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ISSN: 1413-7704
ISSN: 1980-542X
EdUFF - Editora da UFF
Cazetta, Felipe
"Pátria-Nova e Integralismo Lusitano" propostas
autoritárias em contato por meio de revistas luso-brasileiras
Tempo, vol. 24, núm. 1, Janeiro-Abril, 2018, pp. 41-54
EdUFF - Editora da UFF
DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2018v240103
Artigo
projetos, estabelecem contatos entre si, com o intuito de
estreitar relações ou, ao menos, apresentar os aspectos
DOI: 10.1590/TEM-1980-542X2018v240103
41-54
A situação do conservadorismo monárquico luso-brasileiro nos
primeiros anos do século XX
A
abertura do século XX foi crítica para alguns grupos políticos portugueses e bra-
sileiros que se firmaram na oposição ao liberalismo e à república. A democracia
descontentava esses grupos refratários ao convocar à participação nas esferas de
decisão política elementos supostamente despreparados. Por oferecer a oportunidade da
população, externa aos círculos aristocráticos, de eleger seus representantes, a liberal-de-
mocracia foi entendida como “[…] a mentira democrática que igualava o seu voto de pessoa
honrada e consciente aos de ce voyou qui passe…” (Raposo, 1929b, p. 32).
A rejeição ao liberalismo revestiu projetos de diferentes colorações ideológicas, acolhendo
setores monárquicos radicais em Portugal e no Brasil durante a ascensão da república, ou ante-
rior a esta, com a adoção do constitucionalismo monárquico. De acordo com tais convicções,
o poder era domínio restrito da elite hereditária, imbuída dos mecanismos de funcionamento
e articulação do Estado. Portanto, o lugar da população deveria ser fora das instâncias decisó-
rias institucionais, caso contrário abriria espaço para a corrupção das formas de governar em
vista da quebra da tradição e da organização hereditária sustentada pela monarquia.
Em função da exigência da participação popular, a democracia seria constituída por
vícios irremediáveis, tais como a carência de capacidades para a escolha dos representantes,
segundo simpáticos ao rei corporativista. Em Política, periódico herdeiro do Integralismo
Lusitano (IL), portanto defensor dos projetos de monarquia orgânica, sublinhava: “O poder
da democracia não reconhece a inteligência, a honestidade, o valor pessoal, não procura o
bem da nação nem a felicidade dos indivíduos, só se curva perante o número, é pertença
exclusiva das maiorias ignorantes e brutais” (Pyrrait, 1929, p. 10).
Assim, esboçava-se a rejeição à participação popular, por lhe serem atribuídas qualidades
inferiores, em detrimento da aristocracia, selecionada pela tradição e pela hereditariedade.
Configurava-se, portanto, a adesão ao conservadorismo com o intuito de preservar o sistema
monárquico e combater a democracia e os demais modelos adeptos do constitucionalismo.
Conforme será visto, grupos como o IL – inserido na composição do periódico quinzenal Política
– e a Ação Imperial Patrianovista Brasileira (AIPB) acreditavam que a Constituição significava
a restrição do poder que pertencia ao rei por direito hereditário e com respaldo na tradição.
Coerente a essas bases havia a aversão às agremiações partidárias, que contrariavam os anseios
corporativos presentes nas propostas políticas sustentadas por dividir o país em agremiações
em disputa, conspirando contra a unidade da nação, segundo o discurso desses grupos.
Em mesma via da publicação portuguesa, o periódico Monarquia, vinculado à AIPB, expu-
nha a rejeição aos regimes constitucionais. Eram refratários às repúblicas e às monarquias
constitucionais, de maneira similar aos integralistas lusitanos, em função da possibilidade
da formação de partidos em seu interior, ao disputarem pelos votos o poder que deveria
estar centralizado no rei, segundo os patrianovistas.
