Você está na página 1de 8

ENSAIO

Emília O. Vieira
Presidente e fundadora da Casa de Investimentos. É licenciada em Gestão de Empresas
(Universidade do Minho) e mestre em Finanças (Universidade de Lancaster). Leciona e faz
consultoria em engenharia financeira quantitativa para instituições de topo em Lisboa, Porto,
Londres, Paris, Zurique, Madrid, Frankfurt, Istambul, Budapeste, Nova Iorque e Tóquio

Finanças
comportamentais
O que nos impede de tomar decisões racionais de investimento? Porque é que
o medo e a ganância dominam a nossa actuação? Como diz Benjamim Graham,
o principal problema do investidor — e talvez o seu pior inimigo — é ele próprio

T
al como perder peso, investir é simples, humanos e porque fazemos muitas vezes as escolhas
mas não é fácil. Há apenas duas formas erradas ao longo da vida.
de perder peso: comer menos e fazer mais O que era considerado como as fundações das
exercício. No entanto, tal revela-se muito finanças — Efficient Market Hypothesis (Teoria dos
difícil num mundo cheio de bolos de cho- Mercados Eficientes), Capital Asset Pricing Model
colate, de batatas fritas, de bons assados ou bons vi- (Modelo de Avaliação de Ativos Financeiros) e Modern
nhos. A tentação está em todo o lado. Portfolio Theory (Teoria Moderna de Portefólios) —
A chave para investir com sucesso também é sim- pressupõe que os investidores são racionais e que,
ples: comprar bons ativos, que produzam rendimen- por isso, tomam as decisões sempre no seu melhor
tos, quando estão baratos e mantê-los; diversificar interesse. A história financeira, no entanto, está re-
apenas o essencial e manter os custos de transação cheada de exemplos que contradizem estas teorias.
baixos. Infelizmente este conceito tão simples não é Basta recordar todas as bolhas e crashes que tiveram
facilmente aplicável pelos investidores que todos os lugar nos últimos anos.
dias são bombardeados com a ideia “fique rico de- As finanças comportamentais pretendem ser uma
pressa”, avisos para saírem do mercado (ou entrarem) resposta a estes dilemas. Compreendendo a forma
antes que seja demasiado tarde e comentadores de como tomamos decisões de consumo e investimento,
televisão que gritam dicas de investimento como se podemos criar o nosso próprio processo sistemático
tivessem a roupa interior a arder. Os investidores são que nos conduza à tomada de decisões corretas.
muitas vezes “forçados” a tomar decisões motivados Psicólogos e neurocientistas descobriram duas
pelo medo ou pela ganância. características que são particularmente relevantes na
Este ambiente de sobrecarga sensorial seria o su- tomada de decisões. A primeira, é que estamos pro-
ficiente para impedir que o investidor aplique esta gramados para o curto prazo: o ser humano tende a
receita tão simples. Mas um obstáculo maior bloqueia considerar a possibilidade de ganhos no curto prazo
o seu caminho. Nos últimos 40 anos, neurocientistas extremamente atrativa. Estes ganhos estimulam os
e psicólogos têm estudado o nosso processo de to- centros emocionais do cérebro e libertam dopamina.
mada de decisões, o que nos condiciona como seres Isto torna-nos mais confiantes, estimulados e, de uma

