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CAPÍTULO

1
Via aérea
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução tem um volume de 1.600mL. Quando se utiliza a bolsa-vál-


vula com um dispositivo que não veda completamente a via
A oxigenação e o suporte ventilatório adequado são aérea (máscara laríngea, por exemplo), o risco de distensão
pontos fundamentais no sucesso do atendimento às emer- gástrica e regurgitação torna-se uma preocupação.
gências cardiopulmonares. A adequada oxigenação para a Um conjunto razoável deve ter as seguintes caracterís-
manutenção da vida depende de um suporte ventilatório ticas:
artificial apropriado. Vários são os dispositivos utilizados - Bolsa autoinflável;
para esse suporte, alguns deles serão abordados a seguir. - Sistema de válvula antitrava que permita um fluxo de
oxigênio de 30L/min;
- Válvula de pico de pressão (evita que a pressão do sis-
2. Dispositivos de ventilação tema desconecte o conjunto);
- Conectores de 15 e 22mm;
- Reservatório de oxigênio (permite administrar frações
A - Máscaras elevadas de O2);
Uma máscara bem ajustada é um dispositivo simples e - Material resistente para intempéries (água, chuva, calor).
efetivo para uso em ventilação artificial. As máscaras de-
vem ser feitas de material transparente, para detecção de
regurgitação, e ajustarem-se firmemente à face do pacien-
te, permitindo uma boa vedação do ar, cobrindo sua boca e
seu nariz. Permite ao socorrista aplicar pressão positiva ao
paciente por meio de sua própria expiração por uma válvula
unidirecional, o que impede o contato com o ar exalado do
paciente. É um dispositivo que permite a respiração boca-
-máscara no suporte básico de vida, fornecendo volume
corrente maior e mais efetivo do que a ventilação bolsa-
-máscara (AMBU). A melhor vedação é obtida quando o res-
gatista fica na posição cefálica do paciente (Figura 1).

B - Dispositivo bolsa-válvula
O dispositivo bolsa-válvula consiste em uma bolsa au-
toinflável e uma válvula unidirecional. Pode ser utilizado em
conjunto com uma máscara, ou um tubo endotraqueal ou
outros dispositivos de via aérea. A maioria dos dispositivos
Figura 1 - Respiração boca-máscara

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MEDI C I N A I NTENSIV A

C - Bolsa-valva-máscara (AMBU) b) Máscara de Venturi: dispositivo para controlar, de


maneira mais precisa, as frações inspiradas de oxigênio.
Essa é uma ferramenta para a ventilação de pacientes Tem indicação em pacientes com hipercapnia crônica (re-
com ou sem um dispositivo avançado de vias aéreas. Po- tentores de CO2) e em pacientes com DPOC. As concentra-
de-se ventilar com uma máscara ou diretamente no tubo ções de oxigênio de 24 a 50%.
orotraqueal. Quando se usa o reservatório de oxigênio, a c) Máscara facial: pode fornecer até 60% de oxigênio; é um
FiO2 é de praticamente 100%. A ventilação com máscara é sistema de alto fluxo, em geral ajustado entre 6 e 15L/min.
indicada a procedimentos rápidos ou à pré-oxigenação para d) Máscara facial com reservatório de oxigênio: forne-
obtenção de uma via aérea avançada. Pode ser realizada ce até 90 a 100% de oxigênio. Nesse sistema, incrementos
por 1 ou 2 socorristas. Deve-se lembrar que a ventilação de 1L/min aumentam em cerca de 10% a fração inspirada
com máscara pode provocar distensão gástrica e vômitos. de oxigênio.
A forma otimizada de utilização da unidade bolsa-valva - 6L/min: 60% de oxigênio;
com máscara requer adequado posicionamento do reanima- - 7L/min: 70% de oxigênio;
dor atrás da cabeça da vítima e a utilização de um dispositivo
para assegurar a permeabilidade da via aérea (Figura 2).
- 8L/min: 80% de oxigênio;
- 9L/min: 90% de oxigênio;
- 10L/min: quase 100% de oxigênio.

3. Dispositivos de via aérea


A - Cânula orofaríngea (Guedel)
O seu uso tem o objetivo de manter a língua afastada da
parede posterior da faringe. É feita de plástico semicurvo,
com lúmen que permite a passagem do ar e é disponível em
diferentes tamanhos, tanto para crianças como para adultos.
Somente pode ser utilizada em pacientes com rebaixamento
do nível de consciência ou intubados pelo risco de desenca-
deamento do reflexo do vômito. A colocação do dispositivo
demanda cuidado, devido ao risco de deslocar posteriormen-
te a língua em direção à hipofaringe (Figuras 3A e 3B).
Figura 2 - Ventilação com bolsa-valva-máscara

D - Outros dispositivos
Além dos dispositivos citados anteriormente, existem
outros meios de fornecer oxigênio suplementar para pa-
cientes críticos. Cada dispositivo pode oferecer uma deter-
minada fração de oxigênio e deve ser usado de acordo com
a necessidade de cada paciente. Em geral, a terapêutica é
guiada pela oximetria de pulso e pela mensuração arterial
de gases no sangue (gasometria arterial).
Figura 3 - (A) Posição da cânula de Guedel e (B) tipos de cânula
a) Cânula nasal: fornece até 44% de oxigênio. O ACLS de Guedel
preconiza este como o dispositivo inicial para pacientes
hipoxêmicos. A cânula nasal, também conhecida como ca- B - Cânula nasofaríngea
teter de oxigênio, é um sistema de baixo fluxo, em que o
volume corrente se mistura com o ar ambiente. É de grande utilidade nos pacientes com trismo, mor-
A oferta de oxigênio estimada aumenta 3 a 4% com o dedura, reflexo nauseoso exacerbado ou trauma maxilofa-
aumento do fluxo em 1L: cial. O uso deve ser cauteloso nos pacientes com suspeita
- 1L/min: 24%; de fratura de base do crânio. Em pacientes mais despertos,
essa cânula é mais bem tolerada. Quando muito longa,
- 2L/min: 28%; pode desencadear tosse, náuseas ou vômitos. É um tubo de
- 3L/min: 32%; borracha bastante flexível, com aproximadamente 15cm de
- 4L/min: 36%; comprimento. A extremidade distal posiciona-se na faringe
- 5L/min: 40%; posterior, e a proximal fica na altura da narina, permitindo
- 6L/min: 44%. que o ar atinja o trato respiratório inferior.

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VIA AÉREA

C - Tubo traqueoesofágico (Combitube) é introduzido às cegas pela faringe, até que uma resistência
seja percebida, quando a porção distal do tubo se encontra
Trata-se de um dispositivo invasivo de via aérea com du-
na hipofaringe. A máscara laríngea é equivalente ao tubo
plo lúmen e 2 balonetes (um proximal orofaríngeo e outro
endotraqueal em termos de ventilação, porém, não fornece

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distal), colocado “às cegas” em via aérea (Figura 4). O tubo
proteção para broncoaspirações. Na maioria das tentativas
acaba sendo introduzido no esôfago em 80% dos casos (Fi-
há sucesso na ventilação. No entanto, são necessárias alter-
gura 5). Com a insuflação dos balões esofágico e faríngeo,
nativas para suporte da via aérea no insucesso da máscara
ocorre o ancoramento do dispositivo, permitindo a ventila-
laríngea. É útil no caso de intubação por curtos períodos de
ção com a proteção parcial da via aérea e a diminuição do
tempo. Tem a vantagem de dispensar o laringoscópio para
risco de aspiração, além de uma ventilação mais eficiente. O
sua inserção, além da rapidez e controle das vias aéreas.
tubo é introduzido até 2 marcas localizadas na porção proxi-
Complicações associadas incluem inadequação de ventila-
mal do tubo. A principal vantagem desse dispositivo é a in-
ção por acoplamento inapropriado à via aérea, regurgitação
serção “às cegas”, sendo introduzido pela cavidade oral sem
e aspiração de conteúdo gástrico.
o auxílio de nenhum instrumento. Após a insuflação dos
balonetes, inicia-se a ventilação pelo tubo esofágico, veri-
ficando-se a elevação adequada do tórax; caso não ocorra,
o tubo deve estar na traqueia e ventila-se o paciente pelo
tubo traqueal. As complicações associadas incluem lesões
da via aérea superior e esôfago, hipoxigenação e aspiração
nos casos em que não se reconhece a ventilação esofágica.

Figura 6 - Máscara laríngea

Figura 4 - Tubo traqueoesofágico

Figura 7 - (A) e (B) posicionamento adequado da máscara laríngea


em 2 visões diferentes

E - Tubo traqueal
Figura 5 - Diferentes posicionamentos do combitube: (A) esofágica Durante o atendimento das situações de emergência,
e (B) traqueal quando é necessária a ventilação assistida, é comum a insu-
flação gástrica que pode desencadear vômito, aspiração, e
até mesmo restrição respiratória pela distensão do diafrag-
D - Máscara laríngea ma. Dessa forma, a colocação de uma via aérea definitiva
É um dispositivo supraglótico para ventilação pulmonar. (tubo endotraqueal, máscara laríngea ou combitube) tor-
É composta por um tubo na porção proximal e por uma más- na-se imprescindível. A intubação orotraqueal é a técnica
cara com balonete na porção distal (Figuras 6 e 7). O tubo mais eficaz para proteção e controle das vias aéreas. A pre-

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ferência pelo tubo traqueal existe pelos seguintes fatores:


permite a administração de frações elevadas de oxigênio,
mantém a via aérea pérvia, permite a administração de al-
gumas drogas por meio da via aérea (VANEL - Vasopressina,
Atropina, Naloxone, Epinefrina e Lidocaína), além de pro-
teger a via aérea da aspiração gástrica ou de secreções ou
sangue da orofaringe.
As indicações para a intubação envolvem as situações
em que é impossível ventilar adequadamente o paciente
inconsciente com outros dispositivos, e situações em que
não há reflexos de proteção da via aérea (coma ou parada
cardiorrespiratória).
Figura 9 - Alinhamento dos planos

Figura 10 - Posição ideal (olfativa) para IOT

Figura 8 - Tubo traqueal e com fio guia

A intubação traqueal deve ser sempre precedida de hi-


peroxigenação. Quando o paciente ventila espontaneamen-
te, a oxigenação deve ocorrer durante 3 minutos; quando a
ventilação for ineficiente, a ventilação com bolsa valva-más-
cara será necessária. A tentativa de intubação não deve ex-
ceder o período de 30 segundos. Caso seja necessária uma
nova tentativa, é preciso um novo período de ventilação e
oxigenação para aplicação desse processo. O tamanho do
diâmetro interno do tubo que serve para a maioria dos ho-
mens é de 8mm e de 7,5mm para a maioria das mulheres.
O uso de fio guia é opcional e é recomendado para os mais
inexperientes. Quando utilizado, não deve ultrapassar o li-
mite distal da cânula, devido ao risco de lesão mecânica da
via aérea. O posicionamento mais favorável para a visuali-
zação das cordas vocais é a “posição do farejador”, em que
há hiperextensão cervical e projeção anterior da cabeça
(Figuras 9 e 10). Essa posição favorece o alinhamento dos
planos oral, faríngeo e laríngeo, facilitando a visualização
do espaço glótico (Figura 11). O balonete é então insuflado
com o volume adequado para o tubo em questão, com a
percepção da boa vedação da via aérea com a parada do
som de escape de ar. Figura 11 - Anatomia das vias aéreas

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VIA AÉREA

Após a inserção do tubo, a confirmação da colocação - Pneumonias;


correta na via aérea deve ser feita por meio das avaliações - Lesões aspirativas (pneumonite química);
primária e secundária, visando identificar rapidamente a in-
- Edema agudo de pulmão (cardiogênico, hipertensivo);
tubação esofágica. A avaliação primária envolve a ausculta

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- Hipoventilação (lesão neurológica, doenças neuromusculares,
das seguintes regiões durante insuflação com dispositivo
falência muscular);
bolsa-valva, nesta ordem: epigástrio, base do hemitórax
- Complicações mecânicas (pneumotórax, atelectasias, hiperse-
esquerdo, base do hemitórax direito, ápice direito e ápice
creção pulmonar).
esquerdo. Esta sequência se justifica pela necessidade do
reconhecimento imediato da intubação esofágica e pela
maior frequência de intubação seletiva de brônquio fonte 5. Via aérea difícil
direito, determinando ausência de murmúrio vesicular à Por via aérea difícil, compreende-se a situação na qual
esquerda. Outro sinal importante é a observação da con- um médico treinado tenha dificuldades na ventilação manu-
densação de vapor d’água na parede do tubo na expiração al sob máscara facial, na intubação traqueal ou em ambas.
do paciente. A ventilação difícil sob máscara é aquela em que é impos-
A checagem secundária da colocação correta e da ma- sível manter saturação arterial de oxigênio acima de 90%,
nutenção da via aérea definitiva pode ser feita de 2 modos: mesmo com suporte de oxigênio a 100% e ventilação com
detecção de CO2 presente no ar exalado pelo paciente, e bolsa-valva-máscara num paciente cuja saturação é normal.
pela presença do colapso esofágico quando for exercida Também inclui impossibilidade de enviar cianose, ausência
uma pressão negativa pelo tubo traqueal. A detecção de de CO2 exalado, ausência de expansibilidade torácica ou dis-
CO2 pode ser feita por meio da colocação de um capnógrafo tensão gástrica durante ventilação com pressão positiva. A
acoplado ao tubo ou com o uso de detectores descartáveis laringoscopia difícil é definida pela impossibilidade de visi-
de CO2. A pressão negativa aplicada na cânula traqueal por bilização completa das pregas vocais. A intubação endotra-
meio de seringa acoplada determina o enchimento desta queal difícil ocorre quando há a necessidade de mais de 3
com ar quando a cânula está corretamente locada. Quando tentativas ou duração superior a 10 minutos para obter o
a intubação for esofágica, essa pressão negativa irá gerar correto posicionamento do tubo traqueal, utilizando-se de
resistência ao enchimento da seringa, indicando a locação laringoscopia convencional. Para ser considerado experien-
errada da cânula. te no manejo de vias aéreas, um médico deve ter mais de 3
anos de prática nesse procedimento.
4. Indicações de intubação endotraqueal O reconhecimento da via aérea difícil começa por uma
Há várias indicações para a intubação endotraqueal: des- anamnese completa, utilizando-se a história, o exame fí-
de a ventilação de pacientes que serão submetidos a uma sico e as condições atuais do paciente. Muitas vezes, no
cirurgia de rotina, até quadros agudos que levam a uma insu- atendimento de emergência, não há tempo hábil para re-
ficiência respiratória e necessitam dessa prática na urgência. alizar essa avaliação. No entanto, quando possível, deve
A Tabela a seguir enumera a maioria dessas situações. ser aplicada tendo atenção especial para as seguintes ca-
racterísticas:
Tabela 1 - Principais indicações da intubação endotraqueal - História prévia de cirurgia ou trauma em região cer-
- Obstrução aguda de vias aéreas (na impossibilidade por via aé- vical, dispneia, disfagia e intubação difícil prévia são
rea difícil, considerar via aérea cirúrgica); indicadores de possíveis problemas na abordagem da
- Trauma (mandíbula, laringe); via aérea.
- Lesão inalatória (direta ou indireta), incluindo inalação de gases - Exame físico:
tóxicos ou aquecidos;
• Cavidade oral: retirar qualquer prótese dentária;
- Aspiração de corpo estranho;
pesquisar corpo estranho ou sinais de regurgitação
- Hematomas; (pacientes inconscientes ou vítimas de trauma);
- Tumores de cabeça e pescoço; protrusão dentária (a avulsão dentária é a compli-
- Infecções; cação mais comum na intubação, decorrente de la-
- Epiglotites em geral; ringoscopia inadequada);
- Abscessos retrofaríngeos; • Lábios: fenda labial ou palatina geralmente dificul-
- Perda de reflexos de proteção de vias aéreas, com risco de aspi- tam intubação;
ração:
• Nariz: importante quando se planeja intubação na-
· Lesão neurológica (TCE, AVC, doenças degenerativas etc.);
· Intoxicação exógena (álcool, drogas).
sotraqueal; além de permitir estimar o tamanho da
cânula a ser progredida pela narina, permite avaliar
- Insuficiência respiratória aguda;
desvio de septo, o que frequentemente impossibili-
- Broncoespasmo (crise de asma, exacerbação da DPOC);
ta a intubação;

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• Língua: é a maior estrutura da faringe e, pelo seu ta-


manho, pode determinar obstrução quando ocorre
inconsciência ou relaxamento do paciente, dificul-
tando a visibilização das pregas vocais;
• Mandíbula: mandíbula hipoplásica, retrognatismo
e micrognatismo estão associados a via aérea difícil.
Em fraturas unilaterais, pode haver obstrução por
trismo, determinado por dor ou espasmo. A fratu-
ra bilateral pode determinar obstrução por falta de
sustentação da língua;
• Disfunções de articulação temporomandibular
(ATM): artropatias dessa articulação estão associa-
das à dificuldade de intubação.

- Parâmetros clínicos para identificar uma possí- Figura 14 - Distância interincisivos


vel via aérea difícil d) Distância esternomentoniana: quando a distância en-
a) Classificação de Mallampatti: é baseada no grau de tre esses 2 pontos for menor do que 12,5cm, com extensão
exposição da úvula e de pilares amigdalianos durante a cervical completa e com a boca fechada, a via aérea é difícil.
abertura da cavidade oral (Figura 12). Relaciona o tamanho
da língua em relação à orofaringe. Tabela 2 - Fatores associados à intubação difícil
- Macroglossia;
- Obesidade;
- Mallampatti III e IV;
- Distância tireomentoniana <6cm;
- Trauma de face (fratura de mandíbula);
- Colar cervical;
- Treinamento inadequado.

Figura 12 - Classificação de Mallampatti: classe I - pilares tonsila- Quando a via aérea difícil é encontrada, recomenda-se a
res facilmente visualizados; classe II - visualização total da úvula; observação da Figura 15:
classe III - somente a base da úvula é visualizada e classe IV - so-
mente o palato ósseo é visualizado

b) Distância tireomentoniana: avalia a distância entre


a cartilagem tireoide e o mento; quando essa distância for
menor do que 6cm ou menor que 3 dedos do examinador, é
provável a impossibilidade de visibilização da laringe duran-
te a intubação (Figura 13).

Figura 13 - Distância tireomentoniana

c) Distância interincisivos: avalia a capacidade de aber-


tura da ATM, introduzindo-se 3 dedos do examinador na li- Figura 15 - Conduta em caso de via aérea difícil
nha média da cavidade oral. Quando somente 1 ou 2 dedos
ocuparem o espaço, é provável a impossibilidade da larin- Quando há a impossibilidade de ventilação ou de intu-
goscopia direta (Figura 14). bação, deve-se seguir o disposto na Figura 16:

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VIA AÉREA

- Os pacientes a serem submetidos à intubação orotraqueal ele-


tivamente devem passar por avaliação para predição de via
aérea difícil. Quando identificados, devem estar à disposição:
materiais para o procedimento guiado por fibroscópio ou bron-

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coscópio e materiais para a obtenção de via aérea cirúrgica.

Figura 16 - Conduta em caso de falha da ventilação/intubação

6. Resumo
Quadro-resumo
- A manutenção da perviabilidade das vias aéreas e o forneci-
mento de oxigênio suplementar constituem o 1º passo no
atendimento de todo paciente crítico;
- Devemos utilizar dispositivos de fornecimento de oxigênio para
os pacientes de acordo com parâmetros clínicos, com o objeti-
vo de manter uma oxigenação adequada. A saturação arterial
de oxigênio é um método disponível e eficaz de guiarmos essa
reposição. Em geral, saturações superiores a 90% são seguras;
- Existem dispositivos de baixo e alto fluxo para o fornecimento
de oxigênio. Cânulas nasais são de baixo fluxo, enquanto más-
caras faciais são de alto fluxo;
- A máscara de Venturi é um dispositivo por meio da qual é pos-
sível controlar a fração inspirada de oxigênio (FiO2), variando
de 24 a 50%. Máscaras com reservatório de oxigênio podem
oferecer de 90 a 100% de FiO2;
- Para os pacientes que não conseguem manter a perviabilidade
das vias aéreas ou estão em falência respiratória, está indicada
a obtenção de uma via aérea avançada. A intubação orotraque-
al é a via aérea avançada de escolha;
- Existem outras modalidades de via aérea avançada que não a
intubação orotraqueal, como a máscara laríngea e o tubo tra-
queoesofágico (Combitube). Porém, seu uso deve ser restrito,
apenas em casos selecionados. Nessas modalidades, a obten-
ção da via aérea é feita sem o uso do laringoscópio, ou seja,
“às cegas”;
- A intubação orotraqueal deve ser realizada com o maior cuida-
do. Sempre que possível, o paciente deve ser pré-oxigenado,
e os materiais necessários para o procedimento, separados e
testados previamente;

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CAPÍTULO

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Insuficiência respiratória
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução Os pulmões apresentam sensores de estiramento, tam-


bém chamados de receptores de lenta adaptação, que são
O sistema respiratório é composto por diversos órgãos estimulados pelo aumento de tensão nas vias aéreas. Esses
que interagem. Ele tem, por objetivos básicos: colocar o ar receptores respondem ao aumento de volumes pulmona-
ambiente em contato com o sangue, a fim de que haja tro- res e às inflamações parenquimatosas. Sua principal função
ca do gás carbônico com o oxigênio, além de transportá-lo é o ajuste fino da respiração em conjunto com reflexos co-
e entregá-lo aos tecidos do organismo, permitindo, desta ordenados do sistema circulatório.
forma, que ocorra a respiração celular aeróbica. A troca de Portanto, a ventilação é um processo fisiológico que
gases entre o organismo e o ambiente é denominada he-
depende da integridade e do bom funcionamento dos sis-
matose. Para que isso seja possível, existe uma intrincada
temas nervoso central, respiratório e cardiovascular, tendo
interação de órgãos e sistemas, desde o controle central
com este último uma fina interação.
pelo bulbo até a passagem de oxigênio e gás carbônico na
Em sua interação com o sistema circulatório, o ciclo res-
membrana alveolocapilar.
piratório promove algumas alterações hemodinâmicas. Du-
O centro respiratório está localizado no bulbo, no tron-
rante a inspiração, o aumento do volume da caixa torácica
co cerebral, e recebe informações de receptores sensíveis
traciona estruturas torácicas, aumentando o volume do átrio
a variações de pH e pCO2, sendo ativado quando ocorre
queda do pH ou aumento da pressão parcial de CO2. A ati- direito e da veia cava superior, diminuindo a pressão sanguí-
vação desse centro leva à inspiração, ou seja, à contração nea no interior dessas estruturas e aumentando o retorno
do diafragma (estimulada via nervo frênico) e dos músculos venoso. Portanto, o volume sistólico do ventrículo direito
acessórios da respiração. aumenta com a inspiração. Quando o coração tem a função
A contração do diafragma resulta em um aumento do preservada, o aumento na pressão de enchimento resulta
volume da caixa torácica, com consequente geração de em um aumento do débito cardíaco devido à distensão mus-
pressão pleural negativa (subatmosférica), gerando gra- cular, conforme a Lei de Frank-Starling (entretanto, distensão
diente para o influxo aéreo aos pulmões. acima de 2,2μm pode levar à diminuição do débito).
O influxo de ar para os pulmões, à inspiração, marca o Na expiração, a pressão interpleural eleva-se até zero e
início do ciclo respiratório, processo denominado de venti- não há o fenômeno de tração radial das estruturas, dimi-
lação. Esse processo compreende a passagem do ar do am- nuindo o débito. Essa variação de volume ejetado determi-
biente externo até os alvéolos, onde existe a troca de gases, na uma diferença de pressão sistólica entre a inspiração e a
terminando com a expiração, ou seja, a expulsão do ar dos expiração. Em pessoas normais, a pressão sistólica diminui,
alvéolos para o meio externo. aproximadamente, 5mmHg na inspiração, ou seja, a pres-
A expiração marca o final do ciclo respiratório e, nor- são de pulso (diferença entre a pressão sistólica e a diastóli-
malmente, ocorre de forma passiva, graças às forças de re- ca) diminui. Isso causa diminuição da amplitude do pulso, o
colhimento elástico dos pulmões. Nas situações em que há que recebe o nome de pulso paradoxal. Este é considerado
limitação ao fluxo aéreo, como nos pacientes com DPOC, a fisiológico quando a variação da pressão de pulso não ultra-
expiração pode ser feita de maneira ativa. passa 10mmHg.

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INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

Em situações de obstrução de fluxo, como nas crises de A IR tipo I ou hipoxêmica está associada à redução do
broncoespasmo, observa-se aumento na amplitude da excur- conteúdo de O2 arterial (PaO2) e à PaCO2 normal ou dimi-
são diafragmática, pois na expiração ocorre um esforço para nuída. A ventilação está normal e a hipoxemia é decorrente
vencer a resistência aumentada ao fluxo aéreo, que eleva a de alterações da difusão ou da relação ventilação/perfusão

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pressão na pleura, no átrio direito e na veia cava superior, (ex.: síndrome do desconforto respiratório agudo). Este tipo
diminuindo o gradiente para o retorno venoso e, consequen- de IR pode ter causas cardiogênicas, caracterizadas por uma
temente, também o volume ejetado. Dessa forma, nos qua- Pressão Capilar Pulmonar (PCP) acima de 18mmHg (como
dros obstrutivos, há maior variação do volume ejetado, o que na insuficiência cardíaca congestiva) ou não cardiogênicas,
determina uma diferença de pressão sistólica entre a inspira- com PCP <18mmHg (como nas pneumonias e na síndrome
ção e a expiração maior que nos indivíduos normais. Frente a do desconforto respiratório agudo).
esse caso, o aumento da variabilidade da pressão de pulso é A IR tipo II ou hipercápnica é associada à redução da
indicativo de gravidade nas crises de sibilância. PaO2 e à elevação da PaCO. Ocorre alteração da ventilação
O ser humano respira por meio de um sistema de pres- alveolar, ou seja, hipoventilação (ex.: intoxicação por bar-
são negativa. Ao oferecer suporte ventilatório, ocorrem bitúricos).
mudanças na fisiologia pulmonar, pois utilizamos um siste- Essa classificação, apesar de simplista, permite rapida-
ma de pressão positiva, ou seja, o gradiente de pressão para mente identificar um grande número de pacientes em IR
o influxo de ar ocorre com aumento da pressão intratoráci- tipo II.
ca na inspiração e queda na expiração. Do ponto de vista do
sistema circulatório, ocorre o inverso do que se observa na 4. Fisiopatologia
respiração normal; assim, são frequentes os casos em que
os pacientes apresentam hipotensão arterial nessa situa- A fisiopatologia da IR tipo I está ligada a 4 mecanismos.
ção. Além disso, elimina-se o efeito de válvula das cordas
vocais, diminuindo o volume residual, com tendência de A - Efeito espaço morto
colapso e redução do recrutamento alveolar, diminuindo a É a alteração mais frequentemente associada à hipo-
superfície de troca gasosa. O emprego de pressão positiva xemia, e geralmente corrigida com a administração de oxi-
no final da expiração (PEEP) compensa tal mecanismo, per- gênio. Nos casos muito graves, o efeito está relacionado à
mitindo a manutenção da patência alveolar, sem colapso retenção de CO2. Consiste em um predomínio de unidades
das estruturas respiratórias. A PEEP, considerada fisiológica alveolares mal perfundidas e bem ventiladas. Exemplos:
é de, aproximadamente, 5cm de água. choque, hipovolemia, embolia pulmonar (Figura 1).

2. Definição
Insuficiência Respiratória (IR) é uma condição em que o
sistema respiratório é incapaz de fornecer suprimento de
oxigênio suficiente para a manutenção do funcionamento
do organismo (diminuição na oxigenação), e/ou é incapaz
de eliminar gás carbônico (CO2) de maneira adequada (di-
minuição na ventilação). Acarreta riscos potenciais à vida,
visto que os tecidos não possuem estoque de O2. A IR é uma
síndrome determinada por várias causas que não são ne-
cessariamente pulmonares. A velocidade de instalação de-
termina a sua classificação em aguda ou crônica.
Os critérios gasométricos arteriais que definem IR são
PaO2 <60mmHg e pCO2 >50mmHg. A pressão parcial de CO2
pode estar acima de 50mmHg em condições de IR crônica
compensada, não caracterizando agudização do quadro.
Para definição de IR crônica agudizada, é mandatória a aci-
dose respiratória (pH <7,35), associada à retenção de CO2.

3. Classificação Figura 1 - Efeito espaço morto


A IR pode ser classificada de várias formas; porém, utili-
zaremos a classificação fisiopatológica:
- IR tipo I (hipoxêmica): PaO2 <60mmHg, sem aumento B - Efeito shunt
de PaCO2; Difere do anterior por não ter a hipoxemia compensada
- IR tipo II (hipercápnica): PaCO2 >50mmHg. pela administração de O2. É caracterizado pelo predomínio

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de unidades alveolares não ventiladas e bem perfundidas. mais tardia, para fadiga muscular com consequente hipo-
Geralmente, os alvéolos estão colapsados ou preenchidos ventilação alveolar (IR tipo II). Nesses casos, coexistem os
por líquido. Exemplos: pneumonias, síndrome do descon- 2 tipos de IR.
forto respiratório agudo, atelectasias (Figura 2).
As principais causas de IR estão listadas a seguir.

Tabela 1 - Principais causas de insuficiência respiratória hipoxêmi-


ca (IR tipo I)
Síndrome da angústia respiratória aguda,
Não cardiogê-
pneumonias, atelectasias, doenças intersticiais
nicas
pulmonares.
Infarto agudo do miocárdio, miocardiopatias
Cardiogênicas dilatadas, emergências hipertensivas, valvulo-
patias graves.
Doenças com Pneumonias, síndrome da angústia respiratória
preenchimen- aguda, edema agudo de pulmão, hemorragia
to alveolar alveolar, contusão pulmonar.
Doenças com
Atelectasias, derrames pleurais volumosos,
colapso alve-
pneumotórax.
olar
Doença de
pequenas vias DPOC exacerbado, asma exacerbada.
aéreas

Tabela 2 - Principais causas de insuficiência respiratória ventilató-


ria (IR tipo II)
Figura 2 - Efeito shunt
AVC, neoplasias, infecções, drogas
Lesões que acometem
depressoras do SNC (morfina, barbi-
o centro respiratório
C - Alteração da difusão túricos).
Tetraplegia, doença bilateral do dia-
Desencadeada pelo aumento da espessura da mem-
Doença neuromus- fragma, síndrome de Guillain-Barré,
brana alveolocapilar, como no acúmulo de proteínas e no cular poliomielite, miastenia gravis, botu-
edema intersticial. Consequentemente, há uma diminuição lismo.
da difusão do O2 alveolar para o capilar pulmonar. A admi-
Distúrbios do tórax e Cifoescoliose grave, tórax instável,
nistração de O2 reverte a hipoxemia. vísceras pneumotórax hipertensivo, fibrotórax.
Obstrução das vias Epiglotite, aspiração de corpo estranho,
D - Hipoxemia de origem circulatória
aéreas superiores/ tumores endotraqueais/endobrônqui-
Pacientes com baixo débito cardíaco ou anemia intensa inferiores cos, discinesia de laringe.
apresentam baixo conteúdo sanguíneo de oxigênio, o que
pode contribuir para a hipoxemia. Em pacientes com shunt
elevado, há piora da hipoxemia.

5. Fisiopatologia e etiologia da IR tipo II


A IR tipo II tem como característica principal a elimina-
ção inadequada de CO2 para o meio ambiente, ou seja, exis-
te hipoventilação e/ou aumento do espaço morto. Tal qua-
dro leva à queda da pressão alveolar de oxigênio, com hipo-
xemia. O mecanismo pelo qual ocorre déficit de eliminação
de CO2 pode ser ocasionado por obstrução ao fluxo aéreo
(asma e DPOC) e, nos pacientes com pulmões normais, por
distúrbios do controle da respiração nas disfunções do sis-
tema nervoso central (intoxicações exógenas, trauma, AVC)
e nas anormalidades neuromusculares (trauma raquime-
dular, miastenia gravis, desnutrição). Além disso, pacientes
com hipoxemia grave (IR tipo I) podem evoluir, numa fase Figura 3 - Causas de insuficiência respiratória

10
INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

6. Abordagem diagnóstica É necessário diferenciar se a hipoxemia identificada é


causada exclusivamente pela elevação da PCO2 alveolar ou
A avaliação diagnóstica da IR engloba a anamnese e o se existem outros componentes determinando a hipoxe-
exame físico. A partir dessa avaliação, procura-se definir o mia. Isso é possível por meio da determinação da diferença

MEDICINA INTENSIVA
tipo de IR e sua causa com auxílio de exames laboratoriais alveoloarterial de O2. Tal cálculo é obtido pela determina-
e radiológicos. ção da pressão parcial de oxigênio alveolar (PAO2), calcu-
lada por meio da gasometria. A fórmula para o cálculo da
A - Anamnese e exame físico PAO2 encontra-se a seguir:
A história clínica é de grande importância para o diagnós-
tico etiológico da IR. Dados importantes são obtidos por uma PAO2 = (PB - PH2O) x FiO2 - (PACO2/R)
anamnese cuidadosa (desde que haja tempo para realizá-la). Em que: PB = Pressão Barométrica (760mmHg no nível do mar
O tempo de instalação dos sintomas, a presença de tosse, se- ou 700mmHg em São Paulo – Capital); PH2O = pressão parcial de
vapor d’água = 47mmHg a 37°C; FiO2 = fração inspirada de O2;
creção, dor torácica, febre e progressão da dispneia são alguns
PACO2 = pressão parcial de CO2 alveolar (praticamente a mesma
dos dados que devem ser colhidos (Tabela 3). Apesar de ser que a PaCO2); R = coeficiente respiratório (0,8 para pacientes em
sintoma cardinal na hipoxemia, a dispneia nem sempre está repouso).
presente, mesmo em situações de hipoxemia intensa. Ante-
cedentes de tabagismo, asma, bronquite crônica, trauma e O gradiente alveoloarterial (PA-a) O2 é um importante
cirurgia torácica também são de grande valia na anamnese. Os fator diferencial em pacientes com insuficiência respirató-
sintomas referidos resultam do somatório daqueles que são ria. Algumas simplificações podem ser feitas para facilitar
desencadeados pela doença de base com os da própria IR. a aplicação do cálculo com a gasometria em ar ambiente
De forma geral, a observação clínica facilmente determi- (FiO2 = 21%), resultando na seguinte fórmula:
na a severidade da IR. O paciente confuso, diaforético, com
fala entrecortada ou incapaz de falar, cianótico, utilizando P(A-a)O2 = 130 (PaO2+PaCO2)
musculatura respiratória acessória (retração de fúrcula es-
ternal, retração de musculatura intercostal e escalenos) e A P(A-a)O2 constitui uma forma indireta de avaliação da
respiração paradoxal (elevações intercaladas entre tórax e relação ventilação/perfusão. O valor normal desse cálculo é
abdome durante o ciclo respiratório) obviamente necessita inferior a 10 (Tabela 5).
de suporte ventilatório, prioritário à determinação do tipo
Tabela 5 - Interpretação laboratorial da IR
de IR associada ao quadro.
Em algumas situações, os sinais clínicos de IR são sutis IR tipo I: defeito na troca alveolo-
PaO2 ↓ + P(A-a)O2 >10
capilar
e podem passar despercebidos durante a avaliação, como
um leve batimento de asa de nariz, fala discretamente en- PaO2 ↓ + P(A-a)O2 - normal IR tipo II: hipoventilação alveolar
trecortada durante a entrevista, respiração predominan- PaO2 ↓ + PaCO2 + P(A-a)O2 IR mista: troca + hipoventilação
temente oral e outros; daí a atenção necessária durante a
avaliação do paciente com queixas inespecíficas no pronto- Infelizmente, parte dos pacientes que vêm à consulta
-socorro, para a percepção precoce da IR incipiente. com IR aguda não tolera de forma adequada a permanên-
cia por mais de 5 a 10 minutos em ar ambiente, tornando
Tabela 3 - História sugestiva de IR aguda de causa pulmonar
o cálculo da diferença alveoloarterial de oxigênio limitada
Tosse Produção de escarro Hemoptise
nesse grupo. Por outro lado, em caso de disponibilidade de
Dor torácica pleurítica Sibilância dispositivos de oferta de oxigênio que permitam uma fra-
Tabela 4 - Sinais e sintomas associados com IR ção inspiratória de O2 conhecida, como a máscara de Ventu-
ri, o cálculo pode ser realizado durante a administração de
Sudorese, cianose (PaO2 <50mmHg), uso de mm
Aparência acessória, tiragem intercostal (retração inspiratória oxigênio suplementar.
dos espaços intercostais), cornagem. A IR do tipo hipercápnica pode ser entendida analisan-
Hemodinâ- do-se a equação do volume-minuto alveolar:
Taqui/bradicardia, hiper/hipotensão, arritmias.
mica
VM = (VT-VD) x FR
Roncos/sibilos (asma/ DPOC), estertores (pneumo-
nia, congestão pulmonar), ausência de murmúrio Em que: VM = volume-minuto alveolar; VT = volume corrente; VD =
Ausculta
vesicular (atelectasia, derrame pleural, silêncio espaço-morto fisiológico; FR = frequência respiratória
auscultatório).
Portanto, a elevação da PaCO2 pode ser decorrente da
B - Investigação laboratorial diminuição da frequência respiratória ou do volume cor-
O exame gasométrico é de suma importância na defi- rente ou, ainda, do aumento do espaço-morto fisiológi-
nição e classificação da IR, permitindo dirigir o raciocínio co. O aumento do espaço-morto fisiológico pode elevar
clínico para a causa associada. a PaCO2 por distúrbio Ventilação-Perfusão (V/Q), já que

11
MEDI C I N A I NTENSIV A

a presença de áreas ventiladas, porém não perfundidas,


impossibilita a eliminação do CO2 presente no sangue.
Este retorna ao átrio esquerdo e se mistura com o sangue
proveniente das unidades bem perfundidas e ventiladas.
A fração de espaço-morto (VD/VT) pode ser calculada pela
seguinte fórmula:
VD/VT = (PaCO2 - PetCO2)/PaCO2
Em que: PetCO2 = pressão parcial do CO2 exalado

Devido à alta solubilidade do CO2, um déficit de difusão


por lesão da membrana alveolocapilar só será clinicamen-
te significativo em lesões bastante graves. A combinação
de processos fisiopatológicos é frequente em pacientes
com IR aguda, o que complica a interpretação desses
achados.

C - Investigação por imagem


a) Radiografia de tórax
É o exame radiológico inicialmente realizado em pa-
cientes com sintomas respiratórios. É útil para definir a
Figura 5 - Pneumonia no lobo inferior direito
etiologia da IR e guiar a conduta. Determinados padrões
radiográficos, podem sugerir diversas possibilidades diag- A presença de bolhas de ar, hipertransparência dos
nósticas. A presença de um infiltrado localizado sugere campos pulmonares, retificação das cúpulas diafragmáti-
pneumonia, neoplasia ou infarto pulmonar, enquanto al- cas e aumento do espaço entre arcos costais, ocorre mais
terações difusas sugerem Síndrome do Desconforto Res- frequentemente em pacientes portadores de distúrbios
piratório Agudo (SDRA), edema pulmonar cardiogênico, que cursam com obstrução fixa ou reversível de vias aére-
hemorragia alveolar ou infecções como pneumocistose e as, como a doença pulmonar obstrutiva crônica e a asma
tuberculose miliar. brônquica.
Outra utilidade da radiografia de tórax é no diagnósti-
co de doença pleural, especialmente se manifestada pela
presença de ar ou líquido no espaço pleural. Nesse aspecto,
além das incidências posteroanterior e perfil solicitadas ro-
tineiramente, pode-se fazer uso também da incidência em
decúbito lateral com raios horizontais, como forma de de-
terminar se o líquido pleural encontra-se livre ou encistado.
O exame radiológico simples de tórax presta-se, ainda, para
identificar alterações do hilo pulmonar e do mediastino (es-
pecialmente alargamento ou massas), que são visibilizadas
de forma mais precisa com o auxílio da tomografia compu-
tadorizada.
b) Tomografia de tórax
A Tomografia Computadorizada (TC) de tórax tem se
firmado como um dos exames mais importantes na avalia-
ção do paciente com alterações pulmonares. Oferece várias
vantagens em relação à radiografia simples, como a possibi-
lidade de se distinguirem densidades que estão superpostas
na radiografia e a capacidade de sugerir, com mais preci-
são, o tipo de doença pulmonar, de acordo com o padrão de
anormalidade. Recentemente, a TC helicoidal ou espiral de
tórax tem se mostrado de extrema utilidade no diagnóstico
de TEP, com sensibilidade próxima à arteriografia pulmo-
nar em diversos estudos, e com a vantagem de ser menos
Figura 4 - Pneumotórax invasiva. Contudo, o diagnóstico de TEP pela TC helicoidal

12
INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

depende da experiência do observador e, caso os êmbolos para diagnóstico de TEP, tem a vantagem de ser menos in-
estejam em vasos de pequeno calibre, existe a possibilidade vasiva do que a angiografia. Contudo, entre suas limitações,
de o exame ter resultado falso negativo. encontra-se o fato de a presença concomitante de outras
anormalidades parenquimatosas (como pneumonia) ou

MEDICINA INTENSIVA
pleurais (como derrame) atrapalhar a realização adequada
e, consequentemente, a confiabilidade do exame.
g) Prova de função pulmonar
A prova de função pulmonar é útil para avaliar se a do-
ença de base do paciente tem um componente principal
restritivo ou obstrutivo. A quantificação do fluxo expira-
tório forçado avalia a presença de doenças que afetam a
estrutura ou a função das vias aéreas, como asma e DPOC.
Por outro lado, os volumes pulmonares permitem avaliar a
presença de doenças restritivas, como aquelas localizadas
no parênquima pulmonar ou de processos expansivos da
pleura. Assim como o peak flow, a prova de função pulmo-
nar também pode ser utilizada como parâmetro objetivo de
acompanhamento da resposta terapêutica a broncodilata-
dores.
h) Peak flow
Figura 6 - TC tórax com SDRA Constitui-se de um exame mais simples do que a prova
completa de função pulmonar. Sendo realizado à beira do
c) Ultrassonografia torácica leito do paciente. Consiste na quantificação do fluxo expi-
A principal utilidade da ultrassonografia torácica é a de- ratório que o doente consegue emitir durante uma expira-
tecção e a localização de líquido pleural, além de funcionar ção forçada máxima. É útil na avaliação de pacientes que
como guia para toracocentese ou esvaziamento. A USG não se apresentam com IR causada por broncoespasmo, pois a
é eficaz na avaliação do parênquima pulmonar em virtude quantificação do grau de obstrução da via aérea desses pa-
de a energia do ultrassom ser rapidamente dissipada no ar. cientes pelo exame clínico é extremamente falha. Assim, a
realização de uma medida do peak flow, antes e depois do
d) Ressonância nuclear magnética tratamento, ajuda a demonstrar a efetiva melhora do pa-
Em termos gerais, o papel da Ressonância Nuclear Mag- ciente.
nética (RNM), na avaliação de doenças pulmonares, é mais i) Broncoscopia
limitado do que o da TC. A RNM geralmente proporciona
uma visão menos detalhada do parênquima pulmonar do É o processo de visibilização da árvore traqueobrôn-
que a tomografia, embora possa ser útil em algumas situa- quica. Atualmente, quase todos os exames são realizados
ções, notadamente naquelas que envolvem visualização de com broncoscópio flexível. Os aparelhos rígidos têm lugar
estruturas no ápice pulmonar e na junção toracoabdominal. ainda em algumas circunstâncias, como remoção de corpo
estranho de via aérea e aspiração de hemorragia maciça.
e) Angiografia pulmonar As principais indicações da broncoscopia flexível estão no
É o exame considerado padrão-ouro no diagnóstico de diagnóstico de patologias endobrônquicas, como tumores,
TEP. Pode ter finalidades diagnósticas e terapêuticas, como granulomas, corpos estranhos e locais de sangramento. As
na realização de trombólise in loco, nos pacientes em quem amostras de lesões de vias aéreas podem ser colhidas por
a trombólise sistêmica pode ser prejudicial. Entre suas limi- diversos métodos, como biópsia transbrônquica, lavado
tações, estão a disponibilidade, o alto custo e o fato de ser broncoalveolar e escovado brônquico.
invasiva. O lavado broncoalveolar envolve a instilação de solução
salina estéril por meio do broncoscópio no local de uma le-
f) Cintilografia pulmonar são, seguida pela recuperação por aspiração, podendo-se
A utilidade mais comum da cintilografia pulmonar de enviar o material coletado para análise de células (citologia)
ventilação-perfusão está no diagnóstico de tromboembo- e organismos (Gram e culturas). Já o escovado e a biópsia
lismo pulmonar (TEP). A anormalidade encontrada nesses utilizam, respectivamente, uma escova e um fórcipe, e per-
casos é a presença de regiões com distúrbio na ventilação- mitem recuperação de material que pode ser enviado para
-perfusão, ou seja, locais em que existe um defeito na per- análise por técnicas citológicas e histopatológicas. As prin-
fusão que segue a distribuição de um vaso e cuja ventilação cipais complicações da broncoscopia são o pneumotórax e
correspondente está normal. Em relação aos outros exames a hemorragia, principalmente quando é realizada biópsia

13
MEDI C I N A I NTENSIV A

transbrônquica. Todavia, a incidência dessas complicações vias aéreas inferiores (por isso o nome “não invasiva”). Ofe-
tem se mostrado muito baixa. rece altos fluxos de oxigênio com FiO2 variáveis e ajustáveis
j) Mediastinoscopia por meio de dispositivos específicos, como máscara facial,
nasal, full face e helmet. O uso de VNI oferece algumas van-
A mediastinoscopia e a mediastinotomia são os 2 prin-
tagens ao paciente, como: manutenção das defesas das vias
cipais procedimentos utilizados para obter amostras de
aéreas, conforto, uso intermitente (e não contínuo como na
massa ou nódulos mediastinais. Ambos são realizados por
VM) do suporte ventilatório, ausência da necessidade de
cirurgião especializado, com o paciente sob anestesia geral.
A utilização de tais exames em pacientes com IR aguda na sedação, e com isso, diminuição de complicações associa-
sala de emergência é extremamente infrequente. das às técnicas invasivas, como infecções nosocomiais e le-
são de vias aéreas. Um dos maiores fatores relacionados ao
sucesso do uso da VNI é a adequada adaptação do paciente
7. Tratamento à máscara de VNI utilizada, independente do tipo.
O paciente com queixa de dispneia ou desconforto res-
piratório apresenta necessidade de avaliação emergencial
com suplementação de oxigênio, até ser determinado que
ele não apresenta hipoxemia. São pacientes com potencial
para evolução desfavorável, inclusive parada cardiorrespi-
ratória. Monitorização cardíaca não invasiva e oximetria de
pulso, também são necessárias em todos os pacientes. Oxi-
gênio suplementar é necessário quando a saturação de O2
for menor que 90%. A coleta da gasometria arterial deve ser
realizada, preferencialmente (se possível), sem suplemen-
tação de O2. Em pacientes com diagnóstico de DPOC e sus-
peita de retenção crônica de CO2, a suplementação de O2
deve ser cuidadosa, com o objetivo de manter a saturação
de hemoglobina acima de 90% e abaixo de 95%.
O suporte com oxigenoterapia tem como objetivo Figura 7 - Máscara de VNI tipo helmet
uma saturação de O2 maior que 90% e uma PaO2 acima de
60mmHg para que não ocorra lesão tecidual causada pela a) Principais indicações do uso de VNI
hipoxemia. Para tal suporte, podemos utilizar vários dispo-
sitivos, como cateteres nasais, máscaras faciais e, em casos Tabela 7 - Indicações de VNI e mecanismo de ação
selecionados, Ventilação Não Invasiva (VNI) e Ventilação Indicação Mecanismo de ação
Mecânica Invasiva (VMI). Leva à diminuição do traba-
lho respiratório e da auto-
Tabela 6 - Princípios gerais do tratamento DPOC exacerbada
-PEEP, melhorando a hema-
IOT, aspiração de vias aéreas, tose pulmonar.
Manter via aérea adequada
fisioterapia respiratória.
Diminui o trabalho respira-
Corrigir oxigenação inade- Suplementação de O2 (para Pneumonias em imunodeprimidos tório, com melhora na he-
quada saturação >90%). matose.
Pneumonia: antibioticotera- Leva à diminuição do tra-
pia; edema agudo de pulmão: balho respiratório, da pré-
diuréticos, vasodilatadores, Edema agudo de pulmão
Tratar a causa básica da IR -carga e da pós-carga do
inotrópicos, morfina; intoxi- ventrículo esquerdo.
cação exógena por opiáceos:
naloxona. Diminui o trabalho respira-
Desmame difícil
tório.
Garantir níveis pressóricos
Manter o débito cardíaco e o adequados: hidratação, drogas Evitar necessidade de re-IOT em
transporte de O2 adequados vasoativas; manter níveis ade- pós-operatórios nos casos de IR Reverte atelectasias.
quados de Hb/Ht. hipoxêmica
Prevenir complicações do Diminui atelectasias e man-
Evitar pressões de pico/platô Doenças neuromusculares
tratamento (barotrauma/volu- tém o diafragma em repouso.
muito altas.
motrauma) Diminui o trabalho respira-
Crise de asma
tório e a auto-PEEP.
A - Ventilação não invasiva Melhora a hematose pul-
Trata-se de um método que oferece pressão positiva ao Outras causas de IR monar por diminuição do
paciente sem a necessidade de IOT, ou seja, sem acesso às trabalho respiratório.

14
INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

Nas condições citadas, o uso VNI mostrou diminuição da tar de ambiente de terapia intensiva. Tem como objetivos:
mortalidade e redução da necessidade de ventilação me- reverter a hipoxemia, a acidose respiratória aguda e fadiga
cânica. O uso de VNI nos serviços de emergência tem sido muscular, e reduzir o consumo de O2 sistêmico e miocárdi-
recentemente estudado, uma vez que o atendimento inicial co, além de permitir sedação e analgesia adequadas para

MEDICINA INTENSIVA
pode ser decisivo na evolução dos pacientes. Sua aplicação cada caso.
no ambiente do pronto-socorro permite estabilização mais As principais indicações de ventilação invasiva são:
rápida dos pacientes, e pode reduzir a taxa de intubação e a) Anormalidades da ventilação
mortalidade em alguns casos.
Outras condições em que devemos considerar o uso de
- Fadiga da musculatura respiratória;
VNI: - Doença neuromuscular;
- Asma (principalmente em pacientes retentores de - Drive ventilatório diminuído;
CO2); - Obstrução de vias aéreas;
- Lesão pulmonar aguda, pneumonia; - Anormalidades da parede torácica.
- Pós-operatório eletivo (usar com cautela em pós-ope- b) Anormalidades da oxigenação
ratório abdominal e torácico, sempre solicitar a autori-
zação da equipe cirúrgica);
- Hipoxemia refratária;
- Pacientes com deformidade da caixa torácica; - Trabalho respiratório excessivo.
- Pacientes terminais, com ordem de não serem subme- c) Outras indicações
tidos à intubação orotraqueal; - Redução da pressão intracraniana – PIC;
- Auxílio fisioterápico. - Diminuição do consumo de oxigênio.
b) Principais contraindicações para VNI A utilização de VNI, na retirada de ventilação mecânica,
tem sido muito estudada nos dias atuais. Pesquisas revelam
Tabela 8 - Contraindicações para VNI
um real benefício em alguns pacientes selecionados (como
Contraindicações absolutas naqueles com alto risco de falência de extubação), porém,
- Parada respiratória franca ou iminente; é importante colocar tal paciente em VNI tão logo ele seja
- Instabilidade hemodinâmica (choque, arritmias graves, síndro- extubado.
me coronariana aguda não controlada);
- Rebaixamento do estado de consciência, Glasgow <12; 8. Relação PaO2/FiO2 e síndrome do des-
- Não aceitação/não colaboração com VNI;
- Obstrução fixa de vias aéreas;
conforto respiratório agudo
- Trauma, queimadura ou cirurgia facial; Pacientes com pulmões normais são capazes de garantir
- Inabilidade de proteção à via aérea (mecanismos de tosse ou uma oxigenação adequada com 21% de oxigênio na mistura
deglutição comprometidos); de gases. Devido à reserva funcional, eles obtêm de 80 a
- Cirurgia recente de esôfago, face ou VAS; 100mmHg de PaO2 com essa FiO2. Quando se necessita de
valores maiores de FiO2 para garantir a oxigenação tecidu-
- Hemorragia digestiva alta ou sangramento pulmonar ativo;
al, indica-se a presença de falência do sistema respiratório,
- Pneumotórax não drenado.
que pode ser quantificada pela relação PaO2/FiO2; ou seja,
Contraindicações relativas tal relação demonstra a eficiência do sistema em oxigenar
- Vômitos; o sangue arterial. Em situações normais, considerando uma
- Excesso de secreções; PaO2 de 90mmHg e uma FiO2 de 21% (0,21), o valor dessa
- Ansiedade/fobia da máscara; relação é cerca de 430, ou seja, maior que 300 (Tabela 9).
- IAM/angina instável; Essa relação serve também como um dos critérios diag-
nósticos para a Síndrome do Desconforto Respiratório Agu-
- Gravidez.
do (SDRA). Esta é uma condição de IR aguda decorrente de
lesão inflamatória da barreira constituída pelo epitélio alve-
B - Ventilação mecânica invasiva
olar e pelo endotélio, com formação de um edema alveolar
É considerada tratamento padrão para casos mais gra- rico em proteínas. Alguns fatores envolvidos são citocinas
ves ou refratários de insuficiência respiratória. Está indicada pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral e inter-
quando o paciente não for capaz de realizar trocas gasosas leucinas (IL-1, IL-6, IL-8), como também neutrófilos ativa-
adequadamente, mesmo com suplementação de O2. dos e proteases. Tal lesão inflamatória causa uma série de
A VMI necessita de acesso endotraqueal (cânula vaso ou alterações clínicas, funcionais e radiológicas que compõem
orotraqueal, traqueostomia ou cricotireoidostomia) e, por o quadro de SDRA e que serão usadas para sua definição
isso, está sujeita a maiores complicações, além de necessi- por meio de critérios específicos. Algumas consequências

15
MEDI C I N A I NTENSIV A

da SDRA são: trocas gasosas inadequadas, diminuição da Tabela 11 - Principais etiologias da SDRA (adaptado do Consenso
complacência pulmonar e, em alguns casos, hipertensão Brasileiro de SDRA)
pulmonar. Causas pulmonares
Os critérios de definição de SDRA foram propostos em - Pneumonia;
1994, em uma conferência norte-americana e europeia. Fo- - Aspiração;
ram propostos critérios clínicos, gasométricos e radiográfi- - Contusão pulmonar;
cos, com o objetivo de definir a doença e estabelecer um ní- - Embolia gordurosa;
vel menos grave de insuficiência respiratória, denominado
- Quase afogamento;
Lesão Pulmonar Aguda (LPA), como mostrado na Tabela 9.
- Lesão de reperfusão.
A Tabela 10 cita os critérios diagnósticos da SDRA e da LPA.
Causas extrapulmonares
Tabela 9 - Classificação da hipoxemia - Sepse;
Condição PaO2/FiO2 - Choque circulatório;
Lesão pulmonar aguda (LPA) <300 - Politrauma;
SDRA* <200 - Múltiplas transfusões;
* SDRA definida pela hipoxemia, associada ao infiltrado bilateral, - Pancreatite aguda;
à radiografia de tórax e à ausência de sinais de disfunção cardí-
aca esquerda. - Circulação extracorpórea;
- Overdose de drogas;
- Coagulação intravascular disseminada;
- Queimaduras;
- Traumatismo craniano.

