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( cat NOS CONFINS DO DIREITO Antropologia juridica da modernidade Norbert Rouland Tratusto MARIA EEMASTINA DE ALMEIDA PRADO GALVAO_ Martins Fontes ‘$0 Paulo 2008 A Francois e Gauthier, meus fils. Capitulo 1V O direito no plural 1 cantor sexs da homers ao 22 reatiznem divereos grupos intermediinics, da Faia 308 Up Feerdenjoo soctats polices © ciakuria que thm cada qual sit ‘toner props Jioko Paso, efcea Cents Anas, 199% ‘A phialidads das eultuoas serd wm obsifelo para @ Ane dade do-gtnero kuumano? Poered ao mesmo tempo afirmar que tios ce nafores so equvalenics e querer combeer @injustca? Ea escas questies que deveriam responder, ern 1990, 08 ean” Hatatos a0 exame de bacharetado, Elas se apresentam a £0 Gos os cidadaos, O direito francés nao ¢ espontaneamente jnelinadoa consagrat 0 plutalismo, Ror mais que o Estadore- pablicano se tena rsolvida hiv uns dee anos 3 descenteal vo, esta até hoje € apenas adminstrativa.O Estado tetérn zee lima anzlise o poder de fazer a lt: osfuristas veer mis- co faz mrudto tempo, a mais manifesta expressac da sobe- Tania, As coletividades terrtoriais poder, devetto, eriar nor rane, mas o Estadio Thesdé rédea curta: essas nlormas 96 po- Jem acrescentat-se &¢ regras estalnis ¢ naa substtut-tas, 50) sasdreas e nas condigoes fixadas pelo diteitoestatal ojulz aie exeeutivo podem anuld-las. Poissomos sempre infllen ciados por mitos elaborados ha dois séculos, 156 NOS CONEINS DO DIREITO Rumo as galaxias juridicas Alsi “deve set amesma para todos, quer ela peoteja, quer cla puna”, prescreve o artigo 6 da Declaragao dos Diteitos clo Homem do 1788, quo portonce.ao nosso direito positivo Uma representagao da sociedade modelada pela imagem de tam corpo homogénen a inspira. Paralclame cle unidade do Estado é lido estritamente coma um impera- tv de unfomade. as ds deta homey, que conce ro entanto, 1590, 0 governa elabora um estat . sega que, pela primeira vee, reconhece jiridicamente a exis- tdncia de um povo corso, Seu primeira artigo ¢ recheado de ppalavras que fazer empalidecer os partidrios de- urn poder central forte: “A Reptblica francesa garante & comunidade hhistérica e cultural constitu‘da pelo povo corso, componente do povo francés, 0s direitos & preservagio de sua ifentidade cultural e &defesa de seus interesses econémicos esnciais es~ pectlicos.” Mais discretamente, o diteito privado também re ccebe injegSes de pluralisena, notadamente no porto em que se aproxima mais da moral, no direlto das pessoas. Faz onze anos, es casamentos poligamos so reconhecidos pela Cor- te de Cassago e pelo Conselho de Estado... desile que se- jam os de imigrantes que os contrafram em seu pais natal rot Prospect 2, 1962, 264-53 ODIRETONO PLURAL 157 antes de sua instalegio na Franga. Prudente, a Previdéncla mas trata responderd de pl ico. Contra as tracligoes do Sul fortemente impregnada de concepgbes indivicualistas e da onipoténcia do testamento legada pelo dizeita romane, os revoluciondrios suprimiram em 1791 todos os privilégios i- ‘Bados A progenitura, 40 sexo, a sucesso por leitas, Cumpria emianeipar os jovens (alguns anos mais tarde, 0 Cédigo Civil era compreendido coma a * Cédigo da Juventude"}, 0 que pascava pela fragmentagao das herangas (chamou-se tam- Dato Cielaa tne nisin de retalhat 0 solo") e contri- para pulveriear os clas atistoctéticos. Paralelamente, foi s defamilia de favorecer un dos flhos stietudindtia) “s enda ~ em g suplementar ao que the cabe legalmente a fim de gue. preservada a unidade da propriedade, competindo-the res- sarcir os ierndios¢ irmas, No pais basco, 0 primogénite € be- nefielado mais por meio de ceagtes-parttIhas operadas em vida dos pais. Entre os nobres © os burgueses, cnstama-se sar 6 dispositive de seguranga da cota disponivel (a par- te - variivel ~ do patriménio pessoal que cada um de nds tem liberdade de tranemitir a quem quiseth para legar ao f- tho primogénito a morada ancestral ou o castelo, Altitudes passadistas e minoritétias? Os mecanismos juridicos que as- Seguram a transmissao preferential das enypresas 6¢ preni- dem largamente & mestna logica, 2 CHC iets Eee dict Paneate®, Le Pont 918 29 abe AOA LM 158, \NOS CONEINS 00 DIREITO INREITONO PLURAL 159 ‘de menores 4 autoridade paterna (que certas seltas operam), as obrigagbes contratadas pelos traficantes de droga so con ado define como " puiblica”. Pifios 1 de pluralismo juridieo? So fatos, nem ppouco excepcionais, Paderiames citar outros, que a infl- enal néo macula: o diretto canénico continua a peoibir cal oadmite desde 1884; 0 primeiro deconsiderd-lo crimeem 0 Estado condenavam 0 em- m0 a jos, 05 comerciantes 0 praticavam etc lamos parar esas enumeragGes para reter a constata: duzido por outros grupos, 1e podem coincidir ou fio essencial O monismo juuidico oferece vantagens ¢ auto- divergis. Por exemple, o trabathador imigrante ¢ submetido Tiza 0 tepouso das certezas: o que-pode ser mais trangiiliza~ rerno da empress dot que um astro inico rum eéu #xp? O pluraismo, em sua seqgando 0 qual fur versio forte, abre-nos as portas de um universo vertiginoso, cebe: ele 03 povasdo de paldxias juridicas que seafasiam umas das outras no interior de sua familia segundo critérios con~ u, ao contratio, se attzem, misturando ds vezes sets bragos. no #30 0s do direito francés (condiga0. ‘Aviso clissica do direito sexia t8o ultrapassada quanto geo- i inte). Outro exemplo: smo? Devens em todo casa interrogar-nos sobre as que, de modo muito particular na Franga, levaram @ acomentar oliteito a0 Estado. Existem em nessa sociedlade muitas outras manifesta~ Pes de pluralismo juridke,voltaremosa clas, Tentemoo bre= jade determinada so cos diferentes que se apleam For exemplo, o contrato comercial, em que o comerciante ‘vende mereadorias segundo regras diferentes (mais males ‘vcis) que o resto dos cidadaos. Em sua versio forte, que tem minha preferéncia, inspira-se na idéia de que os di rristas? As conseqiiéncias delas s40 muito diferentes. A. A paixdo pelas leis versio fraca reverte em vantagem do diteito estatal: nela 0 pluralismo em geral se redua 2 manifes J das, reguladas ou incentivadas por concepgies do di entdo falar de pluralidade de mecanismos juridicos do que Outros palses cris rridieo, o qual pressupoe a existéncia e 0 en= aoe tigate Franga a paixio pelas le ado. E quea Franca foi cedo iluminada pelas Luzes. Alguns, coma Vollaite, nao eam contra o despotisme, contanto que fosse esclarecido. Esperanga destludida, sabe-se: Frederico da da influgncia do monotefsmo sobre a5 nossas Exidentemente ela nao.exphica tude. 23. ida que todos es ant a essténcia da pulser {esebdni do kdmenn 8 Rov Ph air enclose ‘VGDI, 1988, 205-4: ‘ & sigra, pp, 64-73 160 Nos CONFINSDOD Prissia 0 expulsou, comparando-o a uma latan}a cui ‘convinha jagar depois de lhe ter espremido 0 suco, a sob 0 quent i eéiligos, Diderot declara a imperatriz. da Réssia: "Cun prird prescrever que nas escolas ulllizem para ensinar a fer ocatecismo, ora 0 cxdigo, Seria Catarina responde ao seu is apenas com o papel, que aguenta tudo [.J. 80 paseo que eu, pobre , tabalho com a pele huma- na, que 6 ‘com mais ardor a paixdo de seu tempo. is. Ndo