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O objetivo desta nota é discutir a política fiscal num contexto em que o produto é
determinado pela demanda efetiva e a taxa de juros é exógena.
Vimos que a política monetária não afeta os investimentos diretamente. Além disso, o
efeito de baixar os juros pode não estimular o consumo e/ou o investimento residencial
se as pessoas já estiverem muito endividadas. Pode acontecer somente uma rolagem da
dívida. O efeito da política fiscal é muito mais direto quando se dá via aumento do gasto
do governo, pois esse aumenta diretamente a demanda agregada. Já corte nos impostos
ou transferências são mais incertas. Mesmo assim, na economia heterodoxa, como não
existe a idéia de crowding-out, a política fiscal no longo prazo tende a ser muito
importante.
Será suposta uma economia fechada na qual há somente dois agentes consolidados – o
governo e o setor privado. Nessa economia, o dispêndio nominal do governo pode ser
dividido entre gastos diretos, que corresponde ao investimento e consumo do governo
(este último compreende a aquisição direta de bens e serviços e o pagamento de
salários), e as transferências para o setor privado (que consistem da transferência em
geral, tal como subsidio, pensões, etc, e a transferência de juros pelo pagamento do
serviço da divida liquida do governo).
O governo cobre essas despesas de três maneiras: coletando impostos (tributação bruta),
emitindo moeda (variação da base monetária) e emitindo nova divida com o setor
privado (variação da divida liquida).
–
–
(2)
–
–
(3)
O conceito mais simples, de déficit (ou superávit ) primário consiste na relação entre os
gastos do governo e transferências (exceto juros) menos a arrecadação de impostos, em
determinado período: G + F0 – T. Assim, se a soma dos gastos do governo com as
transferências excedem a arrecadação de impostos, o governo têm um déficit primário;
se ocorre o contrario, superávit primário.
O déficit público pode ser medido acima e abaixo da linha. O conceito de déficit público
acima da linha mede a relação entre os fluxos de caixa de entrada e saída, portanto, um
conceito de fluxos. Refere-se ao lado esquerdo da equação 3. Nesse caso, se os fluxos
de saída (gastos e transferências, inclusive juros) forem maiores (menores) que os
fluxos de entrada (impostos), dizemos que o governo está em déficit (superávit).
Olhando para o lado direito da equação, temos o conceito de déficit público abaixo da
linha. Ou seja, olhando do ponto de vista de como o déficit é financiado, mostra a
emissão de divida e a emissão de moeda.
Isso porque quando a inflação - o crescimento dos preços durante o período – tem o
efeito de decrescer o valor real do estoque inicial de certo montante. Então é preciso
subtrair esse montante do valor real do estoque existente no inicio do período, para
obter o valor real de estoque no final do período.
Como
! "
No caso, como pode ser observado acima, quanto maior a inflação, maior a perda de
valor do estoque inicial. Assim, a existência de inflação diminui o valor do estoque
inicial de moeda e isso tem que ser contabilizado para a mensuração correta do déficit
público. Temos assim a variação do fluxo, substituindo a perda de valor na equação
original.
(5)
Podemos aplicar o mesmo raciocínio para o estoque de dívida liquida do governo junto
ao setor privado. Essa variação no fluxo real de dívida tem que ser dividido entre a
variação do estoque da divida e desvalorização do estoque inicial de dividas se houver
elevação do índice de preços:
# # # # #
(6)
Comecemos pelos conceitos de déficit nominal, supondo que houve mudança no índice
de preços no período da variação dos estoques. A medida nominal é o modo tradicional
de medir o déficit e muitas vezes é chamado de Necessidade de financiamento do setor
publico (NFSP), sendo utilizado por diversos países e organismos internacional (como o
FMI, por exemplo) e que aparece em diversos livros texto de economia. Essa medida
consiste em simplesmente dividir a equação (3) pelo nível de preços para chegar ao
conceito de NFSP:
$%& ' (# # #
(7)
Acontece que este método tem problemas em economias em que há variação no nível de
preços durante o período em que o fluxo é medido. Vendo pelo lado acima da linha, a
NFSP é maior que a soma de gastos com transferências com juros reais menos impostos
e essa diferença é função crescente da taxa de inflação. Isso ocorre porque o valor da
correção monetária dos juros nominais é contabilizado como gasto liquido.
