ao subir do pano, olhando para o vale, toca pífaro. Canta uma simples e pequena melodia em
louvor de Holda, a velha deusa germânica da bondade, da doçura e da graça, cuja vinda anual
traria prosperidade à terra .(Wagner explica: Holda, como os outros deuses pagãos, foi banida
para o interior da terra com o advento do Cristianismo e, de deusa benfazeja, transformaram-na
em malévola. Figurava como símbolo de prazeres grosseiros e, de fato, chegaram a identificá-
-la com Vênus, fonte de todos os pecados sensuais, dando-lhe por habitação o Hörselberg. Ao
fazer o ingênuo pastor cantar em louvor de Holda e da vinda de maio, parece querer dar-nos
a impressão de que, aquilo que Vênus era para Tannhäuser, nos dias em que o cavaleiro estava
escravizado pelos sentimentos no Hörselberg, agora, depois que voltou a si, no ar puro do vale, o
é à doce e benfazeja Holda). Na versão de Dresde, a canção do pastor é ininterrupta. Na pari-

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Tannhäuser

siense, insere, no meio dela, outro pequeno trecho tocado pelo pífaro (quando a canção termina
o rapaz arrancando do instrumento algumas notas cheias de vivacidade, vêm as palavras finais:
“Agora, alegremente toco meu pífaro, porque maio chegou, o adorável maio”).
O Pastor - Senhora Holda, venha para fora da montanha, para passear pelos campos
e prados, e ouvir os doces sons perceptíveis aos meus ouvidos e que meus olhos desejam
espiar; aqui eu sonhei alguns maravilhosos sonhos, e mal eu abri os olhos lá brilhava o
ardente sol, o mês de maio estava chegando. Agora eu toco alegremente o meu pífaro:
maio está aí, o adorável maio. (Ele toca o pífaro. Ouve-se o canto dos velhos peregrinos, que, da
direção do Wartburg, vêm vindo, aproximando-se através do íngreme caminho que procede da montanha)
Canto dos Mais Velhos Peregrinos ( o coro dos peregrinos, cantado a quatro vozes, dois
tenores e dois baixos, começa em notas de mínimas. Depois da quarta linha, o pastor cessa de tocar e
escuta reverentemente o hino, no qual os peregrinos falam de sua peregrinação a Roma, para obter o per-
dão dos pecados) - Para ti eu marcho, meu Jesus Cristo, pois és a esperança dos peregrinos!
Louvada sejas, ó virgem doce e pura, à nossa peregrinação digna- te lançar tua bênção!
O duro fardo dos meus pecados eu já não posso suportar, antes cuidados e aflições do
que repouso e bem-estar. Bendito aquele que, fiel à graça, na santa festa da indulgência,
encontra enfim o seu perdão, por contrição e penitência.
(Os peregrinos chegam ao outeiro em frente dele. Tannhäuser está como se petrificado)
O Pastor (gritando aos peregrinos, agitando seu boné) - Feliz viagem! Boa viagem a Roma!
Rezai pela minha pobre alma!
Tannhäuser (caindo de joelhos, profundamente abalado) Deus todo poderoso, sejas louvado!
Grandes são as maravilhas de tua misericórdia! (Aqui há um dos momentos mais empolgantes
da partitura; mesmo no princípio de sua carreira, Wagner já sabia, como sendo infalível, onde colocar
os pontos culminantes e como consegui-los pelos meios mais simples)
(A partir daí, o cortejo dos peregrinos passa diante da imagem da Virgem, vira para a direita e de-
saparece: o pastor com o seu pífaro também abandona a altura à direita; ouve-se o toque dos cinceros
afastando-se progressivamente)
Os Peregrinos - Para chegar até ti eu marcho, meu Jesus Cristo, esperança dos peregri-
nos! Ó Virgem pura e doce, sejas louvada e abençoai a nossa peregrinação!
(Os peregrinos sobem o caminho e se afastam da cena, sempre cantando o hino que, a princípio desacompa-
nhado, tem depois um acompanhamento em incessante “pizzicato ” de violas e violoncelos, enquanto o pastor
toca outra vez a sua pequena ária, que também se desvanece ao longe. Quando o último dos peregrinos desaparece
da cena, Tannhäuser, de joelhos, canta o segundo trecho do hino com as mesmas palavras que as dele. Sufo-
cam- lhe, então, as lágrimas; não consegue concluir a frase, que é continuada pelos peregrinos, já então muito
distantes. Tannhäuser curva a cabeça e parece chorar amargamento, ao passo que, no fundo, como se fosse de
Eisenhach -cidade-capital, onde chegam os peregrinos- vem um longínquo repicar de sinos. A última frase do
hino dos peregrinos merece ser classificada como um motivo à parte; simboliza a firmeza da fé e é cantada, de
cada vez, com as palavras, “A ti eu vou, meu Jesus Cristo!”)
Tannhäuser - Ah, o duro fardo dos meus pecados eu já não posso suportar, eis porque eu
também não quero nem repouso, nem bem-estar e escolho de boa vontade a fadiga e o flagelo.

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Tannhäuser

CENA 4
(Antes que o hino finalmente se extinga, ouve-se a nota solitária de uma trompa de caça, distante, nota
que se desenvolve em alegre fanfarra de trompas -atrás da cena e ainda ao longe-, que se amplia e se
aproxima, até que, por fim, o Landgraf da Turíngia e os seus menestréis, em trajes de caça, descem,
um após outro, de uma eminência à esquerda. Toda a escolta de caça do Landgraf entra pouco a pouco
em cena. A meio caminho da ladeira, o Landgraf avista Tannhäuser ajoelhado. Todos querem saber
quem é. Julgam que seja penitente, mas graças à sua aparência, não duvidam que seja um cavaleiro.
Wolfram, outrora o mais íntimo amigo de Tannhäuser, é o primeiro que se dirige a ele e o reconhece
ao grito de: “É Henrique!” O brado é repetido por todos. Tannhäuser parece não estar certo da es-
pécie de recepção que lhe vão fazer, pois deixou a companhia deles, conforme diz o libreto: “inflamado
de orgulho”. O Landgraf e os outros perguntam- lhe se de fato ele voltou e o que significa esta volta;
o sombrio Biterolf abruptamente quer saber se Tannhäuser vem com boas intenções ou se “sonha
com mais lutas”; Walther von der Vogelweide também o inquire: “Vens como amigo ou inimigo?” O
gentil Wolfram protesta contra a dureza dos companheiros: Será de orgulho - pergunta- a aparência de
Tannhäuser? Aproxima-se do cavaleiro com ar afável e dá-lhe as boas-vindas. Há muito tempo, diz,
que Tannhäuser se ausentou do meio deles. O acolhimento de Wolfram encontra eco imediato nos
outros e, por fim, o próprio Landgraf saúda a Tannhäuser, mas quer saber onde ele se deteve tanto
tempo. Numa espécie de sonho, responde o cavaleiro: “Vagueei numa terra distante, muito distante, onde
nunca encontrei descanso nem consolação. Não perguntes! Não foi para lutar contigo que vim até aqui;
reconciliemo-nos e deixa-me depois seguir o meu caminho Ao apelo que todos lhe fazem para permanecer,
Tannhäuser retruca que em parte alguma pode achar repouso; está condenado a errar para sempre;
não se atreve a olhar para trás. )
O Landgraf - (a meia voz, descobrindo Tannhäuser) - Quem é que está lá em contrita prece?
Walther - Sem dúvida é um penitente.
Biteholf - Pelo traje, é um cavaleiro.
(Wolfram corre para perto de Tannhäuser e o reconhece)
Wolfram - É ele!
Os Menestréis, fora Wolfram - Heinrich! Heinrich! Devo crer no que meus olhos vêem?
(Tannhäuser ergue-se espantado, depressa torna a si e faz silenciosa reverência ao Landgraf, após
haver lançado um rápido olhar sobre este último e os menestréis)
“ Ó Landgraf - És tu, realmente? Estás retornando ao nosso convívio, o qual, em tua
arrogante soberba, inflamado de orgulho, abandonaste?
Biterolf - Dize, como devemos compreender o teu retorno?
Walther. Heinrich. Reinmar.
Landgraf - Dize-nos!
Biterolf - Desejas a reconciliação? Ou reavivas a nossa pendência e sonhas com mais lutas?
Walther - Vens como amigo ou como nosso inimigo?
Os Menestréis, exceto Wolfram - Como inimigo?
Wolfram - O, Cessai vossas perguntas! Será de orgulho a aparência deste? (ele vai até
10
Tannhäuser

