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Espírito Santo
2014
JOSÉ EDUARDO COELHO DIAS
VILA VELHA – ES
2014
Direito de Família
Examinador:
NOTA FINAL______________
RESUMO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 09
DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO. 10
PLURI OU MULTI?............................................................................................. 11
O DIREITO......................................................................................................... 12
BREVE HISTÓRICO DAS FAMÍLIAS................................................................ 14
AS FAMÍLIAS E A REALIDADE ATUAL NO BRASIL........................................ 19
DO AFETO E SEU VALOR JURÍDICO.............................................................. 21
QUEM (OU O QUE) É, AFINAL, O PAI?............................................................ 24
FILIAÇÃO........................................................................................................... 26
A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS E SEUS PRINCÍPIOS............................... 28
DIREITO À REALIDADE BIOLÓGICA............................................................... 33
CONCLUSÃO..................................................................................................... 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 41
Para Kátia Regina Poleze Coelho Dias e
Raphael Marques, que nunca duvidaram.
“A vida que me ensinaram
Como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal.
Era tudo tão perfeito
Se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso.”
(Leoni)
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INTRODUÇÃO
Pai é aquele que fornece gameta masculino para juntar-se a um gameta feminino a
fim de produzir um zigoto, gerando a vida biológica, ou é aquele que, mesmo sem
qualquer relação genética com quem toma como filho, empresta sua trajetória de
vida, transmitindo grande parte do que aprendeu na sociedade para formar um ser
cultural?
Certo é que não são raras as situações em que pessoas criadas por pais afetivos
(alguns que passaram a integrar determinado núcleo familiar por conta da
denominada “adoção à brasileira”), ao descobrirem suas raízes biológicas, se veem
no dilema de manter intacto o registro, abrindo mão da inscrição de sua verdade
biológica, ou buscar sua retificação, abrindo mão de sua verdade afetiva, urgindo,
pois, que o Direito forneça mecanismos capazes de pacificar este tipo de conflito, de
onde advém a relevância social destes escritos.
Mas o direito de ação não é um direito amplo e ilimitado, lembrando Santos (1998, p.
168-169), que “o direito de ação se subordina a certas condições, em falta das
quais, de qualquer uma delas, quem o exercita será declarado carecedor dele,
dispensando o órgão jurisdicional de decidir do mérito de sua pretensão”. Conclui o
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mestre afirmando que “condições da ação, pois, são requisitos que esta deve
preencher para que se profira uma decisão de mérito”.
Tal conceito não encontra resistência na doutrina e indica que para que possa ser
julgado o mérito de uma causa o autor deve estar atento à presença de todas as
condições da ação.
Como visto acima, o filho que entende que seu registro de nascimento contém
equívocos possui legitimidade (a lei diz expressamente que tal ação compete a ele)
e interesse jurídico para propor a ação judicial visando a retificação (necessita
provocar o Judiciário para obter o bem da vida perseguido), mas resta saber se
existe possibilidade jurídica do pedido para as ações em que se busque a inclusão
da filiação socioafetiva ou biológica a par de outra já existente, sem a exclusão de
nenhuma delas, o que poderia acarretar a existência de dois ou mais pais e uma ou
mais mães no assento de nascimento.
Para Arruda Alvim (2007, p. 417), “por possibilidade jurídica do pedido, portanto,
enquanto condição da ação, entende-se que ninguém pode intentar uma ação sem
que peça providência que esteja, em tese, prevista, ou que a ela óbice não haja, no
ordenamento jurídico material”.
PLURI OU MULTI?
Antes de abrir a discussão, é preciso deixar clara a nossa opção pela expressão
plurifiliação, em vez de multifiliação, como adotada por alguns.
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Em que pese ser até usual empregar-se o os prefixos multi e pluri com o mesmo
sentido, esta não é nossa posição, posto entendermos que há, sim, diferença entre
as duas.
Não sustentamos neste trabalho que a filiação deva se dar com grande quantidade
de pais, mas apenas que existe a possibilidade de se inscrever mais de um pai no
Registro Civil das Pessoas Naturais.
