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TRIBUNAL MARÍTIMO

IF/GAP PROCESSO Nº 29.280/14


ACÓRDÃO

R/M “RIO SOLIMÕES I”. Colisão da antena do mastro de embarcação com


cabos de energia elétrica durante navegação em igarapé, localizado no lago de
Uarini, AM, provocando descarga elétrica de alta tensão (13.2 kV), vindo a
atingir o Condutor Marlio Sousa Toscano e o seu consequente e imediato óbito,
parada cardiorrespiratória e eletroplessão. Erro de manobra do condutor do
rebocador ao não observar a altura do mastro do rebocador comparado com a
altura disponível da rede de energia elétrica de alta tensão. Infortúnio da própria
vítima. Exculpar. Arquivamento.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


Trata-se de analisar o acidente e fato da navegação envolvendo a R/M “RIO
SOLIMÕES I”, propriedade de Fabio Antônio Aiub Araujo da Silva, quando, no dia
03/06/2011, por volta das 09h, encontrava-se navegando no lago da cidade de Uarini-AM,
momento em que veio a colidir com fios de alta tensão, provocando a morte de seu condutor
Marlio Sousa Toscano.
Dos depoimentos colhidos e documentos acostados extrai-se que a R/M “RIO
SOLIMÕES I”, com 35,00 metros de comprimento e 18,70 AB, sob a condução do
inabilitado Marlio Sousa Toscano, adentrou em um igarapé pela manhã, sob a parte mais alta
do fio de alta tensão, porém ao retornar por outro caminho, já em comboio com uma balsa
não identificada carregada de seixo, se chocou com a rede elétrica, recentemente instalada
por uma empresa terceirizada da concessionária responsável pelo fornecimento de energia
elétrica. Quando a antena do rebocador encostou nos fios o condutor sofreu uma descarga
elétrica causando a sua morte. Após o acidente as embarcações abarrancaram na beira do rio,
no entanto, a vítima já estava sem vida, e por isso não recebeu atendimento médico. A
empresa Amazonas Distribuidora de Energia S/A, com o apoio da Prefeitura local, instalou
outro poste, permitindo assim um aumento de onze metros de distância do espelho d’água até
a parte mais baixa da rede aérea.
Durante o Inquérito foram ouvidas cinco testemunhas e juntada a documentação
de praxe. Registrado o BO nº 13.E.0014.0004911 do 1º Distrito Integrado de Polícia.
O acidente foi comunicado à CFAOC em 02/05/2013, após cerca de 2 anos do
ocorrido (fls. 22 e 23). Portaria da AGTEFE nº 04/2013 instaurada em 30/05/2013.

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Adevaldo Torcato Ferreira, Agricultor, em seu depoimento declarou, em
resumo, que estava na beira, próximo do local do acidente, e o rebocador entrou no igarapé
cedo, mas o acidente ocorreu por volta das nove horas da manhã, quando o rebocador já
estava retornando do igarapé, e percebeu que o pessoal alarmou e quando olhei o rebocador
já havia batido no fio de alta tensão, depois o rebocador atracou na beira, mas o rapaz que
estava no comando já estava sem vida; que faz três anos, nunca presenciou acidente como
este; que a orientação da Amazonas Energia é não passar pelo local.
Francisco Oreilson Cordovil de Goes, Eletricista, em seu depoimento declarou,
em resumo, que estava próximo ao local que aconteceu o acidente; que trabalha na Control
que presta serviço para a Amazonas Energia e estava de serviço no dia do acidente; que a
embarcação entrou no igarapé pela parte mais alta, por isso não tocou na rede, quando a
embarcação estava saindo do igarapé, várias pessoas que estavam na beira acenaram para ele
voltar, pela gravidade, pois além do rebocador, veio empurrando uma balsa. Mesmo com o
aceno o rebocador não voltou, mas percebeu que ele deu máquina atrás, mas não tinha mais
jeito; que na época do acidente, acredita que a rede ainda nem tinha sido entregue pela
Amazonas Energia. Depois do acidente veio um engenheiro da Amazonas Energia e fizeram
um acordo com a Prefeitura para acoplar um poste de 11 metros em um poste de 18 metros,
assim ganharam uma pequena altura; que após a instalação de novo poste não aconteceu
mais nenhum acidente nesse local; que a rede de alta tensão foi instalada em 2010 e que não
tinha sido entregue, não tinha nenhuma sinalização na época do acidente; que esse problema
não afeta somente essa travessia, pois aqui tem muito igarapé que a rede fica muito baixa,
então acredita que primeiramente tenha que substituir todos os postes de 11 metros por 18
metros, como este que se encontra instalado na feira da cidade. Na primeira volta na saída do
lago tem outro ponto bem baixo, que não está sinalizado e pode ocorrer outros acidentes,
pois alguns barcos passam naquela localidade.
Ranilson Goes Pereira, Eletricista, em seu depoimento declarou, em resumo, que
trabalha na Control, uma empresa da Paraíba, prestadora de serviço para a Amazonas
Energia; que estava de serviço no dia do acidente e o rebocador passou sozinho para o
igarapé para pegar uma balsa, quando voltou, veio pelo meio do rio, e aconteceu o acidente,
com o mastro do rebocador batendo na rede de alta tensão, pois nessa época o rio estava
muito cheio; que trabalha há quatro anos e sete meses, e nunca tinha presenciado acidente
deste tipo; que a empresa Control não instalou a rede, e acredita que tenha sido uma empresa
contratada pelo programa Luz para todos.
Eldanete Pereira Soares, em seu depoimento declarou, em resumo que o

