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Trabalhofabricacao de Sofrimentos Resenhacritica Loucura Trabalho PDF
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CARDOSO, J. C. Aguiar*
INTRODUÇÃO
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José Carlos Aguiar Cardoso, o autor deste estudo interpretativo, é graduado em Administração com
especialização em Psicologia Organizacional (FACID/PI) e Padrões Internacionais de Auditoria Interna
(UCB/DF), natural de Teresina-PI, atualmente exerce a função de auditor interno em um banco público, tem 47
anos de idade e reside na cidade de Fortaleza.
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forma metafórico ou hiperbólico), pois o termo será utilizado para designar sofrimento,
patologia ou síndrome mental no contexto do trabalho.
[...] quatro horas diárias de trabalho deveriam ser suficientes para dar às pessoas o
direito de satisfazer as necessidades básicas e os confortos elementares da vida, e
que o resto de seu tempo deveria ser usado da maneira que lhe parecesse mais
adequada. [...] Uma condição fundamental de um tal sistema social é que a educação
ultrapasse as suas atuais fronteiras e adote como parte de seus objetivos o cultivo de
aptidões que capacitem as pessoas a usar seu lazer de maneira inteligente.(RUSSEL,
2002. p.33).
É possível intuir que as idéias não foram bem aceitas na sua época, haja vista a
conotação difundida de que “ócio” seria sinônimo de “preguiça” e historicamente a preguiça
tem sido vista como algo abominável pelas organizações, especialmente as organizações
religiosas, grandes influenciadoras na formação dos alicerces conceituais das pessoas.
parece atemorizar muita gente ainda hoje. E o cinema, em vários filmes, difunde uma cultura
workaholic, promove uma necessidade de um trabalho árduo. O tema muitas vezes não é
tratado diretamente, mas as metáforas das batalhas e guerras são muito eloquentes. E até em
letras de músicas pode ser observado o incentivo: “Vamos ao trabalho, vamos ao trabalho/ E
só há uma maneira de fazê-lo/ direito, bem feito/ Se não, é melhor nem começar.” (Titãs,
2001).
Pois é nesse contexto que se procede à análise sumária da obra de Dejours, feita
de uma forma crítica, propiciando uma opinião de que há muitas forças contribuindo para as
situações de sofrimento no trabalho. E muitas vezes esse sofrimento é provocado pelo próprio
estado mental do trabalhador e não somente por forças externas. A partir do próximo item,
apresenta-se um resumo dos assuntos tratados no livro e somente no item “Reflexões Finais”
é emitida uma opinião sobre o tema abordado pelo autor da obra analisada.
A LOUCURA DO TRABALHO
higiênicos, deixando para outros (Dejours sugere os representantes de classes, políticos) a luta
para mudanças necessárias à eliminação das desconformidades denunciadas.
Ele realiza inicialmente uma abordagem histórica e, nesse enfoque, relata que,
apesar do desenvolvimento das ciências humanas nos últimos cem anos, o mesmo não ocorreu
com os estudos da psicopatologia do trabalho. Nessa descrição, ele identifica três etapas
históricas importantes para o tema: (1) período de desenvolvimento do capitalismo industrial
– séc. XIX, até primeira década do séc. XX; (2) período entre a primeira guerra mundial e o
ano de 1968; e (3) período posterior a 1968.
No seu passeio histórico, ele narra a evolução das condições de trabalho da classe
proletária, lembrando que no primeiro período a literatura designava aquele momento
histórico de “miséria operária”; depois, no segundo período, veio a etapa de lutas, resistências
e conquistas valiosas geradas pela liberdade de verbalização e pela força organizada da
“solidariedade operária”; até chegar ao terceiro período, o período pós-68, marcado por
buscas de condições cada vez melhores nas organizações do trabalho. “Por organização do
trabalho designamos a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa [...], as relações de poder, as
questões de responsabilidade etc.” (Dejours, 1992. p.25) . O caráter qualitativo do trabalho
“não pode ser traduzido em termos de custo ou de itens orçamentários. [...] A partir de então
se confrontam, sem intermediário, a vontade e o desejo dos trabalhadores e o comando do
patrão, concretizado pela organização do trabalho.” (p.25).
Ao enfocar a questão, o autor chega a defender que é preciso uma adequação entre
o conteúdo ergonômico do trabalho e a estrutura da personalidade do trabalhador, sob pena de
possivelmente “levar a um sofrimento e até a uma síndrome psicopatológica caracterizada”.