escreve no Contrato soeiat: “Seriam pr Deuses para dar leis aos homens.” © que no o impede de coisas, do calendério rept Antoine 0 clube dos Nomééilos que serd animade pela célebre m que destina as cldacles furturas 0 sonho langiveis gravadas ne mérmore. Rabaut Jei que o homem se vez de se deixar derivar sobre frégeis e instdveis costumes, Estes, porém, néo estavam votados @ uma morte proxima ae PORIRAL 161 ‘Tiessam vinte arios somente, « na Alemanha acende-se io do Romantismo, reasaa contra as pretensces uni Esse movimento glotifica o costume, vapor maléfico do qual gostam de se ro. cortadas dese povo e que querem fazet-The a a vantade dele, O grande jurista alemio desse sforga-se para afastar da Alemanha 0 CO- ‘apoledo, te 4 ia exprossdoda mania fran- dle legislar. © Cédigo ni fa, porém, t3o longe quant: fm desejado as Luzes: aos amores mais apaivonados {elem depresca.as primeiras decepgSes, Portal “foram os moderadores. © redator do Cédigo Chil publicara jm panfleto contra a codificago em sua juventude; aprecia- aio empirismo de Montesquieu edurante seu exilio na Ale- smannha sofrera a influgncia do romantismo. Porisso nao con- g@be 0 Cédigo como um absoluto, chegando a dizer que a8 pessoas no fazem os eéeligos, mas que eles $¢ fazem com © Tempo... Quanto a Napoledo, ele evoluird. No apogeu do Im- prio, coroado de sonha em fazer do Codi- clos franceses las 08 povos nao (os mesmos projetas. Mesmo na Franga, 0 autoritariseno ime comeca a pesey. Em 1812, Napoledo deve waltar as pressas para par fim # cong Leipeig 56 tem um ano de asta fin todo caso, oimperador muda de discurso: & Razio ante, & sua “tencbrosa metafisica’y ele afirma doravante referit 08 ensinamentos tiradas das conhecimento do coragic humano. ‘Tarde demais. E sobretudo contraditério. tem que aveitou o legado da Revolugio num pento conetrusae.de um Estado forte e centralizador, que ele queria capaz de compensar od gico gevado pela pre- lividuo. De que serd queist justamente & época 162 NOS CONFINS DO DIREITO Q Estado, instituidor do social Numa obra recente que mostra muite bem a complexi- dade do desenvolvimento das figuras do Estado no decorrer destes dois tiltimos séculos (nem tudo se reduz 8 alternativa simplista “mais” ou “menos” Estado)’, P. Rosanvallon opde Estado mondrquiico Aquele que nasee da Revolugio, O pri- smeinn seria“o topo regulador € organizador de unsa hierarquia fe corpos intermediérios”’, enquanto o segundo ia om sulnvorter @ aniquilar esses compos, Fiearia- fos a atenuar o vigor do contraste!, assinalando uta nao se contentou em afirmar sia sobre a nobreza, o clero e os dife gia), refreou-lhes o poder legislativo; submeteu-os a pres- so de seus agentes e de sua fisealida cleo pagava um imposto, distargaco sob o eufemismo de “doagio gratuita”; Luis XIV instaurou a capitagdo, & qual até os nobresestavam. em principio sujeitades}. Quanto as comunidades urbanas, © poder réyo soube abater- Ines as veleilades de independ esses corpos intermediairias: nao € sem razo que yam os intendentes do rei, Todavia. contimuaram bas- fortes pata constituit freio mais eficaz do absolutismo, 0 rei tocau s6 com precaugdoe sem muito sucesso nos pri- vilégios (alias, os juristas se cividiam sobre a questao de sa- ber se ele tinha esse direite) (Os filhos das Luzes pretendiam ir muito mais longe e fazer da Estado o institwidor dosecia!, Acabaram-se corpos n- 6,64 P. Rocaneallon ’ftar en France 1789. es jows, Pals, Le Sell, fax P Roarwation ep ob corp inteetedis- O DIRETTO NO FELIRAL 10 a coesao de uma sockedade, que idtuos subtraidos & rede cerracla dos rantias de seus direltos, as declaragies 7 .. Os cozpos da antiga sociedade néo so os tinicas a arcar com a prego dessa paixdio unifermiza- dora. Dois exemplos, O primeiro consiste na remodelagett ica do territério. Hé que destruir o “espitito de provin- a" © pr fim aos arcaismos— reais ~ da antiga adini sao. O que importa € o espitito da reforma posta om prética ino infeia do ano 1790: 0 recorte departamental frac 4 Franga em 83 espagos de dimensoes proximas, subdivididos em circunscrigbes © em distritos. O do passa de um reflexo de uma organizago nacion: humano e 0 corpo social operadas de Hobbes.a Rousseau, cle liga as nodes de territéria e de pavo, afirmando queas divi- sGes do terrtério sdo epenaso reflexo dazqielas do povo, Se- gundo exenplo, de igual precocidade, de luta contra 0s par- Heularismnos: a Iingua e as medidas, Jd em 1790, procura-se tenficar a lingua. Em 1794, © famoso abade Grégoire apre- senta 4 Convengieum 8 diedestruir of dialetos ed ‘A unifarmizagao dos pesos e medidas procede do mesmo andamento unitiria: a Lei de 18 germinal doano Ill convida idadaos a mastrar “uma prova do apego servindo-se das parte, por sua vee, fez que seus primeitos prefeitos procedann em 1801 a uma pesquisa sobre os uses Jocals, inaugurando uma etnckagia administrative’. Os encarregados ttm dificul- dade em fazé-Io, pois os recortes departamentais nfo corres VN, Hous pact, icin br Fiance — La staitgn diparomile {Pepe napoloienne, Paris, B4 des Archives Consernparains, 198 pt \NOS CONFINS DO DERETTO pondem necessariamente as realidades geogrificas e socio- ogieas. Percebem em todo caso que, negados pelo direito ¢ ela ideclogia revolucionarios, o3 particularismos regionals ainda estio bem vivos. Ordenande recer no pretendia em absoluto poet a conhecé-los melhor para aniqul ‘O destino effmers do Impéri cai E também uma angristia que nao parou de erescer no de- comer das primeiras déeadas do século XIX, compartilhada pelamatoria dos publicistas e historiadores daquele tempo: a da dissalugao social. Todos eles falam cle sociedad redu- zida.a pd, desconstituicSo sacial, decomposigio dos lagos 1s, De fato, descobro-se a necessidade pre- iariedades por novos la- tito, Mas 0 mente reco- tentando gerar efeitos sociais andlo- .g03 203 vineulos produzidos pelas corporages do Antigo Regime, sem restautar de modo algum estas. P. Rosanvallon qualifica com razao esse procedimente de “regulaco nea- corporativa", J2 em 1802, 0 Estado implanta instituigées cor sultativas que Ihe-servem de interfaces ern suas relagées com certas profissdes (camatas de comércia, emaras consultivas das manufaturas); 0 movimento prossegue com a multipli- cagio de conselhos superiores (4 cay da agei- cculturs, do trabalho ete,) que devem associaras competén- vadas a sua agao, Por esse vies, reaparece a represen- ta dos grupos secundiiries, somente uns dez fe sou principio ter sido negado, Os regimes ge a. A revolugdode fevere' 10 de 1848 institul a lberdade de associagéo, que serd consa. grada pela Lei de 1° de julhode 1901. As sociedades de socor- fo miltuo, nascidas das necessidacles de uma classe operétia tem formagéo, estdo agora legalizadas e se multiplcam sob 0 Segundo Império, Paralelamente, critica-se o individvalismo dos primeiros revoluciondrios. Em 1864, Emile Olli © DIRENTO Neb PLURAL 165 denuncia o anticorporativisma de Le Chapetien: “Nao € yer dade que haja apenas individuos, praos de poeira sem corso, 0 poder coletive da naga, Entre os dois, coma transigio de lum para o outro, coro melo de evitara compressio do indivt- duo pelo Estado, exste 0 grupo, formado pelas