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O complexo produtivo da
saúde e sua articulação com o
desenvolvimento socioeconômico
nacional
Laís Silveira Costa, Carlos Augusto Grabois Gadelha, José Maldonado,
Marcelo Santo e Antoine Metten
Introdução
Nesse contexto, que relaciona a lógica inovativos da saúde. Vale notar que, ao
produtiva e social, o complexo da saúde é considerar a institucionalidade do CEIS,
capaz de apresentar oportunidades para a que é, a um só tempo, pública e privada,
superação da tensão observada entre as adota-se neste artigo uma abordagem
dimensões econômicas e sócio-sanitárias, sistêmica propiciada tanto pelo arcabouço
uma vez mediados os interesses da economia política, que envolve o estudo
conflitantes envolvidos na saúde. das relações sociais de produção e de
Não obstante a importância do CEIS acumulação de capital, quanto pelo instru-
para o desenvolvimento nacional e o seu mental teórico dos sistemas de inovação
potencial para estabelecimento de uma (SI), que entende o caráter essencialmente
relação virtuosa entre os interesses diversos social dos processos de geração de ino-
no campo da saúde (VIANA; NUNES; SILVA, vação (FREEMAN, 1987; LUNDVALL, 1988;
2011), ainda persiste uma visão limitada do NELSON, 1993).
seu caráter sistêmico, conforme enfatizam Além desta introdução, o texto estru-
Gadelha et al. (2012). Essa limitação tem tura-se a partir da relação estabelecida entre
implicações negativas no desenvolvimento saúde e desenvolvimento e do detalha-
da base produtiva nacional com reflexos mento dos subsistemas do complexo eco-
insatisfatórios para a saúde coletiva e para o nômico-industrial da saúde. Contextualiza
desenvolvimento econômico, observados também a relevância do sistema nacional
no crescente déficit da balança comercial de inovação em saúde, de forma a tornar
da saúde. sustentável o sistema de saúde como um
Tal realidade pontua desafios e ame- todo. Por fim, ressalta a importância do
aças à manutenção de um sistema universal desenvolvimento da base produtiva e
do porte do brasileiro, em especial ao se inovativa da saúde no País, de modo a
considerar a transição demográfica e os atender às necessidades sociais, e, nesse
custos crescentes da saúde. Cabe observar contexto, enfatiza a influência do Estado
que, sem a superação da fragilidade da base nessa arena política.
produtiva, persistirão obstáculos à oferta
universal de bens e serviços, acentuando a O complexo da saúde na agenda
vulnerabilidade do sistema de saúde de desenvolvimento nacional
(GADELHA e COSTA, 2013).
A relevância desse estudo deriva da Este artigo analisa a saúde sob um
percepção de que somente avançando no olhar sistêmico que abrange, além da sua
conhecimento sobre essa base produtiva dimensão social, seu contexto de
poder-se-á aprimorar o entendimento produção. Para isso, o recorte de análise é
sobre os desafios que se apresentam para o complexo econômico-industrial da saú-
a efetividade do sistema nacional de saúde de, uma vez que esse articula simultanea-
e, adicionalmente, qualificar a elaboração mente variáveis sociais, econômicas e
e implementação de políticas públicas para inovativas, questões-chave no atual cená-
o fortalecimento do complexo da saúde. rio mundial de globalização assimétrica e
Dito isso, este artigo objetiva competitiva.
aprofundar o conhecimento sobre o CEIS Adota a perspectiva teórica de Furtado
e a dinâmica de seus subsistemas, com o (1964), para quem o desenvolvimento
intuito de melhor entender os processos representa “um processo de mudança
social pelo qual o crescente número de neutro” e que é estabelecida uma dupla
necessidades humanas (...) são satisfeitas relação de causalidade, em que tanto a
através de uma diferenciação no sistema orientação do desenvolvimento tecnológico
produtivo, gerado pela introdução de influencia um determinado padrão de
inovações tecnológicas” (FURTADO, 1964, sociedade, como a orientação socioeco-
p. 27). Ou seja, trata de uma concepção de nômica e as institucionalidades influenciam
desenvolvimento diferenciada que reco- o desenvolvimento tecnológico de uma
nhece a influência de variáveis econômicas determinada nação (TIGRE, 2006).
e inovativas no bem-estar coletivo. Esse enfoque nos remete à pertinência
Ademais, chama-se atenção para o fato do uso de uma abordagem estruturalista
de que, na sociedade contemporânea do do campo da economia política e do
conhecimento, a inovação merece destaque,
uma vez que se torna um diferencial estra-
tégico na definição do posicionamento de
ordem econômica e produtiva de um país
diante dos demais, exercendo, inclusive,
forte influência nas condições de vida das
“... a saúde vem
populações.
