multidão, ele se sobressaía...
Disponibilização: Drika
Digitalização: Marina
Revisão: Ingrid
Formatação: Edina
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPITULO III
Amber puxou o lençol e rolou para o lado, amassando o travesseiro. Ajeitou-se no-
vamente, suspirou e fechou os olhos. O som de risos abafados que vinham do aposento ao
lado a deixavam irritada ao extremo.
Virou-se para o outro lado, tão inquieta que sentia a pele arrepiada sob o lençol.
Determinada, tornou a fechar os olhos. Quando ouviu um gemido rouco e alto, tapou os
ouvidos com as mãos.
Por que isso estava acontecendo? Estava morta de cansaço, mas por alguma razão
não conseguia dormir, nem ignorar os murmúrios do outro lado da parede. Talvez porque
todas as noites, ao se deitar, pensamentos sensuais a conduziam ao sono, mas os rostos
que ela via não eram os de Sharon e daquele homem, e sim o seu próprio e de Reece
Carlyle.
Ela própria não sabia explicar por que Reece se tornara objeto desse tipo de
pensamento. Talvez Walt tivesse razão, talvez ela estivesse precisando espairecer um
pouco.
Amber acordou com o som de um grito rouco, desta vez vindo do quarto de
Sharon. Sonolenta, olhou para o relógio na mesa-de-cabeceira. Cinco horas da manhã. Será
que aqueles dois não se saciavam nunca? De repente, o quarto pareceu-lhe extremamente
quente e abafado, tinha a sensação de que as paredes estavam se fechando sobre ela, Não
conseguia respirar nem pensar direito. Na cama ao lado, Linda permanecia imóvel,
profundamente adormecida.
Levantando os joelhos, Amber enfiou a cabeça entre eles, em uma tentativa de
acalmar-se. Percebendo que não conseguiria, tomou uma decisão. Procurando não fazer
ruído, levantou-se, vestiu um short e uma blusa de moletom. Prendeu os cabelos num
rabo-de-cavalo, enfiou as chaves e a carteira no bolso e, com os tênis na mão, saiu do
apartamento.
Depois de trancar a porta, sentou-se nos degraus, calçou os tênis e desceu até o
abrigo para bicicletas, no térreo.
Faltava cerca de meia hora para o nascer do sol, e Amber pedalou pelas ruas
desertas, sem destino, respirando o ar fresco e absorvendo a paz. Chegando às imediações
da marina, prendeu a bicicleta a um poste e foi caminhar na doca. Era agradável ouvir o
som dos próprios passos sobre as placas de madeira, enquanto o céu começava a clarear
no horizonte.
Sentou-se junto a um pilar e, chapinhando os pés na água, admirou por alguns
minutos o espetáculo do alvorecer, extasiada com os tons alaranjados que coloriam o céu e
o mar.
Abraçou o pilar de madeira e deixou-se ficar ali, usufruindo de um profundo
contentamento interior.
Reece apoiou os pés na grade de metal e se recostou com um suspiro audível,
segurando nas mãos uma xícara de café fumegante. Aquela era a hora do dia de que ele
mais gostava, principalmente quando estava no mar.
Assistir ao sol se levantar lentamente no céu era um deleite especial que nunca
deixava de trazer-lhe paz. Não era a mesma coisa ali no ancoradouro, mas ainda assim ele
adorava aquele momento, antes que o resto do mundo acordasse.
Distraído, olhou na direção da doca, e um movimento atraiu-lhe a atenção. Parecia
que ele não era o único a apreciar aquela hora do dia.
Curioso para saber quem era a outra pessoa a dividir sua predileção, levantou-se e
foi até a cabine. De posse de um par de binóculos, voltou para a proa e focalizou o píer.
Quase derrubou a xícara.
— Não acredito!
Tornou a ajustar o foco do binóculo. Amber Presley estava sentada na doca de
madeira, encostada ao pilar, o olhar perdido no horizonte. Pela expressão de seu rosto,
Reece podia afirmar, sem sombra de dúvida, que ela apreciava aquele momento mágico
tanto quanto ele.
A descoberta lhe dava uma oportunidade que ele não podia desperdiçar. Deixou a
xícara de café no piso do convés e se dirigiu para o píer, ignorando o nó que se formava
em seu estômago.
Ao se aproximar de onde Amber estava, Reece diminuiu o passo, temendo
assustá-la. A figura feminina dela o encantou. Parecia ter virado mulher de repente...
Daquele ângulo, o corpo dela parecia mais curvilíneo, a cintura mais fina, os quadris mais
cheios.
Reece tratou de afastar o pensamento, considerando-a uma criança linda e
adorável... Concentrando-se no rabo-de-cavalo, seguiu em frente, com um leve sorriso nos
lábios.
Amber não percebeu a aproximação de Reece até que ele estivesse ao seu lado. Sua
surpresa ao vê-lo devia ter sido evidente, porque o sorriso dele se transformou numa
risada.
— Você!
Reece Carlyle... Iluminado pela claridade difusa da aurora, parecia uma visão,
alto, forte e dominador. Por um momento, Amber pensou que estivesse sonhando.
— Bom dia — disse ele, com um sorriso mais radiante que qualquer raio de sol.
Amber sentiu-se derreter por dentro.
— Bom dia. Eu não esperava ver ninguém mais por aqui.
Ele se sentou ao lado dela, as pernas bronzeadas expostas sob o short azul.
— Eu adoro esta hora da manhã. Para mim, é a melhor hora do dia. — Ele fez uma
pausa e acrescentou: — Vi você do meu barco. Ali está ele, o Porto Feliz.
Amber ficou surpresa com o tamanho do veleiro, que devia ter, no mínimo,
quarenta pés.
— Você veleja sozinho?
— Sim. Quase tudo é mecanizado, automático. E tomo cuidado para não ser
surpreendido em situações de risco no mar. Faz quase três meses que estou vagando pelo
golfo do México e pretendo passar mais três antes de voltar ao mundo real.
Amber voltou-se para ele para analisá-lo. A luz da manhã certamente o
valorizava. Sentado ali, recém-barbeado e dourado pelo sol, os cabelos encaracolados
descendo pela nuca, parecia um deus grego. Os pêlos das pernas e braços musculosos
eram louros de tanto ficarem expostos ao sol. Mesmo as sobrancelhas castanhas eram
salpicadas por fios louros. Amber estudou o rosto dele. Reece possuía traços angulosos e
marcantes; os olhos verdes, embora penetrantes, transmitiam gentileza.
— Você não desiste fácil, não é? — observou ela. Ele sorriu e olhou para baixo,
para os próprios pés.
— Não, não desisto — admitiu.
Mas ele havia desistido certa vez, de alguém. Amber podia perceber isso em sua
voz, que não escondia uma ponta de remorso. Voltou a atenção para o barco, meio que
esperando por um convite para ir a bordo, imaginando o que o havia compelido a iniciar
aquela jornada solitária.
— Por acaso sabe onde se pode tomar um bom café da manhã por aqui? —
perguntou ele.
— Claro. — Virando o corpo, Amber apontou para o calçadão. — É só seguir
direto até a rua Front. Vire à esquerda na rua Simonton e antes de chegar à Fleming verá
mesas na calçada. É um lugar simples, não há salão interno, mas a comida é muito boa. O
café, então... é maravilhoso! E os croissants... são divinos!
Reece riu.
— Parece perfeito. Mas... rua Front? Não me recordo de essa rua se ligar ao
calçadão.
— Bem, não exatamente, mas...
Ele se levantou de repente, quase em um salto.
— Por que não me mostra? — sugeriu, estendendo-lhe a mão. — Não lhe apetece
um bom café da manhã?
Lançado o desafio, olhou-a com um sorriso maroto nos lábios, que ao mesmo
tempo a deixou intrigada e lisonjeada.
Amber viu-se retribuindo o sorriso e aceitou a mão estendida, pondo-se de pé com
a ajuda dele.
Caminharam lado a lado em direção ao calçadão, e só quando atingiram a rampa
de acesso Amber se lembrou da bicicleta.
— Podemos voltar para pegá-la mais tarde — disse Reece.
Amber mordiscou o lábio inferior. Mais tarde... Isso implicava algo mais que um
café da manhã, ou não? Estaria imaginando coisas?
Reece pareceu ler seus pensamentos. Sacudiu a cabeça e riu.