livzes apron mages ¢ pelos acordos voluntirios,"* Filésofos, socidlogos e juristas sentem cada vez mais anecessidade de pensar o sacial imo tuna totalédade ndo exclusiva do Estado, mas irtedu- 1 a0 seu finieo papel de instituidor desse social. Atestam isso 03 esforgos de L. Bourgeo's, inventor do solidarisma; de € a8 aspiragées desenwolvidas no final do século pelos pro gressos e pela concentragio da industrializacdo. Elaboram diversas teorias, que vio do solidarismo ao socialismo jurt- dicos, e todas elas enfatizam a regulagao das ventades dos. individuos pelos diferentes grupos sactais aos quais perten cem (associagbes profissionals, classe social ete.). Sinal dos tempos, aparece em 1905 a nogao de abusade direito: oexer cicio de um direito, ainda que perfcitamente teconhecido, é vedado desde que nia possa ler outro objetivo senio cau sar um dano a autrem, Isso pe em eatusa toda a nogie de di reito subjetivo, Alguns anos mais tarde (em 1912), E.Gounot ataca ou mo,a nogde de autonomia da vontade, Em fligeana no Cédigo Civil, ela significa que a vontade dos individuos é suficiente para criar efeitos de dizeito, notadamente gragas & conclusio de contratos. Ora, alguns juristas comegamn a escrever que essa nogio ¢ incom= pativel com a multiplicagio das associagbes e coma progres iodo droite sindical As idéias de justia ede sofidariedade devem impor-se A vontade individual 166 NOS CONFINS DO ENRENTO Vasta ¢ fundamental evolugao, da qual todo a séeulo XX ja ressentir-se, através do florescimento dos direitos soci Poder-se-fa ter acreditado que essa restaurago do social, ciada jd nos primeiras anos do-séeula XIX, teria entaqi o Estado pds-mondrquico, na medida em que preenchia um vazio que ele mesmo criara fazendo prevalecer as concep- Ges individualistas. Nao foi nada disso, muite pelo conted- tio. Pais 0 Estado instituiti-se o protetar e © regulador das novas solidariedades: grupos modernos nasceram sobre os escombros das antigas. A mesma ligica comanda-lhe a ati- tude para com o diteito, Reeuaram répido do culto absoluto da lei J4 na segunda metade do século XIX, a jurisprudéneia retomou isposigdes, apoiando-se em sew sensa de eqiiidade, nasnogies de neces- siddadies e tradigées do power elaborarda até interpretagoes dos eSdigos opostas av se tivo deles. Também a doutrina sacode 0 jugo dos inal do século: dei~ xando de considerd-los monuments inclestrutiveis, ela su- ere © prope inevagSes, Mas tude isto 11do constitui de mo- do algum um prelidio para o enfraquecimenta do monopé- lio que o Estado pretende exercer sobre 0 direito: somente uma outra maneira de exercé-lo. A regulagdo neocorporati- ‘va cortesponde uma nova gestio da produsdio juridica:o di- reito € sempre um negdcio de Estado. Percebe-se isso identificando-Ihe as fontes. Esti certo, (05 manuais de direito distinguem varias delas-A doutrina, ou soja, 0s parecetes expressos polos outros erucitos: Mas estes nao tém nenhum valor juridico por si sés: 56.0. adquirem se 80 repetdos plo juiz ou prlolegstador, Ocosture? nap tic, ele pode ser mais important a pode ir contra a ordem Igo juts dn cousa contra licagao. A prs Hel depende estreitamente do Estado: mesmo que se~ 1m todas votadas pelo Parlamento, 90% delas nao pro- O pIRETTO vO PLURAL 167 +yém da iniciotiva dos representantes do povo, mas resulta de projetos elaborades pelos ministérios e pela adminis- ‘raga piblica, Ademais, desde o inicio do século e sobretu- docom a instauracéa da V Republica. ela sofre a concorrén- cia do crescimento do poder regulamentar (decretos, porta- tas administrativas ete), que pertence exclusivamente ao poder executive, ‘As manifestagdes de pluralismo juridico e judicidrio as quais aludi nde contradizem nem um pouce essa tendén- cia, As justicas intemas ou alternativas toleradlas pelo Esta iveis, em caso de fracasso de suas as jurisdigbesestatals: a autonomia no por isso que em sua versio “fraca” 0 lico nda arrarha realmente 0 monopdlio e3- 1a gest pode ser apenas o produto de va", Assim, o Estado escoll partir dos anos 1950, o problema da modemizagao da agri- cultura, jogando a carta de encarregar as profissies nutais de seus problemas, sem no entanto desafrowsar seu conirole, Seus servigos agricolas se tormam mais discretas, mas navos intermedisrios so introduzidos: diferentes fundos e asso- clagdes sao criados por sua iniciativa (Fundo Nacional de Desenvolvimento Agricola), finan formas, mais maledveis © mais eficazes. Alids, & senso com mum faz eco a essas concepsies. Pesgunte a um francés mé- dio: a idéia de direito ele associard espontaneamente os cO- digo, as forcas da oxdem e as jurisdigdes (penais, de prefe- rneia, come sabemos). Podemos, todavia, perguntar-nos 52 cesses procedimentos na atingiram hoje seus limites, 13, CE sopra pp. 1368. 12.CE P. Rowarwalon, op ot 2868 = 168 (NOS CONFINS DO Dike#TD A sociedade civil a descoberto Fis vitlos sinais parece mostrar que as diferentes ins- tinclas que compdem a sociedade civil almejam ciminuir, se nae suprimir, o papel de instituidor de sacial que o Estado -pretende desempenhar ha dois séculos, Isso no significa que ado deve desaparecer, mas, antes, modificar-se, mos- agente coordlenadar de novas solidariedades: cade desconcentragao. Os problemas aos quais deve fazer frente a sociedede cos do que cultutals, O princi los de vids, acima de nais externosde pertencer & sociedadle acartetam uma capaci- dade maior para cada familia de construir coma bem entende seu modo de vida. A diversificagio da demanda corresponde, als, ada oferta de proctos de consumo e de bens de procka- fo. Mesine fenGmenana imprensa escrita, na qual se consta- fa um fortissimo desenvolvimento das revistes especializadas: se se Iéern menos livros, & também porque pilbtica-alvo mais bern definiclo, Ovideorassete nite uma prograiag3o mais pessoal do que a televisdo, Adiversificagdo também teligiosa. Pais de trecigao cris- Hi a Franca tomou-se multiteligiosa"’, Me dosos soci6logos, O local se autonomiza c relagio aos grancles grupos instituigdes nacionais. As di- versas consciéncias de classe se esbateram em praveito da © biRETTO NO PLURAL 169) crenga cada vez mais compartilhada de pertencer a uta clas- se média, Percebem-se ainda mais certas conseqiiéncias he vas do progresso tecnolégico, cada vez menos associada ia de Felicidade; a desconfianga contra certas figuras da Estaclae ca classe politica em geral cand a valorizagio de universes sociais ce pequena dimensao: em particular as as~ soclacdes, a localidade ¢ a femitia, sociagbes foram eriadas em 1987, 04 65 mais do que nos anos 1960¢ dez cento dos franceses pertencem a pelo menos ma associagsa (existem entre 300 mile 500m). Interpreta-se em geral a bai- sada taxa de sindicalizaréo (8% em 1990) como o sinal pre- monitéria do enfraquecimento da vida associativa®. Eum erro. Os franceses julgam insuffcientemente operantes cortos tipas rivllegiam aquelas que pretendem administrar uma Jo oul manter Uma sociabilikdade Tosais: no. se pro- ‘0 mundo e a sociedade quanto seu Goma do que por preccepa les ficou para muitos franceses uma das dimensies essenciais de sua existéncla, que ‘oesteredtipo de “busca das raiees” traduz bem, jd em 1975, as