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Guerra da Finlândia

Inverno de sangue

Dezembro de 1939. Enquanto a Alemanha e os Aliados - França e Inglaterra - se pegavam ainda meio
friamente na Europa Ocidental, no Extremo Norte tinha início um espetáculo “lateral” impressionante. Por
105 dias o mundo assistiu, supresso e comovido, à Finlândia, com seus 3 milhões de habitantes, resistir à
Rússia invasora, com seus 110 milhões de habitantes e com todos os seus recursos de país de dimensões
continentais

Vitória para Golias


Depois que a Rússia, Estados Unidos e a Inglaterra se uniram na luta contra a Alemanha de Hitler, tornou-se
moda, nos Estados Unidos e Inglaterra, encarar o líder russo como uma figura burlesca. Ele era representado
como chefe benfazejo do estado-operário soviético, defendendo-se contra a traição e a agressão de seus ex-
aliados, os nazistas. Os críticos transformaram um Stalin de aparência sombria e grossos bigodes num
cavalheiro idoso e amável, enquanto que os elementos de publicidade preferiram tê-lo como uma espécie de
déspota bonachão, lealmente apoiado pela nação russa. Seria necessária a considerável experiência das
táticas da guerra-fria dos russos nos anos após a Segunda Guerra, para que a imagem de tempo de guerra do
ditador soviético fosse substituída, no Ocidente, por uma avaliação mais realista do seu caráter. Assim é o
poder da imprensa.

O povo finlandês, entretanto, jamais teve ilusões dessa natureza; para ele, Stalin não passava de uma
autêntica dublagem de Adolf Hitler, e de apresentação consideravelmente mais brutal que a de Mussolini,
embora este, em seus requintes de maldade, tentasse criar um novo Império Romano utilizando-se de aviões
e gás venenoso contra os membros das tribos etíopes que tinham como armas apenas fuzis. Os finlandeses,
em sua recusa na entrega de terras aos russos e não permitindo a construção de bases soviéticas em seu
território, tinham plena consciência dos riscos que corriam assumindo tal atitude, mas consideravam
qualquer tipo de concessão como uma perda de soberania zelosamente mantida desde a assinatura do Tratado
de Tartu, em 1920, pelo qual o Kremlin reconheceu oficialmente a independência da Finlândia.

Infelizmente, como parte do Pacto Nazi-Soviético de Não-Agressão de 1939, a Alemanha concordara que a
Finlândia devia ser incluída na esfera de influência soviética, juntamente com a Estônia, a Letônia e a
Lituânia, que, sendo limítrofes com a Rússia e agora destituídas de apoio que a inimizade entre alemães e
russos lhes dera anteriormente - não tiveram outro recurso senão concordarem com as exigências russas de
estabelecer bases militares em seus territórios. Mas os finlandeses, menos acessíveis a Moscou e
historicamente mais inclinada para a independência, ignoraram os pontos de vista de Paasikivi, seu
representante nas negociações fino-soviéticas, e do Marechal de campo Mannerheim, designado seu
Comandante-chefe, só fizeram concessões simbólicas, que Stalin decididamente não aceitara.

Uma grande potência, tendo suas injunções prementes frustradas por uma potência inferior, raramente
recorre logo à ação militar. Ela prefere procurar, ou forjar, um “incidente”, que possa proclamar ter sido
agredida, para então reagir com todo o seu poderio bélico. Foi esta a tática empregada por Stalin. Molotov,
inconformado com a obstinada atitude finlandesa em sua recusa às propostas russas, já preparara o palco
perguntando: “É sua intenção provocar um conflito?”. E a 26 de novembro alguns soldados russos foram
mortos por fogo de artilharia e o fato passou a ser conhecido como o incidente de Mainila; era inevitável que
os finlandeses fossem acusados. A 28 de novembro, o governo russo denunciou o Pacto Fino-soviético de
Não-agressão e, nos dias subsequentes, rompeu as relações diplomáticas com a Finlândia e montou um
ataque em larga escala contra aquela nação.

Não podia haver dúvidas quanto ao resultado desse tipo de guerra entre uma nação de 4 milhões de
habitantes e um colosso de 180 milhões, e o fim veio com o Tratado de Moscou, assinado a 13 de março de
1940. Mas durante 105 dias momentosos, desde o começo de novembro de 1939 até a assinatura do tratado,
uma força finlandesa deploravelmente pequena humilhou o poderoso Exército Vermelho antes de ceder
diante do simples peso dos números.
Foi nessa campanha que os russos, já acostumados com o rigoroso inverno que sempre lhes foi favorável em
outras épocas, se sentiram superados. Seus adversários, os finlandeses, aproveitando-se das vantagens
advindas do terreno que tão bem conheciam, movimentavam-se sobre esquis, envergando trajes brancos que
se confundiam com a neve, para hostilizar e exterminar os russos, que se limitavam ao movimento em
estradas. Colunas soviéticas eram divididas e exterminadas uma a uma. Em Suomussalmi, os finlandeses,
com uma força relativamente pequena, derrotaram duas divisões russas completas, conseguindo com isso
uma vitória clássica e de proporções heróicas.

Mas no fim, empenhando na campanha cerca de 1.200.000 homens, 1.500 tanques e 3.000 aviões, os russos
inevitavelmente forçaram a decisão que tanto desejavam. A luta assumira proporções inesperadas e se
constituiu realmente num combate entre um Davi e um Golias. Finalmente, Golias acabou vencendo, porque,
nesta batalha, Davi não tinha nenhum recurso bélico excepcional, para compensar sua relativa fraqueza - mas
o conflito veio provar o quanto pode ser feito ao se pôr em jogo coragem, determinação e bom planejamento.
Ele mostrou que uma força pequena, sabendo tirar partido plenamente de todas as vantagens naturais, pode
infligir a um adversário danos totalmente desproporcionais aos seus recursos militares.

“As cestas de pão de Molotov”


O resultado da destruição do estado polonês pelos alemães viu as potências do Eixo e Aliadas confrontando-
se, mas com ambos os lados militarmente inativos quando a “guerra falsa” se abateu sobre a Europa.
Enquanto o mundo via aproximar-se a movimentação na Frente Ocidental, no extremo norte desenvolviam-
se acontecimentos que proporcionariam uma diversão inesperada vinda do principal teatro de operações. Ali,
durante 105 dias (de 1° de dezembro de 1939 a 13 de março de 1940), um mundo atônito e simpatizante
testemunhou uma luta empolgante quando a Finlândia, nação de cerca de 4 milhões de habitantes, travou
uma guerra unilateral contra 180 milhões da União Soviética (URSS). Como e por que ocorreu a Guerra de
Inverno, é uma história tão fascinante quanto as próprias batalhas, pois ela reúne em si a natureza bizantina
da política do Kremlin, o oportunismo cínico de Hitler e a tentativa dos finlandeses de evitar o papel que lhe
haviam atribuído na divisão germano-soviética da Europa Oriental.

A cessão da Finlândia para a esfera soviética de interesse pelo Acordo Molotov-Ribbentrop de 23 de agosto
de 1939, era um papel sobre qual os finlandeses não foram consultados nem estavam dispostos a aceitar. O
povo e seus líderes não ignoravam que pretendiam usar a Finlândia como amortecedor para a URSS, pois
durante toda a sua história ela fora destacada para esse papel. Aliás, a questão estava sendo discutida entre
Helsinque e Moscou desde abril de 1938. A experiência histórica e aquelas primeiras discussões
prenunciaram todos os acontecimentos posteriores que culminaram com a Guerra de Inverno.

Em 1917, quando a Finlândia declarou sua independência da Rússia, a 6 de dezembro, os finlandeses


iniciaram uma luta interna, para decidir qual seria o regime do novo estado - marxista ou capitalista. Depois
de uma guerra civil feroz e brutal, em que os alemães e bolchevistas participaram, os “Brancos”, sob a
liderança de C.G. Mannerheim, saíram vitoriosos. Com o Tratado de Tartu (Dorpat), em 1920, o Kremlin
reconhecera definitivamente a independência e a soberania da Finlândia. O tratado também demarcava as
fronteiras entre os dois estados: a Finlândia concordava que a Carélia Oriental e as duas províncias
fronteiriças de Repola e Porajarvi deveriam pertencer à Rússia, para assegurar a defesa militar de
Leningrado; por sua vez, os russos concordavam que a Carélia Ocidental e o porto de Petsamo, situado no
Ártico e que os gelos não fechavam, pertenceriam à Finlândia; por último, certas ilhas pertencentes à
Finlândia e situadas no Golfo da Finlândia foram consideradas neutras. Mais tarde, em 1932 e novamente e,
1934, Helsinque e Moscou fizeram acordos de não-agressão, ratificando o Tratado de Tartu e criando uma
Comissão de Conciliação “para a solução amigável... de litígios de qualquer natureza”. O prazo desses
acordos expiraria em 1945.

Confiando nestes tratados e na política de neutralidade que enunciara, de acordo com os outros estados
escandinavos, a Finlândia acreditava estar a salvo das maquinações das grandes potências. Infelizmente,
havia um fator negativo em suas esperanças - a posição geográfica de seu país. À medida que as tensões
internacionais aumentavam durante o fim dos anos 30, a URSS abandonava rapidamente o isolamento em
que a Revolução e os acontecimentos posteriores a deixaram e voltava a tomar parte ativa nos assuntos
internacionais. Crises e mais crises se sucediam, e apesar disso o poderio da URSS também aumentava no
âmbito internacional.

De início, o Kremlin começou a exercer interação com os pequenos estados das suas fronteiras ocidentais e a
pressioná-los; a Finlândia foi um dos primeiros a sentir os efeitos do renovado vigor da política externa
russa. Em abril de 1938, o Segundo-Secretário de Legação Soviética em Helsinque, Boris Yartsev, telefonou
ao Ministro das Relações Exteriores, Rudolf Holsti, solicitando uma entrevista. Desconfiando de que o
assunto em questão deveria ser de certa importância, sendo já notório que Yartsev era membro da Policia
Secreta Soviética, Holsti ignorou o protocolo diplomático e logo concordou em recebê-lo. Na reunião, a 15
de abril, Moscou informou ao governo finlandês que temia não só que a Finlândia fosse vítima da agressão
nazista como também que usassem seu território como a âncora setentrional de uma invasão alemã da URSS.
Se tal coisa acontecesse, Holsti foi advertido para que os finlandeses resistissem ativamente a tal agressão,
pois do contrário os russos avançariam para travar combates aos alemães no próprio território finlandês.
Entretanto, caso os finlandeses resistissem aos alemães, a Rússia estaria preparada para prestar o máximo de
assistência econômica e militar e retirar o Exército Vermelho, assim que a guerra terminasse. Yartsev
também impôs segredo à reunião, chegando a ocultar as conversações até ao Ministro soviético em
Helsinque.

Assim, teve inicio uma série de discussões que durou quase um ano, trazendo as público as apreensões e
intenções soviéticas. Desde o inicio, Yartsev falou em termos vagos sobre a Finlândia garantir não estar ao
lado da Alemanha numa guerra contra a URSS, mas se recusou repetidamente a definir suas verdadeiras
intenções. Mesmo depois de ter iniciado conversações com o Primeiro Ministro A.K. Cajander e com o
Ministro das Finanças Vaino Tanner, ele não foi mais explícito do que fora com Holsti. Contudo, realmente
empenhou-se em tornar a proposta russa mais aceitável e até ofereceu um tratado comercial vantajoso para a
Finlândia, em troca de um acordo político dirigido contra a Alemanha.

Como não havia meios de descobrir os termos exatos da proposta soviética, as discussões se arrastaram
monotonamente durante o verão e outono de 1938. A minuta de um tratado finlandês declarava que o país
continuaria fiel à política de neutralidade e que não permitiria violação de seu território nem seu uso por
qualquer grande potência que pretendesse atacar a URSS, desde que lhe fosse dado fortificar as ilhas Aland
como salvaguarda da sua neutralidade, mas o Kremlin preferiu ignorar os termos dessa minuta. Uma
contraproposta soviética a 18 de agosto sugeria que a Finlândia simplesmente fizesse um acordo por escrito
de que ela resistiria a qualquer agressão alemã e recorreria ao auxílio da Rússia, em caso de necessidade.
Assim, a “ajuda” russa não acarretava obrigatoriamente o estacionamento de forças vermelhas na Finlândia.
Em vez disso, este país adquiriria armas à Rússia e concordaria com a construção de uma base aérea
soviética em Suursaari (Hogland) no Golfo da Finlândia. Em troca, a Rússia estava preparada para permitir
que a Finlândia fortificasse as ilhas Aland com ajuda, supervisão e controle parcial soviéticos e a assinar um
tratado, garantindo a integridade e a soberania territoriais finlandesas e, com estes, além disso, a Rússia faria
um acordo comercial que lhes fosse favorável.

Numa sessão plenária do governo finlandês, decidiu-se rejeitar a proposta soviética, alegando, como disse
Cajander, que “a proposta tende a violar a soberania da Finlândia e está em conflito com a política de
neutralidade que a nação adota em comum com as nações da Escandinávia”. Apesar do fato de que esta não
era praticamente a resposta desejada, a URSS na época preferiu não insistir no assunto. Vários meses se
passaram sem que nenhum dos lados tentasse novas propostas. Usando como pretexto a inauguração do novo
prédio da Legação Finlandesa em Moscou, em dezembro, como meio de favorecer as negociações entre os
dois países e ocasionar algum tipo de acordo, nem assim a situação modificou-se, pois ambos os lados
recusaram-se a fazer concessões além das que já haviam sido feitas.

Nos primeiros meses de 1939, as relações fino-russas nada haviam melhorado; ao contrário, estavam até um
tanto abaladas. O Kremlin recusou-se a fazer acordos comerciais, enquanto as questões politicas e militares
não se definissem, e os finlandeses negavam-se a violar sua neutralidade e soberania. Em março, Moscou
propôs que algumas ilhas no Golfo da Finlândia, tornadas neutras por insistência da Rússia em 1920, fossem
arrendadas à URSS como postos de observação. Diante da recusa dos finlandeses, sugeriu-se que as ilhas
fossem cedidas à URSS em troca de umas terras na Carélia Oriental ao norte do Lago Ladoga. O governo
finlandês recusou mais essa proposta soviética, por várias e boas razões: primeiro, constitucionalmente o
território finlandês só poderia ser cedido por uma votação majoritária de 5/6 na Dieta, mas a representação
do caso para debate naquele organismo anularia o sigilo que envolvia as discussões por insistência soviética;
segundo, qualquer governo que fizesse tais tipos de concessões cometeria suicídio político; terceiro, se a
Finlândia cedesse às imposições soviéticas, nada impediria que a Alemanha fizesse idênticas exigências.
Como resultado da atitude assumida pela Finlândia, as discussões foram interrompidas mais uma vez e até
mesmo as negociações comerciais foram canceladas.

Em fins de abril, a Alemanha entrou na arena oferecendo um Pacto de Não-Agressão aos finlandeses e aos
outros estados escandinavos. A Finlândia, bem como a Suécia e a Noruega, recusaram a oferta como uma
violação da neutralidade e da orientação escandinava. Contudo, para o Marechal Mannerheim, esta rejeição
finlandesa de ofertas das duas grandes potenciais em nome da neutralidade não era uma boa política, pois,
segundo ele, servia apenas para piorar as relações com as duas, e de maneira alguma garantia a segurança da
Finlândia.

De qualquer modo, o governo finlandês continuou insistindo em sua precária política de neutralidade numa
atmosfera internacional cada vez mais grave. Primeiro houve o Anschluss austríaco e depois a reunião de
Munique para desmembrar a Checoslováquia, em 1938, uma reunião para a qual a Rússia, aliada dos
tchecos, não foi convidada. Contudo, com a subsequente ocupação alemã daquele estado e do Distrito de
Memel, a Rússia de repente surgiu como o elemento-chave para a manutenção do equilíbrio internacional. Já
não confiando na Finlândia, a URSS principiou a capitalizar sobre a sua nova posição para assegurar um
acordo com a Inglaterra e com a França ou com a Alemanha, que reconhecesse os estados dos Báltico e a
Finlândia como estando dentro da esfera soviética de influência.

Em março, os ingleses e franceses encetaram negociações com o governo soviético no intuito de conter o
avanço dos alemães, e os líderes do Kremlin concentraram-se nessas negociações como sendo a grande
oportunidade que tanto esperavam para que os países ocidentais reconhecessem o seu direito de garantir
ajuda dos estados do Báltico e a Finlândia, se houvesse um ataque contra aquelas nações. Seria incluída
nesse acordo a cláusula de ajuda em caso de “agressão indireta”, isto é, de adoção de uma atitude pró-alemã
por parte de qualquer governo que usufruísse daquelas garantias.

Quando os rumores sobre esta cláusula vieram a público, a Finlândia sentiu um calafrio de apreensão e
resolveu agir. Apoiado pela Suécia, o governo finlandês protestou veementemente em Londres e Paris
logrando conseguir dos aliados a declaração de que qualquer proposta que viesse a incluir a Finlândia era
inaceitável. Por este e vários outros motivos as discussões anglo-franco-russas, embora prosseguissem verão
adentro, estavam fadadas ao fracasso.

Entrementes, em abril, os russos deram inicio com a Alemanha a negociações comerciais que logo passaram
para a esfera política. Absolutamente isento de qualquer sensibilidade moral ou jurídica, o governo do Reich
não tinha escrúpulo algum em designar quaisquer dos seu vizinhos para a esfera soviética de influência,
inclusive a Finlândia. No tocante a Berlim, não havia nenhum conflito de interesses nazi-soviéticos na região
do Báltico. Assim, a 23 de agosto, Joachim von Ribbentrop voou para Moscou para consolidar o pacto de
não-agressão com Molotov. No decorrer das cerimônias, proclamou-se uma nova era das relações nazi-
soviéticas, e apesar das vigorosas negativas por parte da Alemanha e da Rússia, a Finlândia fora incluída na
esfera soviética de influência. Ela em breve viria a cobrir o verdadeiro significado dessa demarcação.

A maneira como Hitler usou o Pacto Ribbebtrop-Molotov para defender sua invasão da Polônia a 1° de
setembro e como a URSS, depois de alardear, em princípio, sua neutralidade, lançou-se, todavia, contra os
prostrados poloneses no dia 17 daquele mês, alegando que a guerra revelara a “bancarrota do estado
polonês”, são fatos do conhecimento de todo o mundo. Esta quarta divisão da Polônia abriu caminho para o
completo domínio soviético dos estados bálticos e da Finlândia. Primeiro a Estônia, a 28 de setembro; depois
a Letônia, a 5 de outubro, e a Lituânia no dia 11, alinharam-se e cederam às exigências soviéticas para
estabelecer bases militares em seu território. Nesse meio tempo, veio a vez da Finlândia, no dia 5, quando
Molotov pediu ao Ministro das Relações Exteriores finlandês, Elias Erkko, que fosse a Moscou para discutir
“certas questões relevantes de natureza política”. Como até o dia 8 o governo finlandês ainda não tinha dado
resposta alguma, Derevyanski visitou Erkko a fim de lhe incutir a necessidade de se apressar, observando
que a Finlândia não estava tratando da questão como os outros estados Bálticos haviam feito. Erkko
retorquiu: “Desconheço a maneira como os estados Bálticos foram convidados a ir a Moscou; a Finlândia
tem tratado da questão como um assunto normal e da maneira igualmente normal”. É obvio que a Finlândia
não estava inclinada a capitular ante a pressão soviética.

Decidiu-se que J.K. Paasikivi, enviado finlandês em Estocolmo, deveria dirigir a delegação finlandesa a
Moscou, pois, segundo a opinião geral, o lugar de Erkko era junto ao governo. Supondo que as “questões
relevantes” do Kremlin girariam em torno das discussões anteriores e do tipo de exigência recentemente
aceito pelos estados do Báltico, o governo finlandês instruiu Paasikivi a salientar que a política de
neutralidade da Finlândia, seu pequeno tamanho, o Tratado de Tartu e o Pacto de Não-Agressão com a URSS
militavam contra a possibilidade de ela se tornar uma ameaça para a URSS. Quaisquer concessões territoriais
deveriam ser rejeitadas, assim como o estabelecimento de bases militares soviéticas em território finlandês
ou nas ilhas de Aland e quaisquer outros ajustes territoriais no istmo da Carélia. Somente sob extrema
pressão é que Paasikivi concederia algumas ilhas pequenas no Golfo da Finlândia, mas não Suursaari.
Quaisquer que fossem as concessões, elas deveriam ser recíprocas e a compensação teria de parecer razoável
perante o mundo. Finalmente, não se permitiriam os debates para um tratado de assistência mútua.

Assim catequizada, a delegação finlandesa partiu para Moscou a 9 de outubro e deu inicio às negociações no
dia 12. A Finlândia viu seus temores tonarem-se realidade logo na primeira sessão. Stalin exigiu tudo que
Oaasikivi fora proibido de discutir: um tratado de assistência mútua; arrendamento de uma base naval para
estacionar 5.000 soldados no cabo Hango, na foz do Golgo da Finlândia; a parte ocidental da Península dos
Pescadores no oceano Ártico; a remoção da fronteira fino-soviética no istmo da Carélia a uma distancia cerca
de 12 km para oeste (perigosamente próximo de Viipuri, a segunda maior cidade daquele país), e algumas
ilhas do Golfo da Finlândia, incluindo Suursaari. Ao todo, Stalin queria nada menos que 2.761 km² de
território desenvolvido, em troca de 5.529 km² de terras brutas ao norte do lago Ladoga. Ele também sugeria
a demolição de fortificações de ambos os lados da fronteira, porque elas eram “prejudiciais às relações
pacíficas”.

Despreparado para enfrentar a enormidade das exigências soviéticas, Paasikivi retornou à Helsinque para
receber novas instruções. Ali, concluiu-se que em nenhuma circunstância Hango deveria ser arrendada à
URSS. Entretanto, cinco pequenas ilhas poderiam ser cedidas para compensação, um pequeno ajuste para
oeste da fronteira na Carélia poderia ser aceito e o Pacto de Não-Agressão de 1932 deveria ser
reconsiderado, para declarar que nenhuma das duas partes ajudaria qualquer outro estado que viesse a atacar
uma das potências signatárias. Se necessário, Paasikivi também estava autorizado a ceder a parte sul de
Suursaari e, se a pressão fosse muito forte, toda a ilha, para impedir que Hango ficasse em perigo. Com
relação à Península dos Pescadores, não se cederia em nada.

Relutante em realizar as negociações sem a presença de um membro do governo, Paasikivi acabou


retornando a Moscou mas acompanhado de Tanner. Quando as novas propostas foram apresentadas a Stalin
no dia 23, este as considerou inadequadas, insistiu que as exigências soviéticas eram mínimas e não
poderiam ser reduzidas por negociação. Depois de duas horas de discussões que a nada chegaram, a sessão
terminou com um diálogo ríspido entre Molotov e Paasikivi. Molotov perguntou: “É sua intenção provocar
um conflito?”. Paasikivi retrucou: “Não queremos nada disso, mas vocês parecem querer”.

Assim terminaram as negociações e Paasikivi e Tanner prepararam-se para retornar a Helsinque, mas
algumas horas depois o secretário de Molotov apareceu na Legação Finlandesa, convocando-os para outra
conferência. Quando eles chegaram ao Kremlin, Stalin começou as discussões como se não tivesse havido
nenhuma interrupção anteriormente. Ofereceu-se para reduzir o numero de soldados em Hango para 4.000;
diminuiu as exigências em relação aos territórios no istmo da Carélia, e aceitar a proposta finlandesa de
extensão do Pacto de Não-Agressão. Embora esta última cláusula fosse aceitável, as duas outras
ultrapassavam o que os finlandeses estavam dispostos a conceder; mesmo 4.000 soldados em Hango
tornavam o densamente populado coração industrial sujeito a ataque interno, e a mudança da fronteira ainda
o colocaria perigosamente próximo de Viipuri. Incapazes de comprometer seu governo com essas propostas,
Paasikivi e Tanner retornaram a Helsinque para consultas. Ao mesmo tempo, Tanner informou-se perante o
governo sueco, se a Finlândia poderia contar com seu apoio em caso de guerra. No dia 27, o Primeiro-
Ministro sueco Hansson respondeu que seu país continuaria fornecendo armas, munição, equipamento,
alimentos e apoio diplomático à Finlândia, e nada mais poderia fazer, a fim de evitar represálias alemães.

Assim, não podendo contar senão com eles próprios, os finlandeses partiram para a fase final das
negociações, travando então acalorada discussão no gabinete e com os líderes dos partidos na Dieta, daí se
firmando inteira e conscientemente conter as propostas de Stalin. Não se arrendaria base alguma em Hango,
mas a fronteira poderia ser mudada um tanto para oeste no istmo (porém muito menos do que Stalin exigia);
far-se-ia uma concessão quanto à parte ocidental da Península dos Pescadores, e as pequenas ilhas no Golfo
da Finlândia entraram mais uma vez na oferta. A sugestão de Stalin para que as fortificações em ambos os
lados da fronteira na Carélia fossem demolidas também não foi aceita, alegando-se que estas eram
necessárias apenas para defesa e preservação da neutralidade finlandesa.
A caminho de Moscou, Paasikivi e Tanner vieram a saber que Molotov revelara todos os detalhes das
negociações em seu discurso perante o Soviete Supremo a 31 de outubro. Ainda em dúvida sobre as
conseqüências dessa publicidade, os finlandeses, não obstante, decidiram prosseguir viagem para Moscou,
esperançosos de que as negociações ainda pudessem chegar a um bom termo. Esse otimismo um tanto
restrito resultou em decepção, pois as propostas finlandesas nem bem tinham sido apresentadas foram logo
declaradas inadequadas, e Stalin declarou estar decidido a não fazer quaisquer outras concessões. Antes de
deixar o Kremlin, Molotov comentou: “Nós, civis, nada mais podemos fazer a respeito; a questão fica
entregue nas mãos dos militares”. Diante desta nota agourenta, aos finlandeses não restou outra alternativa
senão retornar à pátria.

Durante todo o mês de novembro as coisas ficaram mais ou menos calmas, apesar de fluxo constante de
invectivas na imprensa soviética contra a Finlândia e das repetidas violações do espaço aéreo finlandês por
aviões soviéticos. Não obstante, o governo finlandês ainda alimentava uma certa esperança, no sentido de
que a fase pior já passara e os negócios com a Rússia melhorariam, e as esperanças se fortaleceram ainda
mais, diante de um relatório, no dia 23, dizendo que, segundo a opinião do embaixador americano em
Moscou, a Rússia provavelmente, não pretendia atacar a Finlândia.

Três dias depois o incidente de Mainila veio destruir fragorosamente as ilusões dos finlandeses. Estes, nos
dizeres de uma nota emitida por Molotov, foram responsabilizados pelo fogo de artilharia contra a aldeia de
Mainila, no istmo da Carélia, que causou a morte de quatro homens e feriu nove outros. A nota observava,
ainda, que uma advertência havia sido feita quanto ao perigo de concentrar tropas nas fronteiras e este
incidente nada mais era, que a conseqüência provocada pela recusa finlandesa em retirá-las. Molotov propôs
que as tropas finlandesas fossem afastadas a uma distância de 25 km da fronteira, para “impedir toda
possibilidade de repetição de atos provocadores”.