— Estou sozinho naquele barco há três meses — disse ele — e foi uma experiência
interessante, mas agora eu gostaria de um pouco de companhia. É só isso. Mas se acha que
pode precisar escapar para longe de mim, leve a bicicleta.
Colocado dessa maneira, pareceu absurdo o temor de Amber. E era mesmo. Ali,
ela estava no comando da situação, Reece nem mesmo sabia para onde estavam indo. Ela
sorriu.
— Acho que sou do tipo cautelosa.
— Eu já tinha notado. E, para ser honesto, aprovo isso.
— Aprova?
— Certamente. É sensato ter cautela. Tive trabalho para ensinar isso a minha filha.
Uma filha... Então ele era casado. Ou fora.
— Você tem uma filha?
Reece abriu um sorriso cheio de orgulho.
— Ela se chama Brittany. Tem onze anos, é linda, inteligente e muito esforçada.
Mora com a mãe, mas ficarei com ela um mês inteiro no barco, antes de as férias
terminarem.
Um alívio absurdo inundou Amber.
— Você é separado?
— Sim. Faz pouco mais de um ano que me divorciei. — Um laivo de amargura
perpassou as palavras.
— Sinto muito.
— Eu também, mas foi uma decisão mútua e era a melhor coisa a fazer. — Ele
cruzou os braços. — Bem, estou com fome. E o nosso café?
Ela assentiu. Andaram alguns metros em silêncio. Então Reece se voltou para ela.
— Então, fale-me de você, Amber Rose.
— O que quer saber?
— Bem, para começar, como veio parar em Key West?
Sorrindo, ela respondeu sem titubear.
— Pura e simples estupidez, recheada com um tanto de imaturidade.
Reece olhou-a surpreso e depois riu.
— Parece que essa condição não é permanente. Por favor, explique melhor, se não
se importa.
O engraçado era que ela não se importava em contar.
— Eu cresci no Texas — começou — mas fiz faculdade no estado de Nova York,
onde é frio e neva muito. Aliás, formei-me no meio do período letivo, ou seja, no inverno.
— Quando estava nevando muito — observou ele com argúcia.
— Isso mesmo. De qualquer forma, eu não podia voltar para casa, assim, quando
alguns amigos sugeriram que viéssemos para Key West para comemorar e fugir do
inverno, achei que era uma boa ideia.
— O que você quis dizer com "não podia voltar para casa"? — perguntou ele
cuidadoso.
Ela deu de ombros, balançando os braços ao caminhar.
— Isso mesmo. Eu não podia voltar para a casa dos meus pais. Eu não podia, não
posso nem mesmo morar perto deles.
— Por quê? — ele pressionou. — Quero dizer, não é da minha conta, claro, mas
falando por mim mesmo, acho que ficaria arrasado se minha filha não quisesse viver perto
de mim.
— Então não tente viver a vida por ela — Amber respondeu de pronto. — Não lhe
diga quem deve ter como amigos ou não. Não lhe diga onde deve trabalhar ou que roupa
vestir, que tipo de música deve ouvir ou não. Quem ela deve ou não namorar, a que horas
precisa dormir e acordar... e como deve respirar. — O desabafo terminou em um longo
suspiro.
Reece esticou as mãos à frente.
— Mas é bem isso que os pais fazem pelos filhos, não é? Eu certamente policio as
atividades da minha filha, monitoro sua agenda e oriento suas amizades.
— Sim, mas sua filha tem onze anos. Eu já fiz vinte e quatro.
— E quando foi a última vez que viu seus pais?
— Na formatura.
— Devem estar arrasados — disse ele, balançando a cabeça.
— Tenho procurado dizer-lhes que estou bem — respondeu ela na defensiva. —
Mas toda conversa acaba em discussão ferrenha, com meu pai ordenando que eu volte
para casa e eu insistindo em desobedecer.
Reece fez um gesto com a mão como para dizer que isso não tinha importância.
— Voltando ao ponto em que você veio para Key West para comemorar... Como
acabou ficando aqui?
Ela fez uma careta.
— Meu pai fez um estardalhaço por causa da viagem. Ele achava que eu ficaria
bêbada e acabaria me afogando, ou coisa pior. Acho que resolvi lhe dar razão, provar que
ele estava certo.
— Foi o que você fez?
— Bem, foi uma festa e tanto — admitiu ela — mas quando acabou, nada tinha
mudado. Então chegou a hora de ir embora e eu não tinha para onde ir. O tempo nessa
época do ano é maravilhoso, e uma amiga minha conheceu um rapaz que nos ofereceu um
lugar para ficar. E nós ficamos.
— E onde está ela agora?
— Oh! não deu certo entre eles, e depois de algumas semanas ela voltou para casa,
em New Jersey. Naquela época eu já estava empregada como recepcionista em uma
imobiliária, onde, por sinal, encontrei meu primeiro apartamento. Mas tudo era muito
caro, precisava juntar cada centavo para pagar as contas, e comecei a perceber que não
queria realmente ficar aqui.
— E isso foi há quanto tempo?
— Dois anos. Bem, dois anos e meio. Demorei quatro ou cinco meses até me dar
conta de que havia cometido um erro.
— Mas você ainda está aqui.
— E estarei nos próximos meses.
Ele estacou e colocou as mãos nos quadris.
— Eu não compreendo.
— Primeiro precisei esperar vencer o contrato do meu aluguel. Depois tive de
procurar um novo lugar para morar e pessoas para dividir o aluguel. Naquele meio tempo
eu havia trocado de emprego porque no antigo eu não ganhava o suficiente para pagar as
despesas e ainda economizar. Assim, arrumei um segundo emprego. Desde então tenho
guardado dinheiro para poder recomeçar. Mas leva tempo para juntar o suficiente. Não
esqueça que estamos no extremo sul dos Estados Unidos. Sair daqui custa caro. Uma
passagem aérea para Miami custa duzentos dólares e eu não pretendo ficar em Miami.
Tudo que possuo são meus shorts, jeans e camisetas.
— E uma fantasia de bruxa — acrescentou Reece sorrindo.
— Muito bem lembrado — admitiu ela. — O ponto é, preciso de um guarda-roupa
adequado para sair daqui e ir à procura de um emprego decente. Sem falar no custo de um
lugar para viver até arrumar trabalho. Bem, por aí vai... moradia, móveis, comida,
transporte.
Concordando com ela, Reece baixou a cabeça antes de dizer:
— Seria bem mais fácil se você voltasse para casa.
— Mais fácil? — zombou Amber. — Creia-me, seria tudo, menos isso.
— Certamente seus pais a ajudariam a recomeçar — argumentou Reece com
suavidade.
— Não se trata de meus pais me ajudarem. Você pediria aos seus pais que o
ajudassem a recomeçar agora?
— Bem, não, mas...
— Não tem mas — insistiu ela. — Sou adulta, e se eu permitir que meu pai pense
o contrário, mesmo que só por um instante, é melhor voltar a usar trancas. Não, eu preciso
fazer isso sozinha. Eu farei isso sozinha. Espero que um dia possamos, meu pai e eu, ter
um relacionamento honesto e afetuoso. Mas para isso ele precisa me respeitar, portanto
voltar para casa está fora de cogitação.
Por um momento ela pensou que Reece fosse discutir a questão, mas ele apenas
sorriu e, passando a mão no estômago, falou:
— Por favor, diga que estamos perto do café. Rindo, Amber apontou para frente.
— Acha que consegue aguentar mais dois quarteirões?
— Vou tentar — retrucou ele, ao arrastar as pernas, fingindo fraqueza. — Se eu
não conseguir, jogue meu corpo no mar.
— Não vou arrastar sua carcaça de volta ao porto. — exclamou Amber, entrando
na brincadeira.
— Que moça cruel! É assim que trata os amigos?
— Pelo menos você continua andando... Amber passou por ele, acelerando o
passo.
— Nada de café para você — gritou ele ao ser ultrapassado.
Um instante mais tarde Reece a alcançou. Amber estava intimamente satisfeita por
ter sido chamada de amiga.
— Alguém já lhe disse que você não é nada divertida?
— O tempo todo.
— Bem, eles mentiram — falou Reece com um sorriso brilhante estampado no
rosto.
Ele ensaiou um movimento para enlaçar os ombros de Amber, mas recuou,
embaraçado. Afastou-se e, pigarreando, desculpou-se.
— Estou com tanta fome que fiquei bobo — murmurou ele.
Amber desviou o olhar, caminhando direto para o tablado de madeira cheio de
mesinhas e cadeiras.