comunas ruras prciximas de uma aglomeragio grande vem ‘crescer stia populagio num ritmo superior ao rrizadas pelo ananimato das relagbes socials, laces de face a face. A vidd poli ipais, Sinal da forga das atitudes idemtité- je fusdia cle comunas fracasseram largarneti= sitar os resultados de uma pesquisa efetuada em 1990 nos seis deportamentos da regio Provence-Alpes-Cte d'Azur i 17 NOS CONTINS DO DiREITO 48% das pessoas interrogacas declaravam ter o sentimen- de pertencer acima de tud ide ou A comuna nas moravam, 35% a Franga”. AstelacBes de parentesco, enfimn, se modificaram e se fortaleceram au s6 tempo. mais fundamentadas da que antes na busca do consenso; ‘03 javens ficam mais tempo com os pais ¢, uma ver casados, 75% doles tém a residéncia a menos de 20 quilémetros de pelo menos uma de suas familias de origem; os pais e avés transferem em vida uma parte de seu patriménio aqs des- cendentes (formas diversas de assisténcia aos jovens casas), Quanto a9 Estado, mesmo que, segundo uma pesquisa de 419% dos franceses desojem sua “diminutigao”, ele no niblica © considera sempre 0 garan- ‘al e um agente importante da integra- grupos marginals ou desfaverecidos, que se retire mais da “vida privada” (medicina, informagées, lazer). portdincia dos grupas secundétios, insergio de novas solidariedades no local, fortalecimenta dos parentescos, de- sencorajamento diante de um Estaclo muito aglutinador: to- dos esses fragos aproximam em certa medida as sociedades péis-indlusttiais das sociedlades tradicionais catas aos antro- pélogos, Mas outros as afastam delas. A importancia da so- liddo" @ qual correspond justamente o desenvolvimento da 4 milhdes de vitivos e um mimeo indeterminada de pessoas que no porsuem ou possuem poucas telagdes cle amizact} stesceu mais depressa co que o da populagga global; sabe: que em Paris 48% dos lares comportam apenas uma ‘pessoa (contra 32% em 1954). A amplitude, também, dos fe- nomenos de excluséo. A integragiio dos imigrantes mage- Cl Lelie Conse Rona! Provence Alpes Cite dca: 83, foca G.Meraie, oi, 198, O DIREITO No PLURAL qt criminalidade aparente (conhecida da po- a5 que néo ¢ obrigatoriamente objeto de um julza~ aumentou, sobretudo aquela contra 08 bens. Quttos fendmenos s30 mais inquictadares sinda, pois demanstram uma diticuldade de viver que pode afetar consideraveis con- juntos da populagao, Aumento do consumo de drogas; comsu- mo de hipn6ticos e psicotropicos que fax da Franga o pais que os consome cada vez mais em comparagéo a populacio global; aumento dos suicfdios, muito forte entre os jovens. De modo que podemos perguntar-nos qual tendéncia pee~ valecerd: a que conduciria & desagregagio, por falta de insli- tuidores do social (Estado ou outros), ou, ao contrério, asque patecem prenunciar sua reagregecdo. «A teoria do Est direito, apesar de suas ambigitidades, aposta nestas ditimas, O Estado de direito e o direito do Estado Sente-se a respeito de cestos conceltas-um temor reve- rencial: €o caso do Estado de diseito, cuja promogdo fol asse~ gureda por tantos acontecimentos recentes. £ em seu nome que desaparerem na Europa central e alhures regimes au taritdrios, ¢ para ele que dizem tender as sociedades lberais avanigadas ein busca de umn acordo entre a necessidade do Estado e og direitos da sociedade cil, Pois 0 Est direito, Daf o sucesso do conceita, Saree ee queo Es. tado ditigista saiu da moda e em que os Estados despéticos tegistram mo mundo um tecuo inequiveco. ‘Resta saber como interpreté-lo™. Pois é possivel tanto redundar na exaltagdo do diteits do Estade como naqueles da sociedade civil. O problema é o seguiinte: estamos de acce- do sobre ofato de que, num Estado de diteito, o Estado nio 18, Ci owsclenteresuro de J, Chavalte,subverbete lat Disomaire enepclopttgua ce tdori ede soils duct, Pais, LGD, 1968, ATS, 172 [NOS CONFINS DO DIRETO pode fazer o que bem entende eaceitarver: nina mio excisada, a0 mesmo tempo macho e fémea, Se essa indecisoem que esti quanto ao seu sexo devesse durar, aser nunca teria nenhumainelinagge para proctiegio, Comeeeito, o dlitéris que a menina recebeu & um gémea simbética, um substituto macha com o qual ela néo poderia reptoduizit-se 200 NOSCONFINS DO DRRLITO que, a0 contrario, a impedtiria de unit-se a um homiem. As- simeomo Deus viu erguer-se contra ele o Grgae-da terra, assien também.o homem que se unisse a una mulher ndo excisida seria ‘picado’ e a oportunidacle de sua presenga disculida pelo Srgio que se pretenderia seu igual. © individuo, de outro lado, ngo pode conduzit-se normalmente sob uma dupla ditesio, E Racionalizagao.reforgada origem? Sem har marcas de se perten- is no Nascimento, A circitncisioa clade judaica ou mugulmana; a excisio, ef tetas iskimicas, tende entio a se tornar largamente um ins- trumento de dominagio masculina, pretensamente imposto pelo Alcordo, Mas parece mesmo que, par tras de todas easas mon {agens intelectuais, deva-se ver multas veres o medo que os homens sentem clas mulheres, aparentemente vivo nas so ciedades patriarcais. De maneira geral, 0 sexo feininine ¢ per- cebice coma inestético, sufocante. E-sobretudo ameagader: ‘como prova o tema mitoldgica bem conhecido da vagina dentada (trezentas versées dele sio repertoriadas apenas en- ‘es Indios da América do Norte), queameaga o homem de castragao em cada relagao sexual. Se acrescentamo-Ihes 0 perigo suplementar de clitoris que, em estado de erece0, pode, como a créem og dogens, "picar” o hmem. liada isso 32. ML Grinule, Di atu Pais a idem, td ber quanto os homens, cumprit uma forma moderna, no plana fantas- zagdo"?). Mas a anggistia dos homens ces, 0 que é uma inegdvel consoante coercées is ela se exerceu, Delicado exame de plu» ico? Sim, més aparentado com a sempre é valorizada, pois fazem dela 0 sindnimo do direito de resisténcia 4 optessio. Mas ihudi- mo-nos esquceendo também que ela pede legitimar penea- ments @ alos contwétios aos nassos, E por isto que posse a jempo recusar condenar Fofana e acerit a0 que C dis escreve sobre a juizo de valores: “A lapidagio é vel para nés, assim como a amputa~ ca da infibulagaa e da ox- cisdo das meninas... Meu respeito pelas culturas no pode abarcar isto, e surge um ponto de interrogegao na medida em que penso que hé mesmo assim uma certa salidarieda- de entre iss0 e 0 resto. Af, decerto em virtude de meus pro- ios valores, ou seja, dos valores que reconheco e que es- hha propria cultura, acaba o simples respelta fa do Outro, lente compreender, mas nda respei- do Peta Bo, cl. dosslé reser 202 NOS CONEINS DO DIREITO Fol por isso que afinal de contas recusei participar da defesa de Fofana (minha resposta teria sido totalmente di- ferente se tivess sentide como uma defe lagdo 4 minha pré J vezes erm quie temosde alids, sabem-no bem. Por ocasiéo de motoria absteve-se de abrir processo ficanco-a de crime, o que a tornava de penas menos severas. Mas fol mesmo o Tribunal wi Fofana de 3a 5 de outubro de 1989, Ele a reconheeeu culpada, mas, sinal de seu emborago, condenou a apenas a trés meses de prisio....com sursis, Veredicto vo (od neni Sempre tem de sé conformar & dade}, mas razoavel. Pois desonerando, eoncretamente, a acusada da execusao da pena, ele expressava em termos ju- ridicos, pela sentenga de una condenagio, a convieg lost de C, Castoriadis, um antropGlogo compartilhe. ‘as penas ficaram mais pesadas. A Franga, nes- lacamente: nesta hora, nenhurn eutro pais -europeu confrontado com a questa da exsisie eacolh caminho da repressio de 1989, outro caso agita mul- francesa; 0 do “lengo islé- uada numa ZEP (ena de educacéo prioritéria), a uns 60 quilémetros de Paris, umas adolescentes © marroquina pretencem usar 6 Jengo islimico durante as aulas, a que Ihes € proibi- do pelo ditetor e pelos professores em nome da laicidade. © caso se envenetta: 205 defensores do direito a diferenca opdem.