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rebocador estava voltando de dentro do Igarapé, quando a antena do rebocador bateu na rede
e todo mundo ficou gritando, mas de longe ninguém sabia o que estava acontecendo, quando
o barco parou no barranco o condutor já estava sem vida, ele ficou bem pretinho, acho que
pelo choque.
Eliaquino Soares da Costa, Empresário, em seu depoimento declarou, em
resumo, que estava na cidade, mas não estava presente no local do acidente. Foi avisado do
acidente e logo correu para o local e presenciou quando estavam retirando a vítima para levá-
lo ao hospital; que o rebocador vinha trazendo a balsa do Igarapé, quando a antena do
rebocador bateu na rede de alta tensão. Pois no Igarapé tem um porto de retirada de areia,
hoje ainda passam rebocadores para descarregar areia e máquinas, mas nunca mais aconteceu
acidentes, pois a Amazonas Energia aumentou a altura da rede de alta tensão.
Laudo de Exame Pericial Indireto, datado de 19/12/2013, ilustrado com fotos do
local em 18/12/2013 e croqui, concluiu que a causa determinante do fato da navegação foi a
imperícia e imprudência do condutor da embarcação, Marlio Sousa Toscano, por conduzir
sem habilitação e não considerar o risco de navegar sob uma rede de alta tensão e a
negligência da empresa Control em instalar cabos de rede elétrica de alta tensão em vias
navegáveis sem qualquer sinalização e com uma altura muito próxima da superfície do rio.
Documentação de praxe anexada.
No relatório o Encarregado do Inquérito após resumir o depoimento de cinco
testemunhas e analisar os dados do Laudo Pericial e dos depoimentos das testemunhas,
concluiu que o fator material contribuiu uma vez que o seio do cabo de alta tensão estava
muito baixo e o fator operacional contribuiu por falta de habilitação do condutor e pela
instalação das redes elétricas de alta tensão muito próxima da água em uma área navegável.
Apontou como possível responsável direto Marlio Sousa Toscano por estar conduzindo a
embarcação sem habilitação e sem considerar os perigos envolvidos na navegação sob uma
linha de alta tensão, e como responsável indireto a empresa Amazonas Distribuidora de
Energia S/A (Amazonas Energia) por instalar uma linha de transmissão de alta tensão em um
trecho navegável, em uma altura reduzida, ocasionando risco à navegação e sem apresentar a
documentação necessária para a devida instalação.
Notificação formalizada. Defesa prévia juntada às fls. 87/88.
A D. Procuradoria ofereceu representação contra Eletrobrás Amazonas Energia
S/A (Amazonas Distribuidora de Energia S/A), executora de serviços públicos de energia
elétrica, com fulcro no art. 15, alínea e, da Lei nº 2.180/54, sustentando, em resumo, que
houve falta de sinalização da rede de alta-tensão, bem como a imperícia e imprudência do

