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Emília O. Vieira
Presidente e fundadora da Casa de Investimentos. É licenciada em Gestão de Empresas
(Universidade do Minho) e mestre em Finanças (Universidade de Lancaster). Leciona e faz
consultoria em engenharia financeira quantitativa para instituições de topo em Lisboa, Porto,
Londres, Paris, Zurique, Madrid, Frankfurt, Istambul, Budapeste, Nova Iorque e Tóquio
Finanças
comportamentais
O que nos impede de tomar decisões racionais de investimento? Porque é que
o medo e a ganância dominam a nossa actuação? Como diz Benjamim Graham,
o principal problema do investidor — e talvez o seu pior inimigo — é ele próprio
T
al como perder peso, investir é simples, humanos e porque fazemos muitas vezes as escolhas
mas não é fácil. Há apenas duas formas erradas ao longo da vida.
de perder peso: comer menos e fazer mais O que era considerado como as fundações das
exercício. No entanto, tal revela-se muito finanças — Efficient Market Hypothesis (Teoria dos
difícil num mundo cheio de bolos de cho- Mercados Eficientes), Capital Asset Pricing Model
colate, de batatas fritas, de bons assados ou bons vi- (Modelo de Avaliação de Ativos Financeiros) e Modern
nhos. A tentação está em todo o lado. Portfolio Theory (Teoria Moderna de Portefólios) —
A chave para investir com sucesso também é sim- pressupõe que os investidores são racionais e que,
ples: comprar bons ativos, que produzam rendimen- por isso, tomam as decisões sempre no seu melhor
tos, quando estão baratos e mantê-los; diversificar interesse. A história financeira, no entanto, está re-
apenas o essencial e manter os custos de transação cheada de exemplos que contradizem estas teorias.
baixos. Infelizmente este conceito tão simples não é Basta recordar todas as bolhas e crashes que tiveram
facilmente aplicável pelos investidores que todos os lugar nos últimos anos.
dias são bombardeados com a ideia “fique rico de- As finanças comportamentais pretendem ser uma
pressa”, avisos para saírem do mercado (ou entrarem) resposta a estes dilemas. Compreendendo a forma
antes que seja demasiado tarde e comentadores de como tomamos decisões de consumo e investimento,
televisão que gritam dicas de investimento como se podemos criar o nosso próprio processo sistemático
tivessem a roupa interior a arder. Os investidores são que nos conduza à tomada de decisões corretas.
muitas vezes “forçados” a tomar decisões motivados Psicólogos e neurocientistas descobriram duas
pelo medo ou pela ganância. características que são particularmente relevantes na
Este ambiente de sobrecarga sensorial seria o su- tomada de decisões. A primeira, é que estamos pro-
ficiente para impedir que o investidor aplique esta gramados para o curto prazo: o ser humano tende a
receita tão simples. Mas um obstáculo maior bloqueia considerar a possibilidade de ganhos no curto prazo
o seu caminho. Nos últimos 40 anos, neurocientistas extremamente atrativa. Estes ganhos estimulam os
e psicólogos têm estudado o nosso processo de to- centros emocionais do cérebro e libertam dopamina.
mada de decisões, o que nos condiciona como seres Isto torna-nos mais confiantes, estimulados e, de uma
Z quais somos suscetíveis. Os resultados principais dade, não é assim que funcionamos. Tendemos a for-
são surpreendentemente comuns a culturas e países mar um ponto de vista e passamos o tempo a procurar
muito diferentes. A maior parte destes erros tem a sua informação que o confirme. Gostamos de ouvir quem
origem em quatro causas: autoilusão, simplificação, concorda connosco, de ouvir as nossas próprias opi-
emoção e interação social. niões refletidas nos outros.