(p.59). Segundo Dejours, esse sofrimento existe por causa do conflito que o aparelho psíquico
sofre em “arranjar” satisfações para compensar as inadequações existentes. “O aparelho
psíquico seria, de alguma maneira encarregado de representar e de fazer triunfar as aspirações
do sujeito, num arranjo da realidade[...].”(p.62).
Quanto ao segundo caso, Dejours explica que a organização do trabalho nesse tipo
de indústria tem o medo, em função da ignorância proposital, como fator determinante. “Essa
ignorância, que permeia o funcionamento da empresa, tem um papel fundamental na
constituição do Risco e no Medo dos Trabalhadores”, enfatizando que a empresa não tem
interesse de que todas as etapas dos processos de trabalho sejam difundidas entre as diversas
categorias de trabalhadores, como forma de controlá-los, levando-os a se ocuparem com a
produção de um sistema de macetes. “Quanto mais a relação homem/trabalho está calcada na
ignorância, mais o trabalhador tem medo”.(p.107). Para Dejours, a permissão de instalação do
medo. E finaliza a reflexão propondo que “a exploração do medo aumenta a produtividade,
exercce pressão no sentido da ordem social e estimula do processo de formação de macetes,
dicas, indispensáveis ao funcionamento da empresa.”(p.115).
Quanto à norma de produção, diz que esta é criada de acordo com o nível médio
de tolerância da maioria dos trabalhadores às exigências laborais impostas pela organização. É
um capítulo muito rico de conteúdo, em que volta a comentar de forma enfática a questão das
ideologias ocupacionais como mecanismo defensivo, trazendo um novo enfoque: quando algo
impede que o trabalhador se sintonize com sua ideologia de defesa, podem surgir
descompensações ou até distúrbios psiconeuróticos. Como exemplo, traz o caso de um
trabalhador da construção civil que, após o nascimento do primeiro filho, tem sua ideologia
ocupacional colocada em cheque. A coragem, a virilidade e o desafio ao medo, próprios da
profissão, não estava se “encaixando” na atitude profissional desse trabalhador, o que o estava
levando a apresentar distúrbios neuróticos constantes, e cujo diagnóstico foi difícil, mas foi
como se o tal trabalhador houvesse se convencido da realidade quanto ao risco, o que o estava
excluindo da ideologia da profissão. E, segundo Dejours, “A consciência exata do risco
presente durante o trabalho torna impossível a continuidade da tarefa. [...]Seria, de algum
modo, reconhecer sua falência, sua impotência, seu medo.”(p.124).
comportamental que poderia ser prejudicial, e possibilita ao sujeito meios de canalizar suas
pulsões durante o trabalho.”(p.128). E ele faz menção ao que designa de “fadiga misteriosa”,
sobre a qual comenta que “a fadiga é simultaneamente psíquica e somática. É psíquica porque
corresponde a um obstáculo para o psicossomático; e também por ser uma vivência subjetiva.
Mas é também, e principalmente, somática porque sua origem está claramente no corpo.”
(p.130).
REFLEXÕES FINAIS
Nestas considerações, propõe-se retomar a ideia contida nas últimas linhas da obra
ora comentada, onde se frisa que o trabalho é muito representativo para a existência das
pessoas que se encontram em fase produtiva. Observa-se que essa assertiva é ponto pacífico
quanto à sua veracidade. Basta que se converse com algum desempregado ou algum familiar
sem ocupação para se perceber o que o trabalho representa na vida de uma pessoa. E
conforme anunciado na introdução desta resenha, a obra foi analisada à luz dessa importância
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e representação do trabalho para o homem e mulher, que tem raízes não apenas históricas,
mas também filosóficas e biológicas. Dito isso, aduz-se que o trabalho é uma necessidade
humana. Ponto.
Nesse sentido, o autor desejaria ficar apenas no denuncismo estéril, no reporte frio
de seus estudos, sem projetar ou instigar processos de cura do trabalho. E essa postura ele
consegue durante quase todo o livro, mas em alguns momentos (e principalmente do final) ele
trai essa pretensão, não conseguindo deixar de dar sinais de caminhos, não conseguindo calar
de todo sua vontade humana de iluminar e até sonhar com soluções. Diante da exacerbação
das conseqüências das condições de trabalho (que se encontram resumidas na parte 2 desta
resenha), o autor demonstra existir nele “um pessimismo em relação ao futuro da maioria das
profissões, atravessadas progressivamente por uma organização do trabalho cada vez mais
autoritária, rígida e parcelizante”(p.135), e ele até pretende que esse pessimismo prevaleça
(talvez com o objetivo de provocar nos líderes sociais o mesma tipo de reação que os
sintomas das doenças funcionam para o médico), mas em alguns trechos ele desafina com o
discurso de falar apenas da “doença” organizacional. E esse desvio de propósito foi
positivamente uma surpresa.