Tannhäuser como um amigo) Sejas bem-vindo, valoroso menestrel, que, ah, por tão lon-
go tempo nos abandonaste!
Walther - Sejas bem-vindo, se tu retomas em paz!
Biterholf - Saudações a ti, se tu nos vês como amigos!
Os Menestréis - Saudações, saudações, nós te damos boas-vindas!
O Landgraf - Então deixa-me te dar as boas-vindas! Mas, dize: onde estiveste por tão
longo tempo?
Tannhäuser - Vagueei por terra distante, muito distante, onde nunca encontrei des-
canso, nem consolação. Não perguntes! Não foi para lutar contigo que vim até aqui;
reconciliemo-nos e deixa-me depois seguir o meu caminho!
O Landgraf - Ainda não! Tu és um dentre nós novamente.
Walther - Tu não nos deve abandonar.
Biterholf - Não desejamos que tu partas!
O Landgraf, os Menestréis - Fica conosco!
Tannhäuser - Deixai-me partir! Nenhum lugar me serve para ficar e nunca poderei
estar em paz! Sobre o caminho que me foi destinado eu devo unicamente alongá-lo
sempre para mais longe e com toda pressa, sempre mais distante (desembaraçando-se).
Partir, partir daqui! Deixai-me!
O Landgraf, os Menestréis - Ó fica! Junto de nós tu deves permanecer, nós não te dei-
xaremos separar-se de nós! Tu nos procuraste, porque partir assim tão depressa, após
um tão curto reencontro? Fica, fica conosco!
(De nada vale, porém, toda a insistência dos fidalgos: quanto mais caloroso o apelo, tanto mais obs-
tinada a resolução do cavaleiro, até que se ouve um grito estridente de Wolfram, prostrado aos pés de
Tannhäuser: ‘Fica, por amor a Elisabeth!’ Este nome desperta em Tannhäuser todas as velhas
recordações. Profunda e contudo alegremente impressionado, permanece como que subjugado a um en-
cantamento, repetindo em êxtase a palavra ‘Elisabeth’, que lhe parece ter chegado do céu)
Wolfram (barrando Tannhäuser,no caminho) Fica por Elisabeth!
Tannhäuser - (em violenta e alegre agitação, paralisado, como se enraizado no local) Elisabeth!
Ó poder dos céus, tu chamas esse doce nome para mim?
Wolfram - Tu não me deves como inimigo ralhar, pois assim não te tratei! (Ao Landgraf)
Meu Senhor, queres permitir-me de ser para ele o mensageiro de sua sorte?
O Landgraf - Dize-lhe da magia que ele forjou e que Deus lhe conceda dignidade e
virtude que ele possa usá-las merecidamente.
(O segundo período da comovente canção de Wolfram caracteriza tipicamente a melodia de Wagner,
nesta época de sua atividade, e constitui uma cabal revelação da índole sincera, afetuosa e séria de Wol-
fram: ‘War’s Zauber war es reine Macht, durch die solch Wunder du voll bracht’ (Foi por magia ou
por algum poder divino que conquistaste tal maravilha?)

11
Tannhäuser

Wolfram -(a Tannhäuser) Quando tu com audaciosos cantos competiste conosco pela
coroa de louro, às vezes eras um vitorioso sobre nossas canções, de vez em quando tu
sofreste derrota frente à nossa arte: mas um prêmio houve que somente por ti foi ganho.
Que magia, que divino poder com o qual tu forjaste semelhante milagre, cativar pelo
teu canto, vibrante de alegria e de tristeza, a mais rica em virtude das donzelas? Então,
ah! Quando tu orgulhoso nos abandonaste, seu coração ficou totalmente surdo aos
nossos poemas; nós vimos suas maçãs do rosto empalidecerem e ela doravante evitou a
nossa companhia. Ó, retoma para nós, valente menestrel, e não mais nos priva de tuas
canções. Não a deixes por mais tempo ficar ausente de nossos festivais, que de novo
brilhe entre nós a sua estrela!
[Ó retoma, valente menestrel! Que nossas canções ressoem em uníssono e que nova-
mente sejamos irmãos!
Os Menestréis, exceto Wolfram - Sê um de nós, Heinrich! Volta para junto de nós!
[Trégua aos conflitos e às disputas! Que nossas canções ressoem em uníssono e que
[novamente sejamos irmãos!
[O Landgraf- Ó retoma para nós valoroso menestrel! Dá trégua aos conflitos e às
disputas!
(Tannhäuser, profundamente comovido, lança-se aos braços de Wolfram, depois saúda por sua vez
um a um os menestréis, e em seguida se inclina diante do Landgraf, animado por uma profunda gratidão)
Tannhäuser - Para junto dela! Para junto dela! Oh, conduzi-me perante ela! Ah, ago-
ra eu reconheço novamente o esplêndido mundo do qual eu estive separado! O céu se
debruça sobre mim, os prados resplandecem nos seus mais belos adornos. A primavera,
jubilante, entrou na minha alma, acompanhada de mil canções arrebatadoras; na sua-
vidade, na urgente avidez,
meu coração chora e clama em voz alta, “A ela!” “A ela!” Conduzi-me perante ela!
O Landgraf, os Menestréis - Ele que esteve perdido retornou! Um milagre o trouxe
de volta! Bendito seja o doce poder, que baniu do seu coração o orgulho! Que tenha
novamente a Adorada seus ouvidos ligados aos nossos hinos, exaltando a sua nobreza!
E que estes aqui, plenos de um novo ardor, jorrem alegria de suas gargantas e almas!
(Durante esse tempo, pouco a pouco, toda a escolta de caça do Landgraf se reúne em cena. Os caça-
dores tocam suas trompas. Todo o vale formiga de uma multidão mais e mais numerosa. O Landgraf
e os menestréis se voltam para os caçadores. O Landgraf dá um sinal com sua trompa de caça. Pos-
santes repiques e latidos da matilha lhe respondem. O Landgraf e os menestréis montam nos cavalos
que lhes foram trazidos de Wartburg) Desce o pano. (É assim, pelo menos, que Wagner desejava se
encerrasse a cena; suas intenções, porém, nem sempre podem ser cumpridas, à letra, nos teatros, ou em
razão da criatividade dos cenógrafos).

Fim do Primeiro Ato

12
Tannhäuser

Segundo Ato

O segundo ato começa com longo prelúdio orquestral de um tipo que, pode afirmar-
-se, foi introduzido por Wagner no teatro. É uma espécie de poema sinfônico em miniatura.
Mas antes de tudo, é um tema alegre, palpitante e vigoroso, com andamento dançante, que
descreve a felicidade de Elisabeth. Sucede-lhe o Motivo do Júbilo, já ouvido dos lábios de
Tannhäuser na cena precedente. O desenvolvimento destes motivos prazenteiros é inter-
rompido por instantes, quando os tons severos dos instrumentos de sopro, com o Motivo do
Aviso, envolvem a música em sombra. É o motivo em que Vênus cantou a sua advertência a
Tannhäuser, na primeira cena. Mas a sombra logo passa; ouve-se outra vez o tema do salão
dos tomeis de canto, com todo o brilhantismo, ao mesmo tempo que sobe o pano, mostrando
o Salão dos Torneios de Canto em Wartburg; ao fundo, aparece uma vista do pátio e do vale.

CENA 1
(O Salão dos Torneios de Canto, em Wartburg. Ao fundo aparece uma vista do pátio da Corte e do vale)
Elisabeth - (Entra em cena risonha, agitada e saltitante. Na ária que canta vibra com muita vita-
lidade, o que deve ter atuado como um tônico e até com uma surpreendente emoção nos auditórios que a
escutaram, pela primeira vez, há mais de cento e cinquenta e oito anos. Tannhäuser regressou; nova-
mente as suas canções hão de ecoar no Salão, e a alegria voltará à alma da moça. Nada havia na música
contemporânea da época que a igualasse em vigor e brilho. Quando Elisabeth termina, Tannhäuser,
conduzido por Wolfram, sobe as escadas e aparece no último plano. Lança- se aos pés de Elisabe-
th, enquanto Wolfram permanece discretamente afastado, encostado ao muro. A princípio, Elisabeth
mostra-se modesta e confusa. Pede a Tannhäuser que se erga e a melodia que canta é característica
de Wagner nessa época, especialmente no concernente ao emprego do leitmotiv) Querido salão, eu te
saúdo de novo, com alegria, de todo o meu coração eu te saúdo, adorável lugar! Em ti
as canções dele nasceram e me despertaram das sombras. Desde que ele partiu tu me
pareces vazio! A paz me abandonou, e a alegria desapareceu de ti! Como agora meu
coração se exalta e tu transpareces, outra vez, imponente, nobre e receptivo! Aquele
que dá vida a ti e a mim não está mais distante! Eu te saúdo! Eu te saúdo! A ti amado
salão, eu te saúdo!
(Tannhäuser, acompanhado de Wolfram, aparece na escadaria, ao fundo)
Wolfram - (a Tannhäuser) Lá está ela; aproxima-te dela sem perturbá-la! (Wolfram
permanece longe, encostado no parapeito)
Tannhäuser - (lançando-se impetuosamente aos pés de Elisabeth) Ó Princesa!
Elisabeth - (timidamente perturbada) Meu Deus! Erguei-vos! Deixai-me! Eu não posso
vos reencontrar aqui! (Ela faz um movimento brusco de ausentar-se)
Tannhäuser - Tu o podes! O’ fica e deixa-me permanecer ajoelhado aos teus pés!
Elisabeth - (voltando-se para ele de modo amistoso) Então, levanta-te! Não te convém ficar
ajoelhado aqui, porque neste salão sempre foste rei. Oh, levanta-te! E deixa-me agra-
decer-te porque enfim regressaste! Mas por onde vagaste há tanto tempo?
13
Tannhäuser