Infelizmente, esta não é melhor forma de tomar
Vieses comportamentais mais comuns decisões. Devíamos ouvir aqueles que discordam,
Excesso de otimismo e excesso de confiança. Na nossa não para mudar de opinião, mas para tomarmos co-
evolução como espécie, o otimismo terá tido um pa- nhecimento dos pontos de vista opostos e para tentar
pel fundamental para ultrapassar grandes desafios de encontrar a falha lógica nos seus argumentos. Se não
sobrevivência. Estudos científicos demonstram que as conseguirmos encontrar essa falha, talvez não deva-
pessoas otimistas são mais resistentes e vivem mais mos ter tamanha convicção nos nossos pontos de vista.
tempo quando enfrentam problemas graves de saúde. Um problema adicional ao viés confirmatório é
Nas decisões de investimento, contudo, o resultado o viés dos médios hostis. Isto é, não só procuramos
não é o melhor. apenas a informação que concorda connosco, mas,
Responda a estas duas perguntas: o leitor é um quando somos confrontados com informação que
condutor acima da média? O leitor é, na sua profissão, discorda connosco, temos a tendência de considerar
acima da média? A esmagadora maioria das respostas a fonte dessa informação como tendo um ponto de
a estas perguntas é positiva. Estas perguntas revelam vista enviesado.
dois dos vieses mais comuns: excesso de otimismo e Autoatribuição: caras é mérito nosso, coroa é azar. Todos
excesso de confiança. Estes vieses têm origem na ilusão nós temos um relativamente frágil sentido de autoes-
de controlo e ilusão de conhecimento. A ilusão de co- tima e um dos mecanismos-chave para o proteger é o
nhecimento é a tendência que as pessoas têm de acre- viés da autoatribuição, a tendência de atribuir bons
ditar que a precisão das suas previsões aumenta com desfechos à nossa habilidade e os maus desfechos ao
mais informação. A verdade é que mais informação azar. Este viés constitui um dos mais fortes limites à
não é necessariamente melhor informação. A utilização aprendizagem que os investidores encontram. Este
que fazemos da informação disponível é que interessa. mecanismo de defesa impede-nos de reconhecer os
A tendência para sobrevalorizar as nossas ca- erros que cometemos e, desta forma, de aprender-
pacidades é amplificada pela ilusão de controlo — a mos com os erros cometidos no passado. Como disse
crença que as pessoas têm que conseguem controlar George Santayana, “a história repete-se e esquecer o
acontecimentos incontroláveis. As pessoas pagarão passado é estar condenado a repeti-lo”.
quatro vezes mais por um bilhete de lotaria se pu- Quando questionado sobre se os investidores
derem escolher os números do que por um bilhete iriam aprender algo com a crise financeira em 2008
com números aleatórios, como se o ato de escolher e 2009, Jeremy Grantham, estratego chefe da gestora
os números aumentasse a probabilidade deles serem de ativos GMO, respondeu: “Iremos aprender muito
sorteados. A aleatoriedade é frequentemente confun- no curto prazo, alguma coisa no médio prazo, e ab-
dida com controlo. solutamente nada no longo prazo.”
Viés confirmatório: mostra-me o que quero ver. Temos Recuando no tempo, John K. Galbraith dizia que
o mau hábito de procurar apenas a informação que os mercados financeiros são caracterizados pela “ex-
concorda connosco. Isto é o que se chama o viés con- trema brevidade da memória financeira. Consequen-
firmatório. Karl Popper dizia que a melhor forma de temente, os desastres financeiros são rapidamente
testar uma hipótese é tentar contradizê-la. Na ver- esquecidos. Quando as mesmas ou similares cir-
Z e 1934, Benjamim Graham e David Dodd testemu- teoria dos mercados eficientes, estes investidores fo-
nharam o melhor e o pior nos mercados financeiros. Da ram simplesmente bafejados pela sorte. No entanto,
escalada até ao pico de 1929, até ao crash em Outubro argumenta Buffett, todos estes investidores têm um
do mesmo ano e a implacável Grande Depressão. Desta patriarca intelectual em comum, Benjamin Graham.