Nossa opção por usar o prefixo pluri em vez de multi indica que aceitamos a
existência de mais do que um pai, mas não necessariamente de vários.
O DIREITO
O Direito, então, está mais afeto a valores do que a normas, de tal sorte que
podemos afirmar que mesmo que não exista norma específica regulando
determinado tema, isto não pode significar uma lacuna no Direito ou sua
inexistência, pena de comprometimento do convívio social.
O direito, nesta linha, não pode ser interpretado a partir das normas jurídicas, mas
do próprio interesse de todos e, mais do que isto, dos valores de um determinado
grupo.
Não é por outra razão, então, que Maximiliano (2000, p. 165) afirma:
O Direito e a norma jurídica não podem ser interpretados como sendo um fim em si
mesmos, pois nascem e vivem em função do ser humano e de suas relações. Uma
norma divorciada do bem estar humano e que não vise à harmonia social não é uma
norma jurídica, mas um estorvo, daí decorrendo a necessidade de se usar a norma,
de se interpretar o Direito visando o bem e os valores da sociedade pois, como
muito bem asseverou Lima (989, p. 7):
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O Direito é, pois, maior do que a própria norma e não se pode falar em direito longe
do contexto social. Não se pode falar de interpretação do direito senão de forma
sistemática, global, contextualizada e a ausência de norma específica não é
impeditivo para a aquisição de um direito.
Evidente, também, que as famílias atuais não são necessariamente iguais aquelas
de outros temos e assim como é difícil entender um país sem contextualizá-lo
historicamente, não é possível entender as atuais conformações familiares sem
voltar no tempo e analisar como as famílias vêm se estruturando ao longo dos
séculos, estabelecendo, ainda, relação com acontecimentos históricos mais
relevantes em determinados períodos.
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A palavra família vem do latim famulus (MENEGHETHI, 2008), que significa “aquele
que serve”, sustentando BARRETO (2013) que o termo foi cunhado há cerca de
4.600 anos na Roma antiga para servir de base para designação de grupos que
eram submetidos à escravidão agrícola.
Já BARRETO (2013) entende que o elo mais forte entre os familiares seria de índole
econômica, o que nos parece mais razoável, já que o pater, além de dirigir o culto,
administrava os bens, estando à frente de uma organização que mais se assemelha
ao conceito que hoje temos de empresa do que de família.
Nessa organização não se vivia a infância, posto que o trabalho do menor era
comum e os filhos, assim que adquiriam mínimas condições físicas, eram
incorporados à produção, trabalhando em igualdade de condições com os adultos da
família e sem qualquer remuneração.
Fica instituída, assim, uma religião oficial para o Império Romano, o que, na prática,
indicava a necessidade de abandono de antigas tradições e cultos e adoção de uma
religião monoteísta e das normas morais ditadas por ela. Ora, nada precisa ser dito
para que se entenda que a partir do momento em que um Estado adota uma religião
e determina que todos a sigam, todas as tradições e formação moral originária são
imediatamente substituídas pela nova ordem. O impacto é notório e se vê em todos
os setores da vida privada, agora sob os auspícios de Deus.
Para os que admitem a família romana fundada no culto aos antepassados, como
acima exposto, o impacto na estrutura familiar é imediato, mas não é só isso.
Quando a Igreja entra no circuito e passa a dispor sobre o tema, a instituição
“casamento” sai do campo civil e passa a integrar o campo do sagrado e o que é
sagrado é inquebrantável. O casamento cristão é, então, indissolúvel. Tudo que
pudesse perturbar a indissolubilidade ou ameaçar de alguma forma a família, passa
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a ser visto como algo terrível e impuro, merecendo o castigo divino e o castigo do
próprio Estado: aborto, adultério, concubinato, relações extraconjugais. Tudo!
Importante observar, ainda, que pela tradição cristã uma das funções do casamento
é a procriação, nada obstante CHARBONNEAU (1985), dentre outros, defendam
que dizer que a única finalidade do casamento para os cristãos seja a procriação
não passa de uma meia-verdade. A verdade inteira é que se um dos motivos do
casamente é a procriação, seria inaceitável a existência de casais incapazes de
procriar, como seria o caso dos inférteis ou dos que tem o mesmo sexo.