Para Furtado (1998), um modelo de enfrentando desafios
desenvolvimento ideal deveria interromper que impõem claros
a reprodução dos padrões de consumo das limites à
minorias privilegiadas e buscar a satisfação consolidação de um
das necessidades fundamentais do con-
junto da população (FURTADO, 1998). Nesse
sistema de saúde
sentido, a inovação tecnológica deveria ser que se pretende
reorientada para a busca do bem-estar universal, integral e
coletivo. equânime ...”
Seguindo essa perspectiva, pode-se
aferir que o desenvolvimento de um país
encontra-se intimamente relacionado às
oportunidades disponibilizadas à sua
população com vistas ao seu bem-estar,
reafirmando-se a necessidade tanto de
subsidiar quanto de orientar a indução da
taxa de progresso técnico, para que as
novas tecnologias sigam rumos social- arcabouço teórico dos sistemas de
mente desejáveis e sustentáveis (COSTA et inovação, uma vez que processos de
al., 2012), chamando atenção para o fato inovação são, por natureza,
de que um determinado padrão de desen- contextualizados socialmente em econo-
volvimento tecnológico representa um mias complexas do capitalismo (FREEMAN,
modelo particular de sociedade, e 1987; SOETE; VERSPAGEN; WEEL, 2010).
vice-versa. Ademais, esses enfoques reconhecem o
Parte-se do reconhecimento de que o papel dos diversos atores, de suas
“desenvolvimento tecnológico não é interações e interesses, que levam à
E
S Indústria Produtora de Bens
T
A Indústria de Farmecêutica Indústria de
D Equipamentos
O Fármacos/Medicamentos Hemoderivados
- Médicos e Insumos
P
R Aparelhos não-eletrônicos
Aparelhos Eletrônicos
Aparelhos de Prótese e
O Indústria de
M Indústria Indústria de Órtese
Reagentes para
O de Vacinas Hemoderivados Diagnósticos Material de Consumo
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O
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G Setores Prestadores de Serviço
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L
A Hospitais Serviços de Diagnósticos
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Ambulatórios e Tratamento
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O
pública voltada para o setor. Isso implica, vendas, somaram quase a metade de todo
por sua vez, conhecer as características e a o mercado farmacêutico mundial em 20105.
dinâmica da cada um de seus subsistemas. Essa liderança decorre de duas caracterís-
ticas presentes em suas estratégias compe-
A indústria de base química e titivas, quais sejam: barreiras a novos
biotecnológica da saúde entrantes no mercado, devido aos vultosos
O subsistema de base química e investimentos em P&D e marketing neces-
biotecnológica é composto pelas indústrias sários, e o monopólio temporário mediante
farmacêuticas e por aquelas responsáveis patentes, operando sobre produtos cuja
pela produção de vacinas, hemoderivados e demanda é particularmente inelástica
reagentes para diagnóstico. Esse subsistema (GADELHA et al. 2012).
agrega um conjunto de segmentos produ-
tivos que se destacam tanto por sua impor-
tância econômica, como por sua relevância
no domínio de novas tecnologias em áreas
estratégicas para o País (VARGAS et al., 2010).
Entre os subsistemas do CEIS, o de base “... pode-se
química e biotecnológica constitui o mais dizer que a
dinâmico em termos de geração e difusão
vulnerabilidade
de inovação. (GADELHA et al. 2012).
Por sua vez, vale notar que a indústria da base produtiva
farmacêutica lidera a dinâmica competitiva da saúde – e
do subsistema e se caracteriza por ser o também do sistema
principal segmento de geração e difusão de saúde como
de inovações de base química e biotec-
nológica. Marcado por elevado grau de
um todo – decorre
internalização da produção e intensa da baixa capacidade
concentração de mercado, o segmento de inovação da
farmacêutico pontua a existência de inte- mesma.”