Os pacientes com SDRA apresentam 3 fases evolutivas,


especificadas a seguir.

A - Fase exsudativa
É a fase inicial, com edema rico em proteínas, inicialmente
em paredes alveolares e depois preenchendo todo o espaço
alveolar. O edema é secundário à quebra da integridade da
barreira alveolocapilar, tanto por lesão endotelial quanto por
lesão epitelial. A persistência do edema leva à formação da
membrana hialina. Além do edema, há um infiltrado inflama-
tório, com predomínio de neutrófilos e macrófagos alveolares.
Áreas de atelectasia estão presentes, decorrentes da menor
produção de surfactante, em função da lesão dos pneumóci-
tos tipo II (responsáveis pela produção de surfactante).
Figura 8 - Radiografia de tórax com SDRA
B - Fase fibroproliferativa
Tabela 10 - Critérios diagnósticos da SDRA e da LPA Embora alguns pacientes apresentem evolução benig-
Instala- Critérios de na da SDRA, com rápida melhora clínica, radiográfica e das
Doença PaO2/FIO2 Imagem trocas gasosas, outros podem evoluir para organização do
ção exclusão
processo inflamatório e formação de fibrose.
SDRA Aguda <200 - -
Opacidades C - Fase de resolução
alveolares PCP >18mmHg
bilaterais, ou sinais clínicos A maior parte dos pacientes que sobrevive ao quadro de
LPA Aguda <300
consistentes de falência car- SDRA e da doença de base apresenta resolução completa
com edema díaca esquerda da lesão pulmonar. Com o controle do processo inflamató-
pulmonar rio, o edema é reabsorvido pelo epitélio. Em cerca de 5%
destes, a fase fibroproliferativa pode evoluir para fibrose,
Pacientes com doenças pulmonares intersticiais crô- em geral com um padrão difuso de espessamento das pa-
nicas podem apresentar os mesmos critérios. Portanto, é redes alveolares.
necessário determinar se existe uma causa aguda de SDRA Estudos recentes demonstraram que, com o uso de
(Tabela 11). corticosteroides, os pacientes após a fase exsudativa apre-

16
INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

sentaram melhor evolução gasométrica, menor falência


de órgãos e maior sobrevida. Apesar desses resultados, a
literatura ainda é pobre sobre o papel dos corticosteroides
na SDRA. Algumas colocações sobre a corticoterapia devem

MEDICINA INTENSIVA
ser realizadas:
- Indicada em pacientes que se mantêm sem melhora
após 7 a 10 dias de evolução da SDRA;
- O paciente não deve apresentar sinais de infecção
descontrolada. Na vigência de infecção, esta deve ser
primeiramente tratada e, uma vez estabilizado o pa-
ciente, o corticosteroide poderá ser prescrito;
- Não existe consenso sobre a dose a ser utilizada.
A dose utilizada no estudo de Meduri, que apresentou
resultados promissores foi: 2mg/kg de metilprednisolona,
fracionada de 6 em 6 horas, entre o 1º e o 14º dia e de 1mg/
kg/dia, fracionada de 6 em 6 horas, entre o 15º e o 21º dia.
Após esse período, foi feito desmame do corticoide, com
reduções graduais da dose até o 28º dia. Existem muitos
estudos em andamento sobre tal tópico atualmente, porém
com resultados conflitantes até o momento.

9. Resumo
Quadro-resumo
- Insuficiência respiratória aguda é a incapacidade do sistema
ventilatório em oferecer oxigênio de forma adequada para o
organismo, não conseguindo, portanto, atender às demandas
teciduais orgânicas;
- Existem 2 tipos de insuficiência respiratória: tipo I (hipoxêmica)
e tipo II (hipercápnica);
- O objetivo principal do tratamento é corrigir as alterações agu-
das e ameaçadoras à vida. Deve-se, para isso, fornecer oxigênio
suplementar de modo a manter uma oferta adequada de O2,
impedindo assim, que a lesão tissular se estabeleça;
- Em alguns casos, devemos proceder de maneira agressiva, com
a instalação de ventilação não invasiva ou de ventilação mecâ-
nica invasiva;
- O tratamento correto envolve a identificação da causa de base
que levou à insuficiência respiratória e, muitas vezes, a rever-
são dessa insuficiência só acontece quando tratamos adequa-
damente a doença de base;
- O raio x de tórax é fundamental na abordagem de pacientes
com insuficiência respiratória;
- A gasometria arterial é outro exame fundamental no diagnósti-
co, na definição de gravidade e evolução desses pacientes;
- Existem causas pulmonares e não pulmonares para a insufi-
ciência respiratória, sendo que muitas vezes, elas aparecem
de forma combinada. Devido a esse fato, a história clínica e o
exame físico tornam-se cruciais à 1ª avaliação do paciente em
questão.

17
MEDI C I N A I NTENSIV A

CAPÍTULO

3
Ventilação mecânica e desmame ventilatório
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução

A ventilação mecânica teve seu início na década de


1950, com o advento dos “pulmões de aço” (Figura 1)
nas epidemias de poliomielite, em que principalmente as
crianças apresentavam insuficiência respiratória. Foi o 1º
ventilador com aplicação prática; criava um ambiente de
pressão negativa ao redor do tórax do paciente, possibi-
litando o influxo de ar (ventilação) para os pulmões. Seu
uso foi disseminado durante as epidemias de poliomielite
nos EUA.
O objetivo principal de todo Ventilador Mecânico (VM)
é proporcionar uma ventilação alveolar e oxigenação ar-
terial do paciente, que atenda à demanda metabólica do
paciente. O VM leva o ar aos pulmões por meio de pressão
positiva nas vias aéreas, ou seja, o inverso do que ocorre
fisiologicamente (como já visto anteriormente). A venti-
lação mecânica por pressão positiva baseia-se na utiliza-
ção de tubo endotraqueal, ou cânula de traqueostomia no
caso da Ventilação Mecânica Invasiva (VMI), ou via más-
cara nasal ou facial na Ventilação Mecânica Não Invasiva Figura 1 - Pulmão de aço
(VMNI).
A VM deve obedecer a 2 princípios básicos: evitar pres-
2. Trocas gasosas
sões muito elevadas na inspiração (barotrauma) e evitar
pressões muito baixas na expiração (atelectasias). Todos os seguintes fatores influenciam a troca gasosa
Para melhor compreensão da relação ventilador mecâ- pulmonar: a quantidade e a qualidade do ar inalado, a sua
nico-paciente e a lógica por trás dos ajustes do aparelho, distribuição pulmonar, a pressão alveolar, a relação ventila-
são necessários alguns conceitos gerais sobre trocas gaso- ção/perfusão pulmonar (V/Q), a difusão por meio da mem-
sas, histerese pulmonar, PEEP e auto-PEEP e mecânica ven- brana alveolocapilar e o shunt pulmonar arteriovenoso (Qs/
tilatória. Qt). Abordaremos cada aspecto a seguir.

18
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

A - Qualidade do ar inalado C - Distribuição do ar inalado


A troca gasosa que ocorre nos alvéolos é precedi- No indivíduo saudável, em posição sentada, a ventila-
da pela inalação gasosa e pela ventilação alveolar. O ar

MEDICINA INTENSIVA
ção ocorre inicialmente de forma mais intensa nas bases
ambiente é composto, primordialmente, por nitrogênio,
pulmonares (determinada pela proximidade com o dia-
oxigênio e vapor d’água. No nível do mar (PB = pressão
fragma), seguindo posteriormente para o terço médio e
barométrica de 760mmHg), em que a concentração de
depois para o ápice. Em termos de volume, a ventilação é
oxigênio é de 21%, a pressão parcial de oxigênio corres-
ponderá a: maior em ápices e menor nas bases pulmonares. A perfu-
são pulmonar ocorre predominantemente nas bases pul-
PO2 ar ambiente = Pb x FiO2 = 760 x 0,21 = 159,6mmHg
monares, (se comparada ao ápice pulmonar) em função
da ação gravitacional. Essas considerações são importan-
Dessa maneira, fica claro que variações na altitude de-
tes para compreender as propriedades de shunt e espaço
terminam alteração na PO2, assim como variações na FiO2
utilizada nos ventiladores mecânicos. morto pulmonar.
À medida que o ar é inalado, há o acréscimo de vapor
d’água nas vias aéreas superiores e o acréscimo de CO2 pre-
D - Espaço morto
sente na traqueia e nos brônquios proveniente dos alvé- A ventilação pulmonar divide-se em Ventilação Alveolar
olos, determinando uma queda de 1,2mmHg de PO2 para
(VA) e ventilação de espaço morto (VD). As regiões anatô-
cada aumento de 1mmHg na PCO2 no gás alveolar. Portanto,
micas em que a relação ventilação/perfusão (V/Q) tende ao
a concentração alveolar de O2 (PaO2) pode ser determinada
infinito, ou seja, regiões ventiladas e não perfundidas, como
pela equação:
traqueia, brônquios e bronquíolos e alvéolos não perfundi-
PaO2 = (Pb - 47) x FiO2 - PaCO2/QR = (760 - 47) x 0,21 - (40/0,8) = dos, compõem o espaço morto. O restante da ventilação
99,7mmHg é chamado de alveolar e é, efetivamente, a ventilação que
QR = Quociente Respiratório = 0,8 em condições de normalidade
determina as trocas gasosas. O valor fisiológico de espaço
metabólica; representa o número de moléculas de CO2 geradas
morto varia de 33 a 45% do volume corrente.
no metabolismo de 1 molécula de O2 no processamento energé-
tico mitocondrial.
Tabela 1 - Causas de aumento do espaço morto
47: pressão em mmHg do vapor d’água.
- Hipovolemia;
O que promove a difusão do O2 do ar alveolar até a - Hipertensão pulmonar;
mitocôndria é o gradiente de concentração. A hipoxemia - Embolia pulmonar;
pode ocorrer quando há queda da PO2 alveolar ou prejuízo - Hiperdistensão alveolar.
da sua difusão para o sangue, havendo queda desse gra-
diente e consequente diminuição da oferta de O2 para o E - Shunt
metabolismo aeróbio mitocondrial. Em situações de nor-
malidade, a diferença alveolocapilar (PA-aO2) é menor que O efeito shunt (curto-circuito) compreende o sangue
10mmHg. venoso que não sofreu troca gasosa e passou por comu-
nicações anatômicas arteriovenosas da circulação pul-
B - Quantidade de ar inalado monar ou por alvéolos colabados. O valor normal é de 5
VMin= VC x FR a 7% do volume de perfusão venosa pulmonar. Quando o
VC = O produto do Volume Corrente (VC) pela Frequência Respirató- shunt é elevado, a hipóxia ocorre. Como causa de shunt,
ria (FR), é chamado de volume minuto (VMin). temos a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo
Volume Minuto (VMin) é a grandeza que dá a ideia da (SDRA).
quantidade de ar em L/min que passa pelos pulmões. O Vale lembrar que a distribuição da perfusão pulmo-
VMin é o principal determinante da PCO2 alveolar (PACO2). nar não é homogênea. John West, pesquisador e fisio-
Em condições como o coma com depressão respiratória, o logista, propôs uma classificação anatomofuncional, a
VMin diminui, determinando aumento da PCO2 alveolar e, qual divide os pulmões nas chamadas zonas de West, de
consequentemente, da PCO2 arterial (PaCO2). A elevação da acordo com a distribuição de ar e sangue pelos pulmões
PaCO2 causa queda da PaO2 e decorrente hipoxemia. (Figura 2).

19
MEDI C I N A I NTENSIV A

lio alveolar, membrana basal, interstício e endotélio capilar.


A difusão dos gases dos alvéolos para o plasma depende,
basicamente, do grau (coeficiente) de difusão individual de
cada gás (o CO2 é mais difusível do que o O2) e da diferença
de pressões parciais daquele gás no alvéolo e no plasma. O
exemplo mais simples de diminuição da difusão é a conges-
tão pulmonar, em que ocorre diminuição da difusão do O2
por aumento do edema intersticial pulmonar. O transporte
de O2 é feito essencialmente ligado à molécula de oxi-hemo-
globina. O oxigênio que é ofertado aos pulmões será ligado
à hemoglobina para este transporte e uma pequena parte
dele será diluída no plasma, como gás, a PaO2. Portanto, a
oxi-hemoglobina é a principal envolvida no transporte do O2
às células. Ela pode estar total ou parcialmente ligada ao O2
(total ou parcialmente saturada de O2). A quantidade de PaO2
no sangue influencia na saturação da oxi-Hb, sendo que esta
saturação não aumenta de forma linear, mas sim obedecen-
do a uma curva, chamada de curva de saturação da Hb (Figu-
ra 3). Podemos perceber que, quando fixamos a saturação de
O2 em 50% (P50), os aumentos ou diminuições na afinidade
da oxi-Hb pelo O2 levarão a uma maior ou menor necessi-
dade de PaO2, os desvios da curva de saturação de Hb para
a direita ou para a esquerda, muito importantes durante a
monitorização de um paciente em ventilação mecânica.

Figura 2 - Distribuição da perfusão pulmonar; zona 1: PA > Pap >


Pvp; zona 2: Pap > PA > Pvp; zona 3: Pap > Pvp > PA. Em que PA =
Pressão Alveolar; Pap = Pressão arterial pulmonar; Pvp = Pressão
venosa pulmonar

F - Pressão alveolar
O valor da pressão alveolar depende da pressão média
de vias aéreas durante o ciclo inspiratório, do VMin e das
resistências inspiratória e expiratória das vias aéreas, como
mostra a equação:
Figura 3 - Curva de dissociação da Hb
Palv = Pmva + VMin x (RE – RI)/60
Tabela 2 - Fatores que influenciam na curva de saturação da Hb
Palv = pressão alveolar
Pmva = pressão média de via aérea Fatores que desviam a curva para direita
RE = Resistência Expiratória (diminuição da afinidade do O2 pela Hb)
RI = Resistência Inspiratória - Febre;
VMin = Volume minuto
- Acidoses;
Na VM, a elevação da PEEP e o aumento do tempo ins- - Aumento de 2,3 DPG;
piratório (geralmente determinado por pausa inspiratória) - Corticoides;
causam elevação da pressão média de vias aéreas, deter- - Aumento de Hb.
minando melhora da hipóxia pela elevação do gradiente Fatores que desviam a curva para esquerda
pressórico entre os gases alveolares e os gases dissolvidos (aumento da afinidade do O2 pela Hb)
no plasma. - Hipotermia;
- Alcaloses;
G - Difusão
- Hb anormais;
A difusão dos gases alveolares para o plasma ocorre por
- Hipocapnia.
meio da membrana alveolocapilar, constituída por epité-

20
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

3. Histerese pulmonar produzidas por gradiente pressórico (gerador de um fluxo


aéreo) entre o início das vias aéreas e a pressão alveolar,
A introdução de um volume gasoso no sistema respira- suficiente para sobrepujar as propriedades resistivas, elásti-
tório determina uma elevação da pressão no sistema. Pode- cas e inerciais de todo o sistema. Podemos descrever essas

MEDICINA INTENSIVA
-se traçar um gráfico relacionando as variações de volume propriedades pela equação simplificada do movimento do
no sistema respiratório e a variação da pressão correspon- sistema respiratório, em que o 1º fator (produto da elastân-
dente (curva pressão/volume ou, simplesmente, curva PV). cia pela variação de volume) corresponde à pressão neces-
A Figura 4 apresenta um fenômeno característico do sistema sária para vencer as propriedades elásticas (Pel) do sistema
respiratório, chamado de histerese. Na fase inspiratória, par- respiratório, o 2º (produto da resistência pela variação de
tindo-se do pulmão completamente colapsado, conforme vai fluxo) às propriedades resistivas (Pres) das vias aéreas, e o
ocorrendo a insuflação de ar no sistema respiratório, ocorre 3º (produto da inertância pela aceleração) às propriedades
a elevação progressiva e não linear da pressão em vias aé- inerciais do sistema como um todo. Além disso, também faz
reas (Figura 4 – curva 2). Na desinsuflação desse sistema, a parte da equação do movimento a PEEP, visto que, como
curva obtida assume um traçado diferente daquela da fase veremos a seguir, ela determina um aumento da resistência
inspiratória (Figura 4 – curva 1), demonstrando que, na fase na via aérea.
expiratória, para a mesma pressão em via aérea, o volume
pulmonar é maior. Em resumo, são necessárias pressões de Paw = Pel + Pres + inertância
via aérea mais elevadas para “abrir” os pulmões, e pressões Paw = 1/Csr x Vt + Rsr x V’ + PEEP + Isr x V”
menores para mantê-los abertos. O principal responsável Paw: pressão nas vias aéreas
pelo fenômeno da histerese pulmonar é o surfactante. Em Csr: complacência do sistema respiratório (inverso da elastância)
situações em que há alteração da sua dinâmica, existirá alte- Vt: volume corrente
ração da histerese pulmonar como na lesão pulmonar aguda. Rsr: resistência do sistema respiratório
Ele é produzido exclusivamente pelo pneumócito do tipo II, e V’: fluxo inspiratório
PEEP: Pressão expiratória ao final da expiração
tem uma porção proteica (responsável pela dinâmica do sur-
Isr: inertância do sistema respiratório
factante) e uma porção lipídica (responsável pela diminuição
V”: aceleração
da tensão superficial alveolar).
Com o uso das frequências ventilatórias usuais, as pro-
priedades inerciais têm valor desprezível, permitindo sim-
plificar a equação:

Paw = Vt/Csr + Rsr x V’ + PEEP

B - Constante de tempo
A fase expiratória deve ser suficientemente longa para
permitir o completo esvaziamento pulmonar, sendo impor-
tante a incorporação do conceito de constante de tempo.
Este pode ser entendido como o tempo necessário para o
esvaziamento de 63% do volume gasoso presente dentro
do alvéolo em uma expiração passiva. Assim, temos que
a constante de tempo é, de certa forma, uma medida do
tempo de esvaziamento pulmonar, com a característica
fundamental de não depender do volume pulmonar inicial,
constituindo-se em uma propriedade intrínseca do sistema
respiratório, com valor de 63% decorrente de uma simpli-
ficação para fins de cálculo (decaimento exponencial sim-
Figura 4 - Curvas PV na inspiração e na expiração ples). A constante de tempo pode, também, ser entendida
como o produto da complacência pela resistência do siste-
ma respiratório. Basicamente, o conceito de constante de
4. Mecânica respiratória tempo explicita que o esvaziamento pulmonar é um pro-
cesso passivo, com uma duração temporal intrínseca que
não pode ser alterada artificialmente. Caso os ajustes da
A - Pressão e volume VM não respeitem tal princípio, o esvaziamento pulmonar
A ventilação pulmonar acontece por alterações volumé- será incompleto, o que pode determinar hiperinsuflação
tricas do sistema respiratório (pulmões e parede torácica), pulmonar.

21
MEDI C I N A I NTENSIV A

Tabela 3 - Constante de tempo - Edema agudo pulmonar;


Constante de tempo (Cte): Complacência x Resistência - Hemorragia alveolar;
1 Cte = 63% - DPOC;
2 Cte = 96% - Asma;
3 Cte = 99% - Estratégia protetora pulmonar na ventilação mecânica;
Padrão obstrutivo = Cte alta - Apneia do sono;
Padrão restritivo = Cte baixa - Fisioterapia respiratória.

5. PEEP e auto-PEEP
Fisiologicamente, durante a expiração a glote diminui a
sua abertura, determinando aumento da resistência em via
aérea, represando uma quantidade maior de ar no sistema
respiratório. Esse volume maior de gás represado dá origem
a uma determinada pressão ao final da expiração chamada
de PEEP (pressão positiva ao fim da expiração) fisiológica (en-
tre 2 e 4cmH2O). No paciente intubado ou com traqueosto-
mia, esse mecanismo deixa de existir, e é necessário criá-lo
artificialmente. Além disso, quando intubamos um paciente, Figura 5 - Capacidades e volumes pulmonares (CPT: Capacidade
parte do volume de reserva expiratório (ar que conseguimos Pulmonar Total; CFR: Capacidade Funcional Residual; CV: Capaci-
expelir após uma expiração forçada) é liberado livremente, dade Vital; VRI: Volume Residual Inspiratório; VRE: Volume Residu-
possibilitando a formação de microatelectasias. A PEEP, des- al Expiratório; VR: Volume Residual; VC: Volume Corrente
se modo, também visa à manutenção da capacidade residual
funcional e à diminuição da formação de atelectasias.
Portanto, as consequências determinadas pela ação da 6. Componentes básicos de um ventilador
PEEP são o aumento da capacidade residual funcional, a me- mecânico
lhora da complacência pulmonar, a elevação da pressão média
em vias aéreas e a melhora do edema pulmonar. Quando mui- Os ventiladores modernos utilizam um microprocessador
to elevada, a PEEP pode ter efeitos deletérios, causando queda que avalia, a todo momento, as condições do sistema de ven-
do débito cardíaco, hipotensão e aumento do espaço morto. tilação mecânica e determinam a ciclagem e o disparo dos
A PEEP teve aplicação prática no início dos anos 1930, ciclos respiratórios, de acordo com os parâmetros programa-
para controle do edema agudo pulmonar. Isoladamente, dos para o paciente. A seguir, há um diagrama dos compo-
seu uso não determinou a melhora da sobrevida dos pa- nentes básicos de um ventilador mecânico. O ciclo respirató-
cientes em várias situações clínicas. No entanto, quando rio começa com a oclusão da válvula expiratória e a abertura
associada às outras medidas protetoras da estratégia venti- da válvula inspiratória, permitindo a entrada do fluxo de ar
latória, mostrou-se efetiva. no sistema conforme os ajustes do ventilador. Depois de ter-
A PEEP determina recrutamento alveolar, redistribuição minado o tempo inspiratório, a válvula inspiratória se fecha
do fluido pulmonar, melhora da ação do surfactante pulmo- e abre a válvula expiratória, permitindo a saída do volume
nar e melhora da troca gasosa. Além disso, pode ser intrín- expiratório, até que outro ciclo inspiratório tenha início.
seca ou extrínseca.
A extrínseca é determinada pela retenção de um volu-
me gasoso nos pulmões ao fim da expiração, gerando certa
pressão em via aérea. Isso ocorre artificialmente na VM pelo
fechamento da válvula expiratória ou pela geração de fluxo
de ar contrário à expiração do paciente. Já a PEEP intrínseca
ou auto-PEEP é causada por um mecanismo específico pul-
monar em situações em que há aumento da resistência de
vias aéreas ou nas situações em que o tempo expiratório é
insuficiente para permitir a expiração completa do volume
corrente (conceito da constante de tempo expiratório). Isso
pode ocorrer no broncoespasmo, no DPOC, em grandes vo-
lumes correntes, em altas frequências respiratórias e em
baixos fluxos inspiratórios.
Tabela 4 - Indicações da PEEP Figura 6 - Ventilador mecânico - (1) alça inspiratória; (2) alça ex-
piratória; (3) válvula inspiratória; (4) válvula expiratória/PEEP; (5)
- Reproduzir PEEP fisiológica; microprocessador; (6) painel de ajuste e monitorização dos parâ-
- Melhorar a troca gasosa; metros ventilatórios

22
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

- Repercussões hemodinâmicas da VM paciente (ou seja, por meio de seu drive e músculos ventila-
tórios), ou mandatório, quando o mecanismo do ventilador
A repercussão hemodinâmica da VM é fato frequente,
e depende do estado cardiovascular prévio, da volemia, da determina, pelo menos, 1 das referidas etapas. A frequên-
cia respiratória pode ser constituída somente por ciclos

MEDICINA INTENSIVA
patologia pulmonar, do modo ventilatório e dos parâmetros
programados. Os efeitos hemodinâmicos ocorrem por ação mandatórios (ventilação mandatória contínua), por ciclos
direta da pressão de via aérea e da transmissão indireta espontâneos (ventilação espontânea contínua) ou se apre-
para estruturas intratorácicas. sentar como uma mescla deles (ventilação mandatória
intermitente). Sendo espontâneo ou mandatório, o ciclo
7. Ciclo ventilatório ventilatório compõe-se de 4 fases distintas, em que cada
O ciclo ventilatório pode ser espontâneo quando a variável é medida e usada para iniciar, manter ou finalizar
fase inspiratória é iniciada e encerrada por iniciativa do a referida fase:

Figura 7 - Variáveis envolvidas no ciclo ventilatório

23
MEDI C I N A I NTENSIV A

- PPI (Pico de Pressão Inspiratório) = resistência das vias c) Tempo: o final da fase inspiratória ocorre após um pe-
aéreas de condução + resistência alveolar = resistência ríodo de tempo prefixado, não influenciado pelas caracte-
alveolar (elástica); rísticas elástico-resistivas do sistema respiratório; é a venti-
- Complacência dinâmica do sistema respiratório lação mecânica no modo tempo-controlado, disponível em
(Cdin): representa a impedância total do sistema res- vários ventiladores modernos.
piratório; valores normais em adultos: 50 a 80mL/ d) Fluxo: o final da fase inspiratória ocorre a partir do
cmH2O); momento em que o fluxo inspiratório cai abaixo de níveis
críticos (25% do pico de fluxo inspiratório máximo, na maio-
Cdin = volume corrente/PPI - PEEP)
ria dos ventiladores mecânicos), independentemente do
- Complacência estática do sistema respiratório (Cest): tempo transcorrido ou do volume corrente liberado para o
representa a impedância das unidades pulmona- paciente; a ventilação mecânica no modo pressão de supor-
res funcionantes; valores normais em adultos: 60 a te utiliza essa ciclagem.
100mL/cmH2O.
C - Fase expiratória
Cest = volume corrente/PP - PEEP
O ventilador permite o esvaziamento dos pulmões, nor-
malmente de forma passiva ou contra uma pressão cons-
A - Fase inspiratória tante acima da atmosfera (PEEP).
O ventilador deverá insuflar os pulmões do paciente,
vencendo as propriedades resistivas e elásticas do sistema D - Mudança da fase expiratória para a fase ins-
respiratório. Ao final da insuflação pulmonar, uma pausa piratória
inspiratória poderá ainda ser utilizada, prolongando essa O ventilador interrompe a fase expiratória e permite o
fase de acordo com o necessário para uma melhor troca início da fase inspiratória do ciclo seguinte; essa transição
gasosa. Durante a fase inspiratória, a pressão, o volume e o pode ser desencadeada pelo ventilador mecânico ou pelo
fluxo aumentam seus valores em relação ao final da fase ex- paciente. Isso é o que se chama de “disparo” do ventilador
piratória. Se uma dessas variáveis for programada para não
(variável que define quando o ventilador mecânico deve
ultrapassar determinado valor, esta será denominada vari-
encerrar a fase expiratória e iniciar a fase inspiratória se-
ável de limite. Assim, a fase inspiratória pode ser limitada:
guinte); hoje, são utilizados os seguintes mecanismos de
a) À pressão: a pressão inspiratória atinge determinado
disparo:
valor, pré-ajustado, antes que a fase inspiratória termine.
a) Tempo: o ventilador determina o início da inspiração
b) Ao volume: o volume corrente atinge determinado
valor, pré-ajustado, antes que a fase inspiratória termine. por um critério de tempo, estipulado a partir do ajuste do
c) Ao fluxo: o fluxo inspiratório atinge determinado va- comando “frequência respiratória”; a fase inspiratória co-
lor, pré-ajustado, antes que a fase inspiratória termine. meça quando um intervalo de tempo predeterminado é
detectado, independentemente dos esforços inspiratórios
B - Mudança da fase inspiratória para a fase ex- do paciente.
piratória b) Pressão: o ventilador determina o início da inspiração
por um critério de pressão, estipulado a partir do ajuste do
O ventilador deve interromper a fase inspiratória (após comando “sensibilidade”; a fase inspiratória começa quan-
a pausa inspiratória, quando esta estiver sendo utilizada),
do um nível de pressão predeterminado é detectado, re-
e permitir o início da fase expiratória; é o que se chama de
presentando a queda da pressão no circuito decorrente da
“ciclagem” do ventilador; essa variável é que define quan-
inspiração do paciente.
do o ventilador mecânico deve encerrar a fase inspiratória
c) Fluxo: o ventilador determina o início da inspiração
e iniciar a fase expiratória do ciclo; dispõe-se, atualmente,
por um critério de fluxo, estipulado a partir do ajuste do co-
dos seguintes mecanismos de ciclagem:
mando “sensibilidade”; a fase inspiratória começa quando
a) Volume: o final da fase inspiratória é determinado
por um valor de volume corrente prefixado, comumente si- um nível de fluxo predeterminado é detectado, represen-
nalizado por um fluxômetro localizado no circuito inspirató- tando o movimento de ar no circuito decorrente do esforço
rio do aparelho, como, por exemplo, a ventilação mecânica inspiratório do paciente.
no modo volume controlado.
b) Pressão: o final da fase inspiratória é determinado 8. Sistema de classificação dos modos ven-
pelo valor de pressão alcançado nas vias aéreas; quando esta
atinge um valor prefixado, interrompe-se a inspiração (o flu-
tilatórios
xo inspiratório cessa), independentemente do tempo inspira- Um modo ventilatório pode ser descrito por meio da
tório gasto ou do volume corrente liberado para atingir essa determinação das seguintes variáveis: variável de controle,
pressão; é a forma de ciclagem dos VM tipo Bird Mark 7. variáveis de fase e variável condicional.

24
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

corrente resultante varia de acordo com a impedância (re-


sistência e complacência) do sistema respiratório e com a
amplitude dos esforços inspiratórios do paciente. Assim, o
potencial problema da pressão controlada seria a queda da

MEDICINA INTENSIVA
ventilação-minuto em casos de aumento da impedância do
sistema respiratório ou de redução do drive ventilatório do
paciente. Apesar dessa ressalva, pelo fato de não predispor
Figura 8 - Modos básicos de ventilação mecânica
o paciente ao risco de barotrauma, a ventilação com pres-
são controlada vem ganhando destaque no tratamento de
A - Variável de controle pacientes com insuficiência respiratória.

Trata-se da variável (volume ou pressão) que o venti-


lador manipula para iniciar, deflagrar a inspiração. É iden-
tificada pelo fato de que seu comportamento permanece
constante durante a inspiração, a despeito de mudanças na
carga ventilatória e de mudanças na resistência e compla-
cência do sistema respiratório. O ventilador “sacrifica” ou-
tras variáveis prefixadas para manter a variável de controle
constante. Em relação à variável de controle, os modos ven-
tilatórios podem ser:
a) Volume controlado: o ventilador libera um volume
corrente predeterminado independentemente da pressão
gerada dentro do sistema, dentro de certos limites. A van-
tagem da garantia de um volume corrente e de um volume
minuto adequados, deve ser pesada contra o fato de que
alterações nas propriedades mecânicas do sistema respira-
tório (aumento de resistência e/ou queda da complacência) Figura 10 - Curvas de fluxo-pressão-volume no modo pressão con-
trolada
podem determinar o desenvolvimento de altas pressões
inspiratórias. Além disso, em volume controlado, pelo fato
de o fluxo inspiratório não ser “livre” (ele é determinado B - Variáveis de fase
pelo operador, a partir do comando “fluxo inspiratório”), o
padrão ventilatório não se ajusta de acordo com mudanças São as variáveis (pressão, volume, fluxo ou tempo) que
na demanda ventilatória do paciente. são medidas e usadas para iniciar alguma fase do ciclo ven-
tilatório. As variáveis de fase incluem o disparo, o limite e a
ciclagem do ciclo ventilatório.
a) Disparo: é a variável (pressão, fluxo ou tempo) que
define o início da inspiração. A inspiração pode ser dispara-
da pelo paciente (disparo à pressão ou disparo a fluxo) ou
pelo ventilador (disparo a tempo).
b) Limite: é a variável (volume ou pressão) com um valor
máximo prefixado, mantido constante durante a inspiração.
Quando a variável limite é atingida, a inspiração não é in-
terrompida, o que a diferencia da variável de ciclagem (des-
crita a seguir). É frequentemente, a mesma que a variável
de controle.
c) Ciclagem: é a variável (pressão, volume, tempo ou flu-
xo) que, quando atingida, determina o final da inspiração.

C - Variável condicional
É a variável que, sozinha ou em combinação, é analisada
pelo ventilador e determina qual de 2 ou mais tipos de ci-
clos ventilatórios será liberado.
Figura 9 - Curvas de fluxo-pressão no modo volume controlado Um modo ventilatório é, então, uma específica combi-
nação de variáveis de controle, variáveis de fase e variáveis
b) Pressão controlada: o ventilador aplica uma pressão condicionais, definidas tanto para os ciclos mandatórios
predeterminada à via aérea durante a inspiração. O volume quanto para os ciclos espontâneos.

25
MEDI C I N A I NTENSIV A

9. Modos ventilatórios convencionados

A - Ventilação Mandatória Contínua (VMC)


Todos os ciclos ventilatórios são mandatórios, ou seja,
são disparados (iniciados) e/ou ciclados (terminados) pela
VM, e não pelo drive e por músculos ventilatórios do pa-
ciente. Tal modo ventilatório leva a um repouso da muscu-
latura respiratória e aumenta a capacidade residual funcio-
nal. Possui desvantagens como atrofia muscular, compro-
metimento hemodinâmico e assincronia paciente-ventila-
dor, sendo muito pouco usados atualmente. De acordo com
a variável de controle, a ventilação mandatória contínua
pode ser uma das seguintes:
a) VMC com volume controlado
- O ventilador determina o início da inspiração por um
critério de tempo, estipulado a partir do ajuste da fre-
quência respiratória. Não se permite um mecanismo
alternativo de disparo (o comando “sensibilidade” do
aparelho fica desligado). Corresponde à ventilação
mecânica controlada (CMV).

Figura 12 - Curvas de pressão-fluxo-volume no modo pressão con-


trolada (PCV)

B - Ventilação Assisto-Controlada (A/C)


Alguns ciclos ventilatórios são disparados pelo paciente
(disparo à pressão ou fluxo) e outros pelo ventilador (dis-
paro a tempo), no caso do paciente não disparar um ciclo
pelo seu esforço inspiratório. Os ciclos disparados pelo ven-
tilador funcionam como um mecanismo de segurança. Nes-
se tipo de ventilação, o ventilador permite um mecanismo
misto de disparo da fase inspiratória, podendo ser por pres-
são assisto-controlada ou por volume assisto-controlado.
Permite uma interação entre o paciente e o ventilador, a
frequência respiratória e o volume corrente são livres, po-
dendo levar ou não a uma diminuição do trabalho muscular.
Em alguns casos pode levar à hiperventilação com conse-
quente aumento do trabalho respiratório. É um dos modos
de ventilação mais usados atualmente.

C - Ventilação Mandatória Intermitente (VMI)


Os ciclos ventilatórios mandatórios são liberados inter-
mitentemente, permitindo que o paciente apresente ciclos
Figura 11 - Curvas de fluxo-pressão-volume no modo volume con-
ventilatórios espontâneos entre eles. A ventilação espontâ-
trolado associado ao uso de PEEP nea é realizada dentro do próprio circuito do aparelho, por
meio de um sistema de válvulas de demanda ou de fluxo
b) VMC com pressão controlada contínuo (flow-by). Tal tipo de ventilação mecânica tem a
- O ventilador determina o início da inspiração por um vantagem de melhorar a interação entre o ventilador mecâ-
critério de tempo, estipulado a partir do ajuste da fre- nico e o paciente, podendo ser usado, em casos seleciona-
quência respiratória. Não se permite um mecanismo dos, para o desmame ventilatório. De acordo com a variável
alternativo de disparo. Corresponde à ventilação me- de controle dos ciclos mandatórios, a ventilação mandató-
cânica com pressão controlada (PCV). ria intermitente pode ser uma das que seguem:

26
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

a) VMI com volume controlado D - Ventilação Espontânea Contínua (VEC)


- Disparo pelo ventilador: o ventilador determina o início Todos os ciclos ventilatórios são espontâneos, ou seja,
da inspiração dos ciclos mandatórios por um critério de são disparados e ciclados pelo paciente. Em relação à va-

MEDICINA INTENSIVA
tempo, estipulado a partir do ajuste do comando “fre- riável de controle, sempre atuam no modo pressão con-
quência respiratória”. Não se permite um mecanismo trolada. Dentre as vantagens desse modo, podemos citar:
alternativo de disparo (o comando “sensibilidade” do controle da pressão, fluxo livre e desacelerado, melhora
aparelho fica desligado). Corresponde à ventilação man- hemodinâmica e facilidade no desmame. Uma das únicas
datória intermitente (IMV), pouco usada atualmente; desvantagens é que este modo não garante um volume
- Disparo combinado: o ventilador permite um mecanis- corrente ao paciente. Pode ser combinada a outros modos
mo misto de disparo da fase inspiratória dos ciclos man- ventilatórios e subdivide-se em 2 tipos, de acordo com a
datórios, combinando um mecanismo a tempo com um assistência ou não pelo ventilador:
mecanismo à pressão ou a fluxo. O disparo à pressão ou
a fluxo é deflagrado pelo esforço inspiratório do pacien- a) Assistida pelo ventilador
te (que aciona um sensor de pressão ou um sensor de Caracteriza-se pela manutenção de uma pressão cons-
fluxo) após ter sido ultrapassado o tempo prefixado. O tante e pré-determinada durante a fase inspiratória até que
disparo a tempo só será deflagrado pelo aparelho caso o fluxo inspiratório gerado pelo paciente caia abaixo de um
o paciente entre em apneia, funcionando como um me- nível crítico (ciclagem a fluxo). O próprio paciente controla
canismo de segurança. Corresponde à ventilação man- o tempo e o fluxo inspiratórios, e a frequência respiratória.
datória intermitente sincronizada (SIMV). O volume corrente será a resultante entre esforço inspira-
tório realizado, impedância do sistema respiratório e valor
b) VMI com pressão controlada do suporte de pressão fornecido. Corresponde à ventilação
- Disparo pelo ventilador: o ventilador determina o iní- com pressão de suporte (PSV). Tal modo ventilatório tam-
cio da inspiração por um critério de tempo, estipulado bém é muito utilizado para o processo de desmame de ven-
a partir do ajuste do comando “frequência respiratória”. tilação mecânica.
Não se permite um mecanismo alternativo de disparo,
pois a sensibilidade do aparelho fica desligada. Corres-
ponde à ventilação mandatória intermitente com pres-
são controlada (PC-IMV), de pouco uso nos dias atuais;
- Disparo combinado: existe um mecanismo misto de dis-
paro da fase inspiratória dos ciclos mandatórios, combi-
nando um mecanismo a tempo com um mecanismo à
pressão ou a fluxo. Enquanto o disparo à pressão ou a
fluxo é deflagrado pelo esforço inspiratório do pacien-
te, após ter sido ultrapassado o tempo fixado, como no
SIMV clássico, o disparo a tempo é deflagrado pelo apa-
relho, funcionando como um mecanismo de segurança
ativado apenas quando o disparo pelo paciente não
ocorre. Corresponde à ventilação mandatória intermi-
tente sincronizada com pressão controlada (PC-SIMV).

Figura 14 - Curva de pressão no modo PSV

b) Não assistida pelo ventilador


O paciente respira espontaneamente por meio do cir-
cuito pressurizado do aparelho, de tal forma que certa
pressão positiva, definida quando do ajuste do ventilador,
é mantida praticamente constante durante todo o ciclo
ventilatório (tanto na fase inspiratória quanto na fase expi-
Figura 13 - Curva de pressão-volume no modo pressão controlada ratória). Corresponde à pressão positiva contínua nas vias
(PC-SIM) aéreas (CPAP).

27
MEDI C I N A I NTENSIV A

D - Volume corrente
A hiperdistensão alveolar pode produzir lesões da mem-
brana alveolocapilar, responsável por aumento de permea-
bilidade microvascular e ruptura pulmonar (lesão pulmonar
induzida ou associada ao ventilador mecânico). Mesmo em
pulmões normais, há uma tendência a se utilizarem volu-
mes correntes mais baixos do que anteriormente, na faixa
de 8mL/kg de peso ideal (ou menos), mantendo-se uma
Figura 15 - Curva de pressão no modo de suporte associado à PEEP pressão de platô inspiratória (que corresponde à pressão
(SIMU + CPAP) de distensão máxima dos alvéolos) inferior a 35cmH2O.
No caso de se aplicarem modos ventilatórios com pres-
são-controlada, a pressão de insuflação escolhida é que
10. Modos ventilatórios avançados determinará o volume corrente que o paciente receberá.
Em pacientes que apresentam mecânica respiratória pouco
Convencionalmente, o ventilador é capaz de manter so- comprometida, pressões de insuflação da ordem de 10 a
mente uma variável constante por vez (volume ou pressão). 15cmH2O, aplicadas por 0,75 a 1 segundo, promovem ade-
Modos desenvolvidos recentemente permitem ao ventila- quados volumes correntes. Da mesma forma que, nos mo-
dor controlar uma ou outra variável, baseado em um meca- dos com volume controlado, deve-se evitar pressão alveo-
nismo de feedback. Esses modos são considerados de duplo lar (pressão de platô) superior a 35cmH2O; em condições de
controle e foram desenvolvidos para facilitar e proporcio- complacência normal da parede torácica, isso corresponde
nar melhores resultados no desmame ventilatório, fato não a uma pressão de pico inspiratória não superior a 50cmH2O.
comprovado até o momento.
E - Frequência respiratória
11. Escolha do modo ventilatório e ajuste A escolha da frequência respiratória deve ser feita após
inicial dos parâmetros ventilatórios se considerar a frequência intrínseca do paciente: a frequên-
cia do ventilador deve ser ajustada em um valor próximo da
frequência respiratória do paciente (geralmente, 3 a 4irpm a
A - Modo ventilatório menos que a frequência intrínseca do paciente). Esse cuida-
O suporte ventilatório mecânico deve ser iniciado com do garante que o ventilador continue a proporcionar um vo-
um modo ventilatório com frequência respiratória prede- lume minuto adequado à demanda ventilatória do paciente
terminada, mas que permita ao paciente iniciar o ciclo ven- em caso de súbita redução no seu drive ventilatório.
tilatório, de acordo com sua demanda e drive ventilatório.
F - Fluxo inspiratório
B - Fração inspirada de oxigênio (FiO2) Nos modos ventilatórios em que o fluxo não é “livre”,
necessitando ser escolhido quando do ajuste do ventilador
A ventilação mecânica deve ser iniciada com uma fra-
(modos com volume controlado), um fluxo inspiratório de
ção inspirada de oxigênio de 100% para prevenir hipoxe-
40 a 60L/min é geralmente indicado. A exceção é feita aos
mia durante o ajuste inicial. Subsequentes ajustes serão
pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crô-
guiados pela gasometria arterial ou oximetria de pulso. A
nica, submetidos à ventilação mecânica, nos quais taxas de
FiO2 deverá ser reduzida progressivamente com o objetivo fluxo mais elevadas (ao lado de volumes correntes abaixo
de se manter uma PaO2 = 60mmHg, o que normalmente é de 8mL/kg) podem ser necessárias com o objetivo de redu-
suficiente para uma SaO2 = 91%, utilizando-se, preferencial- zir o tempo inspiratório, aumentando o tempo expiratório
mente, uma FiO2 = 60%. disponível ao adequado esvaziamento pulmonar.
Quando não é possível alcançar esses parâmetros com o
ajuste apenas da FiO2, outras manobras visando aumentar a G - PEEP
oxigenação arterial poderão ser utilizadas, como o aumento
A manutenção de pressões positivas nas vias aéreas ao
do tempo inspiratório, a associação de pressão expiratória
final da expiração deve ser associada a qualquer dos modos
final positiva e as manobras de recrutamento alveolar.
ventilatórios. Em pacientes com insuficiência respiratória
hipoxêmica (como no edema pulmonar por aumento de
C - Sensibilidade
pressão hidrostática – edema pulmonar cardiogênico – ou
Em ventiladores com disparo à pressão, esse valor é, ge- alteração de permeabilidade microvascular pulmonar – sín-
ralmente, definido em -1cmH2O (não ultrapassar -2cmH2O). drome do desconforto respiratório agudo), a PEEP é usada
Em ventiladores com disparo a fluxo, taxas de sensibilidade como um artifício para se recrutarem alvéolos preenchidos
entre 1 e 3L/min são adequadas. por líquidos ou colabados. Esse recrutamento pode deter-

28
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

minar um aumento na PaO2, possibilitando a redução da ponente de broncoespasmo intenso. São doentes muito
FiO2. Tais objetivos são conseguidos pela redução no shunt mais propensos a alterações da relação V/Q e com grande
intrapulmonar, promovendo: melhora na relação ventila- demanda ventilatória, o que determina hiperinsuflação,
ção/perfusão (V/Q), redistribuição da água pulmonar dos barotrauma, colapso circulatório e óbito. A VM deve ser

MEDICINA INTENSIVA
alvéolos para o espaço intersticial perivascular, prevenção aplicada aos doentes mais graves, em que o bloqueio neu-
do colapso alveolar ao final da expiração (estabilização al- romuscular, a sedação contínua e a hipercapnia permissiva
veolar), prevenção da lesão alveolar decorrente da repeti- devem ser adotados. O ajuste da VM deve prevenir a hiper-
da abertura e fechamento de alvéolos instáveis (durante a distensão alveolar por meio da redução do volume minuto
insuflação e deflação pulmonar), além da melhora da me- e pelo prolongamento do tempo expiratório. Não existem
cânica pulmonar, pela recuperação da capacidade residual recomendações para o modo ventilatório que deve ser usa-
funcional e redução do trabalho respiratório. do. Devemos utilizar baixos volumes correntes, de 5 a 7mL/
Em pacientes com insuficiência respiratória hipercáp- kg; devemos manter a pressão de pico inspiratório abaixo
nica (doença pulmonar obstrutiva crônica descompensa- de 50cmH2O e pressão de platô abaixo de 35cmH2O; as fre-
da, crise asmática etc.), a pressão alveolar expiratória final quências respiratórias devem estar entre 7, 3 e 11irpm; o
pode permanecer positiva durante a ventilação mecânica, fluxo inspiratório deve ser alto, acima de 60L/min (se uso
mesmo quando a PEEP não estiver sendo aplicada. Esse de modo volume controlado), sempre com atenção aos li-
fenômeno é chamado auto-PEEP ou PEEP intrínseca, e se mites de pressão nas vias aéreas. A FiO2 deve ser ajustada
deve ao aprisionamento de ar nos alvéolos, com conse- para a manutenção da SatO2 acima de 95% e a PEEP deve
quente aumento no volume pulmonar expiratório final, de- ser utilizada com cautela em casos selecionados, visto que
vido a um insuficiente tempo expiratório e/ou ao uso de tais pacientes já possuem auto-PEEP, como tentativa de de-
altos volumes correntes nesses pacientes, já portadores de sinsuflação pulmonar. A hipercapnia permissiva tem como
limitação ao fluxo aéreo expiratório. O auto-PEEP torna o
objetivo minimizar a hiperinsuflação pulmonar, tolerando-
disparo do ciclo ventilatório mais difícil para o paciente, vis-
-se a elevação da PaCO2 até 90mmHg, com pH acima de 7.
to que este precisa gerar uma pressão inspiratória igual em
magnitude ao valor da auto-PEEP acrescido do nível de sen-
B - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
sibilidade selecionado quando do ajuste do ventilador. O
descompensada
nível de auto-PEEP pode ser monitorizado, nos ventiladores
mecânicos modernos, por meio da aplicação de uma pausa Os objetivos da ventilação mecânica em paciente com
expiratória. A adição de PEEP externa (em um nível inferior DPOC descompensado são: promover o repouso muscular
ao da auto-PEEP, geralmente 85% desta) minimiza o esfor- respiratório, minimizar a hiperinsuflação pulmonar, melhorar
ço inspiratório necessário para disparar o ciclo ventilatório, a troca gasosa, garantindo a ventilação alveolar, além de pos-
uma vez que a pressão alveolar terá de diminuir somente sibilitar a aspiração das vias aéreas e o sono. O mecanismo de
até abaixo do valor da PEEP externa, e não abaixo de zero. hiperinsuflação pulmonar é mais ligado à obstrução crônica da
via aérea do que ao broncoespasmo ou à formação das rolhas
12. Monitorização durante a ventilação de secreção em pequenas vias aéreas. O modo ventilatório
mecânica pode ser a volume ou à pressão; para reduzirmos a hiperin-
suflação dinâmica, devemos utilizar baixos volumes minutos;
O ajuste do modo e parâmetros ventilatórios é um o fluxo inspiratório (nos casos a volume controlado) deve se
processo dinâmico, baseado na resposta fisiológica do pa- basear numa relação I/E (Inspiratório/Expiratório) otimizada,
ciente, requerendo repetidos reajustes durante o período ou seja, inferior a 1:3, geralmente fluxos entre 40 e 80L/min; a
de dependência do ventilador. A monitorização básica do FiO2 deve garantir uma SatO2 acima de 90% e a PEEP extrínseca
paciente em suporte ventilatório mecânico inclui: a radio- pode ser utilizada para contrabalançar a PEEP intrínseca.
grafia de tórax após a intubação, e para avaliar qualquer
deterioração clínica; a gasometria arterial, após o início da C - Síndrome do desconforto respiratório agudo
VM e intermitentemente (dependendo do estado clínico do
paciente); a oximetria de pulso contínua; a aferição dos si- Na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo
nais vitais; a avaliação da sincronia paciente-ventilador e a (SDRA), antes denominada Síndrome da Angústia Respira-
monitorização das pressões em vias aéreas. tória do Adulto (SARA), há uma estratégia de ventilação me-
cânica protetora que reduz a mortalidade e a estadia na UTI
13. Ventilação mecânica em doenças es- e promove melhora do estado funcional do doente.
Nessa síndrome, devem ser evitadas altas pressões de
pecíficas vias aéreas; a pressão de platô deve ser, sempre que pos-
sível, menor ou igual a 30cmH2O. Para obtermos baixos
A - Crise de asma aguda valores de pressão em vias aéreas, é mandatório o uso de
Os pacientes que se encontram em crise de asma agu- volumes correntes baixos, entre 4 a 6mL/kg de peso do pa-
da sofrem de obstrução de via aérea, associada às rolhas ciente. Nesses casos, a hipercapnia permissiva também tem
de secreção (plug) em pequenas vias aéreas, além do com- sido utilizada, para manter o pH >7,2 a 7,25.

29
MEDI C I N A I NTENSIV A

O aumento do volume corrente só deve ser utilizado de oxigênio a outros tecidos. A PEEP deve ser utilizada para
para reduzir a pCO2 quando o pH da gasometria arterial for o recrutamento alveolar e para a redistribuição do edema
menor que 7,15, ou seja, a ventilação deve ser guiada pelos alveolar ao interstício pulmonar.
valores de pH, e não pelos valores de pCO2; essa estratégia
é denominada de hipercapnia permissiva. 14. Ventilação mecânica não invasiva
Outro ponto na ventilação de pacientes com SDRA é a
utilização de PEEPs mais elevadas. Altos valores de PEEP A VMNI é realizada sem a intubação ou a traqueosto-
vêm sendo utilizados em pacientes com formas mais graves mia e vem sendo cada vez mais utilizada em pacientes com
de SDRA, com a comprovação de que a utilização da PEEP insuficiência respiratória aguda, principalmente com etio-
melhora a oxigenação e reduz a hipoxemia. Porém, ainda logia restritiva ou obstrutiva. A adaptação do ventilador ao
não foi comprovada a redução de mortalidade com a uti- paciente pode ser realizada por meio do uso de máscaras
lização da estratégia. Existe uma recomendação do grupo (como interface) faciais, nasais ou por um capacete ligado
ARDSNET para a utilização de PEEP de acordo com a FiO2 ao aparelho. A VNI consegue aumentar a pressão intrato-
requerida, para manter-se uma PO2 acima de 60mmHg e rácica com incremento da capacidade residual funcional,
uma saturação ≥90%: melhora a oxigenação e diminui o trabalho respiratório com
recuperação da ventilação alveolar. Isso faz que ocorra um
Tabela 5 - Valores recomendados de PEEP segundo a FiO2 repouso da musculatura diafragmática com diminuição da
FiO2 0,3 0,4 0,5 0,5 0,6 0,7 0,7 0,7 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 pressão transdiafragmática. Em populações específicas,
PEEP 5 5 8 8 10 10 10 12 14 14 16 18 20 a 24 como em portadores de DPOC, a VNI determina a redução
Observação: cada coluna representa uma combinação possível de mortalidade, dos dias de internação hospitalar e da ne-
para ser utilizada em pacientes com SDRA. cessidade de intubação traqueal.
Os modos ventilatórios mais frequentemente utilizados
Como regra geral, a ventilação para SDRA envolve: em VNI são:
- Pressão de platô abaixo de 30cmH2O;
- Volume corrente menor que 6mL/kg (entre 4 e 6mL/ A - CPAP
kg);
Pressão positiva contínua em via aérea; modo ventilatório
- FR suficiente para manter o pH acima de 7,15; espontâneo que necessita de estímulo respiratório adequa-
- FiO2 suficiente para manter a PaO2 superior a 60mmHg do por parte do paciente e mantém as pequenas e grandes
e a saturação ≥90%; vias aéreas abertas. Pode ser utilizada individualmente ou as-
- PEEP suficiente para manter a PaO2 superior a 60mmHg sociada a outros modos ventilatórios. Geralmente, pressões
e a saturação ≥90%. de 7 a 15cmH2O são bem toleradas. Útil em pacientes com
insuficiência respiratória de origem cardiogênica, pelo efeito
Na ventilação desses pacientes, quando a pressão de
hemodinâmico causado pela pressurização das vias aéreas.
platô está acima de 30cmH2O, deve-se reduzir progressiva-
São efeitos colaterais do seu uso a hipercapnia, o barotrau-
mente o volume corrente até que o platô se encontre na
ma, as lesões faciais produzidas pelas máscaras, a rinite, a
faixa desejada. Caso aumente a retenção de CO2, com aci-
conjuntivite, a otalgia e a distensão abdominal.
demia importante (pH <7,15), podemos aumentar a FR para
valores de até 35irpm, com relação inspiratória/expiratória Tabela 6 - Indicações de VNI
de 1:1. A saturação de hemoglobina e a PaO2 devem ser Doenças restritivas
mantidas acima de 89% e 60mmHg, respectivamente. Para
- Cifoescoliose;
que isso ocorra, devem-se utilizar as combinações de FiO2
e PEEP sugeridas na tabela do grupo ARDSNET (Tabela 5). - Lesão medular;
- Neuromiopatias;
D - Trauma de crânio grave - Esclerose lateral amiotrófica;
As diretrizes de ajuste da VM nesses pacientes priorizam - Pneumonia;
o uso das pressões médias intratorácicas mais baixas possí- - Pneumocistose;
veis, associado ao controle satisfatório da PCO2, visando ao - Fibrose pulmonar.
controle do fluxo cerebral e da redução da pressão intracra- Doenças obstrutivas
niana (PIC) pela melhora do retorno venoso cerebral. - DPOC descompensado;
- Asma brônquica (crise aguda);
E - Insuficiência Cardíaca (IC) e isquemia miocár-
dica - Fibrose cística;
- Obstrução de via aérea pós-extubação.
A VM determina a redução do consumo de oxigênio sis-
Síndrome de hipoventilação
têmico por redução do trabalho respiratório, aspecto vanta-
joso no paciente isquêmico ou em IC por melhorar a oferta - Apneia do sono (central ou obstrutiva).