Não escapa de ninguém, por outro lado, que nada do que condenado pela Igreja
jamais deixou de ser feito: os abortos, traições e até mesmo relações entre pessoas
do mesmo sexo sempre existiram e, até certo ponto, eram toleradas. Tal tolerância,
evidentemente, só se verificava quando se tratava de homens, nunca de mulheres e,
assim mesmo, desde que não gerasse escândalo, ou seja, desde que mantido um
comportamento discreto, o que justificava a impossibilidade (até mesmo legal) de
reconhecimento de filhos havidos fora do lar conjugal, que recebiam a pejorativa
denominação de “bastardos” ou “ilegítimos”, aos quais não era dado gozar de
qualquer direito outorgado aos seus meio-irmãos.
Mas, como já disse um poeta, “o tempo não para” e o modelo posto atravessou a
idade média, chegando a influenciar legislações recentes, como o Código Civil
Brasileiro de 1916, revogado pelo Novo Código Civil de 2002, que, concebido nas
décadas de 1960 e 1970, também não escapou imune às suas influências.
Se a família romana tinha sua estrutura calçada num espelho econômico, evidente
que a modificação naquele campo interfere neste. Os ideais de igualdade, liberdade
e fraternidade, comuns à cidade e que vão, mais tarde, redundar na Revolução
Francesa, produzem reflexos em todos os setores, inclusive, e, principalmente, no
seio das famílias.
dinheiro, o patriarcado vai perdendo a importância e a família passa a ser vista mais
como um lugar de cooperação. Se antes a pecúnia entrava nas casas
exclusivamente pelas mãos do chefe da família, agora a situação é diferente, pois é
um terceiro (o industrial) quem entrega diretamente nas mãos de quem exerceu o
trabalho o respectivo pagamento. As economias de cada um eram trazidas para
casa e começava-se, então, a discutir em conjunto como e onde aplicar o que
produziam.
Não se pode conceber nosso País sem a busca de todos por uma sociedade
fraterna, pluralista e destituída de qualquer preconceito, assim como não se pode
conceber uma família que não seja “fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
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A família atual é uma família plural, que tem certeza de que as sorridentes pessoas,
sentadas à mesa em comerciais de margarina, não passam do fantasma de um
mito. Na família atual as pessoas podem minimamente ser quem realmente são. O
espaço não é mais tão atrelado à economia e o afeto vem ganhando corpo, se
tornando cada vez mais a única ligação entre os seres. As pessoas entenderam que
não se unem às outras porque precisam, mas por que querem, porque é melhor,
porque mantém com os outros uma relação de afeto.
b) par andrógino, sob regime de casamento, com filhos biológicos e filhos adotivos,
ou somente com filhos adotivos, em que sobrelevam os laços de afetividade;
afeição
[Do lat. affectione.]
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Substantivo feminino.
1.Sentimento de apego sincero por alguém ou algo; carinho;
amizade, afeiçoamento.
2.Inclinação, pendor.
3.Conexão, ligação, relação:
Conceituar a expressão “afeto”, como visto, não é tarefa das mais simples, razão
pela qual opto, nestes escritos, por abrir mão do conceito puro e simples, que por
vezes aprisiona, para tentar demonstrar seu significado.
O afeto surge, então, como forma de ligação positiva ou negativa do ego (eu) com o
id (isso), atrelando o sujeito ao objeto de sua pulsão, que aqui podemos também
chamar de desejo, marcando e definindo a estrutura psíquica e, de forma geral,
determinando como funciona sua mente. Quando o afeto envolvido tem origem no
prazer, temos a busca pela proximidade da “coisa” e, ao contrário, quando
associado ao desprazer, a sensação de repulsa toma conta.
Quando dizemos, então, que as famílias de hoje estão unidas pelo afeto, dizemos
que seres dotados de emoções, percepções, verdades, ilusões, certezas, medos,
dúvidas e toda sorte de sentimentos, por mais confusos e embaraçados que sejam,
preferem estar ligados a alguém, preferem estar na companhia de alguém, preferem
fazer de sua vida um lugar de morada para esse outro alguém, do que estar com
qualquer outra pessoa, ou mesmo fazendo qualquer outra coisa na vida.