sua experiência no mercado financeiro e do vasto co- Eles trabalham em locais diferentes e investiram em
nhecimento da teoria financeira, os dois professores ativos diferentes, a única coisa em comum é a estra-
da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, cons- tégia que seguem, o investimento em valor. O seu su-
truíram um modelo com o qual os investidores podiam cesso, portanto, não pode ser atribuído apenas à sorte;
filtrar centenas ou até milhares de ações e obrigações é o triunfo da estratégia certa. Por outras palavras, o
e identificar aquelas em que valia a pena investir. Esta investimento em valor funciona.
filosofia de investimento é conhecida como o investi-
mento em valor e o seu mais famoso praticante, aluno O que é o investimento em valor?
de Benjamin Graham, é Warren Buffett. É investir em bons ativos, que produzem rendimentos,
Em 1992, Tweedy, Brown Company LLC, gestora comprados a desconto do seu valor justo e que sejam
de patrimónios muito conceituada, publicou uma geridos por gente capaz e honesta. É simples, mas está
compilação de 44 estudos intitulada “O que funciona longe de ser fácil.
no investimento”. O estudo concluiu que o que fun- O investidor em valor é avesso ao risco e portanto
cionou é muito simples: as ações baratas conseguem, a decisão de investimento é um processo de avaliação
consistentemente, melhores retornos do que as ações profunda dos dados fundamentais das empresas, dos
caras; e as ações cujo preço teve pior performance (em negócios que lhe estão subjacentes e da sua capaci-
períodos de três e cinco anos) conseguiram melho- dade de gerar um rendimento crescente no futuro.
res rentabilidades, nos períodos seguintes, do que as A partir dos balanços e demonstrações financeiras
ações cujos preços tiveram melhor performance nos da empresa, avaliam-se a qualidade do negócio, as
mesmos períodos. margens operacionais, a evolução dos lucros, a ren-
Ao longo dos últimos 54 anos, Warren Buffett tabilidade dos capitais investidos, os níveis de endivi-
conseguiu rentabilidades médias de 20,2% ao ano. damento, as vantagens competitivas dentro do sector
Quando questionado sobre o seu sucesso como in- e a capacidade de remunerar o acionista. As palavras
vestidor, responde: “O nosso método é muito sim- de Benjamin Graham resumem bem este processo: “A
ples. Tentamos selecionar negócios com fundamentos análise deve ser penetrante, não profética.”
económicos soberbos, geridos por pessoas honestas e No entanto, o investimento em valor não se resume
capazes e compramo-los a preços sensatos. É só isto apenas à análise das demonstrações financeiras. Uma
que tentamos fazer.” vez que nem todos os elementos que afetam o valor
Warren Buffett escreveu um artigo, em 1984, in- da empresa são revelados pelo escrutínio dos docu-
titulado “Os superinvestidores de Graham e Dodds- mentos contabilísticos, a experiência, a capacidade
ville”. Nesse artigo, Buffett elenca alguns investidores de julgamento e o ceticismo são fundamentais para
que, ao longo de vários anos, conseguiram retornos estimar o real valor da empresa.
muito acima do mercado. Walter Schloss ganhou, du- Uma vez estimado o valor da empresa, confron-
rante 20 anos, 21,3% ao ano; Tom Knapp, da Tweedy tamo-lo com o preço a que está a cotar no mercado.
Browne, conseguiu retornos de 20% ao ano; Bill Preço é o que se paga, valor é o que se recebe e da
Ruane, da Sequoia Funds, conseguiu 17,2% anuais; diferença entre o preço a que estamos a comprar e
Charlie Munger, sócio de Warren Buffett, ganhou, o valor intrínseco do ativo, obtemos a margem de
num período de 13 anos, 19,8% anuais. Segundo a segurança, a “almofada” necessária para proteger os
Z noite para o dia. As ações, em vez de serem en- A quantidade de informação — completamente irre-
caradas como uma “fatia” do negócio subjacente que, levante para a vida diária das empresas — é espremida
ano após ano, cria riqueza para os seus acionistas, ao máximo. As “dicas para ganhar dinheiro hoje” en-
são vistas apenas como papel que troca de mãos, fre- curtam ainda mais o horizonte de investimento. Mais
quentemente mais de uma vez por dia. A satisfação informação não é melhor informação, apenas reforça
imediata, a falta de convicção com que se compram no investidor a ilusão de controlo, o excesso de oti-
e vendem ativos e a busca de excitação no mundo do mismo e de confiança.