— Se a questão é essa, está salvo. Chegamos. — Atrás dela, Reece inspirou
profundamente.
— Oh! sinta o aroma deste café!
Rindo, Amber saudou o homem atrás do balcão.
— Bom dia, Alonso.
— Bom dia, Amber. Como vão as coisas?
— Tudo bem. Meu amigo aqui está a ponto de ter um colapso de tanta fome.
— Acho que podemos resolver isso já. O que querem?
— Dois cafés, para começar. E eu quero dois croissants com requeijão. — Virou-se
para Reece: — E você?
— Queria algo mais substancioso. — Assim que Alonso colocou as xícaras no
balcão, ele pediu: — Dois croissants para mim também, mais uma omelete de camarão e
para acompanhar um fatia de bacon frito.
Alonso e Amber trocaram olhares surpresos diante de Reece, que argumentou:
— Sempre como bem no café da manhã, e hoje estou particularmente faminto.
Amber virou-se para Alonso:
— Você ouviu.
— Hum-hum — Alonso respondeu. — Eu gosto de um homem que sabe comer. —
E soprou um beijo na direção de Reece antes de se voltar para a cesta de ovos.
A ilha abrigava uma substancial população homossexual. Amber estava
acostumada com a convivência divertida e irreverente, mas a maioria dos turistas
estranhava um pouco. Reece apenas fez de conta que não percebera os olhares de Alonso
em sua direção.
Passando a xícara de café para ele, perguntou:
— Creme e açúcar?
— O meu, puro, por favor. — E, dando um gole, aprovou: — Excelente!
— Vamos nos sentar, Alonso nos avisará quando a comida estiver pronta.
— Não acredito que estamos sozinhos aqui — disse Reece olhando ao redor. — Só
este café devia trazer uma multidão para cá.
— Key West não é uma cidade matutina — explicou Amber, tomando um gole do
café. — Alonso serve um brunch ótimo aos domingos, e no fim da tarde há sanduíches e
drinques gelados.
— Bem, eu, particularmente, fico feliz que ele abra para o café da manhã.
— Mais café?
— Não, prefiro esperar pela comida.
— Se é assim, que tal me falar um pouco de você? Até agora só falamos de mim.
Ele deu de ombros.
— Não há muito que contar. Sou texano também, como você.
— Eu já tinha reconhecido o sotaque. — Reece deu um risinho.
— Cresci em Corpus Christi, fiz faculdade em Houston, onde me fixei. Era lá o
meu lar, mas vendi tudo, casa e negócio. Não tenho mais nada lá, nem em lugar algum.
— Que tipo de negócio?
— Tecnologia em informática.
— Para mim, computadores são mais ou menos como máquinas de escrever. Meu
diploma é de Arte Dramática e Língua Inglesa.
— Muita gente pensa como você, mesmo no mundo dos negócios. É aí que eu
entro, eu e minha equipe desenvolvemos o melhor software para cada empresa e
ensinamos como utilizar a tecnologia disponível.
— Parece interessante.
— E é Ou era. — Ele pigarreou. — Vendi a empresa para uma corporação
multinacional. Meu problema agora é que não sei o que fazer da vida. Assinei um termo
de compromisso para ficar fora do mercado, o que significa recomeçar do zero. Não acho
que aos trinta e oito anos esteja velho para recomeçar nos negócios, só não sei o que
gostaria de fazer. — Ele suspirou. — É por isso que estou aqui. Decidi tirar seis meses para
pôr minha cabeça em ordem, entende?
Amber sorriu compreensiva.
— E como! — admitiu ela — Tenho tentado pôr minha cabeça em ordem nos
últimos vinte e quatro anos.
— Não se apresse. Eu me casei aos vinte e quatro, e vivi o arrependimento de ter
feito isso, creia-me. Exceto pela minha filha. Por ela nunca me arrependi.
— Disse que ela tem onze anos.
— Isso.
— Então você foi pai aos vinte e sete.
— Exato.
Ela olhou para dentro da xícara.
— Pergunto-me se serei mãe aos vinte e sete.
— Quer ser?
Amber inclinou a cabeça para o lado, pensativa.
— Sim, acho que sim. Sempre adorei crianças. Na verdade, resolvi que quero
lecionar.
— Mesmo? Que matéria?
— Vida — respondeu ela, e explicou em seguida: — Gostaria de ensinar teatro
para crianças com problemas ou carentes.
— O teatro como um microcosmo da vida real? —perguntou ele com
desconfiança.
Franzindo o nariz, Amber corrigiu:
— Mais o teatro como ferramenta de crescimento pessoal. Desde ensinar a
construção de cenários, a confecção das fantasias, a integração da iluminação, som e
movimento... Além da arte dramática em si, que pode ensinar desinibição aos tímidos,
disciplina aos extrovertidos, graça aos desengonçados, imaginação e tantas outras coisas...
Reece estava justamente pensando nisso quando Alonso tocou a sineta
anunciando que a comida estava pronta.
— O desjejum está servido!
— Deixe que eu vou buscar — apressou-se Amber a dizer, rindo do desconforto
dele diante dos olhares de Alonso.
— Obrigado. Espere! — Ficando em pé, tirou a carteira do bolso. — Vou pagar,
lembra-se?
— Não é preciso.
— Claro que é. — E colocou uma nota de vinte dólares na mão dela. — Eu insisto.
O trato era que você mostrasse o caminho e eu pagaria.
— Certo.
Brincando, ele acrescentou:
— Ganha uma gorjeta se conseguir distrair o cozinheiro.
— Ele não é o meu tipo — sussurrou Amber de volta.
— Nem o meu, esse é o problema.
Rindo, ela se virou. Enquanto esperava pelo troco, ocorreu-lhe que fazia muito
tempo que não se sentia tão contente.
CAPÍTULO III
Estava maravilhoso! — exclamou Reece, novamente alisando o abdômen. —
Agora preciso caminhar.
Amber se levantou e começou a reunir tudo sobre a bandeja. Reece se levantou
prontamente.
— Deixe que eu faça isso. Afinal de contas, você serviu.
Ela deu de ombros.
— Tudo bem.
Ele juntou tudo, colocou na bandeja e depositou-a no local adequado sobre o
balcão. Alonso não perdeu tempo.
— Volte sempre, viu?
Reece acenou e sorriu, murmurando baixinho:
— Sozinho, nunca.
Amber tapou a boca com a mão para abafar o riso, e Reece a pegou pelo braço.
— Rápido, antes que ele comece a mandar beijos de novo — falou por entre os
dentes.
Ela atendeu ao pedido e apertou o passo rua abaixo.
— Onde é o incêndio? — brincou Reece, alcançando-a. Amber apontou para o alto.
— Está começando a esquentar.
— Mais uma razão para ir devagar — disse ele.
— Especialmente se você acabou de se empanturrar — provocou ela.
— Não foi culpa minha. Eu estava com fome. E ele encheu meu prato com todas
aquelas delícias.
Amber riu.
— Ele gostou de você.
— Se existe algo que eu posso falar daquele sujeito é que ele é um cozinheiro de
mão cheia.
— Isso é verdade. Para ser honesta, ele lhe serviu uma porção mais generosa que o
habitual.
— Eu percebi.
— Mas não vi nenhuma arma apontada para sua cabeça obrigando-o a comer
tudo.
— Sou um homem fraco. Não resisto a tentações. — Amber baixou a cabeça e riu,
e Reece imitou-a.
— O que há de tão engraçado? — quis saber ele.
— Você. Um homem fraco não teria feito tudo o que você já fez, aos trinta e oito
anos.
Ele deu de ombros.
— Trinta e oito anos é bastante tempo.
— Depende da perspectiva, não acha?
— Talvez.
— E o resto da sua família? — perguntou ela ao perceber subitamente que ele só
falara da filha e da ex-mulher.
— Continuam todos em Corpus Christi. Meu pai era funcionário público e já se
aposentou. Meu irmão caçula também continua lá, é casado e tem dois filhos. Meu irmão
mais velho mora em Galveston. Finalmente se casou e minha cunhada está grávida, mas
ela já tem um casal, do primeiro casamento. Jason é louco por eles.
— Você é o irmão do meio, então.
— Sim. Temos dois anos de diferença entre cada um.
— Em que mês você faz aniversário? — Ela quis saber.
— Janeiro, dia dez.
— Eu também faço aniversário no dia dez, mas de fevereiro.
