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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

RODRIGO JOSÉ DUARTE BAPTISTA FILHO


DRE 116.177.654

RELATÓRIO SOBRE O DOCUMENTÁRIO “A 13ª EMENDA”

Rio de Janeiro
2018
O documentário “A 13ª Emenda”, produzido pela Netflix, faz uma reconstituição
histórica dos discursos e das práticas punitivas, bem como das legislações penais que
operaram nos Estados Unidos da América, principalmente ao longo do Século XX.
Reconstituir a história recente deste país, obrigatoriamente, implica na reconstrução da
história do racismo e sua relação com o desenvolvimento do capitalismo na ‘’terra da
liberdade’’.

Em uma primeira análise, é perceptível a criminalização dos sujeitos de pele negra


em função de um fator culturalmente expressivo, baseado em um mito criado por brancos
e reforçado pelo cinema e literatura à época, como se pode observar no filme do cineasta
D. W. Griffith, The Birth of a Nation (1915), de que os negros, naturalmente, cometiam
crimes violentos. Entretanto, um olhar sobre a totalidade da sociedade (base econômica e
superestruturas política e jurídica) torna evidente que apesar do racismo norte americano
ser um fenômeno complexo, antes de qualquer motivação, deve-se buscar fundamentá-lo
e explica-lo, primeiramente, a partir de sua raiz econômica.

Isso porque, em cifras, a abolição da escravatura no Sul do Estados Unidos


representou uma massa de 4 milhões de ex-escravos que passaram da condição de
propriedade privada de senhores brancos para a condição de proprietários de sua própria
força de trabalho – e tão somente isso. Desse modo, era economicamente favorável e
culturalmente convincente que se voltasse contra os negros a interpretação da última frase
que consta na 13º Emenda à Constituição dos Estados Unidos: “Não haverá, nos Estados
Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos
forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente
condenado. ” (O negrito é necessário e simbólico, nesse caso).

Além disso, a produção documental segue trazendo à luz de uma análise crítica
toda uma gama de fatos que, em certa perspectiva, tornam indissociáveis a questão do
racismo nos Estados Unidos com a questão de classe social que ocupa o negro norte
americano pós período escravocrata. De tal modo, ao se analisar o desenvolvimento das
forças produtivas e os diversos e complexos estágios do capitalismo nesse país, por mais
complexos que fossem no sentido econômico, mantiveram uma simples equação no
âmbito das políticas criminais: prender mais negros. Seja no período de guerra às drogas,
seja no pós-escravidão.
A função do cárcere é servir de ferramenta para o Estado capitalista gerir os
interesses de classe dominantes, a saber, a primazia do lucro em detrimento de vidas
negras. Desde o primeiro encarceramento massivo onde os prisioneiros, majoritariamente
negros, trabalhavam em regime de semi-escravidão, passando pela rentável guerra às
drogas e o negócio milionário do lobby de vendas de armas e da construção massiva de
presídios, fato é que o sistema penal serviu ao capital para a manutenção da exploração
não assalariada de presidiários, em condições desumanas.

Evidencia-se que o sistema penal norte americano é uma ferramenta de exploração


de uma classe sobre a outra, a saber:

“Nas formações sociais capitalistas, estruturadas em classes sociais antagônicas


diferenciadas pela posição respectiva nas relações de produção e de circulação
da riqueza material, em que os indivíduos se relacionam como proprietários do
capital ou como possuidores de força de trabalho – ou seja, na posição de
capitalistas ou na posição de assalariados –, todos os fenômenos sociais da base
econômica e das instituições de controle jurídico e político do Estado devem ser
estudados na perspectiva dessas classes sociais fundamentais e da luta de classes
correspondente, em que se manifestam as contradições e os antagonismos
políticos que determinam ou condicionam o desenvolvimento da vida social’’
(CIRINO, 2017. P. 6 e 7)

Se os criminólogos Georg Rusche e Otto Kirchheimer estavam corretos em suas


relevantes descobertas para a crítica criminológica, então é fato que cada modo de
produção expressa em sua superestrutura um modo de punição específico. A forma
punitiva do capital é a prisão. Partindo dessa constatação, faz-se mister compreender que
o problema da questão criminal é, antes de tudo, um problema econômico. Que a
humanização do cárcere é impensável enquanto o paradigma do modo de produção for o
lucro em detrimento do bem-estar humano.

Isso porque, necessariamente, em uma sociedade que se funda sobre os ecos da


Marseillaise o conceito de humanidade é pari passu ao conceito de liberdade. Se o
sistema penal priva o sujeito de ser livre, o que restará de humano nesses indivíduos?
Ora, em uma sociedade que, a partir do encarceramento constante e crescente da
parcela negra de sua população, enxerga um mercado no qual se lucra com a venda de
armas, a falaciosa guerra às drogas, a construção de prisões e todo o aparato
infrasestrutural que é necessário para a manutenção de um presídio, é impensável o fim
desse modo de punição sem tocar no pilar econômico que sustenta toda essa
superestrutura punitiva.

Se, entretanto, passa-se a compreender os conflitos que hoje são da ordem do


direito penal a partir de uma perspectiva cível, a resolução deles passaria distante do
cárcere e, por mais que essa seja a forma superestrutural punitiva do modo de produção
capitalista, deslocar-se-ia o problema da punição para um modo menos degradante de
reparação de conflitos que atentam contra o bem jurídico propriedade – ainda que não
toque na base econômica que possibilita a existência do sistema penal. Nessa hipótese,
por exemplo, os crimes como o furto seriam resolvidos com a reparação do bem subtraído.

Portanto, conclui-se que a essência do cárcere é a desumanização, pois


essencialmente sua função é a privação de liberdade, quase sempre sob condições
degradantes e indignas. Liberdade esta que é o pilar central das sociedades capitalistas.
Porém, é importante considerar que existem modos outros de resolução de conflitos,
mesmo que em uma sociedade de classes antagônicas como no capitalismo. Nesse
sentido, há que se apontar para a esfera cível como forma de resolução de conflitos em
torno da propriedade – mesmo que essa saída não solucione a questão penal como um
todo, ela minimiza os dados causados pela existência do sistema penal.

Por fim, há que se destacar a fala inicial do documentário: “os EUA abrigam 5%
da população mundial, mas 25% dos prisioneiros do mundo. [...] Um em cada quatro seres
humanos com suas mãos nas grades, algemados, estão presos aqui na terra da liberdade”.
Necessariamente, esses dados se relacionam com a crítica criminológica radical de Cirino
em sua constatação de que o Direito Penal garante, antes de tudo, a manutenção da
desigualdade social.

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