74 | Exame | junho 2012


forma geral, satisfeitos connosco próprios. A segunda, do que estamos dispostos a admitir. De facto, muito
é a nossa tendência para adotar comportamentos de frequentemente acabamos por confiar na nossa rea-
rebanho: a dor da exclusão social (por exemplo, com- ção emocional inicial e só ocasionalmente recorremos
prar quando todos estão a vender ou vice-versa) é sen- ao sistema C para rever a nossa decisão. Por exemplo,
tida nas mesmas partes do cérebro que sentem a dor quando tropeçamos numa pedra, insultamos o ob-
física real. Adotar estratégias de investimentos contrá- jeto inanimado apesar de ele não ter responsabilidade
rias é, portanto, um pouco como sermos espancados. alguma pelo nosso erro. Ainda assim, o sistema X,
A evidência que tem sido coligida em inúmeros segundo conclusões de António Damásio, é indis-
estudos mostra que todos nós, como seres humanos, pensável à tomada de decisões. Sem emoção, o ser
somos afetados por desafios comportamentais — vie- humano fica paralisado perante os desafios.
ses mentais — que condicionam o nosso processo de Neurocientistas descobriram que as partes do
tomada de decisões racionais. nosso cérebro associadas com o sistema X são muito
mais antigas do que as partes associadas com o sis-
Da savana africana à era digital tema C. Quer isto dizer que a necessidade da emoção
Porque sofremos estes vieses que tanto nos condi- evoluiu mais cedo do que a necessidade da razão.
cionam na tomada de melhores decisões? Como Imagine que estamos a visitar um jardim zoológico.
qualquer outra característica da nossa existência, os Ao passar pela jaula dos leões, um leão salta na nossa
nossos cérebros foram, e continuam a ser, refinados direção; imediatamente damos um salto para trás. O
por um processo de evolução que ocorre a um ritmo sistema X reagiu para salvaguardar a nossa segurança.
glacial. Os nossos cérebros estão perfeitamente adap- De facto, um sinal foi gerado assim que o nosso cé-
tados para o ambiente que enfrentávamos há 150 mil rebro se apercebeu do movimento do leão. Este sinal
anos (a savana africana). Estão menos preparados para foi enviado por dois caminhos — pelo sistema X que
a revolução industrial de há 300 anos e talvez ainda enviou a informação diretamente para a amígdala
menos preparados para a era digital em que vivemos cerebelosa (o centro do cérebro para medo e risco)
hoje. Por outras palavras, as nossas mentes estão pre- que reage com rapidez e força o nosso corpo a saltar
paradas para resolver os problemas relacionados com para trás. A segunda parte do sinal é enviada para o
a sobrevivência e não estão ainda otimizadas para de- sistema C que processa a informação de uma forma
cisões de investimento. O resultado desta herança é mais consciente, avaliando a ameaça potencial. O sis-
que todos nós, sem exceção, cometemos estes erros. tema C recorda que existem barras de metal que nos
Os cientistas sugerem que o melhor método para separam do leão. Mas, entretanto, já saltámos para
entender como o nosso cérebro funciona é imaginar trás. A emoção ganha à razão.
que temos dois sistemas diferentes instalados nas nos-
sas mentes: o sistema X e o sistema C. O que tem isto que ver com finanças?
O sistema X é essencialmente a emoção na tomada Em que circunstâncias somos mais suscetíveis a dei-
de decisões. O sistema X é a opção automática. Toda a xar rédea solta ao sistema X? Segundo a neurociência
informação passa pelo sistema X para processamento e a psicologia há um conjunto de situações em que
e não exige qualquer esforço. As conclusões tiradas isto acontece: quando o problema é mal estruturado
pelo sistema X são, geralmente, baseadas em aspetos e complexo, quando a informação disponível é in-
como a semelhança, familiaridade e proximidade completa, ambígua e está em permanente mudança,
temporal. Estes atalhos mentais permitem ao sistema quando os objetivos estão mal definidos, se alteram
X lidar com imensas quantidades de informação si- ou competem entre si, quando os níveis de stresse
multaneamente. O sistema X é um sistema de “satisfa- estão altos devido a constrangimentos de tempo e/ou
ção” rápido e pouco sofisticado que tenta dar respostas porque muito está em jogo, quando as decisões de-
aproximadamente (e não exatamente) corretas. Para pendem da interação com outros.
que o sistema X acredite que algo é válido, pode muito Estas circunstâncias caracterizam muitas das
simplesmente desejar que assim o seja. decisões que tomamos quando confrontados com
O sistema C requer um esforço deliberado e tenta oportunidades de investimento. Um dos maiores in-
resolver os problemas através de uma abordagem ló- vestidores de todos os tempos, Warren Buffett, diz que
gica e dedutiva. Contudo, como qualquer processo os investidores precisam de controlar o seu sistema X:
lógico, verifica a informação passo a passo de uma “o sucesso no investimento não está correlacionado
forma lenta e em série. Para que o sistema C acredite com o QI. Se tiver uma inteligência normal, o que
em algo, precisa de provas. precisa é de um temperamento capaz de controlar os
Todos gostamos de acreditar que o nosso sistema impulsos que causam problemas às outras pessoas”.
C controla as nossas tomadas de decisão. A realidade Ao longo de anos, os psicólogos documentaram
é que o sistema X controla muito mais as nossas ações e catalogaram os tipos de vieses mentais aos Z

junho 2012 | Exame | 75


ENSAIO

Para Warren Buffett, se tiver uma


inteligência normal, o que precisa é de um
temperamento que controle os impulsos
que causam problemas às outras pessoas