30
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

Insuficiência cardíaca B - IPPV


- Edema agudo/ICC refratária. Ventilação com pressão positiva intermitente.
Desmame

MEDICINA INTENSIVA
- Pós-extubação; C - PSV
- Extubação precoce; Ventilação com pressão de suporte com uso de venti-
- Outras situações. ladores mecânicos conectados à máscara de VNI. Colabora
para um repouso relativo da musculatura respiratória, evi-
tando a fadiga, sendo útil, portanto, nas descompensações
do DPOC.

D - BiPAP
Pressão positiva bifásica nas vias aéreas; ciclado a tem-
po, esse modo ventilatório aplica 2 níveis de pressão na via
aérea (EPAP – pressão positiva expiratória e IPAP – pressão
positiva inspiratória). É bem tolerado pelos doentes. Deve
ser acoplado à face do paciente com máscara própria, e ini-
ciado com níveis de IPAP de 15 a 25cmH2O para obtenção
de volumes superiores a 350mm e frequências respiratórias
inferiores a 28irpm. É uma boa alternativa para os pacientes
com DPOC.
Figura 16 - Máscara facial de VNI Tabela 8 - Contraindicações de VNI
Absolutas
- Instabilidade hemodinâmica/arritmias;
- Insuficiência coronariana aguda;
- Hemorragia digestiva alta ou vômitos;
- Trauma ou cirurgia de face/seios paranasais;
- Pneumotórax não drenado;
- Não cooperação do paciente;
- Ausência/depressão do estímulo respiratório.
Relativas
- Necessidade de altas frações de FiO2;
- Obesidade mórbida;
- Má adaptação à máscara;
- Agitação psicomotora que necessita de sedação;
- Gravidez.

As 4 principais situações em que a ventilação não inva-


siva foi estudada são: para DPOC descompensada, edema
agudo de pulmão e insuficiência respiratória em pacientes
Figura 17 - Aparelho de VNI imunocomprometidos, além do desmame ventilatório. Os
critérios para selecionar os pacientes para ventilação mecâ-
nica, definidos pela American Respiratory Care Foundation
Tabela 7 - Principais indicações de VNI
Consensus Conference: noninvasive positive pressure venti-
- Diminuição do trabalho respiratório (asma, DPOC); lation, são os seguintes:
- Desmame de ventilação mecânica;
a) Sintomas e sinais de desconforto respiratório agudo
- Melhora da mecânica ventilatória (SDRA e desmame);
Dispneia moderada ou grave, acima do padrão usual em
- Edema agudo de pulmão e ICC refratária (diminuição de pré-
pacientes com insuficiência respiratória crônica, e frequên-
-carga e pós-carga ventricular);
cia respiratória acima de 24irpm (maior que 30 a 35irpm,
- Obstrução de vias aéreas (apneia do sono);
nos casos de insuficiência respiratória aguda hipoxêmica),
- Prevenção de complicações respiratórias em pacientes acama- uso de músculos acessórios da ventilação, respiração para-
dos e em pós-operatório. doxal (assincronia toracoabdominal).

31
MEDI C I N A I NTENSIV A

b) Anormalidades das trocas gasosas o chamado sucesso de extubação. Dizemos que houve su-
- PaCO2 >45mmHg, pH <7,35; cesso quando o paciente consegue se manter em respira-
- PaO2/FIO2 <200 (nos casos de insuficiência respiratória ção espontânea (sem o tubo endotraqueal) por mais de 48
aguda hipoxêmica). horas, sem a necessidade de reintubação. Outros conceitos
importantes são o de falência de desmame e falência de
Em DPOC, especificamente, estudos recentes sobre VNI extubação. A falência de desmame é definida como a inca-
demonstraram benefício nesse grupo de pacientes, com 2 pacidade de tolerar a respiração espontânea sem o suporte
meta-análises indicando benefícios em pacientes seleciona- ventilatório, ainda com o tubo traqueal locado. A falência
dos; o benefício em redução de mortalidade é conclusivo de extubação ocorre quando o paciente não consegue se
apenas para pacientes com DPOC. Uma dessas meta-análi- manter em ventilação espontânea por mais de 48 a 72 ho-
ses separou os efeitos de mortalidade, a redução de intuba- ras da extubação, com necessidade de reintubação.
ção e o tempo de internação em 3 grupos: total de pacien- Dentre os pacientes submetidos à VM, há um grupo de
tes (a maioria, DPOC), pacientes de estudos que incluíram doentes que apresentará o chamado desmame difícil, isto
apenas DPOC, e pacientes de estudos que incluíram DPOC é, não suportam a diminuição rápida dos parâmetros do
e não DPOC. As Tabelas a seguir sumarizam tais resultados: ventilador, e alguns deles permanecerão em VM indefini-
damente. As causas geralmente associadas ao desmame
Tabela 9 - Meta-análise de VNI para DPOC difícil são:
Necessidade de IOT RR = 0,42 - Doença cardiorrespiratória preexistente, descompen-
sada por cirurgia ou por doença aguda;
Mortalidade RR = 0,41
- Doença clínica grave, determinando disfunção de múl-
Complicações Diminui tiplos órgãos;
Dias no hospital Diminui - Doença neuromuscular.
Melhora troca gasosa Mais rápida O desmame deve ser iniciado quando a doença de base
Falência de tratamento Diminui estiver estabilizada ou em remissão; essa medida não vale
em caso de vigência de piora clínica do paciente. Não existe
IOT = Intubação orotraqueal
uma regra imutável para a progressão do desmame do ven-
tilador. Geralmente, inicia-se pela redução da frequência
Tabela 10 - Meta-análise de VNI respiratória do ventilador e do volume controlado, ou da
Total DPOC Misto pressão de suporte/controlada que estiver sendo aplicada
Redução de IOT 19% 18% 20% ao doente, associada à redução progressiva da FiO2. Deve-
Redução de mortali- -se sempre observar a resposta do paciente.
8% 13% 0%
dade
Redução de dias no -5,66
A - Desmame em algumas patologias
-2,74 dias Não significante
hospital dias a) DPOC: a fisiopatologia do desmame na DPOC envol-
ve um processo de inatividade da musculatura respiratória
15. Desmame ventilatório pela VM, que pode seguir-se de hipotrofia da musculatura
e consequente falha do desmame. Auto-PEEP, estados de
Dependendo das condições clínicas e do motivo que de- hipersecreção brônquica (infecção), tosse ineficaz, hiper-
terminou a intubação, o paciente em VM que suporta um tensão pulmonar, disfunção ventricular direita ou esquerda
breve período de ventilação espontânea (geralmente de 30 e desnutrição podem colaborar para a falha do desmame.
minutos a 2 horas), ainda intubado ou traqueostomizado, b) Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo
pode ter a VM interrompida (o tubo endotraqueal pode (SDRA): deve ser iniciado assim que a melhora das trocas
ser retirado). Quando esse período não é bem tolerado, o gasosas permitir. A resolução para fibrose pulmonar, a neu-
paciente passa por um período de retirada progressiva do romiopatia do doente grave e infecções pulmonares podem
suporte ventilatório: é o chamado desmame do ventilador. retardar o desmame.
O desmame possui 4 fases: desmame da pressão positi- c) Trauma raquimedular: geralmente, lesões cervicais
va, desmame da PEEP, desmame do tubo endotraqueal e acima de C4 são determinantes de VM definitiva. Lesões
desmame do oxigênio suplementar. Todas as fases podem abaixo desse nível podem determinar situações de desma-
ser realizadas simultânea ou isoladamente, a depender da me difícil.
resposta do paciente. O sucesso do desmame ventilatório d) Insuficiência cardíaca: a retirada da pressão positiva
é definido como a independência por mais de 48 horas da em via aérea determina o aumento da pré e da pós-carga,
ventilação mecânica, porém, o paciente ainda se encontra além do acréscimo do consumo de oxigênio pelo aumento
com o tubo traqueal. Caso o paciente obtenha o sucesso no do trabalho respiratório, nem sempre compensado pelo do-
desmame, ele poderá ser extubado, podendo ou não obter ente com reserva cardíaca limitada.

32
VENTILAÇÃO MECÂNICA E DESMAME VENTILATÓRIO

B - Fisiologia do desmame PSV, mantendo-se o paciente com pressão de suporte de


7cmH2O por 30 minutos a 2 horas. Para o TER também po-
O sucesso do processo de desmame ventilatório nos
doentes com desmame difícil depende da habilidade de demos utilizar o CPAP. Pacientes que “passam” pelo TER,

MEDICINA INTENSIVA
os músculos respiratórios sustentarem, por longo período, ou seja, toleram esta desconexão no tempo descrito sem
a ventilação espontânea. Isso depende das características apresentar desconforto respiratório ou descompensações
de força (capacidade de desenvolver movimento a partir hemodinâmicas, possuem maior chance de sucesso em seu
de contração muscular efetiva) e da resistência muscular desmame.
(capacidade de exercer força por períodos prolongados de Algumas condições para considerar o desmame da ven-
tempo), além do controle adequado da respiração. Algumas tilação mecânica encontram-se na Tabela 11.
técnicas, como períodos progressivamente maiores de ven-
tilação em tubo T ou diminuição progressiva da pressão de Tabela 11 - Condições para considerar o desmame da VM
suporte, determinam a melhora da força e da resistência Parâmetros Níveis requeridos
muscular.
Evento que causou o início Controle ou reversibilidade do
da ventilação mecânica processo
C - Parâmetros clínicos e fisiológicos do desmame
Presença de estímulo res-
Sim
Para o início do processo de desmame, é necessário que piratório
a doença de base esteja revertida ou controlada. Os crité- Correção ou estabilização do débi-
Avaliação hemodinâmica
rios para definir esse momento são subjetivos; no entanto, to cardíaco
outros mais objetivos podem auxiliar na determinação do Equilíbrio ácido-básico 7,3 maior e pH menor 7,5
momento de desmame: estabilidade hemodinâmica, oxige- PaO2 maior que 60mmHg com FiO2
nação adequada, drive respiratório presente e descontinu- Troca gasosa menor que 0,40 e PEEP menor que
ação de sedação contínua. 5cmH2O
Existem alguns índices preditivos de sucesso do proces- Balanço hídrico Correção da sobrecarga hídrica
so de desmame: Eletrólitos séricos Valores normais
a) Estabilidade cardiovascular: a musculatura diafrag- Intervenção cirúrgica pró-
Não
mática necessita de um débito cardíaco adequado para o xima
seu funcionamento.
Quando o paciente falha no processo de desmame, em
b) Estabilidade da mecânica respiratória: ausência de
geral, há uma causa identificável que justifique tal resulta-
broncoespasmo, edema pulmonar, atelectasias e secreções.
do. As causas mais comuns estão listadas na Tabela 12.
c) Estabilidade das trocas gasosas: o paciente deve ser
capaz de obter uma SatO2 acima de 90% com FiO2 de 40% Tabela 12 - Causas de intolerância à ventilação espontânea
ou menos. - Distúrbio hidroeletrolítico;
d) Volume-minuto: dado pelo produto do volume cor- - Distúrbio ácido-básico;
rente pela frequência respiratória; valores acima de 15L/ - Infecção não controlada;
min estão associados à falência do desmame. - Alterações cardiovasculares com isquemia miocárdica;
e) Índice de Tobin: esse autor descreveu o índice que re- - Alteração neurológica;
laciona a Frequência Respiratória e o Volume Corrente (FR/ - Dor;
VC); valores acima de 105irpm/L estão associados à maior -Desnutrição;
probabilidade de falência respiratória. É o melhor índice - Privação do sono noturno.
preditor de falência ou de sucesso do desmame.
f) Pressão Inspiratória Máxima (PIMáx): valores de PI- 16. Resumo
Máx abaixo de -20cmH2O em uma inspiração forçada volun-
tária estão associados ao maior sucesso no desmame. Quadro-resumo
g) Teste de Respiração Espontânea (TRE): o paciente é - A ventilação mecânica é uma medida de suporte para casos de
insuficiência respiratória;
desconectado do ventilador mecânico e deve ser ofereci-
do ao mesmo oxigênio suplementar, com o objetivo de se - A ventilação mecânica pode ser parte do tratamento de certos
manter uma SatO2 acima de 90% e com uma FiO2 de 40% ou grupos de pacientes, como acontece na Síndrome do Desconforto
Respiratório Agudo (SDRA), na asma e na DPOC;
menos. O paciente permanece com o tubo traqueal duran-
te o procedimento. O TER pode ser feito por meio da ne- - É necessário seguir alguns conceitos básicos no manejo da ven-
bulização pelo tubo T (cânula traqueal acoplada à peça em tilação mecânica, principalmente para evitar lesão pulmonar
T para nebulização por 30 minutos a 2 horas), pelo modo induzida por esse tipo de suporte;

33
MEDI C I N A I NTENSIV A

- O médico que vai cuidar do paciente necessita tomar algumas


precauções, conhecer o aparelho que está operando e as parti-
cularidades do doente e sua doença;
- Como regra geral, o médico deve evitar altas pressões e altos
volumes em vias aéreas. A ventilação deve ser operada de
modo que o paciente sinta-se confortável, evitando pressão de
platô superior a 30cmH2O. O volume corrente deve situar-se
entre 6 e 8mL/kg de peso ideal;
- Não existe modo ventilatório superior; ele deve ser escolhido
pelo médico de acordo com sua familiaridade e experiência,
desde que sejam respeitados os limites de lesão induzida pela
ventilação mecânica;
- O objetivo da VM é manter a oxigenação do paciente com o
mínimo possível de suporte mecânico. Como regra geral, a sa-
turação de oxigênio deve ser superior a 90%, e a PaO2, superior
a 60mmHg;
- A ventilação na SDRA compreende uma estratégia protetora,
que limita as pressões em via aérea com platô <30cmH2O, e uso
de volume corrente baixo (entre 4 e 6mL/kg). Pode ser neces-
sário o uso de altas PEEPs, e a hipercapnia permissiva deve ser
tolerada;
- O desmame da ventilação mecânica deve acontecer progres-
sivamente, com a reversão da causa que levou o paciente ao
quadro de insuficiência respiratória;
- A extubação pode ser realizada após um teste de respiração
espontânea;
- A Ventilação Não Invasiva (VNI) é uma alternativa para o tra-
tamento de insuficiência respiratória em certos grupos de pa-
cientes, devendo-se obedecer às indicações e às contraindica-
ções do método;
- A VNI mostrou-se bastante eficaz em 3 grupos de pacientes:
DPOC descompensado, edema agudo de pulmão e insuficiên-
cia respiratória em imunodeprimidos. Existem dados promis-
sores, também em VNI, após a extubação de pacientes de alto
risco.

34
CAPÍTULO

4
Distúrbio do equilíbrio ácido-básico
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução mudança no pH de 7,2 para 7,4, muito embora a variação


absoluta de 0,2 seja a mesma em ambas as situações.
Doenças sistêmicas estão frequentemente associadas
a distúrbios no equilíbrio ácido-básico. Em algumas situa-
ções, essas alterações podem resultar em risco de morte, 2. Controle respiratório e metabólico do
caso não sejam identificadas precocemente e adequada- equilíbrio ácido-básico
mente tratadas. Portanto, torna-se imprescindível o reco-
A relação entre o dióxido de carbono (CO2) e o H+ pode
nhecimento precoce dos desequilíbrios ácido-básicos e o
ser representada pela equação de dissociação do ácido car-
tratamento das complicações. Em terapia intensiva, 90%
bônico:
dos pacientes têm algum distúrbio ácido-básico.
O metabolismo do organismo produz ácidos. Citaremos CO2 + H2O ' H2CO3 ' H+ + HCO3-
alguns exemplos:
- Metabolismo dos lipídios: produção de ácidos graxos; De acordo com tal reação, aumentos na concentração de
- Metabolismo das proteínas: produção dos aminoácidos; hidrogênio [H+] fazem com que a reação se desloque para a
- Metabolismo dos carboidratos: produção de ácido pi- esquerda e, do mesmo modo, diminuições na concentração
rúvico; de hidrogênio [H+] levem ao desvio da reação para a direita.
- Exercícios físicos: produção de ácido lático. Há uma estreita relação entre a pressão parcial do
CO2 (pCO2) e o pH. Para cada elevação aguda da pCO2 de
Ácidos são definidos como substâncias que, em solução, 10mmHg acima ou abaixo de 40mmHg, o pH deve variar
dissociam-se em íons H+ e em ânions (Cl-, SO4-2). Bases, por em, aproximadamente, 0,07 a 0,08 unidade.
sua vez, são substâncias que, em solução, se combinam A pCO2 está diretamente relacionada com a ventilação
com H+ e o removem do meio. Pela definição de Lewis, áci- alveolar, o que torna possível corrigir, de forma rápida, alte-
do é um potencial receptor de um par de elétrons, e base é rações no pH de origem respiratória aumentando ou redu-
um potencial doador de um par de elétrons. A maioria das zindo a ventilação alveolar.
alterações ácido-básicas tem origem no interior da célula, e O organismo trabalha com sistemas tampão (Tabela
exteriorizam-se por meio de distúrbios na composição do 1) para manter a homeostase em seus diversos comparti-
líquido extracelular. Os valores normais do pH no sangue mentos. Tampões são substâncias capazes de remover ou
arterial (meio extracelular) variam entre 7,35 a 7,45, no in- restituir íons H+ de acordo com a necessidade, mantendo a
tracelular, o valor do pH varia entre 7 e 7,2. A relação entre composição do líquido extracelular e impedindo variações
o pH e a concentração de íons H+ é feita em escala logarít- abruptas no pH. Geralmente, os tampões são formados
mica, de modo que variações discretas nos valores de pH por um ácido fraco e seu respectivo sal, ou por uma base
expressam grandes oscilações na concentração de H+. Por igualmente fraca e seu sal correspondente. Alterações no
exemplo, uma mudança no pH de 7 para 7,2 representa va- sistema extracelular provocam modificações no sistema in-
riação mais significativa na concentração de H+ do que uma tracelular e, após algum tempo, no sistema ósseo, levando

35
MEDI C I N A I NTENSIV A

o organismo a um estado de equilíbrio. O bicarbonato é o Ânion-gap = Na+ - (Cl- + HCO3-)


principal tampão presente no líquido extravascular.
O valor normal do ânion-gap é entre 8 e 12.
Tabela 1 - Principais sistemas tampão do organismo
Aumentos no ânion-gap acima de 12mEq/L, representam
- Bicarbonato (principal tampão); acúmulo de ânions não mensuráveis. Acidose metabólica
Tampões do
- Proteínas (principalmente a albumina); associada a um ânion-gap normal, pode ocorrer devido ao
extracelular
- Fosfato. aumento na concentração de Cl- (acidose hiperclorêmica).
- Fosfato (orgânico e inorgânico, sendo este Outra definição importante é a de excesso de bases ou
último o principal tampão); base excess, que corresponde à quantidade de ácido ou
Tampões do - Bicarbonato; base necessárias para adicionar em uma amostra de san-
intracelular
- Proteínas; gue in vitro, restabelecendo o pH da amostra para 7,40, en-
- Hemoglobina (para hemácias). quanto a PaCO2 é mantida em 40mmHg.
Basicamente com fosfato e cálcio, alterações
Tampão ósseo
crônicas podem provocar uma remodelação 3. Diagnóstico laboratorial dos distúrbios
óssea devido à “necessidade” do organismo
em manter sua homeostase. ácido-básicos
Quando ocorrem as alterações ácido-básicas, primeira-
mente ocorre um distúrbio primário (variações das concen-
trações de HCO3 ou CO2). Tais variações são detectadas por
quimiorreceptores periféricos, com consequente alteração
da ventilação pulmonar. Além disso, as concentrações de
íons hidrogênio e de bicarbonato são reguladas pela excre-
ção urinária, ou seja, o rim também alterará a excreção des-
sas substâncias a depender do desequilíbrio ácido-básico
presente. O organismo, então, lança mão dos mecanismos
compensatórios, que são distúrbios secundários que vi-
sam à conservação do pH em níveis próximos dos normais.
Órgãos como pulmões e rins atuam nessa fase, além dos
sistemas tampão. A ventilação alveolar é inversamente re-
lacionada com mudanças na PaCO2 arterial e diretamente
proporcional ao PCO2 produzido. Em relação ao rim, temos
que tal órgão possui 2 importantes funções: a reabsorção
do bicarbonato filtrado e a excreção dos ácidos não volá-
teis. De forma geral, após uma alteração no equilíbrio áci-
do-básico ocorrem:
- Resposta imediata: feita pelo sistema tampão (tampo-
namento), responsável pelo controle do pH em curto
tempo;
- Resposta respiratória: por meio da alteração na venti-
lação, na qual ocorre após minutos a horas;
- Resposta renal: por meio da alteração na excreção de
bicarbonato, na qual leva horas a dias para ocorrer.

O diagnóstico correto de distúrbios do metabolismo


Figura 1 - Diferentes sistemas-tampão ácido-básico envolve a análise detalhada da gasometria ar-
terial. A análise do pH pode revelar:
Em geral, alterações na concentração de bicarbonato,
acima ou abaixo do valor normal (24mmol/L), refletem alte-
- Acidemia: pH abaixo de 7,35, que indica que o sangue
está com pH acidótico;
rações de origem metabólica. Na avaliação do componente
metabólico do equilíbrio ácido-básico, é importante calcu- - Alcalemia: pH acima de 7,45, que indica que o sangue
lar o chamado ânion-gap (subtração entre ânions e cátions está com pH alcalótico.
não mensuráveis): O fato de o pH estar fora da faixa de normalidade reve-
Numa situação de equilíbrio, temos que: la a existência de distúrbios no metabolismo ácido-básico;
Na+ + K+ + cátions não mensuráveis = Cl- + HCO3- + ânions porém, o fato de haver acidemia não necessariamente leva
não mensuráveis. à existência de acidose pura. Podem coexistir 2 ou mesmo

36
DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO -BÁSICO

3 distúrbios associados. A correta interpretação do equilí- Variáveis Valores normais


brio ácido-básico envolve a análise do quadro clínico e dos Cloro 95 a 105
exames laboratoriais com o máximo de cuidado, além da
Ânion-gap 10 ± 2mEq/L
correta aplicação de conceitos:

MEDICINA INTENSIVA
∆ ânion-gap/∆[HCO3-] 1 a 1,6
- Acidose: processo em que há excesso de ácido ou falta
de base; existe a tendência de diminuição do pH, mas Osmolalidade estimada 290 ± 5mOsm/kg de H2O
este pode estar normal, a depender da associação de Gap osmolar Até 10mOsm/kg
distúrbios que possa estar acontecendo;
- Alcalose: processo em que há excesso de base ou falta 4. Abordagem sistemática para diagnósti-
de ácido; existe a tendência de aumento do pH, mas
este pode ser normal quando houver associação de
co dos distúrbios ácido-básicos
distúrbios. Antes de iniciarmos tal abordagem, devemos nos lem-
brar do que são distúrbios primários, secundários e mistos.
O componente respiratório é analisado pelas variações
Os primários correspondem às alterações nas concentra-
da pCO2 em torno do valor normal de 40±5mmHg. Uma
ções de CO2 ou de HCO3, que, se não corrigidas, levarão à
pCO2 acima de 45mmHg sugere acidose respiratória; se
alteração no pH; os secundários são os mecanismos com-
abaixo de 35mmHg, sugere alcalose respiratória.
pensatórios dos distúrbios primários, e os distúrbios mistos
A avaliação do componente metabólico considera as
ocorrem nos casos de 2 ou mais distúrbios primários con-
interações normais entre a pCO2 e o bicarbonato, estabe-
comitantes. A Tabela 3 mostra as respostas compensatórias
lecidas pela equação de dissociação do gás carbônico. Nos
esperadas para cada distúrbio.
distúrbios respiratórios crônicos, o rim tende a reter ou eli-
minar HCO3; e um aumento de cerca de 4mEq/L ou uma Tabela 3 - Respostas compensatórias esperadas para cada distúrbio
redução de 6mEq/L no bicarbonato sérico é esperado para Distúrbio Distúrbio Magnitude da
cada elevação ou queda na pCO2 de 10mmHg, acima ou primário secundário compensação esperada
abaixo do valor normal de 40mmHg. Acidose meta- Alcalose Para cada ↓ 1mEq/L do bic há
Os distúrbios respiratórios agudos têm variações espe- bólica respiratória ↓ 1,2mmHg da PaCO2
radas menores, com uma oscilação em torno de 1 a 2mEq/L
Acidose
no bicarbonato sérico, para cada elevação ou queda da Alcalose meta- Para cada ↑ 1mEq/L do bic há
respirató-
pCO2 de 10mmHg, acima ou abaixo do valor normal de bólica ↑ 0,6mmHg da PaCO2
ria
40mmHg. Variações mais acentuadas do bicarbonato em
- Para cada ↑10mmHg da
distúrbios respiratórios crônicos devem-se à compensação Acidose respi-
Alcalose PaCO2 há ↑1mEq/L do bic;
renal mais eficaz em reter ou eliminar bicarbonato. Quan- ratória aguda/
metabólica - Para cada ↑10mmHg da
do, na presença de distúrbios respiratórios agudos ou crô- crônica
PaCO2 há ↑4mEq/L do bic.
nicos, encontramos valores do bicarbonato diferentes dos
esperados utilizando a regra anterior, devemos interpretá- - Para cada ↓10mmHg da
Alcalose respi-
-los como expressão de distúrbios ácido-básicos mistos (as- Acidose PaCO2 há ↓2mEq/L do bic;
ratória aguda/
sociação do componente metabólico e respiratório). metabólica - Para cada ↓10mmHg da
crônica
Distúrbios no equilíbrio ácido-básico ocorrem em uma PaCO2 há ↓5mEq/L do bic.
ampla variedade de doenças graves e estão entre as alte-
A sequência de perguntas a seguir visa ao auxílio na
rações laboratoriais mais frequentemente observadas na
análise dos distúrbios ácido-básicos, utilizando a gaso-
terapia intensiva. Na avaliação dos desequilíbrios ácido-bá-
metria e dados de eletrólitos plasmáticos. Esses passos
sicos, a ênfase deve ser sempre na identificação dos fatores
são baseados em princípios fisiológicos, e requerem uma
causais. Corrigindo-se a causa, as variações do pH tenderão noção elementar de tais princípios para sua compreen-
a normalizar-se, sem necessidade do emprego de medidas são.
específicas para corrigi-las.
Tabela 2 - Valores considerados normais A - Existe acidemia ou alcalemia?
Variáveis Valores normais A acidemia é definida por pH baixo no sangue; enquanto
pH 7,4 ± 0,05 a alcalemia é definida por pH alto no sangue; portanto, para
PO2 96 - 0,4 x idade defini-las, necessitamos de Gasometria Arterial (GA). O pH
mensurado na GA identifica o distúrbio como alcalêmico ou
PCO2 40 ± 5mmHg
acidêmico:
HCO3- 24 ± 2mEq/L
- pH do sangue arterial normal: 7,4 ± 0,05;
BE 0 ± 2,5
- Acidemia: pH <7,35;
Saturação de O2 ≥94% - Alcalemia: pH >7,45.
37
MEDI C I N A I NTENSIV A

B - O distúrbio primário é respiratório ou meta- Tabela 5 - Respostas compensatórias nos diferentes distúrbios
bólico? ácido-básicos
Fórmulas para distúrbios metabólicos
Essa pergunta requer um passo prévio para determinar
- Acidose metabólica: PCO2 = [(1,5 x bic) +8] ± 2;
se o distúrbio afeta primariamente a PaCO2 arterial ou o
HCO3- sérico. Um distúrbio respiratório altera a PaCO2 arte- - Alcalose metabólica: ΔPCO2 = 0,6 x Δ Bic;
rial (valor normal de 35 a 45mmHg); quando esse distúrbio Fórmulas para distúrbios respiratórios
está presente, deve-se partir para a 3ª pergunta (item C). O - Agudos: habitualmente, em um distúrbio respiratório agudo, o
pH estará sempre mais próximo do distúrbio primário, inde- bicarbonato não varia mais do que 3 a 5mEq/L;
pendentemente da compensação. - Acidose: Δ bic = 0,1 x ΔPCO2;
Um distúrbio metabólico altera o HCO3- sérico (valor - Alcalose: Δ bic = 0,2 x ΔPCO2;
normal de 22 a 26mEq/L). Se o HCO3- tem valor menor Crônicos
do que 22mEq/L, uma acidose metabólica está presente,
- Acidose: Δ bic = 0,4 x ΔPCO2;
devendo-se seguir para a 4ª pergunta (item D). Se o HCO3-
- Alcalose: Δ bic = 0,4 a 0,5 x ΔPCO2.
tem valor acima de 26mEq/L, uma alcalose metabólica está
presente, devendo ocorrer uma compensação respiratória. Essas relações serão mais bem discutidas a seguir, quan-
A 6ª pergunta define se essa compensação é adequada ou do tentaremos identificar as diferentes respostas adaptati-
não (item F). vas dos indivíduos.
Para o cálculo do pH existe a equação de Henderson-
-Hasselbach, que fornece a base do relacionamento entre o D - Para uma acidose metabólica, o ânion-gap
pH plasmático, a PaCO2 e HCO3-. Ela se baseia no cálculo da está normal ou aumentado?
constante de equilíbrio (k) da equação:
O cálculo do Ânion-Gap (AG) simplifica o diagnóstico
CO2 + H2O ↔ H+ + HCO3-
da causa determinante da acidose metabólica, e seu valor
K = [H⁺] x [HCO3⁻]/[CO2]
normal é de 8 a 12mEq/L. O AG representa a diferença cal-
[H⁺] = K x [CO2]/[HCO3⁻]
culada entre os cátions e os ânions dos eletrólitos medi-
dos no plasma. O total de cátions medidos é representado
pH= pK + log[HCO3⁻]/[CO2] pelo sódio plasmático, e é maior do que os ânions medi-
dos, representados pelo HCO3- e Cl-. Analisando de outro
Tal equação é a base para todos os conhecimentos so- ponto de vista, o AG também representa a concentração
bre os desequilíbrios ácido-básicos. de ânions não mensuráveis. Esta domina o balanço entre
A Tabela 4 sumariza as alterações das variáveis gasomé- os ânions não mensuráveis e os cátions, como ilustrado na
tricas nos diferentes distúrbios do equilíbrio ácido-básico. Tabela 6:

Tabela 4 - Distúrbios ácido-básicos simples Tabela 6 - AG reflete ânions não mensuráveis e cátions
Distúrbios pH Bicarbonato pCO2 Ânions não mensuráveis Cátions não mensuráveis
Acidose metabólica Diminui Diminui Diminui - Proteínas, principalmente a
albumina (15mEq/L); -
Alcalose metabólica Aumenta Aumenta Aumenta
Acidose respiratória Diminui Aumenta Aumenta - Ácidos orgânicos (5mEq/L); - Cálcio (5mEq/L);

Alcalose respiratória Aumenta Diminui Diminui - Fosfato (2mEq/L); - Potássio (4,5mEq/L);


- Sulfatos (1mEq/L). - Magnésio (1,5mEq/L).
C - O distúrbio respiratório existente é crônico ou Total: 23mEq/L Total: 11mEq/L
agudo?
Raramente os ânions não mensuráveis alteram-se o bas-
Uma acidose respiratória resulta do acúmulo de PaCO2, tante para prejudicar a interpretação do intervalo do AG.
e uma alcalose respiratória resulta da hiperventilação, de- Assim, o conhecimento dos ânions não mensuráveis não é
terminando uma PaCO2 baixa. Para distúrbios agudos, uma necessário para o cálculo do AG. No entanto, a compreen-
variação de 10mmHg na PaCO2 é acompanhada por uma va- são desse conceito é necessária para o reconhecimento de
riação de 0,08 no pH. Um distúrbio crônico reflete trocas de situações raras em que o AG está alterado por outras razões
HCO3- mediadas pelo rim; essa compensação renal requer que não a acidose metabólica.
várias horas para se desenvolver, e é máxima depois de 4 As causas de uma acidose com AG alterado diferem da-
dias. Portanto, durante distúrbios crônicos, uma variação quelas com acidose com AG normal. A determinação do AG
de 10mmHg na PaCO2 é acompanhada de pequenas altera- é uma ferramenta excelente para reduzir a lista de causas
ções no pH, em torno de 0,02 a 0,03; além disso, a correção potenciais de uma acidose metabólica. O cálculo simplifi-
renal traz o pH próximo do seu valor normal, mas não o cado é mostrado a seguir, e requer a dosagem dos valores
corrige completamente. plasmáticos do Na+, C- e HCO3-:

38
DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO -BÁSICO

AG = Na+ – (Cl- + HCO3-) associada de acidose metabólica com ânion-gap normal, e


acidose metabólica com AG aumentado.
- Acidose metabólica com AG alterado: AG >12; Outra forma utilizada para verificar a concomitância de
- Acidose metabólica com AG normal: 8 a 12. distúrbios ácido-básicos é a verificação do bicarbonato cor-

MEDICINA INTENSIVA
rigido por meio da seguinte fórmula:
E - Existem outros distúrbios metabólicos coe- HCO3- corrigido = HCO3- + (AG – 12)
xistindo com uma acidose de AG alterado?
Uma acidose metabólica com AG normal ou uma alcalo- Quando a correção do HCO3- varia significativamente
se metabólica pode coexistir com uma acidose de AG alar- acima ou abaixo de 24, há um distúrbio misto metabólico.
gado. Essa determinação requer a quantificação do quanto Para ser mais específico, se o HCO3- é maior que 24, uma
o AG aumentou, e qual foi a variação adicional do HCO3- que alcalose metabólica coexiste; se o HCO3- corrigido é menor
ocorreu. Para isso, introduziremos alguns novos conceitos, que 24, uma acidose metabólica com AG normal coexiste.
como a variação do AG (ou delta AG), e variação do bicarbo- Por exemplo, um paciente com uma acidose metabólica
nato (ou delta-bicarbonato). de AG alargado apresenta HCO3- de 10mEq/L e um AG de
O delta AG é definido pela seguinte fórmula: 26. No cálculo de correção do HCO3-, se o valor encontrado
é de 24, determina-se a não existência de outro distúrbio
Δ ânion-gap = ânion-gap encontrado - 10 associado. Se o paciente tivesse um HCO3- de 15 e um AG
de 26, então o HCO3- corrigido calculado seria 29, um valor
O delta bicarbonato, por sua vez, é definido por: significativamente maior do que 24. Conclui-se então, que
Δ [HCO3-] = 24 – bicarbonato encontrado uma alcalose metabólica coexiste com uma acidose de AG
alargado.
A partir dessas definições, podemos estabelecer a rela-
ção entre a variação do AG e a variação do bicarbonato: F - O grau de compensação pelo sistema respira-
tório para o distúrbio metabólico é normal?
Δ ânion-gap / Δ [HCO3-] = (ânion-gap encontrado - 10
24 – bicarbonato encontrado) O sistema respiratório responde rapidamente para a
compensação de um distúrbio metabólico, principalmente
Os indivíduos podem apresentar mais de 1 distúrbio para a acidose metabólica. A mudança na PaCO2 exibe uma
metabólico. Um paciente com cetoacidose pode acumular correlação linear com a mudança no HCO3-. A equação que
cetoácidos, e ainda apresentar vômitos que podem levar prevê a resposta respiratória para uma acidose metabólica,
à alcalose metabólica. A combinação dessas 2 condições é chamada de fórmula de Winter:
pode, ainda, levar a situações em que o pH, o bicarbonato PaCO2 esperado = [(1,5 x BIC) + 8] ± 2
e o PCO2 estejam normais e, não obstante, o doente apre-
sente um distúrbio ácido-básico misto (acidose metabólica No caso de uma acidose metabólica simples, a PaCO2
com alcalose metabólica). medida cairá dentro do valor previsto pela fórmula de Win-
Em pacientes com acidose metabólica ocorre uma dimi- ter. Se um distúrbio respiratório está ocorrendo concomi-
nuição do bicarbonato. Para manter a eletroneutralidade tantemente com a acidose metabólica, isso poderia ser de-
ou haverá aumento do cloro, ou, necessariamente, um au- finido pela direção em que a PaCO2 varia fora da faixa pre-
mento do AG. Dessa forma, há 2 tipos de acidose metabó- vista pela fórmula de Winter, e não pela variação da PaCO2
lica: acidose hiperclorêmica e acidose por aumento do AG. do valor normal de 40. Por exemplo, se o HCO3- sérico é de
Na vigência de um AG aumentado, especialmente quando 10mEq/L, a PaCO2 deveria estar entre 21 e 25mmHg, se-
o AG >25, é provável que exista acidose metabólica por au- gundo a fórmula de Winter. Se a PaCO2 medida está fora
mento do AG. dessa faixa, um distúrbio respiratório adicional deve estar
Assim, utilizamos a relação Δ AG/Δ [HCO3-] para diagnos- ocorrendo simultaneamente. Se a PaCO2 é menor que 21,
ticarmos a ocorrência de mais de 1 distúrbio metabólico: então o distúrbio adicional é uma alcalose respiratória. Se a
a) Δ AG/Δ [HCO3-] entre 1 e 2: toda a variação do bicar- PaCO2 é maior que 25, o distúrbio adicional é uma acidose
bonato é explicada pela variação do AG; tem-se uma acido- respiratória. A fórmula de Winter não é capaz de prever a
se metabólica com AG aumentado, isoladamente. resposta respiratória para uma alcalose metabólica. Quan-
b) Δ AG/Δ [HCO3-] >2: a variação do AG é 2 vezes maior do presente, a resposta respiratória para alcalose metabó-
que a variação do bicarbonato; além da acidose por au- lica é a hipoventilação, mas o grau de aumento da PaCO2
mento do AG, há outro distúrbio metabólico que está au- não tem relação linear com o HCO3-. Duas regras gerais nor-
mentando o bicarbonato, ou seja, uma alcalose metabólica teiam a resposta respiratória para uma alcalose metabólica:
associada. o paciente pode aumentar voluntariamente a PaCO2 acima
c) Δ AG/Δ [HCO3-] <1: a variação do bicarbonato é maior de 40mmHg para compensar uma alcalose metabólica, mas
que a variação do AG; podemos diagnosticar a presença nunca acima de 50 a 55mmHg de PaCO2; voluntariamente,

39
MEDI C I N A I NTENSIV A

o paciente fica alcalêmico (pH >7,42) se a PaCO2 for elevada para compensar alcalose metabólica. Se o doente estiver acidê-
mico (pH <7,38), uma acidose respiratória adicional está associada.
A seguir, um algoritmo para a interpretação dos distúrbios ácido-básicos mais comuns. No entanto, vale ressaltar que
essa abordagem não explica todos os distúrbios possíveis encontrados nos pacientes, porém resolve grande parte dos pro-
blemas da prática clínica.

Figura 2 - Distúrbios ácido-básicos mais comuns

40
DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO -BÁSICO

Tabela 7 - Fórmulas para os cálculos das respostas compensatórias risco de barotrauma com a utilização de volumes e pressões
Distúrbio primário Fórmula da resposta compensatória de distensão menores, permitindo elevações controladas
na PCO2. Os estudos têm demonstrado que a “hipercapnia
PaCO2 esperado = 40-1,2(24-bic)
permissiva” é bem tolerada, e pode trazer benefícios em

MEDICINA INTENSIVA
Acidose metabólica Δ PaCO2= 1,2 x bic
PaCO2 esperado = 1,5 x bic + 8 (± 2); pacientes selecionados.
A Tabela 8 cita as principais causas de acidose respira-
PaCO2 esperado = 40+0,6(24-bic)
Alcalose metabólica Δ PaCO2= 0,6 x bic tória.
PaCO2 esperado = 0,9 x bic + 16 (±5);
Tabela 8 - Principais causas de acidose respiratória
Acidose respiratória Bic esperado = 24+0,1(PaCO2-40)
Mecanismos Causas
aguda Δbic = 0,1 x Δ PaCO2;
Deformidade da caixa torácica, distrofias
Acidose respiratória Bic esperado = 24+0,4(PaCO2-40)
Neuromuscular musculares, miastenia grave, poliomielite,
crônica Δbic = 0,4 x Δ PaCO2;
polimiosite, miopatia por corticosteroides.
Alcalose respiratória Bic esperado = 24-0,2(40-PaCO2)
Pulmonar Barotrauma, DPOC, SARA, pneumotórax.
aguda Δbic= 0,2 x Δ PaCO2;
Anestésicos, morfina, benzodiazepínicos,
Alcalose respiratória Bic esperado = 24-0,5(40-PaCO2)
Rebaixamento SNC AVC, infecção, quadro metabólico com
crônica Δbic = 0,5 x Δ PaCO2.
rebaixamento do nível de consciência.
Vias aéreas Asma, obstrução.
5. Desordens ácido-base específicas Hipercapnia permissiva, hipoventilação,
Outras
obesidade.
A - Acidose respiratória
B - Alcalose respiratória
Definida com uma PaCO2 >45mmHg, independente-
mente do pH. Definida como uma PaCO2 <35mmHg, independente-
Acidose respiratória resulta de hipoventilação, que se mente do pH. A alcalose respiratória resulta de hiperventi-
manifesta pelo acúmulo de CO2 e uma queda do pH no lação, que se manifesta por eliminação do excesso de CO2
sangue. A hipoventilação pode ser aguda ou crônica, sendo plasmático ocorrendo uma elevação no pH do sangue.
aguda aquela que ocorre em menos de 24 horas e crôni- Tabela 9 - Principais causas de alcalose respiratória
ca, em mais de 24 horas. Como mecanismo compensatório
Aguda
ocorre a retenção de bicarbonato. Exemplos de causas es-
- Ansiedade, histeria (síndrome da hiperventilação);
pecíficas podem ser:
- Depressão do sistema nervoso central (sedativos, do- - Dor;
ença do SNC, apneia do sono); - AVC;
- Doença pleural (pneumotórax); - Insuficiência hepática;
- Doença pulmonar (DPOC, pneumonia); - TEP;
- Desordens musculoesqueléticas (cifoescoliose, Guillain- - Edema pulmonar;
-Barré, miastenia grave, poliomielite, lesão medular - Hipóxia;
alta). - Febre;
- Sepse.
O tratamento nesses casos é dependente da causa es-
Crônica
pecífica. A acidose respiratória é caracterizada por aumento
na PCO2, e aumento compensatório na concentração sérica - Alta altitude;
de bicarbonato. A principal causa de acidose respiratória - Doença hepática crônica;
encontrada em UTI é doença pulmonar aguda ou crônica, - Trauma, tumores ou infecção do SNC;
com limitação na capacidade de ventilação alveolar relativa - Intoxicação crônica por salicilatos;
à produção de CO2. O tratamento da acidose respiratória - Gravidez;
é baseado na reversão dos distúrbios que culminaram em - Anemia grave.
redução na ventilação alveolar, promovendo aumento do
volume minuto e/ou redução do espaço morto. Para atingir Paciente apresentando quadros dolorosos pode evoluir
esse objetivo, é quase sempre necessária a intubação tra- com hiperventilação.
queal e o emprego de ventilação mecânica. Mais recente- O tratamento da causa de alcalose respiratória, muitas
mente, o conceito da chamada “hipercapnia permissiva” foi vezes, é suficiente para garantir a melhora do paciente. A
introduzido no manejo ventilatório de pacientes com asma alcalose respiratória ocorre quando a ventilação alveolar
grave e insuficiência respiratória aguda. O princípio está em está aumentada em relação à produção de CO2, e é carac-
limitar a distensão alveolar e, consequentemente, reduzir o terizada por uma redução na PCO2 arterial. A compensação

41
MEDI C I N A I NTENSIV A

renal é feita pela diminuição na excreção de ácidos e pelo Em pacientes com acidose metabólica leve, indepen-
aumento na excreção de bicarbonato. Essa alcalose é um dentemente se com AG normal ou aumentado, esta pode
dos distúrbios mais observados em UTI, e suas causas vão ser bem tolerada e, até mesmo, conferir certa vantagem
desde condições benignas até situações de grave risco de fisiológica ao facilitar a liberação de O2 da hemoglobina na
morte, cabendo ao intensivista ficar atento à presença de periferia; entretanto, em graus intensos de acidemia (pH
sinais que indicam sepse, doença pulmonar ou distúrbios <7,1), a contratilidade miocárdica pode ser deprimida, e
do sistema nervoso central. Os principais estímulos para ocorre diminuição da resistência periférica.
os centros respiratórios são a hipóxia, processos primários O tratamento desses pacientes depende da causa. Em
do SNC, vários hormônios e diversas toxinas. Nos pacientes certas acidoses com AG aumentado (por exemplo, na cetoa-
sob ventilação mecânica, a ventilação inadequada é a mais cidose e na acidose láctica), o próprio tratamento da condi-
importante e corrigível causa de alcalose respiratória. O tra- ção de base faz que os ânions orgânicos acumulados sejam,
tamento da alcalose respiratória é o tratamento da causa em horas, convertidos em bicarbonato. Isso já não ocorre
subjacente. Nos casos mais graves, em que a alcalose res- em acidoses hiperclorêmicas (por exemplo, na diarreia),
piratória soma-se a uma alcalose metabólica, como em pa- nem na acidose metabólica com AG aumentado da uremia,
cientes ventilados mecanicamente que faziam uso crônico em que é necessária a reposição de bicarbonato.
de diuréticos ou portadores de DPOC com retenção crônica Exceto em situações de insuficiência renal, ou quando
de CO2, a sedação e o bloqueio neuromuscular podem ser ocorre perda renal ou fecal de álcalis, não há dados na li-
necessários, a fim de controlar melhor a ventilação. teratura que permitem indicar ou contraindicar o uso de
bicarbonato de sódio e de outros alcalinizantes com grau
C - Acidose metabólica adequado de evidência do seu uso.
O tratamento nos casos graves é feito com bicarbona-
Na acidose metabólica ocorre diminuição dos níveis sé-
to de sódio intravenoso. Lembrar que 1mL da solução de
ricos de bicarbonato (<22mmHg), independentemente do
bicarbonato de sódio a 8,4% tem 1mEq de HCO3- e 1mEq
pH. Suas principais causas são:
de Na+.
- Acúmulo de substâncias ácidas; Como regra geral, disponível em livros-texto, considera-
- Perda de fluidos contendo bicarbonato; -se que: se pH <7,1 a 7 (a recomendação da ADA em cetoa-
- Retenção apenas de H+. cidose é repor se pH <7) e [HCO3-] <8mEq/L, devemos repor
bicarbonato, não mais do que 50 a 100mEq ou 1mEq/kg em
D - Acidose metabólica com AG aumentado uma infusão ao longo de 2 ou 3 horas, exceto em condições
Acidose com AG elevado resulta de acúmulo de meta- extremas de acidemia, em que se pode infundir mais rapi-
bólitos ácidos, e é manifestada por um HCO3- baixo e um damente. Deve-se elevar o bicarbonato para 8 ou 10mEq/L
AG >12. ou o pH para 7,15 ou 7,2. Por outro lado, na vigência de
Exemplos de causas específicas: perda fecal ou urinária de base, devemos ser mais liberais
- Uremia; no uso do bicarbonato, procurando manter uma concen-
- Cetoacidose diabética; tração próxima do normal. Não é previsível a alteração do
bicarbonato sérico com uma dada infusão, pois o espaço
- Abstinência alcoólica; de distribuição do bicarbonato varia com o grau de acido-
- Intoxicação por álcool ou drogas (metanol, etilenogli- se. Quando esta é muito grave, ele pode chegar a 100% do
col, paraldeído, salicilatos); peso; entretanto, à medida que a acidose é corrigida, ele se
- Acidose láctica (sepse, ICC). aproxima da porcentagem de água corporal (entre 50 e 60%
do peso). Geralmente, considera-se cerca de 0,6 x peso (kg)
E - Acidose metabólica com AG normal x (24 - HCO3-) o déficit total de bicarbonato. Não se deve
Resulta da perda de bicarbonato ou da infusão de ácido repor inicialmente todo o déficit, mas calcular a diferença
externo, e manifesta-se por um HCO3- diminuído, mas o AG entre o bicarbonato desejado e o encontrado; por exemplo,
encontra-se <12. em um homem jovem de 70kg, com diarreia grave e aci-
Exemplos de causas específicas: dose metabólica hiperclorêmica, cuja gasometria indique
- Perda do TGI de HCO3- (diarreia); um bicarbonato inicial de 4mEq/L, deve-se calcular uma
- Perda renal de HCO3-; reposição do bicarbonato para 8mEq/L, ou seja, 0,6 x 70 x
(8 a 4) = 168mEq, que devem ser repostos nas primeiras 2
- Compensação para alcalose respiratória; horas, por exemplo, com bicarbonato de sódio a 8,4%, con-
- Inibidor de anidrase carbônica (diamox); comitantemente à correção volêmica, lembrando também
- Acidose tubular renal; de verificar o potássio sérico. Se este já estiver baixo, com a
- Derivação intestinal do ureter; correção da acidose, deverá cair ainda mais.
- Outras causas: infusão de HCl ou NH4Cl, inalação de As principais causas de acidose metabólica estão espe-
gás clorado, hiperalimentação. cificadas na Tabela 10.

42
DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO -BÁSICO

Tabela 10 - Principais causas de acidose metabólica Falência da excreção de ácido


Acidose com AG normal (hiperclorêmica) - Insuficiência renal aguda;
Perda gastrintestinal de bicarbonato - Insuficiência renal crônica.

MEDICINA INTENSIVA
Miscelânea
- Diarreia;
- Recuperação de cetoacidose;
- Fístula ou drenagem intestinal do intestino delgado;
- Acidose dilucional;
- Derivação ureteral (ureterossigmoidostomia); - Nutrição parenteral.
- Resinas de troca aniônica (colestiramina);
Uma das mais importantes causas de acidose metabóli-
- Ingestão de cloreto de cálcio ou de cloreto de magnésio. ca hiperclorêmica ou com AG normal são as acidoses tubu-
Perda renal de bicarbonato ou falta de excreção renal de ácido lares renais, situações em que ocorre perda de bicarbonato
- Acidose tubular renal (hipoaldosteronismo); na urina ou perda da capacidade do rim de excretar ácidos
- Diuréticos poupadores de potássio; na urina apropriadamente. Antes era classificada em 4 ti-
pos, mas, atualmente, o tipo 3 (glomerular) não é mais con-
- Inibidores da anidrase carbônica.
siderado. A acidose do tipo 1 pode ser identificada por pH
Acidose com AG aumentado urinário maior que 5,5 em paciente na vigência de acidose
Produção ácida aumentada sistêmica associada à alteração do AG urinário. As acido-
- Cetoacidose: diabética, alcoólica, jejum; ses dos tipos 2 e 4, por sua vez, cursam com diminuição do
- Acidose láctica; pH urinário (incapacidade de reabsorver o bicarbonato da
urina e deficiência em responder à aldosterona, respectiva-
- Intoxicações exógenas com gap osmolar presente: metanol, eti-
lenoglicol; mente). Em pacientes com suspeita de acidose tubular re-
nal, mas sem acidose no momento, pode-se realizar prova
- Intoxicação exógena com gap osmolar ausente: salicilatos.
de acidificação da urina (por exemplo, cloreto de amônia).

Tabela 11 - Causas de acidose tubular renal, diagnóstico diferencial


Tipo 1 (distal) Tipo 2 (proximal) Tipo 4
Potássio sérico Baixo Baixo Alto
AG urinário Positivo Positivo Positivo
Síndrome de Fanconi Não Sim Não
Calculose renal/nefrocalcinose Sim Não Não
pH urinário mínimo >5,5 <5,5 <5,5
Porcentagem excretada da
<10% >15% <10%
carga de bicarbonato filtrada
Adquiridas:
1. Deficiência de aldosterona:
Secundárias: Adquiridas:
- Insuficiência adrenal;
- S. Sjögren; - Amiloidose;
- Uso de heparina;
- LES; - Mieloma múltiplo;
- Hipoaldosteronismo hiporre-
- Mieloma múltiplo; - Toxicidade por metais pesados
ninêmico.
- Hepatite crônica ativa; (chumbo, mercúrio, cádmio,
2. Resistência à aldosterona:
- Hipercalciúria; cobre);
- Drogas que fecham canais de
Causas - Anfotericina B. - Acetazolamida.
sódio do túbulo coletor;
- Nefrite tubulointersticial.
Associadas a doenças heredi-
Familiar: Associadas a doenças heredi-
tárias:
- Autossômica dominante; tárias:
- D. de Wilson;
- Autossômica recessiva; - Pseudo-hipoaldosteronismo;
- Cistinose;
Primária Primária
- Esporádica. - Esporádica.
-

A acidose metabólica caracteriza-se por uma redução na concentração sérica do bicarbonato, com redução compensató-
ria na concentração do CO2, e pode ocorrer em consequência da perda de álcalis por meio dos rins ou do intestino, ou pela
adição de H+, como na acidose láctica e na cetoacidose. As causas de acidose metabólica podem ser divididas de acordo
com os valores do AG.