resses diversos, além dos sanitários, relacio-
nados ao seu processo produtivo de
tecnologias estratégicas, como a nanotec-
nologia, biotecnologia e química fina
(ANGELL, 2007). Tanto Temporão (2002)
quanto Gadelha (2002) chamam atenção
para o acirramento competitivo do Ainda sobre as estratégias das empre-
subsistema de base química e biotecno- sas líderes, é importante observar que em
logia, em que as empresas líderes farma- seus processos de internacionalização
cêuticas invadem e submetem os demais concentram as atividades de maior densi-
segmentos às suas estratégias de inovação. dade tecnológica e só descentralizam, aos
Dados do IMS Health4 mostram que a países da periferia do sistema internacional,
concentração de mercado no segmento aquelas de menor valor agregado. Nesses
farmacêutico encontra-se adstrita a dez países, observa-se uma dissociação entre as
grandes empresas que, no total de suas necessidades locais e os esforços privados
em P&D. Essa dinâmica é ressentida, espe- tensão permanente entre a lógica da indústria
cialmente pela insuficiência – e, em muitos (econômica) e a sanitária (social).
casos, pela ausência – de pesquisas direcio- A exemplo do subsistema de base
nadas aos principais agravantes da saúde, a química e biotecnológica, o presente subsis-
exemplo de doenças tropicais (MALDONADO, tema também se caracteriza como um
2012; GADELHA; MALDONADO; COSTA, 2012). oligopólio6 baseado na diferenciação de seus
A respeito da concentração desse mer- produtos, bastante especializados e com
cado e dos prejuízos sofridos pelos países constantes atualizações tecnológicas em
que não dominam essas tecnologias da base espaço de tempo relativamente curto (LEÃO;
produtiva da saúde, Oliveira, Labra e OLIVEIRA; ALBORNOZ, 2008). Essa atuali-
Bremudez (2006) destacam que as 100 zação pressiona sobremaneira os custos da
maiores empresas farmacêuticas são atenção à saúde, em especial porque as
responsáveis por 90% da produção indústrias desse subsistema geralmente
mundial, sendo que 75% é consumida nos competem por meio do lançamento de equi-
EUA, Japão e União Europeia. Nos últimos pamentos mais modernos e sofisticados.
10 anos, nenhuma das vinte empresas de Uma importante diferenciação do
maior faturamento bruto mundial lançou subsistema de base mecânica, eletrônica e
um único medicamento para qualquer uma de materiais, em relação ao previamente
das doenças negligenciadas (MÉDICOS SEM estudado, refere-se ao fato de que ele agrega
FRONTEIRA, 2001). à sua estrutura outros segmentos bastante
diversificados; envolve desde bens de capital
A indústria de base mecânica, de alta complexidade (como diagnóstico por
eletrônica e de materiais da saúde imagem), até materiais de consumo de uso
O subsistema de base mecânica, eletrô- rotineiro, passando por instrumentos,
nica e de materiais envolve as indústrias material cirúrgico e ambulatorial, seringas,
de equipamentos e instrumentos mecânicos entre outros.
e eletrônicos, órteses e próteses e materiais De acordo com Maldonado et al. (2012),
de consumo em geral. Suas atividades são essa heterogeneidade, ao contrário do
fortemente associadas às práticas médicas, segmento farmacêutico, permite que
determinando muitas vezes a tecnologia in- empresas de menor porte oriundas de países
corporada nos procedimentos adotados, no em desenvolvimento ocupem posições
que se refere à prevenção, diagnóstico e relativamente importantes, abrindo-se,
tratamento de doenças (G ADELHA ; assim, nichos de mercado para a indústria
MALDONADO; COSTA, 2012; MALDONADO et local. No caso brasileiro, o subsistema de
al., 2013). base mecânica, eletrônica e de materiais
Vale destacar, nesse subsistema, o papel beneficia-se de uma base produtiva razoa-
da indústria de equipamentos – tanto pelo velmente bem estruturada, fruto da política
seu potencial de inovação, ao incorporar os de substituição de importações vigente no
avanços associados ao paradigma micro- período entre 1950 e 1980. Apesar de essa
eletrônico, quanto pelo seu impacto nos indústria ter sido bastante prejudicada pela
serviços, – que representa, de acordo com abertura comercial da década de 19907, o
Gadelha, Maldonado e Costa (2012), uma recente movimento de ampliação de acesso
fonte constante de mudanças nas práticas aos serviços de saúde dinamizou a demanda
assistenciais e que, por sua vez, municia a por equipamentos e materiais hospitalares
Fonte: Elaborado por GIS/ENSP/FIOCRUZ, a partir de dados da Rede Alice / MDIC. Acesso em janeiro/
2013.