Z quais somos suscetíveis. Os resultados principais dade, não é assim que funcionamos. Tendemos a for-
são surpreendentemente comuns a culturas e países mar um ponto de vista e passamos o tempo a procurar
muito diferentes. A maior parte destes erros tem a sua informação que o confirme. Gostamos de ouvir quem
origem em quatro causas: autoilusão, simplificação, concorda connosco, de ouvir as nossas próprias opi-
emoção e interação social. niões refletidas nos outros.
Infelizmente, esta não é melhor forma de tomar
Vieses comportamentais mais comuns decisões. Devíamos ouvir aqueles que discordam,
Excesso de otimismo e excesso de confiança. Na nossa não para mudar de opinião, mas para tomarmos co-
evolução como espécie, o otimismo terá tido um pa- nhecimento dos pontos de vista opostos e para tentar
pel fundamental para ultrapassar grandes desafios de encontrar a falha lógica nos seus argumentos. Se não
sobrevivência. Estudos científicos demonstram que as conseguirmos encontrar essa falha, talvez não deva-
pessoas otimistas são mais resistentes e vivem mais mos ter tamanha convicção nos nossos pontos de vista.
tempo quando enfrentam problemas graves de saúde. Um problema adicional ao viés confirmatório é
Nas decisões de investimento, contudo, o resultado o viés dos médios hostis. Isto é, não só procuramos
não é o melhor. apenas a informação que concorda connosco, mas,
Responda a estas duas perguntas: o leitor é um quando somos confrontados com informação que
condutor acima da média? O leitor é, na sua profissão, discorda connosco, temos a tendência de considerar
acima da média? A esmagadora maioria das respostas a fonte dessa informação como tendo um ponto de
a estas perguntas é positiva. Estas perguntas revelam vista enviesado.
dois dos vieses mais comuns: excesso de otimismo e Autoatribuição: caras é mérito nosso, coroa é azar. Todos
excesso de confiança. Estes vieses têm origem na ilusão nós temos um relativamente frágil sentido de autoes-
de controlo e ilusão de conhecimento. A ilusão de co- tima e um dos mecanismos-chave para o proteger é o
nhecimento é a tendência que as pessoas têm de acre- viés da autoatribuição, a tendência de atribuir bons
ditar que a precisão das suas previsões aumenta com desfechos à nossa habilidade e os maus desfechos ao
mais informação. A verdade é que mais informação azar. Este viés constitui um dos mais fortes limites à
não é necessariamente melhor informação. A utilização aprendizagem que os investidores encontram. Este
que fazemos da informação disponível é que interessa. mecanismo de defesa impede-nos de reconhecer os
A tendência para sobrevalorizar as nossas ca- erros que cometemos e, desta forma, de aprender-
pacidades é amplificada pela ilusão de controlo — a mos com os erros cometidos no passado. Como disse
crença que as pessoas têm que conseguem controlar George Santayana, “a história repete-se e esquecer o
acontecimentos incontroláveis. As pessoas pagarão passado é estar condenado a repeti-lo”.
quatro vezes mais por um bilhete de lotaria se pu- Quando questionado sobre se os investidores
derem escolher os números do que por um bilhete iriam aprender algo com a crise financeira em 2008
com números aleatórios, como se o ato de escolher e 2009, Jeremy Grantham, estratego chefe da gestora
os números aumentasse a probabilidade deles serem de ativos GMO, respondeu: “Iremos aprender muito
sorteados. A aleatoriedade é frequentemente confun- no curto prazo, alguma coisa no médio prazo, e ab-
dida com controlo. solutamente nada no longo prazo.”
Viés confirmatório: mostra-me o que quero ver. Temos Recuando no tempo, John K. Galbraith dizia que
o mau hábito de procurar apenas a informação que os mercados financeiros são caracterizados pela “ex-
concorda connosco. Isto é o que se chama o viés con- trema brevidade da memória financeira. Consequen-
firmatório. Karl Popper dizia que a melhor forma de temente, os desastres financeiros são rapidamente
testar uma hipótese é tentar contradizê-la. Na ver- esquecidos. Quando as mesmas ou similares cir-