Tannhäuser - (levantando-se lentamente e, em tom velado, como se tentasse em vão recordar-se


de um sonho) Longe daqui, em terras muito, muito distantes; -um sombrio esquecimento
interpõe-se entre o hoje e o ontem. Tudo me saiu da memória e de uma só coisa apenas
consigo lembrar-me, que perdera toda a esperança de voltar a colocar meus olhos em ti.
Elisabeth - O que então te trouxe de volta?
Tannhäuser - Foi um milagre, um misterioso e profundo milagre!
Elisabeth - (exaltando-se amigavelmente) Eu rendo graças a esse milagre, do mais profun-
do do meu coração!
(Confusa, ela modera-se. Com delicada arte, Wagner pinta-nos o conflito de emoções na alma da don-
zela - inocente alegria pelo regresso de Tannhäuser, tristeza pela sua partida e longa ausência, virginal
inaptidão para compreender todas as variadas emoções que agora sente. Por fim, Elisabeth não consegue
conter o grito: “Henrique, Henrique! Que me fizeste?” “Deves louvar ao deus do amor, que me tocou”,
declara Tannhäuser, “falou-te de mim e a ti me trouxe”, e o par irrompe num dueto jubiloso que começa
assim: “Gepriesen sei die Stunde” (Bendita seja a hora) e continua com um trecho no qual, mais uma
vez, vemos Wagner utilizando o leitmotiv, processo tão do seu gosto: “Von Wonne glanz umgeben lacht
mir der Sonne Schein! “(envolto em luz radiosa, brilhante o sol me sorri!) A parte delicada atinente ao
último tema era muito apreciada por Mendelssohn. No fim desse longo dueto, Tannhäuser deixa Eli-
sabeth, avança para Wolfram e abraça-o calorosamente; os dois desaparecem na escadaria. Elisabeth,
da varanda, segue-os com o olhar.) Perdoai-me de não saber aquilatar o que digo! Em sonho
eu estou e insensata como uma criança; sem força, o poder do milagre me maravilha!
Quase que não mais me conheço - O’ ajuda-me a decifrar o enigma de meu coração!
Antes, eu escutava de bom grado, amplamente, as sutis melodias dos trovadores; seus
poemas, seus louvores e acareações pareciam-me um divertimento fascinante. É que
uma estranha e nova vida despertava em meu coração as tuas canções! Em breve tem-
po eu estremecia de dor, mas logo a alegria repentinamente me inundava. Por essas
emoções eu jamais tinha passado; jamais essa imperiosa expectativa, esta nova felicida-
de, que eu não sabia como nomear, eclipsava meus antigos deleites! Todavia, desde que
te fizeste longe de nós, minha paz e minha alegria também desapareceram; as melodias
dos cantos dos trovadores me pareciam indiferentes e suas inspirações me pareciam
sem brilho e de espírito confuso. Em sonhos, eu sentia pesadas dores; acordando, eu
ficava com preocupações, minhas vigílias se teciam de ilusões e de pesarosas dúvidas. A
alegria havia abandonado meu coração. Henrique! Henrique! O que me fizeste?
Tannhäuser - (entusiasmado) Deves exaltar o deus do amor, que me tocou! É ele que
inspirava meus versos; é ele que te falava através dos meus cantos; é ele que me recon-
duziu até aqui perante ti!
Elisabeth. Tannhäuser - Bendito seja este instante, abençoada seja a força que pela
tua presença me mostrou um tão doce segredo!
Tanhnhäuser - A esta nova vida encontrada possa eu, agora, ser devotado [inteira-
mente; tremendo de alegria, eu chamo esse milagre de o mais belo! [Elisabeth - Au-
reolado de um esplendor radiante, um sol refulgente sorri para mim;
[despertada para uma nova vida, eu chamo enfim a alegria de minha companheira!

14
Tannhäuser

Wolfram - (em último plano) Assim, nesta vida, não resta para mim mais nenhum fio de
esperança!
Elisabeth. Tannhäuser
Ah! Bendito seja este instante, etc.
(Tannhäuser separa-se de Elisabeth; alcança Wolfram, se estreitam os braços num abraço e desa-
parece com ele descendo a escada. Da sacada, Elisabeth os segue com os olhos.)

CENA 3
(Por uma passagem lateral, entra o Landgraf. Elisabeth corre-lhe ao encontro e esconde o rosto no peito
do fidalgo.)
O Landgraf - Eu te encontro aqui neste Salão, o qual há longo tempo tens evitado?
Finalmente, então, te atrai um torneio de canto que estamos organizando?
Elisabeth - Meu tio! O’, meu mais bondoso pai!
O Landgraf - Desejas finalmente destrancar o teu coração para comigo?
Elisabeth - Olhai-me nos olhos! Falar eu não posso.
O Landgraf - Está bem, que por um breve momento tua boca cale ainda o teu doce
mistério; que o segredo em morada inviolável fique até que sejas dona de o desatar.
Que assim seja! Que hoje mesmo o prodígio suscitado, inspirado pelo canto, seja pelo
canto descoberto, e coroado com satisfação! Nossa mui graciosa arte deverá hoje aqui
desvendá-lo!
(As trombetas soam ao longe, no pátio do castelo, convocando os Menestréis) Já se aproximam os no-
bres de meu país, a quem eu devo dar as boas vindas a este solene torneio de canto; mais
numeroso do que de costume, porque ouviram falar que serás a princesa do festival.

CENA 4
(O Landgraf e Elisabeth vão até a sacada para observar atentamente a chegada dos convidados.
Quatro pagens entram e anunciam os hóspedes. O Landgraf lhes dá a ordem para acolhê-los.)
Entrada dos convidados
(Os cavaleiros e os condes entram um a um com as nobres damas e seu séquito; as pessoas do sé-
quito ficam em último plano. O Landgraf e Elisabeth os acolhem)
Cavaleiros e Nobres Damas
Cheios de alegria saudamos o nobre Salão, onde de todos os tempos a arte e a paz sem-
pre e somente moram; que por longos tempos ainda a fama ressoa: glória ao Landgraf
Hermann, o príncipe da Turíngia.
(Todos os convidados hão ocupado os lugares que lhes foram destinados num vasto semicírculo. O
Landgraf e Elisabeth assentam-se nos lugares de honra, no primeiro plano sobre um trono. Trompetes.
- Os cantores fazem entrada, saúdam solenemente a assembleia e são conduzidos pelos pajens até os seus
respectivos assentos. Os homens respondem e, por fim, todas as vozes se unem na canção de homenagem.
15
Tannhäuser

Os Menestréis adiantam-se, curvam-se com dignidade perante a assembleia, e tomam os seus assentos,
dispostos em estreito semicírculo, no centro do Salão. Tannhäuser está no meio, à direita; Wolfram,
na extremidade, à esquerda. A orquestra executa, pausadamente, uma espécie de música de cerimônia. O
Landgraf se levanta. Recorda os serviços prestados à pátria na guerra e os seus préstimos não menos
dignos nas artes da paz, especialmente na poesia. O regresso de Tannhäuser será celebrado num tor-
neio amistoso, como outrora. O segredo da sua ida e da sua volta ainda não foi desvendado; talvez seja
revelado em trovas. Para este fim, ele propõe, como tema do torneio, a Natureza do Amor; o Menestrel
que melhor realçar esse assunto poderá reclamar um prêmio das mãos de Elisabeth.)
O Landgraf - Muitas vezes a este Salão foram enviados cantores amigos, ouvindo-se
o eco de seus admiráveis versos. Seus eruditos enigmas e seus divertidos refrãos são co-
nhecidos e igualmente têm fascinado nossos corações através do seu engenho e arte. Ao
passo que, pela espada, em sangrentos combates e violentas lutas, defendemos a honra
do império alemão, só nós resistimos aos selvagens quelfos (partidários do Papa contra o
Imperador da Alemanha) e contivemos catástrofes e discórdias, desarmamos perniciosas
dissensões, e de vossa parte vós soubestes conquistar a vitória a um preço inteiramen-
te tão nobre. Lutando por vossa arte, pela benevolência de Deus e por nossos afáveis
costumes, tanto pela virtude como pela fé, tendes conseguido belas e altas vitórias.
Preparastes, então, para nós um novo festival, coincidindo este dia no qual o valente
cantor, que por longo tempo tão misteriosamente se ausentou, houve por bem retornar
para junto de nós. O que o levou a retornar para o meio de nós permanece para mim
como um misterioso segredo: ele poderá revelá-lo para todos nós através da arte da
canção; por isto, eu coloco agora a pergunta para os menestréis: poderíeis decifrar-me
qual o sentido da essência do amor? Aquele que dentre vós obtiver o maior sucesso
merecidamente receberá de Elisabeth um prêmio; que ele o fixe, ele mesmo, assim tão
alto quanto puder, eu me incumbo de que ela o concederá. Agora, queridos menestréis!
Preparai as vossas cordas vocais! O tema está posto, esforçai-vos por ele e aceitai todos
nossos agradecimentos antecipadamente.
Cavaleiros e Nobres Damas
Glória! Glória! Ao Príncipe da Turíngia!
Ao protetor da mais graciosa das artes. Glória! Glória! Glória!
(Todos se assentam. A orquestra executa, pausadamente, uma espécie de música de cerimônia. Quatro
pajens avançam e recebem de cada trovador um pequeno rolo de pergaminho com o nome de cada um. Os
pajens colocam os pergaminhos numa taça de ouro, que apresentam a Elisabeth. A donzela desenrola o
primeiro e entrega-o aos pajens. Esta cerimônia é acompanhada pela orquestra. Os pajens vão solene-
mente para o meio da cena )
Os Quatro Pagens
Wolfram von Eschenbach, começai!
(Eles assentam-se aos pés do Landgraf e de Elisabeth. Wolfram se levanta. Tannhäuser apoiado
em sua harpa, parece despertar de um sonho)