A partir daí, as relações entre os dois estados se deterioraram rapidamente. Helsinque refutou as acusações
que lhe fizeram e sugeriu que somente soldados soviéticos poderiam ter disparado contra a aldeia, embora
acidentalmente, pois três guardas-fronteiras finlandeses haviam comunicado ter ocorrido disparos de
artilharia ao sul de Mainila naquele dia. Aliás, os finlandeses dificilmente poderiam ter tomado aquela
atitude, pois Mannerheim ordenara a remoção de toda artilharia que estivesse ao alcance da fronteira, em
meados de outubro, para evitar exatamente essa possibilidade. Contudo, os finlandeses declararam-se
bastante dispostos em negociar uma retirada mútua de tropas da fronteira e também sugeriram uma
investigação conjunta para esclarecer o incidente.

No dia 28, Molotov recusou as propostas finlandesas, preferindo acusar seu governo de nutrir “profunda
hostilidade” para com a URSS. Além disso, se concordassem com a retirada de tropas soviéticas para a
distancia sugerida elas ficariam estacionadas nos subúrbios de Leningrado, “e isto seria absurdo”. A negativa
finlandesa em recuar unilateralmente foi encarada como uma decisão ostensiva de manter Leningrado sob
ameaça direta por parte das suas tropas. Assim raciocinando, o governo soviético concluiu que a Finlândia
não estava mais obedecendo ao Pacto de Não-Agressão. Desse modo, Molotov anunciou, por parte da URSS,
a renúncia unilateral do pacto.

Sem se preocupar absolutamente pela vinda da resposta finlandesa a essa nota, o Kremlin rompeu relações
diplomáticas com a Finlândia, a 29 de novembro. Ainda fazendo o máximo dos seus esforços para evitar a
guerra, os finlandeses responderam de maneira conciliatória à nota do dia anterior e tornaram a sugerir uma
investigação conjunta visando a uma solução pacífica do litígio, além de concordarem, também, na retirada
de todas as unidades, exceto as de guardas-fronteiras e funcionários aduaneiros, para uma distancia de
Leningrado o suficiente para não se constituir ameaça à aquela cidade. Entretanto, durante o dia, uma força
vermelha cruzou a fronteira em Petsamo e aprisionou vários guardas-fronteiras finlandeses, mas a resposta
cabal e verdadeira dos soviéticos veio no dia 30, representada por um ataque geral por terra, mar e ar contra
Finlândia.

Naquela manhã, bombardeiros russos estacionados na Estônia mergulharam sobre Helsinque e outras cidades
e lançaram suas cargas de bombas. Segundo a rádio soviética, os informes finlandeses que narravam esse
ataques eram falsos, pois a força aérea russa apenas lançara “pães para as massas famintas” de Helsinque.
Daí por diante, os finlandeses chamavam as bombas soviéticas de “cestos de pão de Molotov”. Pondo de
lado o senso de humor, a Finlândia estava lutando pela sobrevivência.
Os fatos desalentadores
Que a Finlândia conseguisse resistir ao ataque soviético, por menor que fosse o seu tempo de duração, não
havia quem acreditasse nesse esforço, nem mesmo os próprios finlandeses. Seu único objetivo era manter o
invasor em xeque, alimentando a esperança de que viesse ajuda externa antes que ocorresse a catástrofe ou,
salvo esta última, investir com tamanha ferocidade que pudesse forçar o agressor a concordar com o que quer
que fosse, a bem de uma solução pacífica.

Desde a independência, os líderes militares finlandeses concordavam entre si que o único agressor potencial
era Rússia. Assim, os finlandeses estavam psicologicamente e defensivamente preparados para enfrentar a
ameaça do Leste. A força propulsora por trás desses preparativos durante todo o período entre as duas
guerras mundiais concentrava-se no Marechal Mannerheim. Embora estivesse na reforma durante os anos 10,
ele mantivera um grande interesse no sistema de preparação de defesa do seu país, enviando jovens e
promissores oficiais para estudar em escolas militares alemães e francesas, ao mesmo tempo que insistia
constantemente no seu ponto de vista que medidas defensivas deveriam ser tomadas na fronteira oriental.
Quando assumiu a presidência do Conselho Nacional de Defesa, em 1931, ele se incumbiu de realizar seus
objetivos com a energia e perfeição que lhe eram características.

Desde 1922 o serviço militar tornou-se obrigatório, com prescrições de sete anos de serviço de reserva ativo
(Corpo de Defesa) e 24 anos de status de reserva inativo após um ano de serviço. O Corpo de Defesa fora
organizado dentro do sistema de quadro pelo qual ele podia ser convocado e integrado nas unidades
regulares para duplicar o seu tamanho. Mannerheim reconhecia os perigos que acarretaria a ineficiência e a
lentidão desse sistema de mobilização, pois nada menos que duas semanas, no mínimo, seriam necessários
para que as reservas chegassem à fronteira, mais tempo seria consumido na assimilação das novas forças
pelas unidades regulares e o procedimento concentraria homens, materiais, armas e suprimentos nuns poucos
locais, tornando-os suscetíveis a ataques aéreos. Assim, o Corpo de Defesa foi reorganizado numa base
territorial, de modo que unidades completas poderiam ser despachadas para a frente depois da designação de
oficiais regulares para as organizações territoriais. Desde modo, o exército de campanha seria rapidamente
reforçado antes que o invasor pudesse fazer quaisquer penetrações profundas, através das defesas da
fronteira, os recursos da nação poderiam ser plenamente organizados e se permitiria a mobilização parcial ou
total, segundo as exigências do momento.

Durante toda a década de 1930, Mannerheim insistiu incessantemente perante o orçamento da defesa. Devido
à crise financeira mundial no começo dos anos 30, os argumentos, em sua maioria, foram ignorados. Não
obstante, providências para fortalecer o istmo da Carélia - a porta para qualquer invasão - para adquirir
suprimento e armas e para treinar as forças armadas, foram tomadas com energia e com a utilização
inteligente dos recursos disponíveis. Durante 1931 e 1932, colocaram-se 100.000 desempregados no istmo,
construindo ninho de metralhadoras em concreto e trincheiras e armadilhas antitanques de pedra e concreto.
Durante o verão e o outono de 1939, outras fortificações defensivas do mesmo tipo foram construídas ali por
uma força de trabalho voluntária de estudantes e outros cidadãos interessados.

O empecilho mais sério aos esforços de Mannerheim talvez estivesse nas dotações destinadas a despesas de
capital para reposição do material. O orçamento foi reduzido em 10% para 1932 e novamente para 1933.
Como resultado, a expansão da fábrica de cartuchos foi adiada indefinidamente e o dinheiro extra solicitado
para pôr em execução o sistema territorial foi tirado da verba designada para as reposições de material. Por
volta do fim dos anos 30, as coisas haviam melhorado um pouco e a Dieta começou a cuidar das
necessidades dos militares à medida que o panorama internacional se tornava mais sombrio. Contudo, na
opinião de Mannerheim, muita pouca coisa fora feita em tempo suficiente para evitar um desastre em caso de
guerra. E, num sentido, ele estava certo, pois se a verba necessária para as defesas do país tivesse aparecido,
a Finlândia teria estado muito melhor preparada para enfrentar a ameaça soviética em 1939 do que na
realidade estava.

Assim, a guerra surpreendeu os finlandeses com a fábrica de cartuchos ainda incompleta; a defesa do istmo
da Carélia, inadequada e em grande parte obsoleta, apesar dos esforços feitos em 1939; uma força aérea
formada principalmente por aviões antiquados e com um exército regular de apenas 33.000 oficiais e
soldados. Ao se dar a mobilização, graças ao sistema territorial essa força poderia ser aumentada para 9
divisões, ou 127.800 homens, incluindo tropas de apoio. Além disso, havia cerca de 100.000 reservistas do
exército que poderiam ser convocados e outros 100.000 homens na Guarda Cívica que se exercitavam e
faziam manobras a intervalos regulares com o exército regular e nele poderiam ser integrados. Ao todo, a
Finlândia poderia contar com cerca de 400.000 homens no exército, Guarda Cívica, marinha e guarda
costeira. Finalmente, havia os 100.000 elementos da Lovta Svard, o corpo auxiliar feminino da Guarda
Cívica, formada de cozinheiras, trabalhadoras de lavanderia e enfermeiras treinadas que, desse modo,
libertavam quase todo o potencial humano masculino para serviço na frente de batalha.

Mas o país ainda estava inadequadamente preparado para a provação que o aguardava, como o indica uma
comparação entre as forças finlandesas e soviéticas. Em 1939, conheciam-se os seguintes fatos: uma divisão
finlandesa consistia de 14.200 homens, em comparação com os 17.500 para os russos; uma divisão soviética
contava com dois regimentos de artilharia, cujo poder de fogo era três vezes maior que um finlandês, por
divisão; os russos possuíam uma seção antitanque, um batalhão blindado com 40 a 50 tanques, e uma
companhia antiaérea com cada divisão, ao passo que uma divisão finlandesa faltavam esses complementos;
por último, em armas automáticas e lançadores de granadas, uma divisão russa era duas vezes mais forte do
que seu equivalente finlandês e havia ainda várias unidades blindadas e de reserva sob o comando imediato
do Comandante-chefe soviético; as forças soviéticas podiam contar com um suprimento virtualmente
ilimitado de munições, dominavam os ares com aproximadamente 800 aviões no começo das hostilidades,
em comparação com os 96 da Finlândia, e tinham uma superioridade material e industrial absoluta.

A Finlândia era ainda mais prejudicada pela deficiência do seu material bélico. Segundo Mannerheim, em
condições de guerra, os finlandeses tinham o seguinte: suprimento de 2 meses de cartuchos para fuzis, armas
automáticas, metralhadoras, combustível e lubrificantes; suprimento de 24 dias para granadas de obuseiros
de 122 mm; suprimento de 22 dias de granadas de 81 mm; granadas de 77 mm para canhões de campanha
para durar 21 dias e um suprimento de 19 dias de granadas de artilharia pesada. Essas deficiências seriam
parcialmente superadas por meio de compras e embarques da Suécia e outros estados, mas em momento
algum a Finlândia esteve perto de um nível de igualdade com seu inimigo. A essa estimativa devemos
acrescentar o fato de que, às vésperas do ataque, os finlandeses só tinham 100 armas antitanques, sendo que a
metade foi fornecida pela Suécia e o restante viera da industria nacional, e tinha apenas umas poucas baterias
de canhões antiaéreos e de artilharia pesada.

Tampouco essas disparidades entre as forças adversárias podiam ser compensadas pelas fortificações da
fronteira finlandesa que eram por demais rudimentares, em sua maioria construída às pressas e quase todas
obsoletas! A invulnerabilidade da chamada “Linha Mannerheim” (133 km de fortificações no Istmo da
Carélia) que, com tanto interesse, a propaganda soviética alardeava a fim de justificar a incompetência e os
fracassos da poderosa tentativa russa de invadir a Finlândia não passava de uma lenda. Jamais pôde ser
comparada às “Linhas Maginot” e “Siegfried” em profundidade ou em fortificações. Na realidade, dos seus
66 ninhos de metralhadoras, 44 datavam dos anos 20 e sua construção e localização deixavam muito a
desejar. Os outros 22 eram de construção mais recente, incapazes todavia de resistir a fogo pesado, e a guerra
deu provas disso. Entretanto, havia armadilhas para tanques e obstáculos de arame farpado, que se tornavam
impotentes contra os ataques pesados dos tanques. Como o próprio Mannerheim disse, “A Linha
Mannerheim era o soldado finlandês atento na neve”.

Como careciam de materiais, armas e suprimentos adequados para a mobilização em massa, os finlandeses
sentiram-se impossibilitados de pôr em campo suas 15 divisões, para isso convocando as reservas. No
começo do outono, 8 divisões completas foram mobilizadas e, pelo final de outubro, havia 9, como resultado
da combinação das tropas de cobertura no Istmo da Carélia numa única divisão. No começo das hostilidades,
essas 9 divisões movimentaram-se da seguinte maneira: o Exército do Istmo da Carélia (6 divisões) foi
dividido nos II e III Corpos de Exército; a reserva do Comandante-chefe ( a 6ª Divisão) ficou na vizinhança a
oeste de Viipuri, entregue aos preparativos de fortificação e alerta para um desembarque hostil entre Viipuri e
Kotka, o IV Corpo de Exércitos, de duas divisões, defendia uma frente de 90 km ao norte do lago Ladoga até
Suojarvi. Uma divisão-geral de reserva adicional (a 9ª) estava reunindo-se em Oulu, enquanto que somente
companhias e batalhões independentes, em sua maioria unidades da Guarda Cívica, defendiam os 1.000 km
restantes de frente desde Suojarvi até o oceano Ártico. Mais tarde, essas unidades tornaram-se o núcleo dos
grupos atuantes, organizados durante a guerra.

As 9 divisões da Finlândia tiveram pela frente uma força de ataque soviético inicial de 5 exércitos,
compreendendo 30 divisões e 6 brigadas de tanques. A principal força russa, o 7° Exército (mais tarde
dividido nos 7° e 13° Exércitos), consistia de 13 divisões que foram lançadas contra o Istmo da Carélia.
Todavia, apenas 7 divisões participaram das primeiras investidas; em apoio a este exército havia 5 brigadas
de tanques e vários regimentos de artilharia pesada. O objetivo da sua ala esquerda era ocupar Viipuri e
avançar dali para o coração da Finlândia, enquanto que a ala direita visava à ferrovia Sortavla-Leningrado.
Segundo Mannerheim, o número de soldados reunidos no Istmo surpreendeu os finlandeses: a posteriori
julgava-se que o inimigo não teria possibilidade de empregar eficazmente mais de três divisões, devido à
espécie de terreno e à falta de vias de comunicação na área, duas coisas que transformariam a logística num
pesadelo. Contudo, a violência da invasão russa testemunhou ter sido o ataque há muito tempo planejado e
muito principalmente quando se soube da construção pelos russos de estradas até a fronteira e de terem ali
acumulado grandes quantidades de suprimentos e munições.

Ao norte do lago Ladoga, o 8° Exército Soviético, de 9 divisões, uma brigada de tanques e artilharia pesada
avançaria para o sul, circundando o lago, e tomaria as forças finlandesas no Istmo pela retaguarda,
penetrando também em direção à ferrovia. Mais ao norte, o 9° Exército, formado de 5 divisões, era
responsável pela tarefa de cortar a Finlândia na cintura por meio de um ataque desde a área de Kandalarksh-
Uhtua-Repola até a extremidade norte do Golfo de Bótnia, e também a tarefa de cortar as conexões com a
Suécia. No Ártico, o 14° Exército (3 divisões) tinha como objetivo o porto de Petsamo e um avanço dali para
o sul pela rodovia do Ártico. Os dois últimos exércitos não tinham nenhuma brigada de tanques
independente, mas eram apoiados por 40 ou 50 tanques de cada divisão.

Assim, diante dos fatos desalentadores provindos da esmagadora superioridade do seu adversário, os
finlandeses entraram na batalha com poucas esperanças de conseguir defender a linha até a chegada de
reforços. Pouca ou nenhuma ajuda material era esperada do resto do mundo, o que não é de surpreender,
muito embora uma enxurrada de retórica e simpatia enchesse os salões da Liga das Nações, a imprensa
mundial e a maioria dos boletins noticiosos dos Ministérios das Relações Exteriores. Por sua vez, Suécia e
Estados Unidos ofereceram-se para mediar um acordo de paz, mas o governo soviético rejeitou a proposta.

Nesse meio tempo, o governo finlandês reorganizou-se, sendo nomeados Risto Ryti como Primeiro Ministro
e Vaino Tanner como Ministro das Relações Exteriores. Esperava-se que com essa reorganização o Kremlin
reiniciasse negociações e concordasse em solucionar pacificamente o conflito, já que o governo anterior
estava desacreditado, como obstrucionista aos olhos de Stalin. Essas esperanças, no entanto, logo se
dissiparam. A 3 de dezembro o novo governo apelou para a Liga das Nações, mas os russos recusaram-se a
comparecer às sessões que debatiam sobre a guerra. Molotov justificava essa ausência, dizendo que “a URSS
não está em guerra com a Finlândia e nem sequer a está ameaçando”. Afirmou que a URSS “Mantém
relações pacíficas com a República Democrática da Finlândia, cujo governo assinou com a URSS, a 2 de
dezembro, (um) Pacto de Amizade e assistência Mútua. Por esse pacto resolveram-se todas as questões que o
governo soviético pusera em discussão infrutiferamente com os delegados (do) ex-governo finlandês, agora
destituído do seu poder”. A “República Democrática da Finlândia” a que ele se referia tratava-se de um
governo títere do Kremlin dirigido pelo exilado comunista finlandês Otto Kuunisem e que se encontrava na
aldeia fronteiriça de Terijoki, que caria nas mãos dos russos logo no primeiro dia de ataque.

Não se deixando enganar pela astúcia de Molotov, a Liga condenou a atitude soviética e expulsou seu país da
organização e estados-membros e não-membros foram solicitados a prestar toda a ajuda, humana, material,
possível à Finlândia. Esta foi a derradeira iniciativa prática da Liga e talvez um canto de cisne oportuno.
Novas tentativas foram feitas pelo governo finlandês no intuito de travar contato com o Kremlin e mais uma
vez tudo foi inútil. A 15 de dezembro, Tanner fez um apelo a Molotov pelo rádio para reiniciar as
negociações. A única resposta foi uma declaração lacônica pela Agência Tass de que o apelo de Tanner
dificilmente seria atendido.

Em atenção aos pedidos da Liga, a assistência dos outros estados concentrava-se quase toda no setor
diplomático, embora houvesse, entretanto, alguma ajuda material, principalmente, e de maior vulto, da
Suécia, pois grande quantidade podia ser transportada facilmente para a Finlândia. Essa ajuda foi de valor
inestimável e de importância capital para aquele país, considerando sua premente carência de armas e
munições. Da Suécia também partiram voluntários, mas apenas dois batalhões chegaram a entrar em ação;
vieram também alguns da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Hungria, mas nenhum destes últimos entrou
em combate, exceto um grupo de fino-americanos que chegaram à frente de batalha poucos dias antes do
término das hostilidades. Da maior importância foi o empréstimo americano de 30 milhões de dólares que,
infelizmente, foi limitado a compras civis e aprovado pelo Congresso só em fevereiro do ano seguinte.
Contudo, dadas as condições da época, efetivamente já se esperava a falta de ajuda concreta, pois todas as
nações estavam-se rearmando, procurando reabastecer-se de tudo que precisavam para sua própria defesa.

O primeiro assalto
O verdadeiro plano estratégico russo de operações terrestres nos primeiros estágios da guerra encerra uma
questão controvertida entre escritores e analistas militares, e os russos sempre mantiveram uma discrição a
toda prova a respeito. Sua disposição de tropas não evidencia esforço importante neste ou naquele ponto
qualquer, apesar da concentração mais ou menos extensa no Istmo da Carélia. Na verdade, a concentração ali
representava o passo mais certo para dar, pois o Istmo era porta tradicional por onde se poderia penetrar no
coração da Finlândia e porque ali, também se realizariam os principais esforços na defesa finlandesa.
Provavelmente, os russos não acreditavam que este ou aquele ponto fosse mais ou menos importante que
qualquer outro para uma penetração, já que tudo indicava, segundo eles, que a Finlândia sofreria o colapso
logo ao primeiro tiro, com a ajuda, é claro, dos quinta-colunas já instalados dentro da Finlândia. Por
conseguinte, durante o mês de dezembro eles pouco fizeram no sentido de concentrar e coordenar esforços
em qualquer ponto que fosse.

Tirando uma página da história das táticas russas contra Napoleão, os finlandeses foram destruindo todos os
prédios e estradas à medida que se afastavam da fronteira. Essa política de “terra arrasada” deixou os russos
aglomerados em estradas ruins e sem qualquer abrigo em temperatura abaixo de zero. Assim, o inimigo
enfrentou uma resistência heróica e à medida que seu avanço era detido, ele ficava na situação nada invejável
de não só ter que acampar ao ar livre, como também de ser assediado a todo instante, ao redor da fogueira do
acampamento, pelas patrulhas finlandesas em esquis. Se houvesse vitória, esta não seria conseguida tão
facilmente quanto os planejadores soviéticos tinham imaginado.

A falta de coordenação e concentração dos russos no ataque também deu aos finlandeses a oportunidade de
entravar os invasores na maior extensão da fronteira usando apenas um limitado número de homens e de
armas e as defesas naturais originárias do terreno. E assim, eles puderam concentrar o grosso das suas forças
no Istmo da Carélia. A mobilização no outono estendera o exército de campanha em áreas de concentração
de onde poderiam avançar rapidamente para dar apoio às tropas de cobertura.

As táticas de retardamento eram parte integrante do planejamento finlandês desde a independência,


especialmente no Istmo, onde se permitiria que o agressor penetrasse numa zona defensiva de 20 a 48 km de
profundidade, enquanto lhes eram infringidas as maiores perdas possíveis. Essa zona de defesa era ideal para
o que se propunha: lagos e pântanos compridos e estreitos, ainda não congelados, e florestas densas
limitavam o movimento do inimigo a passagens estreitas de acesso quase impossível e onde podia ser
facilmente surpreendido e flanqueado. Os russos desconheciam a área, mas os finlandeses a conheciam tão
bem quanto a sua própria casa, porque haviam praticado manobras ali durante o verão. À vontade nesses
ermos e não estando sobrecarregados de equipamento e maquinaria pesados, os soldados finlandeses
avançavam com rapidez, silenciosos e eficientes em seus esquis, contra os invasores.

Contudo, como muitas vezes acontece, nem tudo saía conforme o planejado na sala de reuniões dos oficiais.
Contra as ordens explícitas de Mannerheim, as tropas de cobertura insuficientes e mal armadas por diversas
vezes travaram combate direto com os russos sem apoio adequado do exército de campanha,
impossibilitando, desse modo, as prolongadas ações de retardamento. O combate direto mostrava-se ineficaz,
porque, como se esperava, os russos avançavam em longas colunas pelas estradas estreitas, congestionadas
pelo seus próprios comboios e sob a proteção dos tanques. Devido às suas forças e artilharia inadequadas, as
tropas finlandesas estavam impossibilitadas de atacar o inimigo com a eficácia que poderiam ter tido em
outras circunstâncias. Contudo, se tivesse havido estreita coordenação entre as tropas de cobertura e o
exército de campanha, os invasores poderiam ter sofrido golpes bem mais duros, com toda a deficiência dos
recursos finlandeses.

De qualquer maneira, o avanço russo, foi retardado e por volta de 2 de dezembro, os invasores só haviam
chegado à primeira linha de defesa do inimigo, cerca de 10 a 16 km dentro da fronteira finlandesa. Pequenas
penetrações ocorriam, mas estas eram retificadas por vigorosos contra-ataques na noite seguinte e a linha se
estabilizava. Certo território importante foi perdido devido a um incidente curioso e sem explicação, tarde da
noite do dia 2. O Estado-Maior do Exército finlandês em Imatra foi notificado em relatório, que forças
vermelhas haviam desembarcado na costa atrás das tropas de cobertura, enquanto que outra força teria
penetrado o centro finlandês até a principal linha de defesa. Não sabendo que o relatório era falso, a ala
direita das tropas de cobertura recebeu ordem para tomar nova posição em Uusikirkko, e a ala esquerda, para
além da margem oeste do rio Suvanto, atrás da linha de defesa do II Corpo de Exércitos. Infelizmente, a
retirada ocorreu tão depressa que ao chegarem as ordens de retomar o território, já não puderam ser
cumpridas. Assim, os russos ganharam parte de terreno valioso sem ter disparado um só tiro.
Tal incidente revelou que mesmo nas tropas de cobertura a coordenação era deficiente. Isto pode ter
explicado, em parte, pelas comunicações inadequadas dos finlandeses: eles não tinham equipamento
moderno e os que possuíam freqüentemente eram passíveis de mau funcionamento. De qualquer modo, a
retirada das alas de forças finlandesas, provocada pela falsa notícia de uma penetração russa, criou a situação
em que parte das tropas situadas na extremidade leste do istmo foi retirada, enquanto que um grupo do II
Corpo de Exércitos ficava arriscadamente exposto perto de Lipola. A situação só foi restabelecida dois dias
depois.

No dia 4, a ameaça de um ataque inimigo contra o setor de Uusikirkko resultou numa crise de graves
conseqüências. Também desta vez a falta de coordenação veio provocar séria perda de tempo nas ações de
retaguarda tão necessárias para permitir ao exército de campanha chegar às suas posições. Então, uma
brigada blindada vermelha e sua infantaria avançaram pela extremidade sul do lago Suula, penetrando
rapidamente as fracas posições defendidas por esgotados finlandeses. As tropas de cobertura na frente de
Uusikirkko recuaram para o norte da aldeia, na expectativa de um avanço russo naquela direção, mas, em vez
disso, o inimigo desviou seu ataque principal para o norte, na margem oeste do lago, em direção a
Maisniemi, e movendo-se em sentido paralelo à sua ala mais fraca, que subia pela costa leste, ameaçando,
assim, envolver as tropas de cobertura que defendiam a área compreendida entre os lagos Suula e Muolaa
numa pinça.

Ao mesmo tempo, as tropas finlandesas em Lipola estavam em dificuldades e tiveram de evacuar sua posição
para um setor mais ao norte. É espantoso que eles tenham resistido durante tanto tempo em suas posição
exposta sem quaisquer reforços. Na verdade, duas divisões, as 1ª e 11ª, haviam sido destacadas pelo QG de
Mannerheim a 1° de dezembro como forças de ajuda para o lado leste do istmo, mas o comandante do setor,
Tenente-General Ohquist, resolveu que precisava delas noutra parte. Com isso, as 1ª e 11ª divisões não foram
utilizadas como reforço algum, o que provocou a ida de Mannerheim a Imara no dia 3, a fim de repreender
pessoalmente seus comandados por terem sido passivos demais em momentos de tamanha crise.

Na manhã do dia 4, os russos atacaram e tomaram a cabeça-de-ponte em Kiviniemi. No dia seguinte eles
tornaram a atacar a área em torno de Uusikirkko e também penetraram as defesas em Maisniemi, ameaçando
cercar a 5ª Divisão. O ataque de tanques contra Maisniemi provocou tal pânico, que armas, equipamento e
cozinhas de campanha foram abandonados na pressa de escapar. Uma tropa de cavalaria que acompanhava as
forças foi presa de grande terror, a ponto de provocar num soldado a pergunta, no dia seguinte: “Será que
existe uma combinação pior do que homens em pânico montados em cavalos também em pânico?”.

Esta não foi a única vez que os finlandeses entraram em pânico motivado por ataques blindados nos
primeiros dias confusos da guerra. Esse terror, no entanto, é bem compreensível quando se considera que a
maioria jamais fora defrontada senão com um ou dois tanques em seu caminho, ao passo que ali eles os
estavam enfrentando em grande número e praticamente sem qualquer tipo de defesa.