76 | Exame | junho 2012


cunstâncias se repetem, são saudadas por uma nova, crescimento rápido. Efetivamente, os analistas avaliam
frequentemente jovem e sempre confiante, geração as empresas pelo que parecem ser e não pela probabi-
como uma descoberta brilhantemente inovadora no lidade de conseguirem sustentar as altas taxas de cres-
mundo económico e financeiro. Poucos são os campos cimento. Como salienta Philip Fisher, autor do livro
da atividade humana em que a história é tão pouco Common Stocks and Uncommon Profits: “O mercado
importante como no mundo das finanças”. bolsista está cheio de indivíduos que sabem o preço
Hindsight: eu já sabia. Um dos mais perigosos vieses de tudo e o valor de nada.”
que enfrentamos é o viés do retrovisor (hindsight). Experiência direta: não é isso de que me recordo. As
Refere-se ao facto de, após um evento ter tido lugar, nossas mentes não são supercomputadores. Não são
nós estarmos convencidos de que sabíamos o que se sequer bons arquivos. No entanto, estamos conven-
iria passar. O melhor exemplo do viés do retrovisor cidos de que as nossas memórias são perfeitas como
nos investidores é a bolha tecnológica do final dos fotografias ou postais. De uma forma geral, as pessoas
anos 90. Na altura, chamar a atenção dos investido- recordam-se melhor de informação vívida, bem pu-
res para a bolha tecnológica resultava em “ameaças blicitada ou mais recente. O efeito proximidade tem-
físicas”. Hoje, os mesmos investidores reescreveram poral é também reforçado pelo facto de as pessoas
a sua história. Todos eles sabiam que era uma bolha tenderem a confiar mais nas suas experiências em
— estavam todos investidos, mas sabiam que era uma detrimento de estatísticas ou de experiências alheias.
bolha e que, mais cedo ou mais tarde, iria explodir. Estudos concluem que a experiência direta é
Obviamente, se todos estão convencidos de que frequentemente muito mais ponderada do que a
conseguem prever o passado, é natural que estejam experiência geral, mesmo quando esta é igualmente
excessivamente certos de que conseguem prever o fu- objetiva e relevante. Uma possível razão para a impor-
turo. Assim, o hindsight é o mais poderoso gerador de tância excessiva da experiência pessoal é o impacto
excesso de confiança. da emoção: informação diretamente experimentada
Ancoramento: o irrelevante tem valor. Quando con- desencadeia reações emocionais ausentes das expe-
frontados com a incerteza, todos temos a tendência riências alheias. Desta forma, se as pessoas utilizarem
de nos agarrarmos ao irrelevante como se fosse uma a sua experiência pessoal para avaliar a probabilidade
muleta ou uma âncora. Esta incorporação do irrele- de eventos, irão exagerar o peso de eventos imprová-
vante acontece frequentemente sem qualquer reco- veis porque passaram e subestimar o peso daqueles
nhecimento consciente do facto. que não experimentaram em primeira mão.
Que âncoras influenciarão os investidores? A toda A experiência recente da maior parte dos investi-
a hora, os preços das ações são publicitados: nos jor- dores em Portugal é de perdas significativas. Os títulos
nais, na internet, no ticker que está permanentemente mais disseminados na Bolsa portuguesa são os que
a rodar na parte inferior dos canais financeiros de te- maiores perdas acumulam. Recentemente, um dos
levisão. Os investidores agarram-se a estas miragens jornais económicos noticiava que, diariamente, mais
de preços e, erradamente, fazem-nos equivaler ao de 700 investidores deixavam de ter ações. Os investi-
valor dos negócios subjacentes. dores atribuem maior ponderação à sua experiência
Representatividade: tiro conclusões com base na aparên- pessoal do que a todos os estudos que comprovam
cia e semelhança. As pessoas julgam os eventos pela o sucesso do investimento em valor. Este comporta-
sua aparência e semelhança, não pela probabilidade mento reflete também o efeito da proximidade tempo-
deles acontecerem. É o chamado viés da representa- ral: o investidor acredita que o futuro será sempre este.
tividade. Este viés tem muitas aplicações no mercado Esta atitude verifica-se nos dois extremos do mercado
de capitais. Por exemplo, as boas empresas são bons ampliando, assim, os efeitos das bolhas e dos crashes.
investimentos? Podem não ser, se estiverem a transa-
cionar a preços acima do seu valor justo. Porque existem investidores excecionais?
Nos mercados financeiros, os analistas também No dia a dia, tomamos decisões de consumo, poupança
sofrem deste viés. Preveem que as empresas com e investimento. Grande parte de nós não tem formação
forte crescimento dos resultados nos últimos cinco financeira para as tomar no seu melhor interesse. Os
anos irão continuar a crescer ao mesmo ritmo nos vieses comportamentais de que sofremos são também
próximos cinco anos. O que os analistas estão a dizer handicaps com que temos de lidar. A história está re-
é “esta empresa é excecional e, portanto, continuará pleta de bolhas: no mercado bolsista, no mercado imo-
a sê-lo”. O que ignoram (inconscientemente) é que o biliário, nas matérias-primas e até as tulipas excitaram
crescimento de resultados é um processo altamente muitos investidores, no século xvii.
reversivo para a média, em períodos de cinco anos. Alguns dos melhores investidores do mundo ul-
Um portefólio de empresas com crescimento mais trapassaram estes vieses comportamentais que afetam
lento consegue quase a mesma taxa de crescimento as decisões de investimento e reduzem os retornos à
de longo prazo do que um portefólio de empresas de esmagadora maioria dos investidores. Entre 1929 Z