16
Tannhäuser

O Concurso de Canto
Wolfram
Eu direciono minha vista para esta nobre assembleia, o meu coração palpita e se infla-
ma com tão augusta visão!
Vejo aqui heróis, alemães, valentes e sábios,
altivos, imponentes como carvalhos, de vivo e verde vigor;
e vejo damas belas e virtuosas,
com diademas perfumados com finas e amáveis flores.
Eu sinto que meu olhar se enleva com essa visão,
meu canto é silenciado ante semelhante encanto e esplendor.
Então eu elevo meu olhar até uma única estrela, lá no alto dos céus, onde brilha para
mim: meu espírito é confortado pela radiante distância e minha alma se prostra e se
submerge em piedosa prece.
E, vede, eu contemplo uma fonte de delícias, à qual meu espírito se transporta no mais
elevado êxtase, e ao seu manancial ele retira as delícias da mais santa indulgência, bál-
samo indizível com o qual refresco o meu coração.
E nunca mais eu quero profanar essa fonte, ou turvar suas águas com pensamentos im-
puros: em devoção a ela eu a mim me sacrificaria e com prazer derramaria até a última
gota do meu coração!
A vós, nobres, desejo expressar nessas palavras como a mim me parece ser a pura es-
sência do amor.
(Ele se senta)
Cavaleiros e Nobres Damas (Com movimento de aprovação)
Muito bem dito! Muito bem dito! Teu canto merece elogios!
(Tannhäuser parece despertar de um sonho: a sua expressão transmuda-se de orgulho sombrio em
êxtase. Assim, olha abobalhado em volta; um ligeiro estremecimento de sua mão, que inconscientemente
busca as cordas de sua harpa, e um sorriso inquietante nascendo sobre seus lábios, mostram que uma
magia estranha apossou-se de seu ser. No mesmo instante em que se levanta, toma resolutamente seu
instrumento e toda a sua atitude o trai, como se tivesse perdido a noção de tudo em volta e nem sequer
pode dar atenção a Elisabeth)
Tannhäuser
Oh, Wolfram, se é este o teu canto, desfiguraste mui claramente o amor!
Se tu o limitas a mórbidos suspiros,
com certeza o mundo inteiro logo se esgotaria.
Para glorificar a Deus, nas sublimes alturas celestiais, levemos os olhos para os céus, con-
templemos as estrelas: a adoração convém a tais maravilhas porque elas são inacessíveis!

17
Tannhäuser

Mas aquilo que se abre ao nosso afago,


que se deleita perto de nosso coração e de nossos sentidos,
o que foi criado como matéria
e se curva para nós como suave carne,
corajosamente devemos beber da fonte do prazer:
o manancial de delícias, ao qual não se deve ter medo de misturar-se;
eu de um salto junto-me a fonte tão inesgotável com meu inexaurível desejo.
Tu, que jamais escorregaste para a fraqueza, fica ciente
de que a fonte jamais se esgota, por isso meu desejo é sempre apetecível.
Assim, ansioso por um eterno desejo, eu descubro nessa fonte eterno
reconforto.
Aprende bem, Wolfram, tal é para mim a mais autêntica essência do amor! (Ele se senta.
Há um estupor geral. Elisabeth fica dividida entre o arrebatamento e a angustiante surpresa)
Biterolf
(Levantando-se repentinamente, com cólera)
Miserável, vieste aqui afrontar a todos nós!
Quem se conteria em ouvir-te?
Não ao desagrado, não à tua arrogância!
É tua vez de me escutar, blasfemador!
Sublime amor, sob tua bandeira minhas armas
e minha coragem se fazem mais cortantes;
com altivez e nobreza de sentimentos
eu perderia todo o meu sangue para evitar a ti o menor ultraje.
Para defender a honra e a virtude das nobres damas
como cavaleiro, eu o faço com a minha espada.
Mas, os prazeres a vil preço que perseguem tua juventude não valem nem um golpe de
espada!
Cavaleiros e Nobres Damas (Aplaudindo no máximo)
Bravo! Biterolf !
Os Cavaleiros
Aqui estão nossas espadas.
Tannhäuser
(Com um ardor sempre crescente, de um salto)

18
Tannhäuser

Ah, Biterolf, fanfarrão imbecil!


Lobo raivoso, podes tu falar de amor?
Seguramente nunca tiveste conhecido aquilo
que eu acho prazeroso, pois tudo que demonstra prazer
não desperta em ti nenhum sentimento.
Pobre bom homem, o que conheces do prazer?
Tua vida foi sempre carente de amor, e quanto às alegrias que conheceste, elas, por
cento, não valem um golpe de chifarote!
Os Cavaleiros (Na maior agitação)
Não o deixai mais prosseguir!
Ponde um fim à sua audácia!
O Landgraf
(A Biterolf, que tinha sacado a espada)
Guardai a espada! Vós cantores permanecei em paz!
(Wolfram levanta-se; imediatamente faz-se de novo silêncio)
Wolfram
O céu, deixa-me agora implorar-te!
Dá a minha canção a consagração do prêmio!
Deixa-me ver banido o pecado desta nobre e pura assembleia!
Deixa minha canção ressoar.
A ti, sublime amor, celebro a minha canção, que penetrou em mim com beleza angeli-
cal e profundamente com ímpeto na alma!
Tu vens de Deus, és seu enviado, reverente eu te sou na distância: assim, guia-me pela
terra, onde para sempre brilha a tua estrela!
(Entretanto, os pensamentos de Tannhäuser voltam-se de novo para a corte de Vênus. Louva a deusa,
como fonte de toda a luz, devaneio e alegria, e finalmente aconselha aos cavaleiros que, se quise-
rem saber o que é o amor, “corram velozes para a montanha de Vênus”. Horrorizada, a assembleia se
dispersa).
Tannhäuser
(Saltando do assento, em estado de extrema exaltação).
Para ti, deusa do amor faz ressoar minha canção, bem alto, deixa-me agora cantar em
teu louvor!
Teu doce encanto e charme é a fonte de toda beleza!
E cada terno prodígio provém de ti!

19
Tannhäuser

Somente quem se estreitou nos teus ardentes braços conhece o que é o amor - somente
ele pode sabê-lo.
Tristes e necessitados, que ignoreis como ela ama, ide, ide à montanha de Venus!
(Todos se levantam. Há uma consternação geral)
Todos os Outros Ah! O infame! Fugitivo!
O que ouvistes! Ele esteve no Venusberg!
As Nobres Damas
Fora! Fora! Fora de sua presença!
(Todas as damas abandonam o salão na mais completa consternação, com gestos de estarem horroriza-
das. Somente permanece nele Elisabeth, que tem seguido com um pavor crescente a disputa dos cantores;
pálida, ela só se mantém em pé com um extremo esforço, apoiada em uma das colunas de madeira do
dossel. O Landgraf, todos os cavaleiros e cantores, abandonaram seus lugares e se agruparam. Tan-
nhäuser fica calmo por um instante como se em êxtase. O Landgraf e os Cavaleiros formam um grupo;
Tannhäuser está sozinho na extrema esquerda, ainda mergulhado em sonho extático. Os Cavaleiros,
num coro agitado, gritam por vingança, contra o pecador que coabitou com Vênus: e avançam para
Tannhäuser, com as espadas desembainhadas. Elisabeth interpõe-se. Escudando Tannhäuser com o
próprio corpo ela pergunta-lhes que ferida mortal poderiam abrir-lhe, comparada com a que ele acaba
de fazer-lhe no coração.)
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
Haveis entendido! Seus ímpios lábios reconheceram seu espantoso crime: ele provou os
prazeres do demônio, ele coabitou com a deusa dentro do Venusberg!
Abominável! Monstro! Condenado! Excomungado!
Cravai vossas espadas no seu sangue!
(Todos sacam as espadas bem alto e as direcionam para Tannhäuser, que adota uma postura desa-
fiante. Elisabeth se interpõe entre eles)
[Deixai-o ser condenado e banido
[e que ele vá de volta ao ilimitado fogo do inferno!
Elisabeth
[Parem vossas mãos!].
(Todos param atordoados)
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
O que eu ouvi? Como? Elisabeth!
A virgem casta intercedendo pelo pecador irremediável?
Elisabeth
(Cobrindo o corpo de Tannhäuser com o seu)

20
Tannhäuser

Para trás! Eu já não temo mais a morte!