Política foi lançado em 15 de abril de 1929 e, conforme sugerido pelo subtítulo, foi constituído
pelas juntas escolares do IL. Este movimento, o IL, foi formado na primeira metade dos anos
1910 com proposta de monarquia corporativa, de centralização política e descentralização
administrativa, com fortes influências doutrinárias de Charles Maurras e da Ação Francesa.
A primeira geração do movimento português foi composta por estudantes da Universidade
de Coimbra, posteriormente exilados na Bélgica por ações frustradas contra a recém-im-
plantada república. A experiência do degredo reforçou o contato com a literatura conser-
vadora que circulava na Europa.
Para o IL, as disputas entre monarquia constitucional e república liberal, independen-
temente do grupo vitorioso, conservariam os problemas existentes. Caso a república fosse
substituída pela monarquia constitucional, os atores mudariam, mas o cenário político
permaneceria o mesmo em função de seus divisores comuns: o liberalismo e o constitucio-
nalismo. Tal distinção quanto aos projetos resultou em choques entre os integralistas e as
demais correntes políticas realistas ao longo da I República portuguesa (1910-1926). Portanto,
tinha projeto político definido sobre as bases do corporativismo monárquico, distancian-
do-se das demais propostas de restauração monárquica.
Toda política verdadeira se funda na Tradição. Isso não quer dizer que seja fós-
sil e retrógrada como dizem os agentes da antinação. A Tradição é a base para
o progresso real, pois é acervo de valores espirituais realistas que plasmavam
na lama da Nação através de sua formação histórica. (Monarquia, 1958, p. 3).
Outro vetor de aproximação entre o IL e a AIPB pode ser encontrado nos projetos de
Estado apresentados. Os movimentos eram adeptos do corporativismo como forma ideal
de organização política, social e econômica. Destaca-se a semelhança dos termos utilizados
por António Sardinha e Arlindo Veiga na defesa de suas respectivas propostas.
Em Aliança Peninsular, cuja primeira edição data de 1924, António Sardinha defendia o Estado
antiparlamentar em seu formato tradicional. Nesse projeto político, a administração seria des-
centralizada, por meio do municipalismo. Porém, tal situação administrativa não se encontra-
ria em assuntos políticos, pois o poder estaria centralizado nas mãos do monarca. Portanto, a
fórmula seria: Estado centralizado politicamente, mas descongestionado administrativamente.
Nuevo Estado en la patria vieja! Estado orgánico en la sociedad organizada, o mejor toda-
vía: estado antiparlamentario y descentralizado, tan fuerte y unitario en lo político pro-
piamente dicho como descongestionado y simplificado en lo económico y admi-
nistrativo. (Sardinha, 1930, p. 323).
Em defesa de seu formato de império orgânico, Arlindo Veiga dos Santos, em estatuto
de 1928, estabelecia a descentralização administrativa como projeto de organização esta-
tal por meio da autonomia dos municípios. É necessário firmar que aos assuntos políticos,
tal como disposto nas propostas do IL, estaria o domínio tão somente do rei. Desse modo,
mantinha-se o modelo sustentado por António Sardinha, ou seja:
O reconhecimento das semelhanças entre os dois movimentos foi apresentado pela AIPB
em forma textual bastante contundente e legitimado pelo IL ao ser publicado no órgão ofi-
cial da junta escolar do grupo português. Os contatos mantiveram-se em outras publicações,
como pode ser constatado na edição de dezembro de 1933 de Integralismo Lusitano: Estudos
Portugueses (Res et verba…, 1933, p. 542), porém não se repetiram em Política.
Uma explicação para o silêncio de diálogos posteriores entre o órgão patrianovista e
Política pode ser encontrada no encerramento do periódico português nos primeiros meses do
ano 1931. Não há qualquer sinalização de desentendimento em relação a rumos teóricos, ou
apropriações indevidas de projetos entre os movimentos em contato, o que fica visível na nota
amistosa feita por de Integralismo Lusitano: Estudos Portugueses (1933, p. 542) ao patrianovismo