Você está na página 1de 4

El ecologismo de los

pobres, de Joan
Martinez-Alier
Sustentabilidade Clóvis Cavalcanti
em Debate

Pesquisador Titular, Fundação Joaquim Nabuco, Recife (PE)


clovati@fundaj.gov.br

Recebido em 04.08.2011
Aceito em 30.09.2011

RESENHA

MARTÍNEZ ALIER, Joan. El ecologismo de los pobres. 4a ed., ampliada. Conflictos ambientales y lenguajes de
valoración. Lima: Espiritrompa Ediciones, 2010. 416 pp. ISBN: 978-612-45727-0-8.

Este livro é nova edição em espanhol do das relações entre natureza e sociedade. Ela tem o
volume escrito e publicado originalmente em in- mérito, ainda, de tratar da abordagem da econo-
glês – The environmentalism of the poor. A study of mia ecológica (EE) em conjunção com a perspec-
ecological conflicts and valuation (Chel- tiva da ecologia política. Assim, tan-
tenham, United Kingdom: to fala dos elos percebidos quando
Edward Elgar, 2002) –, já traduzi- considera o sistema econômico um
do para o português por Maurício subsistema aberto do ecossistema,
Waldman (O ecologismo dos pobres. axioma da EE, quanto dos proble-
Conflitos ambientais e linguagens de va- mas suscitados pelo uso da nature-
loração. São Paulo: Editora Contex- za no contexto das estruturas de po-
to, 2007). A primeira edição em es- der. Cada uma tem linguagens de
panhol é de 2002; a presente cons- valoração próprias, de que resulta a
titui a quarta edição. diversidade de conflitos socioambi-
Ela se distingue das anterio- entais que há no mundo.
res por ter sido ampliada no Peru, O livro se detém diversas ve-
com a inclusão no final de dois zes, repetidamente mesmo, no con-
capítulos, que totalizam 60 páginas. Em qualquer fronto doloroso entre a destruição sistemática da
das versões, pode-se assegurar que a obra de Alier natureza, para que se ganhe dinheiro, e a necessi-
contribui admiravelmente para o entendimento dade de sua conservação, para que se possa sobre-

Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 2, n. 2, p. 185-188, jul/dez 2011 185


Clóvis Cavalcanti

viver. Chega a afirmar que não deve haver confu- Ora, os conflitos ecológicos distributivos
são sobre o tema central de que trata: “a resistên- manifestam o enfrentamento constante que ocorre
cia (local e global), expressa em diferentes lingua- no metabolismo social da natureza entre esta últi-
gens, contra o abuso de natureza e a perda de vi- ma e a economia, com os seus altos e baixos, as
das humanas” (p. 20). Nesse sentido, faz lembrar suas novas fronteiras, as suas urgências e incerte-
os versos de Cecília Meireles, no Romanceiro da In- zas. É aí que a razão de ser da economia ecológica
confidência (de 1953): “que a sede de ouro é sem aparece na moldura do ambientalismo – ou dos
cura/ e, por ela subjugados,/ os homens matam- vários ambientalismos. Na verdade, Alier intro-
se e morrem,/ ficam mortos, mas não fartos”. duz no Capítulo I as três correntes que ele perce-
A idéia de um “ecologismo dos pobres”, em be no movimento ecologista, com muita coisa em
contraposição à crença de que defender a nature- comum entre si, inclusive a ojeriza dos antiecolo-
za seja um luxo dos ricos, “um novo movimento gistas. Indica que o seu propósito é tratar do cres-
social monotemático, próprio de sociedades prós- cimento que o ambientalismo tem exibido. A pri-
peras, típico de uma época pós-materialista” (p. meira das correntes identificadas, que se respalda
358), toma corpo na observação dos conflitos e na biologia da conservação, é a do “culto ao sil-
na sua expressão como estratégia de sobrevivên- vestre”, da defesa e sacralidade da natureza ima-
cia dos pobres. Estes, que, obviamente, como todo culada, do amor às florestas primárias. Nela se in-
ser vivo, querem continuar vivendo, tornam-se clui o biocentrismo da ecologia profunda. Ela está
conscientes da necessidade de conservar os re- na raiz da noção de incomensurabilidade de valo-
cursos naturais, a exemplo da água e da mata. Tal res, “um tema central da economia ecológica” (p.
“consciência, amiúde, é difícil de descobrir por- 24). Está contida também no lema de John Muir
que não utiliza a linguagem da ecologia científica, (1838-1914): “A Terra pode sobreviver bem sem
mas linguagens locais como a dos direitos territo- amigos, mas os humanos se quiserem sobreviver,
riais indígenas ou a linguagem religiosa” (p. 358). devem aprender a ser amigos da Terra” (p. 26).
É daí que desponta o tópico freqüente, no À segunda corrente ecologista, que tem res-
livro, da incomensurabilidade, ou comparabilida- paldo na economia ambiental e na ecologia in-
de fraca, de valores, atropelada a toda hora, na dustrial, Alier chama de “credo (ou evangelho) da
vida moderna, pela primazia do econômico sobre ecoeficiência”. Ela admite o crescimento econô-
qualquer outra dimensão. Alier insiste nessa ques- mico, mas não a qualquer custo, confiando no
tão, aludindo a noções como a de (in)justiça, e desenvolvimento sustentável, no uso prudente dos
racismo, ambiental, conflitos ecológicos distribu- recursos, no controle da contaminação, na mo-
tivos, intercâmbio ecologicamente desigual, valo- dernização ecológica. A sua preocupação é com
res não-econômicos. Ele insiste em denunciar o os impactos ambientais e os riscos para a saúde
monopólio da dimensão econômica sobre as de- das atividades produtivas. Daí defender iniciativas
mais. Quanto a isso, levanta dúvidas de grande que promovam a eficiência econômica, como os
pertinência. Por exemplo: “Quem tem o poder impostos verdes, preços corretos, internalização
de impor a linguagem econômica como lingua- das externalidades, tecnologias limpas, valoração
gem suprema numa discussão ambiental? Quem da natureza.
tem a capacidade de simplificar a complexidade, Finalmente, a terceira corrente de ativismo
desqualificando outros pontos de vista?” (p. 19). ambiental, que desafiaria as duas anteriores, seria,