De que vale a ferida de vossas espadas contra o golpe mortal que eu dele recebi?
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
Elisabeth, que devo ouvir?
Como pode assim teu coração enganar-te, ao ponto de evitar a punição para ele que
tão repugnantemente te enganou?
(Até este ponto, o ato é um clímax sempre crescente. )
Elisabeth
O que tem a ver comigo? Mas, e a salvação dele?
Quereis roubar-lhe sua salvação eterna?
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
Ele repudiou sua fé e toda esperança de salvação;
jamais poderá obter o perdão de Deus!
A maldição divina caiu em cheio sobre ele!
Envolvido nos seus pecados ele se conduz!
(Eles avançam de novo sobre Tannhäuser)
Elisabeth
Afastai-vos dele! Vós não sois seus juízes!
Bárbaros! Lançai à parte as vossas selvagens espadas e escutai as palavras de uma vir-
gem sem mancha!
Aprendei por minha voz a vontade de Deus!
Esse infeliz homem, que um terrível, poderoso feitiço o segurou cativo, -
o quê! Pode ele nunca encontrar a salvação
através do arrependimento e da expiação neste mundo?
Vós que vos proclamais tão fortes na verdadeira fé, desconheceis assim o ensinamento
do Todo Poderoso?
Quereis vós subtrair a esperança para o pecador, então dizei, o que ele fez de mal para vós?
Olhai-me, a jovem virgem, na qual ele despedaçou com um golpe brutal o prazer de
viver, a mim que o amava do mais profundo do meu ser, ele traspassou o coração, que
era só júbilo!
Imploro por ele, imploro por sua vida,
A fim de que, arrependido, ele encontre seu caminho de penitente!
Deixai-o recobrar o ânimo da fé porque o Salvador outrora também padeceu por ele!
(Aos poucos, acalma-se em Tannhäuser a infernal exaltação. As últimas palavras de Elisabeth,
arroja-se ao chão, dominado pelo arrependimento)
21
Tannhäuser

“Ai de mim! Ai de mim ” exclama; “como pequei! ” Os Cavaleiros começam a abran-


dar-se. “Um anjo desceu do céu”, cantam “e trouxe de Deus uma santa mensagem...Tu
lhe deste a morte e ela implorou o teu perdão”. Tannhäuser solta um brado de remorso
e faz um apelo apaixonado ao Céu, implorando clemência. Esta passagem é coroada
por magnífico clímax coral. )
Tannhäuser
(Em terrível contrição, desmoronando)
Ó dor! Ó dor! Um miserável eu sou!
O Landgraf, os Cantores Um anjo desceu da luz do éter e trouxe uma santa mensa-
gem de Deus!
Olhai-o, tu, infame traidor!
Olhai-o, nela!
Os Cavaleiros
Olhai-o, tu, traidor infame!
Olhai-o nela!
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
Tu deste a ela a morte, e ela pede por tua vida! (Ela implora por ti)
Quem ficaria indiferente, ouvindo a imploração de um anjo?
Eu também não poderia a culpa,
(nunca/jamais perdoá-lo)
mas, eu não posso contrariar a voz do céu.
(Não posso contrariar a palavra celestial)
Tannhäuser
Para me conduzir, como pecador, pelo caminho da salvação, veio até mim a mensagei-
ra de Deus.
Mas eu, oh!, pleno de um desejo abjeto, ousei alçar sobre ela o olhar de um ímpio!
Ó tu que reinas além dos abismos terrestres, e que pela minha salvação me encarregas
um anjo, tem piedade de mim, porque, ah!, corroído pelo pecado, desonrado, fui in-
grato à intercessora celeste.
Tem piedade de mim! Ah, tem piedade de mim!
Elisabeth
Eu intercedo por ele, eu suplico para que ele viva, a fim de que, arrependido, encontre
seu caminho de penitência!
Deixai-o recobrar o ânimo da fé em nosso Redentor, que ele creia que este outrora
também padeceu por ele!
(Quando termina, o Landgraf dirige-se solenemente para o centro da cena, expulsa o pecador do
22
Tannhäuser

grêmio dos Menestréis e declara-lhe que um único recurso lhe sobra: “um grupo de Peregrinos está a
caminho de Roma; Tannhäuser que se junte a eles e vá prostrar-se penitente aos pés de Deus e pedir
perdão ao Papa. Os Cavaleiros repetem a exortação: “Mit ihnen sollst du wallen zur Stadt der
Gnaden huld” (Com eles deves ir à cidade da indulgência). Caso contrário, matá-lo-ão ali mes-
mo! Através do burburinho, percebe-se a voz de Tannhäuser, na agonia do remorso, e
a de Elisabeth, ainda a interceder por ele)
O Landgraf
(Avançando solenemente até o centro)
Um crime abominável vem de ser aqui cometido.
Carregado de maldição, sob uma máscara de hipocrisia, o filho do pecado foi introdu-
zido em nosso meio.
Nós te expulsamos de nosso grupo - te proibimos de habitar perto de nós; nossa mesa
por ti foi profanada; o céu ele mesmo te observa, ameaçador, neste teto que há muito
te abrigou.
Portanto, ao envolvido pela condenação eterna, um caminho resta aberto que conduz
à tua salvação: ao te banir desta terra eu te o indico.
Toma-o e salva a tua alma!
Reunidos se encontram em minhas terras peregrinos penitentes, em grande número; os
mais velhos já marcham à frente; os mais jovens descansam ainda no vale.
Para confessar seus pecados, os mais veniais, não concedem ao seu coração nenhum
repouso.
Para apaziguar suas paixões com penitência, eles se dirigem a Roma, às festas do perdão.
O Landgraf, os Cantores, os Cavaleiros
Com eles deves peregrinar à cidade do perdão, ajoelhar-te lá em baixo no pó, a fim de
expiar os teus pecados!
Prostrar-te-ás diante daquele que proclama a sentença divina; mas, não retomes jamais,
se ele não te conceder de nenhum modo a absolvição!
[Nossa vingança, fomos forçados a sobrestá-la [porque um anjo intercedeu por ti,
[mas esta espada te fará perecer
[se persistires na vergonha e no pecado!
(Ouve-se o hino dos peregrinos, no vale ao longe. Todos, na cena, mostram- se involuntariamente calmos
e, em silêncio, escutam o hino).
[Elisabeth
[O Deus da misericórdia e do perdão,
[concede-lhe a graça de ir até o teu santuário!
[Embora ele tenha caído tão baixo [perdoa suas dívidas de pecado!
[Só por ele eu quero te implorar,

23
Tannhäuser

[que minha vida de hoje em diante seja somente preces.


[Deixa-o ver a luz radiante da graça [antes que a eterna noite o chame!
[Aceita este sacrifício
[com um estremecimento de alegria!
[Toma minha vida, oh!, toma-a!
[Eu não a considerado mais minha!
[Tannhäuser
[Como poderei obter o perdão?
[Como poderei expiar meus pecados?
[Eu vi desfalecer a minha salvação;
[a graça divina fugiu de mim.
[Mas eu peregrinarei à frente, como um romeiro,
[a fim de derrotar o mal no meu coração,
[e ajoelhar-me-ei no pó da estrada;
[minha contrição será a minha vontade.
[Oh, que me perdoe somente [o meu anjo da guarda;
[ele que, insolentemente, foi por mim desonrado;
[ele que se sacrificou pela limpeza da minha alma!
Os Jovens Peregrinos
(Longe, ao fiindo, como se viessem lá debaixo do vale)
Na sublime festa do perdão e da graça humildemente expiarei meus pecados!
Abençoado o que se mantém fiel à sua fé: pela penitência e arrependimento será salvo.
(Involuntariamente, todos moderam seus gestos. Como para proteger Tannhäuser ainda mais, Elisa-
beth se interpõe entre ele e os outros. Isto obriga cada um a ter atenção ao canto dos peregrinos, cheio de
promessas. Tannhäuser cessa subitamente seus movimentos inflamados de arrependimento e escuta o
cântico. Um súbito raio de esperança e confiança o ilumina; com um ímpeto frenético, ele se lança aos
pés de Elisabeth, ardentemente e depressa beija a bainha de seu vestido e, então, cambaleando de emoção,
parte chorando)
Tannhäuser
A Roma!
(Ele corre para fora)
Todos
(Em direção a Tannhäuser)
A Roma!
(O pano desce, enquanto a orquestra faz retumbar o Motivo da Expiação).

Fim do Segunto Ato

24
Tannhäuser

Terceiro Ato

O terceiro ato começa com uma longa introdução orquestral, que na partitura tem o tí-
tulo de “Peregrinação de Tannhäuser”. Principia com o Tema da Penitência, tirado do Hino
do Peregrino, que é respondido pelo Motivo da Intercessão, cantado por Elisabeth, durante
a cena final do segundo ato. Ambos dialogam por momento, e depois se ouve nas violas, se-
guidas dos violinos, o que conviria chamar-se de Motivo do Desalento, porque simboliza o
colapso físico e moral de Tannhäuser. Sob o peso dos seus pecados e sofrimentos. Os três
motivos são habilmente entrelaçados dentro duma tessitura coerente. A seguir, vem o Tema
do Arrependimento e após, outras frases do Hino do Peregrino, que também se faz ouvir de
vez em quando. Os instrumentos de corda executam o Motivo da Vibração da Vida, duas ve-
zes interrompido por um novo tema, o da Graça Celestial, executado com toda a força, pelos
metais. Depois, lentamente em surdina, os violinos repetem o mesmo motivo que, pouco a
pouco, se funde numa linha simples e delicadamente fluida, interpretada pelos violoncelos;
com este acompanhamento sobe o pano.
O cenário é o vale fronteiro do Wartburg, como no fim do primeiro ato, com a diferença
de que agora tudo tem cor outonal. O sol está no ocaso. Na pequena eminência à direita, Eli-
sabeth, prostrada de joelhos, reza diante do altar da Virgem. Da floresta, ao alto, à esquerda,
vem Wolfram; a meio caminho da descida vê Elisabeth. Em acentos profundamente sentidos,
medita sobre a triste sorte da moça: sempre quando desce das alturas para o vale, é certo en-
contrá-la ali, absorta, a orar por Tannhäuser, esperando todos os dias a volta dos Peregrinos,
que devem estar de regresso, quando as folhas estiverem secas. Virá Tannhäuser com eles?
“Oh, concedei-lhe o que ela pede, vós santos do céu! Se assim não for possível, se a sua ferida
nunca puder sarar, dai-lhe ao menos algum alívio.”
Precisamente quando Woltram se dispõe a descer mais para o vale, estaca. Muito lon-
ge, mas aproximando-se gradativamente, ouve-se o coro dos Peregrinos, que cantam o hino
da Salvação pela Graça, com palavras nas quais saúdam, de coração alegre, o seu regresso à
pátria amada. Findou a penitência, obtiveram o perdão e, daí em diante, os seus bordões de
peregrinos poderão descansar. O canto chega também aos ouvidos de Elisabeth. Levanta- se,
escuta, balbuciando, entre as frases do hino, a sua esperança de que os santos lhe darão forças
para aquilo que agora deve fazer.
Aproximando-se, os Peregrinos continuam com o Motivo do Arrependimento e, por fim,
entram no palco à direita. Cantando sempre a sua gratidão ao céu, passam lentamente pelo
outeiro e descem ao vale, no fundo da cena, onde aos poucos desaparecem. É tradição,entre
os sopranos líricos, que Elisabeth se mova ao longo da fila dos Peregrinos, examinando cada
rosto, na esperança de encontrar Tannhäuser; mas, a julgar pelas instruções de cena, Wag-
ner queria que ela ficasse onde, desde o princípio, se achava, apenas perscrutando as filas dos
Peregrinos, ao passarem. Após a retirada do último, em acentos simples, que, apesar de toda a
resignação da donzela, são de comovente intensidade, Elisabeth exclama: “Não mais voltará!”
Wagner sempre soube estar à altura de um momento como este; quando toda a tragédia de
uma situação tinha de ser condensada em dois ou três compassos, o maestro invariavelmente
encontrava a frase musical precisa que a expressasse.
A última toada dos Peregrinos perde-se ao longe, quando Elisabeth, em solene exaltação,
cai de joelhos e entoa à Virgem um apelo espiritual e apaixonado, para que a leve consigo ao
reino da pureza: a expressão musical, com sua ampla melodia e ricas harmonias, intensifica-se
25
Tannhäuser