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Observe-se como ele mostra sua preocupação e também esperança com o futuro
quando sugere nas suas conclusões caminhos para a evolução da saúde mental no trabalho. “É
de um duplo movimento, de transformação da organização do trabalho e de dissolução dos
sistemas defensivos, que pode nascer uma evolução da relação saúde mental-trabalho”
(p.139).
Assim, entende-se preocupante a forma como no início Dejours coloca todas essas
questões que assolam as relações homem-trabalho, como se fosse possível apontar culpados
para as mazelas que se percebe que existem. Se há culpados, é todo mundo. Certamente que,
se fosse possível perguntar ao próprio autor quantas horas de trabalho seguidas ele realiza por
dia, ou realizou na época da pesquisa que deu origem ao livro, ele reconheceria que estaria
trabalhando além do normal; sacrificando suas relações familiares para concluir um trabalho
já começado; deixado de lado algumas questões pessoais para jogar luz num problema da
humanidade. E então, caberia a pergunta: quem o teria obrigado a fazê-lo? Se ele, como
cientista, tem autonomia para iniciar e terminar sua jornada de trabalho, quem o haveria
imposto um tempo de trabalho fatigante? Ninguém... Ou todo mundo, já que se trata de uma
cultura universal e afeta a quem tem responsabilidades por um ofício ou tem uma missão ou
causa na qual acredita muito.
perceber que todas as profissões trazem sua carga própria de sofrimento, o que muda é a parte
e a intensidade do ser humano que é mais atingida, seja física, mental ou emocionalmente.
“O medo, neste caso, é o medo bastante premente da demissão, e que aparece como
fundamental para que estes efeitos possam ser levados a cabo. Percebemos o que
talvez possamos caracterizar como estratégia defensiva coletiva: o silêncio. Esse,
tendo sua base no medo, quebra a solidariedade entre os trabalhadores, engendrando
o individualismo e caracterizando o que Dejours denomina de "pressão social do
trabalho"”. (Merlo et al, 2003. p.127)
Mas toda essa situação não é construída pela administração sendo, em grande
parte dos casos, resultado do apego do próprio trabalhador ao trabalho e do medo de perdê-lo
ou de parecer pouco útil diante dos semelhantes e da sociedade.
estressante, tudo isso para concorrer a vagas cada vez mais reduzidas à medida que se sobe na
hierarquia da corporação.
Sobre esse tema, a revista Você S/A de julho publicou um artigo intitulado “A
vida dura dos gerentes”. Dentre outros comentários, o artigo aborda que “para conseguir uma
promoção[...], muitos acham que têm de dar o sangue pela empresa, bater todas as metas em
cada vez menos tempo e sacrificar a saúde e a vida familiar como prova de
comprometimento.”(Diniz, 2006. p.22). Observa-se nessa rotina uma fábrica de profissionais
cada vez mais estressados, pouco produtivos e sem tempo para a criatividade. Pior ainda
quando se trata de líderes, que são multiplicadores de comportamentos. E mais uma vez
observa-se que a situação não foi construída pela administração da empresa.
De toda sorte, corrobora-se com Dejours sobre o conteúdo das linhas finais da sua
obra, quando ele reconhece que “é provável que não exista solução ideal e que, aqui como em
tudo o mais, seja sobretudo a evolução a portadora de esperança”. E é preciso mesmo ter
esperança de que haverá ainda mais evolução na relação do homem com o seu trabalho do que
se tem percebido até aqui, em que já se observa a existência de uma série de leis que regem a
segurança no trabalho, as relações trabalhistas, a duração da jornada de trabalho; fiscalização
atuante de órgãos governamentais, éticos e sindicais, etc. O lamentável é que as leis e
regulamentos são quebrados pelos próprios trabalhadores (ou com o consentimento explícito
destes), seja qual for o tipo de trabalho ou a posição na pirâmide empresarial.
Agora, é preciso reconhecer que as relações do homem com o seu trabalho já são
bem mais evoluídas do que o eram no início da era industrial, por exemplo, num sinal de que
a cultura laborativa vem mudando para melhor, lentamente, sim, mas vem mudando. E é lenta
porque, como já se falou, não é diferente de qualquer outro processo evolutivo que cerca a
existência humana.
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REFERÊNCIAS