Isto não significa, entretanto, que o afeto nas relações familiares é recente ou
inexistente nos modelos de família antes referidos. De forma alguma. Não são raros
os casos de família felizes formadas nos moldes chamados tradicionais. Se o afeto
não respeita nem o fato de você ser um Montecchio enquanto seu alvo é um
Capuleto e, nem tampouco, casamentos arranjados, por que não podeir surgir até
mesmo a partir deles?
João Batista Villela, lembrado por DIAS (2013, p. 74), define que as relações de
família são nutridas por elementos que sempre estiveram à disposição do ser
humano, tais como “[...] perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência,
enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à
virtude do viver em comum [...]”, o que confirma o princípio da afetividade como uma
referência fundamental para o Direito de Família.
Mais recentemente o afeto, se já era aceito de forma uníssona pela doutrina, que
influenciava maciçamente na jurisprudência, com a edição da chamada “Lei Maria
da Penha”, teve seu valor jurídico expressamente reconhecido.
De fato, o conceito de família fornecido pelo inciso II, do artigo 5º, da norma focada,
é o de “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Os indivíduos,
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agora, formam família desde que “se considerem aparentados” e estejam unidos
“por afinidade ou por vontade expressa”, ou seja, por afeto.
Aos filhos havidos no casamento eram atribuídos direitos, tais como o de receber e
prestar alimentos e o de suceder, o que não ocorria com os filhos havidos fora do
casamento, que eram considerados ilegítimos em relação ao pai, não gozando de
qualquer direito em relação a este, não se podendo sequer buscar a legitimação ou
reconhecimento.
Os mesmos autores salientam, entretanto, que na Idade Média adoção era pouco
usada no Ocidente, já que a familiar era fundada exclusivamente em laços de
sangue, prestigiando a pureza das linhagens, o que, certamente, impedia que fosse
bem visto alguém com outro sangue naquele núcleo.
Apesar deste último fato, o que já dito até aqui é suficiente para que cheguemos à
convicção de que há muito tempo as civilizações tem a consciência de que a filiação
não decorre exclusivamente da biologia, já que os filhos adotados gozavam de
direitos equivalentes, embora não plenamente, aos dos filhos naturais.
É possível falar de um pai que ocupe as três posições e quando isto acontece não
há nada a ser questionado, mas e quando isto não ocorre?
FILIAÇÃO
Mesmo com tantas mudanças nas estruturas familiares, como tivemos oportunidade
de demonstrar em tópico anterior, a filiação ainda se encontra vinculada, em nosso
Direito positivo, à família tradicional, com modelo patriarcal, formada pelo par
andrógino heterossexual.
De fato, ao mencionar referido dispositivo que “os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, acaba por encerrar a
filiação em uma verdade biológica, tendo como filhos os “havidos ou não da relação
do casamento”, ou seja, os que foram gerados por um pai e uma mãe. A única
exceção é a adoção.
A conclusão a que chegamos até agora é que o nosso direito positivo não
acompanha a realidade social subjacente ao tema, posto que ou parte de um
conceito de filiação baseado na realidade biológica ou na moral familiar,
excepcionando tão somente a adoção e ignorando por completo as outras
possibilidades de filiação que são oferecidas e aceitas socialmente.
Ainda que as leis não acompanhem os fatos sociais com a velocidade desejada, a
realidade é que com a modificação da concepção de família, o Direito não pode se
furtar de reconhecer, também, as novas formas de filiação e paternidade.
E mesmo que a lei não compareça com a velocidade desejada, o Direito não se furta
e marca presença. O próprio MADALENO (2013) lembra que apesar de a filiação
socioafetiva não estar reconhecida legalmente, os Tribunais pátrios não se cansam
de produzir decisões reconhecendo a denominada “posse do estado de filho”, que
seria a essência da verdadeira e única filiação, sustentada no amor e no desejo de
ser pai ou de ser mãe, em suma, de estabelecer espontaneamente os vínculos da
cristalina relação filial.