por uma frase oblato repetida pelo clarinete baixo. Durante muito tempo, Elisabeth permane-
ce em devoto enlevo: quando se ergue, avista Wolfram, que se aproxima como para lhe falar.
Com um gesto, suplica-lhe que se cale; mas o cavaleiro quer conduzi-la para casa. Sem poder
ainda falar, a donzela agradece com um gesto o amor e a fidelidade de Wolfram e dá-lhe a
compreender que ela deve ir ao céu onde tem uma alta missão a desempenhar e para onde
partirá sozinha. Sobe lentamente o monte e desaparece no caminho que leva ao Wartburg,
enquanto a orquestra, suavemente, entoa o tema do amor desinteressado e da renúncia de
Wolfram, tirado da sua canção do segundo ato. Os sons da orquestra sobem mais e mais, ad-
quirindo sempre maior delicadeza espiritual nos instrumentos de sopro; entretanto, depois de
seguir Elisabeth com os olhos até perdê-la de vista, Wolfram senta-se numa colina à esquerda
e começa a preludiar na harpa.
Então, por um daqueles efeitos em que Wagner sempre se distinguiu e nos quais as coisas
vistas e as ouvidas se fundem na mesma impressão, verificamos ter caído a noite, graças à cor
profunda dos trombones, que como um manto escuro envolve os matizes claros, até aqueles
associados a Elisabeth. A noite, Wolfram a vê como um símbolo que escurece a terra e ater-
roriza a alma, fazendo-a desejosa de abandonar o vale, para subir aos montes. Porém, no céu
está a estrela vespertina contra cuja irradiação pura não pode prevalecer a treva e que “apon-
ta o caminho através do vale”. Acompanhando-se na harpa, canta a bem conhecida ária da
“Estrela Vespertina”, que tanta vez lhe aliviou o coração do peso dos cuidados. Suplica-lhe
que saúde a triste moça, quando ela deixar “o vale da terra” para “tomar-se um anjo no céu”.
Com olhos erguidos para o firmamento, continua a tocar a harpa, mesmo depois de acabada
a canção, enquanto os violoncelos da orquestra entoam, mais uma vez, a área familiar.
É agora noite cerrada. Ouve-se um motivo sombrio, nas trompas e fagotes, ao qual se
contrapõem as notas agitadas dos instrumentos de corda; é o Motivo da Maldição.
Tannhãuser entra, em túnica andrajosa de peregrino; tem o rosto angustiado e con-
traído: anda com dificuldade, encostando-se pesadamente no seu bordão. Aos seus ouvidos
chegaram os sons melancólicos da harpa de Wolfram. Wolfram aproxima-se do estranho:
pergunta quem é e por que esteve em peregrinação. Tannhäuser, porém reconheceu o ami-
go e responde com ironia: “Quem sou eu? Entretanto conheço-te bem. ÉS Wolfram, o hábil
menestrel!” Wolfram precipita-se ansioso para a frente; gritando: “Henrique, pergunta- lhe
por que é que regressou impenitente ao seu velho vale. Com o coração ainda cheio de suspei-
tas e inimizade, Tannhäuser responde-lhe que não se moleste, pois não é a ele que procura
nem a nenhum dos seus dignos companheiros. Vem-lhe então aos lábios uma nota de ardente
súplica: está apenas em busca de alguém que lhe mostre o caminho que outrora encontrou
milagrosamente - o caminho da montanha de Vênus. Horrorizado, Wolfram conjura-o a que
lhe conte tudo. Não foi então a Roma? Não implorou perdão? Irado, como que procurando
despertar a memória fugidia, Tannhäuser replica com amargura: “Sim, fui a Roma! ” Ime-
diatamente, porém, compreende que Wolfram não é seu inimigo. E sentando-se, exausto, ao
pé do rochedo, vai começar a narrativa, quando Wolfram se estende ao seu lado. Tannhãuser
pede-lhe que se afaste de um homem amaldiçoado e Wolfram afasta-se um pouco. O cavalei-
ro conta-lhe então toda a sua romaria: como foi com os outros peregrinos a Roma, privando-
-se dos confortos que os outros se permitiam, sempre pensando no anjo, cuja voz se erguera

26
Tannhäuser

para interceder por ele; como resolvera enxugar, pela penitência, todas as lágrimas que tinha
protagonizado à donzela. Durante a narração, ouve-se incessantemente, na orquestra, o tortu-
rado tema do “Desalento”. Por fim, conta como chegou a Roma: o dia tinha rompido, os sinos
repicavam em todos os campanários, os corações estavam prenhes de alegria e de esperança.
Ajoelhados diante “daquele que possui as chaves do céu”, viu milhares de perdoados seguirem
jubilosos o seu caminho. A orquestra executa aqui o tema da “Graça ”. Mas, quando pediu
que o confessassem, repeliram-no com as terríveis palavras: “Se habitastes na montanha de
Vênus, és para sempre maldito! Assim como no bordão sem vida onde, é certo, nunca crescerá
folha, assim tu nunca encontrarás salvação dos fogos consumidores do inferno!”. Caiu por ter-
ra, envergonhado e, quando acordou tombara a noite. Achava-se sozinho, ouvindo ao longe
as canções felizes dos perdoados, de regresso ao lar. Depois, voltou-se e fugiu, com um único
desejo no coração: tornar a ser recebido por Vênus. A razão abandona-o e Tannhäuser, em
delírio, implora à deusa que o transporte de novo ao seu regaço. Adensa-se a noite; vapores
sutis envolvem a cena e Wolfram sente no ar um influxo diabólico. Aterrorizado, tenta puxar
Tannhäuser para junto de si; mas, precisamente então, as trevas começam a brilhar com uma
luz rosada, enquanto atrás da cena se ouve a música das Sereias. Quando o encantamento se
aproxima, e se torna visível um redemoinho de formas dançantes, Tannhãuser excita-se aluci-
nadamente. Por fim, envolta em róseos raios de luz, aparece Vênus, reclinada no leito. Em tons
sedutores, manda-o aproximar-se, lembrando-lhe a predição de que os homens o repeliriam e
que ele haveria de voltar; promete-lhe êxtases ainda mais alentadores que os antigos. Aos gri-
tos de que sua alma está perdida, Tannhäuser luta com Wolfram para chegar-se à deusa. No
momento em que solta o amigo, Wolfram pronuncia o nome Elisabeth: Tannhäuser repete o
nome e fica como que pregado ao chão. Atrás da cena, ouvem-se as vozes dos Cavaleiros,
a rezarem pela alma de Elisabeth, que acabara de abandonar o corpo. Wolfram exclama: “O
teu anjo ora por ti no alto trono de Deus; a sua oração é ouvida. Henrique, estás redimido!”
Vênus grita desesperada: “Infeliz de mim! Perdi-o!”.
Os vapores adensam-se por um momento, rasgados pela cintilação dos fachos; depois,
desvanecem-se por completo. Rompe a manhã e, do Wartburg, desce uma procissão, com
tochas acesas - à frente vêm os velhos Peregrinos, seguidos dos Menestréis que, num caixão
aberto, carregam o corpo de Elisabeth; encerram o cortejo, o Landgrave, Cavaleiros e nobres.
Os homens que rodeiam o caixão cantam: “abençoada seja a pura donzela que agora, com
os santos, cerca o trono do Senhor”. Tannhäuser, conduzido ao pé do caixão, por Wolfram,
reclina-se sobre o corpo de Elisabeth e cai sem vida ao solo, após bradar seu último alento:
“Santa Elisabeth, orai por mim!” Todos inclinam as tochas, apagando-as, e a cena fica ilumi-
nada apenas pela rósea luz da madrugada. Entram agora os Peregrinos mais jovens, trazendo
um bordão, que Tannhäuser usara na peregrinação a Roma, coberto de folhas verdes, e
cantam a seguinte melodia:
“Heil! Heil! Der Gnade Wunder, Heil! Erlösung ward der Welt zu Teil” (Salve, salve! Mi-
lagre da Graça, salve! A Redenção foi dada ao mundo!) que simboliza o milagre da redenção da
alma de Tannhäuser. Finalmente, todos entoam, em conjunto majestoso, o motivo da Salvação
pela Graça, acompanhados pelas notas pulsantes dos violinos, que tocam como na ouverture.