43
MEDI C I N A I NTENSIV A

O tratamento da acidose metabólica é feito pela abor- Tabela 13 - Principais causas de alcalose metabólica
dagem da causa básica: na acidose láctica, com melhora Contração de volume, hipocalemia
na perfusão periférica e no aporte de O2 para os tecidos; Origem gastrintestinal
na cetoacidose diabética, com reposição volêmica, eletro-
- Vômitos;
lítica e insulina; na intoxicação por salicilatos por meio da
- SNG aberta;
diurese alcalina e diálise. A reposição das perdas hídricas
e eletrolíticas é, em geral, suficiente para corrigir a acido- - Adenoma viloso secretor em cólon;
se devido às perdas gastrintestinais. O emprego de bicar- - Alcalose de contração (diminuição da volemia).
bonato de sódio na correção da acidose metabólica tem Origem renal
sido questionado. Sua administração provoca aumento na - Alcalose de contração, diuréticos, estados edematosos, deple-
produção de lactato e também de CO2 que, por sua vez, ao ção de potássio ou magnésio;
difundir-se rapidamente pelas membranas celulares, reduz - Síndrome de Bartter e síndrome de Gitelman;
o pH intracelular. O bicarbonato aumenta a PCO2 e reduz
- Recuperação de acidose metabólica (cetoacidose ou acidose
o nível de cálcio ionizado, contrabalanceando sua possível lática prévia);
ação benéfica cardiovascular. Com base nessas observações
- Ânions não absorvíveis (penicilina, carbenicilina).
e em estudos controlados, o uso rotineiro de bicarbonato
para correção do pH nas formas agudas de acidose meta- Expansão de volume, hipertensão, hipocalemia
bólica não é recomendado, sendo seu emprego limitado às Renina alta
formas crônicas de acidose tubular renal, com o objetivo de - Estenose da artéria renal;
compensar as perdas renais e evitar a evolução da doença - Hipertensão acelerada ou maligna.
óssea associada. Renina baixa
Tabela 12 - Efeitos indesejáveis no uso de bicarbonato de sódio - Hiperaldosteronismo primário;
- Piora da hipóxia tecidual; - Síndrome de Cushing;
- Hipervolemia e hipernatremia; - Síndrome de Liddle;
- Hipopotassemia; - Defeitos enzimáticos suprarrenais hereditários com perda de
potássio e contração volêmica.
- Hipocalcemia sintomática;
Carga exógena de base
- Alcalose de rebote.
Administração aguda de substância alcalina
F - Alcalose metabólica - Bicarbonato;
- Transfusão sanguínea (citrato);
Ocorre aumento do bicarbonato sérico acima de
- Acetato;
26mmHg, independentemente do pH. O mecanismo mais
comum ocorre por perda de íons H+ para as células ou para - Uso abusivo de antiácidos + resina de troca iônica.
o meio externo, também podendo surgir menos comumen- Administração crônica de álcalis
te no excesso na oferta de bicarbonato. Exemplos de causas - Síndrome leite-álcali.
específicas:
A alcalose metabólica decorre da retenção de bicarbo-
- Contração de volume (vômitos, diurese excessiva, as-
cite); nato pelo organismo ou da perda de H+ pela via gastrintes-
tinal ou rins, com elevação da PCO2 como mecanismo com-
- Hipocalemia; pensatório. A alcalose respiratória aguda provoca vasocons-
- Ingestão de álcalis (bicarbonato); trição na circulação cerebral, com queda no fluxo sanguíneo
- Excesso de glicocorticoides ou mineralocorticoides; cerebral, e se manifesta clinicamente por confusão mental,
mioclonias e convulsões. Os principais estímulos para a re-
- Síndrome do Bartter. tenção de bicarbonato pelos rins são a hipovolemia com
A alcalose – respiratória ou metabólica – promove dis- perda de Cl–, hipocalemia ou aumento na atividade minera-
creto aumento na contratilidade miocárdica. Há, porém, re- locorticoide. Quando há perda de H+ por vômitos intensos
dução no limiar excitatório da fibra miocárdica, favorecendo ou aspiração nasogástrica contínua, ocorre estímulo para
arritmias atriais e ventriculares, por vezes resistentes à te- absorção tubular de sódio, que, na presença de déficit de
rapêutica antiarrítmica. A hiperventilação promove queda Cl–, é reabsorvido e associado ao bicarbonato. Na hipocale-
na pressão arterial e na resistência sistêmica. Na circulação mia, o rim poupa K+, eliminando H+ em troca de Na+ e bicar-
coronariana, pode provocar espasmo arterial. Na alcalose, bonato; a urina torna-se ácida e há maior absorção de bi-
há mudança da curva de dissociação da hemoglobina com carbonato. O excesso de mineralocorticoides promove au-
aumento na afinidade pelo oxigênio, o que pode dificultar a mento na secreção de H+ nos túbulos renais, com retenção
oxigenação tecidual em condições críticas. de bicarbonato. As principais causas de alcalose metabólica

44
DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO -BÁSICO

são a drenagem nasogástrica, o uso de diuréticos e de corti- - A abordagem sistemática, com a análise do quadro clínico, a
costeroides. Pacientes em uso crônico de diuréticos ou por- identificação da doença de base, a identificação do distúrbio
tadores de doença pulmonar crônica, com retenção de CO2, primário e o uso de fórmulas para averiguação ou não da ocor-
podem desenvolver alcalose grave quando hiperventilados. rência de respostas compensatórias, é eficaz no diagnóstico da

MEDICINA INTENSIVA
O tratamento da alcalose metabólica é feito procurando-se grande maioria dos casos de distúrbios no metabolismo ácido-
minimizar e repor as perdas devido à sucção nasogástrica, -básico.
ou empregando-se bloqueadores H2 e repondo-se as perdas
de potássio com solução de cloreto de potássio. Na alcalose
secundária ao excesso de mineralocorticoides, uma combi-
nação de restrição de sódio, suplementação de potássio e
espironolactona, é necessária para controlar a alcalose. Nas
formas graves de alcalose metabólica, com pH acima de 7,6
ou na presença de arritmias cardíacas refratárias, podem-
-se utilizar soluções de ácido clorídrico, infundidos em veia
central a uma taxa de 20 a 50mEq/h, com rigoroso controle
do pH.

6. Resumo
Quadro-resumo
- Distúrbios ácido-básicos são comuns na prática clínica. Para o
correto diagnóstico do distúrbio de base, é necessário seguir
uma abordagem lógica;
- O quadro clínico é fundamental, para nortear o diagnóstico e
a terapêutica. É o quadro clínico que fornece dados para a ela-
boração do raciocínio clínico que vai levar ao diagnóstico do
distúrbio primário;
- Na grande maioria dos casos, o tratamento implica na correção
da doença de base;
- Mudanças no pH do sangue têm correlação com alterações de
3 grandes componentes: sistema tampão do sangue, ventila-
ção alveolar e função renal;
- O bicarbonato é o principal tampão do sangue e sofre interfe-
rência da função renal e da ventilação pulmonar;
- A acidose respiratória aguda é definida como redução do pH
resultante de hipoventilação alveolar e retenção de CO2;
- Alcalose respiratória tem, como grande causa, a hiperventila-
ção, ocasionando a redução da PCO2;
- Acidose metabólica tem, como grandes causas: (1) aumento da
produção de ácidos, (2) redução da excreção de ácidos, (3) perda
de álcalis e (4) aquisição de ácidos externos (intoxicação exógena);
- As acidoses metabólicas podem cursar com AG aumentado ou
diminuído; essa diferenciação é importante na elucidação do diag-
nóstico da doença que está levando ao quadro em questão;
- A alcalose metabólica pode ser causada pela ingestão (ou ad-
ministração) de bicarbonato, perda de ácidos, reabsorção au-
mentada de bicarbonato pelos rins ou perda massiva de bicar-
bonato pelo TGI;
- Podemos ter a combinação de distúrbios metabólicos e respira-
tórios. Para isso, é importante identificar, por meio do quadro
clínico, o distúrbio primário, e estimar com o uso de fórmulas a
resposta compensatória esperada. Com isso, podemos diagnos-
ticar os distúrbios mistos;
- Alterações respiratórias têm compensação metabólica muito
pobre, principalmente em quadros agudos;

45
MEDI C I N A I NTENSIV A

CAPÍTULO

5
Choque
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução - Difusão do O2 dos pulmões ao sangue;


- Ligação do oxigênio à hemoglobina;
Choque é uma síndrome clínica caracterizada por um
quadro de hipoperfusão sistêmica aguda devido a uma in-
- Transporte para periferia (Débito Cardíaco – DC);
capacidade do sistema circulatório de atender às demandas - Difusão para mitocôndria.
metabólicas dos diversos tecidos, levando a distúrbios celu- a) Difusão do O2 dos pulmões ao sangue
lares graves, hipóxia tecidual, disfunção de múltiplos órgãos
O oxigênio atmosférico em nível do mar encontra-
e morte. Por esse motivo, são de fundamental importância
-se aproximadamente a 150mmHg de pressão parcial. Ao
o reconhecimento precoce e a correção dos distúrbios teci-
ser inspirado, sua pressão parcial em nível alveolar é em
duais e o tratamento da causa de base. Para a compreensão
torno de 100mmHg (só o vapor d’água no alvéolo possui
das diversas formas de apresentação clínica do choque, é
47mmHg). A partir desse ponto, o O2 alveolar se difunde
necessária a revisão de alguns conceitos importantes de
para o sangue do capilar pulmonar. A quantidade de O2
transporte de oxigênio e monitorização hemodinâmica.
transferida para o sangue depende basicamente da rela-
ção ventilação-perfusão e da concentração de O2 inspira-
2. Oferta e consumo de oxigênio do (FiO2). Outros fatores importantes são as características
A manutenção da oferta de oxigênio aos tecidos de for- de difusão da membrana alveolocapilar, a concentração de
ma adequada e constante depende da integração de variá- hemoglobina no sangue e sua afinidade pelo O2. De modo
veis respiratórias e hemodinâmicas. Essa integração vai des- geral, o oxigênio dissolvido no plasma em condições nor-
de a captação do oxigênio pelo capilar alveolar até o forne- mais não é o suficiente para atender à demanda metabólica
cimento aos seus sítios de utilização celular. Várias afecções normal. Por isso, ele deve ser carreado por proteínas es-
relacionadas à terapia intensiva apresentam alterações em pecialmente desenvolvidas para tal fim. Nos vertebrados, a
1 ou mais dessas variáveis, levando à má perfusão sistêmi- hemoglobina assume essa função.
ca, insuficiência de órgãos e óbito. Por isso, uma perfeita b) Ligação do oxigênio à hemoglobina
compreensão da fisiopatologia da oferta e do consumo de A hemoglobina é um complexo proteico composto por
oxigênio é crucial, assim como o conhecimento das técnicas 4 cadeias polipeptídicas (2 cadeias alfa e 2 beta), ligadas a
relacionadas à monitorização da oxigenação tecidual. um grupo heme por ligações não covalentes. Cada grupo
heme possui 1 átomo de ferro em estado reduzido (ferroso
A - Oferta de oxigênio ou Fe2+), ao qual o oxigênio se liga. Cada molécula de hemo-
O processo de oferta de oxigênio inicia-se nos alvéolos, globina consegue carregar 4 moléculas de oxigênio. A liga-
onde o O2 atmosférico se difunde até o sangue, e finaliza ção do oxigênio à hemoglobina tem as características de um
em nível capilar, com sua entrada na mitocôndria celular sistema enzimático homotrópico, ou seja, o próprio oxigê-
para a oxidação dos nutrientes. nio regula e modula a atividade de ligação da hemoglobina.
Resumidamente, ocorrem os seguintes passos: Dessa forma, na medida em que a 1ª molécula de oxigênio

46
CHOQUE

se liga, a próxima molécula encontra menor dificuldade para possui 1,39mL de O2. O conteúdo de oxigênio no sangue
se ligar, e assim por diante. Em outras palavras, a afinidade (em mL de O2/dL de sangue) pode ser expresso, então, pela
pelo oxigênio da hemoglobina aumenta na medida em que seguinte fórmula:
ela se satura. Essa habilidade da hemoglobina de alterar

MEDICINA INTENSIVA
sua afinidade pelo O2 a torna um carregador ideal. Nos ca- Conteúdo arterial de O2 = (normal 16 a 22mL/dL)
pilares pulmonares, a ligação do oxigênio à hemoglobina é
facilitada, enquanto que nos capilares periféricos é promo-
Conteúdo venoso de oxigênio (normal 12 a 17mL/dL)
vida a dissociação do O2. Além disso, a dissociação da oxi-
-hemoglobina em seus componentes apresenta uma forma
Logo, percebe-se que os 2 principais componentes do
sigmoide, o que representa graficamente essa propriedade
de aumento da afinidade com aumentos da saturação. Por conteúdo de oxigênio no sangue são a quantidade de he-
exemplo, um valor de pO2 de 100mmHg representa uma sa- moglobina e a sua saturação. Já a oferta de oxigênio aos
turação de 97,5%. A diminuição da pO2 para 60mmHg causa tecidos (DO2) depende do DC do paciente:
uma pequena queda da saturação para 90%. Porém, a partir
desse ponto, a curva apresenta uma inflexão acentuada, de Oferta de oxigênio (DO2 - mL O2/min) = CaO2 x DC x 10 (normal
tal forma que pequenas diminuições na pO2 representam 700 - 1.400mL/min)
quedas acentuadas da saturação. Outros fatores influen-
ciam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Fica evidente a importância do DC para a oferta de O2
aos tecidos. Quedas agudas da saturação ou anemias agu-
das podem ser compensadas por imediato aumento do DC.
O consumo de oxigênio (VO2) é definido pela equação de
Fick:
Consumo de oxigênio (mL O2/min) = Ca - VO2 x DC x 10 (normal
180 a 280mL/min)

A taxa de extração de oxigênio pelos tecidos descreve a


habilidade da periferia em remover o O2 do sangue:
Taxa de extração de oxigênio = VO2/DO2 ou = (Sat art O2 - Sat
ven O2)/Sat art O2 (normal 20 a 25%)

d) Difusão para a mitocôndria


O processo de difusão do oxigênio do sangue para a mi-
tocôndria segue simples princípios de difusão. É necessá-
rio saber que uma pressão parcial de oxigênio de apenas
Figura 1 - Curva de saturação da hemoglobina 1mmHg na mitocôndria é o suficiente para o metabolismo
aeróbico normal. Dessa forma, o gradiente de difusão do
Aumento da afinidade (desvio da curva para a esquerda): sangue para a célula é grande o suficiente para que tal
- Diminuição da temperatura; processo físico suplemente a necessidade habitualmente.
- Aumento do pH; Porém, a importância da hemoglobina no transporte ain-
- Diminuição do pCO2; da persiste, pois é sua dissociação do oxigênio que permite
- Diminuição do 2,3-DPG; uma oferta adequada. Caso contrário, o oxigênio dissolvido
- Alterações da hemoglobina (hereditárias). não seria o suficiente para atender às demandas periféricas.
Diminuição da afinidade (desvio para a direita): Outro aspecto a ser ressaltado é a importância da microcir-
- Diminuição do pH; culação para a distribuição do sangue oxigenado. O nível de
- Aumento do pCO2; perfusão dos diferentes tecidos é regulado por uma ação
- Aumento da temperatura; conjunta entre as arteríolas e a microcirculação. O controle
do tônus arteriolar por efeito neuro-humoral-parácrino, o
- Aumento do 2,3-DPG.
estado dos diferentes territórios capilares e o DC controlam
c) Transporte de O2 para periferia/oferta de O2 a perfusão tecidual.
A oferta de oxigênio aos tecidos depende da quantidade Na periferia, a hemoglobina altera sua afinidade pelo
presente no sangue e do DC. De modo geral, 1mol de hemo- oxigênio, com um desvio para a direita da curva de disso-
globina carrega, quando completamente saturado, 4mols ciação, o que ocasiona melhora da oxigenação tecidual. O
de oxigênio. Assim, cada grama de hemoglobina saturada aumento do PCO2, a queda do pH e outros fatores ocasio-

47
MEDI C I N A I NTENSIV A

nam a diminuição da afinidade da hemoglobina pelo O2, o


que promove melhor liberação para os tecidos. A distribui-
ção do oxigênio aos tecidos também é determinada pelos
mecanismos de controle da microcirculação local que con-
trolam o fluxo total, o tempo de trânsito e o recrutamento
capilar. Fatores autonômicos neurais e metabólicos regulam
os esfíncteres arteriolares de tal forma a aumentar a densi-
dade capilar, um mecanismo defensivo muito utilizado por
órgãos capazes de grandes aumentos de capilaridade como
os músculos esqueléticos. Órgãos com pouca reserva capi-
lar apresentam-se em desvantagem durante a hipóxia, es-
pecialmente aqueles com sistema de contracorrente, como Figura 2 - Consumo de O2 em função de sua oferta
os vilos intestinais e a medula renal. Uma vez que chega
à mitocôndria, o oxigênio deve funcionar como receptor Pacientes com sepse grave/choque séptico possuem a curva da
final de elétrons provenientes do metabolismo aeróbico. relação DO2 x VO2 desviada para a direita e para cima, ou seja, o
Mesmo após entrar na mitocôndria, diversos mecanismos DO2 crítico é atingido com valores maiores de oferta e consumo
em determinadas patologias promovem a má utilização do de oxigênio, como pode ser visto na linha tracejada.
oxigênio no metabolismo, levando a uma utilização glicolíti-
ca anaeróbica da glicose e hiperlactatemia para geração de C - Monitorização da oxigenação
ATP apesar da presença de O2. Alguns destes mecanismos A monitorização contínua do equilíbrio entre transpor-
são listados a seguir: te de oxigênio aos tecidos e sua utilização pode ser feita à
- Bloqueio da piruvato-desidrogenase, com desvio do beira do leito, por meio de medidas sistêmicas e regionais.
piruvato para a geração de lactato em vez de acetil- Essas últimas são fundamentais para leitos vasculares com
-CoA; alta suscetibilidade à hipoperfusão e hipóxia tissular secun-
dária à anatomia microvascular específica. Exemplos claros
- Bloqueio de enzimas do ciclo de Krebs (aconitase); são a mucosa do trato gastrintestinal e medula renal, em
- Bloqueio de citocromos da cadeia de elétrons; que sistemas de vasos em contracorrente, sob condições de
hipoperfusão, geram gradientes decrescentes de pressões
- Estado hiperadrenérgico com hiperativação da via gli- parciais de oxigênio e consequente hipóxia distal ao leito
colítica. vascular. Tais características justificam a ocorrência de insu-
ficiência renal por necrose tubular aguda e sinais de disfun-
B - Relação entre oferta e consumo de oxigênio ção do TGI, mesmo sob condições hemodinâmicas estáveis
Observou-se, em modelos animais, a presença de uma e medidas sistêmicas de transporte de oxigênio adequadas.
relação não linear e bifásica entre DO2 (oferta de oxigê- a) Medidas sistêmicas
nio) e VO2. Na Figura 2, observa-se o consumo de oxigênio As medidas sistêmicas utilizadas são saturação venosa
descrito em função da oferta de O2. Com diminuições gra- mista de oxigênio, lactato e relação DO2/VO2.
duais da oferta, o consumo permanece constante devido
a um aumento da extração periférica. Porém, diminuições - Saturação venosa mista de oxigênio (SvO2)
progressivas podem superar a capacidade de adaptação A queda da saturação venosa da hemoglobina evidencia
da microcirculação, e a produção aeróbica de ATP cai abai- alta taxa de extração periférica de oxigênio, secundária à hi-
xo da necessidade metabólica. A partir desse ponto, tam- poperfusão absoluta ou relativa a tecidos com alta demanda
bém chamado de DO2 crítico, a produção anaeróbica de metabólica. Em condições de circulação hipodinâmica e bai-
xo débito sistêmico, o valor da SvO2 oferece boa avaliação da
ATP é iniciada. De modo geral, tal ponto se inicia a partir
perfusão global. Durante estados hiperdinâmicos distributivos,
de uma oferta de 10mL/min/kg. Contudo, estudos clínicos
a saturação venosa mista reflete o somatório do efluente de
não demonstraram a existência de um ponto de inflexão
diversos leitos vasculares com perfusão arterial e taxa metabó-
na relação entre oferta e consumo de oxigênio. Alguns de- lica local diferentes. Portanto, valores normais ou pouco eleva-
monstraram até que a relação é linear até pontos extre- dos podem não refletir o estado de disóxia de determinados
mos de oferta de oxigênio. Acredita-se que tais achados tecidos. Para sua monitorização, é necessária a passagem de
experimentais se devam a um fenômeno de acoplamento cateter de artéria pulmonar, pois sua medida somente é pos-
matemático devido à semelhança entre as fórmulas de sível no sangue proveniente do ventrículo direito ou da artéria
oferta e consumo calculadas pelo cateter de artéria pul- pulmonar (Figura 3). Já a saturação venosa central é obtida por
monar. um cateter venoso central em veia cava superior.

48
CHOQUE

primeiras 24 a 48 horas de internação identificam pacientes


com maior risco de disfunção orgânica e maior taxa de mor-
talidade. Entretanto, a maioria dos estudos com tonometria
gástrica é muito heterogênea do ponto de vista do tipo de

MEDICINA INTENSIVA
paciente estudado, e, devido a isso, o papel definitivo desse
método em prever o prognóstico e guiar a terapêutica de
pacientes graves ainda não está bem definido.
O grande número de variáveis fisiológicas envolvidas, a
resposta microvascular e metabólica heterogênea dos dife-
rentes tecidos e, principalmente, a dificuldade de mensu-
rar a real taxa de disponibilidade, captação e utilização do
oxigênio em nível celular justificam a complexidade da ava-
liação do transporte de oxigênio aos tecidos. A regionaliza-
ção das medidas, com consequente redução do número de
Figura 3 - Cateter de artéria pulmonar e sua localização após inser-
variáveis envolvidas, e a avaliação contínua na tentativa de
ção, com as curvas de pressão da artéria pulmonar
identificar tendências evolutivas parecem facilitar a inter-
pretação de números e servir como orientação terapêutica.
- Lactato
A hiperlactatemia arterial ou venosa mista, embora fun- 3. Monitorização hemodinâmica por ca-
cione como índice prognóstico, não é marcador fidedigno
de hipóxia tissular e metabolismo anaeróbio, principalmen- teter de Swan-Ganz
te em pacientes sépticos após o 3º dia de instalação do
choque. Após o 3º dia do início da doença, o aumento dos A - Introdução
níveis séricos de lactato pode não ser de origem hipóxica/
A monitorização hemodinâmica por meio do uso do Ca-
anaeróbia, sendo causado por outras alterações na cinética
teter de Swan-Ganz (CSG) foi introduzida na prática médica
do oxigênio. Como já dito, amostras colhidas da circulação
em 1970, permitindo, à beira-leito, registrar variáveis até
sistêmica (arterial ou venosa mista) podem não refletir com
então somente disponíveis em laboratórios especialmente
segurança o metabolismo regional de determinados siste-
equipados. Em 1972, inicia-se a determinação do DC pela
mas. Porém, sua dosagem na fase aguda do quadro sépti-
técnica de termodiluição. Grandes transformações em ter-
co consegue identificar pacientes mais graves, com maior
mos de uso de drogas vasoativas e inotrópicas ocorreram
mortalidade, aos quais uma terapêutica imediata e agressi- a partir de então, exigindo do médico o conhecimento de
va pode determinar melhor evolução. Além disso, níveis de parâmetros fisiológicos e permitindo o tratamento mais ra-
lactato persistentemente elevados também têm valor prog- cional dos pacientes em choque ou com instabilidade he-
nóstico bem estabelecido. Terapêuticas que determinam modinâmica (Figura 4).
queda do lactato ≥10% em 1 hora de tratamento indicam
boa evolução.
b) Medidas regionais
A avaliação da perfusão e oxigenação regionais assume
um papel fundamental na monitorização de afecções que
cursam com padrões heterogêneos de perfusão microcir-
culatória e metabolismo regional, como na sepse. A tono-
metria mucosa apresenta importante valor prognóstico e
aplicabilidade clínica, consistindo na inserção de um balão
de silicone para equalização da pressão de CO2 mucosa (gás-
trica ou intestinal) com o fluido ou gás que preenche o balão.
Os valores encontrados de CO2 podem ser avaliados isolada- Figura 4 - Esquema de cateter de Swan-Ganz
mente ou inseridos na fórmula de Henderson-Hasselbach
conjuntamente com valores de bicarbonato arterial para
cálculo do pH intramucoso (pHi). Os valores de pH encon- B - Variáveis hemodinâmicas
trados, embora possam não refletir adequadamente o real A avaliação clínica não invasiva nos pacientes graves não
estado ácido-básico da mucosa avaliada (uso do bicarbo- permite aferir medidas hemodinâmicas confiáveis para um
nato arterial como extrapolação do bicarbonato mucoso), tratamento mais racional. Já foi demonstrada a impossibili-
apresentam importância prognóstica comprovada em vá- dade da determinação com um mínimo de precisão, de va-
rios estudos. Valores persistentemente baixos (<7,32) nas riáveis hemodinâmicas como DC, Pressão Capilar Pulmonar

49
MEDI C I N A I NTENSIV A

(PCP) e Resistência Vascular Sistêmica (RVS), mesmo com é produto de 3 fatores distintos: pré-carga, pós-carga e con-
acesso ao raio x e Pressão Venosa Central (PVC). Os erros tratilidade. A pré-carga é definida como a tensão na parede
eram próximos de 50%. Também se verificou que em até ventricular no final da diástole. A melhor maneira de aferi-
30% das vezes havia mudança na conduta terapêutica quan- -la é a medida do volume diastólico final dos ventrículos. A
do as variáveis hemodinâmicas eram conhecidas. Assim, a pós-carga representa o estresse da parede ventricular du-
busca pelo conhecimento dessas variáveis, independente rante a sístole. Na prática, afere-se a pós-carga por meio
se alterações prognósticas venham a ocorrer ou não com do cálculo da resistência vascular pulmonar (para o VD) e
as mudanças terapêuticas realizadas, foi um fator decisivo resistência vascular periférica (para o VE). A contratilidade
no aumento crescente do uso desse cateter. As variáveis refere-se à capacidade intrínseca de encurtamento das fi-
hemodinâmicas mais comumente utilizadas em Unidade de bras miocárdicas, representada pelo trabalho sistólico do
Terapia Intensiva (UTI) podem ser classificadas em variáveis VE. O DC é o principal componente no cálculo da oferta de
de determinação direta e variáveis calculadas (ou de deter- O2 aos tecidos. Seu maior determinante é o metabolismo
minação indireta). São variáveis de medida direta aquelas orgânico global, seguido da pós-carga. O DC pode ser medi-
que envolvem a determinação da pressão e do fluxo, en- do de forma invasiva (pela técnica de termodiluição) ou não
quanto as variáveis relativas à resistência vascular e traba- invasiva. A medida frequente do DC em pacientes graves
lho são calculadas por fórmulas matemáticas. As principais permite o acompanhamento e a manipulação da oferta de
medidas de pressão são Pressão Arterial (PA), PVC, Pressão O2 e o cálculo de variáveis como RVS, RVP e trabalho sistó-
da Artéria Pulmonar (PAP) e Pressão da Artéria Pulmonar lico. Seu valor normal é de 5 a 6L/min. O Índice Cardíaco
Ocluída (PAPO). O fluxo através do sistema vascular é obti- (IC) expressa a relação do DC/superfície corpórea, sendo
do pela medida do DC. seu valor normal de 3 a 3,5L/min/m2. A sua interpretação
A PA é a pressão gerada nas paredes das artérias, resul- deve levar em conta a demanda metabólica do indivíduo.
tante dos batimentos cardíacos e da resistência da parede Por exemplo, num indivíduo saudável, os valores menciona-
do vaso ao fluxo sanguíneo. Seu valor normal é de 100 a dos anteriormente podem ser adequados à sua demanda,
130mmHg para a pressão sistólica (PAS) e de 60 a 90mmHg porém, em pacientes com quadro de sepse grave e/ou cho-
para a diastólica (PAD). Pode ser aferida por métodos não que séptico, valores de DC considerados normais podem
invasivos ou invasivos, sendo estes últimos de eleição em ser insuficientes para atender à sua demanda metabólica
hipertensos graves e pacientes em uso de drogas vasoativas naquele momento. Dentre as medidas indiretas que o CSG
e/ou instáveis hemodinamicamente. A PVC é a pressão exis- pode calcular, têm-se:
tente no sistema venoso central intracardíaco. Na ausência - Índice de Resistência Vascular Sistêmica (IRVS) = PAM
de estenose tricúspide, reflete a pressão diastólica final do - PVC/ IC x 80;
VD. Sua mensuração sofre influência da volemia, função car-
díaca, venoconstrição periférica e aumento da resistência
- Índice de Resistência Vascular Pulmonar (IRVP) = PAPm
- PAPO/ IC x 80;
vascular pulmonar. Tem valor apenas quando monitorizada
dinamicamente, ou seja, em resposta a infusões volêmicas. - Índice do Trabalho Sistólico do VE - ITSVE;
Seu valor normal é de 0 a 6mmHg (ou 0 a 8cmH2O). A PAP - Índice do Trabalho Sistólico do VD - ITSVD.
e a PAPO são medidas pelo CSG e constituem variáveis im-
portantes em hemodinâmica. A PAP aumenta com embolia - Determinantes do débito cardíaco
pulmonar, hipoxemia, DPOC, SDRA e sepse. A hipovolemia • Pré-carga: Volume Diastólico Final do ventrículo
diminui a PAP. O valor normal da PAP é de 15 a 25mmHg (VDF) estimado pela Pressão Diastólica Final do
para a PAS e de 6 a 12mmHg para a PAD. A PAPO é obtida ventrículo (PDF); determina o grau de distensão da
progredindo-se o CSG, com seu balão distal insuflado, até a fibra cardíaca imediatamente antes da sua contra-
oclusão de um ramo da artéria pulmonar. Na ausência de ção durante a sístole;
estenose mitral, existe boa relação com a pressão no átrio • Volemia;
esquerdo e diastólica final do VE. Seu valor normal é de 5 a
• RVS: tônus dos esfíncteres pré-capilares arteriola-
12mmHg. Os valores estão diminuídos na hipovolemia e au-
res, que determinam, em parte, a impedância ar-
mentados nos estados hipervolêmicos, na estenose e insu-
terial;
ficiência mitral, nas alterações da complacência e disfunção
• Tônus vasomotor venoso: determina o retorno ve-
do VE. Valores maiores que 15mmHg refletem, muitas ve-
noso nos vasos de capacitância desse território;
zes, acúmulo de líquidos no pulmão. Outra forma recente-
mente disponível para uso clínico na avaliação da pré-carga • Pressão intratorácica: aumentada, diminui o retor-
para o coração é a medida do volume diastólico final do VD. no venoso (em situações como no pneumotórax
Essa medida parece ser mais confiável do que a PAPO para hipertensivo);
avaliação da pré-carga. • Contração atrial: determina cerca de 20 a 30% do
O DC é a quantidade de sangue bombeada pelo coração enchimento ventricular;
por minuto (DC = volume sistólico x FC). O volume sistólico • Taquiarritmia;

50
CHOQUE

• Pós-carga: determinada pela pressão diastólica final - Choque: diagnóstico diferencial; otimização do trata-
em raiz de aorta e pela resistência vascular sistêmica; mento de todos os tipos de choque;
• Contratilidade. - Insuficiência respiratória aguda: disfunção do VE asso-
ciada, instabilidade hemodinâmica associada e contro-

MEDICINA INTENSIVA
C - Variáveis metabólicas le de volemia na SDRA;
Das inúmeras variáveis metabólicas passíveis de serem - Tamponamento cardíaco;
aferidas à beira do leito, aquelas capazes de avaliar a oferta - Embolia pulmonar;
de oxigênio (DO2) e o consumo de oxigênio (VO2) são as que - Cirurgias não cardíacas: cirurgias de grande porte com
mais se relacionam ao prognóstico e, portanto, são as que perda sanguínea importante em cardiopatas, cirurgia
mais devem ser mensuradas. A adequação da oxigenação hepática, cirurgias em portadores de insuficiência car-
tissular depende do volume de O2 transportado aos tecidos díaca grave, cirurgia de feocromocitoma;
(DO2) e daquele consumido (VO2). Essa relação entre ofer- - Cirurgias cardíacas: com função do VE deprimida,
ta e consumo pode ser determinada pela relação DO2/VO2. anormalidades segmentares do VE, estenose grave do
Logo, o transporte de O2 aos tecidos é fundamentalmente tronco da coronária esquerda, ressecção de aneurisma
dependente do DC (principal determinante), da hemoglobi- ventricular, troca mitroaórtica mais revascularização,
na e da saturação arterial de O2. hipertensão pulmonar grave;
O consumo de O2 (VO2), em geral, é de 25% daquilo que - Manuseio de situações obstétricas em pacientes espe-
é transportado aos tecidos. O VO2 geralmente não é afeta- ciais de alto risco;
do por pequenas alterações no transporte e sim pelas de-
mandas metabólicas. Somente quando níveis críticos de
- Queimados graves;
transporte de O2 ocorrem é que o consumo de O2 começa - Dúvidas diagnósticas;
a declinar, ocorrendo o processo de acidose lática (depen- - Pancreatites graves;
dência fisiológica de oferta de O2). Nos doentes graves, essa - Pacientes sépticos, em SIRS ou em disfunção múltipla
dependência se torna ainda mais estreita. Um aumento sig- de órgãos;
nificativo e imediato de VO2 em resposta a um aumento no - Alguns pacientes com IRA;
DO2 sugere que o metabolismo tissular estava inadequado - Politraumatismos;
e possivelmente limitado pelo transporte (dependência pa- - Cirurgias ortopédicas extensas em idosos.
tológica da oferta de O2). Entretanto, tal dependência pa-
tológica tem sofrido críticas atualmente, o que tem levado E - Complicações
ao abandono da otimização progressiva do transporte de
O2 em busca de valores supranormais, como foi realizado As complicações mais frequentes são as arritmias car-
no passado. Hoje, busca-se a terapêutica do “suficiente”. díacas, e as mais dramáticas, provavelmente, seriam a
Com o CSG, pode-se coletar sangue venoso misto na porção perfuração da artéria pulmonar, que se manifesta com he-
proximal da artéria pulmonar, que reflete de forma global moptise e morte. As complicações podem ser divididas em
o equilíbrio entre a oferta e o consumo de O2 dos tecidos relativas ao procedimento de punção (punção de artéria,
perfundidos. Será obtida, assim, a mensuração da Satura- pneumotórax, síndrome de Horner, lesão de plexo braquial,
ção venosa de O2 (SvO2), cujos valores devem ser mantidos embolia gasosa e lesão do nervo frênico), relativas à pas-
acima de 65% (VN 68 a 77%). Valores baixos refletem hi- sagem do cateter (arritmias, enovelamento, perfuração da
poxemia, anemia, queda do DC e aumento de demandas, artéria pulmonar e danos valvulares), relativas à presença
e valores elevados associam-se à sepse, politraumatismo, do cateter na artéria pulmonar (trombose venosa, sepse,
pancreatite e cirrose (quadros hiperdinâmicos). Já existem endocardite e infarto pulmonar).
disponíveis para uso clínico cateteres com mensuração con-
Tabela 1 - Padrões das medidas hemodinâmicas do CSG mais fre-
tínua da SvO2 e do DC.
quentemente relacionados aos tipos de choque
D - Indicações Hipovolê- Obstru- Cardiogê- Neuro-
Séptico
mico tivo nico gênico
A indicação do CSG deve sempre considerar que dados
obtidos por ele contribuirão para a decisão terapêutica, FC ↓
sem acarretar riscos desnecessários ao paciente. A seguir,
encontram-se alguns casos em que o CSG deve ser consi- PVC ↓ Variável ↓ ↓
derado:
PAPO ↓ Variável Variável ↓ ↓
- IAM e angina instável: hipotensão refratária à reposi-
ção de volume, sinais de insuficiência do VD ou VE; RVS ↓ ↓
- Insuficiência cardíaca (IVE aguda): não resposta ao trata- DC ↓ ↓ ↓ ↓ Variável
mento ou dúvida quanto à origem do edema pulmonar;

51
MEDI C I N A I NTENSIV A

4. Choque hipovolêmico e reposição vo- Classe I Classe II Classe III Classe IV


lêmica Débito uriná-
>30 20 a 30 5 a 20
Despre-
rio (mL/h) zível

A - Introdução Nível de cons- Pouco Ansioso/ Confuso/


Ansioso
ciência ansioso confuso letárgico
Resulta de uma diminuição da pré-carga, caracterizan- Crista-
do-se por baixo volume intravascular e, consequentemen- Reposição Cristaloi- Cristaloi- Cristaloides
loides +
te, baixo DC. Trata-se de uma situação facilmente detectá- volêmica des des + CH*
CH*
vel na maioria dos casos, porém casos como pancreatites * CH = Concentrado de Hemácias
ou hemorragias retroperitoneais podem tornar seu diag-
nóstico difícil. C - Reposição volêmica
Tabela 2 - Causas de choque hipovolêmico Os objetivos do tratamento com reposição volêmica são
- Hemorragias – hemorragias digestivas altas e baixas, ruptura a restauração da perfusão tecidual, com a consequente re-
de aorta, pancreatite hemorrágica, fraturas, traumas abertos; cuperação do metabolismo oxidativo; a correção da hipo-
- Perda de líquidos – diarreia, vômitos, poliúria; volemia absoluta/relativa; e a melhora do DC pelo aumento
- Sequestro de líquidos – queimaduras, peritonites, colites; da pré-carga. Obviamente, tais objetivos são interdepen-
- Drenagem de transudatos, ascite, hidrotórax. dentes, e a recuperação da volemia leva imediatamente à
melhora do DC e à normalização da perfusão tecidual.
B - Classificação
D - Tratamento e monitorização
O choque hipovolêmico pode ser subclassificado em 2
tipos: hemorrágico e não hemorrágico. O choque hemor- Atualmente, tem havido muita discussão em torno da
rágico pode apresentar hemorragias aparentes externas a reposição volêmica antes da interrupção da fonte de san-
partir de lesões, sangramentos cirúrgicos, hematomas em gramento. Alguns autores teorizam que, se isso for feito
região de coxa e pelve ou saída de sangue a partir de dre- imediata e vigorosamente, a melhora do quadro hemodi-
nos torácicos ou abdominais. Porém, como já dito, o san- nâmico do paciente fará que haja sangramento adicional
gramento pode não se exteriorizar devido à compartimen- e, portanto, redução da sobrevida dos pacientes, especial-
talização do sangue em cavidades (torácica, abdominal, re- mente naqueles atendidos fora do ambiente hospitalar.
troperitoneal, pelve) ou para o trato gastrintestinal. O ATLS Esses mesmos autores advogam que a reposição volêmica
(Advanced Trauma Life Support) classifica o choque de acor- só deve ser iniciada após a interrupção da fonte de san-
do com parâmetros clínicos, como mostrado na Tabela 3. gramento, o que só é possível, na maioria das vezes, por
O choque hipovolêmico não hemorrágico ocorre em profissional qualificado e dentro do ambiente hospitalar, e
uma série de estados patológicos e se caracteriza por um mesmo, mais especificamente, dentro do bloco cirúrgico,
estado hipovolêmico absoluto e/ou relativo, consequente causando dificuldades operacionais importantes. Balizado
à perda corporal de fluidos, como na diarreia e na desidra- principalmente pelo manual do ATLS, do Colégio Americano
tação, ou devido à perda de fluido celular do intravascular dos Cirurgiões, é de bom senso que a reposição volêmica no
para o extravascular. politraumatizado seja iniciada o mais rápido possível, e não
se deve tolerar qualquer atraso para transportar o paciente
Tabela 3 - Classificação do choque hipovolêmico para local onde se possa resolver o problema cirúrgico, com
Classe I Classe II Classe III Classe IV a interrupção da fonte de sangramento. Somente isso é ca-
Perda volêmi- paz de tornar viável a redução da perda sanguínea, facilitan-
<15 15 a 30 30 a 40 >40 do inclusive a reposição volêmica adicional. O tratamento
ca (em %)
Perda volêmi- 750 a 1.500 a
do choque hipovolêmico inicia-se obrigatoriamente pela
<750 >2.000 instalação de acessos vasculares que possibilitem a admi-
ca (em mL) 1.500 2.000
nistração de volume de forma adequada. As vias de acesso
Frequência
<100 >100 >120 >140 vascular de eleição são as veias superficiais dos membros
cardíaca (bpm)
superiores. Somente na impossibilidade destas é que se faz
Pressão arte- Sem alte- Sem alte- Hipoten-
Hipotensão a opção por outros acessos vasculares que, em geral, são de
rial rações rações são
maior complexidade. As punções percutâneas de veias cen-
Enchimento Sem alte-
Reduzido Reduzido Reduzido trais em ambiente de emergência estão associadas a riscos
capilar rações
de complicações muito maiores do que quando feitas em
Frequência situações eletivas. Portanto, devem ser evitadas ou realiza-
respiratória <20 20 a 30 30 a 40 >35 das somente por profissionais altamente experientes. Um
(irpm)
acesso vascular frequentemente esquecido é a punção da

52
CHOQUE

veia femoral. Ela tem marcadores anatômicos fixos e está râmetros para avaliação da volemia. Atualmente, há uma
longe de estruturas vitais, podendo ser considerada a 2ª op- tendência a valorizar dados hemodinâmicos ditos dinâmi-
ção em se tratando de acessos vasculares no atendimento cos (variáveis que se alteram com a respiração, sendo a sua
do politraumatizado. Só na impossibilidade de obtenção de principal representante a chamada variação da pressão de

MEDICINA INTENSIVA
acessos vasculares pelas vias expostas anteriormente é que pulso – o delta PP). Tais dados predizem a resposta volêmi-
se deve partir para acessos alternativos, sejam eles punções ca com melhor sensibilidade e especificidade que os dados
de veias centrais (jugular ou subclávia) ou dissecções de estáticos, porém não predizem a necessidade, ou não, de
veias profundas (cefálica, basílica ou safena magna). volume. Durante um ciclo respiratório, há uma oscilação na
Nesta opção, deve prevalecer a maior experiência do pressão intratorácica, a qual se reflete numa variação no en-
profissional que está realizando o procedimento. Em crian- chimento ventricular, de forma cíclica, produzindo pressões
ças menores de 5 anos, quando as dificuldades são maiores, de pulso maiores e menores. Tais variações são mínimas em
tem-se a opção da punção intraóssea, uma via segura e re- pacientes com volemias ditas normais. Em pacientes com
lativamente simples. É realizada na superfície anterolateral volemia reduzida, com a elevação da pressão intratorácica,
da tíbia, 1cm abaixo da sua tuberosidade, em direção cau- ocorre uma redução no enchimento ventricular, levando a
dal, a fim de evitar a placa de crescimento. Posteriormen- uma menor pressão de pulso. A fração percentual do delta
te, esse acesso pode ser substituído, de forma eletiva, por PP é expressa pela fórmula:
outro acesso vascular. Seja qual for o acesso, deve-se ter em
mente que os acessos curtos e de grosso calibre permitem ∆PP% = 100 x (Pp máx – Pp min)/[(Pp máx + Pp min)/2]
administração de volumes grandes de fluidos em menos Ppmáx = Pressão de pulso máxima
tempo, pois apresentam resistência menor ao fluxo. Ppmin = Pressão de pulso mínima
Uma das complicações da reposição volêmica que in-
dependem do fluido administrado deve ser mencionada. A A presença de delta PP acima de 13% prediz que pacien-
hipotermia é uma complicação grave da reposição volêmi- tes serão responsivos à reposição volêmica, ou seja, apre-
ca maciça quando o cuidado no aquecimento dos fluidos sentarão aumento do DC acima de 15% após a infusão de
é negligenciado, sendo responsável por uma série de pro- 500mL de coloide, como demonstrado em estudos clínicos.
blemas, como os distúrbios da coagulação do sangue (dis- O delta PP possui especificidade de 97% e sensibilidade de
função plaquetária e aumento da viscosidade do sangue). A 94% na predição da resposta hemodinâmica ao volume. É
coagulopatia leva à diminuição da perfusão dos pequenos importante lembrar que tal medida deve ser feita com o pa-
ciente sob ventilação mecânica a volume controlado (Vt de
vasos, reduz o metabolismo dos diversos sistemas, desvia
8 a 12mL/kg), sedado, na ausência de arritmias (para que
a curva de dissociação da oxi-hemoglobina para a esquer-
não haja alteração no volume sistólico).
da, dificultando o fornecimento de oxigênio para os teci-
dos, interfere no metabolismo do citrato e do lactato, além
de poder levar a arritmias cardíacas potencialmente fatais
e refratárias. Tudo isso pode ser evitado aquecendo-se as
soluções desde o início da ressuscitação volêmica, também
tendo o cuidado de manter o paciente sempre aquecido. O
tratamento dessa complicação é muito difícil, e a melhor
prática é a sua profilaxia. O edema pulmonar causado por
uma reposição excessiva, assim como coagulopatia dilucio-
nal, são outras potenciais complicações.

E - Formas de monitorização da reposição volêmica


É de suma importância que a reposição volêmica seja
acompanhada de uma monitorização adequada para uma
maior efetividade, sem excessos ou faltas, uma vez que am-
bas são igualmente deletérias ao paciente. Seja qual for a
variável utilizada para determinar a continuidade do trata-
mento de reposição de volume, o importante é determinar
se o paciente está na fase ascendente da curva de Frank-
-Starling (fase volume-responsiva). Os parâmetros hemodi-
nâmicos tradicionalmente utilizados para avaliar a volemia
(PVC, PAPO) sofrem influência de diversos valores externos,
como pressão intratorácica, alterações na complacência
ventricular etc. Dessa forma, os trabalhos mais recentes não
demonstram boa sensibilidade ou especificidade desses pa- Figura 5 - Identificação da PPmáx e PPmin durante 1 ciclo respiratório

53
MEDI C I N A I NTENSIV A

F - Tipos de solução para reposição volêmica cussão clínica ainda é desconhecida. A simples presença ou
a persistência desses distúrbios em pacientes ressuscitados
O tipo de fluido a ser administrado e a rapidez da reposi- com grandes volumes de infusão não podem ser explicadas
ção volêmica serão ditados pelo conhecimento da condição como apenas secundárias ao uso de cristaloides, e outras
do paciente e por cuidadosa monitorização clínico-hemodi- causas devem ser averiguadas, com especial atenção para
nâmica à beira do leito. A escolha do fluido a ser administra- a reposição volêmica incompleta com persistência de um
do depende da função que se pretende substituir, levando déficit perfusional.
em consideração os possíveis efeitos negativos de cada tipo Uma vez que o sódio é um íon predominantemente
de fluido. Hoje, no mercado, existem várias soluções; o que extracelular, se esperaria que a infusão de Solução Salina
não se tem ainda é uma resposta sobre qual a melhor solu- Hipertônica (SSH) a 7,5% induzisse a expansão do volu-
ção para cada situação e, até mesmo, se cada situação exige me intravascular em maior grau que o volume infundido,
um tipo especial de solução de reposição. pois teoricamente a água deve sair do espaço intracelular
a) Cristaloides em direção ao extracelular. Isso tem sido confirmado em
Os cristaloides contêm água e eletrólitos em concen- uma série de estudos que demonstram, ainda, que existe
trações variáveis e podem ser hipotônicos, isotônicos ou um efeito adicional no aumento do DC e na redução da re-
hipertônicos em relação ao plasma. São os fluidos mais fre- sistência vascular sistêmica, que é maior que a esperada
simplesmente pelo aumento da volemia. Esse fato parece
quentemente utilizados na ressuscitação volêmica de pa-
estar relacionado com fenômenos metabólicos vasculares
cientes graves, e existem vários trabalhos que demonstram
na artéria pulmonar, pois não é reproduzido em corações
a sua eficácia neste contexto. Os principais exemplos são o
isolados. Adicionalmente, a SSH é capaz de reduzir a pres-
Ringer lactato e o soro fisiológico.
são intracraniana de forma tão eficiente quanto o manitol,
Por causa do pequeno tamanho de suas moléculas, as
sendo um fluido bastante conveniente na ressuscitação de
soluções cristaloides cruzam livre e rapidamente o endo-
pacientes politraumatizados que se apresentem hipotensos
télio vascular, equilibrando-se em poucos minutos com o
e com traumatismo cranioencefálico associado. De modo
líquido extravascular. Isso pode levar a um rápido acúmu-
geral, a SSH é um expansor plasmático eficiente, com me-
lo de líquidos no espaço intersticial. Também, por causa
nor grau de edematogênese, tem baixo custo e é livre de
do rápido extravasamento do fluido para o extravascular,
riscos de infecção.
seus efeitos hemodinâmicos máximos acontecem imedia-
Como efeitos indesejáveis, a SSH pode provocar au-
tamente após a infusão e perduram por pouco tempo, sem
mentos significativos da osmolaridade, do sódio e do cloro.
produzir efeitos duradouros sobre o sistema cardiovascular,
Teme-se a redução rápida do volume cerebral com risco de
exigindo novas infusões para a manutenção do efeito he-
sangramento intracraniano, bem como o desencadeamen-
modinâmico inicial. Existem estudos que demonstram que
to de quadro neurológico grave conhecido como mielinólise
menos de 20% do Ringer lactato permanecem no espaço in-
fibropontina. Ainda, ao menos em tese, a rápida melhora
travascular cerca de 2 horas após o término da sua infusão.
hemodinâmica do paciente pode resultar em aumento do
De maneira geral, as soluções cristaloides são seguras,
sangramento em vasos traumatizados e ainda não hemos-
atóxicas, não reagentes, baratas e prontamente disponí-
tasiados.
veis. As complicações comumente descritas incluem as re-
Em pacientes com choque hemorrágico, a reposição vo-
lacionadas à ressuscitação incompleta, como choque pro-
lêmica inicial deve ser realizada com expansores cristaloides
gressivo, insuficiência renal aguda etc., pois os pacientes
como o Ringer lactato ou o soro fisiológico. Para pacientes
podem precisar de quantidades muito grandes de fluidos.
em choque séptico, o Ringer simples ou o soro fisiológico
Outra complicação é o acúmulo de líquido no espaço inters- são os mais indicados. Nos grandes queimados, a reposição
ticial, conforme citado, causando a um profissional menos nas primeiras 24 horas é feita com Ringer lactato.
experiente a impressão de que a necessidade de líquidos
já foi contemplada. Existe muita discussão na literatura se b) Coloides
esse edema excessivo é ou não prejudicial aos pacientes. A A albumina é a principal proteína no soro e responde
diluição das proteínas plasmáticas, com queda importante por 80% da pressão coloidosmótica do plasma, sendo essa
da pressão coloidosmótica, é uma complicação conhecida a sua principal função no organismo. Tem, ainda, impor-
do uso de cristaloides e pode contribuir para o edema pe- tante papel como proteína transportadora de inúmeras
riférico. Concomitantemente, em pacientes com choque substâncias, incluindo drogas, hormônios etc., além da
hemorrágico, a reposição volêmica pode levar a uma dilui- capacidade de atuar como removedor de radicais livres,
ção das proteínas participantes da cascata de coagulação, podendo limitar o processo lesivo da peroxidação dos li-
responsabilizando-se pela perpetuação de distúrbios he- pídios. As soluções de albumina são extraídas do plasma
morrágicos. humano e processadas com a finalidade de inativação de
Complicações específicas de cada solução são possíveis, vírus, sem haver risco de transmissão de doenças infecto-
como o aparecimento ou agravamento da acidose hiper- contagiosas com o seu uso, e são apresentadas soluções
clorêmica quando se usa soro fisiológico, porém sua reper- de 5, 20 e 25%.