— Sério? Poucos dias antes do dia dos namorados na América... Seu namorado
nunca tentou juntar as datas e lhe dar um único presente?
Amber riu.
— Eu não tenho namorado.
— E o taxista?
Amber se esquecera de que ele a vira com Walt no dia anterior.
— Ele não é meu namorado. O que o levou a pensar isso?
— O jeito como ele falou com você. Ele a chamou de querida.
— Walt sempre me chama assim. É o jeito dele.
— Mas eu entendi que vocês moravam juntos...
— E moramos. Divido um apartamento com ele e mais duas garotas.
— Então Walt é só um amigo — repetiu ele.
— Foi o que eu disse!
— Desculpe-me... Achei que era seu namorado, só isso.
— Acha que eu tomaria café com você se tivesse namorado?
Reece piscou para ela.
— Bem, e por que não? Não acho que ele se importasse, dada a diferença de idade
entre nós.
— Que diferença de idade?
— Bem, sou catorze anos mais velho que você.
— E daí? Somos ambos adultos, isso é o que importa. — Reece pareceu confuso a
princípio, depois deu sorriu, concordando.
— Está certa.
— Para onde você vai depois que puser a cabeça em ordem?
— De volta para Houston.
— Mesmo sendo lá que mora sua ex-esposa?
— Minha filha mora lá.
— Tudo bem... mas e se ela fosse adulta e não precisasse mais de você?
Ele cruzou as mãos para trás, pensativo.
— Bem, eu gosto do Texas, e há muitas oportunidades em Houston. Sim, acho que
voltaria para lá.
— Corpus Christi, não?
— Não existe o mesmo mercado.
— E Dallas?
— Talvez. Mas Houston é mais perto da minha família.
— San Antônio?
— Realmente gosto de estar perto do mar. Amber concordou. Parecia
perfeitamente lógico.
— E você? Vai voltar para o Texas?
— Pode ser. Pensei em ir para o Nordeste, mas não gosto mesmo do frio. Cogitei a
Costa Oeste, mas...
— Texas é a sua casa — Reece completou por ela.
— Acertou.
— Então é possível que volte para Dallas.
— Não, para Dallas, não. Talvez San Antônio, ou El Paso.
— Amarillo?
— Esqueceu que odeio...
— Invernos rigorosos? — interrompeu ele, demonstrando que não esquecera.
— Exatamente.
Continuaram andando, falando e brincando. Os assuntos iam e vinham, passando
pelas excentricidades de Key West, o que forneceu-lhes motivos de sobra para risadas.
Antes que Amber desse por si, a manhã havia terminado e ela estava diante da
entrada do edifício. Walt estava sentado nos degraus da frente.
— Chegamos — anunciou ela.
— Já? — perguntou Reece, só então se dando conta de onde estavam. — Não me
dei conta de que estávamos andando nesta direção. Aliás, que horas são?
Ele olhou para o relógio de pulso.
— Meio-dia e meia!
Eles se entreolharam boquiabertos e caíram na risada. O tempo voara sem que
nenhum dos dois notasse.
— Deixamos sua bicicleta no porto — lembrou Reece de repente, e Amber gemeu,
pensando na longa caminhada sob o sol escaldante e no trajeto de volta.
— Eu a apanho mais tarde — decidiu. — Depois que refrescar.
Reece assentiu e lançou um olhar de soslaio para Walt.
— Tive uma ideia — disse, com os olhos brilhantes. — Por que não voltamos e
antes de você pegar a bicicleta damos um bom mergulho para refrescar?
Amber sorriu. A proposta era por demais tentadora, nem tanto para se refrescar,
mas para continuar mais tempo ao lado de Reece.
— Vou trocar de roupa — declarou, aceitando o convite.
— Ótimo. Vou esperar aqui na sombra. — Ele apontou na direção de uma
palmeira no gramado.
Amber começou a escalar os degraus de dois em dois, olhando para trás.
— Não me demoro.
— Leve o tempo que precisar.
Ela sorriu e passou por Walt, subitamente animada. Até o calor parecia ter
amainado, e uma sensação de liberdade a dominava por inteiro. Pela primeira vez admitiu
que gostava de Reece Carlyle. Não apenas gostava, mas também se sentia fortemente
atraída por ele.
Walt levantou-se e a seguiu escada acima.
— Eu a vi com aquele sujeito. O que está acontecendo?
— Nada de mais. Vamos nadar, só isso.
— Vai nadar com ele?
— Juro que ele não é um assassino, Walt.
— Como você sabe?
— Passei a manhã toda com ele e posso garantir que é completamente inofensivo.
Na verdade, ele é um doce de pessoa.
— Isso não quer dizer nada. Ainda acho que não devia ir.
— Ora, não é você quem vive dizendo que nunca me divirto? Pois bem, vou me
divertir agora.
Walt ficou sério, mas não disse nada. Amber apreciava sua preocupação, mas
realmente estava se divertindo e não estava disposta a parar, não naquele momento.
— É melhor eu me apressar — disse alegre, fingindo não escutar os resmungos do
amigo atrás de si.
Reece não ficou totalmente surpreso quando, ao ouvir o som de passos pesados e
firmes, virou-se e se deparou com Walt a seu lado. Decidiu ser amistoso e polido, a
despeito da postura quase agressiva do outro homem.
— Olá.
— Eu vi você no outro dia, na porta do restaurante — disse Walt em tom
acusador.
Reece manteve a calma.
— Também o vi. — Estendeu a mão. — Meu nome é Reece Carlyle.
Walt ignorou o cumprimento.
— Amber não está no mercado.
Inclinando a cabeça para o lado, Reece deixou a mão cair sobre a coxa lentamente.
— Amber já me contou que vocês dois são amigos.
— Ainda assim, ela não está no mercado.
Como Reece suspeitava, Walt não tinha a mesma visão que Amber quanto ao
sentimento entre eles. Mas não queria criar problemas.
— Nem eu, tampouco — respondeu sem hesitar.
— Posso ver que não — zombou Walt — pelo menos não para um relacionamento
sério. Sei o que você quer, mas aviso já que, com Amber, não vai conseguir.
Reece sentiu o sangue ferver. Levantou-se e, dando um passo à frente, encarou o
outro homem.
— Vou deixar passar desta vez — falou com voz pausada — porque compreendo
e admiro sua preocupação e cuidado com Amber, mas que fique claro que está insultando
a nós dois com suas insinuações.
— Eu não insinuei nada! — exclamou Walt recuando. — Só estou dizendo para
ficar longe de Amber!
— Desculpe-me, Walt. — Reece usou o nome do oponente pela primeira vez. —
Não posso fazer isso, e duvido muito que Amber aprove esse tipo de interferência na vida
dela.
Walt ficou rubro de raiva.
— Escute aqui, estou avisando para ficar longe de Amber, ou...
— Ou o quê? Vai me bater? Ótimo. Mas não espere sair disso com todos os dentes
na boca.
No instante seguinte, Walt agarrou-o pela camisa com ambas as mãos. Reece se
soltou com um único movimento, mas se viu frente a frente com os punhos levantados do
outro.
O ruído da porta se abrindo, entretanto, foi suficiente para acalmar os ânimos.
Walt ergueu o olhar, cheio de culpa, mas ainda teve tempo de sibilar para Reece:
— É bom que não a faça sofrer...
— Nunca — prometeu Reece justamente quando Amber chegava ao último
degrau. — Pronta?
Ela olhou para ambos e sorriu, alheia à situação que provocara sem saber.
Segurava uma toalha de praia dobrada contra o peito. As alcinhas púrpura do
maiô apareciam sob o decote da camiseta amarela, do comprimento de um vestido. Nos
pés, usava sandálias plásticas coloridas.
Reece passou por Walt, pegou Amber pelo braço e seguiu pela calçada.
— Até logo — disse ela para o amigo.
Eles caminharam o mais depressa que o calor permitia, apertando o passo,
ansiosos por alcançar logo o oceano.
O bote estava no lugar exato em que Reece o deixara pela manhã. Amber pulou
para dentro com destreza e sem nenhuma ajuda. Manobrando entre as muitas
embarcações que lotavam o cais, vagarosamente escaparam para longe da agitação.
Amber se acomodou, as mãos espalmadas sobre o banco, as pernas esticadas à
frente. Bastaria um gesto e Reece alcançaria sua coxa. O impulso o chocou sobremaneira e,
resoluto, fixou o olhar à frente.