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condutor da embarcação por navegar desprovido de habilitação para tal mister, que a linha de
transmissão não estava devidamente sinalizada e que estava bem próximo à água, o que
demonstra que havia um iminente risco de um acidente, o qual não tardou em se concretizar.
Conclui ainda a D. PEM que houve desídia no que tange à correta posição da rede elétrica,
pugnando-se pela responsabilização da Eletrobrás Amazonas Energia S/A, porquanto restou
comprovada sua conduta negligente quanto aos cuidados necessários na manutenção de sua
rede de transmissão de emergia elétrica.
Recebida a representação e citada, a representada Amazonas Distribuidora de
Energia, que não possui antecedentes no Tribunal Marítimo, foi regularmente defendida por
I. advogado.
Amazonas Distribuidora de Energia S/A alegou em sua defesa, em resumo,
preliminarmente, a inépcia da Representação em face da indeterminação dos pedidos, da
inexistência de indicação específica a respeito das ilegalidades supostamente praticadas e
nem das penalidades passíveis de aplicação, eis que é imprescindível que o pedido
condenatório seja explicitamente delimitado.
Alegou ainda, preliminarmente, a caducidade da autuação, tendo em vista que o
evento ocorreu em 03/06/2011 e o IAFN somente foi instaurado em 27/05/2013, ou seja, dois
anos após o evento, contrariando frontalmente o que dispõe o art. 33, da Lei nº 2.180/54. Que
é imperioso que o ato de instauração do IAFN e, consequentemente, do presente processo
seja reputado nulo, por consumação da decadência do poder punitivo da Representante,
sendo a autuação procedida inequivocamente extemporânea.
Ademais, alegou a necessidade de decretação da nulidade do IAFN por não
terem sido observados os requisitos formais de sua elaboração, restando feridos os princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Para que se garanta sua eficácia, é
necessário que se imponha ao aplicador da lei, no caso, o Encarregado do IAFN, a mais
correta e precisa caracterização e detalhamento, possibilitando a perfeita defesa dos
acusados.
A completa ausência dos elementos essenciais exigidos no art. 35, da Lei nº
2.180/54, alíneas a, b, e, g e h, não há nos autos qualquer intervenção junto à embarcação e a
tripulação envolvida, apenas mera informação de que não foi realizada perícia técnica no
rebocador por não mais se encontrar no local do acidente em virtude do longo tempo
decorrido, e assim, alegada a sua não localização.
Não foi concedido o prazo de 10 dias para a apresentação de defesa prévia de
qualquer dos possíveis responsáveis apontados no relatório do IAFN.

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No mérito, o evento objeto desta Representação decorreu de culpa exclusiva da
própria vítima, hipótese de excludente de responsabilidade da ora contestante, uma vez que a
causa determinante do acidente foi a imperícia e imprudência do condutor da embarcação, o
que exclui de plano qualquer responsabilidade da ré, além de manobrar embarcação em lugar
não permitido e não ser habilitado.
Pelo que se infere dos autos, nada há para macular a conduta da Representada no
que se refere à ocorrência do acidente com a embarcação “SOLIMÕES I”, nem foi indicada
na representação qualquer lei, norma marítima ou de navegação que tenha sido violada pela
Representada, não podendo prosperar os pedidos de aplicação das penalidades.
Requereu sejam julgados improcedentes ou desacolhidos os pedidos de
aplicação de penalidades ou, na pior das hipóteses, que a penalidade aplicada seja a mais
branda possível.
Aberta a instrução, nenhuma prova foi produzida.
A D. PEM manifestou-se sobre as preliminares suscitadas pela Representada
Amazonas Distribuidora de Energia S/A.
Esclareceu que na peça de acusação foi citada sua conduta negligente, aliada à
presença do resultado e do nexo causal. Com a presença de requisitos da responsabilidade
administrativa. Que a tipificação de sanções administrativas podem não seguir a regra do
Direito Penal. O que o direito administrativo sancionador propugna é que haja, no mínimo,
critérios objetivos e que haja motivação, por ocasião do julgamento, e nesse particular
prevalece a atipicidade. Sem que haja violação legal, são obedecidos os ditames e limites
legais à sanção, no caso, os dispositivos da Lei nº 2.180/54. Não cabe pedir ao órgão
acusador a pena a ser aplicada. A escolha da pena é ato discricionário dos julgadores do
Egrégio Tribunal Marítimo, prescindindo de pedido por parte do órgão acusador.
Quanto à caducidade com base no art. 33, da LOTM, trata-se de prazo
impróprio, e tal qualidade se traduz no sentido de que eventuais inobservâncias não dão azo à
nulidade.
Acerca da eventual nulidade de inquérito, diante da falta de elementos essenciais
e supressão da defesa prévia, tais fatores, pela doutrina administrativa, bem como pela
jurisprudência, não tem o condão de tornar nula a investigação administrativa. A falta de
defesa prévia se caracteriza por mera irregularidade sendo sanada no curso do processo
administrativo e não contamina a ação administrativa e, sobretudo, quando vem
desacompanhadas de prejuízos para o Representado. Eventuais equívocos ou inobservâncias
são convalidadas na fase processual, diante de ausência de prejuízo à defesa.