54
CHOQUE

Deve-se lembrar que, no plasma humano, a albumina sua infusão ao aparecimento ou agravamento de distúrbios
se encontra em solução a 5%, e que reposições com solu- da coagulação sanguínea sem, contudo, estar relacionado a
ções acima disso levarão à transferência de líquido do espaço sangramento clinicamente evidente. Quando se utilizam as
extra para o intravascular, existindo então a necessidade de doses preconizadas pelo fabricante, raramente se observa o

MEDICINA INTENSIVA
repor líquido para completar esse espaço. A albumina admi- aparecimento de coagulopatias.
nistrada distribui-se inicialmente para o espaço intravascular, A anafilaxia é um fenômeno raro, ocorrendo em menos
mas sofre redistribuição progressiva para o espaço intersti- que 0,085% das infusões. Com frequência, aumentos nos
cial. Sua meia-vida no espaço intravascular é de 16 horas, níveis séricos da amilase têm sido relatados, podendo atin-
muito maior, portanto, que a das soluções cristaloides. gir até o triplo dos valores de referência sem, no entanto,
Atualmente, diversas críticas têm surgido em relação ao serem observadas quaisquer alterações na função pancre-
uso da albumina como solução coloide de expansão volê- ática. O pentamido apresenta os mesmos efeitos indesejá-
mica, incluindo o seu elevado custo em relação às soluções veis que o hetamido, mas parece interferir menos nos parâ-
metros da coagulação. O hidroxietilstarch a 6% é um hidro-
cristaloides e à falta de estudos que comprovem maior taxa
xietilamido relativamente novo (Voluven®) e compreende
de sobrevida com a sua utilização. Além disso, há relatos
a 3ª geração dos coloides. Possui as mesmas propriedades
de piora da função respiratória quando se utiliza albumi-
terapêuticas dos amidos de médio peso molecular, porém,
na na ressuscitação, mas isso não é unânime em todos os
com muito menor incidência de efeitos colaterais. É um dos
trabalhos que a compararam com cristaloides. Contudo, é amidos mais utilizados atualmente em terapia intensiva.
inequívoco que ressuscitações feitas com soluções coloides Os dextranas são misturas de polímeros de glicose de
necessitem de menores quantidades de fluidos e estejam vários tamanhos e pesos moleculares produzidos por bacté-
relacionadas a menor ganho de peso durante o procedi- rias em meio contendo sacarose. Seu peso molecular pode
mento e possam ser feitas em um menor intervalo de tem- variar muito, mas os dextranas mais usados na prática mé-
po. A ocorrência de reações alérgicas é muito rara com o dica apresentam peso molecular médio de 40.000 dáltons
uso de albumina. (dextrana-40), comercialmente disponíveis em solução a
Os hidroxietilamidos são uma classe de moléculas sinté- 10%, ou 70.000 (dextrana-70), comercialmente disponíveis
ticas semelhantes ao glicogênio. Tais soluções contêm par- em solução a 6%.
tículas de vários pesos moleculares, resultando em misturas A expansão e a duração do efeito dos dextranas variam
muito heterogêneas, mas que são designadas por seu peso de acordo com o peso molecular médio e a velocidade de
molecular médio. O hetamido (Hetastarch®) foi produzido sua eliminação no plasma. As moléculas menores são ra-
a partir de uma modificação da amilopectina submetida à pidamente filtradas pelo glomérulo e podem determinar
hidroxilação, o que permite maior resistência à degradação diurese leve. As moléculas maiores ficam armazenadas
pela amilase, aumentando sua meia-vida no plasma. O vo- nos hepatócitos e células do tecido reticuloendotelial, sem
lume intravascular aumenta mais que a quantidade infundi- qualquer toxicidade, e são finalmente metabolizadas a CO2
da, visto que a pressão coloidosmótica é alta e retira líquido e água. O maior peso molecular do dextran-70 leva à ex-
do interstício. Sua permanência no intravascular é muito creção mais lenta, determinando expansão de volume mais
mais duradoura que a dos cristaloides e pode perdurar até prolongada, sendo esta a solução preferida quando o obje-
24 horas. Em inúmeros trabalhos clínicos, o hetamido mos- tivo é a expansão de volume. Em um trabalho clínico, a in-
trou-se tão eficiente quanto a albumina, ou até mesmo su- fusão de 1L de dextran-70 levou a um aumento do volume
perior a ela. O fabricante recomenda uma dose-teto diária plasmático de 790mL, o que foi comparável com o hetami-
de até 20mL/kg, mas em inúmeros estudos essa quantidade do a 6% e superior à albumina a 5%.
A expansão volêmica com dextrana-40 a 10% é ainda
foi ultrapassada sem que tivessem sido observadas compli-
mais potente que com o dextrana-70, visto que o 1º é mais
cações clínicas relevantes.
hiperoncótico que o 2º; contudo, tal expansão dura muito
Mais recentemente, novas modificações na fórmula do
menos tempo, pois sua excreção é mais rápida. O volume
hetamido levaram ao aparecimento do pentamido (Pentas-
de expansão é cerca de 1,5 vez o volume infundido, mas
tarch®), uma solução com peso molecular mais baixo, com a duração é máxima ao final da expansão e não ultrapassa
um tamanho de partículas em solução mais homogênea e 1,5 hora após o término da infusão. Ambos, mas em muito
menor substituição com hidroxietilamido. Essas mudanças maior grau o dextrana-40, reduzem a viscosidade do san-
levam a uma excreção mais rápida e homogênea, a uma gue, o que pode facilitar o fluxo sanguíneo periférico em
geração de maior pressão coloidosmótica e a um aumen- pacientes com choque circulatório.
to proporcionalmente maior da volemia (cerca de 1,5 vez o A infusão de dextranas pode estar relacionada a vários
volume infundido). No entanto, há menor duração do efei- problemas potencialmente sérios. Moléculas de dextranas
to hemodinâmico (em torno de 12 horas). O pentamido é podem depositar-se nos túbulos renais, principalmente em
apresentado como solução a 10%. pacientes hipovolêmicos e com disfunção renal prévia, com
O principal problema potencialmente relacionado à in- reabsorção ativa de água nos túbulos, levando à insuficiên-
fusão de hetamido é o desenvolvimento de coagulopatia. cia renal aguda. Isso é muito mais frequente com o dextra-
Em vários estudos clínicos, demonstrou-se a associação de na-40, sendo o dextrana-70 raramente relacionado a essa

55
MEDI C I N A I NTENSIV A

complicação. Reações anafiláticas e anafilactoides podem O Plasma Fresco Congelado (PFC) é a porção líquida de
ocorrer e são descritas em 0,03 a 5% dos casos. Ambas as uma unidade de sangue centrifugada e rapidamente conge-
soluções produzem defeito na coagulação, que é dose-de- lada com o intuito de preservar as proteínas da coagulação.
pendente e de origem multifatorial, mas está principalmen- Deve ser usado com o propósito único de repor fatores de
te relacionado com diminuições da adesividade e agrega- coagulação, em pacientes que estejam clinicamente san-
ção plaquetárias, sendo mais comumente observado com o grando e, de forma ideal, guiado por coagulogramas (ex-
dextrana-70. Para evitar essa complicação, deve-se limitar a ceção feita a pacientes em choque sob reposição maciça e
infusão dos dextranas a não mais que 20mL/kg/dia. Outros que estejam sangrando patologicamente). A utilização de
problemas também relatados com o uso de dextranas são a PFC para reposição volêmica ou como suplemento nutritivo
interferência com as provas cruzadas de tipagem sanguínea é uma prática condenável.
e dificuldades para dosar a glicemia. O armazenamento correto é fundamental para a ma-
Gelatinas são polipeptídios derivados do colágeno bovi- nutenção das funções hemostáticas plenas das plaquetas,
no e modificados e apresentam pesos moleculares de apro- necessitando serem conservadas entre 22 e 24°C e sob agi-
ximadamente 35.000Da, o que leva à rápida eliminação tação contínua; mesmo assim, não duram mais que 5 dias.
renal de um grande percentual das soluções e a um tempo Assim como o PFC, o Concentrado de Plaquetas (CP) não
de permanência no espaço intravascular muito curto, com deve ser usado de forma profilática ou a partir de fórmulas
meia-vida de 2,5 horas. A mais importante toxicidade re- fixas, mas somente em pacientes que apresentam plaque-
lacionada com gelatinas é a reação anafilactoide, ou até topenia com a presença de sangramento microvascular.
mesmo reação anafilática, cuja incidência é estimada em Nos últimos anos, tem havido uma dramática reavaliação
0,146%. A rápida infusão dessa solução está relacionada das indicações de transfusões de hemoderivados. Ao menos
à liberação de histamina em alguns pacientes. Elas ainda em parte, essa atitude foi decorrente da epidemia da síndro-
podem causar redução dos níveis séricos de fibronectina, me de imunodeficiência adquirida (AIDS) e do conhecimento
mas a importância clínica não é clara. Obviamente, todas as de outras doenças adquiridas a partir da transfusão de san-
soluções discutidas neste capítulo não têm a capacidade de gue e derivados. A transfusão de hemoderivados está sendo
aumentar o transporte de oxigênio. Apesar de várias subs- cada vez mais considerada, tanto pela comunidade médica
tâncias testadas para esse fim, nenhuma delas ainda está como pelos leigos, como um procedimento potencialmen-
disponível para o uso clínico. te perigoso (em última análise, um transplante de tecido).
c) Hemoderivados O risco de transmissão de doenças infecciosas é somente
uma das complicações sérias da hemotransfusão. Qualquer
O Concentrado de Hemácias (CH) deve ser utilizado
micro-organismo existente no sangue pode ser transmitido
somente quando há indicação específica de aumentar a
pela transfusão. As hepatites B e C são as doenças mais fre-
capacidade de oferta de oxigênio do paciente. A prática
quentemente associadas a essa prática. Apesar de se realizar
habitual dos bancos de sangue modernos é usar terapia
pesquisa sistemática para detecção do vírus HIV, pode haver
com componentes, não sendo mais indicada a transfusão
transmissão durante a janela imunológica, período entre o
de sangue total. Existem muitas vantagens para terapia
momento da infecção e o aparecimento de anticorpos de-
com componentes: 1 - o paciente recebe somente aquilo
tectáveis na corrente sanguínea. O risco atual é de cerca de 1
de que necessita, sem ser exposto a um volume excessivo
para cada 40.000 a 100.000 unidades ou menos.
ou a componentes desnecessários; 2 - isso permite uma
Aliadas à transmissão de doenças, existem as reações
utilização mais eficiente, racional e econômica de um re-
transfusionais que são, em sua maioria, leves, mas que po-
curso escasso; 3 - também permite que cada componente
dem eventualmente ser fatais ou levar a graves complica-
ou fração seja armazenado de forma a preservar por mais
ções, como a insuficiência renal ou a SDRA. Relatos recen-
tempo sua respectiva função; 4 - tudo isso leva a uma maior
tes levam a crer que exista um efeito imunossupressor da
disponibilidade desses componentes para os casos em que
transfusão, em que se associam o número de transfusões
realmente são necessários. O objetivo da transfusão de CH
ao risco de desenvolvimento de infecções pós-operatórias
deve ser sempre aumentar a capacidade de oferta de oxi-
e também de disfunção orgânica múltipla. Ainda neste tó-
gênio do sangue para os tecidos e, assim, aumentar o seu
pico, há preocupação em relação ao aumento do risco de
consumo, a condição metabólica de consumo dependente
recidiva tumoral ou reativação de citomegalovírus.
do fornecimento. Concomitantemente à reposição volêmi-
ca, a normalização do índice cardíaco e a manutenção de
oxigenação adequada do sangue, o aumento do hematócri- 5. Choque cardiogênico
to pode ser eficiente. Contudo, muitas perguntas ainda não
foram respondidas, como: qual é o valor ideal do hemató- A - Introdução
crito? O que se tem claro no momento é que não existe um
valor mágico que contemple todos os pacientes e situações O choque cardiogênico é a forma mais severa de falên-
clínicas, e que cada situação deve ser avaliada isoladamen- cia ventricular esquerda, leva a um estado de hipoperfusão
te, levando-se em conta a reserva fisiológica dos diversos tecidual devido à diminuição da função sistólica e do DC
órgãos e sistemas, inclusive a reserva fisiológica coronária. e ocorre em 5 a 10% dos casos de Infarto Agudo do Mio-

56
CHOQUE

cárdio (IAM), o qual é a sua causa principal. A mortalidade do consumo de O2 (VO2). Consequentemente, surge acidose
gira ao redor de 70%, apesar dos grandes avanços em seu metabólica com hiperlactacidemia decorrente do metabo-
tratamento. Além do IAM, pode também ser causado por lismo celular anaeróbico. Um fato de extrema importância
tamponamento pericárdico, miocardiopatia pós-CEC (circu- é que o uso de cateter de artéria pulmonar não mostrou im-

MEDICINA INTENSIVA
lação extracorpórea), disfunção valvular, arritmias, miocar- pacto sobre a mortalidade. Dentre os exames diagnósticos
diopatias, insuficiência ventricular direita e sepse. O estu- importantes para o diagnóstico e a monitorização da tera-
do MILIS (Multicenter Investigation of Limitation of Infarct pêutica, podem-se citar eletrocardiograma, radiografia de
Size), publicado em 1989, apontou como fatores preditivos tórax, ecocardiograma, marcadores de necrose miocárdica,
e independentes para o desenvolvimento de choque car- fator natriurético atrial (BNP), além da cineangiocoronario-
diogênico: idade superior a 65 anos, elevações de CPK-MB grafia, este último fundamental também para o tratamento
maiores que 160UI/L, fração de ejeção menor que 35%, dia- desta condição.
betes e IAM prévio. A incidência é maior no sexo feminino e A seguir, os perfis hemodinâmicos e clínicos possíveis
nos pacientes com IAM de topografia anterior. dentro da condição clínica de IC descompensada, em que
o choque cardiogênico é caracterizado pelo perfil L e C (pa-
B - Fisiopatologia ciente frio, podendo ou não estar congesto). O edema agu-
O estado de choque cardiogênico em pacientes com do pulmonar é caracterizado pelo perfil B.
IAM resulta de um círculo vicioso que perpetua a isque-
mia e a falência miocárdica. A oclusão coronariana leva à
isquemia miocárdica, ocorrendo diminuição da contratilida-
de ventricular esquerda e queda da performance cardíaca,
causando hipotensão arterial. O estado de hipotensão, as-
sociado a mecanismos fisiológicos de resposta ao choque
(sistema renina-angiotensina-aldosterona, catecolaminas),
leva a um déficit de perfusão coronariana, taquicardia e
aumento do consumo de O2 (VO2) miocárdico, piorando a
isquemia e comprometendo mais a função miocárdica. Os
mesmos mecanismos de resposta associados ao baixo DC
causam diminuição da perfusão tecidual e hipóxia regional
e, consequentemente, dão início à disfunção de múltiplos
órgãos.
Tabela 4 - Causas de choque cardiogênico
- Taquiarritmias;
- Bradiarritmias; Figura 6 - Perfil hemodinâmico e clínico da IC/choque cardiogênico
- Falência de bomba; e medidas terapêuticas associadas. Na imagem são classificados
- IAM; como “úmidos” os pacientes que apresentam congestão, enquan-
- Miocardiopatias; to pacientes sem congestão são chamados “secos”. Pacientes com
perfusão não adequada são classificados como “frios”, e pacientes
- Disfunção valvar aguda; com boa perfusão são classificados como “quentes”. PCP: Pressão
- Ruptura do septo interventricular ou da parede livre. Capilar Pulmonar e IC: Índice Cardíaco

C - Diagnóstico
D - Tratamento
O quadro clínico caracteriza-se por hipotensão, conges-
tão pulmonar, dispneia, oligúria e confusão mental, presen- Apesar de o tratamento atual do IAM ter melhorado o
tes na maioria dos casos de baixo débito. Como tais sinais e prognóstico e a sobrevida a curto e longo prazos, a mor-
sintomas podem estar presentes em outras condições clíni- talidade no choque cardiogênico ocasionado por IAM per-
cas que não o choque cardiogênico, pode-se lançar mão da manece elevada, sendo relacionada ao grau de disfunção
monitorização hemodinâmica invasiva pelo cateter de arté- miocárdica resultante. As medidas terapêuticas do choque
ria pulmonar, tanto para diagnóstico como para orientação cardiogênico visam limitar a perda do miocárdio isquêmi-
no tratamento. Os achados da monitorização invasiva mos- co e a manutenção de um DC adequado às necessidades
tram usualmente pressão sistólica menor que 90mmHg, metabólicas. Deste modo, a base do tratamento do choque
índice cardíaco menor que 1,8L/min/m2, PCP maior que cardiogênico relacionada ao IAM está no restabelecimento
18mmHg e índice de RVS maior que 2.000dyn/s/m2. Além do miocárdio lesado e na limitação da área de necrose.
disso, ocorre um aumento na fração de extração do O2 de- A reperfusão precoce diminui a mortalidade associada
corrente da diminuição da oferta de O2 (DO2) e aumento ao choque cardiogênico pós-IAM (estudos GUSTO I e Shock

57
MEDI C I N A I NTENSIV A

Trial), e a reperfusão mecânica ou cirúrgica constitui a base tão direita. O método mais simples e confiável para o diag-
terapêutica. Deve-se garantir um suporte ventilatório que nóstico é a realização de eletrocardiograma com derivações
mantenha uma saturação de oxigênio acima de 90%, através à direita (V3R e V4R). Os achados hemodinâmicos são baixas
do uso de oxigenoterapia por máscara ou cateter, Ventilação pressões de artéria e capilar pulmonar com PVC muito alta.
Não Invasiva (VNI) ou ventilação invasiva a depender da gra- O tratamento do infarto do VD consiste na administração de
vidade do quadro. A VNI diminui a pré e a pós-carga, aumen- volume para a obtenção de um enchimento adequado do VD
ta o DC e diminui o shunt pulmonar. Pacientes hipotensos com a máxima utilização do mecanismo de Starling. A utiliza-
sem sinais de congestão pulmonar devem receber expansão ção de aminas simpatomiméticas é indicada à manutenção
volêmica com cristaloides ou coloides, não albumina. da frequência cardíaca e ao aumento do inotropismo. Den-
Nos casos de hipotensão associada à congestão pulmo- tre estas, drogas como a dopamina e a noradrenalina podem
nar, devem-se utilizar drogas vasopressoras, como a norepi- aumentar a RVP e dificultar o esvaziamento do VD, devendo
nefrina (doses de 2 a 20μg/min) ou a dopamina (doses de 5 ser usadas criteriosamente. Esse efeito não é observado com
a 20μg/kg/min). Tais drogas aumentam o DC, melhorando a dobutamina, que pode ser utilizada no infarto do VD refra-
a oferta de oxigênio aos tecidos. Agentes inotrópicos, como tário à reposição volêmica, por apresentar efeito inotrópico
a dobutamina, são úteis, visto que melhora a contratilidade e vasodilatador da árvore arterial pulmonar. A manutenção
cardíaca, porém tal droga também leva a um aumento do de ritmo sinusal com antiarrítmicos, cardioversão ou uso de
consumo de ATP pelo miocárdio, com aumento no consumo marca-passo é importante para garantir a contração atrial e
de oxigênio. Além disso, aumenta o DC e diminui a resistên- preservar o enchimento do VD. Os vasodilatadores e diuréti-
cia vascular sistêmica e pulmonar. cos devem ser evitados, pois reduzem o enchimento do VD.
Quanto aos pacientes refratários à dobutamina, podem- O BIA não se mostrou benéfico no caso de comprometimen-
-se utilizar os inibidores da fosfodiesterase, como a milri- to isolado do VD.
nona (doses de 0,5 a 0,75μg/kg/min), a qual leva a um au-
mento no inotropismo cardíaco e à vasodilatação sistêmica 6. Choque obstrutivo
e pulmonar. O levosimendana é um sensibilizador de canais
de cálcio, também inotrópico positivo. Existem estudos O mecanismo principal do choque obstrutivo (Tabela 5)
mostrando que tal agente pode ser utilizado no choque car- é o impedimento do enchimento adequado ventricular, con-
diogênico pós-IAM, com melhora na hemodinâmica vascu- sequência de um bloqueio mecânico ao fluxo sanguíneo na
lar, sem levar à hipotensão. circulação sistêmica ou pulmonar, com queda na perfusão
Drogas como nitroglicerina e nitroprussiato também po- tecidual. Os pacientes apresentam sinais e sintomas de baixo
dem ser utilizadas, com indicações específicas, como vaso- DC, como hipotensão, sudorese, taquicardia, taquipneia, oli-
dilatação, mas não devem ser usadas no choque. Pacientes gúria, confusão mental. É sempre muito importante, em tais
com IAM devem receber aspirina e heparina em dose ple- casos, a suspeita clínica para o adequado manejo do pacien-
na, além dos inibidores de glicoproteína IIb/IIIa. Esta última te. Exames como radiografia de tórax, eletrocardiograma,
droga melhora o prognóstico de pacientes com angina ins- ecocardiograma, gasometria arterial, D-dímero e tomografia
tável de alto risco e IAM sem supradesnivelamento de ST. de tórax helicoidal são importantes para a confirmação diag-
É importante lembrar que faz parte do tratamento, em nóstica. O tratamento baseia-se naquele do choque hipo-
situações específicas, o uso do suporte circulatório mecâ- volêmico, associado à resolução da causa do choque, como
nico com Balão Intra-Aórtico (BIA), o qual é locado na aor- pericardiocentese nos casos de tamponamento cardíaco, ci-
ta descendente torácica distal à artéria subclávia esquerda rurgia na coarctação de aorta e uso de trombolíticos ou em-
através da inserção via artéria femoral. Ele insufla na diásto- bolectomia nos casos de embolia pulmonar.
le e insufla na sístole, aumentando o fluxo diastólico para as
coronárias e diminuindo a pós-carga na sístole, com conse- Tabela 5 - Causas de choque obstrutivo
quente aumento no índice cardíaco. De acordo com a Ame- - Pneumotórax hipertensivo;
rican College of Cardiology (ACC) e a American Heart Society
- Doença pericárdica;
(AHA), o BIA tem indicação classe I àqueles com choque
cardiogênico não responsivo ao tratamento medicamento- - Tamponamento cardíaco;
so ou com complicações mecânicas. - Coarctação de aorta;
- Embolia pulmonar.
E - Choque cardiogênico associado a infarto de
ventrículo direito
O infarto do VD ocorre em 33% dos casos de IAM infe- 7. Choque distributivo
rodorsal, embora seja clinicamente evidente em 8% deles.
O baixo débito decorrente resulta da incapacidade do VD
A - Introdução
de fornecer adequado enchimento ao VE. O quadro clínico É caracterizado pela diminuição da resistência vascular
mostra sinais de baixo débito associado a sinais de conges- sistêmica, associado frequentemente a um aumento no dé-

58
CHOQUE

bito cardíaco. Neste tipo de choque existe o que chamamos a) Diagnóstico e classificação da sepse
de shunt, ou seja, existem áreas com fluxo sanguíneo exces- Sepse é definida como um quadro de SIRS (síndrome da
sivo em relação à demanda metabólica e áreas com fluxo resposta inflamatória sistêmica) de origem infecciosa, seja
insuficiente para tal demanda.

MEDICINA INTENSIVA
esta confirmada ou presumível. Qualquer agente infeccioso
pode ser responsável por um quadro séptico: bactérias, ví-
Tabela 6 - Causas de choque distributivo
rus, fungos ou outros agentes parasitários. A SIRS é definida
- Choque séptico;
pela presença de 2 em 4 critérios:
- SIRS; - Febre ou hipotermia (temperatura maior que 38,3°C
- Choque anafilático e reações anafilactoides; ou menor que 36°C);
- Choque neurogênico; - Frequência cardíaca maior que 90bpm;
- Reações a drogas e toxinas (picadas de insetos, reações trans- - Frequência respiratória maior que 20irpm ou PaCO2
fusionais); menor que 32mmHg;
- Insuficiência suprarrenal aguda; - Leucocitose (maior que 12.000 leucócitos), leucopenia
- Coma mixedematoso. (menor que 4.000) ou desvio à esquerda (mais que
10% de bastões no leucograma).
B - Choque neurogênico
Realizado o diagnóstico de sepse, deve-se graduar a gra-
O choque neurogênico é forma infrequente de síndro- vidade do paciente (Consenso de 1992), já que essa classi-
me clínica de choque. Sua principal causa é o trauma cervi- ficação tem implicações no seu tratamento e prognóstico:
cal associado à lesão medular alta, geralmente acima de C5. - Sepse: presença de SIRS em resposta a uma infecção;
Com a interrupção do controle autonômico do tônus vascu- - Sepse grave: sepse associada à disfunção orgânica em
lar sistêmico ocorre grande redução da pré-carga, pois há 1 ou mais órgãos;
diminuição do retorno venoso pela vasodilatação dos 2 ter- - Choque séptico: sepse com hipotensão e hipoperfu-
ritórios. Outro componente que auxilia no surgimento do são não responsivas à ressuscitação volêmica, necessi-
choque neurogênico é a bradicardia que se desenvolve pela tando do uso de drogas vasoativas;
ausência da modulação parassimpática. Assim, é frequen-
te e chama a atenção para esta etiologia quando ocorre a
- Disfunção de múltiplos órgãos: presença de função
orgânica gravemente alterada em pacientes seriamen-
apresentação de hipotensão sem a taquicardia reflexa, ca- te enfermos, nos quais a homeostase não pode ser
racterística das demais formas de choque. Seu tratamento mantida sem intervenção. Os casos de sepse grave ou
é mediado por vasopressores, reposição volêmica e crono- choque séptico devem ser conduzidos, preferencial-
trópicos. mente, em ambiente de terapia intensiva.
C - Choque anafilático b) Hemodinâmica da sepse
O choque anafilático é a forma mais grave e intensa da As alterações hemodinâmicas observadas no choque
reação inflamatória alérgica e é caracterizado pela libera- séptico são marcadores do quadro metabólico (real deter-
ção maciça de histamina, um potente vasodilatador. O tra- minante do prognóstico), produzido pelos mediadores da
tamento é baseado no uso de vasopressores, adrenalina e resposta inflamatória. Fisiopatologicamente, ocorrem:
corticoide. - Interação complexa micro-organismo-hospedeiro, de-
pendendo do agente causador e local da infecção;
D - Choque séptico - Liberação de inúmeros mediadores inflamatórios res-
ponsáveis por muitas das características clínicas;
Dentre as causas de choque distributivo, a sepse é a de
- Citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-alfa levam ao aumento
maior relevância. A incidência de choque séptico tem au- na produção de óxido nítrico (NO), responsável pela
mentado progressivamente nas últimas décadas devido a vasoplegia.
diversos fatores, dentre os quais se destacam: o aumento
da realização de procedimentos invasivos, maior emprego A liberação de citocinas ativa os leucócitos, com seu re-
de terapia imunossupressora e aumento da população de crutamento no local da infecção, sua adesão ao endotélio,
faixa etária elevada. Apesar dos avanços no entendimento diapedese, com liberação nos tecidos de espécies reativas
dos mecanismos fisiopatológicos da sepse, no desenvolvi- de oxigênio e enzimas, contribuindo para a Disfunção de
mento de novos recursos diagnósticos, nas monitorizações Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS).
hemodinâmica e metabólica e nos progressos terapêuticos, A ativação das células do sistema imunológico ocasiona
a mortalidade do choque séptico se mantém elevada, per- a cascata de coagulação com expressão de fator tecidual e
manecendo com valores acima de 40%, sendo atualmente inibição da fibrinólise, levando à formação de microtrom-
uma das principais causas de mortalidade na maioria das bos nos capilares, reduzindo o fluxo sanguíneo e perpetu-
UTIs e a principal causa de morte não coronariana em UTI. ando a hipóxia.

59
MEDI C I N A I NTENSIV A

A hipovolemia é uma complicação frequente nas fases Com a evolução da sepse, a lipólise é aumentada, e há redu-
iniciais do choque séptico, e diversos fatores contribuem ção na atividade da lipase lipoproteica (LLP). Com o aumen-
para sua instalação, dentre eles, aumento na capacitância to no catabolismo proteico, há perda de massa muscular e
venosa, aumento na permeabilidade vascular e desidratação consumo aumentado de aminoácidos de cadeia ramificada,
induzida por vômitos, diarreia, febre, taquipneia e poliúria. que leva a um aumento na excreção de nitrogênio urinário.
Outros fatores contribuintes são o sequestro de líquidos nos Esse estado de catabolismo acelerado é estimulado pelos
territórios esplâncnicos e o aumento generalizado na perme- mediadores inflamatórios. Uma vez interrompida sua ativi-
abilidade vascular sistêmica e pulmonar. O desvio na síntese dade, restabelece-se o balanço nitrogenado.
proteica hepática, no sentido da produção de proteínas de c) Comprometimento dos órgãos na sepse
fase aguda, promove queda na produção de albumina, que
reduz a pressão oncótica plasmática, agravando a hipovole- Um dos critérios de disfunção orgânica utilizados é o de
mia. A magnitude da perda hídrica nas fases iniciais do cho- Bone RC et al. (Tabela 7).
que séptico pode ser acentuada e atingir volumes equivalen- Tabela 7 - Critérios de disfunção orgânica na sepse
tes de 1 a 2L de coloides, ou 4 a 8L de cristaloides. O DC na Disfunção orgânica Sinais e sintomas
sepse é tipicamente normal ou elevado. A RVS é baixa, com
SNC Alteração do nível de consciência
tendência a aumento da resistência vascular pulmonar. Esse
PAS ≤90 ou PAM ≤65 ou uso de drogas
padrão hiperdinâmico, característico da sepse, só não é ob-
Cardiovascular vasoativas a despeito da ressuscitação
servado quando ocorre hipovolemia acentuada ou quando
volêmica adequada
há limitação no desempenho cardíaco.
Respiratória PaO2/FiO2 <300
É importante lembrar-se da disfunção cardíaca da sepse,
na qual diversos fatores podem contribuir, dentre os quais Diurese <0,5mL/kg/h (por 2h) ou e/ou
Renal
creatinina >2
se destacam as alterações na dinâmica do cálcio intracelu-
lar, o decréscimo na atividade da ATPase miofibrilar e a pre- pH <7,3 ou BE <-5 com lactato plasmá-
Metabólica
tico <1,5 o valor normal
sença de fatores circulantes com atividade cardiodepresso-
ra. A monitorização da PVC é um procedimento rotineira- Plaquetas <100.000 ou queda de 50%
Hematológica
mente empregado para nortear a reposição volêmica em em 72h e/ou INR >1,5 ou TTPA >60s
pacientes críticos. Em pacientes sépticos, a confiabilidade Hepática Hiperbilirrubinemia (BT ≥2mg/dL)
da PVC em refletir a pressão de enchimento do VD se limita
ao intervalo de baixos valores de PVC. Em outras palavras, d) Princípios terapêuticos no choque séptico
uma PVC baixa permite reposição volêmica generosa com Embora os últimos anos tenham apresentado uma
certa segurança; porém, na presença de PVC normal ou enorme expansão do conhecimento da fisiopatologia da
alta, apenas a medida da PCP pode orientar a reposição de sepse, com o reconhecimento das múltiplas cascatas de in-
volume necessária, sem risco de provocar edema pulmonar. flamação e da coagulação, além de melhora dos recursos
Um desequilíbrio entre a demanda e a oferta de oxigê- para a avaliação hemodinâmica, o tratamento continua a
nio é característico no choque séptico. Na presença de hi- ser o de suporte. É verdade que as técnicas de suporte se
permetabolismo, a demanda de oxigênio encontra-se bas- desenvolveram, mas o impacto sobre a mortalidade ainda
tante aumentada, sendo necessário um aumento na oferta é modesto.
ou na extração de O2 para manter o consumo equilibrado. O alvo principal do tratamento ainda é a erradicação da
Por ação das citocinas e do fator depressor miocárdico, infecção. Utilização de antibióticos e drenagem cirúrgica
ocorre limitação na capacidade de adequação entre oferta (quando indicada) são a pedra fundamental no tratamento.
e consumo de O2, o que se refletirá em isquemia tecidual e De forma geral, o principal objetivo terapêutico no manejo
elevação do lactato. de pacientes em choque séptico é a manutenção de uma
Nos períodos iniciais da sepse, a persistência de um oxigenação adequada em todos os órgãos.
quadro hiperdinâmico, com débito e frequência cardíaca De grande importância no manejo dos pacientes com
elevados, por mais de 24 horas, associa-se a pior prognós- sepse grave/choque séptico é a campanha denominada
tico. Os pacientes que, superada a fase inicial, conseguem Surviving Sepsis Campaign (SSC). Trata-se de um projeto
manter um consumo de O2 adequado, com normalização do global, multiorganizacional, criado em outubro de 2002,
lactato, são os que têm melhor prognóstico. durante um Congresso Europeu/Barcelona e revisada no
Nas fases iniciais da sepse, os principais substratos ano de 2006, com o objetivo de combater essa doença e
energéticos são representados pelos carboidratos (glicose, reduzir os níveis inaceitáveis de mortalidade. Por esse pro-
glicerol e lactato), os aminoácidos de cadeias ramificadas jeto, foram desenvolvidas diretrizes para o tratamento des-
provenientes da musculatura esquelética e os ácidos graxos ta condição clínica. Criaram-se os bundles (feixes) da sepse,
de cadeia média e curta. Nesta fase, há intensa liberação que constituem um grupo de intervenções relacionadas a
hepática de glicose, devido ao aumento na gliconeogênese um processo de doença que, quando executados juntos,
e glicogenólise, induzida pelos mediadores inflamatórios. resultam em melhor evolução do que quando implementa-

60
CHOQUE

dos isoladamente. O manejo da sepse foi dividido naquelas - Deve-se guiar a escolha do antibiótico de acordo com
terapias que devem ser realizadas nas primeiras 6 horas do o perfil de sensibilidade da instituição;
quadro e em outras que devem ser feitas nas primeiras 24 - Drenagem de abscessos, desbridamento de tecidos
horas da sepse. necróticos quando tais condições estiverem presentes.

MEDICINA INTENSIVA
e) Tratamento nas primeiras 6 horas
Em 2001, um estudo feito por Rivers et al. demonstrou
- Coleta de gasometria arterial com lactato sérico; que a manutenção, nas primeiras 6 horas de tratamento,
- Pacientes com dosagens de lactato acima de 1,5 vez ainda na sala de emergência, de uma saturação venosa
o valor do limite superior da normalidade e/ou SvO2< central (saturação do sangue colhido de um cateter venoso
70% devem receber a chamada terapia guiada por central) acima de 70% melhorava o prognóstico de pacien-
metas e dosagens seriadas do lactato devem ser re- tes com sepse grave/choque séptico. Estudos posteriores
alizadas; para estes pacientes, está indicada a ressus- demonstraram que a monitorização contínua da saturação
citação hemodinâmica agressiva e precoce, guiando- venosa central (SvcO2) dessas pessoas era mais confiável
-se pelos valores de elevação da SvO2 e/ou queda do que avaliações intermitentes. Deve-se lembrar que a SvcO2
lactato sérico; é maior que a saturação venosa mista (aquela obtida do
- Coleta de culturas de sangue e outros materiais quan- sangue colhido do cateter de artéria pulmonar, da via dis-
do indicado; tal) em 5 a 18%. Entretanto, o acompanhamento longitudi-
- Deve-se iniciar a antibioticoterapia intravenosa dentro nal mostra boa correlação entre esses 2 índices, e a SvcO2 é
da 1ª hora do diagnóstico da sepse grave/choque sép- menos invasiva. A seguir, o algoritmo usado nesse estudo e
tico; que guia atualmente a terapêutica dos pacientes com sepse
grave/choque séptico (Figura 7).

Figura 7 - Protocolo de Rivers

61
MEDI C I N A I NTENSIV A

f) Tratamento nas primeiras 24 horas * Intensa vasoconstrição periférica, renal e esplânc-


Devem-se considerar: nica;
- Controles glicêmicos: manter níveis de glicemia abaixo * Melhora a demanda de O2 para miocárdio;
de 180mg/dL; usar insulina em bomba de infusão con- * Aumenta volume sistólico, o trabalho e contratili-
tínua, se necessário; dade cardíacas.
- Corticosteroides: utilizar corticoides em doses baixas - Anrinona e milrinona: inibidores da fosfodiesterase.
(200 a 300mg de hidrocortisona/dia). Deve-se saber
que tal conduta não conseguiu reduzir a mortalidade • Aumentam o AMP-c;
desses doentes, e, segundo o SSC, tal conduta é ape- • Aumentam DC e VS;
nas sugerida e não mandatória, por determinar ape- • Diminuem a resistência vascular pulmonar e a PCP.
nas a redução no tempo de uso de droga vasoativa;
- Nitroprussiato de sódio: vasodilatador, predominan-
- Utilizar ventilação mecânica quando necessário com temente arterial. Não deve ser usado inicialmente em
uso de estratégia protetora, ou seja, baixos volumes
hipotensos.
correntes (6 a 8mL/kg) e pressão de platô abaixo de
30cmH2O; • 0,25 a 10mcg/kg/min:
- Sugere-se a administração de proteína C ativada recom- * Diminui a congestão pulmonar;
binante humana nas primeiras 24 a 48 horas do início da * Diminui a pós-carga.
1ª disfunção orgânica, sempre considerando a sua rela-
ção risco-benefício, para pacientes com avaliação cínica
- Nitratos: vasodilatadores predominantemente venosos.
Não devem ser usados inicialmente em hipotensos.
de alto risco de morte por disfunção orgânica induzida
pela sepse (2 ou mais disfunções orgânicas e/ou APA- • 10 a 100mcg/min:
CHE II >25) que não tenham nenhuma contraindicação. * Diminui a congestão pulmonar;
Atualmente, o uso de tal medicação, de acordo com o * Diminui a pós-carga;
SSC, é apenas uma recomendação fraca. * Diminui a pré-carga.
Drogas vasoativas:
8. Resumo
- Dopamina: efeito dose-dependente.
Quadro-resumo
• 0,5 a 5mcg/kg/min: ação dopaminérgica:
- Choque é uma síndrome caracterizada pela incapacidade do
* Vasodilatação renal, mesentérica, coronária e ce-
sistema circulatório em atender às demandas metabólicas do
rebral;
organismo;
* Aumento do débito urinário.
- No manejo clínico de pacientes com choque, independentemen-
• 5 a 10mcg/kg/min: ação beta-adrenérgica: te da etiologia, sempre levar em consideração a oferta de O2
* Aumenta DC e a FC; (DO2), ou seja, tentar medidas para que se atinja um DO2 ade-
* Aumenta o retorno venoso; quado à demanda metabólica do paciente em questão, lembran-
* Não aumenta a resistência vascular periférica total. do que DO2 = conteúdo arterial de O2 x débito cardíaco;
• >10mcg/kg/min: ação alfa-adrenérgica: - Pode acontecer com pressão arterial normal e nem todos os
* Vasoconstrição renal; pacientes com hipotensão apresentam quadro de choque;
* Vasoconstrição sistêmica; - O quadro clínico de taquicardia e taquipneia é frequente; a
* Aumento de RVP e PA; ocorrência de hipotensão revela um quadro avançado, sendo
que o reconhecimento precoce desse quadro é fundamental
* Arritmias.
no tratamento e prognóstico da doença;
- Dobutamina: efeito dose-dependente. - O indivíduo com quadro de choque deve ser prontamente mo-
• 5 a 15mcg/kg/min: nitorizado, receber oxigênio suplementar e ter pelo menos 2
* Diminui a resistência vascular periférica; acessos venosos calibrosos;
* Aumenta contratilidade cardíaca e volume sistólico; - Exames gerais devem ser coletados: gasometria, lactato e sa-
turação venosa central são essenciais para a mensuração das
* Pouco efeito na FC.
disfunções orgânicas; o reconhecimento da doença de base é
• >30mcg/kg/min:
passo fundamental no tratamento desses doentes;
* Arritmias;
- Existem 4 grandes divisões de choque: hipovolêmico, cardiogê-
* Elevação de PA. nico, obstrutivo e distributivo;
- Noradrenalina: ação terapêutica alfadrenérgica. - As principais causas de choque hipovolêmico são: hemorragias,
diarreia e desidratação;
• Dose inicial de 0,05mcg/kg/min:

62
CHOQUE

- A principal causa de choque cardiogênico é o IAM; outras cau-


sas são ICC descompensada, doenças valvares, miocardites,
arritmias e contusão miocárdica;

MEDICINA INTENSIVA
- O choque obstrutivo pode ser decorrente de pneumotórax hi-
pertensivo, pericardite constritiva, derrame pericárdico, tam-
ponamento cardíaco, tromboembolismo pulmonar e hemotó-
rax maciço;
- A principal causa de choque distributivo é a sepse grave/cho-
que séptico;
- A ressuscitação volêmica é o tratamento principal na grande maio-
ria dos doentes com quadro de choque;
- Sepse é uma condição associada à alta morbimortalidade; custos
elevados no tratamento e internação hospitalar prolongada;
- O sucesso do tratamento de um quadro de sepse grave ou cho-
que séptico depende, fundamentalmente, do reconhecimento
e da precocidade de intervenções na sala de emergência (gran-
de maioria das vezes);
- A abordagem correta de sepse grave/choque séptico envolve:
diagnóstico precoce, coleta de culturas e pesquisa de foco in-
feccioso, administração imediata de antibióticos e volume; mo-
nitorizar o paciente, se possível, com cateter venoso central e
pressão arterial invasiva;
- Manejar os doentes com sepse grave/choque séptico de acor-
do com os bundles do Surviving Sepsis Campaign;
- O manejo desses doentes geralmente requer o uso de drogas
vasoativas.

63
MEDI CI N A I NTENSIV A

CAPÍTULO

6
Intoxicações exógenas
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

Parte 1 - Abordagem inicial das encontrar intoxicações oculares, dermatológicas e inalató-


rias. Nestas últimas, é importante sempre lembrar a into-
intoxicações exógenas agudas xicação por monóxido de carbono (como ocorre em casos
de incêndio).

1. Introdução 3. Achados clínicos


As intoxicações exógenas constituem uma importante A história e o exame físico são extremamente importan-
causa de morbidade e mortalidade. Nos Estados Unidos, tes na avaliação inicial e no manejo de intoxicação exógena.
estima-se que o número de intoxicações agudas por ano Deve-se dar particular atenção aos sistemas cardiovascular,
gira em torno de 2 a 3 milhões. As intoxicações represen- respiratório e neurológico. Todas as alterações oculares de-
tam de 5 a 10% dos atendimentos nos serviços de emer- vem ser anotadas (midríase, miose, anisocoria, nistagmo,
gência e mais de 5% das internações em terapia intensiva paresias etc.). Devemos buscar todos os detalhes possíveis
de adultos. Dos mais de 2 milhões de casos relatados pelo e é importante investigar se há doenças prévias que possam
centro de intoxicações dos Estados Unidos em 2004, apenas alterar o tratamento ou aumentar a gravidade da intoxica-
5% necessitaram de internação hospitalar. Em um paciente ção (insuficiência cardíaca, renal, hepática, medicações em
com intoxicação grave é preciso conhecer as medidas de uso, alcoolismo, uso de drogas ilícitas etc.).
descontaminação, os antídotos específicos, quando exis-
tentes, e as características das intoxicações mais comumen- É importante realizar uma investigação detalhada com o
te encontradas em nossos serviços. paciente e a família a respeito de:

- Medicamentos ingeridos (nome, dosagem, número de


2. Etiologia cartelas vazias, solicitar a busca em casa de frascos, lí-
quidos ou de qualquer material suspeito);
As 2 principais causas de intoxicação aguda em nosso
meio são as tentativas de suicídio por meio do uso de subs- - Hora e dia da ingestão (o mais preciso possível);
tâncias via oral, como por exemplo, benzodiazepínicos e in-
- Se a ingestão foi acidental ou intencional (tentativa de
seticidas organofosforados, e os abusos, ou seja, o uso de
suicídio).
um determinado medicamento em doses maiores do que
as recomendadas ou uso excessivo de álcool. Outra forma Os achados da história e do exame físico podem classi-
de intoxicação pode ocorrer em indivíduos portadores de ficar sindromicamente os pacientes, o que se revela impor-
insuficiência renal e uso de medicamentos com metaboli- tante não só por sugerir a etiologia, mas também para guiar
zação renal (exemplo: digoxina). Além da via oral, podemos a terapêutica (Tabela 1).

64
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Tabela 1 - Achados clínicos e tóxicos mais prováveis


Síndrome Tóxicos mais prováveis Achados clínicos
- Ansiedade, sudorese, taquicardia, hipertensão e pupilas midriáticas;
Intoxicação

MEDICINA INTENSIVA
- Dor precordial, infarto do miocárdio, emergência hipertensiva, AVC
com hiperativi- Anfetaminas, cocaína, derivados de ergotami-
e arritmias;
dade adrenér- na, hormônio tireoidiano e inibidores da MAO
- Casos mais graves: hipertermia, rabdomiólise e convulsões;
gica
- Pista: procurar sítios de punção (drogas).
- Pode manifestar-se de forma semelhante à intoxicação com hiperativida-
de adrenérgica: pupilas midriáticas, taquicardia, tremor, agitação, estimu-
Antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos, lação do SNC e confusão;
Síndrome
antiparkinsonianos, antiespasmódicos e feno- - Diminuição de ruídos intestinais e retenção urinária;
anticolinérgica
tiazinas - Casos mais graves: convulsões, hipertermia e IRpA;
- Pistas: pele seca, quente e avermelhada e pupilas bem dilatadas com
mínima resposta à luz.
- Quadro muito típico: bradicardia, miose, hipersalivação, diarreia, vômi-
Síndrome Carbamatos, fisostigmina, organofosforados e
tos, broncorreia, lacrimejamento, sudorese intensa e fasciculações;
colinérgica pilocarpina
- Casos mais graves: PCR, insuficiência respiratória, convulsões e coma.
- Pouco frequente, pode ser confundido com outros estimulantes do
Síndrome dis-
SNC: taquicardia, hipertensão, tremor, midríase e hipertermia;
sociativa (aluci- Fenciclidina e LSD (ácido lisérgico)
- Pistas: desorientação, alucinações auditivas e visuais, sinestesias e
nógeno)
labilidade do humor.
- Bradipneia, hipoatividade, rebaixamento do nível de consciência, coma,
insuficiência respiratória, hipercapnia, aspiração, coma e morte;
Síndrome com Opioides, álcool e derivados, anticonvulsivan-
- Pupila muito miótica: opioides (reverte com naloxona);
hipoatividade tes e benzodiazepínicos
- Pupila não miótica: álcool e derivados, anticonvulsivantes e benzodia-
zepínicos.
Intoxicação com - Taquipneia intensa, dispneia, bradicardia e hipotensão;
Acetona, ácido valproico, cianeto, etanol, for-
acidose meta- - Pista: gasometria;
maldeído, etilenoglicol, metformina, monóxido
bólica grave e - Exames que poderão ser úteis: lactato arterial, ânion-gap, gap
de carbono e salicilatos
persistente osmolar, urina tipo I e dosagem sérica dos tóxicos.
- Dispneia, taquipneia, cefaleia, confusão, labilidade emocional, náu-
sea e vômitos;
Síndrome Cianeto, inalantes, gases, vapores e monóxido
- Casos mais graves: edema cerebral, coma, depressão respiratória,
asfixiante de carbono
hipotensão, arritmias e edema pulmonar;
- Papiledema e ingurgitamento venoso ao fundo de olho.
Antidepressivos tricíclicos, beta-bloqueado-
res, bloqueadores dos canais de cálcio, cocaí-
Síndrome
na, fenotiazinas, inseticidas organofosforados, - Convulsão.
convulsiva
isoniazida, lítio, monóxido de carbono, salici-
latos e teofilina
Amiodarona, beta-bloqueadores, bloqueado-
Síndrome
res dos canais de cálcio, carbamatos, digitáli- - Bradicardia, hipotensão, vômitos.
bradicárdica
cos e organofosforados
Intoxicação
Digitálicos, imunossupressores, inibidores da
sem efeito
MAO, salicilatos, varfarina sódica, substâncias de
inicial no sis-
liberação lenta (teofilina, carbamazepina, lítio) e -
tema nervoso
substâncias de início retardado (Tabela 2)
central
- Taquicardia, hipotensão, pele quente (vasodilatadores);
Síndrome sim- Bloqueadores alfa e beta, bloqueadores dos - Bradicardias com inotrópicos/cronotrópicos negativos;
patolítica canais de cálcio e clonidina - Pode causar rebaixamento do nível de consciência;
- Pistas: pouca alteração do SNC + profunda alteração cardiovascular.
- Difícil diferenciar se é excesso ou se é abstinência da droga;
Síndrome de Álcool etílico, antidepressivos, cocaína, feno- - Agitação, sudorese, tremor, taquicardia, taquipneia, midríase, an-
abstinência barbital, hipnótico-sedativos e opioides siedade e confusão;
- Casos mais graves: alucinações, convulsões e arritmias.

65
MEDI CI N A I NTENSIV A

Todo emergencista deve ter em mente a possibilidade - Pacientes sintomáticos ou com comorbidades signifi-
de o paciente ter feito uso de tóxicos com início retardado cativas;
de ação. Nesse caso, o paciente pode chegar ao pronto-so- - Quando a identidade da substância ingerida é desco-
corro estável e consciente, e apenas após algumas horas nhecida;
evoluir rapidamente para várias complicações. Em geral, - Intoxicações que apresentem potencial significativo de
ou o tóxico é de liberação prolongada ou precisa ser me- toxicidade sistêmica;
tabolizado antes de produzir uma determinada síndrome - Quando a ingestão é intencional (tentativa de suicídio).
(Tabela 2).
De acordo com as hipóteses diagnósticas, os seguintes
Tabela 2 - Tóxicos que podem ter início de ação retardado
exames complementares estão indicados:
Agentes antitu- a) Eletrocardiografia: quando alterada, pode indicar uso
Colchicina
morais
de determinadas drogas (por exemplo, antidepressivos tri-
Digoxina Etilenoglicol cíclicos, antiarrítmicos, beta-bloqueadores). Também pode
Metais pesados Metanol indicar a gravidade de uma determinada intoxicação com
Paracetamol Salicilatos risco de óbito.
Tetracloreto de Liberação lenta (exemplos: teofilina, carba- b) Radiografia: pode diagnosticar aspiração, edema pul-
carbono mazepina, fenitoína, lítio etc.) monar não cardiogênico, pneumomediastino (ruptura de
esôfago) ou abdome agudo. Raramente, pode ser útil para
detectar metais pesados, substâncias radiopacas ou paco-
4. Exames complementares tes ingeridos no tráfico de drogas.
Na grande maioria das intoxicações, nenhum exame c) Gasometria: pode ser necessária em pacientes com
adicional é necessário. Entretanto, em algumas situações, hipóxia, evidência de hipoventilação e para detectar acido-
podem ser necessários exames gerais, como hemograma, se ou distúrbios mistos, podendo indicar a causa de intoxi-
glicemia, eletrólitos, gasometria, função hepática, função cação. Em qualquer paciente comatoso no pronto-socorro,
renal, urina etc. sem um diagnóstico óbvio, deve-se pensar em intoxicação
Eventualmente, a dosagem das substâncias tóxicas pode exógena. O achado de acidose metabólica grave deve apon-
ser necessária, tanto em testes quantitativos como qualita- tar para metanol, etilenoglicol e salicilatos. Estes são tóxicos
tivos. Estes são conhecidos como screening toxicológico e com grande risco de morte e que têm tratamento específi-
têm valor limitado na maioria dos casos, pois o tratamento co. Indivíduos com acidose metabólica persistente necessi-
é de suporte e geralmente não afetado pela identificação tam de observação cuidadosa e de investigação da causa da
do agente ingerido. O screening qualitativo tem maior uti- acidose (Tabela 4).
lidade quando a substância ingerida é desconhecida, em
Tabela 4 - Abordagem da acidose metabólica persistente
casos de ingestões de múltiplas substâncias e quando os
achados clínicos não são compatíveis com a história. - Hipóteses: salicilatos, metanol, etilenoglicol, metformina, álco-
ol etílico, monóxido de carbono ou cianeto;
A dosagem sérica quantitativa, contudo, apenas será útil
em situações em que exista uma relação entre nível sérico – - Solicitar a osmolalidade sérica efetivamente medida e calcular
toxicidade – e tratamento (Tabela 3). a osmolalidade sérica estimada (2 x Na sérico + glicemia/18 +
ureia/6);
Tabela 3 - Tóxicos que podem ser dosados - Calcular o gap osmolar (osmolalidade medida – osmolalidade
- Antiarrítmicos; estimada);
- Barbitúricos; - Dosar o lactato sérico arterial;
- Digoxina; - Pesquisar cristais de oxalato na urina.
- Etilenoglicol; d) Lactato arterial: quando aumentado, pode indicar
- Metanol; que o tóxico está levando à má perfusão tecidual, insufi-
- Paraquat; ciência de múltiplos órgãos ou a convulsões reentrantes.
- Anticonvulsivantes; Os tóxicos que podem causar acidose metabólica primaria-
mente com lactato muito elevado são metformina e monó-
- Carboxi-hemoglobina;
xido de carbono.
- Teofilina; e) Gap osmolar (diferença entre a osmolalidade medi-
- Lítio; da e a estimada)
- Paracetamol; - Normal: sugere metformina, monóxido de carbono,
- Salicilatos. salicilatos e formaldeído;
- Aumentado (maior que 10): ocorre com várias subs-
Exames complementares são necessários nas seguintes tâncias, entre elas, álcool etílico, metanol, etilenogli-
situações: col, acetona e ácido valproico.

66
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

f) Ânion-gap aumentado: achado esperado nas intoxi- pronto-socorro, contudo, envolve o trato gastrintestinal e
cações exógenas que cursam com acidose metabólica. as medidas possíveis são: carvão ativado, lavagem gástri-
g) Cetose ca, irrigação intestinal, hiper-hidratação e alcalinização da
- Ausente: sugere metanol e etilenoglicol; urina. A indução de vômitos não é mais recomendada em

MEDICINA INTENSIVA
- Presente: formaldeído, salicilatos, acetona, álcool etíli- pronto-socorro (com xarope de ipeca, por exemplo).
co e ácido valproico. É importante lembrar que, na grande maioria dos pa-
h) Cristais de oxalato na urina: sugerem etilenoglicol. cientes que procuram o pronto-socorro com uma intoxi-
cação exógena, tudo o que é necessário é um detalhado
exame físico e uma observação cuidadosa. Algumas vezes,
5. Diagnóstico diferencial especialmente na 1ª hora da ingestão e quando a substân-
Alguns diagnósticos diferenciais incluem: cia é potencialmente tóxica ou desconhecida, pode-se in-
- Traumas: especialmente de coluna cervical e cranio- dicar lavagem gástrica e/ou carvão ativado. Em situações
encefálico; especiais (teofilina, fenobarbital, substâncias de liberação
- Infecções: meningite, encefalite, abscesso cerebral e entérica ou de liberação prolongada), o carvão ativado em
sepse; múltiplas doses (0,5g de carvão/kg de peso, de 4/4 ho-
- Lesões do SNC: acidente vascular cerebral isquêmico ras) pode aumentar a eliminação e deve ser considerado.
ou hemorrágico, hematoma subdural e tumor; Muito menos comum é a necessidade de procedimentos
dialíticos. A seguir, há uma descrição das principais medi-
- Distúrbios metabólicos: hipercalcemia, hiponatremia, das para prevenir a absorção e aumentar a excreção dos
uremia, insuficiência hepática, hipoglicemia, hipergli-
tóxicos:
cemia e cetoacidose diabética;
- Outros: síndromes hipertérmicas, transtornos psiqui- a) Lavagem gástrica
átricos, hipotireoidismo, hipertireoidismo, anafilaxia, - Método: passagem de uma sonda orogástrica de gros-
doença coronariana isquêmica, embolia pulmonar e so calibre. Coloca-se o paciente em decúbito lateral
arritmias. esquerdo com a cabeça em nível levemente inferior ao
corpo; por meio da sonda, administram-se pequenos
volumes de soro fisiológico (100 a 250mL), mantendo-
6. Tratamento -se a sonda aberta, em posição inferior ao paciente.
De maneira geral, devemos tratar pacientes com intoxi- Depois disso, aguardar o retorno do conteúdo gástrico,
cação exógena aguda da mesma maneira que outras doen- com o intuito de remover substâncias tóxicas presen-
ças ameaçadoras à vida, seguindo os princípios do suporte tes no estômago. Realizam-se sucessivas lavagens até
avançado de vida cardiológico, pois algumas vezes, nada se que o conteúdo gástrico não mais retorne (isto é, no
sabe da história clínica do paciente, sendo que este chega retorno observa-se a presença única do soro);
ao pronto-socorro já confuso, agitado ou mesmo em coma. - Eficácia: depende do tempo da ingestão do tóxico.
Isso implica que todos os pacientes que dão entrada no A recuperação média do material ingerido é de 90%
pronto-socorro deverão ter uma intoxicação exógena como quando realizada até 5 minutos após a ingestão, de
diagnóstico diferencial (Tabela 5). 45% quando realizada até 10 minutos após a inges-
tão e de 30% aos 19 minutos. Aos 60 minutos da in-
Tabela 5 - Princípios gerais no manejo de uma intoxicação exógena
gestão, um estudo mostrou redução de 32% no nível
- Reconhecer uma intoxicação;
sérico da substância ingerida, ao passo que outro
- Identificação do tóxico; mostrou redução de apenas 8%. Após 60 minutos da
- Avaliar o risco da intoxicação; ingestão, raramente há indicação de se proceder à la-
- Avaliar a gravidade do paciente e estabilizá-lo clinicamente (in- vagem gástrica;
clui uso de antídotos); - Complicações: não são frequentes. Entretanto, po-
- Diminuir a absorção do tóxico; dem piorar o prognóstico do paciente: aspiração,
- Aumentar a eliminação do tóxico; hipóxia, laringoespasmo com necessidade de intu-
- Prevenir reexposição: avaliação psiquiátrica. bação orotraqueal, laceração de vias aéreas, lesão
esofágica, perfuração gástrica, hemorragia, medias-
A - Prevenção da absorção e aumento da excre- tinite, indução de reflexo vagal (com bradicardia e
ção dos tóxicos hipotensão) e vômitos. O risco é maior em pacientes
agitados.
Se a intoxicação ocorreu por via cutânea, devem ser
retiradas todas as roupas do paciente, removidos todos os Com base em tais fatos, a lavagem gástrica não deve ser
resíduos e a pele lavada copiosamente; se foi por via ocu- indicada de rotina. Deve-se indicá-la em intoxicações exó-
lar, lavar os olhos com soro fisiológico e solicitar avaliação genas que preencham todos os seguintes critérios:
imediata do oftalmologista. A maioria das intoxicações no - Tempo de ingestão menor que 1 hora;
67
MEDI CI N A I NTENSIV A

- Substância potencialmente tóxica ou desconhecida; Tabela 8 - Carvão em múltiplas doses


- Não haja contraindicações à lavagem gástrica (Tabela 6). - Princípios: não deve haver contraindicação, e a intoxicação é
grave ou espera-se que seja grave;
Tabela 6 - Contraindicações à lavagem gástrica - Principais tóxicos: fenobarbital, ácido valproico, carbamazepi-
- Rebaixamento do nível de consciência, com perda dos reflexos na, teofilina, substâncias de liberação entérica ou de liberação
de proteção das vias aéreas. Nesse caso, deve-se intubar o pa- prolongada.
ciente antes de realizar o procedimento;
- Ingestão de substâncias corrosivas, como ácidos ou bases; c) Irrigação intestinal
- Ingestão de hidrocarbonetos; - Método: uma solução é administrada por meio de
- Risco de hemorragia ou perfuração do trato gastrintestinal, in- sonda nasogástrica, habitualmente, a uma taxa de
clusive cirurgia recente ou doenças preexistentes. 1.500 a 2.000mL/hora. O objetivo é que a mesma so-
b) Carvão ativado lução administrada pela sonda seja recuperada por via
retal, e com isso haja uma limpeza “mecânica” do trato
- Método: tem grande capacidade de adsorver várias gastrintestinal. A solução mais usada é o polietilenogli-
substâncias e prevenir a sua absorção sistêmica. A col, que tem composição osmótica e eletrolítica seme-
dose recomendada é de 1g de carvão/kg de peso lhante ao plasma, para diminuir a chance de distúrbios
(25 a 100g). Deve-se diluir o carvão em água, soro sistêmicos;
fisiológico ou catárticos (manitol ou sorbitol, sendo
estes mais recomendados por evitarem constipação);
- Indicação: muito raramente, sendo um método utili-
zado para diminuir a absorção de tóxicos. É útil para
geralmente, utilizam-se 8mL de solução para cada
indivíduos que ingeriram grandes doses de ferro ou de
grama de carvão. Quando indicado em múltiplas do-
outros metais pesados, e também para expelir pacotes
ses, recomenda-se 0,5g de carvão/kg de peso, de 4/4 ingeridos por pessoas envolvidas no tráfico de drogas.
horas; Além dessas situações excepcionais, não se recomen-
- Eficácia: o carvão reduz, em média, 69% da absorção da seu uso rotineiro.
de substâncias tóxicas quando administrado até 30 mi-
nutos após a ingestão. Essa redução foi de 34% quando d) Diurese forçada e alcalinização da urina
o carvão foi usado na 1ª hora da ingestão. Geralmente, - Hiper-hidratação: soro fisiológico, para adultos,
após 2 horas da ingestão, o carvão é ineficaz; 1.000mL de 8/8 ou 6/6 horas. Pode-se aumentar o
- Complicações: raras, especialmente quando o carvão volume, até alcançar um débito urinário de 100 a
é usado sem sonda orogástrica. As principais são: as- 400mL/hora. Deve-se ter cuidado com sobrecarga de
piração, vômitos, constipação e obstrução intestinal. volume e congestão pulmonar. Os principais tóxicos
As contraindicações ao carvão estão descritas na Ta- que têm sua excreção aumentada com hiper-hidrata-
bela 7. ção são: álcool, brometo, cálcio, flúor, lítio, potássio
e isoniazida;
Tabela 7 - Contraindicações ao carvão ativado - Alcalinização: manter o pH urinário maior que 7,5.
- Rebaixamento do nível de consciência, com perda dos reflexos Preparar uma solução com 850mL de soro glico-
de proteção das vias aéreas. Nesse caso, deve-se intubar o pa- sado a 5% + 150mL de bicarbonato de sódio 8,4%
ciente antes; (150mEq de bic). Essa solução alcaliniza a urina e
- Ingestão de substâncias corrosivas, como ácidos ou bases; tem concentração fisiológica de sódio (0,9%). Se não
- Ingestão de hidrocarbonetos; houver contraindicação, infundir 1L dessa solução a
- Risco de hemorragia ou perfuração do trato gastrintestinal, in- cada 6 a 8 horas e monitorizar o pH urinário. A alca-
clusive cirurgia recente ou doenças preexistentes; linização da urina aumenta a excreção de fenobar-
- Ausência de ruídos gastrintestinais ou obstrução do trato gas- bital, salicilatos, clorpropamida, flúor, metotrexato
trintestinal; e sulfonamidas.
- Substâncias não absorvidas pelo carvão: álcool, metanol, etile-
noglicol, cianeto, ferro, lítio e flúor.
e) Métodos dialíticos
- A hemodiálise clássica é o método mais usado e dispo-
Estudos que avaliaram carvão versus lavagem gástrica nível, embora existam a hemofiltração (HF) e a hemo-
mostraram que o 1º é melhor ou, na pior das hipóteses, perfusão (HP). Apesar de ser raramente necessária, a
semelhante à 2ª, com menos complicações. Na maioria diálise tem importante papel em algumas intoxicações
das situações encontradas em pronto-socorro, o carvão exógenas e pode salvar a vida do paciente. Deve-se
é prescrito em dose única, entretanto, em casos selecio- sempre consultar se há ou não indicação de diálise em
nados, pode ser usado em múltiplas doses, de 4/4 horas qualquer doente com uma intoxicação exógena (Tabe-
(Tabela 8). las 9 e 10).