— Você tinha razão — disse ela. — É bem mais fresco aqui.
Ele concordou, subitamente sentindo-se pouco à vontade, como um adolescente
no primeiro encontro.
Quando chegaram perto do veleiro, Reece alcançou a escada e firmou ali o bote.
Amber, mais que depressa, despiu a camiseta, enrolou-a junto com a toalha e subiu com
rapidez os degraus.
Boquiaberto, Reece ficou admirando a elegância do maiô púrpura, que moldava as
formas femininas de Amber, antes de segui-la.
Ela era miúda, porém possuía um corpo excepcionalmente bem-feito, com curvas
pronunciadas e insinuantes.
Acompanhou-a com o olhar até ela desaparecer dentro do barco, enquanto uma
voz dentro de si gritava: Ela não é uma criança! Nem de longe! É uma mulher adulta,
madura, deliciosa. Mas era a filha de Robert
Presley, seu amigo. Isso bastou para fazer o ar voltar aos seus pulmões e acalmar
seu coração.
Ela podia não ser uma criança, mas continuava sendo a filha de seu amigo. Amigo
esse que estava preocupado com a filha. Mesmo sendo adulta, ainda era a filha de Robert.
Isso o lembrou da sua missão ali. Tinha um dever a cumprir, e esse dever era
convencê-la a sair daquela ilha. E voltar para casa.
Parada no centro do tombadilho, Amber espiava pela escotilha o interior da
embarcação. A decoração era moderna e de extremo bom gosto.
— Sinta-se em casa, por favor — disse Reece. — Já vamos zarpar.
Amber deixou suas coisas sobre uma cadeira e virou-se para ele.
— Posso ajudar em alguma coisa?
— Bem, se quiser descer e pegar alguma coisa gelada para nós...
— Claro! — Amber brindou-o com um sorriso antes de descer à cabine.
A âncora já fora içada e o motor roncava quando ela retornou com duas cervejas
geladas.
— Adorei seu barco — elogiou ela ao entregar uma lata a Reece.
— Fico feliz com isso.
Ele sorriu, olhando para a frente, e Amber sentiu-se derreter com a visão daquele
perfil másculo.
Reece obedeceu todos os procedimentos de praxe, avisando pelo rádio sua rota
antes de guiar o barco para fora da baía. Assim que atingiram o mar aberto, Amber falou:
— Podemos içar as velas?
— Claro que sim. Já velejou antes?
— Já, mas nunca em um barco como este.
Com as velas içadas, o Porto Feliz cortava as ondas ao sabor do vento.
— É incrível! — gritou Amber extasiada.
Quando ela abriu os braços para sentir o vento, seu rosto exibia uma expressão de
completo abandono e delírio.
Reece segurou o timão com ambas as mãos e, fixando o olhar à frente, repetiu
mentalmente uma ladainha desesperada: Jovem demais. Filha do meu amigo. Jovem
demais. Filha do meu amigo. Jovem demais...
E uma mulher absolutamente tentadora.
Fechou os olhos, com profunda consciência de que estava metido em uma grande
enrascada.
CAPÍTULO IV
O passeio foi rápido demais para o gosto de Amber, mas o barco era de Reece, e
ela não era o tipo de convidada que impunha suas vontades. Adorara a sensação de
navegar sobre as ondas, com as velas infladas sobre sua cabeça. Fazia muito tempo que
não se sentia tão despreocupada.
— Pronta para mergulhar? — perguntou Reece sem olhá-la diretamente. — Pensei
em ancorarmos lá, bem longe dos recifes. Que tal?
— Ótimo.
— Lá embaixo tem um aparelho de CD — disse ele. — Fica no armário sob a
estante de livros. Por que não desce e coloca uma música?
— Certo. Alguma preferência?
— Fique à vontade para escolher. Tem um pouco de tudo, mas muitos são os
favoritos de minha filha.
— Vou dar uma olhada.
Amber desceu para a cabine interna. A estante comportava um sofisticado
equipamento de som e vídeo e uma vasta gama de fitas e CDs. Percorreu rapidamente os
olhos pelos títulos dos filmes e constatou que o gosto de Reece combinava com o seu.
O mesmo não se podia dizer quanto à música. Muitos dos discos eram de bandas
jovens, provavelmente do gosto da filha de Reece. Mas também encontrou música clássica,
trilhas sonoras de filmes e de peças musicais. E, o mais importante, CDs do bom e velho
rock clássico.
Escolheu um deles, e após alguns instantes lidando com os botões do aparelho, a
música encheu o ambiente.
O barco perdeu velocidade, e ela percebeu que Reece estava recolhendo as velas.
Decidiu subir para ver se ele precisava de ajuda. Chegou ao convés a tempo de vê-lo
prender as amarras nos mastros. Espantosamente, o som ali era mais nítido que na cabine.
Ele a brindou com um olhar surpreso, sorriu e disse:
— Boa escolha. Um dos meus favoritos.
— Meu também.
— Mesmo? Pensei que preferisse algo mais... como se chama? Techno?
Amber fez uma careta e Reece riu.
— Gosta mesmo de rock clássico?
— Há tempo que eu estava querendo comprar esse CD — confessou ela.
Reece parou o trabalho por um momento para olhar para Amber.
— O dinheiro está assim tão curto? — Ela franziu o nariz.
— Sou eu. Não consigo deixar de pensar que cada centavo gasto é um centavo a
menos para sair desta ilha.
— Se deseja tanto ir embora, por que não volta para casa?
Esse era um terreno que já haviam trilhado antes, mas ainda assim Amber
respondeu à pergunta.
— Seria como sair de uma prisão para entrar em outra, ainda pior. Como se eu
estivesse sob condicional e voltasse para detrás das grades.
— A comparação é um pouco forte, não acha?
— Não.
Deixando tudo em ordem no convés, Reece desceu para vestir o traje de banho.
Minutos depois estava de volta, usando um calção azul-marinho e trazendo toalha em
volta do pescoço. Amber olhou extasiada para a musculatura rija do torso bronzeado.
Deixou escapar um suspiro. Era quase embaraçoso o modo como a visão de Reece
a afetava. Tossiu baixinho e se pôs de pé, virando-se para o lado.
— Não parece muito fundo aqui. — Ele tirou a toalha.
— Deveria ter perguntado antes, mas já que você mora em uma ilha, presumi que
sabia nadar.
— Como um peixe — disse ela, posicionando-se na amurada e mergulhando.
Amber mal tocara a areia do fundo quando sentiu o impacto do corpo de Reece
junto ao seu. Ao emergir, deparou com sua face sorridente, os olhos verdes realçados pela
cor do mar. Ambos riram.
— Quer apostar uma corrida?
Ela deu meia-volta na água e tomou a dianteira.
— Não tenha dúvida.
— Ei!
Amber estava bem à frente quando Reece saiu, mas ainda assim não era páreo
para a estatura dele. Quando finalmente o alcançou nem ao menos teve a satisfação de vê-
lo ofegante.
— De novo? — sugeriu ele.
— Não, obrigada. Sei quando estou fora do páreo.
Reece riu e deslizou sobre a água, seguido por Amber. O dia estava ensolarado, e a
água, tépida e cristalina. Entre uma braçada e outra, conversavam.
— Você se saiu muito bem hoje.
— Está dizendo que me comportei como um marujo de verdade?
— Pode acreditar.
— É um barco maravilhoso.
— Obrigado. Eu gosto muito dele.
— Posso ver por quê.
Reece mergulhou e deu a volta em torno de Amber, puxando-a pelos calcanhares.
Ela só teve tempo de encher os pulmões de ar antes de ir para baixo d'água.
Quando voltou à tona foi a sua vez de perseguir Reece e, quando teve chance,
empurrou-o para baixo pelos ombros. Por algum tempo persistiram naquela brincadeira,
imitando dois golfinhos, até que ambos ficaram exaustos.
Finalmente subiram a bordo, Reece primeiro, para ajudar Amber. Ao erguê-la,
seus corpos ficaram próximos pela primeira vez fora da água. O efeito desse contato foi
forte o bastante para que Amber perdesse o equilíbrio. Reece a agarrou pela cintura com
um só braço, e de repente ela se viu grudada ao torso másculo dele, com a respiração
suspensa e o coração disparado.
Por um segundo, a boca de Reece se aproximou, o hálito dele se misturando ao
dela. As pálpebras de Amber baixaram, tão forte era a compulsão de beijá-lo. Foi então
que ele virou a cabeça, soltando-a. Rápido, subiu os degraus da escada e entrou no barco.
