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TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/MDG PROCESSO Nº 28.301/13


RELATÓRIO

N/M “CARLINE TIDE” e Lancha “AQUA PORT VI”. Desrespeito às regras de


segurança para o trabalho marítimo. Condenação do Comandante, do Mestre e do
Armador, exculpar os demais representados.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


No dia 02 de abril de 2013, cerca das 14h45min, no fundeadouro de Vitória, ES,
ocorreu um acidente de trabalho, vindo a vitimar com fratura na clavícula o MNC José Lealdo
Melo a bordo da L/M “AQUA PORT VI”, executando faina no supply “CARLINE TIDE”.
No inquérito, realizado pela Capitania dos Portos do Espírito Santo, foram ouvidas
10 testemunhas, realizado laudo pericial e juntada a documentação de praxe.
Consta que no dia 02 de abril de 2013, enquanto a embarcação “CARLINE TIDE”
demandava o Porto de Vitória, o seu Comandante recebeu dois telefonemas: do Sr. José
Garritano, Engenheiro do Porto da PAN Marine; e do Sr. Todorovic, Gerente de Base da PAN
Marine. No telefonema do Sr. José Garritano houve pergunta ao Comandante do “CARLINE
TIDE” sobre a possibilidade da pintura de marca de calado, com apoio da lancha “AQUA PORT
VI”. O Comandante respondeu que avaliaria as condições de mar (v. fl. 46). No telefonema do
Sr. Todorovic foi-lhe informado que a Lancha estaria à sua disposição (v. fl. 113). Ressalta-se
que a necessidade da pintura de marca de calado decorria de pendência junto à PETROBRAS (v.
fls. 02 e 272).
Por volta do meio dia, com o navio fundeado, foi feita avaliação de possibilidade de
pintura no costado com a participação do pessoal a ser envolvido na faina. O resultado foi
positivo. O Comandante, então, deu a ordem de realizar a pintura das marcas de calado (v. fls. 46
e 104).
No que tange à participação inicial da lancha “AQUA PORT VI”, houve solicitação
feita pela Empresa Pan Marine para transportar duas pessoas de Vitória para a embarcação
“CARLINE TIDE”. Após fazer este transporte, foi-lhe solicitada pelo Comandante da
embarcação “CARLINE TIDE” a permanecer atracada a contrabordo para auxiliar na pintura de
marca de calado a ser realizada por tripulante daquela Embarcação. Houve concordância tácita:
dois marinheiros de serviço no horário passaram da Embarcação para Lancha (v. fls. 61 e 70).
Após o horário do almoço, às 14h45min, os marinheiros estavam a bordo da lancha
“AQUA PORT VI” que se encontrava amarrada à embarcação “CARLINE TIDE” com cabos a
vante e a ré e sob a proteção de duas defensas. Enquanto um deles executava o serviço de pintura
de marca de calado da “CARLINE TIDE”, a meia nau, bombordo, a Lancha deslocou-se para