junho 2012 | Exame | 77


ENSAIO

Para investir em valor, compre bons ativos


baratos, venda-os, pelo menos, ao seu preço
justo e, no intervalo entre a compra e a
venda, ignore as cotações de mercado

Z e 1934, Benjamim Graham e David Dodd testemu- teoria dos mercados eficientes, estes investidores fo-
nharam o melhor e o pior nos mercados financeiros. Da ram simplesmente bafejados pela sorte. No entanto,
escalada até ao pico de 1929, até ao crash em Outubro argumenta Buffett, todos estes investidores têm um
do mesmo ano e a implacável Grande Depressão. Desta patriarca intelectual em comum, Benjamin Graham.
sua experiência no mercado financeiro e do vasto co- Eles trabalham em locais diferentes e investiram em
nhecimento da teoria financeira, os dois professores ativos diferentes, a única coisa em comum é a estra-
da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, cons- tégia que seguem, o investimento em valor. O seu su-
truíram um modelo com o qual os investidores podiam cesso, portanto, não pode ser atribuído apenas à sorte;
filtrar centenas ou até milhares de ações e obrigações é o triunfo da estratégia certa. Por outras palavras, o
e identificar aquelas em que valia a pena investir. Esta investimento em valor funciona.
filosofia de investimento é conhecida como o investi-
mento em valor e o seu mais famoso praticante, aluno O que é o investimento em valor?
de Benjamin Graham, é Warren Buffett. É investir em bons ativos, que produzem rendimentos,
Em 1992, Tweedy, Brown Company LLC, gestora comprados a desconto do seu valor justo e que sejam
de patrimónios muito conceituada, publicou uma geridos por gente capaz e honesta. É simples, mas está
compilação de 44 estudos intitulada “O que funciona longe de ser fácil.
no investimento”. O estudo concluiu que o que fun- O investidor em valor é avesso ao risco e portanto
cionou é muito simples: as ações baratas conseguem, a decisão de investimento é um processo de avaliação
consistentemente, melhores retornos do que as ações profunda dos dados fundamentais das empresas, dos
caras; e as ações cujo preço teve pior performance (em negócios que lhe estão subjacentes e da sua capaci-
períodos de três e cinco anos) conseguiram melho- dade de gerar um rendimento crescente no futuro.
res rentabilidades, nos períodos seguintes, do que as A partir dos balanços e demonstrações financeiras
ações cujos preços tiveram melhor performance nos da empresa, avaliam-se a qualidade do negócio, as
mesmos períodos. margens operacionais, a evolução dos lucros, a ren-
Ao longo dos últimos 54 anos, Warren Buffett tabilidade dos capitais investidos, os níveis de endivi-
conseguiu rentabilidades médias de 20,2% ao ano. damento, as vantagens competitivas dentro do sector
Quando questionado sobre o seu sucesso como in- e a capacidade de remunerar o acionista. As palavras
vestidor, responde: “O nosso método é muito sim- de Benjamin Graham resumem bem este processo: “A
ples. Tentamos selecionar negócios com fundamentos análise deve ser penetrante, não profética.”
económicos soberbos, geridos por pessoas honestas e No entanto, o investimento em valor não se resume
capazes e compramo-los a preços sensatos. É só isto apenas à análise das demonstrações financeiras. Uma
que tentamos fazer.” vez que nem todos os elementos que afetam o valor
Warren Buffett escreveu um artigo, em 1984, in- da empresa são revelados pelo escrutínio dos docu-
titulado “Os superinvestidores de Graham e Dodds- mentos contabilísticos, a experiência, a capacidade
ville”. Nesse artigo, Buffett elenca alguns investidores de julgamento e o ceticismo são fundamentais para
que, ao longo de vários anos, conseguiram retornos estimar o real valor da empresa.
muito acima do mercado. Walter Schloss ganhou, du- Uma vez estimado o valor da empresa, confron-
rante 20 anos, 21,3% ao ano; Tom Knapp, da Tweedy tamo-lo com o preço a que está a cotar no mercado.
Browne, conseguiu retornos de 20% ao ano; Bill Preço é o que se paga, valor é o que se recebe e da
Ruane, da Sequoia Funds, conseguiu 17,2% anuais; diferença entre o preço a que estamos a comprar e
Charlie Munger, sócio de Warren Buffett, ganhou, o valor intrínseco do ativo, obtemos a margem de
num período de 13 anos, 19,8% anuais. Segundo a segurança, a “almofada” necessária para proteger os