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O posicionamento do STF indica que: à luz da norma inscrita no art. 563, do
CPP e da súmula 523/STF, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, para
o reconhecimento de nulidade dos atos processuais, relativa ou absoluta, exige-se a
demonstração do efetivo prejuízo causado à parte.
Requereu despacho saneador para rechaçar de imediato a arguição preliminar
apresentada pelo Representado.
Em alegações finais a D. PEM reiterou os termos de sua exordial e a
Representada permaneceu silente.
Preliminar
1 - Deve ser indeferida a Preliminar de Inépcia da Inicial em face da
indeterminação dos pedidos, da inexistência de indicação específica a respeito das
ilegalidades supostamente praticadas e das penalidades passíveis de aplicação, eis que há
pertinência entre a Representada e a relação jurídica que se põe em discussão no processo.
No que tange à conduta da representada, verifica-se que o Encarregado do Inquérito aponta a
empresa Amazonas Energia como responsável indireta por instalar uma linha de transmissão
de alta tensão em um trecho navegável, em uma altura reduzida, ocasionado um risco à
navegação e sem apresentar documentação necessária para a devida instalação. A D. PEM
apoiando-se nas conclusões do Inquérito entendeu que a Representada tornou-se desidiosa no
que tange à correta posição da rede elétrica. Ademais, as assertivas da Petição Inicial são, por
hipótese, consideradas como verdadeiras, e que os fatos alegados pela Autora da
representação deverão ser minuciosamente analisados durante a instrução probatória,
oportunidade que teve o representado de se manifestar pela ampla defesa e o contraditório.
Quanto às penalidades possíveis de aplicação, elas estão dentre aquelas previstas no rol do
art. 121, da LOTM, sendo um ato discricionário do pleno do Tribunal Marítimo que se
manifestará por ocasião do julgamento do Processo.
2 - Deve ser indeferida a preliminar de caducidade em face do art. 33 da LOTM
eis que a Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental só tomou conhecimento do acidente no
dia 02/05/2013, conforme requerimento protocolado de fl. 22, e que a Portaria de Instauração
do IAFN ocorreu em 30/05/2013, portanto em consonância com os ditames da Lei nº
2.180/54 e da NORTEC-09/DPC.
3 - Deve, também, ser indeferida a preliminar de nulidade do IAFN diante da
supressão de defesa prévia alegada pela Representada, que não tem o condão de tornar nula a
investigação levada a cargo da Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental pois trata-se de uma
mera irregularidade tendo em vista que, a inexistência de notificação não contamina o