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vante, saindo da proteção das defensas, encostando sua popa no costado da “CARLINE TIDE”,
colocando o marinheiro entre o casario da Lancha e a Embarcação, resultando no acidente:
choque entre o ombro direito do marinheiro com o costado da “CARLINE TIDE” (v. fl. 11).
O marinheiro acidentado passou da Lancha à Embarcação, ali permaneceu cerca de
quarenta minutos, depois voltou para bordo da lancha “AQUA PORT VI” e foi transportado para
Vitória (v. fl. 70). Em seguida, foi removido para o Vitória Apart Hospital (v. fl. 47). Fraturou a
clavícula e três costelas (v. fl. 132). No dia 09 de abril, foi para a sua casa, em Aracaju (SE), para
se recuperar (v. fl. 47).
O Laudo Pericial concluiu que a causa determinante foi a execução de uma tarefa
sem que fosse levada a efeito uma análise minuciosa dos riscos envolvidos, colocando o
acidentado em posição arriscada sem que tivesse disso plena consciência. Essa análise, caso
realizada mais profundamente, poderia alertá-lo para os detalhes da execução e para as variáveis
que envolviam a atividade.
No relatório o encarregado analisou o Relatório Inicial emitido pela MARÉ ALTA
(v. fl. 02). Tal Relatório, no campo “Descrição do Evento”, assim textualiza: “com o objetivo de
retirar pendência da Inspeção RERO (pintura das marcas de calado) e como este serviço de
pintura é proibido no Porto, estando o “CARLINE TIDE” fundeado, e em condições de tempo
adequadas para o serviço, foi usada a lancha “AQUA PORT VI” para executar o mesmo.”
Então, para o bom entendimento dessa descrição do evento, conforme consta à folha 270,
verifica-se que RERO é abreviatura de Relatório de Inspeção de Rotina em Embarcações e
decorre de contratos celebrados entre Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS e Maré Alta do
Brasil Navegação Ltda – Armadora (v. fls. 148 a 269, em especial as folhas: 205 (verso), item
3.12.3; 207, itens 3.24 e 3.27).
A alegada proibição de pintura no porto contida no Relatório Inicial supracitado,
está em dissonância com as Normas e Procedimentos da Capitania dos Portos do Espírito Santo
(NPCP). As NPCP estabelecem no seu Capítulo 3, item 0304, Alínea c, que são autorizados
tratamento e pintura nos conveses e costados, devendo o navio cercar-se das medidas necessárias
para evitar a queda de pessoas e material no mar, e que poderão ser arriadas pranchas e chalanas,
sem licença prévia da Capitania dos Portos, as quais, entretanto, deverão ser recolhidas ao fim do
dia (v. fls. 282).
De acordo com o Laudo de Exame Pericial, o acidente ocorreu quando a
embarcação “CARLINE TIDE” encontrava-se fundeada na posição LAT 20°21,2S e LONG
040° 15,4W, portanto, a 0,8 (oito décimos) de milha da costa. A lancha “AQUA PORT VI”
encontrava-se amarrada com cabos, a vante e a ré, a contrabordo, por bombordo da embarcação
“CARLINE TIDE”, em posição invertida (v. fl. 10).
O local onde a Embarcação se encontrava fundeada não é abrigado, é mar aberto. A

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realização de serviço em costado, com apoio de outra Embarcação, em mar aberto, justificaria
estudos pormenorizados. No Laudo de Exame Pericial consta que se pode depreender que os
riscos envolvidos não foram avaliados em toda sua complexidade (v. fls. 11 e 12). Enfim, não foi
apresentada Análise Preliminar de Risco – APR (v. fl. 12), conforme está previsto na Norma
Regulamentadora - NR 34, que estabelece os requisitos mínimos e as medidas de proteção à
segurança, à saúde e ao meio ambiente de trabalho nas atividades da indústria de construção e
reparação naval.
Dos depoimentos verifica-se que não há convergência das testemunhas quanto à
responsabilidade pela ocorrência. No entanto, deles podemos observar que a PETROBRAS, para
sanar uma irregularidade na embarcação “CARLINE TIDE”, fez a exigência de “providenciar
pintura do calado de proa” (v. fl. 272). A Armadora, por intermédio de gerentes, solicitou que se
realizasse o serviço com o auxílio da lancha “AQUA PORT VI”. O Comandante, o Imediato, e
outros tripulantes da Embarcação “CARLINE TIDE” fizeram a avaliação de risco possível
naquele momento, considerada como positiva (v. fl. 46); e o Comandante determinou a execução
do serviço (v. fl. 104). O Mestre da lancha “AQUA PORT VI” autorizou tacitamente a
realização de tal serviço com o auxílio da sua Embarcação (v. fl. 70). O Imediato da embarcação
“CARLINE TIDE”, do convés desta Embarcação, supervisionou o serviço que era executado
pelo acidentado com o auxílio de outro marinheiro a bordo da Lancha supracitada (v. fl. 82). A
execução desse serviço resultou em acidente, vitimando o marinheiro que o executava.
Observando a causa determinante apontada no Laudo de Exame Pericial e os
acontecimentos, resumidos no parágrafo anterior, verifica-se que o fato da navegação em análise
resultou de uma sequência de deliberações. Então, a fim de demonstrar as ações ou omissões de
cada um dos que concorreram para o Fato, torna-se necessária analisar separadamente cada
conduta, conforme se segue.
A PETROBRAS, usando do direito decorrente do contrato com a Armadora (v. fls.
148 a 269, em especial as folhas: 205 (verso), item 3.12.3; 207, itens 3.24 e 3.27), fez exigência
de pintura de marcas de calado na embarcação “CARLINE TIDE” (v. fl. 272), denotando a
importância que a PETROBRAS dá à segurança da Embarcação que a ela presta serviços.
Também por força do contrato, a PETROBRAS poderia exigir que o serviço realizado para sanar
a pendência decorrente de sua fiscalização fosse realizado dentro dos mesmos princípios de
segurança (v. fl. 207, item 3.24.1), porque a Embarcação não foi retirada de contrato (v. fls. 142;
206 (verso), item 3.18; e 207, item 3.27); no entanto ela, PETROBRAS, se julgou no direito de
não se importar com a forma de execução do serviço imposto à Armadora (v. fls. 141, 142, 274 e
275) e, por esta omissão, deixou de atuar como moderadora, facilitando a possibilidade, ainda
que injustificável, de serem expostas a risco as vidas de tripulantes. Enfim, a decisão de requerer
um serviço, sob a égide de um contrato, e não se importar com a forma de sua execução foi