78 | Exame | junho 2012


valores investidos. Disciplina e paciência para esperar mercado e explicava-o através de uma metáfora a que
pelo preço certo de compra são essenciais para que o chamava Sr. Mercado: “Imagine que é proprietário
método tenha sucesso. Quando a cotação no mercado de parte do capital de uma pequena empresa e que
refletir o valor da empresa, é altura de vender. essa participação lhe custou 1000 euros. Um dos seus
Poucos investidores são suficientemente discipli- sócios, chamado Sr. Mercado, é muito prestável. To-
nados para manter padrões rigorosos de avaliação e dos os dias, ele diz-lhe qual é o valor, na opinião dele,
aversão ao risco. É em tempos de grande incerteza e de da sua parte da empresa e oferece-se para comprá-
conjunturas negativas que a prática de um método de la ou para lhe vender uma participação adicional ao
investimento conservador e seguro — o investimento mesmo preço. Por vezes, a avaliação do Sr. Mercado
em valor — é particularmente fundamental. parece plausível e justificada pelos desenvolvimentos e
Sir John Templeton, pioneiro dos fundos de in- perspetivas futuras do negócio. Frequentemente, con-
vestimento e considerado pela revista Money como o tudo, o Sr. Mercado é levado pelo entusiasmo ou pelo
melhor investidor global do século xx, mantinha sob medo e o valor que ele propõe é pouco menos do que
vigilância um conjunto de excelentes empresas que ridículo. Se o leitor é um investidor prudente ou um
transacionavam a preços muito elevados e os preços empresário sensato, vai deixar que as comunicações
a que gostaria de as comprar. Quando o mercado caía diárias do Sr. Mercado determinem a sua convicção
e arrastava as ações para os níveis desejados, as com- do que vale a sua participação de 1000 euros na sua
pras eram executadas. Templeton sabia que, no dia empresa? Apenas nos casos em que concorda com o Sr.
em que o mercado caísse, ele não teria a disciplina Mercado ou quando está disposto a negociar com ele.
para comprar. No entanto, ao determinar, a priori, Poderá vender a sua participação quando o Sr. Mercado
os preços de compra, retirava da equação a emoção lhe propõe um preço ridiculamente alto, assim como
e os seus vieses mentais. Um processo disciplinado e poderá comprar uma participação adicional quando o
objetivo é essencial ao sucesso. preço é baixo. No tempo restante, poderá formar as suas
Em agosto passado, na Casa de Investimentos, próprias opiniões acerca de quanto realmente vale a sua
aplicámos este processo. Aproveitámos a reação ne- participação, baseado nos relatórios da empresa sobre
gativa do mercado ao downgrade da dívida americana as suas atividades e situação financeira. O verdadeiro
— uma queda de cerca de 20% em duas semanas — investidor está nesta posição quando tem ações de uma
investimos nalgumas empresas excecionais que, sem empresa cotada. Ele pode tirar partido do preço diário
qualquer justificação fundamental, ficaram baratas. de mercado ou ignorá-lo. As flutuações de preço têm
apenas um significado para o verdadeiro investidor.
Por que tão poucos seguem esta filosofia Elas oferecem oportunidades para compras inteligen-
Apesar dos resultados excecionais de grandes inves- tes quando o preço cai bastante e oportunidades para
tidores em Valor e de inúmeros estudos que os com- vendas inteligentes quando os preços ultrapassam o
provam, poucos são os investidores que seguem este valor da empresa. No resto do tempo, o investidor de-
método de investimento. Warren Buffett, para lá da verá ignorar o mercado e concentrar-se nos dividendos
publicação trimestral das suas transações, escreve na e resultados operacionais das suas empresas.”
imprensa, de tempos a tempos. Em 17 de outubro de Por outras palavras, compre bons ativos baratos,
2008, aconselhou, em carta aberta no The New York venda-os, pelo menos, ao seu preço justo e no espaço
Times (“Buy American, I Am”), o investimento em de tempo entre a compra e a venda, ignore as cotações
empresas americanas. Em fevereiro passado, escreveu de mercado. Ou, como Warren Buffett recomenda:
na revista Fortune reiterando a sua preferência pelo “Encare as flutuações de mercado como amigas e não
investimento em ativos que produzam rendimento, como inimigas; lucre com a loucura em vez de par-
isto é, ações. ticipar nela.”
Os professores universitários Gerald Martin e O medo e a ganância têm separado muitos inves-
John Puthenpurackal, num paper de 2008, concluí- tidores do seu dinheiro. Quando o mercado de ações
ram que, imitando as compras de Warren Buffett um cai porque as notícias são más e a conjuntura macroe-
mês após a sua divulgação pública, qualquer inves- conómica difícil, os investidores vendem a qualquer
tidor bateria o S&P 500 por uma média de 10,75% preço ativos de grande valor. Porque muita gente o está
ao ano, no período de 1976 a 2006. Este resultado é a fazer, os investidores ignoram a qualidade dos ativos
extraordinário tendo em conta que a performance de que têm e adotam o comportamento de rebanho. Do
Warren Buffett, no mesmo período bateu o S&P 500 mesmo modo, quando a conjuntura é favorável ou as
por 11,14% ao ano. notícias para determinada empresa são muito posi-
Muito antes de neurocientistas e psicólogos terem tivas, é fácil perder o bom senso e seguir a multidão,
descoberto a importância destes vieses, Benjamin Gra- comprando a qualquer preço.
ham refletia que o investidor deveria estar preparado, Demasiadas pessoas investem no mercado de
financeira e psicologicamente, para as flutuações do capitais com o objetivo de enriquecerem da Z