Vendo pela ótica abaixo da linha, vemos que NFSP também é maior que a variação real
da divida e base, e essa diferença é crescente com inflação. Isso acontece porque a
NFSP abaixo da linha mede fluxos reais de divida e moeda e não a variação real dos
estoques. Logo, NFSP não é conceito relevante para economia inflacionaria.
O Conceito de déficit operacional emerge da compreensão que não podemos
contabilizar o fluxo real da correção monetária dos juros nominais como um gasto
liquido, pois ele possui contrapartida automática do lado da receita. Para medir o Déficit
operacional, basta passar termo de desvalorização da divida do lado direito para o
esquerdo. O conceito de déficit operacional considera então somente o pagamento de
juros reais excluindo a correção monetária. Mas este conceito corrige apenas
parcialmente as deficiências do NFSP, ao contabilizar a desvalorização da divida
publica como um ganho de capital, porém ignora o ganho com a desvalorização do
estoque de moeda:
Assim, o conceito de déficit real, quando medido abaixo da linha mostra as variações
reais do estoque de moeda e divida, e acima da linha, o fluxo de gastos menos receita
bruta de impostos.
Por fim, podemos pensar como seria o conceito de déficit para uma economia aberta:
Para simplificar, vamos pensar no caso em que não há moeda e portanto, só há variação
da dívida. Uma segunda hipótese simplificadora é que todo o endividamento é externo,
feito em moeda estrangeira.
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Isso é importante para entender países como o Brasil, em que medido pelo NFSP o
déficit muitas vezes quando houve inflação foi alto, assim quando houve desvalorização
da moeda e aumento das taxas de juros internacionais.
A teoria das finanças funcionais se inicia com a obra de Abba Lerner, e tem como
outros expoentes Vickrey e mais recentemente Randall Wray e seus seguidores de
Kansas City.
2.1 Três pilares teóricos das Finanças Funcionais
Lerner parte da idéia de demanda efetiva para dizer que o governo tem controle sobre o
nível de gastos agregados e pode evitar que a economia passe por ciclos econômicos, e,
assim, situações de desemprego e inflação de demanda. Ou seja, o governo tem
instrumentos para gastar e/ou induzir os gastos privados e alcançar um montante de
demanda agregada que gere um nível de produto compatível com o produto de pleno
emprego1.
Esses instrumentos fiscais são exaustivos, ou seja, incluem tudo que governo pode fazer
para influenciar o nível de gasto total. Segundo Lerner, o melhor é analisar cada
instrumento separadamente, pois o habito de considerar instrumentos fiscais em
combinação só confunde. Por exemplo, considerar conjuntamente taxação com gasto
(ou seja, focar no déficit ou no superávit) como medida de estimulo ou desestimulo a
demanda agregada. Quando queremos saber qual o impacto do uso do instrumento,
devemos considerar o instrumento em separado.
1
Para Lerner, pleno emprego é a situação em que os que querem trabalhar a certa taxa de salário
conseguem achar emprego sem muita dificuldade. Porém, com o tempo, Lerner faz uma distinção entre
duas possibilidades de Pleno Emprego: o baixo pleno emprego (Low Full employment), que seria um
nível de emprego mais baixo que começa a desencadear um processo de inflação devido ao aumento do
poder de barganha dos trabalhadores e o alto pleno emprego (High Full employment) que seria o pleno
emprego decorrente da escassez de trabalhadores a um dado salário. Assim, o primeiro conceito de refere
a um excesso de demanda dos trabalhadores enquanto o segundo se refere a um excesso de demanda pelo
fator trabalho.