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paradoxal: para aumentar a segurança, fez-se exigência, mas não se importou com a segurança
quanto a sua execução. À luz do contrato vê-se que há, no bojo desta questão, um viés
econômico, pois a PETROBRAS necessita do serviço ininterrupto, ao mesmo tempo em que
exige correta manutenção da Embarcação (v. fls. 142; e 207, itens 3.24 e 3.27), mas não
intermedia a possibilidade de realização do serviço com a Embarcação atracada na CPVV, nem a
retira temporariamente de contrato, mantendo-a a sua disposição 24 horas por dia (v. fls. 206
(verso), item 3.18); por outro lado, se a Armadora fizesse uso de cláusula contratual e parasse a
embarcação para realizar o serviço em outro local, ou ela seria financeiramente penalizada (v.
fls. 113 e 114; 142; 163 (verso), item 17.1.2), ou consumiria uma das paradas admitidas para
docagem ou reparo, que é de 288 horas (12 dias) consecutivas ou não, utilizáveis até duas vezes
por ano, a cada período de 730 dias (v. fl. 208 (verso), item 4.12).
A Armadora, por intermédio de gerentes, solicitou ao Comandante que se realizasse
o serviço de pintura das marcas de calado na sua embarcação “CARLINE TIDE” com o auxílio
da subcontratada lancha “AQUA PORT VI”. Como se verifica no depoimento do Gerente de
Base, a forma de execução do serviço foi de oportunidade e, houve solicitação da permanência
da Lancha à disposição do Comandante da Embarcação, o qual disto foi informado. É
indubitável que a citada solicitação do serviço de pintura, nestas circunstâncias, demonstrava a
vontade livre e consciente dos Representantes da Armadora. A falta de planejamento, ou seja, a
realização do serviço de pintura pela oportunidade, com viés econômico, conforme visto acima,
resultou no grave acidente com o tripulante. Isto poderia ter sido evitado com a realização de
Análise Preliminar de Risco (APR), efetuada por equipe técnica multidisciplinar e coordenada
por profissional de segurança e saúde no trabalho, conforme prevê a NR-34. Mas a APR não foi
apresentada. Neste ponto, conclui-se que a atuação dos gerentes concorreu para que as ações
posteriores fossem levadas a cabo, resultando no fato da navegação em pauta.
O Comandante da embarcação “CARLINE TIDE”, juntamente com outros
tripulantes que o assessoravam, sem APR, fez uso da capacidade de avaliação de risco que no
momento estava ao alcance, e considerou que as condições eram favoráveis. Nota-se, tanto pela
causa apontada no Laudo de Exame Pericial, quanto pela consequência do serviço que foi
autorizado, que a análise a bordo não vislumbrou, de forma eficaz, o alto grau de risco envolvido
em um serviço naquele local. Sendo o Comandante responsável pela operação e manutenção da
Embarcação, em condições de segurança, extensivas aos tripulantes, a ele cabia decidir quanto à
realização ou não do serviço, mesmo considerando a indubitável vontade da Armadora.
Autorizou o serviço: houve o acidente.
O Mestre da lancha “AQUA PORT VI” permitiu a realização do serviço a bordo da
Lancha, não se dando conta da situação de risco envolvida. Na sua visão, o mar estava tranquilo
e os movimentos eram suaves para quem está acostumado. Observa-se, pelo resultado, que o mar