186 Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 2, n. 2, p. 185-188, jul/dez 2011


El ecologismo de los pobres, de Joan Martinez-Alier

no entender de Alier, o “ecologismo dos pobres”. co, da economia como um subsistema do ecossis-
Ela pode ser chamada também de ecologismo tema global, finito, e da necessidade de serem con-
popular ou, como é conhecida nos Estados Uni- siderados também aspectos históricos na econo-
dos, de movimento da justiça ambiental (p. 33). mia. Importante é a análise que faz das disputas
É sobre essa terceira tendência do ambien- sobre sistemas de valoração e aspectos distributi-
talismo, o “ecologismo dos pobres”, que se am- vos da produção. No Capítulo III, sobre índices
para na ecologia política, e a justifica, que versa o de (in)sustentabilidade e neomaltusianismo, a ên-
livro de Alier. Ela diz respeito a temas como o do fase recai sobre a medição, elaborada pela biolo-
avanço das fronteiras do petróleo, do gás, do alu- gia, da apropriação humana da produção primária
mínio, do cobre, da palma, do camarão, do ouro e líquida e sobre a pegada ecológica. Discute-se aí a
da soja transgênica na direção de novos territóri- questão da desmaterialização (ou não) do consu-
os. “Isso cria impactos que não são resolvidos por mo, da taxa de desconto temporal, da capacidade
políticas econômicas ou mudanças de tecnologia de suporte. O nascimento da ecologia política é
e, portanto, recaem desproporcionalmente sobre examinado no Capítulo IV, que começa afirman-
alguns grupos sociais que muitas vezes protestam do que a economia não emprega hoje menos ener-
e resistem (embora tais grupos não costumem se gia que no passado, nem está se desmaterializan-
denominar de ecologistas)” (p. 34). O eixo central do. Vários casos de conflitos ambientais e econo-
do ecologismo dos pobres não tem nada a ver mia de rapina são examinados, a exemplo dos sus-
com uma reverência sagrada à natureza. Ele foca citados pela contaminação da atividade de mine-
interesse no significado material do meio ambi- ração no Peru e na Andaluzia. Alier aproveita para
ente, “como fonte e condição para o sustento; delimitar o campo de atuação da ecologia política
não tanto uma preocupação pelos direitos das e, com base em formas de propriedade e gestão
demais espécies e gerações futuras humanas, e sim de recursos, para desfazer a famosa tese da “tra-
pelos humanos pobres de hoje” (p. 34). A ética da gédia dos comuns”, de Garrett Hardin (1915-
tendência, portanto, clama por justiça social e 2003).
ambiental agora, entre os humanos. Um movimen- Examinando casos concretos de ecologis-
to que a ilustra é a Via Campesina. As denúncias mo dos pobres, os Capítulos V e VI do livro abor-
de biopirataria (apropriação do conhecimento tra- dam situações de conflitos ambientais como ex-
dicional de povos indígenas) se incluem no ambi- pressão de conflitos de valoração. A exploração
entalismo dos pobres, cujo crescimento no mun- predatória do camarão, mostrada no Capítulo V,
do se deve a conflitos ecológicos distributivos sé- permite que se fale de uma tragédia dos fecha-
rios e freqüentes (caso, em 2011, de Belo Monte, mentos (enclosures, em inglês), bem distinta da tra-
no Brasil, e da estrada Beni-Cochabamba, na Bo- gédia dos comuns. Casos como o do petróleo do
lívia, por exemplo). Delta do Níger e os seus mártires, do movimento
O Capítulo II versa sobre o sentido e alcan- Chipko (Índia), dos seringueiros de Chico Men-
ce da economia ecológica. Apresenta as suas ori- des, da biopirataria e outros fazem parte do valio-
gens, associando-as a um enfrentamento sem re- so material empírico contido no Capítulo VI. Va-
médio e em evolução “entre expansão econômi- lores díspares em confronto são aí apreciados,
ca e conservação do meio ambiente” (p. 40). Fala concluindo-se com a pergunta: “Como calcular
dos condicionantes físicos do processo econômi- as indenizações a pagar em dólares pelos danos

Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 2, n. 2, p. 185-188, jul/dez 2011 187


Clóvis Cavalcanti

produzidos?” Diante da inexistência de uma uni- posição de que o meio ambiente seja um direito
dade comum de medida confiável para solução humano. No Capítulo X, intitulado “A Dívida
desse impasse, uma saída seria a técnica de avalia- Ecológica”, examina-se o passivo causado ao meio
ção multi-critério (p. 200). ambiente pelo intercâmbio ecologicamente desi-
O Capítulo VII apresenta conflitos urbanos, gual do comércio entre países. A ótica da econo-
especialmente os relacionados ao planejamento das mia ecológica conduz o raciocínio, levando a uma
cidades e ao trânsito. Procura demonstrar que as postura crítica do livre-cambismo. É levantada a
cidades não são ambientalmente sustentáveis (elas questão do dumping ecológico, quando a venda de
se valeriam da pegada ecológica para escapar à bens é feita com preços que não incluem com-
insustentabilidade). Assim (p. 209), em Los An- pensação pelas externalidades negativas ou pelos
geles, para os 3,65 gigajoules por ano do consu- esgotamentos de capital natural.
mo endossomático necessário de uma pessoa, O empolgante tema das relações entre a eco-
correspondem 40 gigajoules, aproximadamente, de logia política e a economia ecológica constitui a
transporte pessoal – ou seja, quase 11 vezes mais. matéria do Capítulo XI. No Capítulo XII, Alier
Uma solução para a insustentabilidade inerente da dá um fecho à terceira edição de sua obra. Faz um
cidade é o que muitas delas fazem: usar espaço balanço de suas idéias centrais. Começa com ele-
ambiental alheio ou jogar esse ônus para guetos mentos da economia ecológica, mostrando que,
internos ou periferias pobres (p. 216). Contribu- quando a economia cresce, utiliza necessariamen-
em, assim, para reforço da distribuição ecologica- te mais recursos naturais (aceleração do crescimen-
mente iníqua. Essa mesma tecla reaparece no Ca- to = aceleração da destruição) e lança mais resí-
pítulo VIII, que estuda os movimentos de justiça duos na natureza. Ainda que não cresça, vai ne-
ambiental nos EUA e África do Sul. Nesses paí- cessitar de mais provimento de petróleo, gás, car-
ses, os impactos deletérios em áreas onde vivem vão, simplesmente porque a energia não é reciclá-
pobres tendem a ser muito maiores do que nas vel. Nesse processo, o metabolismo das socieda-
ocupadas pelos ricos. Acrescenta Alier: “A prática des ricas só se sustenta mediante a extração a pre-
de exportar dejetos tóxicos para outros países tem ços baratos de recursos das pobres. Está aí a ra-
sido descrita como injustiça ambiental ou racis- zão de persistirem os conflitos ecológicos e de se
mo ambiental em escala global” (p. 236). No Bra- lutar pela justiça ambiental. O assunto reaparece
sil, aventou-se há 30 anos a possibilidade de o lixo no balanço do ecologismo dos pobres, 20 anos
nuclear de Angra dos Reis, no estado do Rio de depois, tópico do capítulo final (o XIII) deste li-
Janeiro, ser armazenado no Nordeste. Puro racis- vro extraordinário. Leitura obrigatória.
mo.
O papel do Estado e outros atores (entre os
quais, o Intergovernmental Panel on Climate Change -
IPCC) nos conflitos ecológicos é considerado no
Capítulo IX. Alier menciona que, nos estados do
Sul, com freqüência, continua-se “acreditando na
velha doutrina do crescimento econômico a qual-
quer custo” (p. 253). O capítulo dedica atenção
também aos “planteamientos” feministas. Adota a

188 Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 2, n. 2, p. 185-188, jul/dez 2011

Você também pode gostar