Além do principio da demanda efetiva, Lerner também segue a idéia da teoria da
moeda estatal, ou seja, de que o governo sempre tem como emitir sua própria moeda
no montante necessário para alcançar o nível de gastos compatível com o pleno
emprego.
Além disso, do ponto de vista lógico o Estado não precisa arrecadar tributos para poder
gastar, pois emite sua própria moeda. Na verdade, a causalidade lógica é contrária: o
setor privado só poderá pagar tributos na moeda se esta for criada pelo Estado. Se o
Estado não criar moeda, o setor privado não terá moeda estatal para pagar os tributos.
Outro ponto é que a moeda só é Estatal e aceita pelo setor privado porque ela é a moeda
que é utilizada para pagar tributos. Ou seja, a maneira do Estado legitimar sua própria
moeda é garantir com que ela seja demandada pelo setor privado, como a única forma
de quitar suas obrigações (tributos) com o Estado. Com isso, o Estado força o setor
privado a realizar operações e exigir o pagamento na moeda estatal, pois só com esta é
que o setor privado poderá pagar suas obrigações tributárias com o Estado.
A terceira idéia presente na teoria das finanças funcionais é que governo consegue
fixar autonomamente a taxa de juros.
Muitos economistas acreditam que caso o Governo não consiga arrecadar o suficiente
para cobrir seus gastos e transferências, precisa tomar emprestado (emissão de títulos)
para poder gastar. Mas como vimos, na verdade o governo precisa apenas emitir moeda
para poder gastar, e desse ponto de vista não haveria necessidade de emitir títulos se o
intuito é de apenas arrecadar dinheiro para poder gastar. Mas, então, por que o governo
se endivida se não precisa desse dinheiro para poder gastar?
A resposta é que a emissão de títulos é importante pois é o instrumento utilizado pelo
governo para controlar a taxa de juros (básica) da economia. A idéia é de que o Governo
consegue fixar autonomamente a taxa de juros paga por seus títulos. E ao emitir e
comprar títulos públicos junto ao setor privado, o governo controla a taxa de juros paga
por esses títulos, que é uma base importante sobre todas as outras taxas de juros da
economia. Segundo Lerner, com o controle da taxa de juros o governo consegue
influenciar uma parcela dos gastos privados, o gasto em investimento.
Como o governo controla a taxa básica de juros? Podemos pensar que a moeda é um
título com taxa de juros igual a zero. Esse título, assim como a moeda, só pode ser
emitido pelo Estado (ou seja, o Estado tem o monopólio de emitir moeda e títulos
públicos). Além disso, os títulos públicos são denominados na moeda estatal, ou seja,
eles prometem pagar o principal mais os juros na moeda estatal. Como o Governo não
quebra em sua própria moeda, não há motivo para haver calote no pagamento dos títulos
públicos, portanto o título público é o ativo que rende juros com o menor risco da
economia.
Assim, quando há um déficit, como vimos, há na prática automaticamente criação de
moeda na economia. A moeda, ao contrário dos títulos, é um ativo que não rende juros.
Assim, quando aumenta o estoque de moeda nas mãos do setor privado, uma boa parte
do setor privado irá querer alocar essa moeda de uma maneira que renda alguma taxa de
juros. No caso dos Bancos isso é mais claro, pois os Bancos não querem manter
reservas bancárias ociosas que não rendam algum tipo de juros. Dessa maneira, o
Governo emite títulos públicos fixando a taxa de juros que ele quer pagar por seus
títulos e os vende para o setor privado. É importante dizer que o governo deve comprar
e vender qualquer quantidade de títulos demandadas pelo setor privado, para poder fixar
o preço desses títulos (que é a taxa de juros). Nota-se que o que ocorre nessa operação é
tão simplesmente a mudança “abaixo da linha” na equação (2), ou seja, mudança na
composição de estoque de dívida e de moeda (base monetária) do governo.