Ressalte-se que esse déficit saiu de um balanço comercial do CEIS. De tal modo
patamar de US$ 3 bilhões em 2003, para que, atualmente, esse setor revela particular
ultrapassar US$ 10 bilhões em 2012, reve- vulnerabilidade da saúde, representando
lando a vulnerabilidade do sistema de saúde risco implícito para a implementação de
no Brasil e da inserção competitiva inter- políticas universais e integrais de acesso aos
nacional. bens e serviços de saúde.
No que se refere à participação dos seg- Vale notar que essa debilidade, obser-
mentos produtivos no déficit da balança vada nas indústrias do subsistema de base
comercial da saúde em 2012 (Gráfico 2), o química e biotecnologia, é igualmente
subsistema de base química e de biotecno- percebida nas indústrias do subsistema de
logia representa um saldo negativo de cerca base mecânica, eletrônica e de materiais,
de US$ 8 bilhões9. Desse total, US$ 2,8 especialmente naqueles segmentos de
bilhões são decorrentes do déficit com a maior complexidade tecnológica, cujo
importação de medicamentos, US$ 2,4 déficit atingiu, em 2012, o montante de
bilhões com a importação de insumos US$ 2,2 bilhões (Gráfico 2).
farmoquímicos e US$ 1,8 bilhão com a A despeito da baixa competitividade,
importação de hemoderivados. O restante é importante mencionar que esse
refere-se à aquisição externa de vacinas, de subsistema – que reúne um conjunto parti-
reagentes para diagnóstico e de soros e cular de atividades com grande heteroge-
toxinas, que totaliza cerca de US$ 1 bilhão. neidade tecnológica – oportuniza a
Conforme se observa no Gráfico 2, o existência de nichos competitivos em que
déficit gerado pela importação de fármacos o Estado pode atuar, no sentido de incen-
e medicamentos foi responsável por cerca tivar o fortalecimento da indústria nacional
de metade de todo o resultado negativo do (GADELHA; MALDONADO; COSTA, 2012).
Fonte: Elaborado por GIS/ENSP/FIOCRUZ, a partir de dados da Rede Alice/MDIC. Acesso em janeiro/
2013.
Quanto aos serviços de saúde, convém destacar que, no Brasil, se observa uma
pontuar que os Gráficos 1 e 2 refletem, baixa competitividade do CEIS em face do
ainda que não completamente, a demanda mercado mundial, em função de fatores
pelos insumos, produtos e bens que são diversos atinentes tanto ao próprio modelo
utilizados nesse subsistema. Ademais, a e estrutura do Estado12 quanto a questões
transição demográfica em curso e as novas mais setoriais.
características epidemiológicas10 implicarão O grande dilema que se apresenta ao
tanto o aumento quanto a transformação complexo é que o contexto nacional se
das condições de demanda. Consequen- caracteriza por uma dupla desarticulação.
temente, observar-se-á grande pressão Por um lado, em que pesem todas as inicia-
sobre o sistema industrial por novas tivas governamentais recentes em relação
vacinas, medicamentos, equipamentos e, à saúde, esta ainda não é abordada de forma
sobretudo, sobre a produção de serviços sistêmica na agenda de desenvolvimento
hospitalares, ambulatoriais e de diagnós- nacional. Por outro, a despeito da base
tico, representando custos que o sistema científica instalada no País e da existência
de saúde, já subfinanciado11, não tem como de base industrial diversificada, esta não é
suportar. inovativa, uma vez que a natureza e inten-
Nesse sentido, no que tange às fragili- sidade das interações estabelecidas entre
dades do CEIS, a principal questão a ser ambas não têm propiciado processos
enfrentada é como estimular o desenvolvi- inovativos. Observa-se, dessa forma, o
mento de produtos com alto valor social, afastamento da empresa em relação à base
de modo a reverter o quadro de vulnera- científica do País, decorrente de caracte-
bilidade ao qual o sistema de saúde encon- rísticas e desarticulações do sistema nacio-
tra-se exposto, tendo em vista, inclusive, a nal de inovação, que está marcado por uma
inserção competitiva internacional. Vale baixa capacidade inovativa. Por esses
Vale ressaltar uma particularidade do SUS também têm potencial para insuflar
nacional, referente à existência de uma rede a dinâmica inovativa do CEIS, por meio
de laboratórios oficiais capazes de poten- do uso do poder de compra do Estado14.