27
Tannhäuser

Introdução
Longa introdução orquestral (peregrinação de Tannhäuser), como descrita acima..
(O vale fronteiriço ao castelo de Wartburg; à esquerda o Hörselberg - como no final do 1º ato, somente
que com as cores do outono. O dia declina. Sobre o pequeno promontório rochoso da direita, Elisabeth
está prosternada diante da imagem da virgem Maria, mergulhada em uma fervorosa prece. - Wolfram
desce da colina arborizada da esquerda; a meio caminho para e avista Elisabeth)

CENA 1

Wolfram
Eu bem sabia que a encontraria aqui em prece,
como frequentemente a tenho visto,
quando sozinho desço do alto da colina verde até o vale.
Ela traz em seu coração a morte que ele semeou, sua dor é pungente e ela reza assim,
dia e noite, pela salvação dele:
ó amor abençoado, como é grande a tua força!
Ela espera os peregrinos de volta de Roma.
As folhas, amareladas, já estão caindo, eles não tardarão mais.
Regressará ele com os perdoados?
Esta é sua pergunta, esta é sua súplica.
Sua santificação deixa transparecer o seu sofrimento!
Mesmo que nada possa cicatrizar sua ferida, ao menos outorga-lhe essa consolação!
(Quando ele decide descer para o mais findo do vale, ouve o canto dos idosos peregrinos e para)
Os Peregrinos mais Idosos (Desde longe, aproximando-se lentamente)
Agora me tomo feliz, minha pátria, ao contemplar-te e saudar-te alegremente nos teus
amados prados; hoje repousará meu bastão de peregrino, porque, fiel ao Senhor, eu
concluí minha peregrinação.
Elisabeth
(Levanta-se e escuta o canto)
É seu canto! São eles! Eles estão retomando!
Ó santos, mostrai-me agora minha missão, a fim de que possa cumpri-la dignamente!
Wolfram
(Durante o canto aproximou-se lentamente)
São os peregrinos! Seus piedosos cânticos anunciam que eles obtiveram a graça e o
perdão.
O céu, conforta seu coração neste momento crucial de sua vida!
28
Tannhäuser

Os Peregrinos mais Idosos Eu ofereci ao Senhor minha contrição, minha penitência;


meu coração lhe pertence porque sua bênção coroou meu arrependimento!
Louvor a ti, Senhor!
(Aqui os peregrinos aparecem em primeiro plano à direita; durante a
sequência, fazem a volta na saliência da montanha e devagar vão-se movendo ao longo
do vale até o fundo e desaparecem)
A graça da salvação é garantida com a penitência, ela me conduzirá um dia à paz da
eterna bem-aventurança; inferno e morte não mais me amedrontam, por toda a vida
exaltarei o nome de Deus.
Aleluia! Aleluia, até a eternidade!
Elisabeth
(Que do promontório onde se encontra busca com grande agitação ver Tannhäuser, os olhos fixos nos
peregrinos que desfilam; com uma calma dolorosa).
Ele não retomou!
(Os peregrinos já estão fazendo a volta no fundo, e se afastam cada vez mais e desaparecem finalmente
numa abertura do vale à direita).

Os Peregrinos
O minha pátria, é-me permitido enfim te contemplar e alegremente saudar-te nos teus
queridos prados.
Agora me deixa fazer repousar meu cajado de peregrino.
(As vozes se perdem ao longe)

Elisabeth
(Cai de joelhos com uma grande solenidade)
Virgem toda poderosa, escuta minha prece!
Rainha da Glória, eu te imploro!
Deixa-me diante de ti ser eliminada no pó.
Oh, leva-me deste mundo!
Faze que, pura e semelhante aos teus anjos, eu entre em teu santo regaço!
A cada vez que, prisioneira de tolas ilusões, meu coração se houver afastado de ti,
se um desejo maligno, mais de inclinação aos prazeres do mundo, persuadiu o meu
espírito,
eu te asseguro que me esforcei, sofrendo muitas dores, para os destruir em meu seio.
Se não pude penitenciar-me por cada erro, então, apieda-te de mim, a fim de que mui
29
Tannhäuser

humildemente te renda devoção e dignamente possa me aproximar de ti, como serva


fiel, e confiante em tua mais abundante graça misericordiosa, possa implorar teu per-
dão por seus pecados.
(Ela demora um momento em fervoroso êxtase; quando se recompõe lentamente, apercebe-se de Wol-
fram que se aproxima com a intenção de abordá-la. Com um gesto, ela lhe pede para não fazê-lo)

Wolfram
Elisabeth, tu não me aceitas, que eu te acompanhe?
(Elisabeth faz-lhe ainda compreender, por gestos, que lhe é reconhecida, do fundo do coração, pelo seu
fiel amor; mas seu caminho a conduz sozinha até o céu onde ela deve terminar uma nobre missão; por
isso que lhe roga de a deixar partir sem a acompanhar, ou mesmo a seguir. Ela sobe o atalho no meio do
outeiro que conduz ao Wartburg; pouco a pouco desaparece, logo que sua silhueta deixa de ser visível ao
longe, Wolfram, que durante todo o tempo seguiu Elisabeth com os olhos, assenta-se ao pé da colina à
esquerda do vale e começa a tocar sua harpa)

CENA 2

Wolfram
Premonição fúnebre, esse crepúsculo sobre a terra, envolvendo o vale com sua sombra
cinza; até a alma que deseja elevar-se ao céu estremece ao ouvir as asas desta noite
lúgubre.
Mas tu apareces então, oh, tu a mais charmosa das estrelas, e nos envia de longe o re-
conforto da tua luminosidade; teu caro raio traspassa o crepúsculo e suas trevas, e tu
nos mostras, ó amiga, por onde sair do vale.
Ó tu, minha mui tema e gentil estrela vespertina, ditoso eu te saúdo sempre com gran-
de prazer; do fundo de um coração que nunca a traiu, eu te peço, saúda-a por mim,
quando ela passar perto de ti, quando ela deixar este vale de lágrimas, para começar a
ser, no céu, um anjo bem-aventurado.
(Ele continua a tocar a harpa, os olhos tristes fixos no céu)

CENA 3
(A noite chegou por completo. Tannhäuser entra em cena. Ele porta rompidas suas vestes de peregrino;
seu aspecto é de palidez, com o rosto desfigurado; ele avança cambaleante, esgotado, apoiando-se em seu
bastão.)
Tannhäuser
(Com uma voz apagada)
Eu ouvi os acordes de uma harpa, mas muito tristes!
Com certeza não poderia ser dela!
Wolfram
30
Tannhäuser

Quem és tu, peregrino, que tão solitário caminhas?


Tannhäuser Quem sou eu?
Mas eu te conheço muito bem! Wolfram és tu,
(sarcástico) o campeão dos torneios de canto!
Wolfram
(Reagindo energicamente)
Henrique! Tu?
Que vens fazer por estas paragens? Fala!
Como te atreves, ainda não absolvido,
a retornar a esta região,
se teus pecados não foram perdoados?
Tannhäuser
Estás fora de si, ó melhor menestrel!
Não procuro por ti, nem por qualquer outro de teu clã (com uma espantosa expressão de
lascívia)
Mas eu busco alguém que possa me mostrar, sem engano, o caminho que outrora des-
cobri aqui, tão maravilhoso, eu acho...
Wolfram
E qual é esse caminho?
Tannhäuser
O caminho do Venusberg.
Wolfram
Que coisa terrível! Não profanes mais meus ouvidos!
É esta a tua meta?
Tannhäuser
Conheces por acaso o caminho?
Wolfram
Insensato! O pavor me estremece em te escutar!
Onde estiveste? Por acaso não foste a Roma?
Tannhäuser (Com fúria)
Não me fales de Roma!