Dessa forma o governo estabelece a menor taxa de juros como alternativa à moeda (que
não rende juros), e dessa maneira os bancos (e o setor privado em geral) irão emprestar
para o governo à essa taxa de juros, e só emprestarão para o setor privado cobrando
taxas de juros mais altas. Esse é o mecanismo utilizado pelo governo para controlar a
taxa de juros básica da economia, que irá influenciar todas as outras taxas de juros da
economia (por exemplo, de empréstimos para compra de bens duráveis, automóveis,
imóveis, etc).
Concluindo, a emissão de títulos públicos (endividamento do governo) decorre da
prática do governo de controlar a taxa básica de juros da economia e fazer política
monetária, e não da necessidade de arrecadar fundos para poder gastar (política fiscal).
A abordagem das Finanças Funcionais diz que cada instrumento na mão do governo
deve ser julgado não por alguma regra tradicional, mas da maneira como funciona em
favor do interesse geral e contribui para prevenir situações de inflação de demanda ou
desemprego.
Assim, o governo ao definir qual será o nível de impostos o faz pensando no efeito
sobre o nível geral de gastos, mas também pode levar em conta seus aspectos
distributivos.
Dessa maneira, desfaz-se a idéia convencional de que governo toma emprestado para
poder gastar. Na verdade, o governo precisa apenas emitir moeda para poder gastar, e
desse ponto de vista não haveria necessidade de emitir títulos. Mas a emissão de títulos
é importante pois é o instrumento utilizado pelo governo para controlar a taxa de juros e
uma parcela do gasto privado.
Se emissão de moeda levaria a muita liquidez e taxa de juros fica muito baixa, governo
pode preferir emitir divida. É comum ver economistas com medo sobre o crescimento
da divida interna e fazer analogia com divida pessoal. Mas não há motivo para
preocupação, pois na dívida interna nós devemos para nós mesmos.
Assim, conclui Lerner que as Finanças Funcionais não interferem com outros objetivos
governamentais. Na verdade, finanças funcionais devem ser a ultima coisa que governo
deve pensar. Ele tem que pensar no que deve gastar, quais grupos deve taxar, para quem
deve transferir, etc. E aí se preocupar em manter nível de gastos que evite recursos
ociosos ou inflação. Isso não quer dizer que deve-se abandonar a medição do
orçamento, pelo contrario. Orçamentos são úteis, pois mostra como os gastos estão
alocadas nos gastos totais e quem esta sendo tributado. Lerner defendia que o dinheiro
da sociedade deveria sim ser fiscalizado e gasto de modo planejado, e o orçamento
ajuda nesse quesito.
Para Vickrey, só tem uma maneira de fechar esse hiato entre ativos líquidos desejados e
efetivos: a emissão de divida pelo governo. Pois não há outra forma de mudar a
detenção total de ativos líquido do setor privado. Um individuo só pode aumentar sua
detenção de ativos líquido se outro deseja diminuir, pois o setor privado é incapaz de
criar ativos líquidos. Logo, não há outra solução a não ser aumento da divida do
governo.
Com base nas finanças funcionais discutidas na seção 2, a política fiscal deve ser
julgada pelo seu impacto sobre a economia. O governo não é um agente qualquer, pois é
o único que é independente para gerar poder de compra, o que é muito importante numa
economia como a capitalista que tem deficiência de demanda agregada. A
responsabilidade do governo é não misturar a lógica privada (ou mesmo para unidades
dentro do governo) com a lógica do total do governo.
É muito comum ver economistas que acreditem que só um déficit público seria
expansionista, não adiantando nada um aumento dos gastos que fossem compensados
com um aumento proporcional nos impostos. Isso porque havia uma idéia de que o
gasto publico, para resolver o problema do desemprego, deve ser gasto deficitário e não
balanceado. Ou seja, acreditava-se que o déficit publico era medida adequada da
contribuição do governo a demanda agregada. Além disso, acreditava-se também que o
déficit é um objeto de escolha do governo. Essas duas idéias se mostraram equivocadas.
