Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Márcio de Oliveira
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
* Uma primeira versão desse artigo foi apresentada no XXV Congresso da Sociedade Bra-
sileira de Sociologia (SBS), julho de 2011, Curitiba. Agradeço os comentários e sugestões
dos avaliadores anônimos de Dados. Assinalo ainda que esse trabalho é fruto de pesquisa
que conta com o apoio do CNPq/MCT-Brasil.
DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 57, no 1, 2014, pp. 73 a 100.
73
74
75
76
ÉMILE DURKHEIM
77
78
escola, todos eles regulados pela ação do Estado. Embora seja justa-
mente essa tese que permaneça como base de muitas reflexões teóricas
e ações políticas empreendidas nos dias de hoje, Durkheim não a levou
a cabo.
79
MAX WEBER
80
81
Foi durante sua visita aos EUA que Weber pode retornar à questão mi-
gratória. Num trecho reproduzido por Marianne Weber (2003:
342-345), encontramos referência “à cultura judia alemã”. Descreven-
do Chicago, Weber apresenta os grupos de imigrantes e suas profis-
sões: alemães são garçons, irlandeses cuidam da política, italianos ca-
vam fossas14. Roth (2002) afirma que Weber chegou aos EUA preocupa-
do com as consequências da imigração da “Europa periférica” sobre as
zonas de colonização inglesa e alemã, em especial no meio-oeste ame-
ricano. A origem dessas preocupações permanece misteriosa. Mas a
conferência feita em Saint-Louis indica: Weber acreditava que os imi-
grantes do leste europeu, tidos por “incivilizados”, colocavam em ris-
co a obra dos anglo-saxões. Apesar disso, a cultura protestante funcio-
nava como uma proteção, além do fato de que havia certa semelhança
entre os imigrantes judeus e o “americanismo”. A presença de judeus
nos EUA colocava em evidência o capitalismo americano. Mas acaso os
últimos seriam assimilados pelo american way of life ou guardariam nos
EUA sua identidade étnico-religiosa? As preocupações de Weber com
o judaísmo ultrapassam em muito o escopo de nossa análise aqui, mas
talvez seja possível repensar a questão judaica em Weber também
como um problema para a sociologia da imigração. De fato, deviam os
judeus alemães deixar seus países de origem e partir para a Palestina
ou seria possível assimilá-los? Segundo Roth (2002), Weber oscilou
entre as opções acima.
82
83
GEORG SIMMEL
84
migram, que formas resultam disso para o grupo como um todo e para
as pessoas que migram? (Simmel, 1999:649.)
85
86
87
O caso dos judeus era diferente. Os judeus nunca foram um povo subju-
gado, pelo menos na Europa. Eles nunca tinham sido reduzidos à posi-
ção de uma casta inferior. Em seus guetos, que inicialmente escolhe-
ram, mas onde foram então forçados a viver, eles preservaram suas tra-
dições tribais e sua cultura, quando não sua independência política. O
judeu que deixou o gueto não escapou; ele desertou e tornou-se um ele-
mento execrável, um apóstata. A relação do gueto judeu com a comuni-
dade maior no qual ele estava inserido era, e de alguma forma ainda é,
mais simbólica do que social. Quando, contudo, os muros do gueto me-
dieval foram postos abaixo e ao judeu foi permitido participar na vida
cultural das pessoas com as quais ele vivia, apareceu então um novo
tipo de personalidade, nomeadamente um híbrido cultural, um ho-
mem vivendo e partilhando intimamente da vida cultural e das tradi-
ções de dois diferentes povos; raramente capaz de romper, mesmo se
isso lhe fosse permitido, com seu passado e suas tradições, e não muito
aceito por causa do preconceito na nova sociedade na qual agora ele ti-
nha pensado encontrar um lugar. Ele era o homem à margem de duas
culturas e de duas sociedades que nunca interpenetraram-se e fundi-
ram-se completamente. O judeu emancipado era, e é, histórica e tipica-
mente, o homem marginal, o primeiro cidadão cosmopolita do mundo.
Ele é o “estrangeiro”, por excelência, que Simmel, ele próprio um ju-
deu, descreveu com íntima profundidade e conhecimento em sua So-
ciologia (Park, 1928:891-892).