Amber o seguiu com mais vagar, trêmula, mas não por causa do cansaço.
Encontrou-o se enxugando quando finalmente chegou ao convés, e atirou-se sobre
um dos colchonetes.
— Hora do almoço! — anunciou ele.
— Que bom... estou com fome!
— Que tal uma salada de atum com vinagrete de abacaxi? Tenho pão de alho para
acompanhar.
— Céus! Ele também sabe cozinhar!
— Se eu quiser comer, sim — corrigiu Reece.
— Acho que terei de ajudar para merecer minha parte.
— Não foi isso que eu quis dizer.
Ela abanou a mão e dirigiu-se à cabine.
— Entendi a indireta.
— Não, de verdade, eu nem sonharia em pedir que você...
Amber lançou um risinho malandro sobre o ombro, desarmando-o por inteiro.
— Está bem. Se quiser, pode arrumar a salada enquanto eu tosto o pão.
Na cozinha, Reece abriu a pequena geladeira e retirou de dentro os ingredientes
para a salada. Amber acomodou-se em uma das banquetas do bar e passou a arrumar as
verduras em uma tigela.
Juntou uma lata de atum, e em seguida preparou o vinagrete. Misturou abacaxi
picadinho, tomate-cereja, cebola, repolho roxo, passa, azeite, vinagre branco e salsinha,
depois temperou com sal e pimenta.
A exótica mistura caiu como um manto sobre as folhas frescas de rúcula, agrião e
alface. As torradas de alho espalhavam um aroma forte por todo o barco, aguçando o
apetite de ambos.
Reece abriu uma garrafa de água com gás e, para acompanhar a refeição tão bem
preparada, um vinho branco francês bem gelado.
Amber só percebeu o quão estava faminta ao se debruçar sobre o prato e
praticamente devorar a salada. Mal provou o vinho, porém tomou vários copos de água.
Deixou-se cair sentada no sofá ao terminar a refeição, deixando que Reece lavasse
a louça. Sabia que devia ajudá-lo, mas estava muito cansada para levantar dali, então
deixou-se ficar recostada, apreciando o som.
Com os olhos semicerrados, ouvindo a música e os ruídos na cozinha, sentindo o
balanço do barco, Amber sentiu um profundo contentamento invadir-lhe a alma. Era algo
tão intenso e pleno que imaginou que dificilmente se sentiria assim novamente.
Certamente, nunca viveria um momento como aquele depois que Reece Carlyle saísse de
sua vida, o que fatalmente aconteceria, mais cedo ou mais tarde.
Não queria nem pensar sobre isso.
Terminada a limpeza, Reece surgiu atrás do balcão, com um sorriso estampado no
rosto. Ela se sentou de pernas cruzadas sobre o sofá.
— Quando vai embora? — disparou.
— Daqui? Acho que daqui a pouco, tem algum compromisso?
— Não, eu quis dizer quando pretende ir embora de Key West.
Ele a encarou por um momento e depois deu de ombros, dirigindo-se para o sofá,
onde se sentou ao lado dela.
— Realmente não sei. Meu único compromisso importante é pegar minha filha,
mas para isso ainda falta mais de um mês.
— Não tem planos de ir a nenhum lugar até lá?
— Nenhum. Na verdade não tenho planejado muita coisa ultimamente. Por que
pergunta?
Não ocorreu a Amber responder nada além da verdade.
— Estava torcendo para que você ficasse algum tempo por aqui.
Assim que as palavras foram pronunciadas, a atmosfera mudou, tornando-se, de
alguma forma, eletrificada.
Ele a estava olhando de novo. Cruzando as mãos sobre o abdômen, pigarreou e
disse:
— É possível que sim.
Amber virou-se para ele com um misto de alívio e esperança. Reece parecia
sereno, relaxado, mas ela sabia que ele não estava assim. Podia sentir isso, como se o seu
coração batesse no mesmo ritmo frenético que o dela.
— Falando em deixar a ilha — disse ele sem olhar para Amber diretamente —
quando acha que estará pronta para partir?
— Estou pronta agora. Infelizmente precisarei de mais alguns meses para juntar o
dinheiro necessário.
Apoiando os cotovelos nos joelhos, Reece a olhou intensamente.
— Se você pedisse a seus pais, certamente eles a ajudariam.
— Será que você não entende? Seria como dar ao meu pai cordões para me
manipular como a uma marionete.
— Se minha filha sumisse da minha vida por anos, eu faria qualquer coisa para tê-
la perto de mim novamente.
— Perto para meu pai é uma coisa extrema — disse Amber. — Você não o
conhece. Ele tem uma personalidade muito forte e uma obsessão em me proteger, até de
mim mesma. Quando estou perto dele, minha vida se resume em agradá-lo. Como minha
mãe, que vive em função dele, Mas ela é esposa dele, escolheu essa vida, eu não. Não
quero voltar a ser a filhinha do papai, deixá-lo escolher minhas roupas e meus amigos.
Não vê? Não posso deixá-lo decidir por mim, nunca mais.
— Você prefere guiar turistas, servir mesas e dividir um apartamento e um quarto
a voltar para casa, onde tem conforto e poucas responsabilidades? — perguntou ele.
— Pelos próximos dez anos — afirmou ela com convicção.
Reece suspirou pesadamente.
— Suponho que esteja fora de questão eu ajudar você...
— Completamente! — interrompeu ela com mais veemência do que gostaria.
— Tudo bem. Não é da minha conta. Só não posso deixar de me colocar no lugar
do seu pai.
— Se você fosse meu pai, não existiria problema algum.
Reece sacudiu a cabeça e respondeu:
— Não pode dizer isso.
— Tem razão. Não posso imaginar você como meu pai, mas acredito que você seja
bem mais razoável que ele.
Reece relanceou os olhos para Amber e falou:
— Você realmente não consegue me ver como seu pai?
Ela riu.
— Parece que essa questão de idade incomoda mesmo você.
— Acho que sim.
— É uma pena, porque você é a primeira pessoa que... que me deixou à vontade.
"À vontade" não era a palavra ideal para descrever o que Amber sentia ao lado
dele, mas a intenção era essa mesmo, provocá-lo.
Reece olhou para ela, então tocou-a suavemente na face. De súbito pôs-se em pé.
— É melhor nos pormos a caminho.
Gostaria de pedir-lhe para ficarem um pouco mais, porém sabendo que pareceria
infantil, limitou-se a dar de ombros, aceitando o inevitável.
— Claro. Posso ajudá-lo com as velas desta vez? — Ele sacudiu a cabeça.
— Vamos com o motor.
Amber deu de ombros, desapontada.
— Tudo bem. De qualquer maneira, foi um dia incrível.
Por um momento Reece não disse nada, mas pousou a mão sobre o ombro dela.
— Está sendo o melhor dia desde há muito, muito tempo para mim.
Ele foi para o convés superior, e Amber deixou-se ficar ali, parada, tentando dar
um nome para a sensação que invadia seu peito e perguntando-se se as palavras dele
significariam algo mais. E se teria tempo para descobrir tudo isso antes que ele partisse.
— Foi ruim desde o começo — admitiu Reece, com as mãos nos bolsos, vendo-a
empurrar a bicicleta pela calçada.
Tornara a vestir a bermuda, e Amber estava com a camiseta sobre o maio. Não
sabia como começara o assunto sobre seu casamento, mas após um dia cheio de surpresas
isso não o perturbava.
Algo em Amber Rose Presley evocava honestidade e clareza. Era estranho estar
mentindo para ela. Entretanto se alegrava por ainda não ter lhe dito a verdade. Não teriam
tido aquele dia maravilhoso se tivesse contado tudo, e a verdade viria à tona mais cedo ou
mais tarde.
Deixando esse problema de lado, concentrou-se no assunto em questão.
— Eu achei que tinha que me casar e como estava namorando Joyce na ocasião, ela
foi a escolhida.
— E agora você acha que o casamento foi um erro. — Reece suspirou.
— A convivência não é tão fácil quanto parece. A verdade é que éramos ambos
jovens e inexperientes, tomamos uma decisão precipitada e inconsequente.
— Bem, eu quero me casar, mas não sei se algum dia aparecerá a pessoa certa...
Reece sorriu e olhou para ela. Aquela mulher era perigosa, verdadeiramente
perigosa. E excitante. Incrível.