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procedimento administrativo, até porque não traz prejuízos à parte e que eventuais equívocos
são convalidados durante o desenvolvimento processual. Sabe-se que os elementos essenciais
do art. 35, da LOTM, são aqueles considerados mais relevantes pelo Encarregado do IAFN,
por tratar-se o Inquérito de peça investigatória e meio informativo à propositura da ação pela
D. PEM não comportando ele nenhum vício que o macule. Entretanto ao representado lhe foi
facultado a produção de provas na fase instrutória, para defender-se e contraditar todas as
acusações que lhe foram dirigidas pela Procuradoria, não havendo o que se falar de que não
foram encontrados os elementos essenciais no IAFN e a defesa prévia e por isso a nulidade
do Processo.
Por oportuno, observa-se que a Representação de fls. 126/127 preencheu os
requisitos legais e formais exigíveis sendo elaborada de acordo com o art. 319, do Novo
Código de Processo Civil, e art. 62, do Regimento Interno Processual do Tribunal Marítimo,
bem como especificou claramente a conduta dos agentes e seu respectivo enquadramento
legal, capitulado no art. 15, alínea e, da Lei n° 2.180/54. Acrescente-se o fato de que o pleno
do Tribunal Marítimo recebeu a representação à unanimidade, confirmando a presença de
todos os requisitos necessários para o prosseguimento regular do presente processo
administrativo.
Decide-se.
De tudo o que consta nos presentes autos, conclui-se que a natureza e extensão
do acidente e fato da navegação sob análise, tipificado no art. 14, alínea a, e art. 15, alínea e,
da Lei nº 2.180/54, ficaram caracterizadas como colisão da antena do mastro de embarcação
com cabos de energia elétrica durante navegação em igarapé, localizado no Lago de Uarini,
AM, provocando descarga elétrica de alta tensão (13.2 kV), vindo a atingir o Condutor
Marlio Sousa Toscano e o seu consequente e imediato óbito, parada cardiorrespiratória e
eletroplessão.
A causa determinante foi o erro de manobra do condutor do rebocador ao não
observar a altura do mastro do rebocador comparado com a altura disponível da rede de
energia elétrica de alta tensão. Infortúnio da própria vítima.
Analisando-se os autos verifica-se que não foi realizada a perícia técnica no
rebocador por não ter sido encontrado após mais de dois anos do ocorrido. Prejudicado,
portanto, a verificação das condições e características técnicas do rebocador, assim como,
também a própria altura do seio da rede elétrica instalada à época, em relação ao nível do
espelho d’água.
Do que se extrai dos autos o Condutor vitimado adentrou o lago de Uarini

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passando por sob a rede elétrica em um local que permitia o mastro e a antena ultrapassar
sem colidir com os cabos elétricos, possivelmente próximo à margem do lago. Ocorre que
após atrelar uma balsa com seixo e para evitar profundidades menores na margem, optou por
navegar no meio do lago onde o seio dos cabos da rede naturalmente encontram-se com sua
parte inferior próximos do espelho d’água, ou seja, condição diferente do percurso de ida.
Neste momento, sem atentar e não mantendo a vigilância necessária tentou navegar por um
local com maiores profundidades em face da balsa carregada de seixo, e assim evitar o seu
encalhe. A derrota pelo meio do lago oferecia naturalmente o risco da colisão, e do iminente
risco de um contato com a rede elétrica o que veio a acontecer, sem que o infortunado
condutor avaliasse o risco de sua decisão. O contato com os cabos veio a ocorrer,
provocando uma descarga de 13.8 kV, o que foi fatal para sua incolumidade física, causando-
lhe a morte por parada cardiorrespiratória e eletroplessão (choque elétrico), caracterizando o
infortúnio da própria vítima.
Quanto à instalação da Rede elétrica executada pela Representada, por meio da
empresa Javaés-Construções e Montagens Ltda (contrato datado de 01/12/2009, fls.
204/219), tratava-se de um contrato de eletrificação do interior do Amazonas referente ao
Programa Luz para Todos do Governo Federal. Sabe-se, pela prova testemunhal que desde a
instalação da rede no município de Uarini, não ocorreu qualquer acidente com embarcação
ribeirinha. Infere-se que no projeto da rede, tenha se considerado uma altura razoável da
parte mais baixa do seio, de modo que embarcações padrão da região poderiam trafegar sem
sofrer qualquer tipo de perigo à navegação. O Laudo Pericial Indireto realizado mais de 2
anos após o acidente não permitiu aos Peritos avaliar em que condições se encontrava a
instalação da rede e se oferecia perigo à navegação.
Em decorrência do fatídico acidente, a Representada providenciou a elevação do
seio inferior com a instalação de postes com altura superior e assim permitir uma navegação
segura das embarcações na região.
Por outro lado, entendo que ocorreu culpa exclusiva da própria vítima ao não
observar as condições da altura do mastro da embarcação comparada com o seio da parte
mais baixa da rede elétrica instalada na ocasião, e em face de seu óbito, restou extinta a sua
punibilidade, nos termos do art. 107, inciso I, do CP. Deve, portanto, a meu juízo, ser
exculpada a empresa Representada Amazonas Distribuidora de Energia S/A.
Outrossim, a despeito da existência de projeto elétrico precedido da instalação,
entendo que a Representada descumpriu o item 0112 - INSTALAÇÃO DE CABOS E
DUTOS AÉREOS OU ESTRUTURAS SIMILARES da NORMAM-11/DPC(2003) , na qual