A idéia bem simples de Haavelmo é separar o efeito dos gastos sobre a renda agregada,
por um lado, e por outro o efeito dos impostos sobre a renda disponível. Sabe-se que o
aumento do gasto público, de maneira independente, tem efeito expansionista sobre a
renda agregada no mesmo montante em que foi feita, pois tal gasto será feito junto ao
setor privado dessa economia, na compra de bens e serviços nesse montante.
Porém, a renda disponível, que é a renda menos o montante de impostos acrescida das
transferências governamentais ao setor privado, tem sua importância sobre o efeito
secundário desses gastos, pois o consumo é função da renda disponível. Se o aumento
dos gastos aumenta a renda agregada em dG, e se o nível de impostos aumenta em dT, e
se o orçamento tem que ser equilibrado dG tem que ser igual a dT, temos como
corolário que a renda disponível se manterá constante, pois o aumento da renda
agregada foi diminuída pelos impostos no mesmo montante. Ou seja, no caso do
orçamento equilibrado não há nenhum efeito secundário, ou seja, nenhum efeito
multiplicador, do aumento dos gastos, restando ao aumento da renda agregada como um
todo o efeito primário do aumento do gasto.
Assim, o teorema de Haavelmo mostra que em uma economia fechada e com governo,
caso haja uma expansão dos gastos com orçamento equilibrado, esse resultado é
expansionista sobre o produto.
Supondo que a demanda efetiva (isto é, a demanda agregada aos preços normais ou “de
oferta”) determina o produto, temos que em equilíbrio o produto é igual a soma do
consumo , investimento e gasto público:
(1)Y=C+I+G
Como o total de gastos determina a renda agregada temos também que a renda é igual a
renda disponível do setor privado mais o total de impostos:
(2)Y=YD+T
(3) C=f(YD)
Suponha que houve um aumento dos gastos e um aumento simultâneo dos impostos
(por exemplo do IPTU, que é um imposto 'autônomo') do mesmo montante, X:
(4) ∆G = ∆T = X
(5) ∆Y=f´(X - X) +X
O que ocorre é que o aumento do gasto público aumenta diretamente a demanda efetiva
e o produto no mesmo montante. A renda da economia aumenta no mesmo montante
mas a renda disponível do setor privado não aumenta pois por hipótese os impostos são
aumentados no mesmo montante em que a renda aumentou. Por isso o multiplicador do
gastos é apenas um. O gasto público gera demanda primária, mas não gera consumo
induzido extra já que a taxação impede que a renda disponível aumente.
Para Keynes o déficit de pleno emprego deveria ser zero. O déficit de pleno emprego é
definido como o déficit que ocorre quando a economia se encontra no pleno emprego:
G - tY > 0 se Y<Y*
G - tY < 0 se Y>Y*
Assim, o déficit efetivo ficaria oscilando em torno do déficit de pleno emprego. A idéia
era que o déficit público fosse aquele que não gerasse inflação no pleno emprego nem
desemprego na recessão.
Abba Lerner concordava que o déficit relevante era o déficit de pleno emprego. Porém,
para Lerner essa meta de déficit de pleno emprego igual a zero tem um problema.
Suponha que se queira que o nível de demanda agregada gere um produto igual ao
produto potencial (isto é, Y = Y*). Assim,
Y* - (C(Y*) + G + I) = 0
S* - I = G
Sendo a poupança privada potencial igual a renda disponível (quando o produto é igual
ao potencial) que não é consumida pelo setor privado: Sp* = YD* - C
Temos que:
Sp* - I + Sg* = 0
Assim, o déficit de plena capacidade (G - tY*) para Lerner deveria ser igual a
diferença entre a poupança potencial privada e o investimento (S*p – I). Então para que
o déficit não gere nem inflação nem recessão este deve ser aquele que compense o
excesso de poupança privada sobre o investimento privado. Qualquer déficit abaixo
desse será recessivo. Isto é, se o setor privado tem um superávit, ele ganha mais do que
gasta então o setor público deve ter um déficit, gastando mais do que ganha.