— Fale-me mais sobre sua filha — pediu ela. Eles voltaram a caminhar, Reece
ajudando-a a empurrar a bicicleta; ele não se lembrava de ter falado tanto de uma só vez
sobre sua vida. Quando finalmente chegaram ao apartamento de Amber, já havia contado
cada detalhe da vida de Brittany, a ponto de aborrecer qualquer um, porém ela continuava
sorrindo.
— Brittany parece ser um amor de menina — disse Amber colocando a bicicleta
sob a escada e prendendo a corrente. — Tem personalidade forte e sabe o que quer da
vida. Ela tem sorte por ter um pai como você, que a respeita como indivíduo.
— Você está absolutamente certa. Brit é difícil, às vezes, mas não preciso me
preocupar com influências externas. Ela é muito obstinada quanto às suas ideias, talvez
não faça sempre as melhores escolhas, mas ainda é uma criança.
— Uma criança que está crescendo depressa, eu garanto.
— Não tão depressa, penso eu. Talvez você ache um pouco estranho, eu nunca
coloquei isso em palavras antes. A verdade é que alguns amigos de Britt têm onze anos e
se comportam como se tivessem vinte, sabe, prontos para ser adultos antes mesmo de ser
adolescentes. Britt porém, embora seja mais madura que eles sob vários aspectos, parece
ter optado por ter seus onze anos. Não que ela se comporte como um bebê mimado, mas
parece que não tem pressa em crescer, o que me faz ter confiança nela.
Amber concordou.
— Ela ainda tem alguns anos pela frente para amadurecer. E pelo que ouvi hoje, é
uma garota de sorte. Claro que vai cometer erros, mas por favor, deixe-a cometê-los
sozinha. E, por favor, nunca tente protegê-la do mundo. Por mais que você queira, não
faça isso.
Não tentar proteger sua garotinha do mundo? Era pedir muito de um pai. Mesmo
sabendo que Amber estava certa. O que o levava a repensar sua "missão".
O relacionamento entre Amber e Robert era um pouco mais complicado do que
havia imaginado quando este lhe pedira para vigiar sua "garotinha".
Certo, Amber fizera uma tolice, mas fora um ato de desespero, e agora ela estava
tentando consertar as coisas. Como a mulher adulta que era.
— Você me deu muito no que pensar — disse ele.
— Que bom, pensar é uma coisa ótima. Hoje foi um dia muito especial. Obrigada
novamente.
Reece balançou a cabeça.
— Eu é que agradeço. Gostei muito.
— Você não precisava me trazer para casa, mas confesso que me deixou muito
feliz.
— Achei que seria algo que um cavalheiro faria.
— Eu o convidaria para entrar, mas passamos bastante tempo juntos hoje, e... não
é aconselhável apressar as coisas.
Reece engoliu em seco. Estavam juntos, ele e Amber. Não podia acreditar no que
estava ouvindo, no que estava acontecendo. Olhou para o relógio. Eram cinco horas da
tarde.
— Tem razão, onze horas é um pouco demais para a duração do primeiro...
encontro?
Amber riu.
— Vejo você a qualquer hora?
— Com certeza. Vou até o café, pode ser?
— Eu saio às seis. Quartas, sextas e sábados à noite tenho o tour.
— Certo. Então, até lá.
Ficaram parados por um momento, enquanto ele lutava desesperadamente contra
o impulso de beijá-la.
Reece não soube como aconteceu, mas quando deu por si estava enlaçando a
cintura de Amber, e ela, na ponta dos pés, abraçava seu pescoço e estavam se beijando.
Se não tivesse partido dela, Reece jamais teria feito aquilo.
Quando se afastou, deixou-o tão atônito que mal podia pensar no acontecido.
Amber colocou os dedos sobre a boca como se quisesse reter o beijo um pouco
mais.
— Até logo — disse ela baixinho, antes de desaparecer escada acima.
Reece ficou parado, incapaz de mover um só músculo, sentindo a pressão dos
lábios dela nos seus, as extremidades de seu corpo latejando.
E em uma reação tardia seu coração disparou dentro do peito.
Aos poucos foi se conscientizando do que acabara de acontecer entre eles. Do que
haviam feito. Oh, céus... Teria perdido o juízo?
Ela tinha vinte e quatro anos! E era filha de Bob Presley. O que faria agora?
Confuso demais para pensar com clareza, decidiu que se afastaria de Amber por
algum tempo. Isso mesmo, sairia de Key West por alguns dias e tudo se ajeitaria.
E, se fizesse tudo certo, ela jamais descobriria que fora encarregado por seu pai de
vigiá-la. Tudo passaria, e ambos ficariam bem.
Naquelas circunstâncias, era tudo que Reece podia esperar.
CAPÍTULO V
Reece manteve-se afastado de Amber por dois dias inteiros. A segunda-feira não
foi tão ruim. Tinha museus e pontos turísticos para visitar e presenteou a si mesmo com
um jantar no melhor restaurante da ilha. A noite foi a diversos bares, não para beber, mas
para conhecer a vida noturna da ilha. Pelo menos foi do que tentou convencer-se.
Procurou evitar os lugares mais suspeitos, mas acabou entrando em um ou outro
bar de segunda categoria, lotados por turbas de universitários.
Não queria admitir para si próprio que no fundo estava à procura de Amber e que
não encontrá-la foi um alívio e tanto.
Por outro lado, encontrou um sem-número de garotas que o assediaram. Não
podia imaginar a razão, uma vez que havia uma infinidade de rapazes muito mais jovens
por perto. Naquela noite deu uma boa olhada no espelho, tentando descobrir o que
aquelas jovens viam nele.
Para sua idade até que estava bem. Tentava manter-se em forma, e gostava do jeito
que seu cabelo estava agora, um pouco mais comprido e queimado pelo sol. Porém nada
justificava a atenção recebida das moças. O triste fato era que ele não entendia como fun-
cionavam os namoros de hoje em dia.
Era verdade que desde que se divorciara muitas das mulheres que conhecia
passaram a lhe dedicar outro tipo de atenção, mas isso o pegara de surpresa antes que se
familiarizasse com a situação. Estivera tanto tempo fora de circulação que acreditava ter
perdido o jeito.
Uma delas em particular, Marcy, tinha se mostrado mais ousada, o que o deixara
lisonjeado a ponto de, por três meses, julgar-se apaixonado.
Embarcaram em um relacionamento fugaz que logo se tornou, para Reece, apenas
sexo. No final a experiência se mostrou desagradável. Quando terminou o caso, teve de
ouvi-la dizer que o achava meio maluco.
Percebera então que não era aquilo que queria, mas sim um relacionamento
baseado em outro tipo de sentimento, não apenas na atração sexual. E dera-se conta de
que não iria encontrar isso se continuasse trocando de parceira com a frequência com que
o vinha fazendo. Fora quando decidira tirar um tempo para si mesmo.
Na terça-feira estava inquieto, sem vontade de sair para dar uma olhada nas lojas
e acabou comprando um sino antigo de navio, de procedência duvidosa.
De volta ao barco, pendurou-o na popa, satisfeito com a nova decoração. Tentou
distrair-se com a televisão, depois com um livro, mas não conseguia se concentrar em
coisa alguma.
Acabou voltando à terra firme, apenas para sofrer com o calor insuportável
enquanto perambulava sem destino pelas ruas.
Havia prometido a si mesmo depois do último encontro com Amber que não
tornaria a procurá-la antes de quinta-feira, mas já sabia que não conseguiria aguentar mais
dois dias.
Tomou o rumo do restaurante, torcendo para que Amber ainda estivesse lá. O
desapontamento ao ser informado de que ela havia acabado de sair foi um baque que não
estava pronto para receber.
Ao invés de tomar isso como um aviso para continuar mantendo distância, Reece
tomou o primeiro táxi que apareceu a sua frente, rumo ao apartamento de Amber.
Momentos mais tarde viu-se na entrada do edifício. A bicicleta estava sob a
escada, presa ao cadeado, o que aumentou sua esperança de encontrá-la em casa. Teve um
instante de hesitação ao pousar o pé no primeiro degrau, a mão pousada no corrimão.
Mas o desejo de vê-la, de falar com ela novamente sobrepujou tudo o mais.
Galgou os degraus com um sorriso no rosto e ainda sorria ao bater à porta.
Poucos minutos mais tarde o sorriso deu lugar à preocupação, já que ninguém
vinha atender à porta, embora pudesse se ouvir o som de música do lado de dentro.