-se 05 que, como o porta-vaz do Grande Oriente da Fronga, denunciam @ alienagao da mulher que o uso do xa- dor simboliza, Diante de eertas reagdes do rabinato (este previne de antemao que nai ace! go do-uso da 0 DIREITO NO PLURAL 203 previne que o tribalismo, disfargado peto direi | cab doutultin a ccueant6 wtulians, deciueg aisod sociedade francesa, entregando-a alm disso & Frente Na» tional". Consultam o Conselha de Estado, Em 27 de novem: bro de 1989, este emite um parecer muita comedido que con- Iribui para uma definigio modema da laicidade, tama Franga tomada multicontes Je liberdade religiosa é de- finida cle modo amplo, j4 que pode incluir 1130, no interior clas dependéncias escolares, de sinais no yestuétio de perten- cer a uma religiio, desde que nao impliquem manitesta- des de agressividade ou de proselitismo para com outros alunos, do que ficam juizes as autoridades de cada estabe- mento escolar. Sabedoria da Alta Assembiéia. Esta leva em conta a evolugio-do conceito de laicidade, No final de século XIX, ele encarnava a erenga na Razin e no Progresso e detendia a liberdade de pensamento contra as ambisoes excessivas de rio, Lim séeulo mais tarde, busca do sagrado se volta de novo para as experiencias reli- sgiosas, sejam elas eadticas (desenvolvimento do budismo na Franca) ou proredam de uma renovagdo do cristiano tra~ dicional (Renovagdo Carismstica), Enfim, no caso do Isla, se- sgunda religido-da Franga, aidentidade étnica se mesclou com 0 fato de s intelectuais, se convertetam 20 islamisma). Portantcy trata-se mesmo de pluralismo, que necessita de uma formu 34, CLA. Finktelkvaut Lassinte alliance des serge Le Made 26M ow, 208 NOSCONEINS DO DIRENTO Jaga jurtdica, na medida em que a tegulamentagaa do Es tado intervém. E af, também, é a um direito flexivel, no im- que deixe uma larga faculdade de interpretagio 3s 1igGes locais, que se refere o Conselho de Estado. Ele tem toda a minha preferéncia, pois parece-me mais “civili- zado" da que 0 outta, ao qual estamos habituados. Sejamos elarns, Nao hé mais que duas maneitas de al- cangar a unidade em sociedades.em que se afirma a pluri- culturalidade, Quer se decrete a uniformidade (a laicidade i compreendida como a proibigéa de qualquer manifestagdo de pertencer a uma religiio). O que pade ser ne nos casos.emt que as diferengas sto interpretada arr terns de aitagontismios do gue de cansplerert se prefica a via mais dif A opiniao publica influentes diante pluralismo Em poueos anos, 0 bruscamente de posicio. ma do“direito & diferenga” ruidous permite a comwunicagdo ~ e costuma estar go das ideias de esquenda, Depois suas Perwebeu- ve tio evidente, que € intitil procu cada qual seus valores e, provavel- ersin ab gosto do dia do apartheid. O (0 DIREFTO NO PLURAE, 205 Eis no tocante as idéias; o que dizem as pesquisas®? ‘Comecemos pelos sistemas de valores, De 1981 a 1988, 0s valores ditos comunitaries (desejo de arraigamento, de pertencer ao grupo, inguietudes diante do futura edo es- trangeiro) passam de 56% para 57%; os igualitérios (igual dade das oportunidades, dos direitos e das rendas; adesio a redistribuigé social por meio da agde estatal, de 54% para 499%; a pessoais (individualismo), de 27% para 29%; os prag- héticos {anti-estatismo, espitito empreendedan), de a4% para 35%. Portanto, uima gtande estabilidade. Unica tendéncia de- tectivel: os franceses creditam mals conflanga no individuo ou nos grupos do que no Estado, Entretanta, a referencia as identidadios commnitarias parece mais mareada por tendén- cias 20 fechamento do que & comunicago intergrupal. Felo "menos no que concemne ao que os franceses imaginam acer- cados estrangeiros, Quiarenta e cinco por cento dos franceses 1 presenga de estrangeiros pertencentes a ou- é uma opartunidade paraa diversidade e para 1 futuro da Franga, 538 si0 de opinio conteéria, Em 1975, 61% achavam simpatico que os estrangeiros moradores na Franga pudessem continuar a vivet um pouco da mesma maneira que em seus paises; finan sao mais do que 47% em 1985, Enttetanto, parece que essa tolerincia menor se refe- re mais aos costumes do que A liberdade de pensamento, ¢ mais especialmente & religiée. Em 1989, 58% dos franceses ‘pensavain que se pode ser franeés mesmo sendo de religifo quitas (mes, quando se aventa perante os entrevistodos.a cons- trugdo de uma mesquita em seu bairra, 52% ficarn hostis a 1530) 55% dizem que nao itudacian, os fillos de escola se esta scomportasse mals de 50% de criang das 49% nfo se- hostis a que um de seus part ‘se com uma pessoa de origern mu sem respasta), No total, ama tr 206 NOS CONeINS DO DIRT Preendente. Mas o pluralismo juridico parece, contudo, ter mau inicio, Pols outros ntimeros szo muito nitidos: para além das diferencas raciais, religiosas, que aceitam admitir com al- sgum esforgo, os franceses si0 muito apegades a preeminéncla do vinculo politico e & sua expresso nia tuniformistace juridica A pergunta: “Na sua opiniio, os mugulmanos deveriam be: neficiar-se na Franga de um estatuto proprio da religido deles pata ocasamento, 0 divircio ea guarda dos filhos ottentao as Jeis devem ser as mesmas para todas?”, 82%, em 1989, pondem pela negativa (11% positiva, 7% sem resposta). Ali ‘os mugulmanos esti conscientes disso, ja que fornecem res. Postas que expressam, rum gray meitor, as mes ndén~ cias (66% no, 27% sim, 7% seny respasta), Go: 71% dos franceses pensam que con ile vioent na Franga fazer esforgos pont se adaplar a soesedade Pranscesa, mesitio que niio possamn praticar a religico eeles nas mesma conde ee seies pases de origen Decetto esses niimeros se referem apenas a um proble- ma: oda presenga dos estrangeiras ni te-os magrebinos, O respei ‘Como, pot exemplo, coneiliar os preceitos do Isla nia (a parte das mulheres é a metade da- na), © casam\ento poligamica ¢ 6 repidio da to franeds, por sua vez apegad a igualda ai ygamicae go acesso igual do ho- mem e da mulher a 10? Ou o dieito francés deve ce- det, ou cabeaa dire curyarse. De fato, se se quer evitar oimpasse, 36 hd uma tinica safda, quelra ou néoa opi- nig dominante: 0 pharalismo juridico, Nouttos casos em que ochoque dos sistemas culturais € menos violent bes pals-tilhos), poder-se-4 peocurar solugdes de meio- fermo, definindo para os cidadios de cultura estrangeira esl juridicos mistes, tirados de seus direitos originals francés: a Europa, vamos repetir, se fez assim, Sharia com o 0 DIREETO NO ELLIRAL 207 Mas o problema do pluralismo nose reduz ao da fixa~ io de um estatute para os estrangeiros, de naclonalidade: francesa ownao. Vai muito mais longe: concerne a tada a es- igica ca Franga, na qual os estrangeltos cons- tituem s6-um elo da corrente. Noutras palavras, como con= ceber as relagdes da Estado com uma sociedade plural? De- veremos continuar a falar de um diteito quando hé varios? ji numa obra publicada em 1988: “Todas as teorias em comum relativizar o lugar do lade e afitmar que existem direi- is gerados pelos grupos socials constitutivos de toda sociedade |...] Podemos perguntar-nas se, de tanto empurrar o Estado a cada vez mais longe da sociedade, ndo lugio social vei assombrar a Republica sob o dis- alismo, intelectuats influentes (mas, sim, ainda.os ‘hal embram ao Estado sua missio ou. o dotam de novas ar- mas contra a “peste conmunitiria”, ‘Michel Debré se posta assim come feroz adversério do ppluralismo caltural e, mais ainda, juridica: “.. -unidade © & indivisibilidade do territério correspondem, a um s6 tempo, no subconscionte da Franga e na vontade francesa, a unidade wa indivisibilidade da cultura, gracas ao. que nessa nacao exis~ te, Este avisiné ainda mais necessiria ao nosso tempo porque i, Paris, PUR, $0.1. P: Dolmas te tale oe horoges, Pars, Oe Jaco, 1991) também mnoaie que, embora & mercado tena bors deseerpenho a curto pram. 0 Exude érnas hibit do que fe para Canela ce provestoe de temposlonges nie ae deve jogat Um ean a 0 outro, mas repatises paptis entrees, 36. N, Rowland, Anthopolgt 208 NOS CONFINS DO Dinero idéias falsas, algunas das em politicas contréria isso quando a descentralizagio |...] conduz.a criar entidades segionais das quais algumas, por um apelo desartazdado © em gtfal pervertido a endem contra a nagio eriar novas legitimida sso quando, diante de una baixa da natalidade gue spacidade de assirrila- al. A Repil dm da tolevdncia da jgualdacle forem sta teligido ot su gem, mas essa tolerdncia sé vale na unielade de: cultura.’ We expressa a mesma in dignacio” “Fico consternado quande ougo, faz alguns anos, falar em toda parte, na midla, entre os intelectuais, entre certo Ge politicos, unicamente de identidade racial, étnica, ria desenvolver ¢ aprofundat Nunca ougo toda essa de identidade francesa [.], A ambigo deles, desses wsformar 0 nosso pais numa 01 plariculturalidade: intimam-nos a nlo de outro hors elarme. Enrabichaclos por cultura, 03 etnologistas ndo seriam 98 velores de um deterministna téa nocivo quanto o racisma: “.. Jembremo-nos de que os priprias etalogistas copiaram do romantismo politico o conceito de cultura deles quie se Fede muito bem zeprimic a identidace pessoal dentro da Identidade coletiva ou encarcerar os individiuos em seu grupo de origem—sem com isso invocar aslels da heredlitariedade™* Do assim armas 3 Nova Diteita, ao mesmo terape que inspi- ram.a crenga da esquerda na sociedade pluricultural, que Ihe O DIRETTO.NO PLURAL ay dos defensores de Dreyfus, que proclamavam outro adesdo a normas incondicionadas ou. a valores universa Fade ficar sossegado, ei-los de volta ‘Outzo observacicr talentoso das mutagbes atuais, homem de esquerda, J, Daniel fustiga em seus ecitocais".. a seivindi ‘casio crlspada de pertencer a uma comunidad", a5 diversas, formas de tribalisina, e repete 23 condenagbes, de M. Rod:n- la peste rte do connnitaris- ‘Yonnet no-Lo forece num artigo a res fetomnam aa use da peruca (apenas seus raridos ténya ciei- 15 cabelos), Eng nu sobre dois exeo- ‘um cénjuge fora de aa comunidade, as casamentos mis- tos, antigamente toleraclos, 80 sistematicamente recusados, salvoem algumas a. que, como os mugulmanos lodoxos jogam o fato dé pertencer a uma 210 NOS CONFINE DO BIREFTO Ro contra cliscito francés. Longe de resultse numa so- iedade diversificada, que se enriquece de suas miituas di- ferensas coms-sonhain os utopistas da esquerda dos saldes © do Ministério da Cultura, essa ideologia prepara uma explo sio identitéria: “Nao 0 escondomos: a racializagio, a e cumpre agit de modo que a qué ine seja percebicl sna focte do que o que divih He toiadaraca co desem- penham af um pap |. Estado sompre teve a isso de defender cianal. Mas as muta atuais. 0s perigos de que so peenhes, teartsfarmiam essa tiga Wocagaoem banho de Juventud, no qual P: Rosanvallor co convida a bi “Numa Europa cada ver mais per- passada pelas dade nova, A questo éa um 34 tempo econdmica e cultural I: prod ftidade nacional superior as diferengas (nota- damente teligiosas), O Estado retomara a Hobbes e 20 sou programa fundamental."= Diante da urgéncia do perigo, devemas tirar as amar- tas de Leviatd e ajuizar os etnologistas peran da impostura? ‘Verda deiros e falsos problemas do pluralism Poisestes so postosino banco dos réus. ir ; mnder os fa- diosda Amazonia oui os aborigenes da Australia, que tema 42, P. Rossa Lifts a tart Exess, U6 ev. 190, 61, © DIREITO NO PLURAL au grande vantagem de estar longe. é bom. Refle téneia de um povo corso parece mais Susy a dissolugéo do Estado republicano € mim. De fat, o que é sobretudo criticdvel é misturar tudo, Tentemas ver mais cao. Em primeira lugar, a niogdo de coniidade, Empregada em geral de maneiza polémica pelosadversétios do pluralis- a possui em antropologia um sentido eientifico. Dife- tilha. A de wma mesma vida: tém-se as mestnas linguas, 05 mesmos ancesttais, divindades, amigos nos mesmos espagos. A das mesmas especificidades: longe de praticar o “comunismo primitive” (sexual ou outro) caro a certos pensadores de século XIX, as comunidades se apre- sentam como inclusbes sucessivas de gruposdlistintos e hie rarquizados (homens e mulheres, clis, classes de idades, castas, associagbesetc.). Mas esses particula te mais de coestio da que de dinisia, pots rep: termos de complementaricade. A muioria dos mitos de fun dagio das comunidades mostra que individuas semethan= tes ndo podem fundar a sociedade politica se nao séo pre~ viamente diferencindas, enquanto noses teérices do con- trate social pensavarn, ao contrdtio, que a similitude eva.a condigao da constituigio da sociedade. As conseqiiéncias si0 considerdveis. No plano soeial, cada eategoria tem neces- sidade das outras: o canponés, que ndo tem o diteito de tra- balhar o metal, neeessita do ferreito, que, nfo podendo traba- Thar a terra, espera sus alimentagio de camponés;o mesmo camponés tem necessidade do-senhor da terra e do senhor da chuva, que nao teriamnenhuma serventia sem ele; alel de exogamia deixa cada linhagem dependente das outtas etc. No plana politico, 0 modelo comunitarista se expressa pela separagdo dos poderes. Em cada grupo existem nfo um po- 212 [NOS CONFINS DO DFREITO der Ginico e superior aes outros, mas podetes de natureza di frente sobre diversos elementos (oat, atetta, o mano fago, as dguas etc). Esses poderes sio intercepenidentes uns dos outta, o que evita que, salvo em caso de crise, un deles pos 5a ficar absoluto. Vé-se bem por ai como urn moielo pluralis- ta pode assegurat‘a unidade sociale politica, Partlha, enfim, de ‘ano de decisdo: cada comunidad procdiz set, essencialmente consuetudinatio, de modo auténo- mo. B freqitente q ‘omunidades vizinhas no espago digam ignorar tude do cireite das outras, o que surpreendlia os pri- meitos observadores acidentais. Ec individun em tudo i880? Nio