Ainda sobre a “posse do estado de filho”, esclarece o grande doutrinador que vem
sendo paulatinamente reconhecida por ordenamentos jurídicos de outros países,
que tem primado por admitir que os vínculos parentais não se estabelecem tão
somente com o nascimento, mas, sobretudo, pelo desejo do genitor de assumir seu
papel naquela relação que se põe.
Mero material genético não seria suficiente para o estabelecimento de uma realidade
jurídica, razão pela qual comenta que o verdadeiro valor jurídico está na realidade
afetiva e não na ascendência genética, uma vez que esta, quando dissociada do
afeto e da convivência não passa de um efeito da natureza, que, via de regra, é
consequência de alguma indesejável obra do acaso e que não raro é rejeitado. Não
há, para o respeitado doutrinador, como serem considerados genitores os que nunca
quiseram exercer as funções paternas ou maternas e que, em verdade, sempre
buscaram ficar imunes aos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais decorrentes
da relação entre pais e filhos.
Fica claro, assim, que o motivo maior da existência de um registro público das
pessoas seria a segurança jurídica. Tal segurança é obtida, sobretudo, a partir da
autenticidade do registro e de sua publicidade.
Não é por outro motivo que o artigo 364, do Código de Processo Civil, vai admitir
que “o documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos
que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua
presença”.
O mesmo autor é quem informa que a mencionada lei funda-se, no caso específico
do registro civil das pessoas naturais, em princípios finalísticos e princípios que
informam a função do registro civil das pessoas naturais.
Dentre os princípios que informam a função do registro civil das pessoas naturais o
doutrinador aqui mencionado indica o da legalidade, da independência, da
imparcialidade, da instância ou rogação, da territorialidade, da conservação e o da
continuidade, dentre outros.
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Cada registrador somente tem competência para atuar num determinado limite
territorial, não sendo válidos os atos fora de tal limite, sendo nisto fundado o
princípio da territorialidade.
O princípio da continuidade é o que indica uma ordem lógica e legal das ocorrências
registradas. O óbito, por exemplo, não pode ser registrado antes do nascimento;
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interditado não pode ter novo registro de interdição; alguém que já tenha sido
emancipado não pode ver registrada nova emancipação e assim por diante.
Tal fato, no entanto, não causa estranheza, já que a Lei 6015/1973, que “dispõe
sobre os registros públicos, e dá outras providências” foi concebida antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988, que, no § 6º, do artigo 227,
determinou o fim da diferença entre filhos havidos no ou fora do casamento quando
assevera que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”.
Referida lei remonta a um tempo em que era possível diferenciar filiação legítima,
considerada como tal a originária de casamento, ilegítima, todos os filhos nascidos
fora do casamento e adotiva.
A filiação, para os termos da lei referida, decorre sempre de origem biológica ou civil,
restrita esta ao caso de adoção.
Não passa despercebido, no entanto, que a Lei 8.069/1990, que “dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”, já traduz o novo
entendimento acerca das relações familiares, inclusive de parentesco, assim como a
Lei Maria da Penha, anteriormente citada, propondo até mesmo, no seu capítulo III,
seção II, a existência de uma “família natural”, entendida como tal "a comunidade
formada pelos pais ou qualquer um deles e seus descendentes".
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Não há, nos termos da lei, restrição, e qualquer pai, mesmo o que não tem
ascendência biológica, nem civil (adoção), pode ser reconhecido como tal, dentro
dessa nova realidade familiar.
Partindo de tal premissa, resta então, debater se tal registro teria o condão de
promover o cancelamento da filiação biológica ou o contrário, situação em que
admitiríamos que uma das duas é mais relevante que a outra.
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Fizemos acima a referência à filiação socioafetiva, buscando deixar claro que ela
reflete uma realidade do ser humano e atende ao princípio da dignidade humana,
elevado, na Constituição de 1988, a fundamento do Estado Democrático de Direito,
como se vê do disposto no seu artigo 1º, III.