68
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Tabela 9 - Princípios para indicação de diálise Tipo de Contraindicada (se


Tratamento
- A intoxicação é grave ou tem um grande potencial para tal. Isso emergência usar, ter cautela)
inclui pacientes que continuam a piorar, apesar do suporte agres- - Benzodiazepínico;
sivo; - Nitroglicerina;

MEDICINA INTENSIVA
SCA (Síndromes
- A intoxicação é grave e o paciente tem disfunção na metaboliza- - AAS; - Beta-bloqueador
Coronárias Agu-
ção do tóxico (insuficiência hepática e/ou renal); - Heparina; isoladamente.
das)
- Pacientes ainda estáveis, mas com a concentração sérica de um - Considerar reper-
determinado tóxico potencialmente fatal ou com capacidade fusão.
de causar lesões graves ou irreversíveis; - Epinefrina;
- Isoproterenol;
- O tóxico é significativamente dialisável. - Norepinefrina;
- Evitar cálcio, em
- Dopamina;
Choque caso de suspeita de
- Glucagon*;
Tabela 10 - Principais substâncias e indicações para eliminação intoxicação digitá-
- Glicose e insulina*;
lica.
Hemodiálise Hemoperfusão - Cálcio*.
- Barbitúricos; - Ácido valproico; - Atropina;
Colinérgico - Succinilcolina.
- Bromo; - Barbitúricos; - Pralidoxima.
- Etanol; - Carbamazepina; - Benzodiazepínico;
Anticolinérgico - Antipsicóticos.
- Fisostigmina**.
- Etilenoglicol; - Cloranfenicol;
- Não usar naloxona
- Hidrato de cloral; - Disopiramida; - Naloxona;
se a crise epiléptica
- Lítio; - Fenitoína; Opioide - Suporte ventila-
for induzida por
tório.
- Metais pesados; - Meprobamato; meperidina.
- Metanol; - Paraquat; * Intoxicações por beta-bloqueadores e bloqueadores de canais
- Procainamida; - Procainamida; de cálcio.
** Não usar na intoxicação por antidepressivos tricíclicos.
- Salicilatos; - Teofilina.
- Teofilina. - a) Depressão do centro respiratório
Pode ocorrer com vários agentes, especialmente opio-
B - Tratamento das emergências relacionadas aos ides e hipnótico-sedativos. É muito importante avaliar,
tóxicos periodicamente, a adequação da ventilação e da capacida-
Não se deve esquecer que o suporte clínico e o trata- de de proteger as vias aéreas. Como regra geral, deve-se
avaliar de forma precoce a necessidade de intubação em
mento imediato das complicações são etapas essenciais e
pacientes com incapacidade de proteger as vias aéreas ou
prioritárias no manejo das intoxicações exógenas (Tabela
escala de coma de Glasgow <8. É importante lembrar que
11). Habitualmente, em poucas horas ou poucos dias, a in-
o flumazenil não deve mais fazer parte de protocolos ro-
toxicação estará resolvida, e o paciente, de forma geral, terá
tineiros para coma. Não usar em doentes com história de
excelente prognóstico. A seguir, as principais complicações
convulsão e na coexistência de intoxicação ou uso de anti-
e os respectivos tratamentos indicados e contraindicados.
depressivos tricíclicos.
Tabela 11 - Emergências cardiovasculares Entretanto, em 2 situações, pode não ser necessária a
Tipo de Contraindicada (se intubação orotraqueal:
emergência
Tratamento
usar, ter cautela) - Rebaixamento do nível de consciência e pupilas mióticas:
- Marca-passo;
podem ser devidos a opioides; nesse caso, pode-se tentar
- Glucagon*; - Isoproterenol; a naloxona: IV, IM ou SC; iniciando com 0,4 a 0,8mg IV
Bradicardia - Glicose e insulina*; - Marca-passo profi- lentamente, sendo que a dose pode ser repetida. As com-
- Cálcio*; lático. plicações da naloxona são raras (<2%) e incluem edema
- Epinefrina. pulmonar, arritmias, agitação e abstinência. Rebaixamen-
- Benzodiazepínico; - Beta-bloqueador; to do nível de consciência em intoxicação por benzodia-
- Nitroglicerina; - Cardioversão elé- zepínico: é uma intoxicação comum em nosso meio e de
Taquicardia
- Nitroprussiato; trica; maior gravidade com benzodiazepínicos de ação rápida
- Labetalol. - Adenosina. (midazolam). Se houver rebaixamento significativo (esca-
- Bicarbonato de la de coma de Glasgow <8) ou incapacidade de proteção
Arritmias sódio; - Procainamida. das vias aéreas, tentar o flumazenil (0,1 a 0,2mg IV, em 30
- Lidocaína. a 60 segundos, e repetir 0,1 a 0,2mg IV a cada minuto, até
- Benzodiazepínico; uma dose de 1mg). As complicações do flumazenil são
- Beta-bloqueador
Hipertensão - Nitroglicerina; raras, mas graves, e incluem convulsões e grave síndrome
isoladamente.
- Nitroprussiato. de abstinência.

69
MEDI CI N A I NTENSIV A

b) Bradicardia com alteração hemodinâmica dor) são capazes de reverter o vasoespasmo ocasionado pe-
As principais etiologias e os tratamentos recomenda- los catecolaminérgicos. Portanto, o tratamento de eleição
dos, respectivamente, são: é benzodiazepínico com nitroglicerina. Se houver elevação
- Carbamato e organofosforado: respondem muito do segmento ST, sem sucesso na reversão com nitrogliceri-
bem à atropina. Iniciar com doses de 2 a 4mg, poden- na, deve-se realizar imediatamente uma cineangiocorona-
do ser necessárias altas doses do fármaco. Em algumas riografia. Se um centro de hemodinâmica não estiver dis-
situações, pode ser necessário prescrever pralidoxima ponível e se não houver hipertensão significativa, pode-se
(regenerador da colinesterase); tentar trombólise química.
- Digoxina: pode causar bradicardia, arritmias ventricu- f) Prolongamento do intervalo QRS
lares e mesmo bloqueio atrioventricular. O tratamento
O tratamento consiste em carga de sódio + alcalinização
de escolha é o anticorpo antidigoxina. Pode necessitar
de marca-passo externo ou mesmo transvenoso; não da urina. Pode-se prescrever um bolus de bicarbonato de
se recomenda marca-passo transvenoso profilático, sódio (1 a 2mEq/kg de peso) em 30 a 60 minutos e deixar
pois a ponta do dispositivo pode estimular arritmias. uma solução de manutenção para manter o pH sérico >7,5.
Em situações de bradicardia não responsiva ao marca- Uma sugestão é adicionar 150mEq de bicarbonato de sódio
-passo, podem-se usar doses altas de drogas com ativi- (8,4%) a 850mL de solução (água ou soro glicosado a 5%).
dade beta-agonista (dopamina); Essa solução consegue alcalinizar o sangue ao mesmo tem-
- Beta-bloqueadores: podem responder ao glucagon po em que fornece sódio. A velocidade de infusão depen-
(iniciar com 1 a 2mg IM) e, eventualmente, iniciar dro- derá do estado cardiovascular prévio e da monitorização do
gas com atividade beta-agonista; pH. Em geral, 3 a 4L/dia.
- Bloqueadores dos canais de cálcio: especificamente, g) Choque
verapamil ou diltiazem; podem responder ao glucona- Imediatamente, fornecer cristaloide em 2 acessos ca-
to de cálcio. librosos. Se o paciente persistir hipotenso, iniciar drogas
c) Taquicardia com alteração hemodinâmica vasoativas. Caso tenha antídoto, o tóxico em questão deve
ser imediatamente prescrito: gluconato de cálcio (intoxi-
As principais etiologias e os tratamentos recomenda-
dos, respectivamente, são: cação por antagonistas do cálcio) e glucagon (beta-blo-
- Síndrome anticolinérgica aguda “pura”: pode neces- queador).
sitar de fisostigmina (iniciar com 1 a 2mg). Entretanto, Se a causa for bradicardia refratária ou BAV de 3º grau,
raramente é necessário usá-la; deve-se considerar marca-passo imediatamente. Se houver
- Catecolaminérgicos (anfetamina, cocaína): o trata- uma taquiarritmia, considerar cardioversão elétrica.
mento inicial é com um benzodiazepínico (lorazepam Em choques refratários, considerar o uso do cateter de
ou diazepam). Usar doses sucessivas até o paciente Swan-Ganz. A intoxicação exógena pode alterar a resistên-
ficar calmo, mas deve-se evitar depressão significativa cia periférica, o inotropismo, o cronotropismo e a resistên-
do nível de consciência. Raramente, podem ser neces- cia venosa, dificultando o manejo empírico.
sários antagonistas catecolaminérgicos mistos, como o h) Taquicardia Ventricular monomórfica (TV) e Fibrila-
labetalol. Evitar usar beta-bloqueadores puros, como o ção Ventricular (FV)
propranolol, pois podem aumentar, paradoxalmente, a
Obviamente, em qualquer TV sem pulso ou FV, deve-se
pressão arterial.
prontamente desfibrilar (360J do monofásico ou equivalen-
Evite usar medicações de ação rápida (por exemplo, ade- te do bifásico). Se o paciente apresentar uma TV monomór-
nosina) ou cardioversão elétrica, em razão da alta taxa de re- fica e permanecer hemodinamicamente estável, deve-se
cidiva da arritmia em taquicardias induzidas por tóxicos. prescrever lidocaína. A fenitoína não é mais indicada em
qualquer arritmia, mesmo na intoxicação por tricíclicos.
d) Emergências hipertensivas Não se deve usar procainamida.
O tratamento de escolha é com benzodiazepínico. Na
maioria das vezes, com controle da agitação do paciente, i) Taquicardia ventricular polimórfica (Torsades de pointes)
a pressão arterial tende à normalidade. A medicação de 2ª Paciente sem pulso central: desfibrilação imediata. Cor-
escolha é o nitroprussiato e raramente pode ser necessário rigir imediatamente hipoxemia, hipocalemia e hipomagne-
o labetalol. Os beta-bloqueadores “puros” são contraindi- semia se estiverem presentes. Não existe um tratamento
cados, ao menos quando usados isoladamente. eficaz, e as determinações são da classe III (indeterminada).
e) Síndromes coronárias agudas Entretanto, recomenda-se:
O tratamento é semelhante ao descrito para emergên- - Sulfato de magnésio: mesmo que a concentração sé-
cias hipertensivas. Estudos com cineangiocoronariografia rica de magnésio não esteja baixa; 1 a 2g IV em 5 a 10
mostraram que nitroglicerina e fentolamina (alfa-bloquea- minutos;

70
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

- Lidocaína: resultados inconclusivos, porém, conside- que podem necessitar de intubação orotraqueal e ventila-
rar seu uso; ção mecânica:
- Aumento da frequência cardíaca (overdrive pacing): - Convulsões reentrantes;
acima da apresentada pelo paciente: seja com marca- - Incapacidade de proteger vias aéreas;

MEDICINA INTENSIVA
-passo ou com um agente (isoproterenol). - Hipoxemia refratária a oxigênio por máscara.
j) Parada cardiorrespiratória (PCR) l) Rebaixamento do nível de consciência
Das causas de PCR, as relacionadas às intoxicações têm - Realizar, imediatamente, uma glicemia capilar (dex-
um melhor prognóstico que as demais causas: em uma mé- tro); se houver hipoglicemia, prescrever glicose a 50%
dia de 6 estudos, 24% dos pacientes tiveram uma longa taxa (administrar tiamina em pacientes com suspeita de eti-
de sobrevida. As intoxicações que mais levam à morte estão lismo crônico ou desnutridos);
descritas na Tabela 12. - Fornecer oxigênio e manter a saturação de oxigênio
Tabela 12 - Principais tóxicos fatais maior que 92%;
Álcool Medicações cardiovasculares - Nesse momento, avaliar se é possível usar um antí-
- Aminofilina; - Monóxido de carbono; doto. Nos Estados Unidos, recomenda-se prescrever
naloxona em pacientes com rebaixamento do nível de
- Anticonvulsivantes; - Neurolépticos;
consciência. Não recomendamos, em nosso meio, o
- Antidepressivos; - Pesticidas e produtos químicos;
seu uso rotineiro. Considerá-lo quando houver rebai-
- Drogas ilícitas. - Sedativo-hipnóticos. xamento com pupilas mióticas;
Na TV sem pulso e FV, procede-se à desfibrilação ime- - Se o paciente não conseguir proteger vias aéreas ou
diata. Especialmente com os catecolaminérgicos, a desfibri- tiver pontuação menor que 8 na escala de coma de
lação não terá êxito ou ela irá recorrer precocemente. Em Glasgow e não for possível usar um antídoto, realizar
FV resistente, não há consenso sobre a quantidade de epi- intubação orotraqueal e ventilação mecânica. É impor-
nefrina que deve ser usada; evitar altas doses e aumentar o tante evitar pneumonia aspirativa, pois esta tem asso-
intervalo entre elas. ciação com pior prognóstico.
No suporte avançado de vida (ALS), após 20 a 30 minu- m) Hipoglicemia
tos de reanimação, devem-se suspender os esforços, exce-
Administrar solução de glicose intravenosa na presença
to se houver evidência de viabilidade cerebral (raríssimo).
de hipoglicemia (glicemia capilar menor que 60mg/dL). A
Entretanto, em PCR relacionadas às intoxicações, esforços
podem ser prolongados, principalmente quando houver hi- dose recomendada é de 60 a 100mL de glicose a 50%. O
potermia. glucagon (1mg IM) pode ser usado quando não se conse-
Com relação à doação de órgãos, não realizar provas clí- guir, rapidamente, um acesso venoso. Devem ser prescritos
nicas de morte ou eletroencefalograma em vigência de uma 100mg de tiamina IM concomitante a glicose em pacientes
intoxicação aguda, pois não têm valor nessa situação. Após desnutridos e etilistas.
a resolução da intoxicação, podem e devem ser realizadas n) Convulsões induzidas por tóxicos
provas de morte encefálica; se esta for positiva, entrar em Pacientes intoxicados com quadro convulsivo devem ser
contato com a central de procura de órgãos.
avaliados quanto à possibilidade da coexistência de lesões
k) Insuficiência respiratória no SNC, como hematomas ou AVC. Considerar exames de
Pode ser uma complicação de várias intoxicações e pre- imagem na suspeita clínica.
cisa ser resolvida o mais rapidamente possível. Ocorre, mais Convulsão induzida por tóxicos (Tabela 13) geralmente é
frequentemente, por edema pulmonar não cardiogênico, mais difícil de ser controlada. A medicação inicial, durante a
ocasionado por opioides, organofosforados, cianeto, monó- convulsão, é o diazepam intravenoso (5 a 10mg), que pode
xido de carbono, salicilatos e hipnótico-sedativos. Deve-se ser repetido várias vezes. O próximo passo, em intoxicações
ter grande cuidado com as vítimas de intoxicação por mo- exógenas, é prescrever fenobarbital para um controle mais
nóxido de carbono, pois o oxímetro de pulso pode mostrar prolongado, sendo a dose de 10 a 20mg IV lentamente (má-
uma saturação de oxigênio normal quando na verdade o ximo de 50 a 75mg/minuto) (Tabela 14).
paciente encontra-se com hipoxemia grave. Se existir um antídoto para o tóxico em questão, este
Muitas vezes, um cateter ou uma máscara de oxigênio deve ser iniciado imediatamente, exceto se houver con-
são as únicas ferramentas necessárias, entretanto, hipóxia traindicação. Um exemplo é a intoxicação com isoniazida,
persistente reflete a necessidade de suporte ventilatório. na qual o uso da vitamina B6 será essencial para cessar as
Não adiar intubação orotraqueal quando ela for necessária: crises convulsivas.
o suporte clínico é uma das etapas mais importantes no ma- A fenitoína é menos útil para o tratamento de convul-
nejo de pacientes com intoxicação exógena. São situações sões relacionadas a intoxicações.

71
MEDI CI N A I NTENSIV A

Obviamente, devem-se sempre excluir hipoglicemia e - Convulsões podem levar à hipertermia, acidose lática,
síndrome de abstinência como causas potenciais das crises rabdomiólise ou mesmo à morte (Tabela 15).
convulsivas.
Tabela 15 - Efeitos deletérios das convulsões
Tabela 13 - Tóxicos mais frequentemente relacionados à convulsão
- Hipertermia;
- Antidepressivos tricíclicos;
- Acidose láctica;
- Cocaína;
- Fenotiazinas; - Rabdomiólise (insuficiência renal e hipercalemia);
- Inseticidas organofosforados; - Arritmias;
- Isoniazida; - Pneumonia aspirativa;
- Lítio; - Sequela neurológica permanente.
- Monóxido de carbono;
- Salicilatos; o) Hipotermia e hipertermia
- Teofilina; Ambas podem ser tratadas, respectivamente, com aque-
- Outros: fenciclidina, propoxifeno, estricnina, fenol e hidrocar-
cimento ou resfriamento externo passivo. Em emergências
bonetos clorados.
hipertérmicas (overdose de cocaína ou anfetamina), medi-
Tabela 14 - Tratamento das convulsões relacionadas a tóxicos das agressivas de resfriamento podem salvar vidas.
- Durante o episódio convulsivo: benzodiazepínico (diazepam 5 p) Tóxicos que possuem antídotos
a 10mg intravenoso). Pode-se repetir a dose várias vezes, se
necessário; Existem vários antídotos, embora raramente sejam ne-
- Avaliar se há antídoto; se sim, administrá-lo (cuidado quando
cessários ou indicados (Tabela 16). Um dos mais usados é
há contraindicação). o flumazenil (antagonista benzodiazepínico); nesse caso, é
- Convulsões recidivantes: importante ressaltar que ele não deve ser usado nas seguin-
Fenobarbital: usar 10 a 20mg/kg de peso e manter 100mg/ tes situações:
dia, com monitorização do nível sérico. Geralmente, é a me- - Curiosidade diagnóstica;
dicação mais indicada em intoxicações;
Fenitoína: 15 a 20mg/kg de peso e manter 100mg a cada 8 ho-
- Pacientes que não apresentem significativo rebaixa-
ras, com monitorização do nível sérico. É especialmente útil em mento do nível de consciência;
intoxicações por beta-bloqueadores e antidepressivos tricíclicos. - História de convulsões ou uso de anticonvulsivantes;
- Convulsões persistentes (status epilepticus): - Possibilidade de estar em uso de antidepressivos tricí-
Benzodiazepínicos + fenobarbital + fenitoína; clicos ou que apresentam eletrocardiograma com pro-
Se persistir com convulsões, realizar intubação orotraqueal: longamento do intervalo QRS.
deixar o paciente sedado (midazolam intravenoso contínuo)
e administrar um bloqueador neuromuscular não despolari- Tabela 16 - Principais antídotos disponíveis
zante (pancurônio, atracúrio, vecurônio, por exemplo). Nesse
caso, é imprescindível monitorização com eletroencefalogra- Tóxico Antídoto
ma, para evitar lesão neurológica irreversível; Acetaminofeno Acetilcisteína
Avaliar se o tóxico é removido pela diálise; se positivo, indicá-
Vitamina K e plasma fresco
-la imediatamente. Anticoagulantes
congelado
Algumas considerações sobre convulsões relacionadas à Anticolinérgicos Fisostigmina
intoxicação exógena são fundamentais: Benzodiazepínicos Flumazenil
- O surgimento de crises convulsivas em pacientes que Beta-bloqueadores Glucagon
ingeriram lítio ou salicilatos pode indicar que a con- Bloqueadores dos canais de
Gluconato de cálcio e glucagon
centração sérica de tais drogas está em níveis tóxicos e cálcio
deve-se indicar hemodiálise; Carbamato Atropina e pralidoxima
- Nos pacientes com intoxicação por antidepressivos Digoxina Anticorpo antidigoxina
tricíclicos, a acidemia causada pelas convulsões pode
Inseticida organofosforado Atropina e pralidoxima
agravar ainda mais a toxicidade cardíaca e causar ar-
ritmias letais; Isoniazida Piridoxina (B6)
Metais pesados EDTA e deferoxamina (ferro)
- A convulsão causada pela teofilina é geralmente refra-
tária a agentes anticonvulsivantes de uso mais comum, Metanol e etilenoglicol Álcool etílico ou fomepizol
e o paciente pode necessitar de intubação orotraqueal Monóxido de carbono Oxigênio a 100%
e de bloqueio neuromuscular. Nesse caso, a monitori- Opioides Naloxona
zação com EEG é obrigatória;
- Convulsões causadas por isoniazida usualmente res- Uma proposta de abordagem inicial do paciente com pro-
pondem à administração da piridoxina; vável intoxicação exógena encontra-se resumida na Figura 1.

72
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

MEDICINA INTENSIVA
Figura 1 - Abordagem inicial do paciente com intoxicação exógena

Parte 2 - Tratamento específico das d) Achados que indicam prognóstico ruim:


- Tempo de protrombina maior que 2 vezes o controle;
intoxicações exógenas agudas - Bilirrubina total maior que 4mg/dL;
- pH <7,3;
7. Introdução - Creatinina sérica >3,3mg/dL;
- Encefalopatia hepática.
Em todas as intoxicações descritas neste capítulo, a
prioridade sempre será a estabilização clínica do paciente. B - Tratamento
Neste momento, descreveremos algumas particularidades
das principais intoxicações agudas.
- O carvão ativado deve ser usado e não diminui a eficá-
cia do antídoto;
- Iniciar o antídoto N-acetilcisteína por via oral:
8. Acetaminofeno (paracetamol) • Bolus de 140mg/kg de peso;
Intoxicação frequente nos Estados Unidos, mas pouco • Manutenção: 70mg/kg de peso de 4/4 horas, total
comum em nosso meio. Tem uma absorção rápida e atinge de 17 doses.
pico sérico após 4 horas. Em doses terapêuticas, o parace- - Obter concentração sérica do paracetamol nas primei-
tamol é metabolizado a produtos não tóxicos e alguns inter- ras 24 horas e checar, junto à comissão de controle de
mediários altamente reativos eletrofílicos são rapidamen- intoxicação, a gravidade do resultado. Se a concentra-
te inativados pelo sistema glutation hepático. Entretanto, ção for não tóxica, suspender o antídoto;
quando ingerido em grandes doses (>140mg/kg de peso), - O antídoto tem maior eficácia quando é usado nas pri-
pode levar à necrose hepática. meiras 8 a 10 horas após a ingestão do paracetamol;
- Monitorizar função hepática e renal diariamente. O ris-
A - Quadro clínico e achados laboratoriais co é maior em hepatopatas e etilistas.
a) Fase precoce (primeiras 2 a 4 horas): sintomas ines-
pecíficos como náusea, vômitos, palidez e sudorese. 9. Ácidos e álcalis (corrosivos)
b) Fase tardia (24 a 48 horas): se houve ingestão maciça, São capazes de reagir com moléculas orgânicas e causar
o paciente pode evoluir com necrose hepática. As manifes- graves lesões na pele e nos olhos. Quando ingeridos por via
tações podem incluir dor no hipocôndrio direito, hepato- oral, causam graves lesões orais, em vias aéreas, esôfago,
megalia, icterícia, distensão abdominal, vômitos e insufici- estômago e intestino. Os casos mais comuns em prontos-
ência renal. Pode evoluir para insuficiência hepática, com -socorros são ocasionados por produtos de limpeza domés-
necessidade de transplante. tica, e os mais graves são por tentativa de suicídio. Infeliz-
c) Achados usuais: aumento de AST e ALT, bilirrubinas, mente, é um tipo de intoxicação que pode levar a graves
prolongamento do tempo de protrombina. sequelas.

73
MEDI CI N A I NTENSIV A

Os álcalis causam necrose por liquefação, saponificação B - Tratamento


das gorduras, dissolução de proteínas e emulsificação de
membranas lipídicas. Isso pode levar à necrose tissular e à
- São contraindicados lavagem gástrica e carvão ativado;
trombose de pequenos vasos. - São medidas importantes hidratação vigorosa, corre-
ção dos distúrbios eletrolíticos, uso de antieméticos,
Os ácidos causam necrose de coagulação, em que prote-
bloqueadores H2 ou de bomba H+ e analgesia;
ínas são desnaturadas, resultando na formação de coágulos
ou escaras de aderência firme. - O uso de corticosteroides e de antibióticos de amplo
espectro é controverso, sendo que alguns autores o
A - Quadro clínico e exames complementares recomendam;
- Os corticoides têm maior utilidade apenas nas lesões
As lesões causadas por álcalis têm maior chance de cau- com álcalis, principalmente naquelas com alto risco de
sar perfuração do esôfago e do estômago. estenose;
a) Fase precoce - A dose recomendada é de 1 a 2mg/kg de peso de me-
tilprednisolona IV, de 6/6h. Manter o corticoide em
Dor, eritema, disfonia, salivação excessiva, disfagia, dor
doses decrescentes por 14 dias;
abdominal e vômitos. Ausência de lesões orais não descarta
significativa lesão esofágica ou gástrica.
- As estenoses devem ser tratadas com dilatação endos-
cópica de 3 a 4 semanas após a ingestão e, se disponí-
b) Achados com pior prognóstico: vel, com stents. Casos mais graves podem necessitar
de correção cirúrgica.
- Piora da dor torácica, dispneia e surgimento de pneu-
momediastino indicam perfuração esofágica;
- Aspiração pode levar à pneumonia, grave traqueíte e 10. Anticolinérgicos
SDRA; Os tóxicos podem ser:
- Dor abdominal, ausência de ruídos hidroaéreos e
- Anti-histamínicos H1;
pneumoperitônio indicam perfuração gástrica; - Atropina, hioscina, homatropina, escopolamina e ipra-
tróprio;
- Podem ocorrer hipotensão, choque, acidose metabóli- - Antiparkinsonianos: biperideno e benzatropina;
ca, insuficiência renal, hemólise e CIVD;
- Relaxantes musculares: orfenadrina, ciclobenzaprina e
- Eventualmente, pode haver hematêmese por lesões isometepteno;
vasculares do trato digestivo. Nos dias seguintes, in- - Neurolépticos: clozapina, olanzapina e fenotiazinas;
fecções bacterianas podem superpor-se aos sinais e - Antidepressivos tricíclicos.
sintomas já presentes.
c) Fase tardia A - Quadro clínico
O reparo das lesões pode levar de semanas a meses Os sintomas têm início precoce (o habitual é 1 hora após
e ocasiona uma cicatrização com retração e formação de a ingestão):
estenoses, especialmente em áreas em que já exista um a) SNC: agitação, ataxia, confusão, delirium, alucinação e
estreitamento anatômico, como cricofaringe, esôfago dia- desordens do movimento (coreia, atetose). Nos casos mais
fragmático, antro e piloro. Lesões esofágicas são vistas, pre- graves, pode evoluir com depressão respiratória e coma;
dominantemente, na metade inferior do esôfago, e quei- b) Sistema nervoso autônomo: diminuição do peristal-
tismo, pupilas dilatadas, pele e mucosas secas, retenção
maduras gástricas costumam ser mais severas no antro. Vô-
urinária, taquicardia, hipertensão e hipertermia;
mitos estão relacionados a lesões esofágicas mais graves.
c) Hiperatividade neuromuscular: pode levar à rabdo-
Estenose esofágica ocorre em mais de 70% das queimadu-
miólise.
ras que resultam em ulceração profunda, e esses doentes
acabam desenvolvendo um maior risco para o aparecimen- B - Tratamento
to de câncer esofágico.
- Lavagem gástrica na 1ª hora da ingestão, seguida de
d) Exames complementares carvão ativado;
Solicitar hemograma, coagulograma, bioquímica, eletró- - É uma das poucas situações em que o carvão pode ser
litos, gasometria, radiografia de tórax, radiografia de abdo- usado após 1 hora da ingestão, em razão da hipomoti-
me e endoscopia digestiva alta precoce (de 6 a 24 horas da lidade de todo o TGI que essa intoxicação pode provo-
exposição). Dilatação terapêutica do esôfago na endoscopia car. Faltam estudos avaliando a eficácia dessa conduta;
inicial é de grande risco e deve ser evitada. A endoscopia - Benzodiazepínicos são úteis para a agitação psicomo-
terá grande utilidade em detectar se há ou não lesões, e tora. Medidas gerais, como resfriamento e hidratação,
ajuda na determinação do prognóstico do paciente. também são importantes.

74
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

- Há um antídoto, o fisostigmina, mas raramente é ne- B - Tratamento


cessário. Seu uso obedece às recomendações a seguir:
• Dose inicial: 1 a 2mg IV durante 2 a 5 minutos, po- a) Carvão ativado: é o método de escolha para descon-
dendo repetir a dose; taminação do TGI. Pode ser usado em múltiplas doses (libe-

MEDICINA INTENSIVA
• Não deve ser usado para convulsões ou coma; ração prolongada: fenitoína, carbamazepina, fenobarbital e
ácido valproico).
• É contraindicado se houver distúrbios da condução
cardíaca. b) Medidas de suporte: são essenciais. Intubação, se ne-
cessário, não deve ser adiada; restaurar a volemia e, eventu-
almente, usar agentes vasoativos; convulsões devem ser tra-
11. Anticonvulsivantes tadas com interrupção do agente e uso de benzodiazepínico.
Os mais frequentes são: fenobarbital, fenitoína, carba- c) Diálise: pode ser útil quando há intoxicação grave,
mazepina, ácido valproico e clonazepam (benzodiazepínico). que continua a piorar com as medidas habituais ou com
Todos têm excelente absorção oral; entretanto, é comum o concentrações séricas muito altas. Os agentes dialisáveis
uso de preparações de liberação prolongada, as quais podem são fenobarbital, ácido valproico e carbamazepina.
retardar o início das manifestações tóxicas. Quase todos os
d) Particularidades
anticonvulsivantes têm metabolismo hepático.
É possível dividi-los em 2 grandes grupos: - Carbamazepina: se houver distúrbios do ritmo, pode-
1 - Ação preferencial nas membranas neuronais: feni- -se usar bicarbonato de sódio (semelhante à intoxica-
toína e carbamazepina. ção por tricíclicos). Pode responder à fisostigmina;
2 - Ação em neurotransmissores ou nos seus recepto- - Fenobarbital: recomenda-se alcalinizar a urina para
res: fenobarbital, benzodiazepínicos, ácido valproico, gaba- aumentar a excreção (já que o fenobarbital é um ácido
pentina e vigabatrina. fraco).

A - Quadro clínico e exames complementares


12. Antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos
Todos atuam primariamente, causando depressão do
SNC. É regra geral o aparecimento de alterações das fun- Intoxicação potencialmente grave e muito frequente em
ções cerebelares e vestibulares, podendo causar ataxia, nis- nosso meio. O uso dos antidepressivos tricíclicos (ADPT) e te-
tagmo, diplopia, borramento visual, tontura, voz “empasta- tracíclicos ocorre em uma população com significativa chan-
da”, tremores, náusea e vômitos. Posteriormente, o pacien- ce de tentativa de suicídio. Os tricíclicos mais usados são
te pode evoluir com coma e depressão respiratória. Embora amitriptilina, imipramina, clomipramina e nortriptilina. E os
sejam anticonvulsivantes, em concentrações séricas muito tetracíclicos são bupropiona, maprotilina e mitazarpina.
altas, podem causar convulsões. Eles agem inibindo a recaptação pré-sináptica de vários
Algumas particularidades, de acordo com o agente, são: neurotransmissores. Todos são bem absorvidos pelo TGI: os
a) Fenitoína: o coma pode ser visto com concentração picos séricos ocorrem após 2 a 6 horas e têm altíssima liga-
sérica maior que 60mg/mL. Pode cursar com hipotensão, ção proteica (>95%).
alteração da condução cardíaca e taqui ou bradiarritmias.
b) Carbamazepina: assim como a fenitoína, pode levar a A - Quadro clínico e exames complementares
arritmias devido a sua ação nas membranas celulares. São A maioria dos efeitos tóxicos ocorre nas primeiras 6 ho-
achados sugestivos: coma (surge com concentrações séri- ras, e as principais consequências são:
cas >20mg/mL), síndrome anticolinérgica e movimentos
involuntários. Sinais e sintomas incluem hipotensão, hipo- a) Anticolinérgicos: taquicardia, hipertensão, pele seca
termia, depressão respiratória, disartria, nistagmo, ataxia, e quente.
diplopia, taquicardia sinusal, retenção urinária, midríase e - Membrana celular (quinidina like): bloqueia os canais
íleo paralítico. Uma reação idiossincrática à carbamazepina de sódio e pode prolongar o intervalo QRS, com arrit-
é a dose-independente e pode ocasionar: mielotoxicidade, mias potencialmente letais.
hepatite, nefrite tubulointersticial, cardiomiopatia, derma- b) Bloqueio alfa-adrenérgico: hipotensão.
tite esfoliativa e hiponatremia. - SNC: agitação, hiperatividade neuromuscular, convul-
c) Ácido valproico: coma ocorre com concentrações sões e coma.
>180mg/mL. Não costuma ter efeitos cerebelares e ves-
tibulares como os outros anticonvulsivantes. Pode levar a Os efeitos tóxicos em doses moderadas são: predomí-
graves alterações metabólicas, como acidose metabólica nio anticolinérgico com boca seca, turvação visual, pele e
com ânion-gap elevado, hipoglicemia, hipofosfatemia, hi- mucosas quentes e secas, retenção urinária, diminuição do
pocalcemia, hipernatremia e hiperosmolaridade. peristaltismo, confusão, taquicardia e pupilas midriáticas.
d) Fenobarbital: depressão do SNC, hipotermia, hipo- Com doses maiores podem surgir: depressão do SNC, con-
tensão, edema pulmonar e parada cardíaca. vulsões, toxicidade cardíaca e hipotensão.

75
MEDI CI N A I NTENSIV A

O óbito precoce normalmente ocorre por arritmias (ta- - Neuromuscular: tremor, incoordenação, hiper-reflexia,
quiarritmias, bloqueio AV, bradicardia terminal, TV/FV) e mioclonia e rigidez;
choque. Já o óbito mais tardio acontece por complicações - SN autônomo: diaforese, febre, flutuação da pressão
pulmonares e por insuficiência de múltiplos órgãos. arterial, midríase, salivação, calafrios e taquicardia;
Existem achados eletrocardiográficos que devem apon- - Complicações: hipertermia, acidose láctica, insufi-
tar para intoxicação por ADPT: ciência renal, insuficiência hepática, rabdomiólise,
- Prolongamento do QRS; SDRA e CIVD.
- Onda R em AVR maior que 3mm;
- Onda R em AVR maior que a onda S. B - Tratamento
- Lavagem gástrica e carvão ativado na 1ª hora da ingestão;
B - Tratamento - Medidas de suporte são essenciais.
- Lavagem gástrica na 1ª hora seguida de carvão ativado - Bloqueio da serotonina: podem ser usados agentes
em múltiplas doses. É contraindicada indução de vô- antagonistas da serotonina, apesar dessa medida ser
mito; raramente necessária:
- Diálise não é efetiva, mesmo em paciente graves; • Ciproeptadina: iniciar por via oral, 4 a 8mg, a cada 2
a 4 horas, no máximo 32mg em 24 horas;
- Presença de distúrbios de condução e arritmias (carga • Clorpromazina: vantagem da apresentação IV, mas
de sódio + alcalinização sérica):
pode causar hipotensão; dose de 50 a 100mg lenta-
• Diluir 850mL de soro glicosado + 150mEq bicarbo- mente, até 400mg/dia.
nato de sódio a 8,4%;
• Iniciar com 200 a 300mL IV/hora em adultos e moni-
14. Benzodiazepínicos
torizar o pH sérico. Deve-se mantê-lo maior que 7,5
(o ideal é 7,55). Intoxicação frequente no pronto-socorro, geralmente
por via oral, na tentativa de suicídio. O mecanismo de ação
- Arritmia ventricular que não responde à alcalinização é a potencialização do efeito inibitório que o GABA exerce
pode responder à lidocaína. Não há estudos que cor- no SNC. Os benzodiazepínicos se ligam aos complexos de
roborem o uso profilático do bicarbonato, e este só é receptores GABA e aumentam a frequência de abertura dos
recomendado se houver arritmias; canais de cloro em resposta ao GABA. Têm excelente absor-
- Convulsões: devem ser usados benzodiazepínicos. ção oral e alta ligação proteica. Quanto à duração de ação,
Caso não haja resposta, pode-se proceder à intubação, são classificados em:
uso de curare, indução de coma barbitúrico e monito- - Longa ação: diazepam, flurazepam e clonazepam;
rização eletroencefálica; - Curta ação: lorazepam, flunitrazepam e alprazolam;
- Deve ser evitada fisostigmina; - Ultracurta ação: midazolam.
- Intoxicação mista com antidepressivo tricíclico e ben-
zodiazepínico: é contraindicado o uso de flumazenil, A - Quadro clínico e exames complementares
mesmo que o paciente esteja muito rebaixado. Nessa Os pacientes manifestam uma síndrome depressora do
última situação, recomenda-se intubação e ventilação SNC com sonolência excessiva, depressão respiratória, hi-
mecânica. potensão, hipotermia e coma. A gravidade é maior especial-
mente quando outros depressores do SNC estão associados
13. Antidepressivos serotoninérgicos (álcool, antidepressivos, barbitúricos e opioides).
Não há exames laboratoriais sugestivos. Uma resposta
Aumento de serotonina no SNC e em tecidos periféri- ao antídoto específico (flumazenil) confirma o diagnóstico;
cos. Os principais são: fluoxetina, paroxetina, sertralina e entretanto, raramente isso é necessário, e de uma forma
venlafaxina. geral, seu uso para esse fim é desaconselhado. O flumazenil
não mais faz parte de cocktails para coma.
A - Quadro clínico e exames complementares
São medicamentos muito seguros, e são necessárias B - Tratamento
grandes doses para evoluir com gravidade. Raramente cau- O suporte clínico é essencial. Não se deve hesitar em
sam manifestações tóxicas no miocárdio. Os achados mais proteger as vias aéreas quando for necessário. A lavagem
frequentes são: gástrica na 1ª hora da intoxicação, seguida de carvão ati-
- Náusea, vômitos, dor abdominal, diarreia; vado, é recomendada. Se o paciente estiver com rebaixa-
- SNC: agitação, alteração do nível de consciência, con- mento importante do nível de consciência, deve-se primei-
fusão, convulsões e coma; ramente intubá-lo para proteger as vias aéreas.

76
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Há um antagonista específico, o flumazenil. O início de • Hipotensão e bradicardia: atropina, marca-passo e


ação é imediato, e ele pode reverter a depressão respira- agentes vasoativos;
tória e evitar a intubação do paciente. Recomenda-se usar • Hipoglicemia: glicose a 50%.
via IV:
- O antídoto é o glucagon. Em casos mais graves, há re-

MEDICINA INTENSIVA
- Ampolas de 5mL = 0,5mg (1mL = 0,1mg); latos de eficácia de solução polarizante (glicose + insu-
- Dose inicial: 0,1mg em 1 minuto. Pode-se repetir a lina) e mesmo de gluconato de cálcio;
dose várias vezes, até o efeito desejado. Geralmente, - Glucagon: disponível em ampolas de 1mL = 1mg, ape-
não deve ultrapassar 3mg (6 ampolas); nas para uso parenteral. A dose inicial é de 5mg IV;
- O efeito desejado não é deixar o paciente totalmente pode ser repetida logo após (mais 5mg). Se houver boa
acordado, mas apenas conseguir adequado reflexo de resposta, deixa-se em bomba de infusão contínua IV,
deglutição. Alguns benzodiazepínicos têm meia-vida na dose de 1 a 5mg IV/hora;
longa; o flumazenil tem uma meia-vida muito curta, e - Polarizante: geralmente, necessita de grandes doses
pode ser necessário repeti-lo a intervalos de 20 a 30 – prescrever insulina na dose de 0,1 unidade/kg de
minutos; peso junto com 50g de glicose, seguida de bomba de
infusão contínua (manutenção de 0,1 a 1 unidade/kg/
- Muito cuidado ao usar o flumazenil em usuários crôni- hora, com glicose suficiente para evitar hipoglicemia);
cos de benzodiazepínicos, pois pode desencadear gra-
ve síndrome de abstinência e convulsões.
- Gluconato de cálcio a 10%: infundir 10mL IV de gluco-
nato diluído em 100mL de SF, em 2 minutos. A dose
As contraindicações ao flumazenil são: pode ser repetida mais 4 vezes consecutivas, e, se
houver boa resposta, deixar uma bomba de infusão
- Curiosidade diagnóstica; com 0,2mL de gluconato/kg de peso/hora, máximo de
- Pacientes sem rebaixamento significativo do nível de 10mL/hora.
consciência;
- História de convulsões ou uso de anticonvulsivantes; 16. Bloqueadores dos canais de cálcio
- Qualquer doente com possibilidade de uso concomi- Têm início de ação geralmente em 2 horas, mas pode
tante de antidepressivos tricíclicos. Isso inclui qualquer ser prolongado em preparações de liberação entérica (pode
doente com prolongamento do intervalo QRS. chegar a 18 horas). São bem absorvidos e têm alta ligação
proteica.
15. Beta-bloqueadores
A - Quadro clínico e exames complementares
Excelente absorção oral, com início de ação em 30 mi-
nutos (pode ser mais prolongado com liberação entérica) e - Náusea, vômitos, convulsões e depressão do SNC;
pico em 2 horas. - Hipotensão e bradicardia com diltiazem e verapamil;
- Hipotensão e taquicardia reflexa (vasodilatação perifé-
A - Quadro clínico e exames complementares rica) com os outros bloqueadores dos canais de cálcio;
- Náusea, vômitos, pele fria e pálida, bradicardia, hipo- - Pode complicar com choque, edema agudo de pul-
mão e acometimento de órgãos em razão do hipofluxo
tensão, convulsões e depressão do SNC. Broncoespas-
(AVCI, isquemia mesentérica, outros);
mo pode surgir em asmáticos;
- Anormalidades metabólicas: hipercalemia, hipoglice- - ECG: prolongamento do QRS, BAV de 1º, 2º e 3º graus,
isquemia e assistolia;
mia e, eventualmente, acidose metabólica com au-
mento do lactato (por hipotensão e convulsões);
- Pode ocorrer inibição da liberação de insulina com hi-
perglicemia. Se a hipotensão for grave, pode haver aci-
- ECG: prolongamento do QRS, BAV de 1º, 2º e 3º graus, dose metabólica com aumento do lactato.
bloqueio de ramo direito ou esquerdo e assistolia.
B - Tratamento
B - Tratamento
A prioridade é o uso de gluconato de cálcio a 10%: infun-
- Ter cuidado com a lavagem gástrica, pois pode poten- dir 10mL IV de gluconato diluído em 100mL de SF, em 2 mi-
cializar a hipotensão em razão de estimulação colinér- nutos. A dose pode ser repetida mais 4 vezes consecutivas,
gica; porém, não é contraindicada. O carvão ativado e, se houver boa resposta, deixar uma bomba de infusão
é o método de escolha de descontaminação do TGI, com 0,2mL de gluconato IV/kg de peso/hora, máximo de
especialmente na 1ª hora da ingestão; 10mL/hora.
- Tratar as complicações: Em casos refratários, recomenda-se associar glucagon e
• Insuficiência respiratória: oxigênio e mesmo intu- solução polarizante (glicose + insulina), conforme está des-
bação, se necessária; crito na intoxicação por beta-bloqueador.

77
MEDI CI N A I NTENSIV A

17. Cocaína e simpaticomiméticos rização, distúrbios da condução, incluindo bloqueio de


ramo esquerdo;
Agentes simpaticomiméticos são análogos às catecolami- - Radiografia de tórax: pode mostrar aumento da área
nas, com a habilidade de ativar o sistema nervoso simpático. cardíaca, vários graus de congestão e até edema pul-
Anfetaminas, efedrina, cocaína e análogos (inclusive o crack) monar cardiogênico;
são as principais drogas implicadas nesse tipo de intoxicação,
bastante frequente em prontos-socorros de grandes cidades
- Screening qualitativo na urina é suficiente para confir-
mar o diagnóstico.
(especialmente o excesso de cocaína). A via de intoxicação
é bastante variável e inclui oral, inalatória, nasal e parente- Todos os pacientes com sintomas neurológicos persis-
ral. Muito raramente, podem ser encontrados indivíduos que tentes devem ser submetidos à tomografia computadoriza-
ingeriram pacotes de drogas para o tráfico, como forma de da de crânio.
transporte (conhecidos como “mulas”).
Anfetaminas e simpaticomiméticos estimulam a libera- B - Tratamento
ção e inibem o bloqueio na recaptação de neurotransmisso-
res monoaminérgicos, tanto no SNC como nas terminações - O tratamento é de suporte cardiovascular, com ma-
simpáticas. Tais agentes são rapidamente absorvidos pelo nutenção do paciente com boa hidratação e não uti-
trato gastrintestinal, com início de ação em 30 minutos e lização de medicações cardiovasculares de longa ação
pico em 2 a 3 horas. As vias parenteral e inalatória têm efei- (após o efeito da cocaína, cerca de 2 a 4 horas, o pa-
tos praticamente imediatos. ciente costuma ter hipotensão);
- Carvão ativado raramente é usado, em razão de ocor-
A - Quadro clínico e exames complementares rer intoxicação por via parenteral ou inalatória, na
maioria das vezes;
A intoxicação resulta em efeitos predominantemente
no SNC e no sistema cardiovascular. Manifestações típicas
- Como regra geral, o benzodiazepínico é o agente de
escolha, não só para ansiedade, agitação, convulsões,
incluem náuseas, vômitos, cefaleia, palpitações, ansieda-
mas também para síndromes coronárias, taquicardia e
de, nervosismo, agitação, confusão, delirium, fasciculações,
emergências hipertensivas;
hiperventilação, tremores, convulsões e coma. Dessa for-
ma, a intoxicação catecolaminérgica pode ocasionar várias - Além de usar um benzodiazepínico, os seguintes agen-
emergências cardiovasculares (taquiarritmias, hipertensão, tes poderão ser associados:
dor precordial, infarto do miocárdio, dissecção de aorta, • Nitroglicerina: associar em edema agudo de pul-
acidente vascular encefálico e morte súbita). Com o uso mão e nas síndromes coronárias agudas;
crônico, há progressiva deterioração neuropsicocomporta- • Nitroprussiato de sódio: em algumas emergências
mental, podendo evoluir para quadros psicóticos. A cocaína hipertensivas, como AVC, dissecção aguda de aorta;
tem maior gravidade e pode levar aos quadros mais dramá- • Lidocaína: antiarrítmico de eleição para TV.
ticos vistos em prontos-socorros, podendo ser confundida - Evitar o uso de beta-bloqueadores isoladamente em
com hipertensão maligna, feocromocitoma, hipertireoidis- emergências relacionadas à cocaína, pois podem para-
mo, síndrome de abstinência e distúrbios psiquiátricos pri- doxalmente, piorar a vasoconstrição;
mários. - Status epilepticus deve ser tratado de modo agressivo,
Essa droga tem rápida metabolização, e apenas uma mí- com benzodiazepínico e fenobarbital.
nima quantidade é eliminada inalterada na urina. O início e
a duração dos efeitos variam com a dose, a forma de admi-
nistração, a taxa de absorção, a eliminação e uma tolerância
18. Digoxina
individual. Após administração intravenosa ou inalatória, Intoxicação bastante frequente em prontos-socorros,
em 3 a 5 minutos já tem início euforia, com resposta car- geralmente em usuários crônicos de digoxina. Eventual-
diovascular após 8 a 12 minutos. Usuários crônicos podem mente, pode ser uma ingestão maciça por tentativa de sui-
tolerar grandes doses, até 10g/dia, sem reações tóxicas. As cídio. A digoxina tem absorção lenta e excreção predomi-
consequências mais graves se devem à estimulação adre- nantemente renal, com meia-vida de 36 a 45 horas. Após
nérgica excessiva (convulsões, agitação e vasoconstrição). uma ingestão aguda, até 8 horas podem transcorrer antes
Nas intoxicações leves a moderadas, os principais acha- do início das manifestações cardíacas.
dos são cefaleia, dor torácica, náusea, vômitos, agitação e an- A ação predominante dos digitálicos é a inibição da enzi-
siedade. O paciente pode manifestar taquicardia, hiperten- ma Na+/K+-ATPase, ocasionando aumento da concentração
são, sudorese e midríase. Já nas formas graves, podem surgir intracelular de sódio e de cálcio e redução intracelular de
convulsões, alucinações e instabilidade hemodinâmica. potássio. O aumento do cálcio intracelular proporciona um
Os exames complementares iniciais são: aumento do acoplamento actina e miosina no músculo car-
- ECG: pode mostrar taquiarritmias, TV, supra ou infra- díaco, o que explica a melhora na contratilidade do miocár-
desnivelamento do segmento ST, alterações da repola- dio. Além disso, o digital pode:

78
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

- Aumentar o tônus vagal e diminuir o tônus adrenér- O antídoto é o anticorpo antidigoxina; deve ser usado
gico; em todas as arritmias potencialmente graves. Na overdose
- Reduzir a duração do potencial de ação e aumentar o aguda, um potássio sérico maior que 5,5mEq/L está asso-
período refratário nas células de condução elétrica; ciado à evolução grave, recomendando-se também, nesse

MEDICINA INTENSIVA
- Dificultar a transmissão do potencial de ação no nó caso, o uso do anticorpo.
Atrioventricular (AV). - As principais características do anticorpo antidigital
são:
A - Quadro clínico e exames complementares • Infusão intravenosa em 15 a 30 minutos. Se o caso
Os sintomas são variados e podem incluir náusea, vômi- for de PCR, infundir em bolus;
tos, diarreia, confusão, alucinação, delirium, visão borrada • Efeito em 1 hora;
e percepção alterada das cores. No sistema cardiovascular, • O complexo digoxina-anticorpo tem excreção renal
podem surgir hipotensão, síncope, bradicardia ou taquicar- com meia-vida de 16 a 20 horas. Se houver insufi-
dia. ciência renal, a excreção do complexo pode durar
As manifestações poderão ser diferentes se a intoxica- de dias a semanas. Logo após o uso do anticorpo,
ção for aguda ou crônica: a concentração livre de digoxina torna-se zero. En-
- Aguda: predomínio de taquiarritmias com hipercalemia; tretanto, os métodos habituais que dosam a digoxi-
- Crônica: predomínio de bradiarritmias com hipocalemia. nemia continuarão a detectar a digoxina ligada ao
anticorpo, que não mais terá efeito tóxico.
O eletrocardiograma é de grande importância e pode
mostrar: - As doses do anticorpo são:
- Arritmia sinusal, bradicardia e todos os bloqueios AV; • Um frasco com 40mg de anticorpo neutraliza 0,6mg
- Extrassístoles, bigeminismo, taquicardias supraventri- da digoxina;
culares, TV e mesmo FV; • Intoxicação crônica: 1 a 4 frascos, inicialmente;
- A mais típica manifestação eletrocardiográfica é a pre- • Intoxicação aguda: 5 a 15 frascos;
sença de taquiarritmia supraventricular (FA ou taqui- • Doses podem ser repetidas, se necessário;
cardia atrial paroxística) e bloqueio AV variável (2º ou
• Pode-se calcular a quantidade de anticorpo de acor-
3º grau); Strain digitálico.
do com a concentração sérica da digoxina, embora
Os exames complementares necessários incluem he- seja pouco útil no pronto-socorro, já que o trata-
mograma, função renal, gasometria, eletrólitos e dosagem mento de quadros graves deve ser instituído antes
sérica do digital. dos resultados dos exames.