Para compensar a falta de canhões antitanques, formaram-se destacamentos supridos de minas em toda a
companhia durante as primeiras semanas da guerra. Contudo, a inventiva finlandesa se fez valer e criou uma
arma antitanque muito simples porém bastante eficaz, o “coquetel Molotov”. Sendo a própria simplicidade, a
arma consistia de uma garrafa cheia de cloreto de potássio, querosene, com novlen e uma ampola de ácido
sulfúrico presa à boca da garrafa para detoná-la. Para usá-la, recorria-se a um indivíduo corajoso, em esquis,
que emparelhava com o tanque soviético e lançava o coquetel dentro da torre.

Durante os últimos estágios das ações de retardamento, conseguiu-se maior cooperação entre os vários
grupos de cobertura, e, assim, puderam ser desfechados vários golpes violentos contra os russos. Ocorreram
apenas duas pequenas penetrações na principal linha de defesa durante estas operações de retardamento.
Ambas se deram no setor oriental do istmo: uma em Koukonniemi, no dia 6, com pesadas perdas para os
russos, e a segunda em Kiviniemi, no dia 7.

Por volta do dia 6, estava terminada a tarefa básica das tropas de cobertura e elas foram enviadas para as
posições principais. Por enquanto, a situação no istmo se estabilizara. Ao longo dos 1.280 km de frente, as
tropas de cobertura finlandesas de aproximadamente 13.000 homens haviam conseguido deter os russos,
exceto em Petsamo, embora enfrentassem cerca de 140.000 soldados e talvez uns 1.000 tanques. Onde quer
que os finlandeses tivessem cedido, os blindados russos haviam desempenhado papel decisivo. As armas
antitanques finlandesas eram eficazes, conforme ficou provado com a destruição de 80 tanques até 5 de
dezembro; mas elas eram pesadas e incômodas demais e atrapalhavam a movimentação rápida exigida pela
guerra móvel. Nessas situações é que o “coquetel Molotov” se destacava com todo o seu valor.

Não há dúvida de que os últimos acontecimentos haviam tomado rumo diferente do que se esperavam os
estrategistas soviéticos; sua imprensa alardeava que a Finlândia cairia em poucos dias e os líderes militares
aparentemente acreditavam na sua própria propaganda, pois uma ordem soviética apreendida durante os
primeiros dias de batalha advertiam as tropas russas para que não violassem a fronteira sueca.

Mal preparadas para enfrentar um adversário heróico e decidido, e obrigadas a lutar nos estreitos corredores
entre lagos e florestas, em estradas bastante danificadas pelos finlandeses em retirada e congestionadas pelos
seus próprios soldados, as tropas soviéticas foram obrigadas a parar de maneira excruciante. Em lugar de
uma Blitzkrieg, elas haviam demorado nada menos que uma semana só para chegar à principal linha de
defesa finlandesa. Isto por certo não estava sendo outra Polônia.

Os russos não só haviam parado no Istmo da Carélia como também seus outros esforços foram singularmente
mal sucedidos. Era evidente que o governo de Kuusinen e Terikoji, se é que estava realmente instalado ali,
deveria ser o principal objetivo de um ataque de quinta-colunas. Contudo, os apelos de Kuusinen para que a
classe operária finlandesa se levantasse contra seus opressores evidentemente foram ignorados ou
ridicularizados. Até mesmo a maioria dos comunistas finlandeses não se deixou levar por essas lisonjas
transparentes e permaneceu firmemente no propósito de defender sua pátria contra os russos. Os finlandeses
estavam unidos na crença de que eram finlandeses em primeiro lugar e esquerdistas ou direitistas em
segundo, e dose alguma de propaganda ou apelos ideológicos poderiam mudar essa determinação.
Nacionalismo e patriotismo intensos e ódio à Rússia neutralizavam qualquer possibilidade de colaboração
com os quinta-colunas.

No mar, os russos mostraram-se ainda mais inexperientes. As ilhas indefesas ao longo da costa foram
ocupadas com facilidade, mas todo esforço para desembarcar tropas no continente foi repelido. A esquadra
russa do Báltico bombardeou Porvoo, cerca de 30 km a leste de Helsinque, num esforço de “debilitá-la” para
um desembarque anfíbio, mas foi repelida pela artilharia de costa. Hango e Turku também atraíram a atenção
da esquadra russa, mas inutilmente. Se as memórias de Kruschev dizem a verdade, a marinha russa foi tão
inepta que não conseguia sequer distinguir um navio mercante sueco de um finlandês. Segundo Kruschev,
um submarino soviético disparou contra um navio sueco ao confundi-lo com um vaso finlandês e não
consegui afundá-lo. No decurso da guerra, três destróieres, dois submarinos e alguns navios auxiliares russos
foram avariados ou afundados pelas baterias costeiras. Além disso, o couraçado russo Revolução de Outubro
foi seriamente avariado.

Os russos não se saíram melhor também nos ares. Nos primeiros dias da guerra, suas incursões aéreas não
conseguiram desbaratar a mobilização finlandesa, o que deve ter causado alguma surpresa às forças militares
soviéticas. Outro problema foi que os ataques aéreos contra as principais cidades foram feitos com número
insuficiente de homens e prejudicados pelo mau tempo. Em dezembro, o sul da Finlândia desfruta de cerca
de 4 horas de luz solar por dia e os céus freqüentemente estão nublados. Uma nevada no dia 2 transformou-
se em forte nevasca que se prolongou durante dois dias, ocultando todos os alvos militares, enquanto que
céus nublados contribuíram para prejudicar as operações até meados do mês. Até mesmo quando o tempo
clareou, em janeiro e fevereiro, a Força Aérea soviética fracassou em sua missão básica. Nem mesmo a única
ligação vital que a Finlândia tinha com o mundo exterior, a ferrovia Kemi-Tornio para a Suécia, que
transportava as exportações finlandesas bem como suas importações de materiais e armas, esteve
interrompida por mais de algumas horas de cada vez. O tráfego de navios mercantes, especialmente o de
Turkum, raramente era desbaratado, a pesar dos 60 ataques aéreos contra aquelas instalações portuárias.

Ademais, apesar da sua carência de aviões novos e de baterias antiaéreas adequadas, os finlandeses
desfecharam violentos ataques contra a Força Aérea soviética. No começo das hostilidades, os finlandeses
tinham 96 aviões. Durante a guerra, o número subiu para 287, 162 dos quais eram caças, enquanto que os
russos tinham cerca de 2.500 por volta do fim desta guerra. Os finlandeses perderam 61 aparelhos enquanto
que as perdas russas chegaram a 725 confirmadas e 200 não-confirmadas, segundo as estimativas militares
finlandesas. Desses, 314 foram destruídos por baterias antiaéreas e mais de 300 foram avariados. Uma
indicação da pontaria finlandesa é que o numero médio de tiros por avião derrubado era de 54 para canhões e
200 no caso de armas portáteis.
Considerando a vantagem que os russos desfrutavam, os fatos e números acima revelam a má preparação e
treinamento que caracterizavam a Força Aérea russa. A gravidade da questão torna-se ainda mais acentuada
quando se leva em conta a farta distribuição de bases aéreas soviéticas e seu fácil acesso a qualquer lugar da
Finlândia. Bases de bombardeiros estavam localizadas na Estônia, próximo de Leningrado e na Carélia
Oriental, de modo que o tempo nem sempre impossibilitava todas as operações aéreas. Tampouco o tempo no
Ártico deveria ter prejudicado os pilotos russos, já que tinham grande experiência nessas condições e, além
disso, o tempo incomumente claro em fins de dezembro possibilitava incursões aéreas mais rigorosas do que
se teria dado no decorrer de um inverno normal. Ao todo, cerca de 15.000 bombas explosivas e incendiarias
foram lançadas sobre o país - um total de cerca de 7.500 toneladas. Contudo, como aconteceu com os
londrinos na Segunda Guerra, os finlandeses nãos e sentiam intimidados; enfrentaram a situação com calma
e continuaram cuidando dos seus afazeres. Um jornalista americano que estava fazendo a cobertura da guerra
conta que, quando as sirenes começavam a soar, a camareira do hotel entrava e bradava em inglês: “Molotov
está aí!”.

O terror dos tanques


Se a situação estava sob controle no Istmo, não se podia dizer o mesmo da linha de frente de 96 km ao norte
do lago Ladoga. Ali, os acontecimentos haviam-se tornado extremamente críticos. Duas divisões finlandesas,
com reduzido número de canhões antitanques, se estendiam desde Salmi até Suojarvi, enfrentando o 8°
Exército vermelho com 9 divisões e uma brigada de tanques. As forças soviéticas estavam divididas em
quatro colunas e se dirigiam respectivamente para Ilomantsi, Tolvajarvi, Suojarvi e Sortavala. Alcançados
esses objetivos, elas teriam o controle da ferrovia Sortovala-Joensuu-Oulu e das redes de comunicações e
transportes internos da Finlândia. Mais ao norte, as forças russas estavam avançando rapidamente sobre
Kuhmo e Suomussalmi, ameaçando dividir o país em duas partes.

Temendo um ataque geral e maciço contra o Istmo, o Alto Comando tencionara manter suas reservas para
essa contingência, alimentando, no entanto, a esperança de que a frente norte resistisse. Contudo, assediado
pela crise no norte e pelo perigo que ameaçava a rede ferroviária, reforços das escassas reservas situadas
perto de Viipuri e Oulu foram mandadas às pressas para Tolvajarvi, Kuhmo e Suomussalmi. No dia 5 de
dezembro, Mannerheim mandou o 16° Regimento de Infantaria (RI) e também um destacamento para
Kuhmo e Suomussalmi, onde um batalhão já os precedera.

Três batalhões de depósito, Destacamento “A”, um grupo de esquiadores organizado às pressas e mal
equipado foram despachados para o setor de Ilomantsi ao norte de Salmi, e outro batalhão, para Salla, no
extremo norte.

Segundo os planos de operações baseados em manobras de tempo de paz, as forças finlandesas bem ao norte
do lago Ladoga deveriam retirar-se de Salmi para Kitela e aí desfechar um contra-ataque sobre os flancos do
inimigo na direção de Loimola-Syskyjarvi, à medida que este avançasse ao longo da margem do lago. Por
conseguisse, o avanço soviético até Kitela não provocou qualquer consternação. Contudo, o plano
operacional finlandês foi ameaçado com a possibilidade de um avanço inimigo ao longo da ferrovia Suojarvi
e das estradas que vão de Suojarvi para Ilomantsi e Tolvajardi.

A ameaça mais imediata estava no setor de Suojarvi, causada pelo rápido avanço das colunas blindadas
vermelhas. Por volta de 2 de dezembro, os finlandeses haviam recuado de Suvilahti para posições preparadas
em Piitsoinoja. No dia 3 ordenou-se um contra-ataque para recuperar Suvilahti, mas a operação foi
neutralizada pelos tanques russos. Erkki Palolampi, uma testemunha ocular, registra em seu livro, Kollaa
Kestaa, de que maneira as unidades antitanques finlandesas a principio contiveram os russos e destruíram 23
tanques pelo caminho. Contudo, era impossível deter o ataque vermelho, e “O roncar dos tanques foi ouvido
na estrada e também se espalhando pelos bosques... Alguém começou a gritar que os tanques estavam
atirando da retaguarda! Eles tinham penetrado! Um homem tinha os olhos esgazeados de terror; outros viram
seu pânico e gritos de homem para homem diziam nada poder fazer para impedir aquela situação. Os tanques
estão vindo, os tanques penetraram! Os soldados começaram a correr, patinando e esquiando pela neve, em
direção à retaguarda, sem se preocuparem com coisa alguma e completamente surdos aos gritos e às pragas
dos seus oficiais. O pânico se propagou; outras companhias debandaram... os boatos voavam... todos tinham
um só pensamento - fugir ao terror do avanço dos tanques... Um jovem soldado que tentava saltar para um
trenó, bradou: “Agora nem mesmo os finlandeses podem cuidar dos russos!”
Por volta do dia 7, as posições em Piitsoinoja haviam sido completamente abandonadas e as tropas já tinham
recuado para a linha secundária em Kollaa. Urgia que Kollaa fosse defendida a fim de que todo o plano do
contra-ataque não fracassasse. Os russos iniciaram um ataque maciço no dia 7, mas foram detidos, e daí a
situação se estabilizou de tal modo, que por volta do dia 10 a ameaça desaparecera, pelo menos
temporariamente.

Como as más notícias da frente de Ladoga continuavam chegando, Mannerheim decidiu que a situação era
por demais opressiva e crítica para um só homem controlar. No dia 5 de dezembro ele dividiu o comando,
deixando o Major-General Hagglund à frente do setor de Sortavala-Suojarvi e colocando o Coronel Paavo
Talvela, um oficial de grande coragem e determinação, na área de Ilomantsi-Tolvajarvi.

Um homem do caráter de Talvela era essencial e de valor inestimável, pois ele recebera ordens de assumir a
ofensiva e derrotar o inimigo com forças numericamente inferiores, sendo avisado que não poderia receber
outros reforços além do que já estavam a caminho. Além disso, excetuando o batalhão de reserva enviado por
Hagglund pouco antes, suas tropas, que já estavam lutando na área - três batalhões em Tolvajarvi e um em
Ilomantsi - achavam-se exaustas por estar enfrentando uma luta contra duas divisões vermelhas.

Já nos primeiros dias de combate, o único batalhão que defendia Tolvajardi contra a 139ª Divisão russa fora
obrigado a recuar para o rio Aitto, onde se juntou a outro batalhão e ambos fizeram uma tentativa de contra-
ataque, mas não tiveram êxito. Incapazes de resistir à alta potência de fogo russa, as forças se sentiram
obrigadas a recuar para a margem oeste do lago Agla, no dia seguinte. Ajudada pelo terreno congelado, a
ofensiva soviética avançou, forçando os finlandeses a nova retirada, no dia 5, que os levou para uma posição
bem a leste de Tolvajarvi; na opinião dos seus oficiais-comandantes, os homens já estavam começando a
perder aquela espontânea aptidão para a luta, e sentia-se que uma catástrofe se aproximava.

Quando Talvela chegou ao setor que lhe fora destinado, decidiu que era necessária uma mudança radical nos
planos das operações, para evitar o desastre iminente. Assim, ordenou ao Tenente-Coronel A.O. Pajari que
conduzisse um batalhão reforçado bem atrás das linhas inimigas a fim de desfechar um contra-ataque na
noite de 8 de dezembro. Pajari cumpriu as ordens à risca, infligindo pesadas baixas ao inimigo e paralisando
a ofensiva russa por uns dois dias. Então, no dia 11, sem que os sentinelas finlandeses percebessem, os russos
tentaram uma operação de flanco em torno da extremidade norte do lago e atacaram uma coluna de
abastecimento. Pajari, que casualmente passava por ali, num ápice reuniu um grupo de homens dos
destacamentos de abastecimento e, ajudado por duas companhias das reservas de linha de frente, investiu
contra o inimigo. Ao anoitecer, os russos foram derrotados e perseguidos pelos bosques adentro, e ali, os que
não foram mortos pelos finlandeses acabaram morrendo de frio. O êxito dessas operações logrou reerguer o
moral dos heróicos finlandeses e, no dia seguinte, eles conseguiram repelir mais uma vez novo ataque frontal
vermelho.

A esse tempo, a situação perto de Ilomantsi ficou sob controle, e depois de realizadas as retiradas iniciais, o
mal equipado Destacamento “A” chegou. A presença destes reforços foi de grande valia; estando a posição
finlandesa muito bem situada e forte, conseguiu resistir muito bem ao ataque soviético no dia 9. E no dia
seguinte, foram os finlandeses que desfecharam um violento ataque e conseguiram cercar o batalhão
soviético, aniquilando-o completamente.

Depois de deter o avanço soviético em Tolvajarvi, Talvela tomou novamente a iniciativa no dia 12. Nessas
operações, o frio intenso, que atingia -40° F, as florestas densas e a surpresa representavam um fator decisivo
para os objetivos dos finlandeses. Segundo os planos de batalha de Talvela, num movimento de pinça dupla,
com a ala mais forte dirigida para o norte, cercaria os russos e os manteria retidos, até que a falta de
suprimentos e as temperaturas extremas completariam seu trabalho.

Quase que imediatamente, evidenciou-se que o plano original finlandês não funcionaria, já que os próprios
russos também estavam empenhados num movimento de pinça na margem leste dos lagos Tolva e Hirva, que
logo travou contato com a ala esquerda inimiga. A ala direita finlandesa também teve dificuldades em tentar
cruzar o lago Tolva. Não obstante, incapacitados para completar a travessia, os finlandeses, no entanto,
conseguiram tomar a ilha Koti, colocando, assim, a retaguarda e as comunicações inimigas sob intenso fogo.

Ambos os lados se viram momentaneamente impedidos de completar seus cercos devido à própria
inabilidade, até que Pajari decidiu desfechar um arrojado ataque frontal através do gelo na extremidade norte
do lago Tolva. O movimento de Pajari deu aos finlandeses uma vitória de primeira grandeza, possibilitando a
destruição total das forças russas naquela área. A vanguarda do ataque consistia de uma companhia dirigida
por um tenente ferido e quando a luta terminou, apenas oito homens ainda viviam. Pelo dia 14, todo o setor
de Tolvajarvi estava em mãos finlandesas e a 139ª Divisão vermelha foi completamente derrotada. Não havia
dúvida sobre o caráter definitivo da vitória: os russos haviam sofrido a perda de 1.000 homens, várias
centenas de prisioneiros, 10 tanques, duas baterias e grande quantidade de suprimentos e armas portáteis.
Embora estivessem por demais esgotadas a perseguir seu derrotado inimigo, as tropas finlandesas tiveram
que continuar lutando ainda por mais 10 dias.

Nova divisão russa, a 75ª, foi enviada para libertar a destroçada 139ª e tomar a estrada para Aglajarvi, que
era a única com que os russos contavam para seu abastecimento. Compreendendo o perigo que isto
representava, as tropas finlandesas avançaram de Tolvajarvi, indo diretamente ao encontro dos russos, que se
aproximavam. Não acostumados com a luta na floresta, os russos se viram sobrepujados pela tática de
guerrilha e por ataques frontais do inimigo. Pelo dia 18, a aldeia de Aglajarvi, que os russos haviam
fortificado solidamente, estava em mãos finlandesas e o inimigo não teve outra saída senão bater em retirada.
Os finlandeses aproveitaram-se dessa vantagem e perseguiram os remanescentes da 139ª e da 75ª Divisões
até o rio Aitto, onde foram destruídas quase até o último homem.

Tolvajarvi representou uma vitória extraordinária para os finlandeses, e ainda mais espantosa quando se
consideram as estatísticas relativas às perdas russas. Essa vitória significava, também, uma aquisição
inesperada de 60 tanques, mais de 30 canhões de campanha, 10 lançadores de granadas, quase 400
metralhadoras e grande quantidade de suprimentos e de munições. Além disso, número incontável de armas e
quantidade bem grande de equipamento foram destruídos no decorrer da batalha. Contudo, as perdas
finlandesas foram proporcionalmente bastante elevadas - a bem da verdade, foram tão altas que Mannerheim,
em determinado momento, pensou seriamente que teria de suspender o combate. Mas à insistência dos
comandantes na linha de frente, ele permitira o seu prosseguimento até o fim. No final, 30% dos oficiais e
35% dos soldados jaziam mortos ou feridos.

Entrementes, o setor de Ilomantsi também fora estabilizado. Quatro batalhões deficientes, munidos de uma
única bateria enfrentara a 15ª Divisão russa, fazendo-a parar completamente. Esse setor continuaria inativo
durante todo curso da guerra.

Esses sucessos contribuíram para estimular muito o moral dos atribulados finlandeses, especialmente na
costa nordeste do lago Ladoga, onde as 168ª e 18ª Divisões russas haviam penetrado suas linhas a 8 de
dezembro. Por volta do dia 12, num contra-ataque reconstruíra a linha e impusera a retirada dos russos. Com
Kollaa continuando a resistir, havia grandes esperanças de que as duas divisões russas pudessem ser cercadas
e destruídas.

Os grupos atacantes finlandeses estavam posicionados em forma de U desde Kitala até Uomaa, e as
perspectivas para o aniquilamento das divisões inimigas pareciam favoráveis. Contudo, os dois primeiros
ataques, a 13 e 17 de dezembro, fracassaram, pois o frio intenso, o cansaço dos soldados, a falta de
equipamento suficiente e a potência de fogo bastante superior dos russos começaram a cobrar seu tributo ao
IV Corpo de Exército. Finalmente, a 26 de dezembro, um grupo finlandês atacou com sucesso as posições
russas a leste do lago Kota. A 27, a rodovia Uomaa ficou sob o fogo finlandês e um cordão foi
gradativamente apertado em torno do inimigo. Depois de reagrupar suas forças e de estar seguro de que
Kollaa ainda estava resistindo, Hagglund preparou-se para as investidas finais contra as 168ª e 18ª Divisões.
O plano exigia o rompimento das forças russas dividindo-as em pequenos grupos isolados chamados mottis
(termo normalmente usado em referência à madeira empilhada para o corte), por meio de táticas de tipo
guerrilha. Durante a noite de 5 de janeiro, o IV Corpo de Exércitos movimentou-se através de uma área
virtualmente sem estradas, coberta de neve e boscosa - com as péssimas condições do terreno prejudicando
seriamente a movimentação de equipamento pesado - até as áreas de onde lançariam o ataque, que começou
no dia 6. Aparentemente ignorando o que estava acontecendo, os russos não tentaram contra-atacar e
tampouco recuar, à medida que o inimigo se aproximava. Em vez disso, entrincheiraram-se e se prepararam
para resistir no próprio local em que estavam. Pelo dia 11, os russos achavam-se completamente cercados e
divididos em mottis, entre os quais os finlandeses se movimentavam impunemente.

Tudo saíra de acordo com os planos arquitetados, estando os finlandeses plenamente confiantes, na certeza
de que seria apenas uma questão de tempo a rendição incondicional dos russos. Mas aí é que eles
subestimaram a obstinação do seu adversário, que resistia entrincheirados no perímetro das linhas de defesa,
com a artilharia colocada no centro. A fome também os atribulava, pois somente suprimentos inadequados
podiam ser trazidos por uma ponte aérea e, em conseqüência disto, estavam reduzidos à necessidade de
comer seus próprios cavalos. Se os finlandeses tivessem mais artilharia de campanha e canhões antitanques,
o problema teria sido resolvido bem mais cedo. E assim, o IV Corpo de Exércitos passou o resto de janeiro e
parte de fevereiro tentando destruir os mottis, ao mesmo tempo que desviava quatro nova divisões vermelhas
que vinham avançando de Salmi em direção a Kasnaselka.

A única solução para os finlandeses era lidar com um mottis de cada vez., interceptando-lhes todos os meios
de comunicações e em seguida aniquilá-lo completamente. Desse modo, os 10 mottis da 18ª Divisão foram
gradativamente destruídos. A 18 de fevereiro, o que restava da 18ª Divisão nada pôde fazer senão se render,
com a sua brigada de tanques seguindo-lhe o exemplo no dia 29. No campo de batalha contaram-se 4.300
russos mortos, inclusive dois generais, mas nesse número não se incluem os que jaziam sob a neve. O
despojo continha 128 tanques, 91 canhões, 120 carros e tratores, 62 cozinhas de campanha e vasta
quantidade de armas de infantaria, de munições e de equipamento.

Somente o fim da guerra é que livrou a 168ª Divisão de ter o mesmo destino. Abastecida pela aviação e até
mesmo por veículos puxados a cavalos através do lago Ladoga e que eram protegidos por tanques, a divisão
resistiu desesperadamente. Contudo, o destino das colunas de abastecimento mostrou a insensatez dessa
atitude: uns poucos soldados finlandeses situados numa ilha logo ao largo de Koiranoja empreenderam uma
série de ataques noturnos contra as colunas e conseguiram destrui-las em sua maioria, antes que um ataque
desfechado da terra e do ar os dizimasse por completo.

No setor de Kollaa os poucos e fracos batalhões prosseguiram em sua luta desigual com completo sucesso e
detiveram o avanço inimigo, aliviando assim a pressão sobre o IV Exército. Embora quase cambaleando de
exaustão, os defensores mantiveram suas posições sem ajuda durante todo o mês de janeiro, exceto alguns
pequenos reforços formados de três batalhões independentes, um regimento e uma brigada de cavalaria que
havia sido convertida numa brigada de esquiadores. Nenhum desses soldados pôde se afastar das linhas de
frente durante esse período para gozar um descanso bem merecido. Mas a magnífica ação no sentido de reter
as tropas de Kollaa tornou possível o triunfo das forças de Hagglund mais ao Sul.

O fato de que os russos foram detidos no Istmo e ao norte do lago Ladoga provavelmente se deveu tanto à
determinação da linha de defesa quanto à ineficiência demonstrada pelo Exército Vermelho. Jamais se pôs
em dúvida a bravura do soldado russo; as táticas empregadas pelos seus superiores é que tinham o poder de
eliminar grande parte da sua eficiência. Contudo, o soldado russo não era tão engenhoso quanto seu
equivalente adversário e até incapaz de agir satisfatoriamente numa situação tão extraordinária como a que
encontrou na guerra contra a Finlândia. Também era evidente que os russos não planejavam seus ataques
tendo em mente a máxima cooperação e coordenação dos vários destacamentos ligados às divisões. A
pontaria do fogo de artilharia era tão ruim, que grande parte das granadas ultrapassava o objetivo inimigo.
Por vezes, os tanques avançavam até as posições finlandesas e em seguida voltavam, antes mesmo que a
infantaria tivesse sequer começado seu avanço. Este tipo de ineficiência e falta de coordenação continuou
durante todo o mês de dezembro, até que o Marechal Timoshenko assumiu o comando do Exército Vermelho
na Finlândia.

Outro fator que tornava as baixas russas tão numerosas residia na incapacidade dos comandantes vermelhos
em mudar suas táticas segundo as necessidades de tempo e espaço. Em vez disso, eles obedecia cegamente
ao plano original, enviando leva após leva de seres humanos para o massacre e sem qualquer hesitação,
aparentemente incapazes de planejar qualquer outro modo de ataque sem empregar a força bruta.

Defensores decididos
Apesar das dificuldades e privações que a potência das forças invasoras causou nas operações de
retardamento do Istmo da Carélia, as tropas de cobertura haviam comprado tempo para seus compatriotas
ocuparem as posições de defesa primárias. Depois que as tropas de cobertura foram retiradas das posições
avançadas, a 6 de dezembro, houve alguns dias de relativa tranqüilidade ao longo da linha de frente,
enquanto as forças vermelhas se reagrupavam.

Somente missões de sondagem e fogo de artilharia esporádicos perturbavam a calma vez por outra, porém tal
ação já era o bastante para alarmar os soldados inexperientes do recém-chegado exército de campanha, que
operando principalmente na escuridão, sem iluminação adequada - eles nem sequer tinham lanternas em
número suficiente -, não é de surpreender que as tropas estivessem tão nervosas. Felizmente, veio o período
de calma, que lhes deu a oportunidade de se adaptarem um pouco aquela situação. Até mesmo os soldados
atrás da linha estavam apreensivos, e por uma boa razão, é claro - a linha de frente era tão superficial que é
quase incrível que as patrulhas russas não achassem nunca o caminho para a retaguarda.