cializar a atuação pública e a orientação social No entanto, apesar dessas importantes
do desenvolvimento tecnológico nacional. iniciativas, ainda não se alcançou um nível
Um exemplo emblemático refere-se à expe- satisfatório de interação entre os atores
riência pioneira da produção do Efavirenz envolvidos, notadamente entre indústria
pelo laboratório público Farmanguinhos da e institutos de pesquisa/universidades no
Fiocruz (em parceria com três empresas SNIS, de maneira a fortalecer a dinâmica
farmoquímicas nacionais), que serviu de base inovativa do CEIS, como evidenciado pelo
para que o Ministério da Saúde institucio- crescente déficit de sua balança comercial.
nalizasse, em 2009, uma política de desen- Adicionalmente, Costa et al. (2012)
volvimento produtivo, viabilizando parcerias chamam atenção para limitações viven-
similares com um marco legal mais estável. ciadas por instituições de regulação, a
Destaca-se, ainda, a consolidação da rede exemplo da ANVISA15, assim como para
nacional de laboratórios públicos com a cons- a necessidade de aprimoramento do marco
trução da Hemobrás em Pernambuco, do regulatório no que se refere às políticas
novo Instituto Nacional de Traumatologia e voltadas para o desenvolvimento produ-
Ortopedia (INTO) e do novo Campus tivo (uso do poder de compra do Estado,
Integrado do Instituto Nacional do Câncer transferência tecnológica, margem de
(INCA) no Rio de Janeiro, evidenciando a preferência). Nessa mesma linha, sugere-
mobilização do Estado no campo da se a revisão do papel da ANS no que se
inovação em saúde. refere à mediação dos interesses público-
Por fim, as vultosas compras públicas privados vigentes na agenda da saúde, no
de insumos de saúde para o funcionamento sentido de incentivar um padrão de
consumo em saúde que seja socialmente vertente social, mas não se limita a essa. O
inclusivo. CEIS, ao relacionar também a dimensão
Nesse contexto, o complexo mostra- econômica da saúde, revela seu caráter
se pouco articulado tanto com relação à sistêmico, apresentando potencial para a
base de conhecimento nacional – reconhe- superação da dicotomia observada entre a
cidamente forte na área da saúde – quanto lógica econômica e a sanitária.
para o desenvolvimento de um sistema Uma articulação virtuosa entre essas
nacional equânime e universal em saúde. duas dimensões, em especial considerando-
O que suscita, assim, a necessidade não se o caráter estratégico das tecnologias por
somente de se definir prioridades no ela relacionadas, pode orientar um padrão
fomento à competitividade das indústrias de inovação tecnológica, público e privado,
nacionais de saúde (que muito avançou que aproxime a produção das necessidades
nos últimos anos), como de se qualificar locais e que, adicionalmente, permita um
e intensificar as políticas e mecanismos salto qualitativo em um ambiente interna-
de fomento à capacidade produtiva e de cional extremamente competitivo.
inovação do CEIS. A ideia é conduzi-lo No entanto, na atualidade o CEIS
para patamares de maior densidade enfrenta um duplo desafio. Por um lado,
tecnológica e buscar uma produção que apesar de ter sido objeto de uma série de
seja orientada socialmente, retomando o programas de políticas públicas nos últimos
conceito de Furtado, para quem “desen- anos, a saúde ainda não é abordada integral-
volvimento” relaciona-se tanto com mente de forma sistêmica na agenda de
homogeneização social quanto com o desenvolvimento nacional. Por outro, sua
desenvolvimento de um sistema produtivo base produtiva ainda não apresenta uma
eficiente que apresente uma relativa auto- dinâmica inovativa capaz de torná-la compe-
nomia tecnológica (FURTADO, 1964). titiva em nível internacional, como se
Advoga-se, nesse sentido, pela supe- evidencia ao analisar a evolução da balança
ração da histórica polaridade moderni- comercial do CEIS. Cabe destacar que esses
zação-marginalização nacional (FURTADO, desafios não são exclusivamente relacio-
1964; A LBUQUERQUE , 2007; S ABOIA ; nados às indústrias desse complexo, mas
CARVALHO, 2007). De forma análoga, caso condicionam a capacidade do País para
o complexo da saúde não seja abordado universalizar de fato seu sistema de saúde.
de forma sistêmica e não se mediem os Para reverter esse quadro, é necessário
interesses sociais e econômicos, corre-se o adensar o conhecimento acerca da dinâ-
risco de se observar um crescente distancia- mica inovativa da base produtiva da saúde.