serd absorvido, enge- do por todas esses grupos que exerceriam sobre ele uma ica opresséo da qual apenas a toe bertado? Observemas primeinamente q sas sociedades, 0 inc mesmo em nos- hado em diver naa se sente fargosamente mal de homogamia socivecanémica, segunda a Qual nos casamos numa esmagadora maioria no mesmo teia). Pois, $e o grupo pode coagir, ele também protege, © que nio de se desprezar em nossas sociecades que so. frem tanto da solidéo. Quanto 3s sociedadies tradicionais, o jo estd ausente nela. E verdade que este no & consebida como no Ocidente 4 maneira de uma unidade € preferivel falar de pessoa, por sua vez compos- ta de varios elementos, dissoclévels pola vontade dessa pes- sea ow de outsem, ou ainda pela morte. Assim os wlofes (Senegal) distinguem tres pri ‘que compreende: 0 compe (gana : 4 forca vital (fi). Na morte, cada principio. ro compo terra, o rin a Deus. © rab go une a0 mundo invisivel dos ancestrais, n fit pode permanecer ligado 8 sua clescendéneia, da ua eventiial reencamacao do an- principio de organizagio plualista na inseryao da pessoa no seio dos grupos que constituem ide. Com efeito, cada qual na.curso de staa vida passa por vérins grupos, Aa seeasar, o homemieria um novo (0 DIREITO.NO PLURAL 213 po. Teed aces : ens, @ paderd ser contado Flas ocrmmnenty 9 ee tumbden dobar cater de ages sulas e tornar-se, por exemplo, ferreira ou pescador, a0 a ei eb Bar coi sis obrigagdes de cliente junto a um patrio. E gragas am idadle de suas pparticipagties quea pessoa guarda uma autonomia no seio da comunidade: a malor parte do tempo, o modelo comu~ individuos, e nao contra eles. ‘objetar-me-do os partidadrios da modernidade: sob aparéncias pluralistas, os sistemas que destreve 840 170 autoritarios quante regimes modernos, ainda qué a auto- de soja orga ucipolar. ima de wemos bem desde Foucault que 0 pod. 14.56 », se é realmente S i escapam a tegra:nelas também o indivicuo é-uma iusto, De lada, nas sociedades tradicionais, a sontestagado é pos- ais que parecem mais i oaepores te Sneteoies Ds rivals, que tentam apoderar-se de uma autoridade a qual nao tém direl- to: como os eléssicos caniflites entre pelmogénites ¢ irmaos rmiis mogos, muitas vezes resolvides gragas a distorgies im postas as genealogias clanicas, Osempreendedaves, que vio- Jam as reatas de diviséo dos bens servicos raros, a fim de 03 capitalizar em sua vantagem pessoal. Os inoundores re _gioscs, novos pestores da sagrado, quese impSem comoin- ‘ventores de rifuais, profetas ou tessias (os eultos messifni- os acompanhant freqilentemente as crises provocadas pelo: colonialisme), A categaria ampla dos fiticedros: nda somente os quese servern da magia, mas de Jato um grande seer, sis, 1985, 271-2 43,8 6. Boland m4 [NOS CONFINS Do biRerra nuimero de contestadotes quie escolheram formas de opos!- co mais ou menos ocultas, Tadios esses dados permitem jogar de novo a bola para © campo das pol aqueles que querem a todo custo Guebrar as tribos, associar as termos de comunidades ¢ de identidade aos de monolitisma.e de exctusda, a fim de con. jurar o que eles acham ser os perigos do piuratismo, Totten do suficientemente os conceites, sempre é possivel fabricar a. Mas os bens que ela permite adqui- Tir ndo sio muito duradouros, 4 que por isso deve-se dar cegamente no “todo- 1"? smo ndo é uma panacdia nem, sobretudo, uma 6ntica par; licada a todos os ca mieras saciedades tra clamenitadas em principios inversos mas 10 py xisténcia na Franga do casamento poligamo dos imigrantos ¢ ou ainda nao tocantes 4 ordem. publica (cardiptos especiais nas cantinas escolares para os Judeus e os mugulmangs): nesses casos, o pluralism juridi Co € adaptivel sem maiores dificuldades. Ou os diferentes valotes séo concorrentes, ou 80 percebidos ~ com ou sem raza —como eacluindo-se uns aps outros (uso do ve rico em Grell; excisio na Franga}; neste caso, 0 pluralismo mesmo impossivel. pelo menos a Foes pre Zo, Sua perpetuaeag reduidaria de fato na que nosso pole. istas temem; a dissolugaa social (nas primoiros siculos de 15 © DIREITO No LUIRAL u wagao da Europa, a personalicade do drei Pate erp nia Fob seul dea it teloge mts inte ras), Na segunda hipdtese, pode-se de fato conceber que O otedo sei duet periatecen os prdutores de una ica que sé afirma pela uniformidade juridica, ‘a nem um pouco destnuider da -§ que os adversitlos do phura- can! sua argumentasde nos ma- de grupas secundéios dos quiais 0s i rama alguna ynieayie: Gra Gees Be peg 50 faze religioso.ou nas necessidades do anti-racismo, quiet i O fardo de diteto estatal recaiino conjunto dos grupos se sados de “neocorporativismo", de egoismas de “cada vee mais". Ai, também, impsem- s desses grupos, de fato, perseguiem ab- da demoeracia, como 0 pa ee a ae a8 lemocracia representativa sempre foi for 9 mesmo Perec pa una forte deprenteilzno 4 ele tegime paslamentar do-qqze presidencial ea fortion, tirlo, ¢ pela existineda de grupos ‘Organizade is Nat ventati sister também que os el queexsta aciaa das eseothas pol 216 (NOS CONFINS DO Dieta noma dos atoros sociais. & prdpri ‘viva, onde a onpanizasao dos trabalhadores em sindicatos, em sociedades smi cooperativas, de um lado, addos empregadores ci associagdes diversas, do outro, deram uma base social sdlida a oposicio da esquerda e da diteita. A social-democracia mente seu nome: nela a democracia roy 3 ofganiza- gio prévia di Sociais. A democracia fraca, aa contra tio, em toda parte onde & Estado controla, aié mesma consti- tui 08 atores sociais, como se dui em quase todos os pafses da lar no Brasil eno México, ond les empr ¢ 86 liveram pouca existéncia b categorias do politico quase semp: rarnas catego ras do social | 9 individualismo no. campo. e conttapattida da concentragZo do poder e a assoclacio des- elementos ameaga uma democracig representative que pressuipde, ap contrétio, a integracao do indivic grupos de intetesses, prafissionais mas tam teligiosos ou outtos, e a supremacia do poder ccoalizes formadas entre seus representantes o poder executivo,"* Portanto, a modemidade nd é de modo algum moda negago dos grupos e de sua organizacao pl 40 contidrio, a uma descrigo aniquada e perigosa q duo-Estado remete, Seria melhor, rs. De um lac © € o suporte biolégica da re- de socializagao que a pessom exprime. Esta se deduz das lagbes que mantemos com. as nosses préximos e com as diversas comunidades 3s quais pértencemos: as saciedades ticas, a valorizam plenamente, As socieda- des modernas, mais individualistas, nao suprimiram essa di A Teacaing, Ua nouvel ge de by 6,4 ch, Le Mapine Lana, 0 DIRFITO.NO PLURAL mensio relacional, pois nesse caso nada m iat, Mas oseilam entre 0 mito do indivicuo ~ perigoso, pois pode Faciltar todos os do ategoria que pe ingularidade de cada ser e sua no menos iete- Z gavel dimenséo social. E por isso que as ever a exis éncia dos grupos, das comunidades no egador lencis dos a ai ide. Os priprios provesso: tc ite anos que vem desenwolvendo-se a agio ans grapes para fazer que os tri fos, Esses grupos nao si0 sumam expressar preocupasies jicas: defesa das consumidares, do 15 comunidades sa fracas, sdo efetivamente ae 10, que podem conduzir a0 218 NOSCONEINS DO DIRETO