B - Tratamento 19. Inseticidas organofosforados e carba-


- Carvão ativado em múltiplas doses é o método de des- matos
contaminação de escolha. Na 1ª hora de uma ingestão
A intoxicação por inseticidas pode ocorrer pela pele, ou
maciça, pode ser realizada lavagem gástrica. Após a 1ª
pela sua ingestão, como na tentativa de suicídio. Produz
hora, há o risco de estimulação vagal adicional, e esta
uma síndrome colinérgica dramática, de fácil diagnóstico
deve ser evitada;
no pronto-socorro.
- Aumentam o risco de arritmias em uma intoxicação Os 2 principais representantes desse grupo são:
digitálica e devem ser tratados prontamente: hipoca-
1 - Organofosforados: causam inibição irreversível da
lemia, hipomagnesemia, hipóxia, insuficiência renal e
enzima acetilcolinesterase (malathion, parathion e gás sa-
hipercalcemia;
rin), têm extensa distribuição no organismo e um lento me-
- É essencial suporte cardiovascular. tabolismo hepático.
- Bloqueio AV e bradicardia com instabilidade hemodi- 2 - Carbamatos: a inibição da acetilcolinesterase é rever-
nâmica: sível. Os carbamatos são encontrados em muitos inseticidas
• Volume, atropina, agentes vasoativos e marca- domésticos (veneno para rato), têm ação bem mais curta e
-passo; são metabolizados pelo fígado e pelo soro, habitualmente,
• Se o marca-passo externo não resolver, passar o em 12 a 24 horas.
transvenoso. Isso implica que as intoxicações com organofosforados
são muito mais graves do que aquelas com carbamatos.
- Taquicardias: Em ambas as intoxicações, há despolarização sustenta-
• Podem ser usadas lidocaína e amiodarona; da do neurônio pós-sináptico pelo aumento da acetilcolina
• Taquicardias supraventriculares com QRS curto: em todo o organismo. Esses efeitos ocorrem no SNC, nos
amiodarona é o agente de escolha. receptores muscarínicos do sistema nervoso periférico e

79
MEDI CI N A I NTENSIV A

nos receptores nicotínicos simpáticos, dos gânglios paras- pode dever-se à hipóxia ou à estimulação simpática.
simpáticos e das junções neuromusculares. Os efeitos so- Doses diárias de atropina de 100mg, ou mais, po-
bre os receptores muscarínicos, em geral, são sustentados, dem ser necessárias;
enquanto aqueles sobre os nicotínicos são rapidamente • A pralidoxima regenera a acetilcolinesterase, tem si-
deprimidos. nergismo com a atropina e tem sua maior indicação
na intoxicação por organofosforados, com o objetivo
A - Quadro clínico e exames complementares de inibir os efeitos tóxicos que envolvem os recepto-
O início do efeito tóxico é rápido, entre 30 minutos E 2 res nicotínicos. A dose é de 1 a 2g de pralidoxima, di-
horas, e as manifestações comuns são: luída em 150 a 250mL de SF com infusão intravenosa
lenta em 15 a 30 minutos. Se houver uma resposta
a) Receptores muscarínicos: náusea, vômitos, dor ab-
incompleta, pode-se repetir a dose após 30 minu-
dominal, incontinência fecal e urinária, sibilos, tosse, hiper-
tos. Pode-se mantê-la a cada 6 horas, dependendo
salivação, aumento da secreção brônquica, dispneia, sudo-
da gravidade, ou mesmo em infusão contínua, usu-
rese, miose, visão borrada e lacrimejamento. Em casos mais
almente 500mg/hora. Deve-se ter cuidado com a
graves, podem surgir bradicardia, hipotensão, bloqueio
infusão rápida, pois pode levar A laringoespasmo e
atrioventricular e edema pulmonar.
rigidez;
b) Receptores nicotínicos: taquicardia, hipertensão, fas-
• É importante ressaltar que nem a atropina nem a
ciculações, fraqueza muscular e hipoventilação por paresia
pralidoxima conseguem reverter os efeitos tóxicos
dos músculos respiratórios e alterações no SNC, com agita-
no SNC.
ção, confusão, convulsões e coma.
Os efeitos dos carbamatos raramente ultrapassam 48
horas; já a ação dos organofosforados pode durar de sema- 20. Isoniazida
nas a meses, e o óbito frequentemente ocorre por toxicida-
Em doses tóxicas, inibe a síntese do GABA. Uma enzima-
de pulmonar desses agentes.
-chave nessa síntese (a descarboxilase do ácido glutâmico,
Uma síndrome intermediária ou tipo II tem sido descrita
que converte ácido glutâmico em GABA) é dependente do
em alguns pacientes (5 a 10%) com intoxicação por orga-
cofator piridoxina ou vitamina B6. A isoniazida causa deple-
nofosforados, iniciando-se de 24 a 96h após o insulto coli-
ção dessa vitamina e, além disso, tem rápida absorção; a me-
nérgico inicial. Esta síndrome é caracterizada por paralisia
tabolização é hepática, e a meia-vida varia de 1 a 4 horas.
de musculatura apendicular proximal, músculos flexores
do pescoço, nervos cranianos e respiratórios. Além disso,
A - Quadro clínico e exames complementares
os organofosforados são responsáveis por uma neuropatia
periférica tardia, de envolvimento quase exclusivamente - As manifestações começam após 30 minutos da in-
motor. gestão e incluem náusea, vômitos, tontura, disartria,
O diagnóstico é confirmado pela demonstração de uma letargia e confusão;
reduzida atividade da colinesterase no plasma e nos eritró- - Em casos mais graves: coma, depressão respiratória e
citos. Entretanto, não são exames facilmente disponíveis e convulsões;
não se esperam os seus resultados para iniciar tratamento, - O diagnóstico é sugerido pelo quadro clínico e confir-
que deve ser imediato. mado pela dosagem sérica da isoniazida.

B - Tratamento B - Tratamento
- Todas as roupas do paciente devem ser retiradas, e - É indicada lavagem gástrica na 1ª hora, seguida de car-
este deve ser submetido à exaustiva lavagem para des- vão ativado;
contaminação; - As convulsões são tratadas com benzodiazepínicos e
- Para intoxicação via oral, indica-se lavagem gástrica na fenobarbital, mas, obrigatoriamente, necessitam de
1ª hora, seguida de carvão ativado; vitamina B6;
- Tratamento das complicações: insuficiência respirató- - Vitamina B6 deve ser administrada por via IV. A dose
ria e convulsões. é de 5g em 3 a 5 minutos e pode ser repetida em 30
- Antídotos: atropina e pralidoxima: minutos;
• A atropina age como antagonista dos receptores - Hemodiálise é útil e pode ser indicada em casos muito
muscarínicos. Deve ser iniciada na dose de 1 a 2mg graves.
IV para intoxicações leves a moderadas, e 2 a 5mg
para as mais graves. Pode ser repetida várias vezes,
a cada 5 a 15 minutos, até que as secreções brônqui-
21. Lítio
cas e outras secreções se tornem “secas”. Taquicar- O lítio, um metal próximo ao sódio e ao potássio, pare-
dia não representa contraindicação ao seu uso, pois ce agir substituindo cátions endógenos, o que pode causar

80
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

interferência em transportadores de membrana, na excita- - ECG: taquicardia ou bradicardia sinusal, achatamento


bilidade das células, na ativação da adenilatociclase e na ou inversão da onda T, prolongamento do intervalo QT
liberação de neurotransmissores. e bloqueio AV.
A absorção é lenta, de 1 a 6 horas, o pico sérico é atingi-

MEDICINA INTENSIVA
do após 2 a 4 horas, mas pode ser mais tardio com prepara- O diagnóstico é confirmado pela dosagem sérica. Na in-
ção de liberação prolongada. Não se liga às proteínas nem toxicação crônica, há uma correlação entre a concentração
sofre metabolização; é excretado pelos rins e atravessa li- medida e a gravidade; na aguda, não é encontrada tal cor-
vremente a placenta. A meia-vida do lítio varia de 18 a 36h. relação.
É mais usado em transtornos afetivos, e as doses tóxicas são
muito próximas das doses terapêuticas, o que pode facil- B - Tratamento
mente causar intoxicação. Indica-se lavagem gástrica na 1ª hora da ingestão. O
A intoxicação pode seguir-se a uma ingestão aguda ou carvão ativado não absorve o lítio e não deve ser usado.
ocorrer por acúmulo crônico, tanto por uma dosagem ex- O tratamento é de suporte. Pode ser necessário tratar
cessiva como por diminuição da excreção renal. O próprio convulsões, rebaixamento do nível de consciência, hipo-
lítio pode levar à lesão renal (diminuição da capacidade de tensão e arritmias. É importante aumentar a excreção
concentração renal, diabetes insipidus nefrogênico e nefri- renal do lítio, com soluções cristaloides e alcalinização
te perdedora de sal). Tais efeitos são dose-dependentes e da urina.
geralmente revertem em semanas após a descontinuação A hemodiálise tem grande eficácia em baixar, rapida-
da terapia. Por isso, pacientes usuários de lítio devem ser mente, as concentrações séricas do lítio e deve ser indicada
reavaliados periodicamente. em casos graves, como convulsões, coma, quadros neuro-
A perda excessiva de água e de sódio pode aumentar lógicos graves, persistentes e progressivos, e concentração
a reabsorção de lítio. Situações como desidratação, febre, sérica de lítio maior que 8mmol/L. Pode ser indicada mais
diarreia, insuficiência cardíaca, uso de anti-inflamatórios e precocemente se houver insuficiência renal. Mesmo com a
de diuréticos também podem levar à intoxicação por lítio. diálise, a recuperação pode demorar dias a semanas, devi-
do ao lento clearance do lítio nos tecidos.
A - Quadro clínico e exames complementares
A intoxicação por lítio afeta, primariamente, os rins e o 22. Metanol e etilenoglicol
SNC. É classificada em:
Intoxicação grave. Uma característica marcante é a pro-
- Intoxicação leve: náusea, vômitos, diarreia, letargia,
funda acidose metabólica que pode ocorrer.
fadiga e tremores finos;
O etilenoglicol é incolor, inodoro, adocicado, solúvel em
- Intoxicação moderada: hipertensão, taquicardia, con- água, usado como solvente para tinta, plástico e em pro-
fusão, agitação, disartria, nistagmo, ataxia, síndromes
dutos farmacêuticos. É utilizado, também, na produção de
extrapiramidais, movimentos coreicos e atetose;
explosivos, extintores, como ingrediente de fluidos hidráuli-
- Intoxicação grave: bradicardia, hipotensão, hiperter- cos, radiadores e substâncias de limpeza.
mia, convulsões e coma. O metanol, muito parecido com o etanol, é usado em
Os efeitos neurotóxicos costumam se desenvolver du- laboratórios, soluções de limpeza, removedores de tinta e
rante vários dias. As manifestações cardiovasculares são para fluidos de máquinas copiadoras.
inespecíficas, mas arritmias graves são raras. É importante
A - Quadro clínico e exames complementares
diferenciar se a intoxicação é aguda ou crônica. Na 1ª, as
manifestações neurológicas surgem tardiamente, até 12h Os principais achados dessa intoxicação são descritos na
depois da ingestão do lítio, em razão da penetração lenta Tabela 17.
do íon no SNC. Na 2ª, as manifestações podem surgir insi- A intoxicação por metanol ou etilenoglicol deve sempre
diosamente, de modo habitual, junto com uma comorbida- fazer parte do diagnóstico diferencial de pacientes graves,
de (infecção, diarreia, desidratação). As manifestações neu- sem diagnóstico óbvio e com acidose metabólica grave.
rológicas são fraqueza, confusão, ataxia, tremores, fascicu- Por isso, além da gasometria arterial, devem ser solicitados
lações, mioclonia, coreoatetose, convulsões e coma. Uma função renal e hepática, eletrólitos (incluindo cloro, cálcio
encefalopatia prolongada ou permanente e desordens do e magnésio), glicemia, lactato arterial, dosagem sérica de
movimento podem tornar-se sequelares. cetonas, medida direta da osmolalidade sérica, urina tipo
Exames complementares: 1, pesquisa de cristais na urina, eletrocardiografia e radio-
- Laboratório: leucocitose, hiperglicemia, albuminúria, grafia de tórax. Além de tais exames gerais, deve-se solicitar
glicosúria e diabetes insipidus nefrogênico adquirido; dosagem sérica dos tóxicos.

81
MEDI CI N A I NTENSIV A

Tabela 17 - Características da intoxicação por etilenoglicol e etanol


Tóxicos Etilenoglicol Metanol
Rápida absorção, com pico em 2 horas. A meia-vida Rápida absorção, com pico em 1 a
Absorção e meia-vida
é de 3 a 8 horas. 2 horas. A meia-vida é de 30 horas.
Produz glicoaldeído e, em seguida, ácido glicólico Produz formaldeído e, em segui-
Metabolização de álcool desidrogenase
e ácido oxálico. da, ácido fórmico.
Ácido glicólico produz depressão do SNC, acidose
Metanol produz depressão do
metabólica e lesão renal (tubular e intersticial).
SNC. Ácido fórmico produz aci-
Efeito do metabólito Ácido oxálico se precipita com o cálcio no SNC,
dose metabólica e toxicidade da
no coração, nos rins, no pulmão, no pâncreas e
retina.
na urina.
Cofator usado para metabolismo Piridoxina e tiamina. Tetraidrofolato.
Antídoto Álcool etílico ou fomepizol. Álcool etílico ou fomepizol.
Em 1 hora: náusea, vômitos, dor
Em 30 minutos: náusea, vômitos, disartria, ata-
Achados clínicos iniciais abdominal e sintomas semelhan-
xia, nistagmo e letargia.
tes ao etanol.
Assim que o ácido fórmico é
Tem início cerca de 3 a 12 horas após a ingestão;
produzido (até 15 horas), surgem
Achados clínicos após produção de metabólitos surgem taquipneia, agitação, confusão, dor lom-
convulsões, coma e lesões de
bar, hipotensão, convulsões e coma.
retina.
Depressão do miocárdio, bradi-
Intoxicação muito grave Cianose, SARA e cardiomegalia.
cardia e choque.
Acidose metabólica grave, ma-
nifestações oftálmicas (visão
Acidose metabólica grave, hipocalcemia, insuficiên-
Achados sugestivos borrada, pupilas fixas e dilatadas,
cia renal, proteinúria e cristais na urina (oxalato).
edema retiniano, hiperemia do
disco óptico e cegueira).
Ânion-gap Aumentado. Aumentado.
Gap osmolar Aumentado. Aumentado.
Normal (só aumenta quando há choque ou insu- Normal (só aumenta quando há
Lactato
ficiência renal). choque).
Acidose metabólica grave, hipocalcemia, aumen-
Laboratório Acidose metabólica grave.
to de ureia e creatinina, proteinúria e cristalúria.

B - Tratamento para intoxicação por metanol e Os antídotos são álcool etílico IV ou fomepizol. O fome-
etilenoglicol pizol inibe a enzima-chave (álcool desidrogenase), mas não
está disponível no nosso meio.
A lavagem gástrica deve ser indicada apenas na 1ª hora
O etanol é metabolizado pelo álcool desidrogenase, com
da ingestão. Carvão ativado não adsorve esses tóxicos. O
uma afinidade muito maior que o metanol e o etilenoglicol.
suporte clínico é essencial; se necessário, procede-se à in-
Assim, os metabólitos não são produzidos. Modo de usar:
tubação orotraqueal, repõe-se a volemia, usam-se drogas
vasoativas e tratam-se as convulsões.
- Álcool a 100% está disponível em ampolas de 10mL.
Deve-se diluir em uma proporção de 1:10. Exemplo:
O tratamento da acidose metabólica grave (pH <7), com
100mL de álcool em 900mL de soro glicosado;
repetidas doses de bicarbonato de sódio, pode salvar a vida
do paciente (pode necessitar de centenas a milhares mEq - Dose inicial em bolus IV: 10mL da solução por kg de
de bicarbonato). peso;
Em intoxicações graves, uma vez feita a suspeita clínica, - Dose de manutenção: 1 a 2mL por kg de peso por hora.
devem ser colhidas amostras para diagnóstico, e o antídoto Durante a diálise, deve-se dobrar a dose da manuten-
deve ser administrado imediatamente, antes da confirma- ção;
ção. Deve-se enviar, para o centro de intoxicação, 2 frascos - O ideal é conseguir uma concentração sérica de etanol
de 10mL de sangue com heparina. >100mg/dL;

82
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

- Manter o álcool até que as concentrações estejam - Dosagem de carboxi-hemoglobina (Tabela 18).
em níveis seguros (etilenoglicol <10mg/dL e metanol
<10mg/dL). Tabela 18 - Correlação entre a fração de carboxi-hemoglobina e
gravidade dos sintomas

MEDICINA INTENSIVA
É importante lembrar que a hemodiálise baixa rapida- Fração de carboxi-hemoglobina Sintomas (gravidade)
mente as concentrações do metanol, do etilenoglicol, de <20% Leves
todos os metabólitos e corrige a acidose. As indicações são
20 a 40% Moderados
acidose refratária, piora do quadro, apesar do tratamento,
40 a 60% Graves
intoxicações graves, insuficiência renal (etilenoglicol) e con-
centrações séricas potencialmente letais. >60% Geralmente fatais
Em caso de intoxicação com metanol, prescrever ácido
Pacientes que já chegam inconscientes têm grande
folínico, 1mg/kg de peso de 4/4 horas por 24 horas.
chance de sequelas permanentes, desde alterações da per-
sonalidade e prejuízo intelectual a, até mesmo, cegueira,
23. Monóxido de carbono surdez, incoordenação e parkinsonismo.
É uma intoxicação comum nos pronto-socorros – nos Es-
tados Unidos, é a intoxicação líder em óbitos. B - Tratamento
O monóxido de carbono (CO), produzido durante a Além de suportes respiratório e hemodinâmico, pacien-
combustão de várias substâncias, é rapidamente absor- tes conscientes podem ser tratados com máscara de oxi-
vido pelo pulmão. No sangue, liga-se à hemoglobina com gênio (non-rebreather) até que estejam sem sintomas, ou
uma afinidade 210 vezes maior que o oxigênio, deslocan- carboxi-hemoglobina <10%. Já aqueles com instabilidade
do essa substância. Desse modo, causa hipóxia tecidual, o hemodinâmica ou sintomas neurológicos, com intubação
que explica a maioria dos seus efeitos tóxicos. O monóxido orotraqueal e ventilação com oxigênio a 100%.
de carbono também se liga à mioglobina (redução da sua
capacidade de carrear oxigênio) e inibe o complexo mito-
condrial responsável pela cadeia respiratória (citocromos). 24. Neurolépticos
As consequências são hipóxia tecidual, metabolismo ana- Os principais são clozapina, droperidol, haloperidol, lo-
eróbio, acidose lática, peroxidação lipídica e formação de xapina, olanzapina, pimozida, risperidona e as fenotiazinas.
radicais livres. De maneira geral, bloqueiam receptores dopaminérgicos
A metabolização do CO, por intermédio dos pulmões, no SNC. Em graus variáveis, podem bloquear receptores
depende da fração inspirada de oxigênio: alfa-2-adrenérgicos, histamina, acetilcolina e serotonina.
- De 4 a 6 horas: pressão atmosférica;
- De 40 a 80 minutos: oxigênio a 100%; A - Quadro clínico e exames complementares
- De 15 a 30 minutos: oxigênio hiperbárico.
- Efeitos extrapiramidais agudos: distonia, acatisia e
A - Quadro clínico e exames complementares parkinsonismo. Algumas vezes, tais efeitos podem
ocorrer em doses terapêuticas;
Os principais achados são dispneia, taquipneia, cefaleia,
labilidade emocional, náusea, vômitos e diarreia. Progressi-
- Após 30 a 60 minutos da ingestão podem ocorrer: de-
pressão respiratória e do SNC, hipotensão, hipotermia,
vamente, podem surgir agitação, confusão, cegueira e dis-
edema pulmonar, miose e pele quente e seca;
túrbios do campo visual. O quadro pode evoluir para rebai-
xamento do nível de consciência e coma. O fundo de olho - Efeitos anticolinérgicos podem surgir: boca seca, re-
pode mostrar ingurgitamento venoso, papiledema e atrofia tenção urinária e outros;
do nervo óptico. No sistema cardiovascular, podem surgir - ECG: taquicardia, bloqueio AV, arritmias ventriculares
arritmias, dor torácica isquêmica, insuficiência cardíaca, hi- e prolongamento do intervalo PR, QRS e QT.
potensão e síncope.
Os exames complementares podem mostrar aumento B - Tratamento
de desidrogenase láctica, mioglobina e creatinafosfoquina-
se (CPK), com rabdomiólise e insuficiência renal. - Semelhante ao descrito para os anticolinérgicos. En-
tretanto, deve-se evitar o uso de fisostigmina;
As principais pistas para o diagnóstico são:
- Coloração cor de framboesa da pele e das mucosas; - É essencial suporte clínico: tratar arritmias, hipotensão
- Intensa dispneia com oximetria de pulso e PaO2 nor- e convulsões;
mais; - Reações extrapiramidais agudas respondem aos anti-
- Acidose metabólica grave com aumento intenso do muscarínicos: difenidramina, benzatropina ou outros.
lactato; Pode-se repetir após 20 minutos.

83
MEDI CI N A I NTENSIV A

25. Opioides Deve-se providenciar aquecimento passivo ou mesmo ati-


vo, se necessário, e a volemia deve ser reposta. Entretanto,
Agem em receptores no SNC e produzem efeitos analgé- a intoxicação com opioide pode evoluir para edema pulmo-
sicos, euforizantes e sedativos. O pico sérico é atingido em nar não cardiogênico, e pode dificultar a reposição volêmi-
1 a 2 horas. São exemplos codeína, morfina, meperidina, ca. Nesse caso, deve-se passar um cateter de Swan-Ganz
fentanila, alfentanila e a heroína. para monitorizar a correção hemodinâmica.
A administração de morfina em doses terapêuticas causa Rebaixamento do nível de consciência, hipoventilação e
analgesia, geralmente sem rebaixamento do nível de cons- bradipneia podem responder ao antídoto (naloxona), mas
ciência ou alterações de humor. Pode ocorrer disforia, com não se deve hesitar em proceder à intubação para proteger
reações de ansiedade e medo. Náuseas são frequentes. Um as vias aéreas, se necessário.
achado marcante dos opioides é a miose. Mesmo em peque- O antídoto, a naloxona, é administrado na dose inicial
nas doses, a morfina pode deprimir o centro respiratório. de 1 a 4mg. A via pode ser intratraqueal, intramuscular ou
Doses terapêuticas de opioides apresentam poucos efeitos intravenosa. Doses repetidas podem ser necessárias a cada
sobre a frequência cardíaca, ritmo e pressão arterial. Tam- 20 a 60 minutos, em razão de sua meia-vida curta. Infusão
bém pode ocorrer liberação de histamina, levando à vasodi- contínua pode ser considerada em pacientes que estão ne-
latação, hipotensão e confusão com reação alérgica. cessitando de doses frequentes, na velocidade inicial de
A heroína é produzida pela diacetilação da morfina, e metade da dose com que foi obtida resposta terapêutica,
tem 2 a 5 vezes a sua potência analgésica com efeitos simi- por hora, em solução diluída em soro fisiológico.
lares no SNC. A incidência de edema pulmonar durante a
overdose dessa droga varia entre 50 e 67%, sendo uma das 26. Salicilatos
complicações mais temidas.
A codeína tem efeitos semelhantes, porém menos po- A aspirina é o principal representante desse grupo; tem
tentes do que a morfina. A metabolização é predominante- uso disseminado na população e é uma causa relativamen-
mente hepática. te frequente de intoxicação exógena em nosso meio. A ab-
O fentanila é um opioide sintético, com potência de 100 sorção é rápida, mas pode ser prolongada após ingestão
a 200 vezes maior que a da morfina. A meperidina, embora maciça. A meia-vida pode demorar de 20 a 36h e é diminu-
também seja um opioide sintético, tem potência inferior à ída pela alcalinização da urina.
morfina. É metabolizada pelo fígado em normeperidina. Tal Os salicilatos estimulam o centro respiratório, aumen-
tam o metabolismo (consumo de oxigênio, utilização de gli-
metabólito pode acumular e, por ser neurotóxico, levar a
cose e produção de CO2 e de calor) e podem inibir o ciclo de
convulsões.
Krebs e o metabolismo de lipídios e carboidratos. A aspirina
A - Quadro clínico e exames complementares inibe plaquetas e, em doses maciças, pode inibir a síntese
de fatores de coagulação.
- Coma, miose, edema pulmonar e depressão do centro
ventilatório são as características principais da intoxi- A - Quadro clínico e exames complementares
cação por opioides. Convulsões são raras, exceto com
meperidina;
- Náuseas, vômitos, sudorese, taquicardia, taquipneia,
febre, letargia, tinido, confusão e alcalose respiratória
- O achado marcante é a presença de miose em paciente são manifestações comuns e têm início de 3 a 6 horas
com rebaixamento do nível de consciência, confirma- após a ingestão;
do por uma resposta imediata ao antídoto (naloxona); - O paciente evolui com piora da taquipneia, desidrata-
- Não há exames complementares sugestivos. ção, acidose metabólica com aumento do ânion-gap
e cetose;
B - Tratamento - Intoxicação moderada: alcalose respiratória + acidose
Lavagem gástrica na 1ª hora, seguida de carvão ativado, metabólica;
está indicada. Entretanto, o carvão pode ser indicado mais - Em casos graves, evolui com depressão respiratória,
tardiamente, e não há um prazo máximo bem determinado. coma, convulsões, edema pulmonar e cerebral e co-
O fato é que os opioides causam diminuição da motilida- lapso cardiovascular;
de do TGI com retardo da absorção do tóxico, o que pode - Laboratório: elevação do hematócrito, leucocitose,
aumentar a janela terapêutica do carvão. Em casos graves, hipernatremia, hipercalemia, hipoglicemia e prolonga-
pode-se deixar o carvão em múltiplas doses, a cada 4 horas. mento do tempo de protrombina;
Deve-se ter cuidado em pacientes com nível de consci- - Diagnóstico: suspeitar de intoxicação por salicilatos
ência rebaixado e garantir a proteção das vias aéreas antes em todos os pacientes com distúrbios ácido-básicos e
de administrar o carvão. solicitar determinação de concentração sérica. Os sa-
O suporte clínico é essencial. Os pacientes podem che- licilatos são identificados em testes de screening qua-
gar ao pronto-socorro com hipotermia e hipotensão graves. litativos.

84
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

B - Tratamento sões. Fenitoína costuma ser ineficaz e não é indicada.


Após o uso de benzodiazepínico e de fenobarbital, ao
- Lavagem gástrica na 1ª hora, seguida de carvão ativa- persistirem convulsões, deve-se, imediatamente, pro-
do, está indicada. O carvão deve ser fornecido em múl- ceder à intubação, bloqueio neuromuscular e indução

MEDICINA INTENSIVA
tiplas doses (4 em 4 horas). Pode ser indicado até 12 a de coma barbitúrico;
24 horas da ingestão tóxica;
- Hipotensão: volume + noradrenalina;
- Os indivíduos têm risco de hipoglicemia e podem ne- - Taquiarritmias: se não houver hipotensão nem bron-
cessitar de grandes doses de glicose;
coespasmo, pode-se usar beta-bloqueador. Em casos
- É indicada hidratação vigorosa com alcalinização. For- de TV, o agente de escolha é a lidocaína;
necer 200 a 300mL/h, IV, da seguinte solução: 850mL
de glicose a 5 ou 10% + 150mL de bicarbonato de sódio
- Em casos graves, indicar hemodiálise ou hemoperfu-
são.
a 8,4%. Poderão ser necessários muitos litros;
- Vitamina K (IV), se houver prolongamento do tempo
de protrombina; 28. Resumo
- Monitorizar e corrigir: sódio, potássio, cálcio, estado Quadro-resumo
ácido-básico, volemia e débito urinário. Os pacientes
- Acidente tóxico é uma importante causa de morbidade e mor-
podem evoluir para edema cerebral, edema pulmonar
talidade;
cardiogênico e não cardiogênico;
- As intoxicações exógenas são frequentes, sendo um importan-
- Hemodiálise pode ser indicada: pacientes graves, piora te diagnóstico em salas de emergência e UTIs. Pode haver mais
do quadro clínico com as terapêuticas habituais e ní- de uma substância envolvida;
veis séricos maiores que 100mg/dL.
- Devemos sempre considerar a hipótese de intoxicação exóge-
na em pacientes com doença aguda e sem causa aparente;
27. Teofilina - A via oral é a principal via das intoxicações; as mais graves pa-
Causa inibição da fosfodiesterase com aumento do AMP recem estar associadas ao abuso de drogas ou álcool e às ten-
tativas de suicídio;
cíclico intracelular. Isso ocasiona potencialização das cate-
colaminas endógenas e estimulação beta-adrenérgica. Tem - O exame físico minucioso, com ênfase nos sistemas neurológi-
boa absorção oral, com pico em 2 a 4h, o qual pode ser co, cardiovascular e respiratório, é fundamental;
retardado para 6 a 24h, com preparações de liberação pro- - Todos os pacientes com história de intoxicação exógena de-
longada. vem ser monitorizados e permanecer em observação; deve ser
dada atenção especial à possibilidade de neuro ou cardiotoxici-
A - Quadro clínico e exames complementares dade;
- É obrigatória a coleta de gasometria arterial e lactato, além de
- Entre 1 a 2 horas após a ingestão, o doente começa exames gerais; ECG e radiografia de tórax também devem ser
a manifestar náusea, vômitos, agitação psicomotora, solicitados;
diaforese, palidez, taquipneia, taquicardia e tremores
- Mesmo que se encontre estável, o paciente pode evoluir com
musculares. Logo após, podem ocorrer convulsões, deterioração do quadro clínico e necessitar de suporte terapêu-
depressão respiratória, hipotensão, arritmias, rabdo- tico;
miólise e coma;
- Na ingesta oral, pode-se utilizar carvão ativado e realizar lava-
- As convulsões podem ser focais, repetitivas e refratá- gem gástrica; tais procedimentos são úteis até 1 hora após a
rias aos anticonvulsivantes; ingestão. O carvão ativado deve ser usado com doses repetidas
- ECG: taquicardia sinusal, extrassístoles, taquiarritmias nas intoxicações por drogas com ciclo êntero-hepático;
(inclusive com taquicardia ventricular) e fibrilação ven- - Devemos sempre consultar tabelas para conferir se o agente da
tricular; intoxicação pode ser eliminado por diálise ou possui antídoto;
- Podem ocorrer cetose, hiperglicemia, hipocalemia, hi- - Esgotados recursos como antidototerapia ou remoção, o trata-
pocalcemia e hipofosfatemia; mento é de suporte.
- Confirma-se o diagnóstico com dosagem sérica quan-
titativa.

B - Tratamento
- É recomendada lavagem gástrica na 1ª hora, seguida
de carvão ativado. O carvão pode ser usado em múlti-
plas doses, de 4/4 horas;
- O suporte clínico é extremamente importante. As com-
plicações podem ser graves, especialmente as convul-

85
MEDI C I N A I NTENSIV A

CAPÍTULO

7
Drogas vasoativas
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Introdução aumentam o inotropismo e o cronotropismo cardíacos. Os


receptores dopaminérgicos localizam-se na vasculatura re-
As drogas vasoativas são empregadas em terapia inten- nal, mesentérica, coronariana e cerebral, e sua estimulação
siva diariamente, no manuseio de várias condições com promove vasodilatação com aumento do fluxo sanguíneo
instabilidade hemodinâmica. É fundamental para o intensi- nessas áreas.
vista um conhecimento pleno de suas propriedades farma-
cológicas, de suas indicações principais e de seus efeitos be- A - Dopamina
néficos e adversos. Devem ser prescritas como adjuvantes
É uma catecolamina de ocorrência natural no organismo,
a outras medidas terapêuticas, como a reposição volêmica,
precursora da noradrenalina e adrenalina nas terminações
na tentativa de restaurar o estado hemodinâmico normal
nervosas, que atua em receptores dopaminérgicos, beta e
do paciente. As ações dessas potentes drogas causam mu-
alfa-adrenérgicos, com efeitos hemodinâmicos dose-depen-
danças drásticas na pressão arterial e resistência periférica,
dentes (Tabela 1). Doses <5μg/kg/min têm ação predomi-
no débito cardíaco e na oferta e consumo de O2, havendo
nantemente dopaminérgica. Doses entre 5 e 10μg/kg/min
a necessidade de uma rigorosa monitorização clínico-labo-
têm ação, na maioria das vezes, beta-adrenérgica, levando
ratorial e, não raro, de uma monitorização hemodinâmica
a um aumento do débito cardíaco e do retorno venoso, com
invasiva para aferir tais modificações e ajustar racionalmen-
queda na resistência vascular periférica. Doses >10μg/kg/
te suas doses. As drogas vasoativas mais usadas em terapia
min têm ação alfa-adrenérgica, causando aumento na resis-
intensiva são as aminas simpatomiméticas (catecolaminas), tência periférica total e na pressão arterial, com diminuição
os cardiotônicos não digitálicos e os vasodilatadores arte- dos fluxos sanguíneos renal e mesentérico. Suas principais in-
riovenosos. dicações são o choque cardiogênico e o choque séptico. Nos
pacientes com choque séptico, aumenta a PAM por aumento
2. Aminas simpatomiméticas (catecolami- do débito cardíaco e da FC, com poucos efeitos na resistên-
nas) cia vascular sistêmica. Além disso, há aumento do shunt pul-
monar, diminuindo a resistência vascular pulmonar. Um dos
São drogas vasoativas com ação mediada por recepto- principais efeitos colaterais da dopamina é a indução ou o
res adrenérgicos e dopaminérgicos, utilizadas para tratar agravamento de arritmias cardíacas, especialmente na pre-
situações de hipoperfusão/choque em indivíduos já ressus- sença de hipoxemia e hipopotassemia.
citados volemicamente. São utilizadas como vasopressores Disponível em ampolas com 50mg em 10mL, com di-
e inotrópicos positivos. luição sugerida de 5 ampolas em 200mL de soro glicosado
Os receptores adrenérgicos são divididos em alfa-1, (1mg/mL de dopamina, em uma pessoa de 60kg, 18mL/h
alfa-2, beta-1 e beta-2, e os dopaminérgicos em DA-1-like e correspondem a 5mg/kg/min). Caso se opte por diluições
DA-2-like. Os receptores alfa são localizados em nível vascu- mais concentradas para economia de volume, podem-se
lar e levam à vasoconstrição, tanto arterial quanto venosa. diluir 10 ampolas em 150mL de soro glicosado: dopamina
Os receptores beta, por sua vez, levam à vasodilatação e 2mg/mL de solução.

86
DROGAS VASOATIVAS

Tabela 1 - Ações da dopamina C - Noradrenalina


Ação predomi-
Dose
nante
Efeitos Trata-se de uma catecolamina de ocorrência natural no
organismo, sendo um neurotransmissor simpático e pre-

MEDICINA INTENSIVA
2 a 4μg/kg/min Dopaminérgica Vasodilatação renal
cursor endógeno da adrenalina, com efeitos beta-1, alfa-1
↑ Débito cardíaco e alfa-2-adrenérgicos. Suas doses habituais de uso situam-
5 a 10μg/kg/min Beta-adrenérgica
↑ Retorno venoso
-se entre 0,05 e 2μg/kg/min. Nas doses baixas, há predo-
↑ Resistência vascular mínio dos efeitos beta-1 adrenérgicos. Doses maiores atu-
>10μg/kg/min Alfa-adrenérgica periférica / ↑PA
am nos receptores alfa-1 e beta-1, promovendo aumento
↓Fluxo renal / mesentérico
da resistência arterial sistêmica total e regional, aumento
na contratilidade miocárdica, ocasionando o aumento da
B - Dobutamina
pressão arterial e prejuízo das perfusões renal, mesenté-
É uma catecolamina sintética com menor efeito arritmo- rica e pulmonar. É indicada, principalmente, em situações
gênico que a dopamina, com ações alfa-1 modestas, porém de choque distributivo, como o choque séptico em fase hi-
com efeitos beta-adrenérgicos potentes (beta-1 e beta-2), e perdinâmica, sendo também útil no choque cardiogênico e,
cuja ação não depende da liberação de noradrenalina. No transitoriamente, em pacientes severamente hipovolêmi-
miocárdio, atua nos receptores beta-1 e na parede vascu- cos e hipotensos, até que se iniciem as manobras de res-
lar, sobre os beta-2, causando vasodilatação. Seus efeitos
suscitação volêmica. A sua associação com a dobutamina,
são dose-dependentes. Doses entre 5 e 15μg/kg/min pro-
em uma tentativa de contrabalançar seus potentes efeitos
movem aumento da contratilidade miocárdica e do débito
alfa-adrenérgicos, pode ser útil para preservar o fluxo renal
cardíaco, sem aumento significativo do cronotropismo ou
alterações da resistência vascular pulmonar. Apresenta, e esplâncnico.
ainda, ação broncodilatadora e vasodilatação em território Deve ser administrada por via intravenosa em infusão
responsivo ao estímulo beta-2 (musculatura esquelética). contínua – idealmente, por meio de bomba de infusão – nas
Além disso, parece favorecer a oxigenação tecidual em pa- doses de 0,05 a 2mg/kg/min, entretanto não há descrição
cientes sépticos, tópico ainda controverso na literatura. Do- de dose máxima de infusão de noradrenalina. Uma suges-
ses >30μg/kg/min geram arritmias e aumentam a pressão tão de diluição: 4 ampolas – 16mg – em 250mL de soro
arterial. Devemos destacar que essa droga pode ocasionar glicosado, cada mL/h corresponde a, aproximadamente,
diminuição da resistência arterial periférica, necessitando, 1μcg/min.
muitas vezes, ser associada a outros vasopressores, espe-
cialmente em pacientes com estados de choque distribu- Tabela 3 - Ações da noradrenalina
tivo. Também, em pacientes hipovolêmicos, a dobutamina Dose Ação predominante Efeitos
pode causar hipotensão e taquicardia. Não deve ser pres- 0,05 a Alfa-1 e alfa-2-adre- ↑ RVS, ↑PA
crita com o objetivo de elevar a pressão arterial em casos 2μg/kg/ nérgica ↓ Perfusão mesentérica e
de hipotensão severa. Suas principais indicações centram- min Beta-1-adrenérgica renal
-se nas síndromes de baixo débito por falência miocárdica,
no pós-operatório de cirurgias cardíacas e pré-transplante D - Adrenalina
cardíaco. Seu uso em pacientes graves apenas com a finali-
Também é uma catecolamina de ocorrência natural no
dade de supranormalizar os parâmetros hemodinâmicos é
um assunto controverso. Uma sugestão de administração é organismo, com potentes efeitos beta e alfa-adrenérgicos
diluir 1 ampola em 230mL de soro glicosado (em um indiví- dose-dependentes. Hemodinamicamente, nas doses ha-
duo de 60kg, 18mL/h dessa solução correspondem a 5mg/ bitualmente utilizadas, que variam de 0,05 a 2μg/kg/min,
kg/min). Pode-se lançar mão de soluções mais concentra- observa-se um consistente aumento do débito cardíaco e
das para economia de volume (por exemplo, 2 ampolas em da pressão arterial. Não é indicada rotineiramente na sepse
210mL de soro glicosado ou 4 ampolas em 170mL, respec- por reduzir o fluxo esplâncnico, refletido pela queda do pH
tivamente, 2mg/mL e 4mg/mL de solução de dobutamina). intramucoso (pHi). Leva a um aumento do índice cardíaco,
da resistência vascular sistêmica e da DO2. Pode ser admi-
Tabela 2 - Ações da dobutamina
nistrada de maneira intravenosa sob infusão contínua (em
Dose Ação predominante Efeitos solução por meio de bomba de infusão) nas situações de
5 a 15μg/kg/ choque com hipotensão grave não responsiva à expansão
Beta-adrenérgica ↑Débito cardíaco
min do intravascular ou às demais aminas vasoativas. A via sub-
15 a 25μg/ ↑Débito cardíaco cutânea deve ser indicada nos casos de choque anafilático
Beta-adrenérgica
kg/min ↑FC ou edema de glote. Pode-se usar solução para nebulização,
↓Resistência vascular nos casos de broncoespasmo severo. A via intravenosa em
>30μg/kg/ pulmonar bolus de 1mg é utilizada nos casos de parada cardiorres-
Beta-adrenérgica
min Aumenta o risco de ar- piratória a cada 3 a 5 minutos até o retorno da atividade
ritmias contrátil cardíaca efetiva.

87
MEDI C I N A I NTENSIV A

E - Isoproterenol está disponível no Brasil. Suas ações incluem estimulações


dos receptores dopaminérgicos e beta-2-adrenérgicos, sem
Essa é uma catecolamina sintética com potentes efeitos os efeitos alfa-adrenérgicos da dopamina. Uma das limita-
beta-adrenérgicos, elevando o débito cardíaco e o VO2 mio- ções de seu uso é um aumento importante da FC. É uma
cárdico (por aumento da contratilidade e da frequência car- alternativa à dobutamina em casos de disfunção de recep-
díaca), além da redução do tônus muscular da vasculatura tores beta. A dose usual é de 1 a 10μg/kg/min.
sistêmica e pulmonar, levando à queda da pressão diastóli-
ca arterial e a distúrbios de ventilação/perfusão, podendo D - Ibopamina
causar hipoxemia. Sua principal indicação é a bradicardia
com repercussão hemodinâmica, até que se realize o im- É um análogo da dopamina, útil em pacientes depen-
plante de marca-passo cardíaco, sendo também usada no dentes de vasopressores venosos por sua disponibilidade
pós-operatório de transplante cardíaco para o aumento na para uso oral.
FC, pois nesta condição o débito cardíaco é dependente da
FC e não existe inervação normal do enxerto. Pode ser uti- E - Levosimendana
lizado em situações de normovolemia com débito cardíaco Pertence a uma nova classe de inotrópicos. Atua au-
baixo associado à bradicardia e hipertensão arterial pulmo- mentando a afinidade e a quantidade de cálcio liberado
nar. Suas doses de uso podem variar de 0,05 a 2μg/kg/min, do sarcômero para o complexo proteico actina-miosina no
em infusão intravenosa contínua. Seus principais efeitos co- miocárdio, levando a alterações conformacionais na tropo-
laterais incluem hipotensão (especialmente em pacientes nina C, determinando maior inotropismo sem aumento do
com volemia inadequadamente corrigida) e taquiarritmias. consumo de O2. Existem estudos que permitem a indicação
da droga na condução dos casos de insuficiência cardíaca
3. Cardiotônicos não digitálicos descompensada, de falência cardíaca pós-infarto agudo do
miocárdio, de “desmame” da circulação extracorpórea e
no tratamento da disfunção miocárdica pós-circulação ex-
A - Anrinona tracorpórea. Em comparação com a dobutamina, tal droga
É uma droga inotrópica positiva e vasodilatadora, inibidora leva a diminuições mais importantes nas pressões de enchi-
da fosfodiesterase-III, tanto no nível miocárdico quanto vas- mento (PVC e PAPO). O levosimendana deve ser administra-
cular. Seus efeitos parecem ser dose-dependentes, e é reco- do em infusão intravenosa contínua, em uma taxa titulada
mendada a sua infusão em bolus de 0,75 a 3mg/kg, seguida entre 0,1 a 0,2μg/kg/min (eventualmente, até 0,4), confor-
por uma manutenção de 5 a 10μg/kg/min. Está indicada em me o efeito desejado ou o surgimento de efeitos adversos,
descompensações cardíacas agudas. Pode causar hipotensão, após dose de ataque de 12μg/kg em 10 minutos. Apesar de
arritmias, trombocitopenia e alterações da função hepática, e estudos iniciais demonstrarem menor mortalidade em rela-
sua dosagem deve ser reduzida na insuficiência renal. ção ao uso da dobutamina e o nesiritida, um estudo recente
não conseguiu demonstrar grandes benefícios. Não existem
B - Milrinona dados para seu uso na disfunção miocárdica da sepse.
Medicação cada vez mais empregada no manejo da in-
suficiência cardíaca, é uma boa alternativa para as medica- 4. Vasodilatadores
ções clássicas (dobutamina), pelo fato de gerar seus efeitos São drogas que promovem dilatação arterial e/ou veno-
por outra via que não a da ativação da adenil-ciclase e apre- sa, ocasionando aumento do débito cardíaco e redução das
sentar efeitos específicos interessantes para determinadas pressões de enchimento ventriculares, por redução, respec-
condições (vasodilatação arterial pulmonar). É uma droga tivamente, da pós e da pré-carga. A maioria dos pacientes
semelhante à anrinona e deve ser usada em bolus de 50μg/ com ICC e tratados com vasodilatadores tem discreta ou
kg em 10 minutos, seguida por uma manutenção de 0,375 nenhuma queda pressórica devido ao aumento do débito
a 0,75μg/kg/min. É um inibidor da fosfodiesterase que au- cardíaco em resposta à queda da resistência vascular sistê-
menta a contratilidade e cronotropismo cardíacos pelo au- mica. Serão tão mais eficazes quanto pior for a função ven-
mento da concentração do AMP-cíclico intracelular. tricular (mecanismo de Starling). Os vasodilatadores com
Está indicada na insuficiência cardíaca congestiva seve- predomínio de ação venosa são utilizados no tratamento de
ra, tanto em pacientes com miocardiopatias crônicas, como isquemia miocárdica, visando à diminuição da pré-carga e à
naqueles em pós-operatório de cirurgias cardíacas. Seus redução da tensão de parede, diminuição da pressão dias-
efeitos adversos são semelhantes aos da anrinona, mas pa- tólica final ventricular, com consequente aumento do fluxo
recem não alterar a função hepática. sanguíneo subendocárdico e melhora da perfusão de áre-
as isquêmicas por vasodilatação de colaterais. Outro efeito
C - Dopexamina importante dos vasodilatadores é a redistribuição do fluxo
Trata-se de uma catecolamina sintética, obtida a partir sanguíneo para áreas vitais, porém com preservação dos
da modificação da estrutura molecular da dopamina. Não fluxos renal e mesentérico pela melhora do débito cardíaco.

88
DROGAS VASOATIVAS

A - Nitroprussiato de sódio 5. Resumo


Trata-se de um agente vasodilatador balanceado (arte- Quadro-resumo
rial e venoso) que exerce sua ação por meio de seu meta- - Drogas vasoativas são utilizadas visando manter a pressão

MEDICINA INTENSIVA
bólito ativo, o óxido nítrico, de modo a gerar um aumento arterial em níveis adequados, além de melhorar a perfusão
dos níveis de GMP-cíclico, presente no músculo liso vascu- tecidual e a oferta de oxigênio;
lar, favorecendo a vasodilatação. Promove redução tanto - As drogas vasoativas podem ser divididas em 3 grandes gru-
da pós quanto da pré-carga, aumentando o débito cardía- pos: vasopressores, inotrópicos e vasodilatadores;
co e diminuindo as pressões de enchimento ventriculares, - Vasopressores são utilizados com a finalidade de manter a
melhorando a performance cardíaca com mínima redução pressão arterial em níveis adequados, garantindo a perfusão
da pressão arterial e diminuindo o consumo de O2 miocár- tecidual. São drogas vasopressoras: noradrenalina, dopamina,
dico. É indicado na emergência hipertensiva associada a adrenalina, vasopressina e terlipressina;
condições em que desejamos reduzir rapidamente a pré e - Inotrópicos estão indicados quando existe algum grau de dis-
a pós-carga (aneurisma dissecante de aorta, edema agudo função miocárdica; têm como função o incremento da função
de pulmão etc.), na ICC severa decorrente ou não de IAM, cardíaca, e não devem ser utilizados para aumentar o débito
entre outras. Suas doses habituais de uso situam-se entre 1 cardíaco além de limites fisiológicos. São inotrópicos: dobuta-
mina, milrinona e anrinona, levosimendana e isoproterenol;
a 5μg/kg/min, em infusão intravenosa contínua, porém, de-
vemos iniciar se uso com doses menores (0,25 a 0,5μg/kg/ - Vasodilatadores são drogas que promovem dilatação arterial
e/ou venosa, causam redução da pressão arterial, aumento
min). A solução preparada deve ser protegida da luz para
do débito cardíaco e diminuição das pressões de enchimento
evitar a inativação do produto. Seus principais efeitos cola- do coração. São agentes vasodilatadores: nitroglicerina e ni-
terais são a hipotensão, que obriga sua retirada; a intoxica- troprussiato.
ção por cianeto (muito rara), tratada com diálise e hidroxi-
cobalamina; e a intoxicação pelo tiocianato, especialmente
na vigência de seu uso em doses elevadas, por tempo pro-
longado, em pacientes com comprometimento da função
renal. Não ocorre taquifilaxia com essa droga.

B - Nitratos (nitroglicerina)
São vasodilatadores predominantemente venosos, mas
também com alguma ação arterial. Causam redução dire-
ta da pré-carga por venodilatação, e redução indireta da
pós-carga por diminuição da tensão de parede ventricular.
Em doses elevadas, levam à queda da resistência arterial
sistêmica e aumento diretamente proporcional do débito
cardíaco. No leito arterial coronariano, há um efeito vasodi-
latador significativo e, no caso da nitroglicerina, observa-se
vasodilatação seletiva em áreas estenóticas e isquêmicas,
principalmente subendocárdicas. Os nitratos têm mecanis-
mo de ação semelhante ao nitroprussiato. São indicados na
ICC sem hipotensão, nas insuficiências coronarianas aguda
e crônica, no edema agudo de pulmão, nas emergências
hipertensivas em pacientes coronariopatas e no pós-opera-
tório de revascularização miocárdica. As doses habituais de
uso da nitroglicerina são semelhantes às do nitroprussia-
to de sódio, situando-se entre 1 a 5μg/kg/min, em infusão
intravenosa contínua, que devem ser tituladas conforme o
efeito terapêutico desejado. Os efeitos colaterais mais co-
muns são cefaleia, rubor facial e hipotensão. Não devem
ser usados na miocardiopatia hipertrófica obstrutiva, pois
podem aumentar a obstrução da via de saída do VE. Os ni-
tratos podem desenvolver tolerância em longo prazo, e sua
retirada, quando necessária, deve ser gradual. A meta-he-
moglobinemia é uma complicação rara, que pode ocorrer
após seu uso em altas doses.

89
MEDI C I N A I NTENSIV A

CAPÍTULO

8
Nutrição
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Terapia nutricional teral. A hipótese fisiopatológica para explicar este fenôme-


no é que produtos provenientes do intestino, notavelmente
Os pacientes críticos submetidos a jejum prolongado, endotoxinas, podem modificar a resposta hepática ao es-
mesmo que em uso de nutrição parenteral, apresentam tresse, promovendo uma cascata inflamatória e levando à
atrofia intestinal, atrofia do tecido linfoide e aumento da falência de múltiplos órgãos. Dessa forma, a disfunção da
permeabilidade intestinal, comprometendo, dessa forma, a barreira intestinal causada por trauma, atrofia e síndrome
barreira física e imunológica do intestino. A terapia nutricio- da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), aumenta a per-
nal enteral estabelecida precocemente reduz estes fenôme- meabilidade intestinal. Tais alterações contribuem para a
nos determinando melhores resultados nestes pacientes fisiopatologia da sepse. A manutenção do fluxo sanguíneo
que geralmente são hipercatabólicos. pode ser facilitada pelo uso de dieta enteral ou nutrientes
A decisão pela administração do suporte nutricional específicos, como a glutamina. Tal nutriente favorece os pa-
pela via enteral ou parenteral dependerá da situação clíni- cientes críticos, levando a uma diminuição da mortalidade,
ca. Prioritariamente, deve-se optar pela via enteral, por ser morbidade infecciosa e dias de internação em UTI.
mais efetiva e fisiológica. Estudos prospectivos e randomizados mostram que
O intestino é um importante órgão imunológico, que é o início da terapia nutricional dentro de 24 horas após o
adversamente afetado quando não há suprimento de nu- trauma parece ser imunologicamente superior do que a ad-
trientes. Vários são os responsáveis por essa ação protetora ministração da nutrição parenteral; além disso, a nutrição
da barreira intestinal (muco, barreira epitelial, descamação, enteral precoce tem se mostrado cada vez mais benéfica
resistência à colonização microbiana, função do retículo en- aos pacientes cirúrgicos. O fornecimento de não mais do
dotelial e GALT). Quando o intestino perde sua integridade, que 10% das necessidades calóricas totais do enfermo, pre-
ocorre o favorecimento da translocação microbiana, seja cocemente, via digestiva, parece ser o suficiente para mini-
por ruptura física ou mucosa intestinal alterada, imunossu- mizar os efeitos adversos decorrentes do não uso do trato
pressão ou alteração da microflora endógena. O intestino, gastrintestinal.
portanto, é considerado o principal indutor de sepse nos Quanto ao posicionamento da sonda, pacientes criti-
doentes críticos sempre que se instalar um desequilíbrio camente enfermos mostram melhor tolerância digestiva
intestinal, com rompimento das barreiras física e imunoló- quando a sonda está em posição pós-pilórica, pois ocorre
gica. A tentativa de preservação da oferta nutricional pelo diminuição do risco de aspiração, cuja incidência varia de
trato gastrintestinal deve ser uma meta a ser alcançada nes- 1 a 90% nesses pacientes críticos, e é a melhor via para a
ses pacientes. administração de nutrição enteral precoce. O uso de bom-
A interação entre a flora comensal, as células da mu- ba de infusão, quando possível, é considerado um recurso
cosa e o tecido linfoide intestinal confere ao intestino um adicional para minimizar as intercorrências.
papel relevante na resposta de fase aguda e função imune, A nutrição enteral precoce colabora, também, para me-
que podem ser efetivamente moduladas pela nutrição en- lhorar os indicadores de qualidade da terapia nutricional,

90
NUTRIÇÃO

como incidência de complicações infecciosas, readmissão testinal, podem garantir a imunomodulação com sucesso,
de pacientes cirúrgicos em UTI, antibioticoterapia, custo de mesmo com dieta padrão, por não permitir a modificação
permanência em UTI e em unidade hospitalar. da estrutura intestinal. Os nutrientes com propriedades

MEDICINA INTENSIVA
Dentro das vantagens da nutrição enteral precoce, des- imunomoduladoras podem favorecer os resultados da
tacam-se: terapia nutricional enteral no paciente crítico. Devemos
- Melhora do balanço calórico; lembrar que o uso de formulações imunomoduladoras
- Melhora dos valores de balanço nitrogenado; contendo arginina pode levar a um aumento na produção
de óxido nítrico, o que pode determinar piora clínica de
- Aceleração da transição para dieta oral; pacientes sépticos devido a um aumento da vasodilatação
- Diminuição da perda de peso (influência positiva sobre já presente nestes pacientes. Alguns estudos mostraram
o estado nutricional); aumento da mortalidade pelo uso de arginina neste grupo
- Diminuição da demanda metabólica; de pacientes.
Um consenso recente avaliou os benefícios desse tipo
- Diminuição do tempo de hospitalização. de nutrição, e considerou que a dieta enteral imunomodu-
ladora apresentaria as indicações potenciais de cirurgia ele-
Um dos fatores que limitam o uso de nutrição enteral
tiva do trato gastrintestinal superior em pacientes com al-
no paciente crítico é, provavelmente, a alta prevalência
bumina menor que 3,5g/dL ou do trato intestinal inferior se
de complicações gastrintestinais. Em grande parte das albumina menor que 2,8g/dL e em pacientes com trauma
vezes, esse conceito de complicações elevadas deve-se severo com envolvimento de abdome. Nestes pacientes,
aos critérios heterogêneos usados na literatura para de- ocorre diminuição de processos infecciosos, menor número
finir, por exemplo, diarreia (13 modos diferentes descri- de dias necessitando de antibióticos e menor disfunção de
tos), falta de protocolos para o acompanhamento desses múltiplos órgãos.
pacientes, ou desconhecimento da fisiopatologia diges- Há várias décadas, relata-se alta prevalência de desnu-
tiva. Dietas com fibra, dietas oligoméricas e substituição trição no ambiente hospitalar. Dentre os pacientes de te-
do método de administração intermitente para contínua, rapia intensiva, 30 a 50% apresentam desnutrição de acor-
por exemplo, podem reduzir grande parte da ocorrência do com os diversos critérios utilizados para avaliação. Os
de diarreia. pacientes críticos são grupos particularmente vulneráveis
Outra complicação comum é a gastroparesia, frequen- e a etiologia é multifatorial. A avaliação nutricional desses
te no doente grave. Mediante tal dificuldade, alternativas pacientes é de difícil aplicação e interpretação, e os méto-
como sonda nasojejunal, gastrojejunostomias, dietas ente- dos utilizados para avaliação nutricional devem ter como
características:
rais mais apropriadas ao favorecimento do esvaziamento
gástrico ou o uso de drogas procinéticas podem evitar a ma- - Dados específicos para interpretar alterações do esta-
do nutricional;
nutenção do jejum prolongado ou a introdução de nutrição
parenteral. - Sensibilidade a mudanças do estado nutricional;
Alterações da motilidade gástrica podem ocorrer em - Simplicidade para medir;
pacientes com doença aguda grave, como sepse, peritoni- - Baixo custo;
te, grandes queimados, traumatismo craniano ou em uso - Disponibilidade.
de drogas que afetam a inervação autonômica entérica.
Pacientes com traumatismo craniano apresentam gastro- Em relação às medidas antropométricas, o peso corpó-
reo em pacientes críticos (além de necessitar da disponibili-
paresia, com dificuldade de aceitação de nutrição enteral
dade de camas-balança) pode aumentar de 10 a 20kg após
intragástrica em 50% dos casos e aumento da incidência de
as primeiras 48 horas de tratamento, diminuindo progressi-
pneumonia aspirativa. Para melhora do esvaziamento gás-
vamente. Também se observa, nessa situação, uma perda
trico, pode-se utilizar metoclopramida (10mg), eritromicina
de peso acentuada, acompanhada de perda de líquidos. A
(200mg) ou cisaprida (10mg). variação do decúbito, a distribuição hídrica no intra e ex-
Compreende-se que o conhecimento das vantagens da tracelular e as variações hídricas, são rápidas e de grande
nutrição perante o jejum prolongado ou nutrição paren- magnitude; portanto, invalidam muitos métodos de avalia-
teral pode ser capaz de modificar, de modo favorável, os ção nutricional.
resultados de pacientes críticos. O uso de nutrição ente- A albumina, a transferrina sérica e a contagem de linfó-
ral precoce e o de substrato para a fermentação, além da citos totais são os parâmetros laboratoriais mais utilizados
restrição de gordura saturada e manutenção da flora in- para a avaliação do estado nutricional (Tabelas 1 e 2).