88
89
90
CONCLUSÃO
91
perto a questão da imigração, ainda que não tenham dedicado a ela li-
vros ou artigos específicos. Para explicar a não centralidade do tema
nos três grandes clássicos – Marx, Weber e Durkheim – basta lembrar
que, de certa forma, o imigrante era um produto em formação, um re-
sultado do desenvolvimento do capitalismo e da estratificação social
em curso e não necessariamente aquele ator cuja ação social requeria
análise específica. Em consequência, o fenômeno foi tratado no inte-
rior de outras questões maiores, como fica claro em Weber e em Marx,
por exemplo, ou apenas como um resíduo inesperado, e mesmo não
desejado, da divisão do trabalho, como em Durkheim. Por outro lado,
porém, as contribuições dos clássicos apontam com originalidade para
o fato de o tema, já naquela época, necessitar de um tipo de análise que
deveria combinar a noção de etnia, como no caso de Weber, com dados
demográficos, econômicos e culturais, conforme visto também em
Engels.
O debate sociológico em torno das migrações que está na obra dos clás-
sicos, vale insistir, gira em torno das interações sociais, da coesão so-
cial, das diferenças entre os diversos grupos, das mudanças sociais de-
correntes do avanço do capitalismo e da mobilidade geográfica e socio-
econômica. Em Marx – e também em Engels – a questão central são as
relações sociais nos novos espaços (mormente urbanos) e da desestru-
turação das relações tradicionais de produção. Em Durkheim, a mobi-
92
93
NOTAS
1. Nos servimos aqui da tradução feita pela editora Boitempo. Vide Engels (2008).
2. Ver especialmente o capítulo “Acumulação do Capital”, parte sétima do volume 2, li-
vro 1, O Capital.
3. Em especial, Les Carnets de Kovalevsky. Para maiores detalhes, ver Hudis (2010).
4. De origem judia, Rosa nasceu na Polônia em 1871, na cidade de Zamosc, província de
Lublin, então ocupada pelo Império Russo. Foi membro do Partido Social-Democra-
ta Alemão. Morreu assassinada em Berlim, após ser presa durante os levantes de
1919.
5. Para uma análise detalhada desse artigo de Lênin, ver Balibar (1973).
6. Ver a esse respeito, Henri Lefebvre, La Pensée Marxiste et la Ville (1978), traduzido em
português como A Cidade do Capital, editora DP&A, 1999.
7. Com efeito, mesmo as atividades políticas de imigrantes espanhóis ou belgas no Par-
tido Comunista francês foram ignoradas pelos autores marxistas, como bem mos-
trou Noiriel (2001:312-318).
8. Na edição original, Durkheim serve-se do verbo se recruter, o que permite entender
que as cidades estariam literalmente “recrutando”, ou seja, atraindo imigrantes
conscientemente.
9. Termo central na sociologia durkheimiana, mas que evoluiu consideravelmente du-
rante toda sua obra. Na Divisão do Trabalho Social, é definido como “disfuncionamen-
to” ou “fracasso” das regras que regem as funções sociais criadas pela divisão do tra-
balho. Em O Suicídio e Educação Moral, aparece ainda como um “enfraquecimento da
regulamentação”.
10. De origem judia, Dreyfus foi injustamente acusado de traição e condenado. A celeri-
dade do processo, as falhas processuais e a insuficiência das provas fizeram surgir
em todo o país um movimento em seu apoio, dividindo a sociedade entre aqueles
que eram a favor e aqueles que eram contra Dreyfus. A reação do grupo anti-Dreyfus
foi particularmente violenta ao libelo “J’Accuse”, publicado no jornal L’Aurore, assi-
nado pelo escritor Émile Zola, membro ativo dos “dreyfusards”. Aos gritos de “Mor-
te aos judeus, morte a Zola, morte a Dreyfus”, houve inúmeros protestos nacionalis-
tas (com vitrines apedrejadas) em cidades como Nancy ou Epinal (cidade natal de
Durkheim). Ver a esse respeito Birbaum (1994) e Winock (1999).
11. Embora assinado pela “comissão”, Elkarati (1990) afirma que o texto foi de fato escri-
to apenas por Émile Durkheim.
12. Até então reservado em suas posições políticas, Durkheim terminaria por se engajar
publicamente junto ao grupo que reclamava a revisão do processo de Dreyfus
Fournier (2007: 870-874), e afirma que foi inclusive nesse momento que ele reconhe-
ceu a “questão judaica”, se desculpando publicamente da indiferença demonstrada
em relação aos “irmãos de origem que sofriam na qualidade de judeus”.
13. O relatório foi publicado sob o título de “A situação social dos trabalhadores rurais
na Alemanha a leste do Elba”. Uma análise minuciosa desse trabalho encontra-se em
Fanta (2006).
14. Segundo Marianne Weber (2003), Weber sentiu-se extremamente estimulado no pe-
ríodo que passou nos EUA, tanto nas grandes cidades de Nova York e Chicago, quan-
to nos pequenos vilarejos habitados por imigrantes alemães.