Como é muito comum nas economias capitalistas que haja no setor privado uma
propensão média a poupar (S/Y) crescendo mais do que a propensão média a investir
(I/Y) é provável que se tenha que ter um déficit permanente. Essa conclusão levou então
ao surgimento da discussão de como financiar esse déficit permanente.
Conforme vimos, financiar o déficit por emissão monetária não vai causar inflação pois,
por definição, o déficit de pleno emprego é aquele que não causa inflação. Lerner era
então favor de financiar com emissão monetária o quanto possível e baixar os juros para
não explodir o serviço da dívida. O problema é que para isso funcionar é preciso supor
que a moeda é exógena. Na verdade, o governo fixa a taxa de juros e o setor privado é
quem vai decidir em última instância quanto vai ser financiado por dívida ou moeda.
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, , ,
Sendo o PIB hoje igual o PIB do período anterior vezes seu crescimento:
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Temos que:
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4 5
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1
Porém, se a taxa real de juros é maior que a taxa de crescimento do PIB, temos uma
tendência instável para a relação divida/PIB (supondo que o superávit primário/PIB é
zero). Caso o governo queira impedir a expansão da relação divida/PIB, ele precisa
fazer superávits primários em magnitude suficiente.
A discussão sobre o fardo da dívida (em inglês, burden of the debt) existe há muito
tempo. Domar em 1944 escreveu um artigo sobre esse tema que deu origem a uma
grande discussão sobre qual seria o sacrifício de uma divida publica maior em relação
ao PIB. Para Domar, o fardo da dívida, se é que há algum sentido nesse termo, tem que
ser pelo aumento dos impostos que deve ser necessário para pagar os serviços da dívida.
Ou seja, a hipótese é que o nível de impostos adicional deve ser igual aos juros pagos
pela divida.
Nesse caso, o que acontece é que a divida não cresce pela taxa de juros, uma vez que
todo o juros pago tem um correspondente em aumento de impostos.
Logo:
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, 9 9
&
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Nesse caso, sustenta Domar, se há taxa de crescimento positivo do PIB (g>0) temos
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estabilidade da relação divida/PIB, mesmo que tenha déficit primário ( ).
;
Abba Lerner diz que mesmo que a taxa de juros seja maior que a taxa de crescimento do
PIB, não tem importância pois a divida não tende a crescer indefinidamente. Afinal, se
finanças funcionais forem aplicadas, existirá um limite para a divida definido pelas
condições da economia, um limite natural. Lerner acreditava que esse limite natural
ocorreria pelo fato da divida significar riqueza nas mãos de seus detentores, e essa
riqueza poderia estimular os gastos privados em bens de consumo até o ponto em que
não fosse mais necessário o aumento do gasto do governo, quando a economia atingisse
o pleno emprego2. Assim, como evitar desemprego/inflação de demanda é um problema
objetivo, o governo faz déficits enquanto a economia não alcançar o produto de pleno
emprego.
Patra tanto, Lerner parte do fato de que o déficit de pleno emprego é igual à diferença da
poupança privada sobre os investimentos.
C = f(YD) = f(crB-1)
nesse caso a poupança privada não vai necessariamente aumentar na mesma proporção
do déficit. Porém como o próprio déficit de plena capacidade é medido em função da
relação entre poupança privada e investimento, o que acontece é uma diminuição desse
2
Segundo Lerner, também existiria um limite ao tamanho do estoque de moeda, devido ao efeito liquidez
e ao efeito renda. Se o governo financia déficit por moeda, ocorre uma diminuição na taxa de juros, um
aumento do investimento, além do efeito riqueza sobre os gastos em consumo, aumentando a demanda
efetiva de forma a atingir o produto de pleno emprego. Nesse ponto, não haveria necessidade de aumento
dos gastos, aí governo para de emitir moeda.
déficit. Dessa forma, não se pode considerar um déficit constante pois ele está sempre
mudando para se igualar à diferença entre poupança privada e investimento.