91
MEDI C I N A I NTENSIV A

Tabela 1 - Testes laboratoriais de avaliação do estado nutricional


Exame Causa/significado de valores anormais
- Possui vida média de 19 a 20 dias; portanto, é insensível a mudanças agudas no estado nutricional;
- Reflete o estado nutricional por meio das reservas proteicas viscerais, refletindo melhor a depleção proteica crônica
do que a aguda;
- Responsável pela manutenção da pressão oncótica;
- Transportadora de Ca, Zn, Mg, ácidos graxos e outros;
- Ocorre aumento na desidratação, no uso de esteroides anabólicos, no uso de insulina e na infusão exógena de albumina;
- Ocorre diminuição em edema, doença hepática, má absorção, diarreia, queimadura, eclâmpsia, IRC, desnutrição, es-
tresse, hiper-hidratação, câncer, gestação, envelhecimento, perdas sanguíneas, perdas por meio de drenos, feridas
Albumina
(queimaduras), síndrome nefrótica, insuficiência cardíaca congestiva e remoção das glândulas tireoide/suprarrenal/
pituitária;
- Quando abaixo de 3g/dL, ocorre redução da ligação de drogas ácidas, determinando aumento do nível de droga livre;
- Vida média de 8 a 10 dias; portanto, mais sensível do que a albumina na avaliação nutricional;
- Elevada em reservas inadequadas de ferro, desidratação, anemia por deficiência de ferro, hepatite aguda, policitemia,
gestação, hipóxia, perda sanguínea crônica e uso de estrogênios;
- Diminuída em anemia perniciosa e falciforme, infecção, retenção hídrica, câncer, doença hepática, desnutrição, sín-
drome nefrótica, talassemia, sobrecarga de ferro, enteropatias, queimaduras, uso de cortisona e uso de testosterona.
Transferrina - Proteína carreadora do ferro.
- Linfocitose em hepatite viral, infecção por citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, infecção aguda por HIV, leucemia
linfocítica crônica e aguda;
Linfócitos
- Linfocitopenia em infecções e enfermidades agudas, deficiência no sistema imunológico, depleção de proteínas viscerais
(não muito preciso), doença de Hodgkin, lúpus, anemia aplástica, insuficiência renal, AIDS e carcinoma terminal.

Tabela 2 - Classificação laboratorial do estado nutricional vitaminas, microminerais e água. A infusão da solução de
Grau de desnutrição nutrição parenteral por via central é chamada de NP cen-
Dado Valores de
laboratorial referência tral e, por veia periférica, de NP periférica. A administra-
Leve Moderada Severa
ção desta permite apenas que se ofereçam formulações
Albumina
>3,5 3 a 3,5 2,1 a 3 <2 de baixa osmolaridade, fornecendo um aporte menor de
(g/dL)
calorias não proteicas, com menor utilização do nitrogê-
Transferrina nio proteico. Entretanto, sabe-se que a administração di-
180 a 400 150 a 180 100 a 150 <100
(mg/dL) ária de 400 a 500kcal de glicose, bem como de soluções
de aminoácidos a 3 ou 3,5%, já melhoram significativa-
Linfócitos 1.200 a
(mm3)
1.500 a 500
1.500
800 a 1.200 <800 mente, o balanço nitrogenado. As indicações de nutri-
ção parenteral periférica estão limitadas a não existência
Há o interesse de uma nova ferramenta capaz de acom- de acesso venoso profundo, e a sua administração deve
panhar a evolução de pacientes críticos, com características durar, no máximo, de 7 a 10 dias. A NP central permi-
adequadas de sensibilidade e especificidade, de utilização te a administração de soluções com osmolaridades mais
rápida, à beira do leito, bem como de baixo custo operacio- elevadas sem risco de flebite. Por outro lado, a NP pe-
nal. A bioimpedância (BIA) tem sido utilizada para avaliar riférica diminui os riscos de complicações mecânicas e
modificações dos conteúdos de água e dos compartimentos infecciosas que podem advir da punção de veia central
intra e extracelulares. e manutenção do cateter. A NP central está sempre in-
Recentes pesquisas têm sido voltadas para o comporta- dicada quando se necessita de NP por mais de 7 a 10
mento das variáveis bioelétricas no pré e pós-operatório e dias. O objetivo principal da NP é manter ou melhorar o
ao longo do tempo, considerando as variáveis cirúrgicas. As estado nutricional dos doentes que apresentam impos-
alterações bioelétricas podem servir de ferramentas para sibilidade parcial ou completa de utilização do trato gas-
avaliação e quantificação do trauma e resposta cirúrgica. trintestinal. Apesar das vantagens da nutrição enteral, a
NP ainda apresenta indicações em pacientes graves que,
por algum motivo, não podem utilizar o trato gastrintes-
2. Nutrição parenteral tinal, como diarreia severa ou nas situações em que não
Nutrição Parenteral (NP) é o fornecimento, por via in- é possível atingir as necessidades calórico-proteicas por
travenosa, de carboidratos, gorduras, proteínas, eletrólitos, via enteral.

92
NUTRIÇÃO

- Componentes ficada (AACR). Os pacientes em insuficiência renal aguda


devem receber AAE. Por algum tempo, acreditou-se que
a) Glicose essas deveriam ser as únicas formulações administradas a
O principal substrato energético das soluções de NP é a tais pacientes. Realmente, naqueles indivíduos em estágio

MEDICINA INTENSIVA
glicose. Esta apresenta as vantagens de ser estável nas solu- moderadamente catabólico, os AAE parecem ser fonte pro-
ções e ter baixo custo. As concentrações da glicose variam teica suficiente. Entretanto, pacientes em IRA submetidos
de 5 a 70%, e a osmolaridade das formulações irá variar di- a processos dialíticos e hipercatabólicos podem requerer
retamente com essas concentrações. A energia liberada por quantidades maiores de proteínas para compensar as per-
1g de glicose é de 3,4kcal. A quantidade de glicose na solu- das ocasionadas por essas situações. Os AACR têm sido pre-
ção é determinada pelas necessidades calóricas do pacien- conizados no tratamento da encefalopatia. Entretanto, ao
te, respeitando a velocidade de oxidação da glicose de até se comparar essas soluções com misturas de aminoácidos-
5g/kg/dia. Nos doentes hipermetabólicos, a intolerância à -padrão, não foram demonstradas vantagens, seja na rever-
glicose e a hiperglicemia são frequentes, o que torna as so- são dos quadros de encefalopatia ou na mortalidade.
luções 3:1 (lipídios, glicose e aminoácidos) uma alternativa Recentemente, algumas fórmulas passaram a incluir
interessante para a reposição calórica não proteica. glutamina sob a forma de dipeptídio em suas composições.
A glutamina (considerada AA semiessencial) é importante
b) Lipídios
para a integridade da mucosa intestinal.
Os lipídios são excelentes fontes calóricas, além de se-
rem necessários à reposição de ácidos graxos essenciais. As d) Água, eletrólitos, microminerais e vitaminas
formulações que contêm lipídios como fonte calórica são A água é o constituinte mais importante do corpo hu-
conhecidas como soluções 3:1 (soluções 2:1 têm apenas gli- mano. Cerca de 70% da massa livre de gordura do organis-
cose e proteína). A quantidade de lipídios reposta deve ser mo é constituída por água, sendo que 55% desse volume
inferior a 1g/kg/dia na maioria das vezes, representando total encontram-se no meio intracelular e 45% no meio
de 30 a 50% das necessidades calóricas totais. No paciente extracelular (sangue, linfa, liquor e secreções). No homem
grave, devem ser preferidas soluções lipídicas que contêm adulto, o volume de água corporal total corresponde a 60%
uma mistura de Triglicérides de Cadeia Longa e Média (TCL/ do peso e, na mulher adulta, 50%. A água tem, como prin-
TCM), pois os primeiros não necessitam de carnitina (nu- cipais funções, servir de solvente para as cadeias metabóli-
triente diminuído na resposta ao estresse) para sua capta- cas, ser agente de digestão, absorção, circulação e excreção,
ção pela mitocôndria. transporte para nutrientes e outras substâncias corpóreas e
Os níveis séricos dos lipídios devem ser monitorizados. servir como lubrificante na saliva e nas articulações ósseas.
Elevação dos níveis séricos de lipídios acima de 10% dos va- - A água pode ser obtida de fontes exógena e endógena.
lores iniciais determina diminuição na sua oferta. A hiperli- A ingestão diária de 1 a 2L de água é suficiente para
pemia também pode ser um sinal de redução de atividade a homeostase de um adulto. A oxidação de macronu-
de lipase lipoproteica no tecido muscular e adiposo, carac- trientes também determina geração de água. A oxida-
terísticas das fases tardias da falência de múltiplos órgãos. ção de 1g de carboidrato, proteína e gordura fornece,
Formulações enterais contendo óleo de peixe ômega 3 respectivamente, 0,6, 1,07 e 0,4g de água. A oxidação
são fortemente recomendadas para os pacientes com qua- de 2.500kcal/dia determina a formação de 330mL de
dro de lesão pulmonar aguda ou SARA, devido às suas pro- água. De uma forma geral, um adulto de 20 a 55 anos
priedades anti-inflamatórias (por meio da diminuição do necessita de 35mL/kg/dia de água.
conteúdo de ácido araquidônico nas membranas celulares
e aumento dos eicosanoides) demonstrada em estudos clí- As perdas de água diárias normais são as seguintes:
nicos, levando, inclusive, à diminuição de mortalidade nes- - Transpiração insensível: 400 a 1.150mL/dia; pacientes
tes pacientes. com febre ou obesos têm transpiração elevada;
- Fezes: 50 a 200mL/dia;
c) Proteínas
- Diurese: depende do aporte hídrico e dos solutos in-
As soluções de aminoácidos (AA) cristalinos são as fon- geridos; 1 a 2L/dia é um volume considerado normal.
tes proteicas na NP. As soluções de AA mais comumente
empregadas são as que contêm AA essenciais e não essen- O fornecimento de eletrólitos é feito mediante cálculo
ciais em uma relação aproximada de 1:2, semelhante à pro- da soma das necessidades e perdas diárias, orientando-se
porção encontrada na alimentação diária. As necessidades pelas concentrações séricas e as disfunções orgânicas pre-
proteicas diárias variam, em média, de 0,8 a 1,2g/kg/dia. sentes nos pacientes hipercatabólicos. Os microminerais
No hipermetabolismo, a reposição de substrato proteico ou elementos-traço, apesar de sua elevada importância na
pode chegar a níveis mais elevados (2g/kg/dia em pacien- manutenção da homeostase, estão presentes em pequenas
tes queimados). Outras soluções de AA são a solução de quantidades no organismo. As vitaminas são administradas
aminoácidos essenciais (AAE), enriquecida com histidina nas soluções diárias, ou semanalmente, sempre respeitan-
para insuficiência renal, e os aminoácidos de cadeia rami- do as necessidades estabelecidas pelas instituições Ameri-

93
MEDI C I N A I NTENSIV A

can Medical Association/Food and Drug Association. Os oli- cientes que são retirados da NP e não estejam recebendo
goelementos são nutrientes que se esgotam nas alimenta- outra modalidade de suporte nutricional. A associação da
ções parenterais de longa duração; portanto, sua reposição NP à diminuição de defesas vem sendo documentada a par-
deve ser observada com cuidado. As necessidades de vita- tir do conhecimento da diminuição da função dos linfócitos
minas em pacientes hipercatabólicos não são conhecidas, e neutrófilos, diminuição da IgA (atrofia da mucosa intesti-
mas quantidades suficientes de vitaminas hidro e liposso- nal) e aumento da colonização bacteriana cecal (com con-
lúveis devem ser adicionadas diariamente à solução de NP sequente aumento da chance da translocação bacteriana).
para evitar deficiências. A utilização de NPC, principalmente se por tempo prolon-
gado, pode também associar-se à disfunção hepática; essas
e) Requerimentos nutricionais
alterações podem ir de aumento das bilirrubinas e enzimas
De modo geral, a terapia nutricional segue padronização até falência hepática, passando por infiltração gordurosa e
regular, desde que não haja concomitância de disfunção or- colestase. As complicações associadas ao cateter podem
gânica. Nesses casos, contudo, as necessidades nutricionais decorrer da punção venosa (pneumotórax, hemotórax), ou
adaptam-se às disfunções orgânicas exibidas pelo paciente. por risco de trombose e infecção. Durante a punção, todo
Nos pacientes sépticos com função renal normal, de 15 a cuidado precisa ser tomado, além de avaliação diária do lo-
20% do gasto energético total (25 a 30kcal/kg/dia) devem cal, com observação de sinais flogísticos.
ser de proteínas, o que representa entre 1,5 a 2,5g/kg/dia
de proteína. Às calorias não proteicas podem ser ofereci-
das lipídios (25 a 30% do total de calorias) e glicose, a uma
3. Resumo
taxa de infusão que não exceda 5mg/kg/min. Em relação Quadro-resumo
aos portadores de disfunção pulmonar, a degradação pro- - A terapia nutricional é fundamental na UTI, embora muitas ve-
teica deve ser evitada com adequada ingesta calórica (25 a zes seja negligenciada;
30kcal/kg/dia), evitando-se o excesso de calorias. Os ami- - Períodos prolongados de jejum estão associados a piores prog-
noácidos são administrados para a prevenção do catabolis- nósticos;
mo muscular em quantidades recomendadas de até 1,5g/ - A nutrição enteral deve ser preferida na UTI, em relação à nu-
kg/dia (em geral 1,2g/kg/dia). Os carboidratos não devem trição parenteral;
exceder 50% do valor calórico não proteico (valores acei- - Devemos evitar desnutrição dos pacientes internados na UTI;
táveis são de até 5mg/kg/min de glicose infundida), e o sua avaliação nutricional é complexa, porém não deve ser ne-
restante deve ser fornecido sob a forma de lipídios (1,5g/ gligenciada;
kg/dia). Os pacientes portadores de hepatopatias também - Pacientes impedidos de usar o trato gastrintestinal por longos
devem receber planejamento nutricional rigoroso. Cirróti- períodos devem receber nutrição parenteral;
cos compensados toleram uma ingesta de proteínas de 1 a
- Evitar o uso de formulações contendo arginina em pacientes
1,5g/kg/dia, com 50 a 70% das calorias não proteicas sob a com sepse grave/choque séptico;
forma de carboidratos. Devem ser incluídas vitaminas lipos-
- O uso de formulações enterais contendo óleo de peixe ômega 3
solúveis e do complexo B, além de oligoelementos e mine- melhora o prognóstico de pacientes com LPA ou SARA;
rais (Mg, K, Zn).
- O uso de glutamina enteral ou parenteral nos pacientes grave-
Pacientes em insuficiência renal aguda têm seus reque-
mente enfermos, leva a uma diminuição na mortalidade, re-
rimentos nutricionais relacionados ao grau de catabolismo. dução na morbidade infecciosa e a uma menor permanência
Os procedimentos dialíticos aumentam a perda proteica e destes pacientes na UTI.
podem ofertar mais calorias sob a forma de glicose. A re-
posição de proteínas irá variar de 0,5 a 0,8g/kg/dia (baixo
catabolismo sem diálise) até 1,5 a 2,5g/kg/dia (alto catabo-
lismo sob diálise contínua).
f) Complicações potenciais da NP
Os distúrbios relacionados ao metabolismo da glicose
são os mais frequentes, principalmente em pacientes sép-
ticos, politraumatizados e diabéticos. Portanto, é indiscutí-
vel a necessidade de monitorização da glicemia em todos
os doentes submetidos à nutrição parenteral, pois, detec-
tada a hiperglicemia, sua correção imediata evita maiores
complicações. As altas concentrações de glicose levam ao
aumento da produção de CO2, elevando o volume minuto
e agravando a doença pulmonar preexistente e/ou dificul-
tando o desmame da ventilação mecânica. A monitorização
dos níveis séricos de glicose também é mandatória nos pa-

94
CAPÍTULO

9
Cuidados com o paciente neurológico na UTI
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga

1. Conceito avaliação funcional, como o exame neurológico e o ele-


troencefalograma, e os que realizam a avaliação perfusio-
Os pacientes críticos admitidos em unidades neuroló- nal do SNC, como o Doppler transcraniano e a pressão de
gicas de terapia intensiva apresentam 2 características em perfusão cerebral. Não há recurso de monitorização que,
comum: geralmente, o nível de consciência e o exame neu-
isoladamente, responda a todas as questões referentes a
rológico são alterados, e a melhora ou a piora da doença de
um determinado paciente. Surge então a necessidade de
base determinam alterações da condição neurológica. Por-
utilizar vários métodos integrados (monitorização multi-
tanto, a avaliação neurológica cuidadosa e repetida fornece
modal) que avaliem a perfusão cerebral, a função neuro-
dados que podem determinar a tomada de uma conduta
terapêutica que altere positivamente o desfecho da doen- lógica, a PIC, aliados às demais técnicas de monitorização
ça. A observação da evolução neurológica para a melhora respiratória e hemodinâmica, permitindo uma avaliação
ou piora também permite definir a intensificação ou a di- mais confiável e próxima da real condição clínica do pa-
minuição dos cuidados aplicados ao doente. Vale lembrar ciente.
que o principal objetivo no cuidado do doente neurológico Tabela 1 - Eventos desencadeadores de lesão cerebral secundária
grave é a prevenção da ocorrência de lesões secundárias ao
Sistêmicos
Sistema Nervoso Central (SNC), que agregarão maior mor-
bidade e mortalidade ao caso, como a ocorrência de febre - Hipotensão;
no estado de mal epiléptico, ou de hipotensão, no trauma - Hipóxia;
de crânio grave. - Hipercapnia;
A monitorização neurofisiológica é realizada sob a pre- - Hipocapnia;
missa de que a função normal e a habilidade de compen- - Anemia;
sação dos processos fisiopatológicos desaparecem antes - Febre;
que a lesão estrutural irreversível se instale. A compensa-
- Hipo/hiperglicemia;
ção temporalmente adequada de uma lesão secundária
- Hiponatremia;
permite a manutenção estrutural do SNC e a possibilidade
da recuperação funcional. Dependendo da monitorização - Sepse;
utilizada e do processo fisiopatológico envolvido na altera- - Coagulopatia.
ção funcional do SNC, a janela terapêutica pode variar de Intracranianos
minutos a várias horas. Como exemplos, temos a herniação - Hematomas;
transtentorial do tronco cerebral (minutos) e a elevação - Inchaço e edema cerebral;
progressiva da pressão intracraniana (PIC) no acidente vas- - Hipertensão intracraniana;
cular isquêmico (horas).
- Hérnias cerebrais;
A monitorização neurológica intensiva utiliza recursos
que podem ser divididos em 2 grupos: os que realizam a - Vasoespasmo;

95
MEDI C I N A I NTENSIV A

Intracranianos bela 2, estão expostos de forma sumária os parâmetros que


- Hidrocefalia; devem ser avaliados no exame físico do paciente comatoso
em suporte neurológico intensivo, podendo-se adaptá-los
- Infecções do SNC;
conforme as necessidades do paciente. Além disso, nos ca-
- Convulsões;
sos de TCE, a avaliação neurológica por meio da escala de
- Lesões vasculares cerebrais; coma de Glasgow pode classificá-lo como TCE leve (Glas-
- Resposta inflamatória cerebral. gow entre 13 e 15), TCE moderado (Glasgow entre 9 e 12) e
TCE grave (Glasgow <9).
2. Avaliação neurológica funcional Tabela 2 - Exame neurológico sumário no paciente em coma
Quando a oferta de oxigênio cerebral fica abaixo da de- Nível de consciência
manda cerebral, a função neurológica se altera. Como esta Avaliação por escala numérica (preferencialmente a escala de
alteração funcional surge antes de ocorrer perda da integri- coma de Glasgow), com documentação do resultado de cada
dade celular, a monitorização da função neurológica provê item avaliado e descrição de sinais localizatórios encontrados
sinais precoces de oferta inadequada de oxigênio, permi- (paresias, parestesias).
tindo a intervenção sobre a evolução da doença de base Avaliação da função do tronco cerebral
ou sobre a lesão secundária vigente. Outras causas podem Reflexo Aferência Eferência Fatores de confusão
alterar a função neurológica, como uma crise convulsiva ou Reflexo Bloqueio neuromuscular
a intoxicação exógena, apesar do suprimento adequado de fotomo- II III prolongado pode determinar
oxigênio. Dentro destas perspectivas, a avaliação da função tor sua ausência
neurológica pode ser realizada de diversas formas à beira Oculoce-
Às vezes, é o único reflexo
do leito: VIII III, IV que diferencia a síndrome de
fálico
locked-in da morte encefálica
A - Exame neurológico Reflexo
corne- V VII -
Dentre todas as formas de monitorização neurológica ano
do paciente consciente, o exame físico é a melhor ferra- Nause- Difícil avaliação em pacien-
IX IX, X
menta, pois sua execução dispensa aparelhagem comple- oso tes intubados
xa e o procedimento pode ser repetido conforme neces- X, vias Mais bem avaliado por aspi-
Tosse X
sário. Deve-se realizar, de forma repetitiva, uma avaliação cervicais ração traqueal
direcionada às estruturas neurológicas em risco, além de
uma avaliação geral, incluindo nível de consciência (docu- B - Eletroencefalograma (EEG)
mentada preferencialmente por escala neurológica, como
O registro dos potenciais elétricos excitatórios e inibi-
a escala de coma de Glasgow), resposta motora a estímu-
tórios pós-sinápticos produzidos na camada piramidal do
los verbais e dolorosos, e avaliação dos reflexos do tronco
córtex cerebral constitui o traçado do EEG. Um canal de re-
cerebral. No entanto, no ambiente da terapia intensiva, o
gistro do EEG reflete quase que exclusivamente a atividade
exame neurológico apresenta limitações significativas: os
funcional do córtex imediatamente abaixo dele, o que torna
pacientes geralmente apresentam condições clínicas ou
necessária a monitorização de múltiplos canais. Além disso,
doenças que frequentemente limitam a obtenção de um
lesões pequenas, como um infarto lacunar, podem não ser
exame neurológico fidedigno, e o exame é aplicado de for-
detectadas, bem como alterações subcorticais. A exemplo
ma descontinuada e por vários profissionais com níveis di-
do eletrocardiograma, os canais de leitura do EEG são colo-
versos de habilidades para realizá-lo, produzindo resultados
cados de forma padronizada para permitir a comparação de
variáveis. Um exemplo desta situação seria a súbita identi-
resultados entre exames e entre pacientes.
ficação de sinais de herniação transtentorial (bradicardia/
hipertensão e anisocoria) em paciente intubado, sedado e
em uso de bloqueadores neuromusculares, em que todas
as fases das manifestações clínicas iniciais da hipertensão
intracraniana (cefaleia, vômitos, hemiparesia e progressão
para coma) não foram percebidas pela condição necessá-
ria de suporte aplicada ao paciente. Por isso, sempre que
possível, recomenda-se a redução ou a suspensão diária da
sedação aplicada para realização de avaliação neurológica
mais fidedigna, além de permitir a redução dos dias de ven-
tilação mecânica e de internação na unidade.
Apesar de suas limitações, o exame físico neurológico
constitui a forma mais tradicional de monitorização. Na Ta- Figura 1 - Colocação padrão dos eletrodos do EEG

96
CUIDADOS COM O PACIENTE NEUROLÓGICO NA UTI

O número de canais utilizados pode ser variável, e po-


dem-se criar várias relações unipolares ou dipolares entre
os canais para leitura da atividade elétrica de determina-
da região do cérebro; o padrão para identificação de crises

MEDICINA INTENSIVA
convulsivas é a utilização de 16 a 21 canais, enquanto que
apenas 2 são necessários para identificar o padrão de surto-
-supressão no coma barbitúrico.
Como padrão para reconhecimento, as ondas elétricas
do EEG são descritas em termos de frequência (Hertz = ci-
clos/segundo) e amplitude (voltagem), e são classificadas
em delta (0 a 4Hz), teta (4 a 8Hz), alfa (8 a 13Hz) e beta
(>13Hz).

Figura 4 - Monitoração por eletroencefalograma contínuo no pa-


ciente grave

Em relação à interpretação do EEG, há grande dificulda-


de por parte da equipe multiprofissional em interpretar a
monitorização pura e simples dos traçados, gerando gran-
de dependência do especialista para a interpretação do
exame. Formas mais simplificadas surgiram recentemen-
te, buscando utilizar uma interface mais amigável para a
equipe multiprofissional, utilizando a eletroencefalografia
Figura 2 - Tipos de ondas elétricas do EEG quantitativa, que busca transformar os sinais do EEG em
medidas de frequência versus tempo e de amplitude ver-
As ondas delta ocorrem predominantemente durante o
sus tempo, facilitando a interpretação do exame. Os dados
sono, a anestesia profunda e em vários estados patológicos,
podem ser expressos de diversas formas, como por gráfi-
como isquemia, intoxicação exógena e alterações metabóli-
cos de tendências ou por gráficos de barras, apresentando
cas graves. As ondas teta podem ocorrer nas mesmas situ-
os valores de porcentagem de amplitude das ondas alfa, a
ações. As ondas alfa são identificadas principalmente na re-
amplitude total das ondas captadas e a relação alfa/delta,
gião occipital no paciente alerta com os olhos fechados, po-
permitindo melhor compreensão dos dados obtidos. Mes-
rém são encontradas em pacientes em anestesia superficial
mo quando estes dados são analisados para a decisão de
ou em comatosos. As ondas beta são encontradas em indiví-
conduta terapêutica, o EEG tradicional e o especialista de-
duos concentrados ou em pacientes levemente sedados com
vem ser consultados para validação da análise quantitativa
benzodiazepínicos ou barbitúricos. A anestesia profunda, a
e descarte da presença de artefatos no traçado.
isquemia ou outras condições patológicas determinam o de-
Na monitorização neurológica, o EEG permite realizar o
saparecimento de ondas alfa e beta, com predomínio das on-
diagnóstico de crise convulsiva subclínica, a avaliação indi-
das de frequência mais lentificada (delta e teta).
reta do fluxo cerebral por meio da atividade metabólica, a
indicação da presença de agressões secundárias isquêmi-
cas e, ainda, serve como índice prognóstico em patologias
específicas, como na encefalopatia anóxica. A aplicação
na forma de monitorização contínua é de grande valia no
diagnóstico e no tratamento do estado de mal epiléptico,
além de permitir o diagnóstico diferencial de movimentos
involuntários, espasmos e tremores, desvios do olhar e de
posturas patológicas (decorticação/descerebração).
Em situações de isquemia aguda, mesmo quando a to-
mografia computadorizada não mostra alterações, o EEG já
evidencia redução da atividade metabólica da região afeta-
da, evidenciando a redução do fluxo sanguíneo cerebral. Na
hemorragia subaracnóidea, a redução da porcentagem de
Figura 3 - Eletroencefalograma com padrão de surto-supressão no atividade alfa relaciona-se à ocorrência de vasoespasmo na
coma barbitúrico evolução clínica. No trauma grave de crânio, crises convul-

97
MEDI C I N A I NTENSIV A

sivas ocorrem em até 20% dos casos, podendo ser difícil a Na terapia intensiva, a utilização do PE permite avaliar a
sua identificação sem o EEG na vigência do uso de bloquea- integridade funcional das estruturas que compõem deter-
dores neuromusculares. minada via neuronal, como no acidente vascular isquêmico
Um novo índice derivado da análise eletroencefalográfi- de tronco encefálico. O uso de PE visual permite a diferen-
ca tem conquistado espaço na terapia intensiva para moni- ciação entre a síndrome de locked-in e o coma psicogênico
torização da sedação: o índice biespectral (BIS) é um valor ou as lesões isoladas de tronco. A ausência de PE somatos-
numérico variando de 0 a 100, composto a partir da análise sensitivos pode sugerir uma lesão cervical alta ou na junção
de 3 aspectos das ondas do EEG: espectro, dominância de craniocervical que explique a falta de resposta a estímulos
tempo e alcance espectral. Inicialmente, seu uso em terapia periféricos. O uso da monitorização contínua de PE de via
intensiva foi criticado, pois não havia concordância entre os neuronal em risco representa uma modalidade única de
valores do BIS e as escalas de avaliação de sedação. Recen- monitorização, pois permite a identificação precoce da dis-
temente, com a correção do software e do sensor utilizado, função. A avaliação conjunta de PEs corticais somatossen-
a concordância entre várias escalas de sedação e os valores sitivos e de PEs auditivos é de grande valia nos pacientes
do BIS foi documentada (Tabela 3). em coma, pois a integridade de ambos na vigência do coma
geralmente assegura bom prognóstico, mesmo quando os
Tabela 3 - Valores do BIS e sua correspondência clínica demais sinais clínicos indicam o contrário. Quando há a au-
80 a 100 Desperta e responde quando chamado sência de PEs corticais somatossensitivos e presença de PEs
Responde a estímulo verbal vigoroso ou a estímulo auditivos, o melhor prognóstico a ser esperado é o de esta-
60 a 80 do vegetativo persistente. Quando ambos estão ausentes,
tátil moderado
Anestesia (baixa probabilidade de lembrança e não a morte encefálica é bem provável. É importante lembrar
40 a 60 que o uso de drogas sedativas, como no coma barbitúrico,
acorda a estímulo verbal)
não elimina o PE auditivo e nem a latência inicial e a inter-
20 a 40 Hipnose profunda
mediária do PE somatossensitivo, mesmo na ausência de
0 a 20 Padrão de surto-supressão ao EEG
atividade eletroencefalográfica cerebral.
<0 EEG sem atividade elétrica

3. Avaliação neurológica metabólica


Todas as modalidades de monitorização cerebral discu-
tidas até o momento avaliam a função cerebral. Quando
uma alteração é indicada pela monitorização, estas modali-
dades não necessariamente indicam o mecanismo da lesão,
em que a hipoperfusão é frequente. Assim, as modalidades
de monitorização da perfusão cerebral são complementa-
res àquelas da função. A hipoperfusão somente determina
disfunção neuronal quando ocorre redução maior do que a
metade do valor normal.
Figura 5 - Monitor de BIS e seu sensor
Apesar de ser uma diretriz lógica e necessária, a manu-
tenção da perfusão cerebral adequada acima do limite da
C - Potenciais evocados compensação da autorregulação cerebral não garante um
fluxo cerebral adequado. Exemplos desta situação são a es-
O EEG avalia a atividade elétrica cortical espontânea tenose de carótida e o vasoespasmo cerebral, para o lado
produzida no SNC. A avaliação do Potencial Evocado (PE) da isquemia, e a hiperemia cerebral após trauma encefálico
consiste no registro de atividade elétrica do SNC determi- grave, para o lado da perfusão luxuriante.
nada por um estímulo sensorial (elétrico, auditivo ou visual) Não existe método à beira do leito para avaliação de
ou motor (elétrico ou magnético). Existem 3 formas de PE fluxo sanguíneo cerebral que seja barato, contínuo, não
sensoriais: periférico ou de nervos cranianos, subcortical e invasivo e com boa sensibilidade também para estruturas
cortical. O PE motor pode ser obtido por estímulo elétrico profundas do encéfalo. Métodos de detecção direta do flu-
ou magnético aplicado diretamente no córtex cerebral ou xo sanguíneo cerebral por meio de radioisótopos são uti-
na medula, captado no nervo periférico, no músculo estria- lizados em poucos centros de pesquisa. Outros métodos,
do ou na medula. A análise do PE é realizada por meio do como o SPECT (Single Photon-Emission Computadorized
período de latência e da amplitude. A latência é o intervalo Tomography), a tomografia computadorizada com xenônio
de tempo entre o estímulo e a intensidade máxima do PE. ou com emissão de pósitrons e a ressonância nuclear mag-
Por amplitude, compreende-se o valor do pico de intensi- nética são bons métodos, porém ainda não disponíveis para
dade do PE em relação ao nível zero de referência; alguns realização no leito. No entanto, a determinação do fluxo
tipos de PE apresentam 2 ou mais picos, sendo possível ava- sanguíneo cerebral fornece importantes informações sobre
liar a latência entre eles. eventos fisiopatológicos no trauma de crânio e no acidente

98
CUIDADOS COM O PACIENTE NEUROLÓGICO NA UTI

isquêmico cerebral. Para a avaliação deste parâmetro, te- do acoplamento entre velocidade de fluxo e intensidade de
mos os seguintes métodos disponíveis: fluxo baseia-se em 2 premissas: o fluxo e a velocidade de
fluxo são proporcionais somente se o diâmetro arterial per-
A - Doppler transcraniano manecer constante, e se o fluxo sanguíneo nas artérias da

MEDICINA INTENSIVA
As ondas do ultrassom são utilizadas para avaliação da base do crânio for proporcional ao fluxo nas camadas cor-
velocidade do fluxo sanguíneo cerebral nas artérias da base ticais do cérebro. Ambas carecem de suporte adequado da
do crânio e na porção extracraniana das artérias carótidas literatura. Porém, o Doppler transcraniano (DTC) ainda tem
internas. Estas ondas são aplicadas por intermédio do osso seu lugar na monitorização neurológica, principalmente em
temporal, da órbita e do forame magno. Em cerca de 10% combinação com outros métodos.
dos pacientes, principalmente em mulheres idosas, a qua- Após hemorragia subaracnóidea, o DTC tem boa sen-
lidade da insonação é ruim, em virtude do espessamento sibilidade na detecção de vasoespasmo, por identificar o
ósseo. Quando as ondas entram em contato com as células aumento na velocidade de fluxo no segmento arterial com
do sangue em movimento, são refletidas com frequência e vasoespasmo pela redução do diâmetro. A avaliação isola-
velocidade diferentes das iniciais em direção ao sensor. Es- da do valor da velocidade de fluxo tem uma especificidade
tas mudanças de direção e de frequência são exemplos do próxima de 100% na detecção de vasoespasmo, porém a
efeito Doppler e dependem da direção e da velocidade do sensibilidade é limitada.
fluxo sanguíneo. A velocidade do sangue aumenta durante No trauma de crânio grave, o DTC em associação com
a sístole e diminui durante a diástole, e as células no centro outras medidas de perfusão cerebral permite a identifica-
do vaso têm maior velocidade do que as da periferia, pro- ção de hiperemia cerebral ou de vasoespasmo. A elevação
duzindo um espectro de velocidades de fluxo que lembra progressiva da PIC também pode ser identificada pela mu-
a forma da curva de pressão da monitorização invasiva da dança no padrão da curva de fluxo. No entanto, não pode
pressão arterial. ser utilizado em substituição à monitorização contínua da
PIC, pois fatores como autorregulação do fluxo cerebral, va-
soespasmo ou estenose proximal de carótida podem alterar
as medidas do DTC, independentemente do valor da PIC. Na
morte encefálica, o DTC apresenta uma forma característi-
ca de velocidade de fluxo, que consiste em fluxo sistólico
intracraniano de pequena intensidade e saída de fluxo na
fase diastólica (fluxo retrógrado). A sensibilidade do exame
para morte encefálica é acima de 90%, e a especificidade é
de 100%.

B - Monitorização de oferta e consumo de oxigê-


nio cerebral
O correto balanço entre oferta e o consumo cerebral
de oxigênio determina a função cerebral adequada. Apesar
de o fluxo cerebral influenciar este balanço, o seu valor nu-
mericamente adequado não assegura uma oferta suficien-
te para preservar a função, devendo ser interpretado em
conjunto com as medidas de oferta e de consumo. Medidas
diretas de consumo cerebral não estão disponíveis à beira
do leito. No entanto, formas indiretas permitem uma ava-
liação mais próxima da realidade metabólica cerebral. Por
exemplo, a atividade metabólica cerebral cortical é respon-
sável por 50% do consumo de oxigênio; a ausência induzida
Figura 6 - Dopplerfluxometria de artéria carótida interna com es-
de atividade elétrica cerebral ao EEG garante a redução do
tenose (A), e de artéria carótida sem obstrução (B), demonstrando
aumento da velocidade de fluxo no vaso com estenose consumo na mesma proporção. Nos últimos anos, a mo-
nitorização cerebral foi direcionada à avaliação de índices
A associação entre velocidade de fluxo cerebral e fluxo globais de perfusão e de metabolismo cerebral, utilizando
cerebral propriamente dito é indireta e sofre várias limita- o DTC e a oximetria de bulbo da jugular. No entanto, as mo-
ções técnicas e fisiopatológicas. A limitação técnica ocorre dalidades recentemente introduzidas, como a medida da
na determinação da velocidade de fluxo, pois a acurácia da pressão parcial tecidual de O2 cerebral e a microdiálise, ofe-
medida depende do ângulo de insonação, o que pode de- recem novas oportunidades por fornecerem informações
terminar resultados variáveis entre repetições de exame. sobre uma área específica do cérebro. Portanto, a combina-
As limitações fisiopatológicas ocorrem porque o racional ção da monitorização regional com a global pode oferecer

99
MEDI C I N A I NTENSIV A

a melhor informação disponível para o direcionamento do cerebral por elevação da PIC. Convulsão e febre também
tratamento. Além disso, a introdução de exames de neuroi- podem determinar a queda da SjO2. Sua elevação pode re-
magem funcional de melhor aplicação clínica contribui para presentar perda da autorregulação da perfusão cerebral ou
complementar a monitorização neurológica multimodal. de shunt cerebral associado a fístulas arteriovenosas ou da
A monitorização da saturação venosa de bulbo de jugular microcirculação.
(SjO2) é a mais utilizada. A monitorização da SjO2 faz que consigamos diferenciar
a) Bulbo de jugular entre hipertensão intracraniana (HIC) com hipoperfusão e
HIC com hiperemia; leva à otimização da hiperventilação e
A avaliação da saturação da hemoglobina no bulbo da
da PPC; determina o prognóstico (no caso de valores baixos
veia jugular (SjO2) é realizada por meio de amostras de san-
de SJO2). É utilizada em TCE grave (Glasgow <9) com HIC e
gue colhidas de cateter localizado no bulbo da veia jugular
possui as mesmas indicações de monitorização de PIC. Pos-
interna ou por metodologia de avaliação contínua da sa-
sui algumas restrições, como as anatômicas, ou seja, pode
turação da hemoglobina por meio de cateteres com fibra
não detectar isquemia regional nem isquemia em área ce-
óptica. O valor da SjO2 é determinado pelo Fluxo Sanguíneo
rebral, que é drenada para a jugular oposta e tem a possi-
Cerebral (FSC), pela saturação arterial de oxigênio e pela
bilidade de não ser detectada, assim como pode sofrer ele-
taxa de extração cerebral de oxigênio (Taxa Metabólica Ce-
rebral – TMC). A equação de Fick relaciona estas variáveis vação artificial por contaminação com sangue extracerebral
da seguinte forma: TMC = FSC x CavO2 cerebral. A diferença (nos casos de FSC baixo).
arteriovenosa de O2 cerebral (CavO2) depende do conteúdo
arterial de O2. O conteúdo sanguíneo de O2 depende, prin-
cipalmente, do valor da hemoglobina e da saturação de O2
do sangue. Considerando-se o valor da hemoglobina cons-
tante, o conteúdo sanguíneo de O2 depende principalmen-
te da saturação da hemoglobina. Considerando o conteúdo
arterial da hemoglobina constante, o valor da saturação do
sangue em bulbo de jugular pode ser utilizado para anali-
sar o balanço entre a oferta e o consumo de O2 cerebral.
A extração cerebral de O2 e o valor da SjO2 continuarão os
mesmos enquanto houver acoplamento entre as mudanças
na TMC e as ocorridas no fluxo sanguíneo cerebral. Quando
o consumo superar a oferta, ocorrerá aumento da extração
e queda da SjO2. Tanto a SjO2 quanto à oximetria cerebral
utilizam a técnica de oximetria por reflexão para determinar
a saturação da hemoglobina. A oximetria por reflexão ba-
seia-se no princípio de que a luz infravermelha penetra por
vários centímetros nos tecidos, e a hemoglobina é o tecido
que determina a maior parcela de absorção. Várias críticas
podem ser aplicadas a este método. A avaliação global do
equilíbrio entre oferta e consumo pode não detectar a pre-
sença de pequenas áreas isquêmicas corticais em virtude
de a massa tecidual não alterar significativamente a SjO2. A
mistura com o retorno venoso extracraniano também pode
mascarar alterações no balanço entre oferta e consumo.
A drenagem venosa cortical é realizada preferencialmen-
te pela veia jugular dominante (geralmente a veia jugular
direita), enquanto a drenagem de estruturas subcorticais é
realizada pela veia contralateral. Apesar das críticas, o mé- Figura 7 - Posicionamento correto da ponta do cateter de monitori-
todo é parte integrante da monitorização multimodal do zação da SjO2 (linha do mastoide ou borda superior de C-1)
paciente neurológico grave. Vale ressaltar que a monitori-
zação da SjO2, da PIC e da pressão arterial média e o uso b) Pressão intracraniana
de potenciais evocados, são parte integrante da abordagem De acordo com os princípios de Monro (1783) e Kellie
da monitorização multimodal. Valores entre 55 e 75% para (1824), o cérebro se encontra numa cavidade óssea não ex-
a SjO2 são considerados normais. A redução da SjO2 repre- pansível; o parênquima cerebral é incompressível; o volu-
senta um aumento na taxa de extração de O2, geralmente me de sangue na cavidade craniana é mantido constante e
determinado por hipóxia sistêmica, baixo fluxo cerebral por é necessária uma drenagem contínua de sangue venoso da
hipotensão, vasoespasmo ou queda da pressão de perfusão cavidade craniana para que haja espaço ao contínuo fluxo

100
CUIDADOS COM O PACIENTE NEUROLÓGICO NA UTI

de sangue arterial. Lesões no SNC, como TCE ou AVC (isquê- A monitorização da PIC pode ser realizada de forma con-
mico ou hemorrágico ou HAS) podem levar a aumentos da tínua, nos permitindo visualizar as curvas da PIC. Tal curva
PIC, com repercussões hemodinâmicas e neurológicas gra- possui 3 componentes gerados pela pulsação arterial do cír-
ves e fatais. Diante disso, a monitorização da PIC faz parte culo de Willis e do parênquima cerebral.

MEDICINA INTENSIVA
da monitorização neurológica dita multimodal. Seu objetivo
principal é o controle da PIC, de forma que não ocorra a
temível e deletéria HIC.
O valor normal da PIC é menor do que 10mmHg. Valo-
res acima de 20mmHg por mais de 10 minutos, necessitam
de avaliação e provavelmente de tratamento. Na interpre-
tação de seus valores, devemos sempre considerar os exa-
mes clínicos e tomográficos, além da medida da Pressão de
Perfusão Cerebral (PPC), que é a diferença entre a Pressão
Arterial Média (PAM) e a PIC.
PPC = PAM - PIC

Para tal monitorização, são usados cateteres de fibra óp-


tica, cateteres de polietileno ou silicones preenchidos com Figura 9 - Curvas da PIC e seus 3 componentes
fluido e conectados a transdutores de pressão, podendo ser No TCE, as indicações da monitorização de PIC são: Glas-
posicionados em diferentes locais (Tabela 4). gow <9 com tomografia de crânio anormal (hematomas,
Tabela 4 - Posições dos cateteres para monitorização da PIC, van- contusões, edema, compressões) e Glasgow <9 com TC crâ-
tagens e desvantagens nio normal associado a 2 ou mais dos seguintes:
Posição Vantagens Desvantagens - Idade >40 anos;
Padrão-ouro; permite - PAS <90mmHg;
drenagem de LCR para - Postura anormal.
Intraventri- Invasivo; altas taxas
diminuição da PIC;
cular de infecção. A monitorização da PIC traz as seguintes vantagens:
permite zeragem do
sistema. diagnóstico e tratamento precoces de hipertensão intra-
Medida de pressão craniana, limite do uso indiscriminado de tratamentos
Intraparenqui- Baixas taxas de infec-
local e não global no para reduzir a PIC, muitas vezes iatrogênicos, permissão
matoso ção.
SNC. de drenagem de liquor (se em posição intraventricular),
Subaracnói- Baixas taxas de infec- permissão de determinação da PPC, análise das curvas de
Acurácia limitada.
deo ção. PIC (complacência do cérebro), auxílio na determinação do
Baixas taxas de infec- prognóstico e possibilidade de melhorar o resultado final
Epidural Acurácia limitada.
ção; fácil inserção. do tratamento.
As principais complicações da monitorização da PIC
são: colonização bacteriana/infecção (5 a 10%), hemato-
mas (1,4%), hematomas requerendo abordagem cirúrgica
(0,5%), obstrução e mau funcionamento (10 a 30%).
c) Pressão de Perfusão Cerebral
É a diferença entre a PAM e a PIC. Trata-se de um deter-
minante do FSC, podendo ser usado como alvo terapêutico.
Existem controvérsias quanto ao valor alvo, sendo que a
Brain Trauma Foundation determina como alvo terapêutico
uma PPC acima de 60mmHg, apesar de existir controvérsia
em relação a isso. Existem grupos que preconizam uma PPC
acima de 50mmHg. Não foi comprovado nos estudos que o
uso de um valor como alvo terapêutico leva à melhora do
prognóstico do TCE grave. O que se sabe é que a monitoriza-
ção da PPC diminui a incidência de episódios de hipotensão,
que é um determinante de mau prognóstico. Para se manter
Figura 8 - Monitorização da PIC: (A) conexão com dreno; (B) ponto uma PPC alvo, utilizar quando necessário, soluções cristaloi-
zero; (C) ajuste para drenagem e (D) reservatório de liquor des, coloides e/ou drogas vasoativas, como a noradrenalina.

101
MEDI C I N A I NTENSIV A

d) Capnometria metro. A utilidade do método reside no seu emprego como


Sabe-se que a pressão de CO2 leva a alterações no Fluxo forma de detecção precoce de mudanças na oxigenação ce-
Sanguíneo Cerebral (FSC), de modo que aumentos na PaCO2 rebral. Não é um bom instrumento de avaliação absoluta da
levam à vasodilatação cerebral (aumento do FSC e aumento saturação venosa de O2.
da PIC) e diminuições da PaCO2 levam à vasoconstrição ce-
rebral (queda do FSC e diminuição de PIC). A partir destes
dados, a PaCO2 deve ser monitorizada de forma contínua
em pacientes com lesões do SNC, devendo-se, a princípio,
mantê-la em níveis normais (em torno de 35mmHg). Po-
rém, existem situações clínicas em que poderemos utilizar
a capnometria como uma ferramenta para obtermos um
valor adequado de PIC e, consequentemente, de PPC, por
meio do uso criterioso da indução da hiperventilação.
Devemos saber que a hiperventilação prolongada ou
profilática deve ser evitada devido à indução de isque-
mia por queda no FSC. Uma queda na PaCO2, ao redor de
25mmHg, pode levar a uma vasoconstrição cerebral com
diminuição de 40% no FSC. Figura 10 - Oxímetro cerebral
Podemos considerar o uso de hiperventilação naqueles
pacientes com deterioração neurológica súbita e/ou nos
pacientes com HIC refratária a outras medidas. C - Microdiálise
A técnica de microdiálise in vivo consiste na introdução
4. Novas técnicas de monitorização neu- de um cateter de 0,2 a 0,6mm de diâmetro composto por
uma membrana semipermeável numa região específica do
rológica cérebro, geralmente o córtex frontal. Quando colocado, o
cateter é perfundido continuamente com uma solução de
A - PO2 cerebral diálise geralmente iônica e semelhante ao plasma com ve-
Enquanto a SjO2 fornece informações a respeito do ba- locidade de 0,1 a 2μL/min. No tecido, os solutos presentes
lanço global entre oferta e consumo de oxigênio, a pressão no interstício se difundem no sentido do cateter de acor-
parcial de O2 no tecido cerebral (pcO2) fornece informações do com o gradiente de concentração. Consequentemente,
sobre o balanço regional cerebral. A medida direta da pcO2 numa situação ideal, a concentração do soluto mensurada
pode ser realizada por meio do implante de eletrodos de na solução recuperada (dialisato) pelo cateter representa a
Clarke modificados, que fornecem informações de uma re- mesma concentração intersticial daquele soluto. Portanto, a
gião pequena e específica de um cérebro metabolicamen- microdiálise cerebral é um método que permite a determi-
te heterogêneo. Quando o eletrodo é colocado em região nação da concentração de solutos de baixo peso molecular
de tecido cerebral normal, há boa correlação com a SjO2, (moléculas pequenas e neurotransmissores) no interstício.
inclusive na avaliação prognóstica caso ocorram períodos O método permite a análise quantitativa das concentrações
prolongados de hipóxia tecidual. No TCE, é consenso man- de glicose, glicerol, piruvato, lactato e de neurotransmisso-
ter valores acima de 25mmHg de O2 tecidual. Nas demais res como aspartato e glutamato. No entanto, apesar de vá-
patologias, os valores são indeterminados. rios estudos demonstrarem boa correlação do método com
a detecção de hipóxia ou de isquemia e atividade convulsiva
B - Oximetria cerebral em situações de acidentes vasculares isquêmicos, vasoes-
A oximetria cerebral foi desenvolvida para avaliar de pasmo cerebral, hemorragia meníngea, trauma e epilepsia,
forma não invasiva a adequação da oxigenação cerebral. o método não é livre de críticas, pois a determinação de
O sensor normalmente é colocado sobre a pele da região valores normais para tais marcadores ainda não existe. A
frontal. A luz é emitida por meio do escalpe e do crânio, interpretação de variações moderadas destes marcadores
chegando ao córtex cerebral, onde sofrerá reflexão pela ainda precisa de melhor definição, e o posicionamento do
hemoglobina (saturada e insaturada). Como cerca de 80% cateter em tecido lesado ou tecido saudável, determina re-
do volume sanguíneo cerebral se encontram no território sultados diferentes dos marcadores analisados. A frequên-
venoso, a saturação de oxigênio cerebral representa basi- cia adequada de monitorização destes parâmetros também
camente a saturação venosa desta região (SvcO2). Geral- não é determinada. Portanto, o uso deste método ainda é
mente, os dispositivos comercialmente disponíveis utilizam restrito a poucas instituições.
a monitorização bilateral da região frontal do cérebro. Não A Tabela 5 mostra, de forma sucinta, alguns parâmetros
foram estabelecidos valores de normalidade para este parâ- desejáveis num paciente com lesão em SNC.

102
CUIDADOS COM O PACIENTE NEUROLÓGICO NA UTI

Tabela 5 - Parâmetros desejáveis


- PAM = 90 e 110mmHg;
- PVC = 8 a 15cmH2O ou PCP (Pressão Capilar Pulmonar) >10mmHg;

MEDICINA INTENSIVA
- PaCO2 = 35mmHg;
- PaO2 >95mmHg ou SatO2 >96%;
- SjO2= 55 a 75%;
- PIC <20mmHg;
- PPC >60mmHg;
- Hb >10 ou Ht >30%.

Figura 11 - Manejo de pacientes com HIC

5. Resumo
Quadro-resumo
- Como nenhuma metodologia de monitorização neurológica consegue isoladamente determinar a real condição clínica do paciente ou
seu prognóstico, a monitorização multimodal visa, por meio da análise integrada dos dados obtidos por várias modalidades de moni-
torização, proporcionar um retrato mais exato do estado clínico do doente, permitindo uma estratégia terapêutica mais adequada;
- Quando a oferta de O2 ao cérebro fica abaixo do consumo, há perda funcional neurológica da área acometida. Como a disfunção
ocorre antes de haver perda da integridade celular neuronal, a monitorização da função neurológica fornece sinais precoces da oferta
inadequada de O2 e proporciona a oportunidade de correção do problema existente, evitando a lesão irreversível;

103
MEDI C I N A I NTENSIV A

- Entre todas as modalidades de monitorização, o exame neurológico do paciente acordado é a que melhor permite avaliar as condições
funcionais do SNC;
- A monitorização da PIC está indicada em todos os pacientes com suspeita de HIC, principalmente nos casos de TCE com Glasgow <9,
com TC anormal ou fatores de risco como idade, posturas anormais ou hipotensão;
- A PPC deve ser mantida acima de 50 a 60mmHg por meio da expansão volêmica adequada e uso de drogas vasoativas;
- Valores de SJO2 abaixo de 55% indicam isquemia encefálica global;
- A avaliação por potenciais evocados ou por eletroencefalografia cerebral fornece dados a respeito de apenas uma parte de todo o SNC
(córtex e algumas vias neuronais);
- A atividade cortical cerebral consome metade da oferta de O2 ao cérebro. O restante serve apenas para manter a integridade celular
de todo o SNC;
- Novas técnicas de monitorização neurológica, como microdiálise e saturação cerebral de O2, carecem de maior comprovação em
trabalhos clínicos para serem integradas na rotina de cuidados ao paciente neurológico. No entanto, são promissoras e somam novas
informações à estratégia de monitorização neurológica multimodal.

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