Antropologia politica do Estado A antropologia ndo mostra fercosamente a boa inten- cio dos “selvagens”: vimos que estes néo hesitant em pagar Com o prego-da guetta a preservagaia de sous valores, na the dida em que muitos acham ser as tinkcos verdadeitos “ho- to, a maior parte dos grandes antropélogos, de yeki até Lévi-Strauss, reteve sobretudo a 0 estruturador © condigao de viabilidade nas. Uma vez permitida a comunicagao pela linguagem, os homens se puserain a trocar cénjuges & ‘bens, sem necessitar, durante muito tempo e em numerosos «aso ainda atuais, daquilo a que chamamos 0 Estado, Pois acissca, 4 qual ea 8 ope", Os tedrcosdo contate social (Hobbes, Locke ¢ Rousseau) sup atureza os homens acabaram sentinds dificuldades ett coa- bitar. Por intermédio de um contrate sucial kaseado no ape- fe politica, alienando-Ihe pattes vatidveis de suas liberdacies originais. Mas, no final do século XIX, H. Surnner-Maine. o primein grande antropélo- g0 do direito da época moderna, replica fundamentando-se nos dacos historicamente constatdveis: o estado de nature» ela existe no mais longe a forma de organizasies fa 47.01 M, Abeles, Aetnopsogi iota Pais, A. Colin, 1959, 8-59, (O-DIREITO NO PLURAL 219 volvem na auséneia do Estado, Para 0s flésofos, 0 diretto # natural ea politica, um artefato; pata o antrapélogo, a poll: tiga € umn dado primero, enquanto os fenérnenas rico essencialmente pfirats, nao passam do pprodut tes grupos humanos. Portanto, a unidade pol pode ser assegurada por mecanismos no estatais: reaches alguns anos mais tarde mo principal fundamento ével-aqis riko evocar os pais do anarqiis- Estado confisca sua pottncia original cla sociectade, institul relagbes de coergao onde a lei de reci- procidade pr '5 tmocas. De modo mais trivial. Kropotkine cagoa dos burgueses que “considezam o povo uma aglome= ragdo de selvagens que comegam a brigar assim queogover- no debxa de funciona’ Entretanto, a verdade € que 0 Estado apar assim, Por qué? antropéloges. Para Sti mente retomadas mais tatde, ram de incorporar rece familiar como trage de uniao entre grupos cuja ace flcava cada Vez mals mai Estade terri muitos outros tiveram de dar. Pois das cocedades acéfalas aos Estados modemos, a antropologia jurfdica nos poe te de mititiplas formas de Estados tradicionals, cujos irigen- tes se esfargam, com maior ou menor sucesso, pata feali- zat um equilfbrio entre seus paderes ¢ os que continuam nas mies das auteridades clinicas, religiosas ou rituais. Contra Tiamente 40 que penisivam os anarquistas, 0 Estado nao-abe sorve sempre e em toda parte a soctedade, © que guardar de tude isso? Atualmente, no hi es plicagZo tinica para o nascimento do Estado, E Y 220 NOSCONTINS DO DiAEITE exemplos histéticos (a bem dizer majoritérios} que mosttam que este procede de fatores extemos (a presenga de urn Es- tado vizinho obriga a modificar os equilibrios presentes, ait da que om eonseqiiéncia de uma guetta); mas também de outros (vale do Nilo, Mesopotamia, China, Peru, México) nos quais ele apareceu sem a intervengao do estimula de cutras formagoes estatais preesistentes. Estado nasce entao para > otganizar as relagbes entre grupos sociais nao igualitérios ‘com interesses separados, até mesmo divergentes. Mas nas dduas eventualidades — aporte de elementos exteriones, acen huagdio de di isGes internas ~ a fungao essenc 6s Modermos tal- 2 aejam umn dos numerosos impasses da evolugio, esté ex- fo que nossas sociedades retornem a formas acéfalas de ‘organizagdo politica. Mas a antropologia permite-nos per. TT Seber que esses socielades tasbim sao segmnentérias, mesmo ‘que essa segmentaridade se baseie em outros priticipios or- Sanizadores, diferentes da solidariedade parental elanica de ‘utitas sociedades tradicionais, Reconhecé-loe deisar de fl minar indiscrimt amente o “tribalismo” nao me parece em nada fazer injiria 4 democracia, A existéncia de grupos & de comunidades nao impede de modo algum, como o de- monstra amplamente a antropologia, @ formagio de meca- nismos de alianga que lhes petmitem coexistire unir-ce, sem se confundir. Nao esquegamos que amitide as mais fecha- «des comunidades, que parceem com razio ameagadoras, sa um efeitoda exc! antes de constituir sua causa. A valori- 2agéo des particularismos comuunitéties 56 fica perigosa para -atinidade do Estado e da sociedad quando se combina com uuina situardo de exelusiio na qual, anferionnentie, a Estado ow a Sociedade puseram ou deixaram insinuar-se esta ou aque- lacomunidade. Noutras palavras, o efeito bumerangue, Camo escreve P. A. Taguielf, lutar-se-d tanto ‘meihor contra o racis- (0 DIREITO NO PLURAL. 221 mo quando se falar menos da questo Imigrante do que do destino des enjeitados, De maneira mals geral, canverthamos também que grupos comunidades oferecem ao'sindividiics co calor de uria sociabilidade gue foi dissolvida pelas grandes, madgquinas estatais e pelo eStiolamento das relagoes de face a face provoeado pelas teen modemas {a adlminis- io da Previelencta Social ama alma Jagem entre essas.co- Jerincia nao podem ser tar que foram intimeras as socieda- que pastaram sem ele nfo basta para transform-lo num wanequim inerte. A sociedade, em sua estrutura global en- carada na_plano Lento justdico como sociolégieo, deve ter re- conhecido um papel fundamental na inst Mas viver sem Estado deixou de estar—o mento, deixando fluidas culturas herdadas ou importadas (notedamente mediante. ensino... da antropalogia), reeo- Iihecerd sociedade © ditetta nip de o suprimir, mas de eoope- Tarcom cle, Utopia? Convenhamos que foi uma das mais des- © Estado disigista e centralizador ganhou Como a huz-viva de um 0 longe, trazida por lum texto de Cicero: “Penso que havia para et [Cato], como 222 NOS CONFINS DO DiKERTO para todas as pessoas dos munich “, duas patrias: uma patria de natureza, uma patria de nia [-] considera mos patria aquela onde nascemos assim como a que nos acolheu. Mas ¢ necessdrto que esta prevalega em nossa afei- 0, pela qual o nome ‘Replica’ é a bem em comum da Eidade inteira. E por ela que devemos morrer, &a ela que te- mos de nos 0g, nela que se ha de colocar e sim dizer santificar tud Que nos gerou nig nos uetos acolheu. Bp que nunca haverei de negar-Ihe absolutamente o nome de minha patra, ainda que uma seja maior e a outra esteja fechada dentro da primeira — fieando bett entendicla que todo homem, qualquer que seja o lugar ‘onde nasceu, participa da cidade e a concebe coma tinica,"* Duraremos tanto tempo quanto o Império? Os uniipiss so cdeces conguistadas por Roma, gus se bees ‘i starao de wulonomia Capitulo v Direito e vatores empl rescienento eco ogyal ou se, prover see, Pee te todo bomen # aloe todo, heranga? Desde bilhdes de seres hu que dizer ymem ainda tem um lugar mete? milhées de anos, ¢ nosso pla- igonia flamejante da sol dentro de Por mais curto que seja a caminho per- o: alguns séculos ou oceanos : em ge ‘menos, bastam para que mudem cédigos & costumes. Que fazer de tudo isso? As vertigens sucede o dilema. Deveremos, para compreender melhor, renunciat a Julgar? Os emologistas conjuram seus leitores a nao medir So denies propos Dob: Stavenhagen,

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