Embora os russos desfechassem apenas um reduzido número de ataques em massa, suas patrulhas estavam
sempre ocupadas em trabalhos de sondagem e essas operações provocaram muitas escaramuças noturnas
com os elementos da defesa. Além disso, elas vez por outra conseguiam se aproximar e cortar o arame
farpado para depois fazer explodir os arrastar os blocos que serviam de armadilhas para tanques. Essas
atividades russas logo fizeram os finlandeses compreender que as armadilhas de tanques estavam colocadas
muito à frente dos bunkers, tornando, assim, muito difícil protegê-las eficazmente, sobretudo à noite. Mas já
era tarde demais para corrigir esse erro.

Embora o período de passividade russa fosse de grande valia para os finlandeses, dando-lhes a oportunidade
de “recuperar o fôlego”, bem como de reorganizar e reagrupar suas forças, em contrapartida os russos
estavam recebendo forças adicionais, reagrupando-as, familiarizando-as com as operações e planejando o
próximo ataque. Pela atividade reinante nas forças vermelhas, era mais do que evidente que elas planejavam
um golpe assestado de duas pontas: uma dirigida para Summa, a Porta de Viipuri; e a outra, para Taipale, na
extremidade oriental da Linha Mannerheim. Obviamente, o ataque à Summa era de importância vital para
ambos os adversários, pois se fosse coroado de êxito, estaria aberto o caminho para Viipuri e Helsinque e
também para o coração da Finlândia, dando-se ali o final da guerra pelo esmagamento da maioria das forças
finlandesas num gigantesco movimento de pinças. O ataque a Taipale aparentemente nada mais era que um
estratagema para afastar os finlandeses dos objetivos. Além disso, com a boa rede rodoviária na área e
podendo usar o lago Ladoga, os russos conseguiram avançar primeiramente em direção a Taipale. Por
conseguinte, durante a noite de 14 de dezembro, patrulhas finlandesas alertaram que os russos se preparavam
para um ataque. À única divisão de infantaria inimiga já se juntara uma segunda, e mais artilharia.

No dia 15 de dezembro, pela manhã bem cedo, os russos começaram a metralhar as posições finlandesas,
cuja infantaria tinha de defender a linha com o máximo do seu esforço apesar da severidade da barragem,
pois as baterias possuíam o mínimo de granadas e muito pequeno numero de canhões, e estes mesmos eram
de alcance muito limitado. Assim, o plano consistia em não disparar um só tiro até que o inimigo aparecesse
em campo aberto, no gelo, para então abrir fogo quase à queima roupa. Ao fim da batalha, os russos mais
uma vez haviam sido repelidos, sofrendo uma perda de 12 tanques e grande número de mortos jazia no solo.

Depois de um dia de relativa inatividade, os russos tornaram a atacar, no dia 17, quando também fizeram um
esforço inaudito para conseguir romper a posição em Summa. Leva após leva de soldados russos foram
lançadas contra as linhas inimigas enquanto os finlandeses continuam o fogo, esperando que o adversário
chegasse a uns 50 metros de distância. Ainda assim, os comandantes russos mandavam seus soldados
avançar e avançar, num desprezo quase criminoso pela vida humana, até que, finalmente, os soldados russos,
já não podendo suportar aquela situação por mais tempo, fugiram em debandada, no maior pânico. Daí por
diante, os ataques vermelhos contra Taipale, a partir do Dia de Natal e prolongando-se até o dia 27,
tornaram-se fortuitos e desordenados, embora se revelasse uma pequena mudança em seus planos
operacionais durante esses golpes: transferiram o ataque do sul para o lado oeste das defesas inimigas, mas
muito pouco eles conseguiram com essa manobra, exceto um aumento no número de inimigos mortos. Além
disso, quase nenhum dano foi causado às linhas finlandesas e aos seus canhões.

Enquanto se desenrolava o ataque a Taipale, preparava-se uma grande ofensiva na área de Summa. Os russos
lançaram numerosas missões de sondagem, durante as quais iam concentrando rapidamente as suas forças
atrás das linhas. Em meados de dezembro já era evidente a iminência de um ataque em grande escala com o
intuito de terminar logo a guerra.

Para o comandante finlandês, a situação apresentava-se extremamente crítica. Toda a 5ª Divisão foi
deslocada numa linha longa e estreita, contando com poucas reservas para apoia-la. A reserva do
Comandante-chefe, a 6ª Divisão, situava-se tão distante da linha de frente que não podia oferecer proteção
alguma ao setor ameaçado. Com artilharia insuficiente e escassez de granadas, qualquer tipo de contra-
ataque era considerado muito perigoso e dispêndio inútil. Portanto, pouco se podia fazer além de reagrupar
as forças e aguardar o ataque em perspectiva.

Foi dado o inicio da ofensiva através de pesada barragem de artilharia às primeiras horas do dia 17 de
dezembro, mas o ataque propriamente dito começou às 10:00 horas. Foi lançada no ataque toda uma divisão,
apoiada por aviões e cerca de 80 tanques. Avançando por trás destes últimos, a infantaria russa penetrou
bravamente na saraivada de fogo finlandês, aparentemente ignorando a devastação que se ia causando em
redor. Para os elementos da defesa, este golpe representou uma experiência aterradora, que submeteu seus
nervos ao máximo de sua resistência, enquanto os inimigos lhes caiam aos montes diante dos olhos. Outro
motivo de tensão foi a presença dos tanques que, devido à modesta artilharia disponível e à ausência de
canhões antitanques, não podiam ser detidos de todo em seu avanço. (À luz do dia era difícil, se não
impossível, lançar “coquetéis Molotov”). Ainda havia outra desvantagem: as comunicações telefônicas
tinham sido interrompidas pelo fogo inimigo, e assim, o posto de comando não podia se comunicar com os
vários setores, a não ser que apelasse para o velho equipamento de rádio que nem sempre funcionava a
contento.

Somente depois do anoitecer, estando os canhões russos silenciosos e as linhas telefônicas já reparadas, é que
se pôde fazer uma avaliação completa das atividades do dia. Então os comandantes-de-campanha puderam
novamente comunicar-se entre si, utilizando-se de um jargão que haviam desenvolvido em poucas semanas
de guerra, para confundir o inimigo, podendo assim, evitar o uso de código, para cuja decifração exigia mais
tempo. O jargão era uma mistura de idiomas finlandês e sueco, combinados com apelidos para seus próprios
grupos e conhecidos. Dos relatórios que chegaram era evidente que no único ponto em que havia penetrado
as linhas, na aldeia de Summa, o inimigo fora ali mesmo repelido, nas primeiras horas da noite. Ao recuarem,
os russos contavam então com 25 tanques menos que no inicio do ataque, e também com um número
exorbitante de baixas.

Sem se preocuparem com as perdas sofridas, os russos reiniciaram o ataque no dia seguinte, depois de uma
barragem de artilharia que durou 5 horas. Cerca de 70 tanques foram usados no assalto, mas o fogo dos
adversários foi tão certeiro na fase inicial, que 10 tanques foram destruídos quase que imediatamente,
detendo assim o ataque antes mesmo que ele realmente se iniciasse. Não logrando romper a resistência por
meio de um ataque frontal, os russos todavia continuaram atirando contra as linhas inimigas durante toda a
noite.

No dia seguinte, 19 de dezembro, pôde-se ver o começo do mais violento ataque da guerra desde então. Seis
divisões, um corpo de exército blindado e duas brigadas de tanques foram postos em ação, enquanto
bombardeiros e caças lhes davam cobertura. Desta feita o ataque foi desfechado numa frente mais ampla, e
com o assalto principal visando a Summa. O ataque naquele local foi tão violento e maciço, com os
comandantes dos tanques inteiramente alheios ao perigo que corriam, que os tanques penetraram de roldão
os obstáculos e ultrapassaram as linhas finlandesas. Mais tarde, relatórios vindos de Summa notificaram que
havia ali cerca de 100 tanques operando ao mesmo tempo, mas no momento do ataque ninguém sabia disso,
porque as linhas de comunicação tinham sido novamente cortadas. Nessa batalha os finlandeses aprenderam,
embora tarde demais para qualquer modificação, que as pedras usadas como armadilhas de tanques deveriam
ter sido de tamanho muito maior. Mas apesar da profunda penetração e da violência do ataque, a brecha foi
fechada e o inimigo, rechaçado.

Em outros setores os russos não se saíram melhor também. ao norte de Summa, os tanques russos se
encontraram numa estrada em meio a uma floresta tão densa, que não puderam deixar aquela via e foram
obrigados a prosseguir, literalmente até a boca dos canhões inimigos. Somente na noite seguinte é que os
sobreviventes conseguiram dar a volta e recuar.

Durante todo aquele dia, e no dia seguinte, os russos continuaram atacando, sempre com um suprimento
novo de soldados que vinham substituir os que iam tombado. Já então, a artilharia russa havia melhorado sua
pontaria, tornando-se, desse modo, mais eficaz na cobertura dos tanques e da infantaria em suas investidas
(Nas primeiras fases da guerra a artilharia russa mostrava pontaria tão ruim, que os tiros, em sua maioria,
passavam muito acima da cabeça dos inimigos). Contudo, apesar desses melhoramentos, os finlandeses ainda
permaneciam como que pregados em suas posições, no final da batalha do dia 23. Vistoriando o campo da
luta mais tarde, não tiveram dúvida alguma quanto à séria derrota sofrida pelos russos, diante do número
incontável de cadáveres espalhados entre os 58 tanques destruídos por trás e na frente das linhas. Até então,
os finlandeses haviam destruido 239 tanques só no Istmo.

Poder-se-ia apresentar uma boa quantidade de razões para justificar o mau desempenho das forças
vermelhas, porém quatro delas parecem as mais convincentes. Primeiro, os russos tinham julgado que
haveria pouca ou nenhuma resistência e, portanto, não haviam planejado suas operações nos mínimos
detalhes. Aparentemente, eles acreditavam que o emprego da força bruta, apenas, bastaria para vencer o
inimigo. Segundo, permaneceram cegamente fiéis ao seu plano originalmente idealizado e não lograram
alterá-lo dentro dos moldes de uma guerra autêntica, evidentemente acreditando que maior número de
tanques e homens supririam qualquer falta. Terceiro, seus comandantes eram subordinados à autoridade dos
oficiais políticos ligados às unidades e, por isso, temiam tomar decisões que eventualmente viessem
transformá-los em suspeitos políticos: o espectro dos expurgos ainda perseguia o Exército vermelho. Por
último, além de serem dirigidos com competência, os finlandeses estavam lutando em defesa de seus lares e
acima de tudo da liberdade; por estas razões eles resistiram melhor à tensão da batalha do que os soldados
russos, que não só eram mal treinados e mal conduzidos, com também lhe tinha sido incutido que seriam
recebidos de braços abertos pelos finlandeses, em vez de combatê-los. Além disso, os soldados russos
estavam enfrentando a luta num ambiente estranho, e para eles, hostil. Muitos jamais tinham visto uma
floresta, tendo vivido somente nas planícies da Rússia. Além disso, os finlandeses estavam vestidos de
branco, enquanto que seus equivalentes russos trajavam cinza-escuro, que os fazia sobresair como
limpadores de chaminés na neve.

Tendo detido completamente o avanço russo, agora era vez dos finlandeses atacar. Já durante as operações de
retardamento, o Major-General Ohquist solicitara permissão para tal operação com o II Corpo de Exércitos,
mas na época seu pedido fora recusado como sendo demasiado arriscado o empreendimento. Quando, no dia
19, sua proposta foi reapresentada durante a batalha em Summa, o Alto Comando finlandês aprovou-a

Segundo os planos, a 6ª Divisão, que estava na reserva atrás de Summa, reforçada por um RI, deveria juntar-
se a partes de 5 outras divisões na ofensiva. O ataque teria lugar ente os lagos Muola e Kuolema, numa frente
de cerca de 24 km. Na extremidade oeste da linha, partes da 4ª Divisão avançariam na ala direita da 6ª
Divisão, que se deslocaria ao longo do rio Summa. Partes da 5ª Divisão seriam responsáveis pela retenção
dos russos na vizinhança de Summa. Na extremidade leste da linha, grupos da 1ª Divisão atacariam ao longo
da ferrovia, enquanto que, mais a leste, grupos da 11ª Divisão penetrariam para oeste a fim de imprensar o
inimigo entre elas e as unidades da 1ª Divisão.

O plano era realmente audacioso. Se fosse bem sucedido, os finlandeses poderiam encontrar-se em posição
de negociar uma solução pacífica do conflito com o Kremlin - não que os comandantes esperassem um
triunfo completo: eles se contentariam com pouco menos de uma vitória total se seu sistema de ataque
pudesse perturbar suficientemente o inimigo, fazendo-o perder terreno e reconsiderar toda a situação.

A Hora-Zero foi marcada para as 6:30 horas de 23 de dezembro. Quando chegou o momento, a neve ainda
estava caindo, mas não demorou a parar, e então a tempestade desceu para -4° F, o vento aumentou e o ânimo
das tropas abateu. Nessas circunstâncias, logo tornou-se evidente que o contra-ataque não sairia tão bem
quanto fora planejado. Outros problemas logo apareceram. Em alguns casos, as forças de reserva trazidas
para a operação tinham veículos em demasia e estavam tentando transferi-los, apenas horas antes do inicio
do ataque. Não se fizera um reconhecimento perfeito das posições inimigas antes do ataque e as localizações
exatas das suas posições e da disposições das armas e dos homens eram ignoradas.

A principio os atacantes finlandeses encontraram pouca resistência, mas logo os tanques russos entraram na
luta e barraram o avanço. Uma vez mais, as comunicações foram interrompidas por fios cortados e mau
funcionamento dos rádios, de modo que a estreita cooperação entre os vários grupos atacantes entrou em
colapso. Além disso, como a artilharia não podia mover-se com a mesma rapidez com que a infantaria o
fazia, houve pouca oportunidade de usar os grandes canhões contra os tanques, em apoio da infantaria;
quando os canhões chegaram não se sabia onde sua presença era mais necessária, devido à falta de
comunicações. Depois de oito horas, a ofensiva foi cancelada e os finlandeses se retiraram para suas próprias
linhas, sem qualquer interferência.

Embora o contra-ataque não fosse absolutamente um sucesso, em todo o caso pôde contribuir para levantar o
moral das tropas e abalar o inimigo, o que talvez fosse o mais importante. Dada a inferioridade numérica
finlandesa, acrescida da sua baixa potência de fogo e do sistema de comunicações inadequado, é de
surpreender que eles tenham tentado a operação. Contudo, os russos não fizeram qualquer esforço para
reencetar os ataques no Istmo durante mais de um mês, limitando-se a surtidas esporádicas em Taipale, de 25
a 27 de dezembro, e a pequenas escaramuças ao longo da linha em janeiro.

A Batalha de Suomussalmi
A meio caminho entre o mar Ártico e o Istmo da Carélia existe uma área esparsamente populada na fronteira
oriental da Finlândia onde foram travadas algumas das mais famosas batalhas da Guerra de Inverno. Ali, na
vizinhança das pequeninas aldeias de Suomussalmi e Kuhmo, três divisões russas foram inteiramente
dizimadas pela reduzida força finlandesa.

Acreditando que os russos não fariam esforços importantes nesse ermo virtualmente destituído de estradas, o
Alto Comando finlandês deixara as defesas, ali, a cargo de um punhado de homens das reservas, guardas de
fronteira e unidades da Guarda Cívica. Mas ao se constatar que o inimigo não só estava invadindo as áreas
como empregava nesse empreendimento duas divisões e o complemento normal de tanques, e que tinha uma
divisão de reserva aguardando chamada nas alas, reforços foram mandados às pressas para a linha de frente.
Ali, atrás da fronteira em Ladoga, os russos se haviam empenhado na construção de estradas que conduziam
até a fronteira e era também por ali que tentavam invadir a Finlândia.

O povo da área estava formalmente convencido de que, devido ao isolamento em que se encontrava, nada
tinha temer por parte da Rússia; assim, embora já soubesse há algum tempo da concentração de tropas russas
no outro lado da fronteira continuou trabalhando e mantendo a rotina de sempre, inclusive mandando seus
filhos para a escola, até o dia da invasão. A população só começou a evacuar a região a 30 de novembro,
quando os russos já estavam sobre ela. Essa situação foi causa de muitos sofrimentos e prejuízos de ordem
econômica para a população civil; em alguns casos, as crianças tiveram de fugir da escola à chegada dos
russos à sua porta.

Na vizinhança de Kuhmo, grupos da 54ª Divisão russa estavam avançando ao longo das duas estradas que
levam à aldeia. Somente um batalhão encarregado da defesa estava em seu caminho, mas apesar do reduzido
numero de efetivos e seus limitados recursos, os finlandeses começaram a desfechar ataques de flanco a 1°
de dezembro. Sem condições para deter a marcha do inimigo, foram obrigados, além disso, a recuar para
posições na retaguarda, para logo em seguida continuar retrocedendo no dia 5. Nesse estágio, tornou-se
evidente que a situação era por demais crítica e que as forças tinham necessidade premente de reforços, de
modo que o 25° Batalhão da 9ª Divisão de Oulu foi despachado para o setor, em seu auxílio. Essas novas
tropas estavam equipadas apenas com fuzis, metralhadoras, tendas e seus onipresentes esquis; não levavam
canhões de campanha ou armas antitanques, pois não havia nada disso em disponibilidade. Mal chegaram os
reforços, foram logo lançados em combate, antes que os russos tivessem tempo de receber tropas adicionais
ou até mesmo de fortalecer suas posições.

O tempo urgia e os finlandeses renovaram seus ataques aos flancos russos, não lhes dando a oportunidade de
completar todos os preparativos para a luta ou de se familiarizar com a situação. A 8 de dezembro, um
ataque do norte e do sul da estrada de Kuhmo conseguiu dividir a coluna inimiga em várias partes. Durante
algum tempo, os finlandeses puderam manter um perfeito controle sobre estes grupos, mas gradativamente o
cansaço, as baixas, as dificuldades para conseguir apoio e a falta de telefones de campanha que tornava
quase impossível coordenar as operações, obrigaram-nos a desistir de seus esforços e deixar aos russos a
posse da estrada. Outro fator negativo era o tempo, que ficara extremamente frio, com temperaturas caindo
até -22°F. Mas pelo menos essas operações lograram deter o avanço russo e a frente foi restabelecida por
volta do dia 20. Para os russos foi um período bastante difícil e provavelmente uma situação por demais
embaraçosa: eles não podiam avançar, mas também não se atreviam a recuar. Ao mesmo tempo, não tinham
possibilidade para atacar abertamente os adversários, que se movimentavam como fantasmas nos esquis pela
florestas cobertas de neve e parecendo estar à vontade, atacando onde e quando queriam. Aparentemente,
essas táticas explicavam em parte a passividade dos russos e seu fracasso em organizar quaisquer ataques
cerrados contra as posições inimigas. Em vez disso, eles se entrincheiravam ao longo da estrada e ali ficaram
expostos ao frio intenso, numa longa espera pelo resto da 54ª Divisão, até que esta chegasse para salvá-los
das suas dificuldades. Pelo final de janeiro, eles enfrentaram uma ameaça ainda maior com a chegada das
tropas inimigas que acabavam de conquistar sua grande vitória em Suomussalmi.

Cerca de 80 km ao norte de Kuhmo, próximo da aldeia de Suomussalmi, realizou-se uma das mais renhidas e
clássicas batalhas da história militar. Uma força finlandesa integrada quase toda por uma divisão entrou em
combate com duas divisões russas completas (a 163ª e a 44ª) aniquilando-as quase até o último homem.

Do outro lado da fronteira, em Suomussalmi, como também em outros setores, e sem que os finlandeses o
soubessem, os russos haviam construído novas estradas que levavam até a fronteira e lhes permitiram
avançar num território sob outros aspectos destituído de estradas. E destas, havia duas principais, que
convergiam sobre Suomussalmi vindas da região do leste: uma começava perto de Juntusranta, no Norte, e a
outra, em Raate, mais ao sul. Da junção em Suomussalmi, a estrada ia até Kajaani, por onde passavam a
rodovia e a ferrovia que levam a Oulu, Tornio e Suécia. Dois regimentos russos avançaram pela estrada
norte, ao passo que um terceiro percorria a estrada de Raate. E assim, toda a 163ª Divisão ucraniana foi
lançada contra um batalhão de reserva finlandês.

Como as desvantagens eram muito acentuadas, as tropas de cobertura só se empenharam em hostilizações


leves da coluna do inimigo enquanto aguardavam os reforços. Operando em dois grupos, o batalhão
finlandês recuou lentamente ao longo das duas estradas até que se reuniu novamente em Suomussalmi a 6 de
dezembro, e no dia seguinte, depois de incendiar a aldeia, recuou para as posições do outro lado de um lago
estreito que ainda não congelara o suficiente para suportar o peso dos tanques. Dali, eles observaram as
colunas russas se reunirem na parte que restava da aldeia, sabendo plenamente que eram o único obstáculo
para os russos num avanço sobre Oulu.

Já então, o Coronel Siilasvuo estava a caminho do setor com o 27° RI da 9ª Divisão de Oulu. Siilasvuo fora
nomeado comandante de todas as forças em ação no setor de Suomussalmi. Contudo, a chegada de suas
tropas sofreu um grande atraso cuja causa foi o choque do trem em que vinham com um outro de
abastecimento, interrompendo assim, a ferrovia por mais de 24 horas. Contudo, como a seção recém-
completada da estrada ficava a 40 km de Suomussalmi, Siilasvuo ainda pôde chegar no dia 9, para dar início
às contra-operações no dia 11.

Depois de avaliar a situação e se informar da localização do inimigo. Siilasvuo ordenou que um


destacamento mal reforçado fosse para noroeste de Suomussalmi para atacar a posição russa sediada na
aldeia. Esta força quase que causou a retirada imediata do inimigo. As forças principais de Siilasvuo então se
moveram para trás das linhas russas ao longo da rodovia de Raate, para isolar os adversários da sua base de
abastecimento e da própria cidade de Raate. Simultaneamente, um destacamento menor tentaria cortar as
linhas de apoio do inimigo que vinham de Juntusranta e bloquear quaisquer reforços que pudessem tentar dar
ajuda aos russos sitiados. Em essência, o plano exigia que se cortassem a colunas inimigas em mottis
mantendo-os isolados uns dos outros, até que as tropas adicionais chegassem de Oulu para completar sua
destruição.

Embora houvesse pouco tempo para preparativos e os mapas da área fossem ultrapassados e parcialmente
errados, era evidente que o ataque tinha de começar no dia 11, já que o inimigo estava insistindo em seu
ataque na direção das barcas de Haukipera. Se esses ataques fossem bem sucedidos, os russos poderiam
cercar os assediados finlandeses. Além disso, o tempo estava piorando à medida que a temperatura caia para
-40°F.

Deixando metralhadoras na linha de defesa da posição ao sul de Suomussalmi, os grupos de ataque


dirigiram-se para suas áreas de lançamento sem entrar em contato com o inimigo. Contudo, quando cruzaram
o lado sudoeste de Suomussalmi, encontraram um destacamento russo na estrada entre os lagos Kuomas e
Kuivas. Deixando parte do grupo de ataque para construir abatis naquele local a fim de bloquear o inimigo, a
força principal desviou-se para Suomussalmi. A princípio os finlandeses tiveram dificuldade em conseguir
um pouco de apoio na estrada, mas uma vez conseguido este, o avanço sobre a retaguarda das posições
russas prosseguiu segundo os planos.

O elemento surpresa teve papel relevante no sucesso das operações do primeiro dia. Aparentemente, os
russos não imaginavam qual fosse a extensão dos efetivos do ataque finlandês enquanto este se aproximava
do sudeste, porque só enviaram uma força reduzida para bloqueá-lo. Essa força inimiga logo foi destruída e
os finlandeses continuaram avançando, de modo que ao anoitecer estavam a cerca de 2,4 km da junção que
leva às barcas de Haukipera. Ao todo, eles agora controlavam cerca de 5 km da estrada de Raate. Ao norte da
aldeia, a pequena força de ataque conseguira destruir as comunicações russas, mas foi incapaz de manter a
defesa da estrada. Depois de violenta batalha, o grupo recuou para sua área de origem.

No dia seguinte, o ataque foi reiniciado sob temperatura tão fria, que os caminhões tiveram de ficar para trás
e com isso os homens não puderam ter uma refeição quente. Contudo, estavam muito animados e
empenharam-se em sua tarefa com afinco. Depois de capturar uma posição inimiga numa pequena colina que
dominava a estrada, continuaram avançando.

No decorrer do dia, os russos lançaram tanques contra seus atacantes pela primeira vez. De inicio, isto
causou certa consternação na fileiras, mas quando se verificou que os tanques não podiam se movimentar
nem atirar pelas florestas, as apreensões diminuíram sensivelmente. Ao anoitecer, os finlandeses haviam
chegado à junção com as barcas onde o inimigo tinha ocupado uma colina de onde controlava a estrada. Um
ataque àquela colina foi repelido durante o dia, mas à noite os russos abandonaram espontaneamente a
posição e esta foi tomada pelos finlandeses. Já então, estes últimos tinham completo controle da área e da
estrada por uma extensão de uns 12 km. O plano sem dúvida estava saindo à perfeição e os russos se
amontoavam em mottis, sem compreender o que estava acontecendo. Naturalmente, ignoravam por completo
essas táticas anticonvencionais e, portanto, não se sentiam preparados para enfrentá-las.

No dia 13, os finlandeses atacaram a aldeia de Suomussalmi, chegando à sua extremidade ao anoitecer.
Durante a noite moveram-se silenciosamente em direção às posições próximas da frente das linhas russas,
em preparativo para um ataque à aldeia na manhã seguinte. Nesta, os russos estavam entrincheirados nas
ruínas dos prédios, nos porões e covas, com tanques guardando o perímetro. Era contra esse obstáculo
formidável, que Siilasvuo propunha lançar sua pequena força, que carecia de canhões antitanques ou de
artilharia, além de já estar começando a mostrar sinais de exaustão.

Enquanto isso, outro ataque ao norte de Hulkonniemi possibilitara estabelecer um ponto de apoio que deu
aos finlandeses uma oportunidade de hostilizar o inimigo pela retaguarda. Apesar dos pesados ataques e fogo
de artilharia russos, essa força atacante conseguiu manter-se em suas posições até o dia 18, quando
finalmente foi obrigada a recuar. Nesse meio tempo, ela ajudou a aliviar a pressão das forças que atacavam
os russos do lado sudeste da aldeia.

No dia 14, os finlandeses tornaram a atacar as posições russas em Suomussalmi, mas apesar de furiosa luta,
não conseguiu romper aquelas linhas inimigas. À medida que as forças finlandesas penetravam nos arredores
da aldeia, vez por outra eram alvo dos tiros vindos de ninhos de metralhadoras que não haviam sido
destruídos. Enquanto as forças principais finlandesas se concentravam na aldeia, outro grupo atravessava o
lago norte e leste dos russos para mantê-lo sob vigilância, temendo que ele fosse usado como rota de
abastecimento.