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não estava tão tranquilo assim. O que ele, Mestre, deveria ter percebido é que a sua Embarcação
estava em águas desabrigadas e, portanto, sujeita às forças naturais que afetam mais
acentuadamente as embarcações de pequeno porte. Ele era o responsável pela operação da
Lancha, em condições de segurança, extensivas às demais pessoas a bordo, e a ele cabia atender
ou não ao pedido da cliente de uso da Lancha para a realização do serviço naquele local.
Autorizou tacitamente o serviço sem analisar corretamente os riscos, e sem questionamento junto
à cliente: e houve o acidente. Neste ponto, cabe ressaltar que é possível responsável solidário o
Proprietário da Lancha, uma vez que o Mestre de fato a manobrava, mas não desempenhava
legalmente o cargo de mestre (comandante) (v. fl. 71).
O Imediato da embarcação “CARLINE TIDE” participou da avaliação de risco que
foi possível. Poderia ter discordado da realização do serviço naquele local, mas desta forma não
procedeu, mesmo considerando que este tipo de trabalho deva ser feito em docagem (v. fl. 104).
Entretanto, quanto à realização do serviço, não tinha poder de decisão.
Ainda que o Laudo de Exame Pericial não tenha apurado falha da própria vítima, o
Marinheiro Acidentado tinha permissão para decidir sobre a execução ou não da pintura (v. fl.
131), mas avaliou errado, iniciou e deu continuidade a um serviço de consequências previsíveis,
cujo resultado foi o acidente.
Por fim, observa-se que, conforme consta no depoimento do Mestre da lancha
“AQUA PORT VI”, na sua Carteira de Trabalho não há vínculo com a empresa Aqua Port, e na
sua Carteira de Inscrição e Registro (CIR) não está lançado seu embarque (v. fl. 71), o que
contraria o previsto na NORMAM-13, Item 0107, Alínea d - infração enquadrada no art. 7º do
RLESTA, cujo possível responsável é o Proprietário dessa Lancha.
Não há evidência que, relacionados ao fato da navegação ora investigado, tenham
ocorridos prejuízos materiais ou danos ambientais.
Foi remetida ao acidentado a Certidão para Fins de Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais Causados por Embarcações ou Por sua Carga (v. fls. 279 a 281).
Conclusão:
De tudo que contêm os presentes autos, conclui-se:
I) Fatores que contribuíram para o Fato da Navegação:
(a) fator humano – não contribuiu.
(b) fator material – não contribuiu.
(c) fator operacional – contribuiu, tanto por omissão quanto por erro por parte dos
possíveis responsáveis, conforme individualizado no Inciso III abaixo.
II) Que, em consequência houve acidente com tripulante. Não houve poluição
hídrica nem danos materiais.
III) São possíveis responsáveis pelo Fato da Navegação:

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(a) Por negligência:
PETROBRAS – Não atentou para a forma como a Maré Alta do Brasil (Armadora)
direcionou o serviço decorrente da pendência lançada no RERO por seus representantes, do qual
resultou o acidente;
Maré Alta do Brasil – Não analisou previa e adequadamente o serviço solicitado por
intermédio de gerentes ao Comandante da embarcação “CARLINE TIDE”, do qual resultou o
acidente;
Comandante da embarcação “CARLINE TIDE” – Aceitou e decidiu realizar o
serviço, que levou ao acidente, sem a necessária análise mais aprofundada, que poderia alertá-lo
para os detalhes da execução e para as variáveis que envolviam a atividade;
Proprietário da lancha “AQUA PORT VI” – Colocou a Lancha de sua propriedade
sob as ordens de um Comandante (Mestre) não legalmente empossado, que indevidamente
autorizou a realização do serviço que resultou no acidente, sem a necessária avaliação de risco; e,
Mestre da lancha “AQUA PORT VI” – Autorizou tacitamente o uso da Lancha para
a realização do serviço que resultou no acidente, sem realizar análise de risco, confiando na sua
experiência que, pelo resultado, se comprovou inepta.
(b) Por imprudência:
Acidentado – Iniciou e deu continuidade a um serviço arriscado, em condições
insatisfatórias, que o levou ao acidente.
A Procuradoria Especial da Marinha – PEM, além dos indiciados ofereceu
representação em face do Imediato Cesar Fernando Macias Artunduaga e do tripulante do supply
“CARLINE TIDE”, com com fulcro no art. 15, alínea “e”, da Lei nº 2.180/54.
Citados, os 3 primeiros representados foram regularmente defendidos e o 4º
declarado revel.
Maré Alta do Brasil Ltda. Defendeu-se alegando que a representação acusa a
Armadora, que por esta se defende, precisamente (e unicamente) de negligência por “não
analisar prévia e adequadamente o serviço solicitado”.
Ora, o sistema de segurança de trabalho, que foi seguido, instituído pelo Armador,
como se viu, é o utilizado pela indústria, em conformidade com a legislação aplicável. O
Armador não está a bordo, se eventualmente alguém não seguiu ou agiu como deveria, na
obediência da análise de riscos e vigilância ao trabalho, quem falhou ou se omitiu é que pode ser
responsabilizado, não o Armador.
Beira o absurdo querer imputar uma conduta negligente à ora Representada, sendo
que, repete-se a exaustão, possui sistema de gestão de segurança, e fiscaliza para que seja
aplicada como ficou provado, no caso o sistema foi seguido, foi realizada a análise prévia de
risco, e a conduta dos envolvidos na faina foi adequada ao local e circunstâncias onde seria

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efetuado, e o EPI utilizado.
O fato da nomenclatura utilizada no documento de análise de risco e autorização da
faina, se APR (Análise Prévia de Risco), se JSA (Job Safety Analisys - Análise de Segurança do
Trabalho) ou Checklist de Trabalho no Costado, não muda a realidade fática que a faina foi
discutida entre os envolvidos, passadas as devidas instruções e acompanhada não só pelo dupla
de segurança, como pelo Imediato, ressaltando que todos utilizavam seus devidos Equipamentos
de Proteção Individual.
No presente caso não há como se falar em conduta culposa, negligente da ora
Representada.
Ainda que estejamos falando da responsabilidade civil, tanto na responsabilidade
civil subjetiva, quanto na objetiva o nexo causal é elemento essencial para a imputação do dano
ao pretenso agente causador. Sendo o rompimento da causalidade hipótese de exclusão
inconteste da responsabilidade.
Repete-se, pela simples leitura dos depoimentos testemunhais e dos documentos
acostados aos autos, restou comprovado que o incidente ocorreu em razão de um caso fortuito
(deslocamento da lancha) e em razão da culpa exclusiva da vítima, que se posicionou onde não
era permitido e nem mesmo devido (e havia sido alertado de tal fato).
Desta forma, comprovado pelos depoimentos das testemunhas e ainda pelas provas
nos autos (permissão de trabalho - fls. 18/19), restou comprovado que a empresa representada
deve ser exculpada.
O primeiro representado Cesar Fernando Macias Artunduaga foi defendido pela
DPU sob o argumento da negativa geral.
José Lealdo Melo alegou que quanto à prova da existência de causa excludente de
sua responsabilidade, só através de prova testemunhal que comprovará que o contestante tomou
todas as medidas necessárias à preservação da incolumidade física e psicológica dele e de todos
que estavam na embarcação em seu ambiente de trabalho, respeitando as normas de segurança e
medicina do trabalho.
A explicação do que é ato ilícito pode ser encontrada no Código Civil em seu artigo
186, senão vejamos:
Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Na responsabilidade civil, o centro de exame é o ato ilícito, no caso em tela não
existiu ato ilícito a ensejar a responsabilidade sob a alegação de negligência ou imprudência.
A culpa é a violação de um dever jurídico. José de Aguiar Dias (1979, v. 1: 136)
apud Silvio de Salvo Venosa assevera:
A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo,