investimento potenciam decisões irrefletidas, toma- Larry Summers, ex-secretário do Tesouro ame-
das por impulso. Muitos consideram que investir em ricano, investigou os 50 maiores movimentos no
Bolsa continua a ser um jogo de sorte e azar. mercado de ações americano entre 1947 e 1987.
Summers e os seus colegas vasculharam a imprensa
A especulação e as bolhas na tentativa de encontrar alguma razão para os mo-
A definição de investimento expandiu-se muito nos vimentos do mercado. Concluíram que, “na maioria
últimos 20 anos: desde selos, arte, vinhos, ouro, pe- dos dias com maior movimento, a informação que a
tróleo, todo o tipo de produtos financeiros exóticos e imprensa avança como causa não é particularmente
até apostas desportivas. Muitos destes ativos não são importante”. Dito de outra forma, mais de metade dos
produtivos e quem os compra tem a esperança de que maiores movimentos nos mercados não tem qualquer
no futuro alguém venha a pagar mais por eles. Quem relação com os fundamentos económicos das empre-
investe assim, não é inspirado por aquilo que o ativo sas ou da economia.
produz, mas, sim, porque acredita que outros o dese- A indústria financeira tem sido a grande promotora
jarão ainda mais no futuro. Esta é, na sua essência, a de toda esta “festa”. Se por um lado está a satisfazer ne-
definição de especulação. É desta forma que surgem cessidades novas aos seus clientes, como argumenta,
as bolhas especulativas. por outro, está a promover o curtíssimo prazo e o
Nos últimos 15 anos, tanto as ações tecnológicas comissionamento excessivo. No seu livro The Battle
como o mercado imobiliário demonstraram os ex- for the Soul of Capitalism, John Bogle, fundador da
cessos extraordinários que podem ser criados pela Vanguard, expõe com grande clareza os conflitos de
combinação de uma tese de investimento sensata (na interesses dos grandes grupos financeiros e como a
sua génese) e bem publicitados preços crescentes (o glorificação do curtíssimo prazo triunfou sobre os tra-
ouro é um bom exemplo). Nestas bolhas, um exército dicionais valores da fidúcia. As comissões pagas, entre
de investidores, a princípio cético, sucumbe à prova 1997 e 2002, pelos investidores norte-americanos aos
entregue pelo mercado e o grupo de compradores ex- bancos, corretoras e fundos de investimentos exce-
pande-se — durante algum tempo — o suficiente para deram os 1,275 triliões de dólares. No final dos anos
manter a roda a girar. O público investidor festeja o 90, as previsões dos analistas e dos especialistas em
lucro fácil. Mas as bolhas inevitavelmente estouram. E estratégia tornaram-se mais importantes do que nunca
o velho provérbio é mais uma vez confirmado: “Aquilo nos mercados financeiros. Infelizmente, não se torna-
que o sábio faz no princípio, o tolo faz no fim.” ram mais precisas e os exemplos são imensos. Existem
Canais de televisão de negócios, jornais, revistas, hoje previsões sobre todo o tipo de indicadores, desde
analistas e comentadores alimentam diariamente um a inflação, as taxas de juro, o desemprego, os resulta-
público vasto e em expansão. Este é o “circo” que é dos trimestrais das empresas, passando pelos preços
montado diariamente à volta do mercado financeiro das ações e das obrigações, das matérias-primas, etc.
e que precisa de fazer crer que, durante o dia, irão Quando os números reais observados são divulgados,
passar-se eventos extraordinariamente importantes. raramente coincidem com as previsões. Estão assim