Por volta do dia 18, Siilasvuo cancelou os ataques na área da aldeia, pois estavam ocasionando muitas
baixas, e as tropas já se sentiam à beira da exaustão. Mas a essa altura dos acontecimentos, a 163ª Divisão
estava completamente cercada e dividida em vários mottis; tudo o que os finlandeses tinham a fazer era
impedi-la de desvencilhar-se, até a chegada de mais reforços. Nesse ínterim, os finlandeses fortaleceram
diligentemente suas posições o melhor que podiam, preparando-se para novas ofensivas.

Mais ou menos ao mesmo tempo, batedores informaram da aproximação de mais tropas inimigas vindo da
direção de Raate e do norte. Para aumentar sua preocupação, a 163ª Divisão estava obviamente preparando-
se para fugir à armadilha finlandesa. Felizmente os reforços também estavam a caminho para os finlandeses
e, já pelo dia 20, duas baterias e dois canhões antitanques haviam chegado.

Com tropas descansadas e com mais armas, Siialsvuo deu ordens para que seus homens atacassem
novamente, no dia 20. Uma vez mais, mesmo com os canhões antitanques, os finlandeses tiveram
dificuldades para enfrentar os tanques. Esses problemas aumentaram pelo fato de os russos estarem tão bem
entrincheirados e se defendendo com a determinação inerente aos homens condenados. No fragor da batalha,
tornou-se claro que os finlandeses ainda não tinham efetivos suficientes para lidar eficazmente com o
inimigo, mas pelo menos sabiam que podiam mantê-lo retido ali.

Nos dias 21 e 22, um pequeno destacamento foi despachado para destruir uma ponte atrás dos russos que
estavam sendo retidos nos obstáculos na estrada de Raate entre os lagos Kuomas e Kuivas. A tentativa em si
fracassou, mas veio provar que os russos estavam esperando reforços, porque o destacamento fez um ataque
de surpresa a um grupo antitanque que acompanhava a força de ataque. Contudo, os finlandeses ainda
ignoravam a extensão da ameaça que se aproximava. O quadro clareou gradativamente, mostrando que toda
uma nova divisão, a 44ª, organização motorizada de elite do distrito militar de Moscou, estava a caminho de
Raate para livrar a 163ª das suas dificuldades. Nessas circunstâncias, o grupo finlandês atacante recuou para
trás das suas próprias linhas para esperar reforços.

Apenas duas companhias estavam defendendo a estrada contra os grupos da 163ª Divisão retida nos lagos
Kuomas e Kuivas e também contra a 44ª Divisão, que vinha avançando. A questão era se essas tropas
poderiam defender a linha até que se completasse a destruição da 163ª Divisão e que se pudesse mandar
reforços de Suomussalmi. De maneira quase incrível, esses poucos homens realmente superaram os
obstáculos na estrada até a chegada de ajuda, que se deu umas duas semanas depois.

Enquanto isso, Siilasvuo reagrupara suas forças em antecipação à vinda do restante da 9ª Divisão de Oulu,
que devia chegar a 25 de dezembro. Seu plano agora exigia um ataque principal a ser desfechado do oeste e
do norte atrás dos russos retidos em Hulkonniemi, enquanto que uma força menor os atacaria pelo leste. As
forças inimigas que estavam dentro da aldeia propriamente dita seriam retidas por uma série de pequenos
ataques durante a ofensiva principal. Se tudo saísse de acordo com os planos, a 163ª Divisão seria dividida
em mottis sucessivamente menores, o que tornaria inevitável a sua destruição. O ataque foi marcado para a
manhã de 26 de dezembro.

Contudo, quase todo o planejamento foi desmoronado por um violento contra-ataque russo, apoiado por
bombardeiros e caças, contra todas as posições finlandesas, nos dias 24 e 25. Embora esse ataque fosse
contido, ele obrigou Siilasvuo a adiar o seu até o dia 27, a fim de que seus homens pudessem descansar.
Apesar das duas semanas de duro combate e da resultante fadiga dos finlandeses, o ataque começou às
primeiras horas do dia 27 e se estendeu por dois dias. As operações ao norte da aldeia logo romperam a linha
de frente russa e dividiram as forças inimigas em grupos menores; selvagens contra-ataques de nada lhe
valeram, além de maior número de baixas. Na noite de 27, já os russos estavam aglomerados numa pequena
área com pouco suprimentos e menos esperança de conseguir uma vitória.

Durante o primeiro dia da batalha, o reconhecimento aéreo informou estar havendo importantes preparativos
na 44ª Divisão para romper o obstáculo da estrada e ajudar a 163ª. Esses relatórios causaram considerável
ansiedade, até que um novo batalhão chegou mais tarde naquele mesmo dia e foi despachado para reforçar o
obstáculo. Com grande dificuldade a estrada foi defendida contra o ataque russo do dia seguinte.

No dia 28, os finlandeses fizeram uma penetração decisiva nas linhas meridionais inimigas em Hulkonniemi.
Esse acontecimento causou pânico aos russos, que empreenderam a fuga pelo gelo do lago Kianta. Outro
pânico foi provocado em Suomussalmi e não demorou para que quase toda a divisão, exceto um terço dela,
que estava cercado ao norte de Hulkonjiemi, estivesse em fuga através do gelo sob a proteção dos tanques
que lhes restavam, enquanto os finlandeses a perseguiam em esquis e a metralhava do ar. Somente umas
poucas e reduzidas unidades sobreviveram a essa derrota.

No dia seguinte, os restos da 163ª receberam o mesmo tratamento. Contudo, com um terço da divisão
inimiga ainda passível de combate, Siilasvuo não se sentia livre para mandar mais de um batalhão para
reforçar o obstáculo; no entanto, continuou resistindo. Embora cercados, os russos restantes da 163ª fizeram
um esforço inaudito para tentar romper o sítio, mas apenas alguns destacamentos espalhados o conseguiram.

Quando o dia terminou, a 163ª Divisão ucraniana estava completamente destruída, sem qualquer alternativa.
No campo de batalha havia espalhados 5.000 mortos e incontáveis outros sepultados na neve, como também
foram feitos 500 prisioneiros. Os despojos foram impressionantes e representavam excelente acréscimo ao
esforço de guerra finlandês. Incluíam 25 canhões de campanha, 11 tanques, 150 caminhões, 250 cavalos e
quantidades enormes de fuzis e munição.

Embora submetidos ao máximo da resistência física e mental, os soldados finlandeses não tiveram trégua.
Depois de algumas horas de repouso, retornaram à luta, dessa vez contra a 44ª Divisão, que agora sentiria o
peso da eficiência da tática dos mottis.

A tática dos mottis consistia de um processo tríplice: reconhecimento e bloqueio, seguido de ataque e
isolamento e por fim o aniquilamento. O primeiro estágio fora completado enquanto a luta urgia em
Suomussalmi. Agora com sua coluna estendendo-se por mais de 32 km de estrada, indo até Raate, a 44ª
Divisão era um alvo excelente para os segundo e terceiro estágios. Contudo, o emprego do processo dos
mottis não seria tão simples como parecia, porque os russos estavam entrincheirados em ambos os lados da
estrada a fim de se protegerem contra as patrulhas inimigas, e se utilizavam dos tanques para manter suas
comunicações desimpedidas. Por uma extensão de 400 metros de ambos os lados da estrada, eles haviam
derrubado árvores para formar um amortecedor entre eles e os guerrilheiros finlandeses que atacavam dia e
noite sob a proteção das florestas. Os russos não se atreviam a se afastar muito dos seus próprios perímetros
e suas patrulhas raramente penetravam os bosques. Observou-se na época que os russos sofriam de
claustrofobia quando entravam num pequeno bosquedo. Devido a sua falta de reconhecimento pelos
arredores, os russos não podiam avaliar o tamanho da força atacante; obviamente acreditavam que ela
ultrapassava a realidade, pois se abstiveram de fazer grandes esforços no intuito de se livrarem da armadilha.
Além disso, como as comunicações entre as duas divisões inimigas estavam cortadas, os comandantes da 44ª
provavelmente ignoravam a extensão do desastre ocorrido com a 163ª Divisão.

Para a realização dos objetivos das tropas de Siilasvuo, o terreno e suas condições eram perfeitos. Cerca de 3
a 5 km ao sul da estrada havia um comprido lago que servia de rodovia e pelo qual eles podiam mover-se
despercebidos em direção às posições de ataque ao longo das linhas inimigas. Do lago, só precisavam
atravessar os bosques até a distância de ataque das posições russas. Assim, apesar de 1.20 m de neve e sob
temperaturas glaciais, os finlandeses não tiveram qualquer dificuldade em se prepararem para o ataque.

Na véspera do Ano Novo, o ataque começou por um assalto contra as posições inimigas logo atrás da
barricada. O objetivo era isolar, bem como sondar os russos. No dia 2, o ataque foi renovado, mas enfrentou
rigorosa resistência, especialmente dos tanques. Felizmente, o restante da 9ª Divisão chegou naquele dia,
tendo terminado operações de limpeza ao norte de Suomussalmi. Utilizando-se dessas forças adicionais, os
finlandeses puderam completar o isolamento do grupo avançado do inimigo, do resto da coluna.

No dia 5, teve inicio o ataque geral por toda a extensão da coluna inimiga, com o objetivo de dividir os
russos em mottis manejáveis. Derrubaram-se árvores e construíram-se abatis sobre a estrada, com minas e
canhões para defendê-los. Era impossível aos tanques se desviarem dos obstáculos, por causa da potência de
fogo dos finlandeses, da neve profunda e das florestas densas. Os tanques lançados contra os abatis eram
destruídos e acrescentado ao bloqueio. Pelo final do primeiro dia do ataque geral, a 44ª Divisão foi secionada
em vários pontos, de modo que os segmentos individuais eram incapazes de se ajudarem mutuamente. Pelos
segundo dia, os soldados russos davam sinais de nervosismo, e quando os ataques finlandeses reiniciaram,
eles fugiram para as matas, sem qualquer tentativa de repelir os atacantes. Aproveitando-se da vantagem, os
finlandeses ocuparam as posições russas e pelo anoitecer haviam destruido virtualmente todos os mottis. No
dia seguinte, as operações finais eliminaram a 44ª Divisão e somente uns poucos destacamentos espalhados
escaparam para contar a história.

Quando se fez um levantamento dos resultados desses ataques, verificou-se que o despojo incluía 43 tanques,
50 canhões de campanha, 25 armas antitanques, 270 caminhões, carros e tratores, 300 metralhadoras, 6.000
fuzis, 32 cozinhas de campanha e 1.700 cavalos. Não se pôde contar as baixas inimigas, porque os corpos
estavam por demais espalhados e em sua maioria achavam-se sepultados na neve. Os prisioneiros somavam
1.300. As baixas finlandesas em Suomussalmi e na estrada de Raate foram de 900 mortos e 1.770 feridos.

A destruição das 163ª e 44ª Divisões russas foi de valor decisivo para as operações inimigas do Norte.
Durante o resto da guerra não se fizeram quaisquer outras tentativas de dividir a Finlândia em duas partes.
Assim, os finlandeses puderam transferir muitas da unidades do Ártico para a frente da Carélia. Essas
vitórias foram o resultado de um comando arrojado e enérgico, que usou as tropas, o terreno e as condições e
deles retirou a melhor vantagem possível. Nos anais da guerra, temos de procurar nos tempos clássicos os
paralelos para esse aniquilamento de tão grandes números por tão poucas unidades.

Enquanto a destruição das divisões russas em Suomussalmi estava ocorrendo, a linha de defesa em Kuhmo
conseguia manter a 54ª Divisão russa num impasse. Depois de completar as operações em Suomussalmi, a 9ª
Divisão finlandesa foi transferida para Kuhmo a fim de começar ali o mesmo processo. Os primeiros
destacamentos chegaram a 26 de janeiro. Uma vez mais, o plano de batalha era cortar as colunas inimigas em
grupos isolados pelo uso de unidades móveis de esquiadores e de operações de golpes de mão, provocando
desse modo, um clima permanente de incerteza, medo e depressão.

Como a 9ª Divisão agora se preparava para as operações em Kuhmo, suas experiências em Suomussalmi
eram de valor inestimável. Do norte da rodovia principal dominada pelo inimigo, os finlandeses começaram
a promover melhoramentos numa estrada que os colocaria numa posição logo atrás dos russos. Toda essa
atividade passou despercebida pelos russos, pois os finlandeses desenvolviam seu trabalho, de preferência à
noite. Ao longo da estrada eles armazenaram suprimentos e instalaram barracas isoladas e preparadas para
abrigar os soldados cansados da batalha e ansiosos por uma cama acolhedora. Também se construíram
alguma trincheiras como medida de defesa.

A 28 de janeiro, o golpe foi desfechado por uma pequena força que se movia contra os grupos inimigos
estacionados mais próximos de Kuhmo. Os russos resistiram obstinadamente e o ataque pareceu um tanto
indeciso, mas foi o suficiente para impedir, de uma vez por todas, o avanço russo contra a própria cidade de
Kuhmo.

O ataque geral contra as posições russas atrás da barricada teve inicio no dia seguinte. Um batalhão, dividido
em dois grupos, aproximou-se do norte, enquanto três outros batalhões, movendo-se em duas colunas,
avançavam pela margem sudeste do lago Sauna. As duas forças atacantes chegaram à estrada, mas o grupo
do norte foi detido antes que assumisse o controle da seção que lhe estava designado. Sem saber, ela topara
com o posto de comando avançado russo, cujas defesas não pôde romper. As duas colunas do sudeste se
separaram: um batalhão seguiu para o sudeste pela estrada, com a missão de bloqueá-la naquela direção; os
outros dois batalhões dirigiram-se para o noroeste, com o objetivo de envolver as posições russas naquela
direção. O trecho da estrada entre esses dois grupos logo ficou livre de tropas inimigas e as comunicações
entre os grupos de frente e de retaguarda da coluna inimiga foram interrompidas.

Contudo, não demorou muito para que os dois grupos finlandeses encontrassem bunkers construídos pelos
russos e que foram fortemente defendidos por seu ocupantes. Além disso, surgiram tanques russos, que
vieram criar complicações para os finlandeses, mas estes, dessa vez, usaram contra os tanques os canhões
antitanques russos capturados. O maior problema, entretanto, era representado pelos bunkers de toras, porque
se mostravam quase impenetráveis aos disparos dos lançadores de granadas e não havia canhões suficientes
para destruí-los. Os finlandeses realmente usaram os canhões antitanques contra os pontos fracos dos
bunkers, mas essa tática teve sucesso apenas parcial, sendo por isso impossível arrasar por completo as
posições russas.

Mesmo com todos esses reveses, os finlandeses conseguiram, nos dias subsequentes, dividir a coluna russa
em dez mottis, numa extensão de 26 km de rodovias, mas esse sucesso ainda os deixava e meio a sérios
problemas. Uma das principais dificuldades consistia na nova estrada de abastecimento finlandesa, vinda do
norte, que terminava num ponto entre dois mottis, separados por apenas 800 metros. No começo de
fevereiro, os russos conseguiram interceptar a estrada de abastecimento e dominá-la por alguns dias, e só
depois de dois vigorosos contra-ataques é que os finlandeses puderam recapturá-la e abri-la novamente. Ao
mesmo tempo, os russos resistiram tenazmente aos esforços empreendidos para comprimi-los em posições
mais concentradas, a fim de aliviar a pressão exercida sobre as forças finlandesas que estavam operando na
estrada entre os dois mottis. Finalmente, elas obtiveram êxito, quando os mottis oriental e ocidental cederam,
a 25 e 27 de fevereiro, respectivamente. Mas esses dois grandes mottis nunca foram completamente
aniquilados, embora sofressem pesadas baixas.

Nas operações em Kuhmo, os finlandeses não foram tão bem sucedidos quanto tinham sido em
Suomussalmi, mas convém lembrar que os russos foram mais belicosos em Kuhmo. Alimento, forragem,
munição e gasolina foram lançados de avião para a coluna sitiada, enquanto que expedições de ajuda da sua
23ª Divisão, apoiada por tanques e artilharia, continuavam sendo ameaça constante para as operações
finlandesas, exigindo muito do seu tempo e energia para desviá-las. Sem aviões para dominar os ares e sem
artilharia suficiente para esmagar os bunkers, os finlandeses não podiam efetivamente realizar seus objetivos.
Além disso, a dificuldade em obter suprimentos era tão grande para os finlandeses quanto para os russos.

Durante o mês de fevereiro, as forças finlandesas resistiram a vários contra-ataques vigorosos dos russos,
mas ainda assim conseguiram manter os mottis isolados. Felizmente, nessas ocasiões, o inimigo também não
conseguiu coordenar seus esforços. Por exemplo, num dos ataques, os tanques inimigos conseguiram
penetrar as linhas finlandesas, mas em vez de se dividirem em dois grupos e atacar em duas direções
simultaneamente, toda a força de tanque seguiu uma única direção. Assim, os finlandeses puderam
aproximar-se rapidamente pela sua retaguarda e obrigá-la a recuar. Este e outros esforços para fugir ao cerco
resultaram em pesadas baixas para os russos.

Num esforço desesperado para enfrentar os finlandeses em pé de igualdade, os russos despacharam uma
brigada de esquiadores da estrada setentrional através das florestas, pretendendo com isso libertar seus
companheiros prisioneiros. Segundo Kruschev, essa equipe de esquiadores era uma das melhores que a
URSS tinha a oferecer, e bem poderia ter sido mesmo - nas planícies russas; nas florestas da Finlândia, no
entanto, sua perícia era insuficiente. Nas florestas, a 11 de fevereiro, eles entraram em contato com uma
patrulha finlandesa e perderam muitos homens na escaramuça que se seguiu, incluindo 50 capturados.
Ignorando esse revés, a brigada de esquiadores avançou pelos bosques até as posições finlandesas em
Kiekinkoski, na estrada norte que leva a Kuhmo. Ela sumiu de vista por algum tempo, mas conseguiu chegar
à área da nova estrada de abastecimento finlandesa por volta do dia 14. Os esquiadores puderam interceptar a
estrada temporariamente, porque as únicas forças que os finlandeses dispunham na área eram tropas de
abastecimento e homens que descansavam das suas lutas na frente de batalha. Fracas demais para deter os
russos com uma tentativa de contra-ataque, as tropas de retaguarda só podiam mesmo era deixar que os
russos se instalassem em seus acantonamentos.

Mas uma companhia reforçada de esquiadores finlandeses logo veio atrás do inimigo. Abatendo-se sobre os
russos, o grupo avançado atacou antes que o resto da companhia chegasse, embora o inimigo parecesse
muito superior em potencial humano. Essa superioridade foi diminuída pelo fato de os fuzis semi-
automáticos dos russos não terem funcionado no frio extremo, porque, como se soube mais tarde, eles não
haviam sido muito cuidadosos na sua limpeza. Quando seus fuzis não disparavam, os russos investiam contra
os finlandeses a baioneta calada ou recorriam às próprias mãos. Contudo, durante a batalha, os finlandeses
descobriram repentinamente que os russos haviam tomado posição atrás deles. Nessas circunstancias,
aqueles se viram defendendo precariamente a sua posição durante a noite, enquanto aguardavam a chegada
do restante da companhia.

Quando os esperados finlandeses chegaram, a brigada de esquiadores russos foi obrigada a romper o contato.
Com seu caminho até os compatriotas sitiados bloqueado, parte da brigada russa dirigiu-se para noroeste, e
ali foi repelida. Outra parte do grupo seguiu para o norte, onde foi atacada de dois lados. Os russos, bastante
hostilizados, agora fugiam para o leste, procurando escapar. Cerca de 100 homens se perderam e foram
mortos. A força principal permaneceu nos bunkers finlandeses, onde foi destruída. Lançando granadas de
mão e conclamando aos russos para se renderem, os finlandeses desfecharam ataque total aos bunkers.
Quando este falhou, os bunkers foram incendiados, mas o inimigo ainda assim recusou render-se, tentando,
em vez disso, romper através das linhas finlandesas. Os russos, em sua maioria morreram nessa tentativa.
Quando tudo terminou, havia mais de 300 mortos na frente dos bunkers e 40 corpos nas ruínas calcinadas.
Apenas 4 homens se renderam. Numa estimativa final, encontraram-se quase 1.50 esquiadores russos mortos
nas florestas finlandesas. Um amigo do autor, Coronel A.K. Marttinen, que era Chefe do Estado-Maior de
Siilasvuo na época, ofereceu uma nota interessante para esse episódio: ele disse que quando se recolheram os
esquis russos, verificou-se que eram de qualidade tão inferior que só puderam ser usados como lenha.

Pelo final do mês, os russos da 44ª fizeram um grande esforço para escapar da sua entalada. O fogo da
artilharia pesada estava sendo cada vez mais dirigido contra as posições finlandesas em Kuusijoki. Depois de
uma série de batalhas, os finlandeses se retiraram das área e usaram as tropas para reforçar o motti em
Loytavaara. Ali, os russos tentaram várias vezes escapar, mas em todas elas foram repelidos e a situação
permaneceu inalterada até o fim da guerra.

Ao mesmo tempo, tentou-se completar a destruição do motti perto do lago Sauna. Mas também ali, o fim da
guerra pôde ser visto antes que terminasse a operações, embora uma parte das forças inimigas fosse
destruída. Os comandantes finlandeses na área acreditavam que se a guerra tivesse durado mais um ou dois
dias, todo o motti teria sido aniquilado.

Embora as batalhas em Kuhmo terminassem sem triunfo total conseguido em Suomussalmi, não pode haver
dúvidas de que os russos haviam sofrido uma derrota contundente. Mas os finlandeses também sofreram
proporcionalmente mais em Kuhmo do que em qualquer outro setor, porque a perda de oficiais foi maior que
o normal nesses ataques, onde o exemplo pessoal muitas vezes decidia o resultado.

Mais ao norte, acima do Círculo Ártico, em Salla e Petsamo, a invasão russa também foi detida. Em Salla,
duas divisões inimigas haviam expulsado o único batalhão de defesa da aldeia a 9 de dezembro. Esse sucesso
abriu a estrada para Kemijarvi e Pelkosenniemi e limpou o caminho para um avanço rumo a noroeste e
sudoeste, onde essas divisões poderiam unir-se às colunas invasoras de Petsamo, Savukosi e Pelkosenniemi.
Entretanto, as escassas forças finlandesas haviam sido reforçadas por um batalhão de ajuda. Com essas
poucas tropas, os finlandeses tomaram a iniciativa no dia 18 e decidiram a questão por um ataque de flanco.
Os russos fugiram de volta para Salla, num pânico cego, deixando para trás 10 tanques, 40 caminhões e
várias armas e munição.

Depois disso, o inimigo entrincheirou-se em Salla e a linha de frente permaneceu calma durante um mês.
Houve dois pequenos ataques às posições vermelhas na estrada Salla-Kemijarvi, nos dias 2 e 3 de janeiro,
mas essas escaramuças não produziram quaisquer resultados importantes. Os russos foram repelidos de
algumas partes da estrada, perdendo cerca de 200 homens. Já então, os soldados finlandeses estavam tão
exaustos que não foi possível encetar outros ataques. Retornando às táticas de guerrilha, os finlandeses
passavam agora a hostilizar os russos na retaguarda, desbaratando suas linhas de comunicação, seu tráfego
rodoviário e destruindo as pontes. Diante desses tormentos, os russos se entrincheiraram ainda mais
profundamente, construindo bunkers enquanto seus tanques patrulhavam a estrada juntamente com alguns
pára-quedistas.

A partir de meados de janeiro, os finlandeses retornaram à ofensiva. Esse ataque conseguiu obrigar os russos
a recuar para posições mais fortes em Markajarvi, para o sudoeste de Salla, onde ficaram até o fim da guerra.
Mais tarde, uma força russa tentou expulsar uns dois fracos batalhões finlandeses da sua posição na estrada
Salla-Pelkosenniemi, mas ela própria é que foi repelida.

A 26 de fevereiro, um grupo de voluntários suecos chegou e foi encarregado de conter os russos, enquanto os
batalhões finlandeses eram transferidos para o campo de batalha em Viipuri. Embora os finlandeses fossem
numericamente fracos demais para empregar a tática do motti em Salla com a mesma eficiência com que
tinham feito em Suomussalmi, eles resistiram a um ataque esmagador e se mantiveram firmes em suas
posições. Não se podia esperar mais deles.

O relato das operações acima do Círculo Ártico estaria incompleto sem uma breve descrição das ações na
área de Petsamo. O porto de Petsamo está livre dos gelos, mas distante uns 400 km da ferrovia mais próxima
e ligado ao sul da Finlândia só por uma rodovia estreita. Portanto, estava tão longe do principal teatro de
guerra, a ponto de ficar praticamente esquecido durante o conflito. Naturalmente, para os russos, com suas
conexões ferroviárias com Murmansk e com sua esquadra do Ártico nas águas perto de Petsamo, uma
invasão da área era muito viável. O interesse russo na área se baseava em grande parte nas minas de níquel
ali existentes, e que se situavam entre as mais ricas da Europa.

Quando a invasão começou, os finlandeses tinham apenas uma companhia, reforçada por uma bateria de
artilharia para defender toda a região contra uma divisão russa. As peças de artilharia datavam de 1887 e as
poucas reservas disponíveis estavam localizadas em várias aldeias. No começo da guerra, os russos logo
ocuparam a Península dos Pescadores e então avançaram para o sul em três colunas, levando tudo de roldão.
Contudo, o clima extremamente rigoroso e as táticas tipo guerrilha finlandesa detiveram o avanço. Os russos
então se entrincheiraram, com seus tanques protegendo o perímetro das suas defesas. Por volta de 18 de
janeiro, a frente foi estabilizada em Nautsi, onde permaneceu até o fim da guerra.

A Ofensiva de Fevereiro
Depois de sofrer tremendas derrotas no Istmo da Carélia durante o mês de dezembro, os russos
permaneceram relativamente inativos por todo o mês de janeiro, embora se esperasse que eles lançassem
imediatamente tudo o que tinham num novo ataque para recuperar seu arrasado prestígio. Em vez disso,
passaram o mês transportando grandes quantidade de artilharia, de munição e de equipamento, juntamente
com várias novas divisões para suas posições de retaguarda. Ao mesmo tempo, ampliaram e melhoraram sua
rede de comunicações no Istmo. Outra razão para a calma reinante foi a mudança de comando que se deu
após as primeiras derrotas. K.E. Voroshilov, Comissário da Defesa, foi substituído pelo Marechal Smeyon
Timoshenko, que também foi nomeado Comandante-Chefe das forças vermelhas que operavam no Istmo.
Timoshenko era um comandante meticuloso e sistemático que não despendia suas energias e esforços
inutilmente. Também é verdade que os estrategistas russos provavelmente estavam esperando uma
penetração ao norte do lago Ladoga, o que teria representado o cerco das forças finlandesas no Istmo e a
interrupção das suas ligações ferroviárias com a Suécia.