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o interessado na execução desses tipos de obras deverá apresentar à CP, DL ou AG com
jurisdição sobre o local de sua construção, duas vias dos seguintes documentos, em resumo:
1) Requerimento;
2) Planta de situação;
3) Planta de localização;
4) Documentação fotográfica;
5) Planta de construção (projeto);
6) Memorial descritivo;
7) Levantamento batimétrico e de correntes;
8) Apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);
9) Estudo sobre a navegação existente, abrangendo as principais empresas que
trafegam na área, com informações sobre as dimensões de suas maiores embarcações e se
possuem ou não mastro rebatível; as dimensões e composições dos comboios praticados e os
tipos e portes de embarcações mais comuns no local. Deverá indicar, também, as
perspectivas de desenvolvimento da navegação na área;
10) Outros documentos; e
11) Projeto da sinalização náutica da ponte (rede elétrica).
Assim, a empresa Amazonas Distribuidora de Energia S/A infringiu o RLESTA
no seu art. 26 - Infração às normas relativas à execução de obra sob, sobre ou às margens das
águas.
Pelo exposto, deve-se considerar improcedente a fundamentação da D. PEM,
devendo ser exculpada a Representada Amazonas Distribuidora de Energia S/A,
caracterizado pelo infortúnio da própria vítima. Deve ser oficiado à Capitania Fluvial da
Amazônia Ocidental, agente da Autoridade Marítima, a infração ao RLESTA, no seu art. 26
- Infração às normas relativas à execução de obra sob, sobre ou às margens das águas,
cometida pela Amazônia Distribuidora de Energia S/A.
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do acidente e fato da navegação: colisão da antena do mastro de
embarcação com cabos de energia elétrica durante navegação em igarapé, localizado no lago
de Uarini, AM, provocando descarga elétrica de alta tensão (13.2 kV), vindo a atingir o
Condutor Marlio Sousa Toscano e o seu consequente e imediato óbito, parada
cardiorrespiratória e eletroplessão; b) quanto à causa determinante: erro de manobra do
condutor do rebocador ao não observar a altura do mastro do rebocador comparado com a

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altura disponível da rede de energia elétrica de alta tensão. Infortúnio da própria vítima; c)
decisão: julgar o acidente e fato da navegação previstos no art. 14, alínea a e no art. 15,
alínea e, da Lei nº 2.180/54, como decorrente de infortúnio da própria vítima fatal,
exculpando a empresa Amazonas Distribuidora de Energia S/A, mandando arquivar os autos
do processo; e d) medidas preventivas e de segurança: a) oficiar à Capitania Fluvial da
Amazônia Ocidental, agente da Autoridade Marítima, a infração ao RLESTA, no seu art. 26
- Infração às normas relativas à execução de obra sob, sobre ou às margens das águas
cometida pela Amazônia Distribuidora de Energia S/A; b) oficiar à Capitania Fluvial da
Amazônia Ocidental para que diligencie quanto ao atendimento do item 0112 – Instalação de
Cabos e Dutos Aéreos ou Estruturas similares da NORMAM-11/DPC (2003).
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 12 de julho de 2018.

GERALDO DE ALMEIDA PADILHA


Juiz-Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 27 de julho de 2018.

MARCOS NUNES DE MIRANDA


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

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Assinado de forma digital por COMANDO DA MARINHA
DN: c=BR, st=RJ, l=RIO DE JANEIRO, o=ICP-Brasil, ou=Pessoa Juridica A3, ou=ARSERPRO, ou=Autoridade Certificadora SERPROACF, cn=COMANDO DA MARINHA
Dados: 2018.11.26 14:44:59 -02'00'

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