Ou seja, dado crescimento e relação divida-pib sustentavel, juros mais baixos levarão a
carga tributaria menor. Assim, é teoricamente possível que taxa de juros seja menor que
a taxa de crescimento persistentemente.
Nesta visão está implícito que a taxa de juros é independente da relação divida/PIB.
Governo pode então escolher i baixo para diminuir carga tributaria para dado
crescimento, reduzindo o fardo dos impostos. E o alivio fiscal vai depender do tamanho
da divida.
Ciccone segue a teoria de que a demanda efetiva vale no longo prazo e abandona a idéia
de posições naturais; Assim, o nível de longo prazo do Gasto do governo é importante
para o nível de produto de longo prazo.
A idéia de utilizar o superávit primário para diminuir a relação divida/PIB pode não dar
certo pois o superávit primário pode influenciar nos dois termos da relação divida/PIB.
Por um lado, o superávit diminui o endividamento, por outro diminui o nível do PIB.
Assim, é preciso avaliar sob quais condições variação do déficit publico aumenta ou
diminui a relação divida/PIB.
Para que a relação divida/PIB diminua, é necessário que a taxa de crescimento da divida
seja maior que a taxa de crescimento do PIB.
+# +;
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# ;
Vamos supor que a política de superávit primário seja feita diminuindo o gasto do
governo, mantendo constante a arrecadação de impostos. A diminuição do gasto do
governo leva a uma diminuição da divida em igual magnitude: +6 +8. Pelo lado da
demanda agregada e produto, a diminuição do gasto leva a uma diminuição do produto
+=
igual a +9
>
?
Assim, substituindo:
+
+ 3 @
<
,
A 3 @
,
+# +; #
Logo : < se A 3 @
# ; ;
Ou seja, a política de cortar gastos para obter um superávit primário objetivando reduzir
a divida PIB só terá efeito se a relação divida PIB for menor que o inverso do
multiplicador dos gastos.
Assim, se a divida inicial é grande, é mais provável que o superávit leve a aumento na
relação divida/PIB; se multiplicador é grande, é mais provável que superávit primário
leve a aumento na relação divida/PIB. Assim, países como Itália que tem divida inicial
alta e multiplicador alto, é melhor não fazer superávit primário para controlar a relação
divida/PIB, pois esta provavelmente aumentará.
Bibliografia Sugerida
ASPROMOURGOS , T. White, G. & Rees, D. (2010) “Public Debt Sustainability and Alternative
Theories of Interest”, Cambridge Journal of Economics, Vol. 34, Issue 3, pp. 433-447, 2010
BASTOS, C. P. M. ; SERRANO, F . O conceito apropriado de déficit público sob inflação. In: XVII
Encontro Nacional de Economia - ANPEC, Fortaleza, 1989.
CARLIN & SOSKICE New Keynesian Macroeconomics: Imperfections, information and
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CARVALHO, Fernando J. Cardim de (2008). "Equilíbrio fiscal e política econômica
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CICCONE, R. (2008) “Deuda pública, demanda agregada, acumulación: un punto de vista
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to full employment and price stability" in Warner, A., Forstater, M. and Rosen, S.
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KALECKI, M. (1983) [1937], "Uma teoria da tributação da mercadoria, da renda e do capital" in
Kalecki, M. Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, Hucitec, São Paulo, 1983.
KALECKI, M. Aspectos políticos do pleno emprego in Kalecki, M. Crescimento e Ciclo das
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LERNER, A. P. (1951). Economics of Employment. New York: MacGraw-Hill Company.
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