Durante o mês de janeiro, os russos usaram expedições de reconhecimento e balões para determinar as
posições dos embasamentos de artilharia e dos bunkers finlandeses, e a informação que colheram melhorou
sensivelmente a precisão da sua artilharia. Durante todo o mês, as posições finlandesas foram submetidas a
bombardeios de terra e ar. Atrás das linhas, as tropas russas eram submetidas a treinamento intensivo para o
futuro ataque; parte desse treinamento incluía assaltos a vários setores das linhas finlandesas e esses ataques
práticos eram claramente mais bem organizados do que os de dezembro: somente depois de um bombardeio
intensivo para debilitar as posições finlandesas é que a infantaria avançava, mas só em estreita cooperação
com unidades blindadas.

Para as tropas finlandesas o período de espera foi desmoralizante, não só devido à incerteza mas também por
causa dos constantes bombardeios aéreo e de artilharia. As comunicações finlandesas de campanha foram
virtualmente destruídas, muitas das casamatas de concreto foram reduzidas a pó e, durante o dia, nenhum
homem sozinho podia aventurar-se a sair sequer atrás das linhas devido aos ataques aéreos. Com o passar
dos dias, tornou-se cada vez mais necessário realizar os movimentos e atividades à noite. Os fogos acesos
nas barracas e bunkers tinham que ser apagados ao anoitecer, apesar das temperaturas baixíssimas. Ao
mesmo tempo as operações da artilharia finlandesa foram seriamente prejudicadas.

Em ambos os lados, o reagrupamento e a reorganização foram realizados durante o período de espera. Os


finlandeses retiraram a 5ª Divisão da linha, substituindo-a pela 6ª, agora rebatizada como a 3ª Divisão. Para a
5ª Divisão foram destacadas várias unidades independentes e essa força tornou-se a reserva principal. A 21ª
Divisão foi combinada com a 1ª e posicionada ao longo da extremidade oriental do Istmo como a reserva da
do Comandante-Chefe. Do lado russo, Timoshenko dividiu suas forças no Istmo pelos 7° e 13° Exércitos. No
norte, os 9°, 14° e 18° Exércitos russos foram combinados num único grupo de exércitos, sob o comando do
Marechal Stern.

Quando o ataque russo começou, a 1° de fevereiro, concentrou-se principalmente no lado ocidental do Istmo,
sobretudo contra as defesas do setor de Summa. À época, as forças adversárias estavam deslocadas da
seguinte maneira: da costa do Golfo da Finlândia até Suokanta, a 4ª Divisão finlandesa enfrentava três
divisões russas: as 43ª, 138ª e 70ª; de Suokanta até a ferrovia, a 3ª Divisão se opunha às 123ª e 90ª Divisões e
a 40ª Brigada de tanques inimigas; da ferrovia até o lago Muola, a 1ª Divisão finlandesa confrontava a 24ª
Divisão vermelha; do lago Muola até Vuoksi, a 2ª Divisão defendia a linha contra as 136ª e 142ª Divisões
russas; a 8ª Divisão finlandesa defendia posições de Vuoksi até Sakkola contra a 4ª Divisão russa, mas
provavelmente também havia outros contingentes russos nesse último local; a 7ª Divisão defendia o Setor de
Sakkola até o lago Ladoga contra as 49ª e 150ª Divisões soviéticas. Atrás das linhas, os russos tinham como
reserva um corpo de tanques de exército e pelo menos três divisões de infantaria. Contra essas forças, os
finlandeses só puderam preparar as 5ª e 21ª Divisões como reservas estratégicas.

Às primeiras horas de 1° de fevereiro, teve inicio a mais violenta barragem de artilharia desfechada até
então; nos céus, cerca de 500 bombardeiros também surgiram para o ataque. O reconhecimento aéreo
finlandês informou que os russos tinham 104 baterias em ação, ou cerca de 400 canhões de campanha. Os
russos estavam tão confiantes de que a força aérea e a artilharia finlandesas não poderiam prejudicá-los, que
nem sequer se deram ao trabalho de camuflar suas posições de tiro.

Ao meio dia, os tanques avançaram para as linhas finlandesas, empurrando rolos à sua frente para fazer
detonar minas e rebocando trenós blindados cheios de soldados de infantaria. Aparentemente, a experiência
os ensinara a utilizar com mais eficiência a versatilidade inerente do tanque. Eles também usaram lança-
chamas pela primeira vez. Outros soldados de infantaria vinham a pé atrás dos tanques, ocultos por trás de
cortinas de fumaça e escudos blindados.

Nesse ataque, os tanques inimigos operaram com mais cautela do que anteriormente; eles não tentaram fazer
penetrações profundas nas linhas finlandesas, mas concentraram seus esforços em isolar os bunkers de
concreto e os ninhos de metralhadoras e em bloquear as aberturas pelas quais os finlandeses disparavam.
Eles deram particular atenção às armadilhas para tanques e aos obstáculos de arame farpado, procurando
destruí-los. Já no dia anterior, pára-quedistas haviam sido lançados atrás das linhas finlandesas para essa
mesma finalidade. Num setor, os finlandeses combateram uma unidade aerotransportada durante todo o
primeiro dia da batalha, mas não se fez amplo uso de pára-quedistas no decorrer da Guerra de Inverno.

A batalha prosseguiu intensa durante todo o dia e noite adentro. Embora os russos recebessem suprimento
constante de substitutos para os que tombavam, os ataques foram repelidos ao longo de toda a linha.
Contudo, não podia haver dúvida de que as posições finlandeses tinham levado uma surra. Muitos dos
bunkers de concreto foram irreparavelmente danificados; embasamentos de artilharia e ninhos de
metralhadoras foram arruinados e, em muitos lugares completamente destruídos, sendo que os trabalhos de
reparo durou toda a noite, apesar do bombardeio quase contínuo e que estava dirigido especialmente contra
as linhas de frente, mas que também atingiam erraticamente as estradas na retaguarda.

Essa batalha representou apenas o levantar do pano para os ataques que viriam. Houve alguns dias de relativa
calma, durante os quais realizaram-se pequenas ações de sondagem, mas estas foram facilmente repelidas.
Contudo, no dia 5, o inimigo passou ao ataque e tornou a concentrar seus esforços principais no setor de
Summa. Uma vez mais, uma canhonada contínua durante a noite precedeu o ataque e quando este se
realizou, foi com toda força, mas os finlandeses repeliram o invasor, que deixou 14 tanques no campo de
batalha.
No dia 6, o ataque se generalizou ao longo de toda a frente, mas com o avanço principal ainda contra
Summa. Durante os 5 dias seguintes, os finlandeses agüentaram tudo que vinha dos russos. Bombardeados
do ar e pela artilharia, dia e noite, e sob ataque contínuo da infantaria durante o dia, o finlandeses
mantiveram suas posições com feroz determinação. Durante um período de 24 horas, os russos dispararam
umas 300.000 granadas contra as linhas finlandesas.

Incapazes de romper as defesas de Summa, os russos desviaram seus esforços principais para o setor de
Lahde, no dia 11. Simultaneamente foram desfechados ataques intensivos por todo Istmo e também sobre o
gelo do Golfo da Finlândia e do lago Ladoga. Estes últimos foram uma tentativa de fazer recuar os flancos
das defesas finlandesas. Várias brechas foram abertas na linha, mas com a ajuda das reservas locais, logo
foram fechadas. O uso dessas unidades locais, entretanto, levara o comando finlandês a depender das 5ª e 12ª
Divisões - as últimas das suas reservas.

Foi em Lahde que ocorreram os piores ataques. Ali, os russos haviam concentrado tanta artilharia pesada,
que os bunkers e os ninhos de metralhadoras foram pulverizados. Por volta da 1:00 hora, os bunkers mais
avançados foram tomados pelo inimigo e foi preciso pedir reforços à 5ª Divisão. Naquela tarde, dois canhões
de campanha Bofors da 5ª Divisão chegaram ao local, mas não veio nenhuma tropa. Por volta das 19:30
horas os tanques e a infantaria inimigos despejaram-se sobre as posições finlandesas e penetraram cerca de
1.600 metros até as posições de retaguarda. Ao mesmo tempo, as levas sucessivas dos atacantes começaram a
fazer recuar as defesas finlandesas dos lados da brecha. Entre o inimigo e Viipuri estavam apenas uma
poucas reservas fracas do II Corpo de Exércitos.

A arremetida prosseguiu ininterrupta noite adentro. Uma tentativa de contra-ataque feita naquela noite pela
defesa de Lahde fracassou por falta de reforços. Somente no dia seguinte é que as reservas puderam chegar
àquela zona, mas mesmo estas mostraram-se inadequadas, pois só havia um regimento disponível. O resto
das unidades de reserva teve de ser desviado para o setor de Summa a fim de sustentar a linha local que
estava vacilando. Outra brecha foi aberta na linha a nordeste de Merkki naquela noite e no dia seguinte, e o
inimigo começou a avançar para leste. Esse desenvolvimento teria sérias ramificações mais tarde, pois
derrubou a pedra angular do contra-ataque finlandês no dia seguinte.

Felizmente, o resto da linha ainda estava resistindo quando a noite caiu. mas a tensão sobre as tropas de linha
de frente começava a se fazer sentir. A 3ª Divisão, na linha há um mês, estava tão exausta que seus homens
mal podiam manter os olhos abertos, mesmo diante dos tanques que avançavam. Portanto, a divisão foi
substituída pela 5ª no dia 13, o que significava que não havia mais quaisquer reservas estratégicas atrás da
seção de Summa, e também que não haveria nenhuma durante uma ou duas semanas, até que os homens da
3ª Divisão estivessem descansados.

No dia 13, os russos mandaram tropas descansadas para aumentar a brecha na frente de Lahde, onde os
finlandeses já haviam iniciado seu contra-ataque naquela manhã. Parte da brecha foi fechada, mas como não
havia mais reservas disponíveis, o que se ganhara durante o dia foi perdido naquela noite. Um fator que
complicou a operação finlandesa foi a presença de esquiadores russos, cuja localização era difícil e que
também serviam para aumentar a confusão da batalha.

No local da brecha, os russos concentraram tantos soldados e apareceram tão depressa que os defensores
próximo do Merkki foram esmagados em seus bunkers quando o inimigo começou a vencê-los pelos flancos.
Embora sofressem baixas terríveis, os russos continuaram a atacar o setor com tanques e infantaria até que,
pelo fim da tarde, os bunkers se achavam completamente inutilizados. Do lado leste, a linha foi rasgada e a
infantaria russa, liderada por 50 tanques, se despejou pelo buraco aberto. Os finlandeses lançaram seus
últimos batalhões de reservas, mas estavam virtualmente indefesos contra os tanques e o número esmagador
de russos.

A ruptura das linhas obrigou os finlandeses a cancelar seu contra-ataque e a recuar para posições ao norte do
lago Summa. Naquele setor, os russos haviam reforçado e ampliado muito seu ataque. Era evidente que a
batalha estava favorável para o inimigo. Mesmo os obuseiros pesados e os veículos de tropas na área tinham
sido perdidos. Embora os obuseiros fossem antigos, tendo servido na guerra russo-japonesa, sua perda fora
séria para os finlandeses.
Durante a noite, os russos penetraram ainda mais nas linhas finlandesas até estarem a cerca de 3 km atrás das
posições principais. Nesse ponto, a infantaria russa que estava na brecha ainda não estava bastante forte para
capitalizar sobre a situação, mesmo com o apoio dos tanques. Por outro lado, os finlandeses não tinham os
efetivos para repeli-la. No dia 14, os russos aumentaram a brecha em Lahde e ameaçaram fazer recuar toda a
linha de defesa de Summa. As tropas na área imediatamente ameaçada foram retiradas para posições
secundárias a alguma distância na retaguarda.

Não havia dúvida de que o inimigo ampliaria o bolsão na linha no dia seguinte e os comandantes finlandeses
enfrentavam a difícil decisão entre ordenar uma retirada geral para uma linha secundária ou não.
Mannerheim foi ate a frente no dia 14 para consultar os seus comandantes-de-campanha; depois de muita
discussão, resolveu-se retirar todas as tropas para a extremidade ocidental do Istmo, para as linhas
secundárias, muito embora essas posições só tivessem uns poucos pontos bem fortificados.

Enquanto isso, estava-se arranjando reservas em todas as frentes possíveis e até mesmo a marinha foi
chamada a enviar dois regimentos para a frente perto de Summa. O 62° RI da 21ª Divisão que estava perto
de Taipale recebeu ordens de ir para a extremidade ocidental do Istmo, no dia 13. Mas, devido às incursões
de bombardeio, essas tropas, que viajavam em carros abertos numa temperatura de -30°C, atrasaram-se na
ferrovia e só chegaram no dia 14. Um batalhão do Corpo de Defesa formado quase que inteiramente de
jovens, havia sido reunido em Viipuri e estava a caminho da frente em automóveis, mas só chegou lá depois
de se ter dado a retirada. Mais tarde, a 23ª Divisão, recentemente despachada para a frente de Kollaa, foi
chamada de volta ao Istmo. Enquanto os russos manejavam divisões, os finlandeses manipulavam batalhões.

No dia 15, os ataques inimigos prosseguiram contra o setor de Lahde; os russos logo venceram as defesas
restantes e então avançaram para o norte. À medida que a situação piorava, durante o dia outra brecha foi
aberta nas linhas na estrada Kamara; era evidente a necessidade de uma retirada total da costa para o lago
Muola e a ordem de retirada foi dada às 3:30 horas.

Felizmente, os russos não desfecharam quaisquer grandes ataques durante os dias seguintes, o que permitiu
aos finlandeses chegar às novas posições em boa ordem. Não obstante, a estrada para Viipuri agora estava
aberta ao inimigo. Obsedados por esta sombria realidade, os comandantes finlandeses pesavam na questão
mais proeminente no seu espírito; durante quanto tempo seus homens esgotados resistiriam nas novas
posições? Contudo, independente da gravidade da situação no centro da linha, suas extremidades haviam
resistido e toda tentativa do inimigo de envolver as defesas finlandesas pelas extremidades fora frustrada. Na
costa do Golfo da Finlândia, as baterias costeiras, especialmente as situadas em Koivisto, haviam provado
seu valor, obrigando os russos a recuar através do gelo. Agora, mesmo essas posições teriam de ser
abandonadas nos próximos dias.

A retirada apresentava alguns problemas muito difíceis, pois a maior parte teria de ser feita à luz do dia,
expondo assim os homens a incursões aéreas e ataques de tanques. Mas pelo dia 18, a maioria dos soldados
já estava em suas novas posições. Somente Koivisto e as ilhas que a cercavam ainda estavam guarnecidas e
enviou-se um regimento adicional para reforçar as tropas já no local, pois as baterias de Koivisto eram
importantes para a proteção da ala direita da linha finlandesa durante a retirada. No dia 21, as tropas foram
retiradas de Koivisto. A linha de defesa ia então desde a ilha Lasi na baía de Viipuri, dirigindo-se quase para
leste até a ferrovia, onde se desviava para sudeste, em direção à extremidade norte do lago Muola e, dali,
para o canal Vuoksi.

Cabia à 4ª Divisão a responsabilidade de defender o setor mais próximo da costa, que mostrou ser a mais
crítica nos dias seguintes. Já na noite de 17, o inimigo travou contato com as novas posições. No ataque do
dia seguinte, os russos realizaram pequena penetração em Yla-Somme, a pouca distância para o interior, que
lhes permitiu ocupar alguns prédios de pedra, de onde foi muito difícil desalojá-los. Nessa aldeia, como em
Summa, os obstáculos para os tanques haviam sido colocados muito longe da linha de tiro, para serem
realmente eficazes.

Durante dois dias, o 10° RI resistiu a toda a força do ataque inimigo, que era acompanhado por fogo
extremamente preciso. Como resultado, o regimento sofreu pesadas baixas e teve de ser substituído no dia
20. Seus sucessores também sofreram sérias perdas, pois os russos martelavam continuamente as posições na
aldeia. Finalmente, abriu-se um buraco na linha logo a leste da aldeia, mas soldados da defesa, apesar da sua
exaustão, se reuniram e repeliram os russos.
Na costa, a área a ser defendida era extensa por causa das ilhas e enseadas que tinham de ser vigiadas, se não
ativamente defendidas. Durante os primeiros dias da retirada, somente o 12° RI e as baterias costeiras
mantiveram a defesa de toda a área. Quando os russos deram inicio às operações ao longo da costa no dia 18,
conseguiram logo vencer vários pontos importantes e obrigaram os adversários a recuar para Pullinniemi e
Maisala no dia seguinte. Durante algum tempo, essas posições resistiram, apesar dos furiosos ataques e das
comunicações já muito instáveis com as forças principais. Por outro lado, na ilha de Koivisto, as tropas
finlandesas estavam virtualmente isoladas, tinham pouca ou nenhuma comunicação com o continente e
estavam ameaçadas de uma situação pior, se Pullinniemi caísse. À medida que as coisas pioravam no
continente e os russos conquistavam posições de onde poderiam submeter a face leste da ilha à sua artilharia,
era evidente que a situação se tornava muito mais grave do que um regimento podia controlar.

A 22 de fevereiro, a ilha de Koivisto foi abandonada depois de disparadas todas as granadas, de inutilizados
todos os canhões e destruídas as instalações de defesa. Levando o que podiam, os soldados iniciaram uma
jornada de 40 km pelo gelo da baía de Viipuri até Sakkijarvi, onde chegaram no dia seguinte. Pelo menos
uma vez os deuses da guerra sorriram para as esgotadas tropas finlandesas: quando começaram a flanquear o
inimigo desabou uma forte nevasca que as ocultou aos olhos do inimigo.

A ilha Lasi foi atacada pelos russos na manhã de 23 e capturada antes do meio-dia. Esse acontecimento
ameaçou a retaguarda de toda a linha secundária, porque abria caminho para Lihaniemi e a baía de Viipuri.
Como a ilha era por demais importante para o sistema de defesa finlandês, tentou-se recapturá-la naquela
noite, mas sem êxito, embora os finlandeses conseguissem defender o lado norte da ilha durante algum
tempo.

A linha secundária não só estava ameaçada pelo seu lado oeste como também pelo leste, onde os russos
quase que imediatamente haviam rompido as posições defendidas pelas 5ª e 23ª Divisões. A brecha ocorreu
numa área dominada por pequenas colinas e pântanos, situada entre a estrada principal para Viipuri e a
ferrovia. No dia 17, fez-se a primeira brecha em Postilampi, mas essa logo foi concertada, mesmo com
alguma dificuldade. Outra penetração ocorreu um pouco mais tarde na costa leste do lago Naykki. Passo a
passo, os russos avançaram contra a obstinada resistência finlandesa, abrindo um buraco ainda maior na
linha. Pelo dia 23 de fevereiro, o inimigo já estava quase a campo aberto e pronto para rumar na direção de
Viipuri.

Já então os comandantes na frente preocupavam-se cada vez mais com o fato de que as posições secundárias
não poderiam resistir por muito mais tempo. Apresentaram seus pontos de vista a Mannerheim, no dia 18,
mas tiveram ordem para defender a linha o mais tempo que pudessem. Esta resposta irritou um pouco os
comandantes, mas o Marechal não lhes dissera que os mediadores da paz estavam em campo e que quanto
mais tempo a linha resistisse, melhores as oportunidades de recorrer a termos razoáveis. Apesar da sua
irritação, os comandantes cumpriram as ordens e a linha foi defendida por mais 10 dias.

No dia 25 de fevereiro, os russos alargaram a brecha em Honkaniemi ao longo da ferrovia e ficaram em


posição de avançar sobre Viipuri e cercar o inimigo pela retaguarda. No dia seguinte, este último tentou um
contra-ataque com o auxílio de 15 tanques Vockers adquiridos antes da guerra, mas que só agora recebiam
seus armamentos. O aparecimento de tanques por trás causou muita confusão e, em alguns casos, pânico
entre as posições de retaguarda finlandesas e no tráfego de abastecimento na estrada. Além disso, o ataque
foi apenas parcialmente bem sucedido, pois os tanques tiveram dificuldades de se movimentar na neve e
eram leves demais para combater os tanques russos de 28 toneladas. Somente metade dos tanques
finlandeses retornou às suas bases. Esse acontecimento assinalou o fim da linha secundária. No dia 27 as
tropas receberam ordens de recuar para as linhas nos arredores de Viipuri. Estas iam desde Viipuri até Tali, e
onde se estendiam para Vuolsalmi no canal Vuoksi.

Para facilitar a defesa de Viipuri e aliviar um pouco do fardo do comandante do II Corpo de Exército,
Mannerheim dividiu o Corpo nos I e II Corpos de Exército. O I Corpo consistia das 1ª e 2ª Divisões, que
defendiam a linha desde a ferrovia até o canal Vuoksi. O II Corpo de Exércitos, formado das 3ª, 4ª, 5ª e 23ª
Divisões, concentraria seus esforços na defesa de Viipuri.

Com essas mudanças na organização de comando e com as fortes posições de defesa que Viipuri oferecia, o
Alto Comando finlandês esperava manter o inimigo em xeque até que os negociadores a paz tivessem
completado a sua tarefa. As possibilidades de defender as linhas em torno de Viipuri eram muito maiores do
que as das posições secundárias, pois as primeiras eram mais permanentes e os civis haviam trabalhado
durante toda a guerra para construir maior numero de posições e reforçar as já existentes. Diante das novas
fortificações e dos fossos e fortificações de pedra mais antigos, bem como de armadilhas de tanques mais
bem construídas, o inimigo encontraria uma barreira cerrada, ao tentar o assalto à cidade.

A retirada para as posições de retaguarda não foi, em sentido algum, uma fuga ou mesmo uma retirada feita
às pressas, apesar de os russos os perseguirem de perto. Ela foi realizada em ordem, gradativamente, e os
russos pagaram caro por cada palmo de terreno conquistado. Na costa da baía de Lihaniemi, a retirada
sistemática foi ameaçada por forte pressão inimiga, mas mesmo ali, a retaguarda cumpriu seu dever sem
vacilar. Contudo já a 29 de fevereiro, os russos entraram em contato com os postos avançados da linha de
retaguarda em Nuoraa e, a 1° de março, chegaram na frente da ala direita da 3ª Divisão. Para leste desta
última, a 5ª Divisão foi retirada em boa ordem, mas foi obrigada a mover-se com mais rapidez do que o
planejado quando o inimigo penetrou as linhas defendidas pela 23ª Divisão à sua esquerda. A penetração
russa da posição da 23ª, no dia 28, foi resultado de um ataque maciço de tanques, que rechaçou o inimigo até
as posições de retaguarda por volta de 1° de março. O fogo de artilharia dos canhões capturados em
Suomussalmi finalmente conteve o avanço russo em Ukonmaki. pelo dia 1°, a retirada se completara e o
palco estava preparado para o último ato da guerra

O último ato
Os homens exaustos que tomaram suas novas posições em torno de Viipuri não teriam trégua alguma. Mal os
últimos homens da retaguarda haviam sido retirados, já o inimigo estava martelando aquelas posições. A essa
altura, havia sérias discussões de paz em andamento entre Helsinque e Moscou através de Estocolmo. Por
informações recebidas, era evidente que o Kremlin estava decidido a tomar o máximo de território possível
da Finlândia. Por esta razão, a batalha pela posse de Viipuri assumiu maior importância para ambos os lados,
o que explica também os selvagens ataques a que o II Corpo de Exércitos e o Grupo Costeiro foram
submetidos nos últimos dias da guerra.

Nas imediações da própria cidade, as 3ª e 5ª Divisões defendiam a linha desde Karemaenlathti até Tammisuo.
Nesse setor, os russos enfiaram uma cunha na linha em Huthtiala a 2 de março e no dia seguinte, após esse
sucesso, desfecharam um golpe que expulsou todas as sentinelas finlandesas das sua posições avançadas
situadas atrás das suas posições principais, exceto em Tammisuo, onde os finlandeses permaneceram numa
pequena colina. No dia 4 de março, o inimigo atacou em toda a extensão da frente, mas sem sucesso.
Contudo, ao anoitecer daquele mesmo dia, houve indícios de que a linha poderia ser rompida e foi preciso
mandar para lá um regimento de reserva da 3ª Divisão. Outro dos batalhões de reserva da 3ª teve que ser
enviado para a costa norte da baía de Viipuri em auxilio às forças que lutavam para impedir um desembarque
russo ali.

Os russos continuaram assediando as defesas da 3ª Divisão no dia 5, ameaçando, por um momento, esmagar
a linha em Lintumus. Em Tammisuo, dois ataques de tanques sucessivos foram repelidos. Durante o dia
seguinte, só houve ligeira atividade por todo o setor, embora as barragens de artilharia prosseguissem com a
mesma intensidade e um pequeno ataque em Lintumus tivesse que ser rechaçado. No dia 7, fez-se uma
pequena brecha em Huthiala e como os finlandeses não tiveram condições para fechá-la, no dia seguinte a
situação era crítica. Quase todas as reservas à disposição do II Corpo de Exércitos tinham sido despachadas
para combate, inclusive as unidades de abastecimento e de construção, e todas as unidades de reserva
disponíveis do I Corpo de Exércitos estavam a caminho da área de Viipuri, mas sua chegada ainda demoraria
muitas horas.

No dia 10, a bem da segurança dos efetivos das suas forças, o Comando do Exército no istmo decidiu que a
linha da 3ª Divisão deveria ser encurtada, mediante um recuo para a extremidade sul de Viipuri. Contudo, as
ordens para ser efetuado esse recuo foram canceladas e a frente permaneceu onde estava. De sua parte, os
russos não aliviaram a pressão, e sim aumentaram-na. No dia 11, duas outras brechas foram abertas no setor
da 3ª Divisão e o Comando do Istmo teve permissão de retirar suas tropas para a extremidade da cidade.
Nesse ponto, Mannerheim interveio e ordenou que a 3ª defendesse a linha onde estava, pelo menos até a
noite seguinte, por motivos de política externa. Na ignor6ancia do que estava acontecendo, os comandantes
da linha de frente ficaram profundamente irritados, mas cumpriram, sombrios, aquelas ordens.

Durante a noite de11 de março, os russos penetraram as linhas finlandesas entre Kesamaa e a ilha de Porkka,
a sudoeste da cidade, num ponto onde a ala direita da 3ª Divisão se encontrava com a ala esquerda das forças
que defendiam a baía. Essa ruptura criou um problema para todo o sistema de defesa, que Ohquist pensou em
ordenar uma retirada. mas como a ordem de Mannerheim ainda estava em vigor, encontrou-se um batalhão
incompleto que foi enviado para escorar a linha vacilante, e esta então resistiu.

Pela manhã, o inimigo iniciou o mais pesado ataque realizado até então ao longo de todas as linhas da 3ª e 5ª
Divisões. Pelo anoitecer, várias brechas grandes haviam sido abertas nas linhas finlandesas entre Karjala e
Tammusuo, mas não havia possibilidade alguma de um contra-ataque: os homens, esgotados, mal podiam
defender as posições. No ponto da maior ruptura, perto de Tammsuo, os russos começaram a ampliar a
brecha para oeste e sudoeste, ameaçando engolfar a 3ª Divisão. Uma vez mais, Ohquist pediu permissão para
retirar todas as suas forças para as proximidades de Viipuri, mas só lhe permitiram retirar a 3ª Divisão até
Patterimaki. Quando se iniciou a retirada, os russos vieram logo atrás, mas os finlandeses conseguiram
incendiar os arredores ao sul da cidade para atrasar a marcha do inimigo.