Desde seu artigo 2º, nosso Código Civil associa a personalidade (fato jurídico) ao
nascimento com vida (fato biológico), nada obstante deixe claro, também, logo a
partir do artigo 3º, que personalidade e capacidade são conceitos distintos.
Pois bem. Até aqui fizemos certo que a filiação é um estado e que a relação jurídica
decorrente dela seria regida pelo afeto, não pela biologia. Dissemos, entretanto, que
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A questão central, entretanto, não ficou clara, qual seja, se o reconhecimento das
raízes biológicas causaria o afastamento da filiação socioafetiva, quando não
exercidas pela mesma pessoa, ou se mesmo em tais casos seria possível o
reconhecimento paralelo das duas, inclusive para fins registrais o que indicaria, por
exemplo, a existência de dois pais e uma mãe no registro civil da pessoa natural.
A verdade, ao nosso sentir, não pode ser negada pela verdade, nem tampouco
existe uma verdade melhor que a verdade. A verdade socioafetiva não impede o
surgimento de uma verdade biológica, assim como temos visto que a verdade
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biológica, via de regra, faz nascer uma verdade afetiva, não sendo impossível que o
contrário ocorra.
A existência de laços socioafetivos entre pais e filhos, que pode ser comprovada
pela observação das mesmas características que definem um grupo como família,
acima indicadas, quais sejam, afetividade, estabilidade e ostensibilidade, é, da
mesma forma, uma verdade que não pode ser desprezada.
Num primeiro momento DIAS (2013) parece concordar com o doutrinador acima
citado, quando estabelece diferença entre investigação da origem genética e
investigação de paternidade, narrando:
Tal posicionamento pode parecer indicar que não seria possível a inscrição, no
Registro Civil das Pessoas Naturais, das duas “verdades” de forma simultânea, mas
não é disso que se trata.
reprodução, não sendo mais possível afirmar que alguém tenha apenas um pai ou
uma mãe.
A verdade biológica não se sobrepõe à verdade afetiva, nem é sobreposta por esta,
de forma que não há como se negar aos que buscam o reconhecimento de sua
origem genética, a par da filiação socioafetivo, o direito ao registro de tais verdades
em seu Registro Civil da Pessoa Natural.
CONCLUSÃO
O Código Civil, em seu art. 1.593, dispõe que “o parentesco é natural ou civil,
conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Já a Constituição Federal,
em seu artigo 227, § 6º, veda expressamente “quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”.
O simples fato de não existir expressa previsão legal para a dupla paternidade não
pode significar impossibilidade jurídica do pedido, já que, se não há expressa
outorga, não há, da mesma forma, expressa proibição. Ao contrário, há, como dito
acima, expressa vedação a qualquer tipo de discriminação nesta seara.
De se lembrar, ainda, que não são os fatos que se amoldam às leis, mas sim estas
são criadas para regular as consequências que advém dos fatos, objetivando manter
a ordem pública e a paz social.
O afeto hoje em dia foi alçado ao status de algo com valor jurídico. Consequência
direta de tal assertiva é o surgimento de diversas configurações de famílias. A
família convencional, em que um pai e uma mãe vivem sob o mesmo teto com seus
filhos, todos gerados daquela união, vem convivendo harmonicamente com outras
estruturas familiares, tão numerosas e diferentes, que é até mesmo impossível citar
todos os novos arranjos familiares sem esquecer algum.
Assim, é mister questionar: “Que paternidade deve falar mais alto? A biológica ou a
afetiva?”
Não há qualquer motivo para que uma exclua a outra e se demonstrando que o
interessado na alteração do registro se sente pertencente aos dois núcleos
familiares, ainda que uma das ligações seja meramente biológica, deve o Magistrado
ser capaz de reconhecer a situação e reconhecer-lhe a paternidade biológica em
sem excluir de seu registro de nascimento o nome do pai registral, salvo nos casos
em que o pedido é expresso nesse sentido.
Vê-se, pois, que o pedido de inclusão no Registro Civil das Pessoas Naturais de pai
biológico ou socioafetivo, sem exclusão do registral não só é juridicamente possível,
como seu atendimento medida que se impõe aos que clamam por ela demonstrando
as condições e requisitos acima aventados.
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