junho 2012 | Exame | 79


ENSAIO

O público investidor festeja o lucro fácil.


Mas as bolhas inevitavelmente estouram.
E o provérbio é confirmado: “Aquilo que
o sábio faz no princípio, o tolo faz no fim”

Z noite para o dia. As ações, em vez de serem en- A quantidade de informação — completamente irre-
caradas como uma “fatia” do negócio subjacente que, levante para a vida diária das empresas — é espremida
ano após ano, cria riqueza para os seus acionistas, ao máximo. As “dicas para ganhar dinheiro hoje” en-
são vistas apenas como papel que troca de mãos, fre- curtam ainda mais o horizonte de investimento. Mais
quentemente mais de uma vez por dia. A satisfação informação não é melhor informação, apenas reforça
imediata, a falta de convicção com que se compram no investidor a ilusão de controlo, o excesso de oti-
e vendem ativos e a busca de excitação no mundo do mismo e de confiança.
investimento potenciam decisões irrefletidas, toma- Larry Summers, ex-secretário do Tesouro ame-
das por impulso. Muitos consideram que investir em ricano, investigou os 50 maiores movimentos no
Bolsa continua a ser um jogo de sorte e azar. mercado de ações americano entre 1947 e 1987.
Summers e os seus colegas vasculharam a imprensa
A especulação e as bolhas na tentativa de encontrar alguma razão para os mo-
A definição de investimento expandiu-se muito nos vimentos do mercado. Concluíram que, “na maioria
últimos 20 anos: desde selos, arte, vinhos, ouro, pe- dos dias com maior movimento, a informação que a
tróleo, todo o tipo de produtos financeiros exóticos e imprensa avança como causa não é particularmente
até apostas desportivas. Muitos destes ativos não são importante”. Dito de outra forma, mais de metade dos
produtivos e quem os compra tem a esperança de que maiores movimentos nos mercados não tem qualquer
no futuro alguém venha a pagar mais por eles. Quem relação com os fundamentos económicos das empre-
investe assim, não é inspirado por aquilo que o ativo sas ou da economia.
produz, mas, sim, porque acredita que outros o dese- A indústria financeira tem sido a grande promotora
jarão ainda mais no futuro. Esta é, na sua essência, a de toda esta “festa”. Se por um lado está a satisfazer ne-
definição de especulação. É desta forma que surgem cessidades novas aos seus clientes, como argumenta,
as bolhas especulativas. por outro, está a promover o curtíssimo prazo e o
Nos últimos 15 anos, tanto as ações tecnológicas comissionamento excessivo. No seu livro The Battle
como o mercado imobiliário demonstraram os ex- for the Soul of Capitalism, John Bogle, fundador da
cessos extraordinários que podem ser criados pela Vanguard, expõe com grande clareza os conflitos de
combinação de uma tese de investimento sensata (na interesses dos grandes grupos financeiros e como a
sua génese) e bem publicitados preços crescentes (o glorificação do curtíssimo prazo triunfou sobre os tra-
ouro é um bom exemplo). Nestas bolhas, um exército dicionais valores da fidúcia. As comissões pagas, entre
de investidores, a princípio cético, sucumbe à prova 1997 e 2002, pelos investidores norte-americanos aos
entregue pelo mercado e o grupo de compradores ex- bancos, corretoras e fundos de investimentos exce-
pande-se — durante algum tempo — o suficiente para deram os 1,275 triliões de dólares. No final dos anos
manter a roda a girar. O público investidor festeja o 90, as previsões dos analistas e dos especialistas em
lucro fácil. Mas as bolhas inevitavelmente estouram. E estratégia tornaram-se mais importantes do que nunca
o velho provérbio é mais uma vez confirmado: “Aquilo nos mercados financeiros. Infelizmente, não se torna-
que o sábio faz no princípio, o tolo faz no fim.” ram mais precisas e os exemplos são imensos. Existem
Canais de televisão de negócios, jornais, revistas, hoje previsões sobre todo o tipo de indicadores, desde
analistas e comentadores alimentam diariamente um a inflação, as taxas de juro, o desemprego, os resulta-
público vasto e em expansão. Este é o “circo” que é dos trimestrais das empresas, passando pelos preços
montado diariamente à volta do mercado financeiro das ações e das obrigações, das matérias-primas, etc.
e que precisa de fazer crer que, durante o dia, irão Quando os números reais observados são divulgados,
passar-se eventos extraordinariamente importantes. raramente coincidem com as previsões. Estão assim

