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VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL


 APELAÇÃO CÍVEL N.º 0169918-14.2011.8.19.0001
Desembargador CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA
______________________________________________________________

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. OPERAÇÃO “LEI


SECA”. RECUSA EM REALIZAR TESTE DE ALCOOLEMIA (BAFÔMETRO). AUSÊNCIA
DE INDICAÇÃO NO AUTO DE INFRAÇÃO DE SINAIS DE EMBRIAGUEZ. ART. 277,
CAPUT, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. NULIDADE DO AUTO.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REFORMA. Vigia à época dos fatos
narrados a redação dada pela Lei 11.275/2006 ao art. 277, caput, do Código de Trânsito
Brasileiro, a dispor que o condutor de veículo alvo de fiscalização seria submetido a exame
caso houvesse suspeita de ingestão de álcool. Contudo, no auto de infração impugnado, ou
em qualquer outro elemento dos autos, não há anotação de indícios nesse sentido, ao passo
que o art. 277, § 3º, do referido diploma (ao prever a penalidade a quem se recusar a
realizar o teste do bafômetro), deve ser interpretada em harmonia com o disposto no
caput. Por outro lado, sabendo-se que o ato administrativo tem presunção de veracidade e
legitimidade, com a indicação de sinais de embriaguez passaria a militar presunção em
desfavor do condutor, que poderia ser desfeita com a realização do teste de alcoolemia
(bafômetro). Mas diante da ausência de anotação dos referidos indícios, nenhuma
presunção foi feita contra o demandante. Finalmente, a recusa em realizar o teste é
legítima, diante do direito de não autoincriminação previsto no Pacto de San José da Costa
Rica, do qual o Brasil é signatário, não podendo ser aplicada penalidade pela simples
negativa de realização. Assim, diante da ausência de regularidade no auto de infração, e
sendo legítima a recusa em realizar o teste do bafômetro, mostra-se nulo o auto de
infração, devendo ser reformada a sentença. Precedentes. PROVIMENTO DO RECURSO.

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível
n.º 0169918-41.2011.8.19.0001, em que são Apelantes WALTER ALVES
SALDANHA e GUSTAVO TINOCO SALDANHA e Apelado
DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO –
DETRAN-RJ,

ACORDAM os Desembargadores da 22ª Câmara Cível do


Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em
conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do
Desembargador Relator.

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2013.

Desembargador CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA


Relator

Assinado em 21/08/2013 17:42:15


CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA:14053 Local: GAB. DES CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA
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VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
 APELAÇÃO CÍVEL N.º 0169918-14.2011.8.19.0001
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VOTO DO RELATOR

Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Ato


Administrativo. Alega o segundo autor que no dia 23/03/2011, por volta das
23:00 horas, conduzia veículo quando foi abordado por agentes públicos da
chamada “Lei Seca”. Aduz que no momento informou ao agente que havia
ingerido dois copos de cerveja no almoço, mas recusou-se a submeter-se ao
teste do bafômetro alegando direito de não autoincriminação. Afirma que não
foi apresentado o certificado de calibração do instrumento. Sustenta que foi
lavrado auto de infração, sendo assinalado erroneamente o consumo de duas
garrafas de cerveja. Alega que não foi declarado no ato que o condutor do
veículo apresentava sinal evidente de embriaguez, para configurar a
tipicidade do art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro. Aduz que apenas o
bafômetro poderia indicar que apresentava concentração de álcool no
sangue.

Quanto ao primeiro autor, alega ter recebido em sua


residência o auto de infração, responsabilizando-o pelo pagamento da multa,
sem direito a defesa prévia, apesar de no caso a infração dever ser apontada
somente ao condutor do veículo.

Pedem a declaração de nulidade do auto de infração


C33368716, excluindo-se os respectivos pontos na carteira de habilitação.

Sentença julgando improcedente o pedido, ao argumento de


que a recusa em realizar o teste do bafômetro enseja a autuação nos termos
do art. 277, § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro. Outrossim, conclui não
haver menção no auto de infração ao alegado consumo de duas garrafas de
cerveja, além de que os certificados de calibração estariam expostos no local.

Apelação alegando ser a sentença citra petita, pois se omitiu


quanto aos efeitos do auto de infração sobre o primeiro recorrente, pois no
caso a infração deveria ser imposta ao condutor do veículo, na forma do art.
257, § 3º, do CTB.

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Aduz, ainda, não ter recebido notificação para defesa prévia
na forma da lei, havendo jurisprudência no sentido de que são necessárias
duas notificações ao infrator para legitimar a imposição de penalidade de
trânsito. Reitera a tese inicial quanto ao direito de não autoincriminação,
legítima recusa em realizar o teste do bafômetro, ausência de prova de
calibração do aparelho e ausência de sinais evidentes de embriaguez.

É o breve relatório, decido.

A sentença merece reforma. Com efeito, o auto de infração é


nulo na hipótese, Contudo, antes cabe analisar certos pontos do recurso
posto à apreciação desta Corte.

