Você está na página 1de 6

DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. TAXA
DE ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
TÉCNICA. INCONSTITUCIONALIDADE
DA COBRANÇA SEM OBSERVÂNCIA DO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
TRIBUTÁRIA (ART. 150, INC. I, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA).
MATÉRIA JULGADA PELO REGIME DA
REPERCUSSÃO GERAL. ACÓRDÃO
RECORRIDO DISSONANTE DA
JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO
TRIBUNAL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

Relatório

1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, al.
a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal
Regional Federal da Quarta Região:
“TAXA DE POLÍCIA. ANOTAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE TÉCNICA (ART). CONSELHO
REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA (CREA).
É legítima a estipulação do valor da taxa de polícia devida ao
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA),
correspondente à Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), pelo
Conselho Federal correspondente, dentro do limite máximo
estabelecido sucessivamente pelas leis nº s 6.994, de 1982 (art. 2º ,
parágrafo único) e nº 12.514, de 2011 (art. 11), observados os critérios
legais de reajuste”.

A sentença reformada foi proferida nos seguintes termos:


“ANTE O EXPOSTO, rejeito as preliminares, pronuncio a
prejudicial (prescrição) e, na matéria de fundo, julgo PROCEDENTE
o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269,
inciso I), para o efeito de:
(a) Declarar inexigíveis os valores pagos pela parte autora no
exercício de suas atividades profissionais como autônomo e como
proprietário do empreendimento ou empresário, a título de taxa de
anotação de responsabilidade técnica (ART), fixadas por Resoluções
do CONFEA, no período até 28/01/2012, nos termos da
fundamentação;
(b) Condenar o réu a restituir a quantia indevidamente recolhida
a título de taxa de anotação de responsabilidade técnica (ART),
compreendida no período de cinco anos que antecede o ajuizamento da
ação até 28/01/2012, conforme valores a serem apurados na fase de
liquidação de sentença, nos termos da fundamentação, com aplicação
da taxa SELIC desde a data do recolhimento indevido, na forma do art.
39, § 4.º, da Lei n.º 9.250/95, com amparo em precedentes do TRF-4
(AC 5003541-49.2011.404.7007; AC 5000866-29.2010.404.7111; AC
5003228-88.2011.404.7104).
(c) Condenar o réu ao ressarcimento das custas processuais
iniciais, adiantadas pela parte autora.
(d) Condenar o réu ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da
condenação, nos termos do artigo 20, §§ 3.º e 4.º, do CPC”.

2. O Recorrente alega contrariedade ao art. 150, § 1º, da Constituição


da República.

Assevera ser inconstitucional a cobrança das taxas de “ART,


estabelecidas através de resoluções do Conselho Regional”.

3. Em cumprimento ao disposto no art. 543-B, § 3º, do Código de


Processo Civil, a turma julgadora no Tribunal Regional da Quarta Região
manteve o julgado recorrido, nos seguintes termos:

“JUÍZO DE RETRATAÇÃO. MANUTENÇÃO DO


ACÓRDÃO. TAXA DE POLÍCIA. ANOTAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE TÉCNICA (ART). CONSELHO
REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA (CREA).
ESTIPULAÇÃO POR RESOLUÇÃO.
Descabe a retratação de acórdão que reconheceu a legitimidade
da cobrança de taxa de Anotação de Responsabilidade Técnica,
fundada na Lei nº 6.994, de 1982 e na Lei nº 12.514, de 2011, por não
divergir do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no
ARE nº 748.445-RG/SC, cuja apreciação ficou limitada à Lei nº 6.496,
de 1977”.
Examinados os elementos havidos no processo, DECIDO.

4. Razão jurídica assiste ao Recorrente.

5. O Juiz Relator no Tribunal de origem afirmou:

“Ora, em se tratando de taxa, entendo que o princípio da


legalidade tributária deve ser flexibilizado, sendo suficiente para seu
atendimento que a lei formal indique o seu valor máximo, como feito
pelas leis nº 6.994, de 1982, (art. 2º , parágrafo único) e nº 12.514, de
2011 (art. 11), com o que se propicia seja ele mais adequadamente
quantificado pelo órgão regulamentar competente, baseado em estudos
técnicos, atendendo-se melhor aos princípios constitucionais da
proporcionalidade e da capacidade contributiva.
(…)
Acresce que as próprias anuidades devidas pelos inscritos
(pessoas físicas ou jurídicas) nos conselhos de fiscalização profissional
são, desde a Lei nº 6.994, de 1982, estabelecidas pelos respectivos
conselhos federais, dentro dos limites nela estabelecidos (art. 1º, §1º),
não tendo a jurisprudência deste Tribunal jamais vislumbrado, em tal
procedimento, nenhuma inconstitucionalidade, restringindo-se a
assentar que os limites legais, em unidades do Maior Valor de
Referência (MVR) vigente no país, deveriam ser corrigidos
monetariamente segundo os critérios legais, e não por critérios
extralegais.
Cabe esclarecer, de resto, que não se tem aqui propriamente caso
de 'delegação de competência tributária', proibida pelo Código
Tributário Nacional (art. 7º), porque se assim fosse a lei teria dado
'carta branca' a órgão não-legislativo para estabelecer todos os
elementos do tributo, inclusive o seu fato gerador. Aqui, o fato gerador
mesmo da taxa de ART foi indicado pela própria Lei nº 6.496, de 1977
(art. 1º). Todavia, reservou-se a órgão público não-estatal (CONFEA)
a fixação dos valores da taxa, ad referendum do Ministro do Trabalho
(art. 2º, §2º), o que, como acima demonstrado, ofende a legalidade
tributária, mas foi suprido com a Lei nº 6.994, de 1982, e,
posteriormente, com a Lei nº 12.514, de 2011, hoje vigente.
Desse modo, entendo que é legítima a exigência da taxa de ART,
a partir da Lei nº 6.994, de 1982, no valor máximo de 5 MVR, e a
partir da Lei nº 12.514, de 2011, no valor máximo de R$ 150,00,
observados os critérios legais de reajuste”.
6. Este Supremo Tribunal reconheceu a repercussão geral do tema
em questão e, no julgamento de mérito do recurso paradigma (Recurso
Extraordinário com Agravo n. 748.445, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski), reafirmou a jurisprudência de, para a criação de tributos,
dever-se observar o princípio da legalidade tributária insculpido no art.
150, inc. I, da Constituição da República:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO


GERAL. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA. LEI
6.496/1977 . MANIFESTAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER DE
POLÍCIA. NATUREZA DE TAXA. SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO
DA ESTRITA LEGALIDADE . EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. - O Tribunal reconheceu a existência de repercussão
geral da matéria debatida nos presentes autos, para reafirmar a
jurisprudência desta Corte, no sentido de que a Anotação de
Responsabilidade Técnica, instituída pela Lei Lei 6.496/1977, cobrada
pelos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia,
tem natureza jurídica de taxa, sendo, portanto, necessária a
observância do princípio da legalidade tributária previsto no art. 150,
I, da Constituição” (DJe 12.2.2014).

7. Não procede o fundamento do julgado recorrido de que, pelas


Leis ns. 6.994/1982 e 12.514/2011, o Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia de Santa Catarina – CREA/SC legitimar-se-ia para a cobrança
da taxa de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, pois, como
afirmado pela Turma julgadora, pelas Leis somente foi estipulado valor
máximo para a cobrança do tributo, sem a instituição da exação com os
respectivos elementos:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
TÉCNICA. NATUREZA JURÍDICA DE TAXA.
INOBSERVÂNCIA DA EXIGÊNCIA DE LEI PARA DAR
CONCREÇÃO À COBRANÇA. PREVISÃO DE VALORES
MÁXIMOS. INSUFICIÊNCIA PARA FINS DE LEGALIDADE
TRIBUTÁRIA. Mesmo com o advento da Lei nº 6.994/1982, a
Anotação de Responsabilidade Técnica não foi efetivamente instituída
por lei. A mera previsão de um limite máximo para fixação dos valores
da taxa em questão não é suficiente para o atendimento do princípio da
legalidade, tal como previsto no art. 150, I, da Constituição Federal. O
diploma legal mencionado reproduz o vício apontado pela Corte nos
autos do ARE 748.445-RG, julgado sob a relatoria do Ministro
Ricardo Lewandowski. Agravo regimental a que se nega provimento”
(RE 832.743-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira
Turma, DJe 30.10.2014).
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
TÉCNICA (ART). NATUREZA DE TAXA COBRADA EM
RAZÃO DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA.
SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 150, I,
DA CF/88). JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA NO
JULGAMENTO DO ARE 748.445-RG (REL. MIN. RICARDO
LEWANDOWSKI, TEMA 692). LEI 6.994/82.
ESTABELECIMENTO DE LIMITE MÁXIMO PARA O
TRIBUTO. FIXAÇÃO DO VALOR POR MEIO DE RESOLUÇÃO
DO CONFEA (ART. 2º, § 2º, DA LEI 6.496/77), EM OFENSA AO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO” (RE 826.330-AgR, Relator o
Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 12.5.2015).

Confira-se o seguinte excerto do voto do Ministro Roberto Barroso


no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 804.854:

“A publicação da Lei nº 6.994/1982 não teve o condão de sanar a


inconstitucionalidade da norma anterior (Lei nº 6.496/1977). Isso
porque a previsão de um limite máximo para fixação dos valores da
taxa não cumpre o escopo previsto no art. 150, I, da Constituição
Federal, segundo o qual devem constar da própria lei todos os
elementos da hipótese de incidência tributária. (…) Diante das
circunstâncias expostas, verifico que, mesmo com o advento da Lei nº
6.994/1982, a Anotação de Responsabilidade Técnica não foi
efetivamente instituída por lei. A composição da regra-matriz no caso
concreto está notoriamente incompleta. Daí se extrai a seguinte
conclusão: as cobranças consideravam o valor máximo ou existe um
ato infralegal prevendo o montante devido. Em ambas as situações, o
que se tem é a contrariedade ao princípio da estrita legalidade”
(Primeira Turma, DJe 16.12.2014).

O acórdão recorrido divergiu dessa orientação jurisprudencial.

8. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557,


§ 1º-A, do Código de Processo Civil, e art. 21, § 1º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal), para restabelecer a sentença, inclusive
quanto ao ônus de sucumbência, ressalvada eventual concessão de justiça
gratuita.

Publique-se.

Brasília, 8 de junho de 2015.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

Você também pode gostar