80 | Exame | junho 2012


reunidas as condições para que os mercados se com- Conclusões
portem com grande volatilidade. Isto não faz qualquer O investidor deverá ter a disciplina e a coragem de
sentido. As previsões — que criam a ilusão de controlo se manter fiel aos seus princípios. Como Benjamin
sobre o que pode ser o futuro — vêm limitar a capaci- Graham declarou: “Se acredita que o investimento em
dade de tomar decisões baseadas em processos lógicos. valor é um conceito sólido, deverá devotar-se a esse
Para Warren Buffett, “as previsões políticas e princípio. Mantenha-se fiel e não se deixe arrastar
económicas de curto prazo são uma distração muito pelas modas, pelas ilusões e pela perseguição cons-
cara para os investidores. A prazo, as notícias sobre os tante do lucro rápido de Wall Street. Não é preciso ter
mercados financeiros serão positivas. No século xx, os uma inteligência de génio para ser um investidor em
Estados Unidos passaram por duas Guerras Mundiais valor de sucesso. O que é necessário é, em primeiro
e outros conflitos militares dispendiosos, uma Grande lugar, uma inteligência razoável; em segundo, bons
Depressão, uma dúzia de recessões, vários pânicos princípios de atuação; e terceiro e mais importante,
financeiros, choques petrolíferos, etc. No entanto, o firmeza de caráter.”
Dow Jones subiu dos 66 para os 11497 pontos.” Só dominando estes três elementos é que o inves-
Os analistas e gestores de dinheiro são também tidor inteligente será capaz de agir de forma contrária
vítimas destas armadilhas mentais. Têm acesso a — comprar quando todos vendem e vender quando
demasiada informação e precisam de proteger o seu todos compram.
posto de trabalho. Se seguirem o rebanho e estiverem Nunca deixaremos de ser suscetíveis aos vieses
errados, fizeram o que toda a gente fez. Se não segui- comportamentais. Reconhecendo as nossas limi-
rem o rebanho e estiverem errados, o seu emprego tações, estaremos mais bem preparados para que
está em causa. A evolução tecnológica, a internet, a os processos lógicos assumam o controlo. Só com
grande difusão de informação e a engenharia finan- processos sólidos de tomada de decisões será possí-
ceira contribuíram para potenciar negativamente os vel obter resultados consistentes a médio e a longo
nossos vieses comportamentais. prazos. E

Você também pode gostar