94
15. Para efeitos dessa análise utilizamos a tradução francesa – Les Sectes Prothestants et
L’Esprit du Capitalisme – do original em alemão, publicado no site www.leclassi-
ques.uqac.ca/classisques/Weber/weber_max.html
16. Na tradução brasileira desse trabalho, incluído nos “Ensaios de Sociologia”, está es-
crito: “[...] em todas as regiões ainda inundadas de imigrantes europeus”, e não,
como na tradução francesa, “ainda NÃO inundadas..”. Observando o que vem escri-
to antes ou depois da frase, a ausência do “não” é, provavelmente, um esquecimento
ou falha de impressão. Para maiores detalhes, ver Weber (1984:348).
17. Para efeitos dessa análise aqui, nos servimos da tradução francesa da obra “Sociolo-
gia” (1908). Vide referências.
18. Werner Sombart afirma que o estrangeiro de Simmel não é outro que o próprio judeu,
o que conferiria uma ligação entre os dois textos. Para maiores detalhes, ver Muller
(2010:50-52).
19. Simmel torna-se advisor da revista já em 1895. Muitos de seus trabalhos foram dividi-
dos e publicados em números sequenciais, como “The Sociology of Conflict” (publi-
cado em três números). Além disso, em muitas ocasiões, seus trabalhos abrem os nú-
meros da revista, o que mostra sua importância.
20. A influência de Simmel foi particularmente importante em Robert Park (1864-1944).
Jornalista que se tornou sociólogo, Park foi aluno de Simmel na Universidade de Ber-
lim, curiosamente o único curso de sociologia que seguiu em toda sua vida. Contudo,
nessa mesma universidade, Park obteve seu título de doutor em Filosofia, em 1904,
quando decidiu retornar aos Estados Unidos da América. Convidado então, a pedi-
do de William Thomas (sobre o qual retornamos abaixo), por Small, entrou no depar-
tamento de Sociologia de Chicago em 1913 e nele permaneceu até 1936.
21. Os problemas sociais de então, creditados às dificuldades de adaptação ou de assimi-
lação dos imigrantes, eram aparentemente tão importantes que, numa primeira de-
nominação, a sociologia desenvolvida em Chicago foi conhecida como “D Socio-
logy”, em referência aos temas mais frequentemente estudados: Disease, disorganiza-
tion, deliquence e drugs.
22. A noção “ecologia humana” foi determinada nesses termos: trata-se de estudar as re-
lações entre as diversas populações que se veem obrigadas a partilhar o mesmo espa-
ço a disputar os mesmos recursos naturais. Eis porque o termo “ecologia” lhe pare-
ceu conveniente para tratar também das populações humanas.
23. Após esses estudos, Park dedica-se a outros temas, em especial as relações entre
negros e brancos. Saliente-se aqui que um de seus mais famosos alunos, Donald
Pierson, viria ao Brasil mais tarde fazer sua tese sobre esse tema e se tornaria um dos
professores da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Para maiores detalhes,
ver Valladares (2010).
24. Coser (1971) confirma essa tese. Diz que a figura do marginal man é uma adaptação à
realidade norte-americana da figura do estrangeiro de Simmel.
25. Thomas (apud Chapoulie, 2001:60-61) afirma que a escolha dos imigrantes poloneses
teve por origem características bastante curiosas do grupo, onde os indivíduos osci-
lavam entre a submissão católica e a rebeldia violenta às autoridades. Seu relato re-
cupera representações negativas a respeito dos poloneses, curiosamente presentes
em outras culturas nacionais. A respeito da imigração e do preconceito contra o polo-
nês no Brasil, ver Oliveira (2009).
95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
96
GIDDENS, Anthony e TURNER, Jonathan (orgs.). (1999), Teoria Social Hoje. São Paulo,
Editora da Unesp.
GRAFMEYER, Yves e JOSEPH, Isaac (orgs.). (1979), L’École de Chicago: Naissance de l’Éco-
logie Urbaine. Paris, Les Editions du Champs Urbain.
GREEN, Arnold W. (1947), “A Re-examination of the Marginal Man Concept”. Social For-
ces, vol. 26, no 2, pp. 167-171.
HALBWACS, Maurice. (1929), “Max Weber, un Homme, une Oeuvre”. Annales d’Histoire
Économique et Sociale, vol. 1, no 1, pp. 81-88.
JOHNSON, Peter A. (1960), “The Marginal Man Revisited”. The Pacific Sociological
Review, vol. 3, no 2, pp. 71-74.
KAESLER, Dirk. (1988), Max Weber: An Introduction to his Life and Work. Chicago, Chicago
University Press.
KALBERG, Stephen. (1980), “Max Weber ’s Types of Rationality: Cornerstones for the
Analysis of Rationalization Process in History”. American Journal of Sociology, vol. 85,
no 3, pp. 1145-1179.