Inicialmente verifica-se que a sentença realmente se omitiu


quanto à impugnação à imposição da infração ao primeiro autor,
caracterizando-se citra petita. Com efeito, não houve qualquer
pronunciamento com relação a este tema, restando incontroverso nos autos
que quem conduzia o veículo era o segundo autor (fl. 41), mas quem foi
considerado responsável foi o primeiro demandante (fl. 12).

Não obstante, a apreciação incompleta do pedido pelo juízo a


quo não acarreta a nulidade do julgado. Isso porque o tribunal pode, no
julgamento do recurso, apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no
processo, ainda que a sentença não as tenha julgado, conforme previsão
expressa do art. 515, §1º, do Código de Processo Civil.

E sob essa ótica, no caso a multa deveria ser de fato


imputada ao condutor do veículo (segundo autor), e não ao proprietário
(primeiro autor), na forma do art. 257, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro,
verbis:

Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao


embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e
deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste
Código.
(...)
§ 3º Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos
praticados na direção do veículo.

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Contudo, essa questão afigura-se desinfluente no caso, posto
que o auto de infração é nulo, conforme será demonstrado ao longo deste
voto.

Prosseguindo, outro ponto alegado pelos demandantes foi


que o condutor teria informado, no momento da abordagem na chamada
“Operação Lei Seca”, que apenas teria ingerido dois copos de cerveja, ao
passo que o agente público teria anotado no auto de infração a ingestão de
duas garrafas de cerveja.

Não se verifica, contudo, nenhuma anotação neste sentido


nos documentos de fls. 12 e 41.

Por outro lado, quanto à suposta ausência de certificado de


calibração do aparelho etilômetro (“bafômetro”), note-se que o autor apenas
alegou na inicial que o mesmo não lhe foi apresentado, situação diversa de
afirmar não haver certificado de calibração no local da operação.

E sob essa ótica, o documento de fl. 42 informa ser norma


padrão que todos os certificados fiquem expostos no local. Trata-se de
informação absolutamente verossímil, ao passo que a tese inicial, quanto a
este ponto, se mostra desprovida de embasamento probatório.

Já quanto à alegada necessidade de duas notificações para


aplicação da penalidade, é certo que o Superior Tribunal de Justiça já
pacificou referido entendimento, consoante súmula 312, verbis:

Súmula: 312
No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as
notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.

Contudo, no caso restou incontroverso que a autuação foi


presencial (apesar da ausência de assinatura no auto), ao passo que a
infração diz respeito exclusivamente ao condutor do veículo (conforme já
mencionado art. 257, § 3º, do CTB). Logo, não houve óbice à apresentação
de defesa prévia, ratio para exigência da dupla notificação, na forma do art.
280 do diploma mencionado.

Assim, não há irregularidades quanto a este ponto.

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Finalmente, adentrando no ponto central da controvérsia, não
há dúvidas que o advento da Lei 11.705/2008 (chamada “Lei Seca”), veio a
positivar interesse coletivo pela redução dos acidentes de trânsito decorrentes
da ingestão de álcool.

Com efeito, o número de acidentes desta natureza atingiu


níveis considerados alarmantes nas últimas décadas, traduzindo-se em
verdadeira questão de saúde pública, de modo que a repercussão social
conduziu à reformulação da lei de trânsito para endurecer a punição aos
condutores de veículos sob ingestão de álcool.

Entretanto, o relevante interesse na diminuição dos acidentes


de trânsito causados pela embriaguez não pode superar as formalidades
mínimas quando da imposição da penalidade pertinente. Aqui, não há
dúvidas, a atuação administrativa continua a ter a obrigação de respeitar a
legalidade e os princípios administrativos, sob pena de nulidade.

Nesse sentido, verifica-se que o art. 277, caput, do CTB (com


redação dada pela Lei 11.275/2006), previu que todo condutor de veículo que
for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob influência de
álcool, será submetido a exames para certificar seu estado.

A propósito:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que
for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool
será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por
meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam
certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)

Referida artigo foi modificado pela Lei 12.760/2012


justamente para retirar a expressão “sob suspeita de dirigir sob a influência de
álcool”. Mas na época dos fatos narrados, referida exigência ainda estava em
vigor.

Ad argumentandum, poder-se-ia mesmo discutir se a


modificação da lei permitiria ao agente administrativo, ao seu arbítrio,
entender pela submissão de condutor a exames mesmo sem haver suspeita
de ingestão de álcool. Com efeito, as condutas dos agentes administrativos

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devem se pautar pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade, não
possuindo substrato em autorizações legislativas “em branco”.

Mas não obstante, estando vigente no caso em tela a


exigência legal de suspeita de dirigir sob a influência de álcool, extrai-se
que no documento de fl. 41 não há absolutamente nenhuma anotação nesse
sentido.

