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Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
Se o implacável tempo
Este ser perverso que não cede
Faz-me alma em vida
A vida hoje, a vida outrora
E amanhã a morte anunciada
Como viroses de outono,
Com suas nuvens carregadas.
E o sentido da vida
Volta e meia alguém explica
Volta e meia alguém confunde
Sensações sei que são vividas
Para delas nos esquecermos no fim dos dias?
Sentindo medo de que não haja esquecimento
Com o intempestivo tempo me aqueço
Sonhando divergente
Como um ser intransigente
Para que tudo seja diferente.
A fala do passado
É meu jeito de estar existindo
Ver nos atos sem estar vendo
A ALMA DO FALAR
1
Olhando bem funda na alma
Vasculhando o vazio e suas falas
Nasci assim entre o sonho e a necessidade
Falo baixo porque minha voz é muito
2
Voz rouca temperada na loucura
Esconde meus braços de pegar o mundo
E não saber usa-lo
Sou um tronco na cidade bolha
3
Apenas uma metáfora da fala e do não saber
Ignoro um sorriso ontem porque hoje não sei de nada
Meus pés caminham por estradas que não conheço
E toda tentativa de ser assim é uma desnecessidade de alma
Porque ser é desprovido do querer ser
4
As musas se foram e me deixaram com a solidão e a fala
Descobri que os pássaros acordam com a luz branca
E os espectros encarnado do sol nascendo
É o despertar do dia no fogo de Hórus
5
Mas isso também não importa
Quando a fala cai no ouvido da gente
Ela tem a força da natureza
Tal como Marco Polo não falava trivialidades
6
Conversar com os pássaros é um privilégio da loucura
Assustadoramente encantador
Terrivelmente belo
Beleza apreciada por poucos e almejado no dia a dia
7
Estou escolhendo meu caminhar
Porque meu Norte é todos os pontos cardeais
E a liberdade dos pássaros me ensina a voar
Ensina a acordar para luz do sol
8
Eu que entendo as coisas envesadas
Contorço minhas palavras na tentativa
De dar cabo ao sonho e sua loucura amena
De ir vivendo este cotidiano
9
E predicado alguma de falar deste sujeito ordinário
Porque o cotidiano é filho do Cronos
Neto de gaia com sua beleza simples
Ele é cinza encarnado de todas as cores
10
É o bêbado que se levanta na esquina
E cruza com a senhora que volta do sacolão
São as folhas no quintal de uma velha
E ela só limpa a passagem
11
O cotidiano é assim
Extraordinariamente belo para quem tem olhos
Encantador para quem tem ouvidos
Sublime para quem vive o agora
12
Para quem vive no amanhã ou no ontem
Ele é cinza ... uma passagem para não vida
Desperdício terrível de se estar querendo viver
e não vive
Mas falar dele é perde-lo
Tal como areia não mão
Quanto mais se quer falar
Menos se sabe
13
A fala nasceu para endireita-lo
E ele é o que é
Por isso na alma da fala
14
Há o desejo dos que ouvem de verdade
Ecos na mata ainda reverberam hoje
Saímos de cavernas e desaprendemos a viver
O passando fala línguas que ignoro
15
Meu corpo fala e quase não escuto
O silencio da madrugada berra em meus ouvidos
Como um bêbado insone
Que sabe que nada importa de verdade
16
Tenho memorias de amanhã
Que não ouso falar
E tangencio a loucura
Na crença momentânea deste devaneio
Sim ... Me permito crer por instante
Que passado, presente e futuro
É tudo a