31
Tannhäuser

Wolfram
Não estiveste na Festa da Bem-Aventurança?
Tannhäuser Não me fales disso!
Wolfram
Então, não estiveste lá? Dize?
Eu te suplico!
Tannhäuser
(Como se isto reanimasse nele um doloroso ressentimento)
Claro que também estive em Roma...
Wolfram
Então fala! Esclarece-me! Infeliz homem!
Eu estou cheio de compaixão por ti!
(Tannhäuser observa Wolfram longamente, espantado e surpreendido)
Tannhäuser
O que tu dizes, Wolfram? Não és então meu inimigo?
Wolfram
Jamais o fui, por isso te julguei piedoso!
Mas, dize, tu peregrinaste a Roma?
Tannhäuser
Agora, então, ouve! Tu, Wolfram, saberás tudo.
(Ele, esgotado, senta-se ao pé do rochedo. Wolfram tenta sentar-se bem ao seu lado)
Longe de mim!
O lugar onde eu descanso torna-se maldito!
(Wolfram fica em pé a uma pequena distância de Tannhäuser)
Escuta, Wolfram! Escuta!
Com o coração ardente de um fervor, como nenhum outro penitente jamais experi-
mentou, eu busquei o caminho para Roma.
Eu, o arrogante, que havia perdido esse orgulho do pecador,
que um anjo, ah!, me tinha vindo arrancar;
em homenagem a ele, humildemente, eu queria expiar,
implorar o perdão que me tinha sido denegado,
a fim de pagar menos lágrimas amargas,
que desde algum tempo ele derrama sobre meu crime.
32
Tannhäuser

Como, ao lado de mim, o modo do irmão peregrino marchar


na estrada, parecia-me demasiado leve:
então, quando ele pisava a tenra relva das planícies,
meus pés buscavam os espinhos e as pedras;
quando ele outorgava aos seus lábios água fresca de uma fonte,
eu buscava o abrasamento do sol sobre os meus;
quando piedoso dirigia uma prece aos céus,
eu, era meu sangue que fazia correr em honra do mais alto;
eu me martirizava lançando meu corpo sobre a neve e o gelo.
Os olhos fechados, para nada ver de suas belezas, eu atravessava como um cego as do-
ces planícies da Itália.
Eu fiz tudo isto, desejando aniquilar-me, na minha autoestima,
para expiar os pecados e ocasionar menos lágrimas amargas ao meu anjo.
E foi assim que eu cheguei a Roma, a Cidade Santa.
Lá eu me estendi, orando, sob o umbral do santo lugar.
O dia se erguia: os sinos repicavam e hinos celestes chegavam até nós;
nós exultávamos com fervor e alegria,
porque eles nos prometiam o perdão e a salvação!
Então ele me apareceu, ele, que proclama o oráculo de Deus, e diante dele cada um se
prosternava no pó.
A milhares ele deu seu perdão; a milhares, arrebatados, ele ordenava de irem em paz.
À minha vez, eu avançava e, com a fronte sobre a terra, com gestos dilacerantes, eu me
acusava desse prazer maligno, que meus sentidos haviam conhecido; desse desejo que
nenhuma penitência havia feito calar;
para ser libertado dessa servidão ansiosa, eu implorava seu socorro, atormentado mo-
ralmente de selvagens sofrimentos.
E ele, a quem eu desse modo supliquei, respondeu-me assim: “Se tiveres sentido se-
melhante desejo pecaminoso e animado tuas paixões nas chamas infernais; se tiveres
coabitado dentro do Venusberg, então estarás para sempre condenado.
Como este bastão, em minha mão,
nunca mais brotará em folhas verdes,
assim tão certo como os tições que queimam no inferno,
jamais nenhuma redenção florescerá para ti!”
Então eu desabei, arrasado;

33
Tannhäuser

o nada agarrou-me; eu perdi todos os meus sentidos..


Quando despertei, sobre a praça deserta, a noite se estendia.
Ouvia-se ao longe os alegres cânticos dos abençoados.
Seus doces cânticos agora me eram repulsivos!
Para fugir ao eco dessas promessas enganadoras, cujas melodias, frias como o gelo,
congelavam-me a alma, espavorido, tomei o curso da estrada como um louco, impelido
por aquilo que, sobre seu peito ardente, me saciara outrora de felicidades e alegria!
(Com uma terrível exaltação)
A ti, Senhora Venus, eu retomo
para a doce noite de teus encantamentos;
à tua corte eu subo de volta,
onde, doravante, para sempre teu charme me sorrirá!
Wolfram
Para! Para, homem infeliz!
Tannhäuser
Ah, não me deixes procurar-te em vão!
Como foi fácil encontrar-te da primeira vez!
Ouve, doce deusa, agora os homens me recusam e praguejam! (A noite é negra; leve névoa
cobre pouco a pouco a cena)
Wolfram
(Com intenso horror)
Insensato! A quem tu invocas?
Tannhäuser
Rá! Não sentes como o ar virou uma suave brisa?
Wolfram
Fica comigo, ou estarás perdido!
Tannhäuser
Não sentes estes perfumes suaves?
(As névoas começam a derramar um entardecer rosado)
Não ouves esses jubilosos clamores?
Wolfram
Meu coração estremece de um terror atroz!

34
Tannhäuser

Tannhäuser
(Mais e mais excitado, nunca tão perto a magia veio)
É o cortejo das ninfas, que dançam!
Para aqui! Para aqui! Venham para aqui com alegria e prazer! (Distinguem-se agora os
movimentos das ninfas que dançam)
Wolfram
Ó dor! O inferno abre sua boca e vomita sua magia!
A selvageria do inferno toma curso aqui perto!
Tannhäuser
O arrebatamento aumenta repentinamente em meu ser quando vejo este rosa brilhando!
Isto é a magia (de Mina) do reino do amor!
(Fora de si)
Vamos penetrar no Venusberg!
(Vênus aparece em uma rósea luminosidade, reclinada em seu leito)
Venus.
Seja bem-vindo, homem infiel!
Rejeitou-te o mundo e estás banido?
E agora que em nenhum lugar encontraste compaixão procuras amor e carinho em
meus braços?
Tannhäuser
Senhora Venus, ó tu plena de misericórdia!
A ti, a ti eu me dirijo!
Wolfram
Encantamento do inferno, desaparece, desaparece!
Não seduz o coração de um puro!
Venus
Aproxima-te novamente de meu reino, eu perdoarei tua insolência; a fonte de prazeres
correrá eternamente para ti e nunca mais deverás fugir de mim!
Tannhäuser
(Arrastando-se resolutamente, brutalmente segurado por Wolfram) Minha salvação, minha salva-
ção eu perdi,
[Agora deixa-me escolher as delícias do inferno!
Wolfram
[Deus todo poderoso vem em ajuda deste que sempre acreditou em ti! [(Ele puxa Tannhäuser
para trás)
[Henrique! 35
Tannhäuser

Venus
(O medo está crescendo nela)
Ó vem!
Wolfram
Uma só palavra te salva! Tua libertação!
Venus
[Ó vem! Para sempre sê meu!
ITannhäuser (Para Wolfram)
Deixa-me!
Desgarra-te de mim!
Wolfram
Tu podes ainda, pecador, obter o perdão de tua alma!
Venus
O vem!
(Tannhäuser e Wolfram lutam desesperadamente)
Tannhäuser
Nunca, Wolfram! Jamais!! Eu devo ir para o regaço dela!
Wolfram
Um anjo intercedeu por ti sobre esta terra, logo, para te abençoar, ele te tomará sob
suas asas.
Venus
Vem, vem!
Tannhäuser (Para Wolfram)
Deixa-me!
Venus
Vem pra mim! Vem pra mim!
Wolfram
[Elisabeth!
fTannhäuser
(Que acabara de se livrar dos braços de Wolfram, remanesce subitamente como se pregado no chão)
Os Cantores. Coro de Homens [(Atrás da cena)
[Santa mártir, paz à tua alma,
[libertada de teu corpo!
36
Tannhäuser

Wolfram
[(Com uma sublime emoção)
[Por ti teu anjo está de joelhos diante do trono de Deus.
[Ele ouviu suas orações: Henrique, tu está salvo!
Venus
Ó dor! Ele está perdido para mim!
(Ela desaparece e com ela a inteira visão mágica. O vale, iluminado pelo sol levante, torna-se de novo vi-
sível; um cortejo fúnebre aparece no desfiladeiro, proveniente do Wartburg, carregando um ataúde aberto)
Os Cantores. Coro de Homens
Ela obteve a alegria da bem-aventurança,
suprema recompensa dos anjos no céu.
Wolfram
(Estreitando gentilmente a Tannhäuser)
Tu ouves o canto?
Tannhäuser
(Totalmente extenuado)
Eu o ouço!
(Neste momento, o cortejo fúnebre chega ao fundo do vale. Os peregrinos de idade avançada estão à
frente; os nobres carregam o caixão aberto onde repousa Elisabeth; o Landgraf e os menestréis o acom-
panham de lado; condes e nobres os seguem.)
Os Menestréis. Coro de Homens
É Santa a purá, que agora
contempla a eternidade na comunhão dos santos!
Bem-aventurado o pecador pelo qual ela chorou; para ele ela obteve o perdão e o Paraíso!
(A um sinal de Wolfram, o ataúde é trazido e colocado no meio da cena. Wolfram conduz Tannhäuser
até o ataúde. Debruçado sobre o despojo de Elisabeth, Tannhäuser cai lentamente até o chão.)
Tannhäuser
Santa Elisabeth, orai por mim!
(Ele morre. Todos depositam suas tochas no chão e as apagam. A aurora traz completa
claridade à cena!
Os Jovens Peregrinos
(Avançam ao primeiro plano sobre o contraforte rochoso. Eles trazem, visível no meio deles, um báculo
episcopal coberto de folhas verdes.)
Glória! Glória! Glória ao milagre da graça!

37
Tannhäuser

O mundo obteve a redenção!


Nesta santa hora da noite do Senhor,
Ele mesmo se manifesta através de um milagre:
o báculo seco na mão do pontífice, Ele o fez reverdecer, ele o ornou de ramos verdes;
Assim, para o pecador à margem da fogueira do inferno, a redenção pode desabrochar
um dia!
Proclamai isto por toda a terra,
que através deste milagre ele encontrou a salvação!
No alto, acima de tudo, está Deus e sua misericórdia nunca será procurada em vão!
Aleluia! Aleluia!
Aleluia!
O Landgraf, os Menestréis, os Velhos Peregrinos
A graça de Deus foi garantia ao penitente, ele agora entra na paz da bem-aventurança!

FIM

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