Mais tarde, naquela noite, a 5ª Divisão conseguiu pôr sob controle a situação em Tammisuo, e isolou os
tanques inimigos da sua infantaria. Esse sucesso deu aos finlandeses uma boa possibilidade de meter os
russos num saco e fechá-lo. Não obstante, a situação continuava crítica, pois não havia garantia de que o saco
permaneceria fechado quando as operações se reiniciassem no dia seguinte. Contudo, depois que os
costumeiros ataques matinais tiveram inicio e foram repelidos no dia seguinte, os canhões se calaram e a paz
retornou, para grande surpresa de defensores e atacantes.

Enquanto as 3ª e 5ª Divisões vinha lutando na frente de Viipuri, a 23ª Divisão finlandesa defendia a linha
leste, desde Tali até Vuosalmi, no canal Vuoksi. A retirada para as posições de retaguarda na extremidade
leste da linha fora feita em boa ordem, com poucos ataques inimigos na retaguarda das tropas durante a
operação. Somente no dia 3 de março é que os russos fizeram o primeiro contato importante com a nova
posição na área de Tali, embora, mais a leste, as tropas russas aparecessem um pouco antes, à frente das
linhas finlandesas em Mustalathi. No dia 4, o inimigo tornou a atacar e foi repelido com grande dificuldade,
e no dia seguinte, as tropas russas penetraram a linha a sudoeste de Tali.

Durante o dia 6, as forças russas procuraram aprofundar sua penetração, ao mesmo tempo que abriam outro
buraco nas linhas logo à direita da primeira brecha. Os finlandeses tentaram inundar a área, mas o plano
fracassou porque a água não demorou a congelar e quando subiu ao nível das armadilhas de tanques até
facilitou o avanço dos tanques inimigos. Ao mesmo tempo, a 23ª Divisão descobriu suas capacidades, na
transferência de um batalhão das suas fileiras para a margem norte da Baía de Viipuri.

A partir do dia 8, os russos martelaram incessantemente as posições finlandesas até o último minuto da
guerra. Durante o dia 8, as posições avançadas em torno de Tali foram totalmente perdidas e os homens se
retiraram para uma linha de retaguarda bem nas proximidades da aldeia. Um contra-ataque foi desfechado
algumas horas depois, mas nada de bom resultou, causando, pelo contrário, grande número de baixas.
Durante a noite, os russos lançaram tropas descansadas na batalha da parte ocidental das posições de Tali,
reunindo-se assim em torno de toda a aldeia. O simples número de soldados russos provocou o único pânico
real que o II Corpo de Exércitos sofreu durante toda a guerra. De um modo ou de outro, correu o boato de
que os tanques russos haviam rompido as linhas. Isto não poderia acontecer, pois para isso eles teriam de
cruzar o caudaloso rio Pero sem quaisquer preparativos prévios; não obstante, um batalhão que estava na
linha entrou em pânico e fugiu, o mesmo acontecendo com outros soldados também dominados pelo medo.
Contudo, assim que chegou a notícia de que tudo aquilo não passou de boatos, os homens retornaram aos eus
postos.

À meia-noite veio a permissão para mudar o posto de comando da 23ª Divisão mais para a retaguarda
supondo-se que a situação na frente de Tali se estabilizara. Disto quase resultou um erro desastroso, pois na
manhã seguinte, enquanto o oficial-comandante e seu estado-maior dirigiam-se para o novo posto, houve um
ataque e a frente começou a se desmoronar. Um oficial de estado-maior, o único que ainda permanecia no
velho posto de comando, não conseguia entrar em contato com seu superior. Quando finalmente o
comandante foi informado do acontecido, entre 9:00 e 10:00 horas daquele dia, já estava muito longe para
poder dirigir a operação eficientemente. Então, o oficial-comandante do 13° RI foi encarregado dessa
missão.

A confusão predominou durante horas, mesmo com a mudança, já que o 13° RI estava muito longe, ao sul da
brecha. E para complicar ainda mais as coisas, os fios telefônicos tinham sido cortados, e assim o contato
com os vários postos de comando de regimentos e de batalhão estava interrompido. Não obstante, iniciaram-
se preparativos para um contra-ataque a fim de tapar a brecha, e para isso uma companhia do 13° RI foi
despachada às pressas para o setor em perigo e um batalhão de reserva ficou alerta.

Pelo meio-dia de 9 veio a explicação do que acontecera. Uma companhia russa de elite atravessara o rio
cheio, às vezes vadeando, ou mergulhando até o peito na água gelada, e atacara imediatamente apesar do frio
extremo. É claro que o contra-ataque tinha de ser realizado o mais cedo possível, antes que a companhia
russa tivesse tempo de obter reforços e tanques. Naquela noite, o comandante da 23ª Divisão voltou e logo se
encarregou da tarefa, mas a esse tempo suas tropas já estavam avançando. Dentro em pouco chegaram as
boas novas: uma parte da área entre os lagos Karstila e Leitimo fora retomada. Assim, apesar do fato de que
Repola e Tali estavam nas mãos russas, a frente em quase toda a sua extensão fora estabilizada.

Contudo, a situação permanecia num certo marasmo e evidentemente sofreria grandes modificações assim
que os russos trouxessem os tanques e a artilharia para a margem do rio. No dia 10, os russos chegaram ao
lado sul do lago Leitimo e, logo no dia 11, deram inicio ao ataque, usando tanques. Uma vez mais, a linha
finlandesa vacilou e pouco se pôde fazer. Ao anoitecer, os russos já haviam aberto três buracos nas linhas
finlandesas em torno do lago Leitimo. A 23ª Divisão empregara suas últimas reservas e agora tinha de pedir
reforços do I Corpo de Exércitos, que só pôde enviar um fraco batalhão.

Com o amanhecer do dia 12, os finlandeses se viram repelidos cerca de 4 km das posições em que se
achavam a 6 de março. Naquele dia todo o setor desfrutou de relativa calma, enquanto os russos se
reagrupavam para a fase seguinte das operações. Mas, tal como acontecera antes, quando os russos
começaram com o ataque final, que poderia ter rompido as linhas finlandesas permanentemente e aberto o
caminho para uma invasão direto ao coração da Finlândia, soaram as 11:00 horas e ambos os lados
depuseram as armas. Nunca se saberá se os russos poderiam ter conseguido fazer um bom ataque de Tali para
o oeste, passando pelo sistema do lago Saimaa, com seus pântanos inundados pelo degelo da primavera. Mas
é certo que teriam dificultado muito as coisas.

Enquanto isso, no outro extremo da linha de defesa, desde a ferrovia até o canal Vuoksi, o I Corpo de
Exércitos defendia a linha de frente, e foi na aldeia de Vuosalmi que se realizou a principal batalha deste
seção. O próprio terreno em Vuosalmi formava uma posição de defesa natural. Na margem sudoeste do canal
havia um ressalto abrupto que dobrava o terreno que o 23° RI finlandês se aboletou com as quatro peças de
artilharia que haviam chegado no último minuto que precedeu a batalha. Atrás dele estava o canal,
inteiramente congelado e tendo aquele treco cerca de 100m de largura, com uma ilha logo abaixo da
extremidade nordeste do ressalto. A ilha também se achava ocupada pelos finlandeses.

As tropas finlandesas mal se haviam entrincheirado, a 29 de fevereiro, quando o inimigo chegou à cena e deu
inicio a um assalto imediato. O primeiro ataque, que era basicamente uma expedição de reconhecimento, foi
facilmente repelido. Mas com o passar das horas, os russos trouxeram os tanques e a artilharia para minar as
forças das posições finlandesas alojadas no ressalto. Em toda a essa ação, a ilha não escapou à atenção dos
russos, mas os finlandeses abriram sulcos no gelo que, embora congelassem quase que imediato, impediram
a passagem dos tanques durante algum tempo.

Somente no dia 2 é que o inimigo conseguiu fazer sua primeira brecha nas linhas. Esta ocorreu na área da
barcaça, quando quase todo um batalhão de soldados inimigos chegou à margem. Os soldados finlandeses
presos na área atraíram o fogo da sua própria artilharia para cima deles mesmos e do inimigo. Quando a
fumaça se dissipou, os russos haviam desaparecido e os finlandeses surgiram ilesos do seu bunker.

No dia 4, os russos realizaram sua primeira penetração bem sucedida, à esquerda da linha inimiga, e
repeliram os finlandeses de volta para a ilha. Um contra-ataque finlandês na manha seguinte fora finalmente
cancelado, pois as baixas aumentavam. Outro ataque foi desfechado por uma unidade despachada da 8ª
Divisão, mas este não conseguiu fazer o inimigo recuar. O único resultado é que os finlandeses ficaram
reduzidos a umas 600 granadas para a sua artilharia, para enfrentar uma segunda divisão inimiga que se
aproximava.

No dia seguinte, os russos aumentaram a pressão, concentrando-se sobretudo na ilha, acabando por dominá-
la, e as unidades finlandesas recuaram para a margem oposta. Embora os finlandeses ainda ocupassem
algumas posições na margem sudoeste do canal, na melhor das hipóteses elas eram fracas. No dia 6, os
finlandeses fizeram um heróico esforço para recapturar a ilha, mas foram repelidos sob pesadas baixas.
Durante o resto do dia, as posições finlandesas sediadas defronte à ilha fora submetidas a violento
bombardeio; os soldados, sem bunkers, podiam apenas ficar na neve, esperando o final do combate.

Uma tentativa de travessia do canal do dia 7 foi repelida por um contra-ataque, protegido pela noite. No dia
8, os russos pediram um bombardeio aéreo contra as posições e linhas de abastecimento finlandesas, além de
uma barragem de artilharia pesada. Novo ataque começou depois dessa operação para debilitar as forças
contrárias e, pelo anoitecer, o inimigo abrira 13 buracos nas linhas finlandesas. Uma vez mais, os finlandeses
contra-atacaram mas não conseguiram desalojar os russos. O primeiro grupo de reforços da 21ª Divisão
chegou pouco depois e os exaustos soldados da linha de frente foram mandadas para a retaguarda.

Por volta de 9 de março, os russos tinham três divisões contra as posições em Vuosalmi; aquele dia também
viu outra penetração russa, que desconcertou os esgotados finlandeses; contudo, estes logo recuperaram o
equilíbrio e fecharam a brecha, mas na margem sudoeste, suas unidades restantes conseguiram, se algum
modo, resistir a um maciço ataque russo. Durante todo o dia 10, a artilharia russa martelou as posições
finlandesas em preparativo para um ataque geral no dia seguinte. Este ataque deu mais 800 m de terreno para
os russos e outra ruptura das linhas finlandesas parecia iminente. Contudo, mais reforços chegaram ao
anoitecer e o avanço inimigo foi detido. Naquele mesmo dia, as últimas posições na margem sudoeste foram
abandonadas.

A batalha prosseguiu furiosa durante todo o dia 12 de março, com uma linha indo e vindo segundo a
conveniência das forças adversárias. Pelo anoitecer, os finlandeses estavam numa situação tão ruim que se
pensou seriamente em recuar para uma posição ainda menos favorável na retaguarda.

Para os finlandeses em Vuosalmi, o dia 13 amanheceu sob o rugir de violenta e ainda incessante canhonada,
enquanto os bombardeiros voavam em suas surtidas sobre a área. Todas as linhas telefônicas foram cortadas
e não era possível qualquer comunicação entre os postos de comando, nem mesmo por estafetas, devido ao
intenso fogo de artilharia russo. Então, repentinamente, os canhões russos se calaram, mas ninguém entre os
finlandeses sabia por quê. Finalmente, um oficial de infantaria chegou e disse simplesmente: “A paz foi
celebrada”. Assim terminou a batalha de Vuosalmi.

Enquanto isso, em Taipale, na extremidade oriental do Istmo, os russos fizeram um esforço de última hora
para romper a resistência finlandesa, mas a guerra terminou antes de realizar seu intento.

Enquanto o II Corpo de Exércitos mantinha o Exército Vermelho em xeque, houve uma das mais ferozes
lutas da Guerra de Inverno no gelo e nas ilhas do Golfo da Finlândia, na baía de Viipuri. Para cuidar
eficazmente da situação, Mannerheim pôs as tropas que defendiam o golfo e a baía sob um novo comando a
1° de março. A nova organização, chamada Grupo da Costa, ficou sob a experiente liderança do Chefe do
Estado-Maior-Geral, Tenente-General K.L. Oesh. Suas tropas consistiam da 4ª Divisão e de vários batalhões
e baterias independentes, sendo estas últimas apenas parcialmente treinadas e mal equipadas. Além disso,
havia um batalhão da Lapônia que chegara em fins de fevereiro.

O inverno de 1939-40 foi um dos mais rigorosos de que se tem notícia, mas até fevereiro ele fora um valioso
aliado dos atribulados finlandeses. Agora, quando a primavera deveria tê-los ajudado rompendo o gelo, o
inverno prosseguia, para vantagem dos russos; já então, o gelo estava bastante forte para resistir ao peso dos
tanques e os sulcos abertos no gelo congelavam imediatamente.

Quando se completou a retirada para as posições de retaguarda, duas ilhas, Tuppura e Uuras, ainda estavam
ocupadas pelos finlandeses, embora estivessem fora das novas linhas. Essas ilhas, que guardam a
embocadura da Baía de Viipuri, haviam sido essenciais para a proteção das forças em retirada. Uma vez
atingidas as posições de retaguarda, os finlandeses se viram com mais 29 km para defender por causa do gelo
na baía, de modo que as ilhas continuaram sendo importantes, especialmente diante das quatro divisões,
junto com suas unidades blindadas, que o inimigo reunira no sudoeste de Uuras

Tuppura foi atacada no dia 2 de março e acabou sendo tomada depois de vários assaltos terem sido repelidos.
Passados os primeiros fracassos, os russos desenvolveram uma tática de grande sucesso para tomar a ilha.
Eles a bombardearam de terra e ar e então cercaram-na com tanques, isolando do continente os elementos da
defesa; os tanques então apertaram o cordão e funcionaram como base de tiro sobre o gelo, depois do que, a
infantaria avançou. Essa tática foi usada em todas as operações de ilha em ilha. No dia seguinte, a guarnição
finlandesa abriu caminho à força pelo anel de tanques e recuou para Sakkijarvi, do outro lado da baía.
Embora a perda de Tuppura não fosse assim tão séria, já que não afetou vitalmente a situação geral, a perda
da ilha de Teikari, que está situada diante de Vilaniemi, foi mais importante. Ela não só protegia as rotas de
aproximação da costa norte da baía, como também as que iam para o flanco oeste das forças que defendiam a
ilha de Suonio - a pedra angular no sistema de defesa da baía. Duas tentativas de recapturar a ilha a 2 de
março fracassaram. A perda de Teikari teria sérias conseqüências para todo o rumo da batalha pela posse de
Viipuri. Naquele mesmo dia, os russos usaram a ilha como base para desembarque na costa norte da baía de
Viipuri em Vilaniemi e Haranpaanniemi.

Um contra-ataque finlandês realizado naquela noite conseguiu repelir o inimigo para o gelo, mas no dia
seguinte, este retornou em grande número para restabelecer seu ponto de apoio e, ao mesmo tempo, avançar
para Ristibiemi, na desembocadura da baía, onde as baterias costeiras pesadas estavam localizadas. Uma vez
mais, os russos foram rechaçados com a ajuda de reforços. Segundo o informes dos defensores, os russos não
tinham usado apoio blindado nos dias 2 e 3, o que, em grande parte, explicou seu fracasso em conquistar um
ponto de apoio firme. É um mistério eles não terem usado tanques e só se pode imaginar que não os tenham
levado a tal distância por temerem que o gelo cedesse, ou então o assalto fora apenas de reconhecimento. Dai
por diante, os veículos blindados vermelhos passaram a participar regularmente em todos os combates no
lado norte da baía e na própria baía; além disso, seu número de efetivos aumentava com o passar dos dias.

Contudo, a presença dos tanques não era um problema tão sério quanto à primeira vista parecia ser, porque
os tanques leves que os russos usavam mais comumente não eram muito eficientes no tipo de terreno em que
tinham de operar. Devido aos grandes afloramentos de granito na costa e às inclinações íngremes das praias,
os tanques tinham grande dificuldade em sair do gelo. Eles tinham de procurar pontos baixos e nivelados na
costa e, quando os encontravam, muitas vezes atolavam na neve. Todavia, com o passar do tempo os
motoristas dos tanques adquiriram experiência, tornando-os bastante hábeis e engenhosos em se adaptarem
às condições da baía e da costa.

O método comum usado pelos russos para atacar o continente era escolher um ponto de desembarque que
avançasse pela baía, chegar até ele com seus tanques de ambos os lados e ali estabelecer como base de tiro
para envolver os elementos responsáveis pela defesa num fogo cruzado. Sendo esses pontos normalmente
muito rochosos e íngremes, os tanques ficavam no gelo até que a infantaria tivesse desembarcado, e então
subiam as enseadas até o fim, onde normalmente havia uma aldeia e uma estrada pela qual podiam subir para
terra firme. Uma vez completada essa operação, os tanques se espalhavam, isolavam os defensores na
extremidade do local e também tentavam avançar para o interior.

Pelo dia 5, as ilhas mais afastadas foram abandonadas diante das desvantagens esmagadoras. Vários contra-
ataques audaciosos desfechados nos dias 2 e 3 reduziram as fileiras das unidades a tal ponto que tiveram de
ser enviadas para a retaguarda, para descanso e recuperação.

Um ataque geral contra todas as posições finlandesas começou no dia 4, quando até mesmo as formações
inimigas cruzaram o gelo do Golfo da Finlândia, avançando desde suas bases nas ilhas de Suur, Lava e
Someri, na direção de Kotka e Hamina. Essas infiltrações foram detidas pela artilharia de costa, que causou
grande devastação nas colunas inimigas, quando as granadas rompiam o gelo, afogando muitos homens e
causando pânico entre os sobreviventes. Estes ataques não afetaram a situação geral, embora causassem
muita preocupação no Alto Comando finlandês, que temia ser a costa sul ocupada e flanqueados os
defensores em Viipuri. Um batalhão de jovens e de homens com idade demais para o serviço militar foi
reunido e enviado para a costa, como reforço.

O que causava maior preocupação era o poderio da força atacante na Baía de Viipuri, que punha em perigo as
defesas de Viipuri. Os russos dirigiam seu fogo pesado contra a extremidade superior da baía, em Vilaniemi
lançando um regimento de infantaria e um batalhão de tanques contra a defesa. Eles logo conquistaram um
ponto de apoio na aldeia, e com duas divisões vindo atrás deles, ao anoitecer, a situação ao longo do setor
Haranpaanniemi-Vilajoki-Vilaniemi agravava-se cada vez mais. Durante a noite, no entanto, o 9° RI da 3ª
Divisão foi despachado para ali, a fim de amparar as defesas vacilantes.

Enquanto isso, mais abaixo na costa, outro grupo russo estava ocupado no preparo de um ataque à ilha de
Suonio da ilha de Uuras, que acabara de ser evacuada. Os ataques inimigos em outros pontos da baía haviam
sido repelidos com grande dificuldade. Até então, o Grupo de Costa conseguira resistir, mas não tinha
esperanças de poder continuar nessas condições durante muito mais tempo, sem qualquer ajuda. Um pedido
enviado ao comandante do II Corpo de Exércitos enunciava a situação muito sucintamente: todas as reservas
estão na linha de fogo e as baterias de artilharia precisavam desesperadamente de granadas. O próprio
comandante do II Corpo de Exércitos estava seriamente atribulado. Ele só tinha 600 granadas disponíveis em
seus estoques, quantidade reduzidíssima, levando-se em conta as necessidades urgentes do Grupo de Costa e
suas três divisões, todas também sob constante ataque.

Durante a noite chegaram informes contraditórios sobre os acontecimentos em Vilaniemi. A princípio, que os
russos haviam sido repelidos para o gelo; depois, que ainda estavam ocupando posições em terra forme; mais
tarde, que 14 tanques tinham sido capturados em Vilajoki e, por último, que este informe era falso. Com
efeito, em alguns pontos, o inimigo fora repelido para o gelo, mas pela manhã do dia 5 os russos estavam
firmemente instalados na costa norte da baía.

Durante os ataques daquele dia de março, os russos assaltaram todas as posições ilhoas até a ilha de Kulp,
bem à frente de Viipuri. Os finlandeses abriram sulcos no gelo diante da ilha e em outros pontos, mas estes
logo congelavam e os tanques avançavam por ali sem qualquer impedimento. A infantaria atacante usou
pilhas de blocos de gelo como anteparo para atirar contra a defesa adversária.

Já então, o inimigo estava atacando na área da baía com três das quatro divisões ali existentes, e 16 divisões
estavam operando contra toda a frente de Viipuri, desde a baía até Vuksi, enquanto que outras 10 divisões
operavam dali até o lago Ladoga. Os finlandeses tinham o Grupo de Costa e 6 divisões estacionados na
frente de Viipuri até Vuosalmi, mas suas forças de reserva achavam-se quase que inteiramente deslocadas,
enquanto que as munições e os suprimentos diminuíam perigosamente cada vez mais. Em contrapartida, os
russos contavam com uma fonte ilimitada de suprimentos e homens. Até mesmo o transporte de suprimentos
para os locais de maior necessidade estava sendo também motivo de grande preocupação para os
comandantes finlandeses. Nos primeiros estágios da batalha de Viipuri, usava-se o sistema rodoviário no
lado norte da baía para abastecer o Grupo de Costa dos depósitos de suprimento do II Corpo de Exércitos,
mas com a batalha em crescente violência, as estradas ficavam entupidas de refugiados e tráfego de
abastecimento. Os problemas pioraram com as incursões aéreas. Quando os russos conquistaram um ponto
de apoio na costa norte da baía, tornou-se praticamente impossível manobrar a situação do abastecimento.

Apesar dessas dificuldades, os finlandeses nada mais podiam fazer, senão continuar lutando, e os russos não
aliviavam a pressão. Ele tinham a iniciativa e aproveitavam-se dela o máximo que podiam. No dia 6,
algumas tropas soviéticas tomaram uma parte da aldeia do Nisolahi, enquanto que outro grupo rompia em
Niskapohja. Pelo meio-dia, estabeleceram uma cabeça-de-ponte entre a ilha de Turki e Majapohja e, pouco
depois, tomaram a posição do lado sudoeste de Majapohja. Pelo anoitecer, as circunstâncias eram tais que o
comandante da 4ª Divisão seriamente considerou que se recuasse ainda mais a ala leste, estaria expondo
perigosamente a ala direita da 3ª Divisão, já bastante enfraquecida porque suas reservas tinham sido
desviadas para Vilaniemi. O comandante também pediu ajuda para reforçar a defesa da ilha de Neula, pois
receava uma penetração do inimigo por ali. Mas, infelizmente, em atenção àquele pedido, somente uma parte
do regimento de reserva da 5ª Divisão pôde ser destacada para defender aquela ilha.

Estava mais do que claro que as linhas de frente das ilhas se aproximava de uma tremenda crise, e
igualmente óbvio, é haver disponível bem pouca ajuda material ou humana para vencer as dificuldades do
momento. Dentro em pouco, todo o sistema de defesa das ilhas entraria em colapso e as tropas seriam
obrigadas a recuar para a costa norte. Quando isto acontecesse, estariam em perigo toda a ala oeste do II
Corpo de Exércitos bem como as linhas de abastecimento que transitavam de norte para oeste em torno de
Viipuri.

Durante todo o dia 7 de março, os russos iam avançando implacavelmente ao mesmo tempo que a artilharia e
os aviões martelavam sem tréguas as posições e as linhas de abastecimento finlandesas. A estrada Viipuri-
Hamina foi interceptada em Vilaniemi, obrigando a contornar as linhas todo e qualquer reforço que os
finlandeses pudessem mandar para algum ponto ameaçado. Na mesma noite, era evidente que as defesas,
desde a ilha de Suonio até Majapohja, estavam perigando e os homens foram retirados dali no dia seguinte,
depois de travadas renhidas batalhas.

Uma a uma, as ilhas foram abandonadas e os finlandeses, em sua maioria, agora lutavam no continente,
excetuando a ilha de Piispa, onde uma pequena força ainda resistia heróica e inutilmente. Entre Vilaniemi e
Nisalahti, não ocorreram quaisquer modificações de grande importância, apesar da ferocidade da luta.
Um ataque ainda mais violento teve inicio no dia 9. O reconhecimento aéreo finlandês informou ter visto
uma coluna de 11 km de tropas e tanques russos cruzando o gelo entre Pullinniemi e Vilaniemi e se dirigindo
para noroeste. Isto significava que toda uma divisão de soldados, em boas condições físicas seria lançada em
combate na estrada Viipuri-Hamina, atrás de Vilaniemi, onde se calculava que já havia duas divisões lutando.

Enquanto isso, o comandante da 4ª Divisão finlandesa preocupava-se terrivelmente ao ver suas tropas
correndo perigo na ilha de Piispa, pois ele temia que fosse aberta uma brecha nas suas linhas no continente.
Mesmo com a ajuda dos reforços que recebera pouco antes, ele não acreditava que pudesse defender suas
posições. Naquela noite, a ilha foi abandonada e os homens mudaram-se para Koivuniemi. Isto facilitou aos
russos que se fizesse uma abertura nas linhas entre as forças do Grupo de Costa e do II Corpo de Exércitos, e
para fechá-la, antes que as forças de retaguarda fossem completamente envolvidas na catástrofe, foi
despachado o 14° RI, como reforço de um fraco batalhão enviado pela 3ª Divisão.

No dia seguinte, os russos tentaram fazer recuar as defesas finlandesas sediadas em Majapohja e,
simultaneamente, atacaram a ilha de Porkka, a única que ainda permanecia em mãos finlandesas. Apesar da
exaustão que os invadia, os soldados da 4ª Divisão iniciaram um contra-ataque que a princípio foi bem
sucedido mas que por fim resultou em completo fracasso. Naquela noite, os russos ficaram de posse das duas
posições.

Enquanto a batalha prosseguia feroz mais para dentro da baía, em Vilaniemi os russos punham em ação suas
tropas, com bons resultados. Onde quer que se abrisse um buraco na linha, os russos avançavam para além da
rodovia, conquistando palmo a palmo uma frente com novas tropas e sua posição mais firme, os russos não
empregaram o ímpeto necessário para fazer os finlandeses recuar para leste ou oeste, como pretendiam.

Apesar de toda a sua superioridade em material bélico os russos estavam avançando menos rapidamente do
que esperavam. Depois de 10 dias, eles tinham chegado apenas até a costa norte da baía e estavam tendo
dificuldades em sua tentativa de expulsar a defesa finlandesa da retaguarda. Contudo, a situação para os
finlandeses estava à beira do colapso total, se qualquer ponto cedesse completamente. Independente do
desastre que os confrontava, os finlandeses resistiram e o avanço russo em direção à costa norte para chegar
a Viipuri, foi detido. No dia 11, o inimigo tornou a encetar novo avanço, mas encontrou uma valente
resistência. também no dia 12, eles tentaram mais uma penetração, entre a 4ª Divisão e o II Corpo de
Exércitos, o que obrigou a defesa a recuar para a área entre Ahokas e Rasalahti. No dia 13, os russos
continuaram atacando até o momento em que foi dada a ordem de cessar-fogo. Aparentemente, eles
esperavam penetrar e avançar até a captura de Viipuri.