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por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas
previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua
atitude.
Da mesma forma, Rui Stoco (1999: 66):
A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria,
ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois clientes: o objetivo, expressado
na iliciedade, e o subjetívo, do mau procedimento imputável.
Na fase de instrução foram juntados os documentos de fls. 485/506.
Em alegações finais, manifestaram-se as partes.
É o Relatório.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a causa determinante do
fato da navegação, caracterizado como acidente de trabalho, com lesão corporal grave em
tripulante, durante faina de pintura em N/M, foi o total desrespeito às regras marítimas de
segurança para o trabalho marítimo.
O conjunto probatório foi uníssono ao demonstrar que o interesse econômico falou
mais alto que os procedimentos mínimos de segurança, expondo a risco uma preciosa vida
humana.
Os depoimentos colhidos, corroborando as provas materiais, provou que a faina de
pintura das marcas de calado, levadas a efeito pela armadora Maré Alta do Brasil Ltda e
executada com a ausência do Comandante do N/M e do Mestre da Lancha contratada, foi
implementada sem que uma análise elementar de risco fosse analisada, em absoluto
descumprimento à NCCP da CPES, à NORMAM-13, item 0107, alínea “d” e a NR-34.
A armadora agiu com imprudência ao determinar a faina com falta de planejamento
e sem análise preliminar de risco (APR), risco esse evidente para uma faina em mar aberto e em
condições desfavoráveis. Logo desrespeitou os requisitos mínimos de segurança e às medidas de
proteção à saúde e ao meio ambiente de trabalho.
O Imediato do N/M “CARLINE TIDE” deixou de exigir a Análise Preliminar de
Risco (APR) efetuada por equipe técnica especializada. Determinou a realização de faina sem
planejamento e despreocupada com a segurança do trabalho a ser realizado, agindo com
imprudência e também devendo ser responsabilizado.
Os demais representados foram capazes de demonstrar, com suas defesas, que não
houve nexo de causa e efeito entre suas condutas e o acidente.
Diante do exposto, deve ser julgada parcialmente procedente a representação,
condenado o Armador, o Comandante e o Mestre da Lancha, devido às suas condutas
negligentes e imperitas, exculpando os demais.
Assim,

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ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza
e extensão do fato da navegação: acidente de trabalho com tripulante de L/M, com lesões
corporais graves; b) quanto à causa determinante: desrespeito às regras de segurança para o
trabalho marítimo; e c) decisão: julgar o fato da navegação como decorrente de imprudência e
negligência da armadora Maré Alta do Brasil Navegação Ltda., condenando-a à pena de multa de
R$ 10.000,00 (dez mil reais) e ao pagamento integral das custas, e da imprudência do Imediato
Cesar Fernando Macias Artudunga, condenando-o à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais).
Exculpar os demais representados, na forma dos artigos 15, alínea “e” e 121, inciso VII, da Lei
nº 2.180/54 e d) medidas preventiva e de segurança: oficiar o Ministério Público do Trabalho
local remetendo cópia do acórdão.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 2018.

MARCELO DAVID GONÇALVES


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 27 de julho de 2018.

MARCOS NUNES DE MIRANDA


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

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Assinado de forma digital por COMANDO DA MARINHA
DN: c=BR, st=RJ, l=RIO DE JANEIRO, o=ICP-Brasil, ou=Pessoa Juridica A3, ou=ARSERPRO, ou=Autoridade Certificadora SERPROACF, cn=COMANDO DA MARINHA
Dados: 2018.11.26 14:42:06 -02'00'

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