Com efeito, na lavratura do auto de infração não houve


qualquer anotação de sinais de embriaguez, sejam físicos, seja até pela
presença de recipientes de bebida no interior do veículo.

Note-se, o ato administrativo tem presunção de veracidade e


legitimidade e caso houvesse anotação no auto de infração de sinal de
embriaguez, essa presunção existiria em desfavor do condutor.

Contudo, ausente indicação neste sentido, não se pode


aplicar a penalidade tão somente pela recusa em realizar o teste do
bafômetro. Ora, é assegurado aos indivíduos o direito de não produzir prova
contra si mesmo, direito previsto no Pacto de San José da Costa Rica (do
qual o Brasil é signatário).

Portanto, sequer há que se alegar que o segundo autor


deixou de infirmar presunção que militava em seu desfavor ao se recusar a
realizar o teste do bafômetro, pois diante da ausência de qualquer anotação
de indícios de embriaguez, não havia nenhuma contra si.

E quanto ao teor do § 3º do art. 277 (ao dispor que serão


aplicadas as penalidades de direção sob influência de álcool a quem se
recusar a submeter-se aos exames pertinentes), lembre-se que por regra de
hermenêutica os parágrafos devem ser interpretados em consonância com o
caput, que, reitere-se, estabeleceu como verdadeiro pré-requisito a suspeita
de ingestão de álcool ao dirigir.

Portanto, não obstante a relevância dos programas públicos


destinados à redução dos acidentes de trânsito, o auto de infração objeto da
lide carece de regularidade formal. Assim, diante da nulidade, deve ser
excluída a respectiva pontuação na carteira de habilitação.

A propósito, vide os arestos a seguir:

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0115251-78.2011.8.19.0001 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. MARCOS ALCINO A
TORRES - Julgamento: 21/02/2013 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL

Apelação. Ato administrativo. Direito do trânsito. Aplicação das sanções e medidas


do art. 165 do CTB (multa, suspensão do direito de dirigir e retenção do veículo)
ao condutor que, alvo de fiscalização policial, recusou-se a submeter-se a exame
de alcoolemia, vulgarmente chamado de "teste do bafômetro". A incidência do § 3º
do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual determina a aplicação dessas
penalidades ao condutor recalcitrante, estava limitada, antes do advento da Lei nº
12.760/2012, à condição de estar ele "sob suspeita de dirigir sob a influência de
álcool". Não podendo haver na lei expressão inútil ou inócua, essa cláusula impunha
à polícia de trânsito o ônus de, no mínimo, relatar pormenorizadamente as razões
por que suspeitava do condutor. Ainda que a referida suspeita envolva juízo
consideravelmente subjetivo, e portanto discricionário, daí não segue que possa ser
infundada. Na míngua de quaisquer elementos que permitam sequer indicar razões
que justificassem pesar sobre o apelante a suspeita de embriaguez, o ato deve ser
declarado nulo, porque praticado fora dos limites que a lei atribui ao poder de
polícia de trânsito. Provimento do recurso.

0194642-19.2010.8.19.0001 - 2ª Ementa - APELACAO DES. CRISTINA TEREZA


GAULIA - Julgamento: 21/08/2012 - QUINTA CAMARA CIVEL

Apelação cível. Ação anulatória c/c indenizatória por danos morais. Autuação por
infração de trânsito. Alegada embriaguez ao volante. Poder de polícia em defesa
da coletividade. Recusa do motorista em realizar o teste de alcoolemia (bafômetro)
que permite a aplicação de penalidade, desde que constatada a embriaguez. Direito
garantido ao cidadão de não fazer prova contra si mesmo. Inteligência do Pacto de
San José da Costa Rica. Constatação que demanda cumprimento de formalidades,
devendo ser descritos os índices de possível embriaguez. Aplicação dos arts. 165,
276 e 277 do CTB (redação dada pela Lei nº 11.705/08), bem como do art. 2º e
anexo da Resolução CONTRAN nº 206/06. Descumprimento que importa em
invalidade do auto de infração. Inexistência de danos morais. Ausência de comprovação.
Ônus do autor, na forma do art. 333, I do CPC. Sucumbência recíproca. Reforma, em
parte, da sentença. Provimento parcial do recurso.

Diante da reforma do julgado, condeno o réu nos ônus de


sucumbência, devendo ressarcir as despesas adiantadas pelos autores, na
forma do art. 17, § 1º, da Lei 3.350/99:

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“A isenção prevista neste artigo não dispensa as pessoas de direito público interno,
quando vencidas, de reembolsarem a parte vencedora das custas e demais despesas que
efetivamente tiverem suportado”.

Honorários advocatícios arbitrados equitativamente em R$


500 (quinhentos reais).

À conta desses fundamentos, voto no sentido de dar


provimento ao recurso, para declarar nulo o auto de infração
C33368716, com a exclusão das penalidades dele decorrentes.
Sucumbência pela parte ré.

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2013.

Desembargador CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA


Relator

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