Quando já não se ouvia mais o troar dos canhões, os russos dominavam apenas uma parte de Viipuri e isto
jamais seria considerada uma vitória conquistada para o exército de Stalin. Os finlandeses portaram-se
heróica e valorosamente e não há dúvida de que em termos de moral a vitória foi sua. Mas eles não
alimentavam qualquer esperança de obter aquele potencial humano treinado para a defesa de suas linhas.
Muito embora tivessem recebido materiais e suprimentos suficientes para prosseguir, de qualquer maneira
teriam sido esmagados numa questão de semanas.

Os gigantes atentos
Nenhum relato da Guerra de Inverno estaria completo se não incluísse alguns comentários sobre a
importância na esfera internacional. Quando a Rússia se voltou contra a Finlândia, a Europa já estava
tecnicamente em pé de guerra. De muitas maneiras, o futuro papel da União Soviética na Segunda Guerra
firmou-se pelos acontecimentos decorrentes de sua batalha de três meses com a Finlândia. O arrastamento da
Polônia dera ao mundo a revelação da máquina bélica pertencente aos nazistas mas até então nada ocorrera
para comprovar a capacidade militar da Rússia. Segundo todos os critérios normais, a URSS era considerada
uma grande potência, mas até dezembro de 1939, não havia nenhum modo adequado para medir sua
eficiência militar. Assim, foi com enorme interesse que as outras grandes potências assistiram ao desenrolar
do drama representado sob a aurora boreal.

Embora provavelmente nenhum país observasse o vacilante gigante mais interessada e analiticamente do que
a Alemanha, esta era forçada a ser neutra por Tratado e observou lealmente as suas obrigações. Todo pedido
do governo finlandês de ajuda, diplomática ou material, foi recusado pelo Reich. A Alemanha chegou ao
ponto de impedir o embarque, para a Finlândia, de aviões italianos que haviam chegado a uma de suas bases
no Norte.
Mais pertinente ao assunto são as atitudes e os pontos de vista da Inglaterra e da França, os únicos outros
estados suficientemente poderosos e em boas condições para dar ajuda valiosa aos finlandeses. Os dois
países estavam em guerra com a Alemanha e ambos visavam às múltiplas vantagens que adviriam do conflito
Russo-finlandês: um alivio da pressão sobre a frente francesa pela abertura de novo teatro de operações
contra a Alemanha no Norte; a interrupção de embarques vitais de minério de ferro da Suécia para a
Alemanha; um golpe contra o bolchevismo; o cumprimento das obrigações morais em grande parte
ignorados desde 1919. Por conseguinte, os aliados tiveram um interesse muito mais sério nos apuros da
Finlândia, mas não se comprometeram imediatamente. Eles tinham de esperar e ver se a Finlândia
sobreviveria ao ataque inicial, para depois, então, se necessário, pensar seriamente em dar-lhe qualquer ajuda
concreta.

Naturalmente, o interesse militar aliado na Escandinávia não era coisa do momento. Durante a Primeira
Guerra, os britânicos haviam minado as águas norueguesas e estavam pensando agora em repetir o feito.
Além disso, o Almirantado britânico, estimulado por Winston Churchill, já começara, em setembro de 1939,
a preparar um plano para forçar a passagem no mar Báltico para isolar a Alemanha dos seus suprimentos de
minério de ferro sueco. A resolução da Liga das Nações pedindo a todos os países que ajudassem a Finlândia
deu o fundamento lógico, enquanto que o sucesso das forças finlandesas ofereceu os motivos práticos, para a
execução da intervenção aliada franca na Escandinávia. Ostensivamente, a intervenção seria dirigida contra a
Rússia, mas quem culparia os aliados se, no processo, houvesse um confronto aberto com a Alemanha?
Naturalmente, nos primeiros estágios, o governo escandinavo não foi consultado se concordaria em oferecer
um campo de batalha para as grandes potências.

De sua parte, o governo finlandês estava pronto e ansioso por aceitar ofertas de ajuda de qualquer parte, por
mais que isso incomodasse seus vizinhos. Contudo, a distante posição da Finlândia a tornava dependente dos
estados escandinavos, particularmente da Suécia, na obtenção de grande parte do seu material bélico e
suprimentos de alimentos, bem como da boa vontade da Suécia e da Noruega, se quisesse que uma boa
quantidade de tropas aliadas chegasse à frente finlandesa.

É neste contexto que se deve avaliar as ofertas de ajuda aliadas. Sem dúvidas, a idéia de mandar tropas para a
Finlândia entusiasmou mais ao governo francês do que ao britânico. Quando se levantou a questão no
Supremo Conselho Aliado, a 19 de dezembro de 1939, o Primeiro-Ministro Daladier da França, expressou
seu desejo de despachar incontinente uma força expedicionária para a Finlândia.

De sua parte, os ingleses adotaram uma atitude mais cautelosa, querendo evitar uma ruptura franca com a
URSS, antes de avaliar todos os fatos. Finalmente se concordou em ajudar a Finlândia por meios indiretos,
primeiro com técnicos e suprimentos, e discutir a questão da travessia através da Noruega e da Suécia, com
seus respectivos governos.

Aqueles governos foram de fato sondados quanto aos direitos de trânsito, a 27 de dezembro, a 4 de janeiro de
1940, os dois governos responderam favoravelmente, mas com a condição de que os suprimentos fossem
embarcados como compras finlandesas feitas no exterior. Alguns dias depois, a Finlândia teve permissão de
recrutar voluntários no Reino Unido e o governo britânico tomou a si a tarefa de obter direitos de trânsito
pela Escandinávia para as unidades voluntárias. Nem a Noruega nem a Suécia fizeram quaisquer objeções a
essas medidas.

Entrementes, a questão da intervenção aliada oficial no conflito ainda estava pendente. Vários planos foram
estudados com atenção, e entre eles destacou-se o que teria dirigido um ataque contra os russos através de
Petsamo. Para este fim, três destróieres e dois submarinos poloneses que haviam sido incorporados à
marinha britânica zarparia para Petsamo, para bloquear o porto, e, simultaneamente, isolar as divisões russas
que estavam operando no Ártico. O general Sikorski, chefe do governo polonês no exílio, aprovou o plano,
mas os britânicos o vetaram, porque a posição isolada de Petsamo e as dificuldades de transporte dali para o
principal teatro de guerra tornavam-no impraticável. Os franceses propuseram o plano para um ataque pela
Turquia e o mar Negro, o que teria obrigado os russos a transferir grande número de tropas para o sul para
proteger o Cáucaso, que é rico em petróleo, mas também esse plano foi abandonado.

O fato de os aliados terem pensado seriamente nesses planos indica a importância apenas secundária que
dava à guerra finlandesa propriamente dita. O principal interesse neste caso era abrir uma segunda frente e
cada um dos planos poderia ter indicado isso - à custa da Finlândia -, mas os pontos de invasão estavam
muito distantes do Continente, para afetar de imediato o esforço de guerra alemão. O que se precisava era de
um plano contendo ameaças mais diretas à Alemanha, obrigando-a a desviar imediatamente grande número
de divisões da fronteira francesa. Para este fim, a área mais viável era a Península Escandinava - em
particular, Narvik e a ferrovia que ligava essa cidade a Lulea. Um movimento ali resultaria uma tríplice
finalidade: primeiro, Narvik, o porto de inverno usado no embarque de minério de ferro para a Alemanha
seria efetivamente interditado aos alemães; segundo, a ferrovia que passava pelas minas de ferro suecas, não
mais teria permissão para transportar minério para a Alemanha pelo mar Báltico; terceiro, com suas conexões
com a Finlândia, a ferrovia seria o meio mais rápido e fácil de levar tropas até a frente finlandesa. As duas
primeiras etapas foram calculadas para abrir a segunda frente contra a Alemanha e, como todos os planos
operacionais indicariam, esse continuou sendo o mais importante objetivo para os estrategistas aliados.

Embora a decisão final de ocupar Narvik só fosse tomada a 5 de fevereiro, os planos contingentes para a
medida já estavam prontos em dezembro. Contudo, os planos finais eram mais ambiciosos, indicando
claramente o propósito mais amplo dos aliados, que exigia a ocupação não só de Narvik mas também de
Trondheim. Bergen e Stavanger, bem como o treinamento de tropas para operações destinadas a impedir a
intervenção militar alemã na Suécia.

Todo o planejamento e problemas que acompanharam a expedição aliada foram reconhecidos pelos
finlandeses que, na realidade, sabiam que havia pouca esperança de a ajuda chegar a tempo ou em
quantidade suficiente para mudar o rumo da guerra. Mas também reconheciam o valor psicológico muito real
de tais preparativos para levar os russos à mesa de negociações. Além disso, as propostas poderiam ser
calculadas para provocar mais ação e obter maior apoio da Suécia e da Noruega em favor da Finlândia.

Por conseguinte, com a ofensiva de fevereiro tomando impulso no Istmo, o governo finlandês empreendeu
uma dupla política. Por um lado, procurou estabelecer contato com o Kremlin através de Estocolmo, visando
a terminar a guerra. Por outro, buscou as ofertas aliadas de ajuda. A ameaça de intervenção aliada foi usada
num esforço para moderar os termos de paz russos e, esperançosamente, fazer a Alemanha pressionar
Moscou para que terminasse a guerra. A possibilidade de paz foi empregada para obter mais ofertas de tropas
dos aliados.

Quando se anunciou o plano aliado de ajudar a Finlândia em fevereiro, a proposta era tão vaga que nem
mesmo se podia dar a data esperada da partida. Nessa época, Londres e Paris indicavam estar preparados
para pôr de lado as sutilezas diplomáticas e simplesmente deixar que os transportes de tropas aparecessem
em Narvik sem qualquer consulta prévia a Oslo e Estocolmo.

Por volta de 27 de fevereiro, a proposta aliada foi um pouco mais específica; pelo menos uma data - 15 de
março - foi dada para a partida dos transportes de tropas, esperando-se a chegada a Finlândia por volta de 15
de abril. Contudo, não se declarara o número de tropas e a quantidade de suprimentos e armas. Mannerheim
tinha a impressão de que o número de homens que chegariam a Finlândia seria bem pequeno, já que a maior
parte do contingente ficaria na Noruega e na Suécia como guarnição. Contrariamente às declarações
anteriores, os finlandeses foram informados de que seria preciso obter os necessários direitos de trânsito para
as tropas de Oslo e Estocolmo. Quando os dois governos foram procurados sobre a questão uns dois dias
mais tarde, estes rejeitaram-na de imediato, tal como haviam negado todos os pedidos anteriores de
intervenção ativa na guerra ou permissão de transportar qualquer coisa que não fossem voluntários através de
seus territórios.

Entrementes, conversações indiretas de paz haviam sido iniciadas entre Helsinque e Moscou, cujos termos os
russos deixaram claro que suas exigências territoriais agora eram muito maiores do que as do outono
anterior. O Kremlin queria todo o Istmo da Carélia e um arrendamento de 30 anos do cabo Hango para ser
instalada ali uma base naval; além disso, insinuou-se que as exigências aumentariam, se os finlandeses não
aceitassem os termos imediatamente.

Quando se soube que Moscou estava sendo sondado para assinar a paz, os aliados então fizeram propostas
mais positivas. A paz teria sido desvantajosa para os aliados, porque representaria o fim da destruição da
economia da Rússia e o cumprimento das suas obrigações comerciais para com a Alemanha. No dia 28, o
Ministro britânico credenciado em Helsinque, Gordon Vereker, informou ao governo finlandês que os
britânicos estavam preparados para lhe mandar cerca de 13.000 homens em meados de abril, além das tropas
que ficariam na Noruega e na Suécia. Os detalhes da execução do plano e o tipo de forças envolvido não
foram enunciados, mas foi garantido aos finlandeses que as tropas permaneceriam na Finlândia até o acordo
final de paz.

No dia 29, quando se soube que se estava tomando providências definitivas para terminar a guerra e que
Mannerheim aconselhara categoricamente ao seu governo para celebrar a paz de imediato, os aliados fizeram
nova oferta. Charles Magny, o Ministro francês em Helsinque, afirmou que uma força anglo-francesa de
20.000 homens estava pronta para partir imediatamente para a Finlândia; ele insistiu para que os finlandeses
continuassem a guerra e advertiu que, se não o fizessem, a Finlândia teria de assumir total responsabilidade
por quaisquer amputações territoriais e perdas econômicas que viesse a sofrer como resultado de um tratado
de paz. A informação e as afirmações de Magny convenceram os finlandeses de que os aliados estavam mais
interessados em abrir uma segunda frente contra a Alemanha do que realmente em ajudar seu país, e também
que os aliados não estavam coordenando sua política, já que havia tamanha disparidade entre as propostas
britânica e francesa. Por conseguinte, decidiu-se assinar a paz o mais breve possível.

Naquela noite, o ministro finlandês em Paris, Harri Holma, informou que Daladier prometera enviar 50.000
homens para a Finlândia, que eles partiriam a 12 de março e que os aliados resolveriam o problema dos
direitos de trânsito pela Escandinávia. Mas essa promessa dependia da aprovação em Londres. Além disso,
um requisito prévio à ajuda, era que Helsinque interrompesse todas as negociações com Moscou, pois do
contrário todo o projeto seria abandonado.

A oferta francesa era tentadora, mas também colocava o governo finlandês num sério dilema: se devia fazer a
paz com os russos em termos tão desfavoráveis, mas pelo menos salvar o que restava do país, ou aguardar a
ajuda aliada, na esperança de que o degelo da primavera viesse logo e detivesse o avanço russo o bastante
para os aliados terem tempo de chegar à Finlândia. O governo finlandês decidiu pedir maiores
esclarecimentos dos últimos termos soviéticos e, ao mesmo tempo, assegurar-se da esperada data de chegada
da força anglo-francesa. Eles também pediram aos aliados que enviassem imediatamente 100 bombardeiros
com armas e tripulações.

Os dias seguintes foram caóticos; a única certeza surgida da confusão era que o Exército finlandês estava à
beira da exaustão total e que os aliados não conseguiam decidir entre si o tamanho exato das força proposta
nem como obteriam os direitos diante das objeções suecas e norueguesas. O Primeiro-Ministro sueco
advertira Tanner que se os aliados tentassem forçar a passagem para a Finlândia, os suecos entrariam na
guerra ao lado da Rússia. A 2 de março, os aliados prometeram enviar imediatamente os bombardeiros e
declararam que a expedição zarparia a 15 de março. No dia seguinte, Vereker declarou que somente 6.000
soldados britânicos seriam enviados, mas que partiriam no dia 11, se a Finlândia fizesse um pedido oficial
ate o dia 5. No dia 6, os franceses informaram que uma força inicial de 18.000 franceses e 12.000 britânicos
embarcaria dentro de uma semana, acompanhada de 72 bombardeiros. Mesmo que essa forças fossem
atacadas pelos alemães, o número de soldados destinados à Finlândia não diminuiria. Além disso, os
franceses estavam certos de que os suecos não se oporiam à passagem das tropas.

A crescente disparidade entre os ambiciosos planos franceses e as propostas inglesas, mais modestas, deu aos
finlandeses motivo para maior discussão. Depois da devida consideração, eles decidiram que a única solução
era a paz, e enviaram uma delegação a Moscou para negociá-la. Esta era a única decisão racional a ser
tomada nas atuais circunstâncias, já que a nação estava ameaçada de desastre total se o exército entrasse em
colapso, pois as exigências russas aumentariam em proporção ao sucesso dos Exércitos vermelhos. Contido,
os finlandeses não fecharam totalmente as portas dos aliados; eles pediram uma dilatação do prazo de pedido
de ajuda até o dia 12.

As tentativas anglo-francesas de manter os finlandeses na guerra continuariam até o fim. No dia 7, os aliados
prometeram despachar 15.500 homens para Narvik no dia 15 de março, seguindo mais 42.000 homens assim
que o transporte ferroviário o permitisse. Então, no dia 8, Daladier enviou um comunicado pelo qual insistia
para que o governo finlandês aceitasse a oferta anglo-francesa ou então assumisse total responsabilidade
pelas conseqüências de uma paz com a Rússia. Essa declaração, parecida com a já feita por Magny, revela
tanto a falta de compreensão e simpatia do francês pela Finlândia em sua hora de aflição e perigo, bem como
o seu desejo de estabelecer uma segunda frente contra a Alemanha. Não pode haver dúvida de que qualquer
ajuda aliada teria sido muito pequena e tardia demais para salvar a Finlândia e que Paris por certo deveria
saber disso.
Apesar da enormidade das exigências soviéticas, os finlandeses decidiram assinar o tratado. O que os russos
agora exigiam, e receberam, era cerca de 10% do território da Finlândia - todo o Istmo da Carélia, incluindo
Viipuri, o território ao norte do lago Ladoga, que incluíam as comunas de Sorvatala e Kuusamo, e as ilhas
finlandesas na extremidade oriental do Golfo da Finlândia, incluindo a ilha Suur. A Finlândia também
concordou em arrendar o cabo Hango à URSS, como base naval, durante 30 anos, e construir uma ferrovia
de Salla até Kemijarvi e assinar um pacto de defesa com a Rússia. Como resultado dos cortes territoriais, a
Finlândia perdeu cerca de 12% da sua base econômica e teve de reinstalar os habitantes dos territórios
cedidos, a maioria dos quais preferiu mudar-se para dentro das novas fronteiras a viver no regime soviético.
O número total de pessoas a serem reinstaladas era de uns 450.000, ou aproximadamente 10% da população
finlandesa.

Para a Finlândia, as agruras da guerra estavam terminadas. Para seu crédito imorredouro, o que ela fez,
realizou virtualmente sem ajuda, sozinha. Em retrospecto, após os acontecimentos de maio e junho de 1940,
as ofertas aliadas de ajuda pareceram quiméricas. Ainda assim, os finlandeses não podem ser acusados de
usar essas ofertas o melhor que podiam para impedir que os russos ocupassem todo o país. Embora não haja
muita evidência para prová-lo, não pode haver muita dúvida de que o interesse anglo-francês no conflito
influenciou o Kremlin a assinar a paz. Apesar do fato de que a URSS era aliada da Alemanha na época, era
muito provável que Stalin não quisesse uma ruptura franca com o Ocidente e, como os acontecimentos
vieram a provar, sua decisão foi sensata.

Para os estados escandinavos, especialmente a Suécia, o fim da guerra foi um grande alívio. Na política
internacional, a soberania e a ação independente dos estados pequenos com muita freqüência são reduzidas e
circunscritas pelos interesses nacionais e internacionais dos seus vizinhos poderosos. Assim era o caso da
Suécia. Pressionado interna e externamente, o governo sueco estivera numa posição cada vez mais incômoda
durante os três meses anteriores. Por um lado, a imensa popularidade e apoio pela causa finlandesa na
Suécia, oriunda das velhas associações culturais e históricas entre os dois países, bem como a tendência
humana natural de se aliar ao oprimido, colocara o governo sueco numa posição política embaraçosa e,
talvez, basicamente insustentável, sobretudo quando os aliados solicitaram direitos de trânsito para a
Finlândia a suas tropas. Por outro lado, a coerção e coação diplomáticas sutis e não tão sutis a que a Suécia
foi submetida pela URSS e pela Alemanha atuaram ativamente contra o apoio vivo e franco da Finlândia. À
parte questões morais, a Suécia adotou uma atitude calculada sobretudo para preservar sua própria
independência e assim fazendo pôde enviar ajuda material à Finlândia após a guerra.

O significado da guerra
Uma análise do impacto da Guerra de Inverno sobre os acontecimentos posteriores tem de começar com um
exame de como a Alemanha avaliou aquele conflito porque, como o centro da tempestade européia, suas
ações e atitudes determinaram em grande parte o futuro curso dos acontecimentos. Hitler e seus líderes
militares dificilmente ficaram descontentes com os reveses sofridos pelo Exército Vermelho. Se tanto, a
Guerra de Inverno estimulou seu complexo de superioridade germânica sobre os eslavos. Mas sua convicção
de superioridade também os deixou cegos às realidades do que a experiência representou para o comando
militar soviético e a influência que ela teve na reorganização, no treinamento e na equipagem das tropas
russas. A subestimação do potencial militar soviético por parte de Hitler e sua decisão de invadir a Rússia
antes de derrotar a Inglaterra foram, em parte, o resultado da Guerra de Inverno.

Se examinamos apenas as estatísticas das perdas russas em homens e material, torna-se clara a razão por que
Hitler acreditava que a URSS era um gigante abalado, incapaz de resistir à máquina bélica alemã. Quando a
guerra terminou, as forças vermelhas concentradas contra a Finlândia totalizavam 45 divisões; se incluirmos
as unidades especiais e os escalões de retaguarda, as forças atingiam aproximadamente um milhão de
homens. Um cálculo conservador é que pelo menos 200.000 destes morreram e um número ignorado deles
foi ferido. Em contraste, as baixas finlandesas foram de 68.480, dos quais 24.923 foram mortos e
considerados desaparecidos, e 43.557 feridos. A má atuação das forças blindadas russas e as sérias perdas
que essas unidades sofreram teriam convencido a qualquer um da incompetência dos militares soviéticos.
Contra os finlandeses, os russos lançaram 3.200 tanques, leves, médios e pesados, dos quais aqueles
capturaram ou destruíram 1.600, sem falar dos 3.000 a 4.000 especialistas treinados que pereceram ou foram
capturados. A Força Aérea vermelha não se saiu melhor, tendo perdido mais de 900 aviões na guerra.

Mas os números não revelam as causas das baixas soviéticas ou o que os russos fizeram mais tarde para
eliminá-las. O exército soviético, esperando lutar uma guerra convencional com a Finlândia, entrara em
combate com um exército treinado para guerrear num palco ambiental e geográfico muito diferente. Ele não
estava preparado para a temperatura subártica e não analisara a topografia ou o tipo de defesas que poderia
enfrentar, embora a Divisão de Inteligência deva ter tido informações a esse respeito. A 163ª Divisão
ucraniana, por exemplo, foi tirada diretamente das planícies e enviada para Suomussalmi, sem ser reequipada
nem treinada novamente para o tipo de guerra que a aguardava. Teria sido fácil treinar esses homens em
combate na floresta no distrito militar de Moscou ou na Carélia russa, especialmente porque a invasão foi
planejada pelo menos com alguns meses de antecedência.

Operando numa estratégia militar convencional, os russos não eram páreo para as táticas de tipo guerrilha
finlandesas; vezes sem conta, eles mostraram-se incapazes de inovações imaginativas diante de situações
difíceis. Até mesmo no Istmo da Carélia, quando obrigaram os finlandeses a recuar, os comandantes do
Exército Vermelho não demonstraram qualquer habilidade especial em capitalizar um sucesso inicial. Assim,
os finlandeses puderam recuar a salvo em todas as ocasiões. Esta falta de imaginação foi uma das razões
básicas para as tremendas perdas sofridas pelas forças russas.

Contudo, o que os militares alemães não lograram levar em consideração ou deixaram de observar sobre os
russos na Guerra de Inverno, foi sua capacidade de se entrincheirarem e construir bunkers que podiam
resistir a tudo, exceto a um tiro certeiro, bem como sua perícia na luta de casa em casa nas aldeias. Em
Stalingrado, essa capacidade seria vantajosa para os russos. Outro fator na guerra e que os alemães não
levaram em conta foi o ambiente estranho onde os russos estavam lutando. Quando a Alemanha atacou a
Rússia, os soldados soviéticos lutaram em ambientes familiares e lutaram pelos seus lares. Se, a princípio, os
Exércitos Vermelhos baquearam ante o ataque nazista, sua resistência em Stalingrado os redimiu.
Finalmente, os nazistas não sabiam que os comissários políticos adidos a cada unidade do Exército Vermelho
tinham um efeito debilitante na tomada de decisão dos comandantes militares. Esse sistema de duplo
comando afetou seriamente a eficiência do exército, mas, aparentemente como resultado da guerra, o sistema
foi abolido em agosto de 1940. Assim, os comandantes militares tiveram a oportunidade de reorganizar as
forças armadas sem o tipo de interferência política cuja experiência já tiveram antes. Depois da invasão de
Hitler em 1941, os comissários políticos foram novamente anexados a todas as unidades, mas em 1943 sua
influência foi reduzida, se não totalmente anulada.

Como resultado da guerra, as forças armadas, sob a liderança do Marechal Timoshenko, submeteram-se a
uma reorganização de alto a baixo. A patente de general e outras foram reintroduzidas, com a maioria dos
privilégios a elas conferidos. Deu-se maior ênfase ao treinamento e ao equipamento adequado. Embora a
reorganização não estivesse completa quando Hitler pôs seus exércitos em marcha, o Exército Vermelho
estava em melhor forma do que estava sem a experiência da Guerra de Inverno. Certa vez, Timoshenko
observou para o Adido Militar finlandês que os russos tinham adquirido grande experiência na guerra com a
Finlândia.

Embora seja improvável que Hitler pretendesse cumprir à risca o seu tratado com a Rússia, a Guerra de
Inverno aparentemente fê-lo decidir atacar a URSS o mais breve possível. Em julho de 1940, ele deu ordens
para a invasão e, por volta de dezembro, o plano estava quase em sua forma definitiva. Durante o mês de
setembro, os finlandeses e os alemães entraram num acordo que permitia às tropas alemães atravessar a
Finlândia indo e vindo para as bases alemães no norte da Noruega. Em dezembro, o General Heinrichs, do
Estado-Maior de Mannerheim, fez uma palestra para o Estado-Maior Militar alemão sobre as técnicas da
guerra ártica. Quando a invasão da Rússia começou, em junho de 1941, os finlandeses, embora jamais
fossem oficial ou formalmente aliados do Reich, participaram da luta para recuperar seus territórios perdidos.
E os recuperaram, apenas para tornar a perdê-los no Fim da Segunda Guerra Mundial.

A Guerra de Inverno também atraiu o interesse da Alemanha para a Noruega. Como resultado dos planos
aliados de transportar tropas pelo território norueguês até a Finlândia, Hitler decidiu que a Noruega teria de
ser ocupada o mais depressa possível. Já em dezembro de 1939, ele conversara com Vidkun Quisling, um
nazista norueguês, sobre a criação de um regime nazista na Noruega. Naturalmente, os aliados não haviam
perdido seu interesse na Noruega nem mesmo depois que os finlandeses capitularam. O plano de minar as
águas costeiras norueguesas estava de pé e no dia da ocupação nazista os navios britânicos zarparam para a
Noruega para aquele objetivo.

Finalmente, e de modo mais sucinto, não devemos ignorar o efeito moral e psicológico da Guerra de Inverno
sobre o esforço de guerra aliado. Num clima de ilegalidade internacional, os finlandeses haviam sido
obrigados a recorrer às armas para proteger sua integridade. Sua esplêndida coragem e arrojo diante das
dificuldades inauditas foi um exemplo para todo o mundo. Embora o custo fosse elevado, os finlandeses
estiveram dispostos a pagar o preço da sua liberdade. O fato de ter perdido a guerra torna-se insignificante
quando lembramos que seu país saiu do conflito com seu direito à liberdade comprovada.

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