mento das indústrias da saúde em relação Nesse sentido, o arcabouço teórico do
aos princípios do SUS. SNIS constitui uma ferramenta conceitual
rica em perspectivas para nortear uma
Considerações finais agenda futura de pesquisa, com o intuito
de formular políticas públicas capazes de
A pertinência da utilização do arca- orientar socialmente o desenvolvimento
bouço teórico da economia política e do tecnológico e produtivo da saúde. A
instrumental dos sistemas de inovação na intensificação e qualificação do uso do
análise é evidenciada quando se busca um poder de compra do Estado, das parcerias
olhar sistêmico da saúde, que inclui a sua para o desenvolvimento produtivo, além
Notas
1
Neste artigo, as terminologias “complexo da saúde”, “complexo produtivo” ou “complexo
econômico-industrial da saúde” (CEIS) serão utilizadas como sinônimos ao se referirem ao
conjunto de segmentos produtivos (industriais e de serviços) que estabelecem uma relação
sistêmica entre si, envolvidos na prestação de serviços de saúde.
2
A retração do Estado e a falta de política industrial no período afetam todo o parque
produtivo brasileiro. Além disso, dado a saúde ser intensiva em tecnologias portadoras de futuro,
os efeitos deletérios da abrupta abertura comercial dos anos 1990 foram de grande alcance,
também no que diz respeito à competitividade internacional da economia brasileira.
3
De acordo com a prospecção do mercado farmacêutico desenvolvida pelo IMS Health
(2012), o gasto total dos países emergentes deve quase dobrar no período 2011-2016, passando
de US$ 194 bilhões em 2011 para US$ 359 bilhões em 2016 (no mesmo período, o mercado
brasileiro deve dar um salto de US$ 30 bilhões para US$ 55 bilhões).
4
Dados extraídos da apresentação institucional da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde (2009).
5
Disponível em: www.Pharmexec/article/article. Acessado em: 20/12/2011.
6
A concentração deste mercado é tamanha, que as vinte maiores empresas de equipamentos
e materiais médico-hospitalares respondem por cerca de 70% da produção em nível mundial
(THE WORLD MEDICAL MARKETS FACTS BOOK, 2010).
7
De acordo com Maldonado (2012, p. 6), “a década de 1990 foi marcada por transfor-
mações estruturais no funcionamento desta indústria [de equipamentos e materiais hospitalares]
em decorrência do processo de abertura comercial, o que significou uma crescente dependência
do País em relação às importações de equipamentos, sobretudo de maior densidade tecnológica”.
8
Segundo dados do IBGE (2012), a saúde respondeu por 8,8% do PIB em 2009; desses,
5,6% referem-se somente aos serviços.
9
Dados elaborados por GIS/ENSP/FIOCRUZ, 2012, a partir de dados da Rede Alice/
MDIC. Acesso em: janeiro/2012.
10
As características epidemiológicas da população apontam para significativas transformações
no que tange ao aumento de doenças crônicas.
11
O subfinanciamento da saúde, em especial, no que se refere à parcela de origem pública,
é incompatível em um país como o Brasil, onde 76% da população depende exclusivamente do
Sistema Único de Saúde e a participação pública nos gastos sanitários gira em torno de 46%
(GADELHA; COSTA, 2012). Este, inclusive, representa um dos principais desafios setoriais que
precisam ser vencidos para a superação da fragilidade do SUS.
12
A exemplo das características do sistema tributário nacional, da infraestrutura instalada, do
sistema educacional e sua consequências para a formação das competências nacionais, entre outros.
13
Outros autores já tinham delineado pistas teóricas nesse sentido, a exemplo de Hicks e Katz
(1996), ao apontar a existência de um sistema biomédico de inovação, e de Gelinjs e Roseberg
(1995), ao estudar interações entre universidades e indústrias na geração de inovações médicas.
14
A Lei no 12.349/2010, regulamentada pelo Decreto no 7.546/2011, que prevê margem de
preferência de até 25% para a compra a produtores nacionais (sendo possível considerar no
cálculo geração de emprego e renda, impacto na arrecadação de impostos, desenvolvimento
nacional), constitui um instrumento importante para materializar esse potencial.
15
O prazo médio de aprovação de um remédio por parte da Anvisa, afetada por uma estru-
tura de recursos humanos subdimensionada, chegou, no final de 2012, a 640 dias, contra um
máximo de 180 dias para produtos considerados como estratégicos nos Estados Unidos (O
Estado de São Paulo, 26/11/2012).
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