LÊNIN, Vladmir. (1971), Oeuvres Complètes, tome XIX. Paris, Editions Sociales.
LUKES, Steven. (1985), Émile Durkheim. His Life and Work. A Historical and Critical Study.
Stanford, Stanford University Press.
MULLER, Jerry Z. (2010), Capitalism and the Jews. Princeton, Princeton University Press.
NOIRIEL, Gérard. (2001), État, Nation et Immigration. Paris, Gallimard. (Coleção Folio
Histoire).
97
OLIVEIRA, Márcio de. (2009). “De la Double Colonisation au Préjugé: Les Polonais dans
le Sud du Brésil”. Migrations Société, vol. 21, no 123-124, pp. 289-304.
PARK, Robert E. (1915), “The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior
in the City Environment”. American Journal of Sociology, vol. 20, no 5, pp. 577-612.
. (1922), The Immigrant Press and Its Control. New York, Harper and Row.
. (1928), “Human Migration and the Marginal Man”. American Journal of Sociology,
vol. 33, no 6, pp. 881-893.
. (1950), Race Prejudice and Japanese-American Relations. Glencoe, The Free Press, pp.
223-229.
PARK, Robert e BURGESS, Ernest. (1921), Introduction to the Science of Sociology. Chicago,
Chicago University Press.
REA, Andrea e TRIPIER, Maryse. (2003), Sociologie de l’Immigration. Paris, La Découverte
(Coll Repères).
ROTH, Guenther. (2002), “Max Weber ’s View on Jewish Integration and Zionism: Some
American, English and German Contexts”. Max Weber Studies, vol. 2, no 1, pp. 56-73.
SAYAD, Abdelmalek. (1998), A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo, EdUSP.
SELL, Carlos E. (2013), Max Weber e a Racionalização da Vida. Petrópolis, Vozes.
SIMMEL, Georg. (1903), “The Sociology of Conflict I”. American Journal of Sociology, vol.
9, no 4, pp. 490-525.
. (1904), “The Sociology of Conflict II”. American Journal of Sociology, vol. 9, no 5, pp.
672-689.
. (1904), “The Sociology of Conflict III”. American Journal of Sociology, vol. 9, no 6, pp.
798-811.
. (1999), Sociologie. Paris, PUF.
STONEQUIST, Everett. (1937), The Marginal Man: Study in Personality and Culture Con-
flict. New York, Charles and Scribner ’s Sons.
TOURAINE, Alain. (1965), Sociologie de l´Action. Paris, Le Seuil.
. (1966), La Conscience Ouvrière. Paris, Le Seuil.
. (1969), La Société Post-Industrielle. Paris, Denoël.
THOMAS, William I. e ZNANIECKI, Florian. (1996), The Polish Peasant in Europe and
America. A Classic Work in Immigration History. (Editado por Eli Zaretsky). Urba-
na/Chicago, University of Illinois Press.
TYRYAKIAN, Edward. (2009), For Durkheim. Surrey/Burlington, Ashgate.
VALLADARES, Licia P. (2010), “A Visita de Robert Park ao Brasil, o ‘Homem Marginal’ e
a Bahia como Laboratório”. Cadernos CRH, vol. 23, no 58, pp. 35-49.
(org.). (2005), A Escola de Chicago. Impacto de uma Tradição no Brasil e na França. Belo
Horizonte/Rio de Janeiro, Ed. UFMG/Iuperj.
VANDENBERGHE, Frédéric. (2002), As Sociologias de Georg Simmel. Bauru, EdUSC.
WAIZBORT, Leopoldo. (2000). As aventuras de Georg Simmel. São Paulo, Editora 34.
98
ABSTRACT
Immigration as a Theme in Classical Sociology
This study analyzes the place and role of immigration as a theme in classical
sociology, beginning with the “founding fathers of sociology”, Karl Marx, Max
Weber, and Émile Durkheim, respectively. The study goes on to discuss the
work of Georg Simmel and representatives of the Chicago School. Revisiting
each of the authors and especially others from the Marxist school, the study
analyzes the context and works in which the theme was dealt with directly or
indirectly. The classical authors were sensitive to the theme. The apparent
contradiction between the historical importance of the phenomenon of
international migrations and the limited space dedicated directly to it –
especially in the case of Marx, Durkheim, and Weber – should not overshadow
the role it played in their work, still insufficiently measured. The explanation
for this may be found in the phenomenon’s crosscutting nature, the theoretical
perspectives adopted towards it, and the fact that the sociology of immigration
was first developed in the Americas.
99
RÉSUMÉ
Le Thème de l’Immigration dans la Sociologie Classique
RESUMEN
El Tema de la Inmigración en la Sociología Clásica
100