Bateu mais forte. Nada.
Esperou mais um pouco e experimentou a maçaneta, encontrando-a destrancada.
Enfiou a cabeça para dentro e espiou. A sala era um pouco escura, porém ampla e
confortável, com três portas na parede oposta. Apenas a do meio estava fechada. A música
parecia vir do aposento à esquerda.
Olhou ao redor e, não vendo ninguém, chamou:
— Olá? Amber? Alguém em casa?
No instante seguinte uma mulher apareceu na porta à direita. Tinha o rosto
inchado de sono, mas nem por isso menos atraente. Os longos cabelos negros pareciam ter
sido revirados com um batedor de ovos, e pelo estado de sua roupa devia ter dormido
vestida.
— Você?! — exclamou ela, com voz arrastada. — Como descobriu onde eu
morava?
Reece olhou por sobre o ombro, para ver se havia alguém atrás dele.
— Como disse? Você me conhece?
— Você esteve no clube a noite passada.
— No clube?
A mulher esfregou os olhos com ambas as mãos e pigarreou.
— Eu servi você. Bourbon e água, separados.
Era verdade que pedira bourbon e água mineral em um dos dois lugares onde
estivera na noite anterior, cansado de beber cerveja.
— Ah, você estava servindo no balcão...
— Está me dizendo que só se lembra disso? — perguntou a jovem se
espreguiçando de modo provocante.
Sem saber o que dizer, Reece tentou mudar de assunto.
— Amber está em casa?
Por um instante ela apenas o encarou, depois baixou os braços e, com um brilho
malicioso nos olhos azuis, perguntou:
— O que você quer com Amber?
Mesmo sem ter sido convidado, Reece entrou, fechando a porta atrás de si.
— Ela está em casa?
A moça atravessou a sala e deixou-se afundar no sofá.
— Não. Se estivesse, eu não poderia estar usando o aparelho de som de Walt. Mas
você ainda não me respondeu, o que você quer com Amber?
— Eu sou amigo dela — Reece esclareceu. — E você, quem é?
— Sharon — respondeu ela com um sorriso sugestivo. — E você, como se chama?
— Reece Carlyle.
— Bem, Reece, gostaria de ser sua amiga também.
— Mesmo? — perguntou ele, a voz imbuída de um entusiasmo estudado. —
Maravilha. Então por que não me conta tudo sobre Amber? Começando pela hora que ela
deve estar em casa.
Amber escalou os degraus com dificuldade. Arrependia-se agora de não ter levado
a bicicleta ou aceitado a carona de Walt, ao invés de voltar a pé para casa. Fora uma tola,
imaginando que Reece apareceria.
Durante toda a tarde esperara que ele entrasse porta adentro no restaurante.
Quando sua substituta chegara, excepcionalmente pontual, ela se decepcionara ao
constatar que Reece não viera nem viria.
Não que ele tivesse prometido nada, mas como não aparecera no dia anterior e no
dia seguinte ela tinha o tour, imaginara que ele fosse vê-la. Obviamente entendera tudo
errado.
Encalorada, abriu a porta, ansiando por um banho refrescante. Obviamente, a
porta estava destrancada, uma vez que Sharon se encontrava em casa, o que era evidente
pela música que tocava em alto volume.
A cena com que se deparou a deixou boquiaberta. Reece estava sentado na
poltrona enquanto Sharon o brindava com uma estonteante visão de seus seios volumosos,
através do decote da blusa, que ela fizera questão de ampliar abrindo os dois primeiros
botões.
— Bem, aí está ela — anunciou Sharon, claramente contrafeita.
Reece se virou na poltrona e um largo sorriso estampou-se em seu rosto.
— Estávamos mesmo falando de você — disse ele.
— Devia estar muito interessante — retrucou Amber olhando para Sharon, que
levantou o queixo em atitude de desafio.
Em seguida caminhou na direção de Reece, que se pusera de pé, e estendeu a mão.
— Fui até o restaurante, mas cheguei tarde. Peguei um táxi e corri para cá.
— Eu vim a pé. — Subitamente consciente de sua aparência, acrescentou: — Estou
toda suada.
— Você está maravilhosa.
Sharon a fuzilou com os olhos, porém Amber fingiu não notar.
— Obrigada. Ouça, deixe-me tomar um banho rápido e saímos daqui, certo? —
Lançou um olhar significativo para Sharon, que retorceu os lábios.
— Claro, como você quiser.
— Volto em um instante — prometeu Amber, entrando no quarto do meio. Voltou
com um roupão branco nas mãos e atravessou a sala apressada em direção ao banheiro.
Abriu o chuveiro, enfiou-se debaixo da água e lavou-se rapidamente. Enxugou-se, vestiu o
roupão e voltou depressa para o quarto, sem olhar na direção de Reece e Sharon, que
conversavam.
Amber passou um desodorante, aspergiu um jato de colônia e vestiu uma
camiseta regata justa com decote quadrado e uma saia de algodão cor de palha. A roupa
era mais justa e curta do que costumava usar, mas sentia necessidade de parecer um pouco
mais atraente naquela noite.
Prendeu os cabelos no alto da cabeça com uma fivela, calçou um par de sandálias
amarelas, passou creme hidratante nas pernas e um brilho leve nos lábios.
Olhou-se rapidamente no espelho e voltou para a sala. Reece levantou-se
imediatamente, com admiração no olhar.
— Ora, acho que vou ter de trocar de roupa para ficar a sua altura — brincou ele,
baixando a vista para seus próprios trajes, uma bermuda velha e uma camisa branca com
as mangas arregaçadas.
— Você está ótimo.
— E você está espetacular. — Amber sorriu e corou, deliciada.
— Obrigada.
Sharon se levantou do sofá e se encaminhou para o banheiro.
— Tem gosto para tudo — disse ao passar por Amber.
Reece baixou a cabeça, ocultando um risinho. Amber suspirou e, assim que a outra
saiu do aposento, virou-se para ele.
— Desculpe-me, Sharon não...
— Ela morre de inveja de você — interrompeu Reece. — Acho que já percebeu que
nunca chegará a seus pés.
— Ela me odeia.
— Porque você é tudo o que ela gostaria de ser e nunca vai conseguir.
Amber franziu a testa, tentando assimilar a ideia de que Sharon tinha inveja dela.
— Aonde vamos? — quis saber Reece, encaminhando-se para a porta. — Tem algo
em mente?
Ela sacudiu a cabeça.
— Não, aliás começaria pensando aonde não irmos.
— Você é quem manda — disse ele, conduzindo-a gentilmente para fora do
apartamento.
Já não estava tão quente como quando Amber chegara em casa, mas agora era um
outro tipo de calor que a assolava por dentro. Aceitou o braço que Reece lhe oferecia e,
juntos, desceram as escadas.
— Está com fome? — perguntou ele.
— Até que não, mas se você quiser, podemos comer alguma coisa.
Ele balançou a cabeça.
— Jantaremos mais tarde, então.
— Certo. Aonde vamos então?
— Bem, está quente demais para tomar café. Que tal uma bebida gelada?
— Eu acho ótimo.
— Alcoólica ou não?
— Não costumo beber.
— Nem eu.
— Então um drinque não nos faria mal — concluiu Amber.
Reece sorriu.
— Verdade. Mas não quero ir a nenhum daqueles bares barulhentos da rua Duval.
— Conheço o lugar perfeito — disse ela, virando a esquina.
Caminharam sem pressa, aproveitando o tempo juntos. O calor era um fator a
mais para que agissem assim. Reece contou-lhe onde estivera no dia anterior e Amber
sugeriu outros pontos para visitarem.
Ela descreveu uma família que estivera no restaurante naquele dia. A mãe, com
uma escadinha de cinco filhos pequenos, estava grávida do sexto. Ao contrário da maioria
das crianças, que não paravam quietas no restaurante, aquelas eram extremamente bem-
educadas.
— Eles eram adoráveis. E os pais faziam parecer tão fácil, e eram seis! Três ou
quatro, tudo bem, mas seis?! Não consigo me imaginar com seis filhos.
— Quer dizer que você pretende ter dois ou três? — perguntou Reece.
— Na verdade, sim. Sei que você teve uma filha só, mas, sendo eu mesma filha
única, gostaria de ter mais. Sempre quis ter irmãos.
— Eu gostaria de ter tido mais — confessou ele. — Joyce e eu discutimos isso
algumas vezes, mas não nos pareceu prudente ter mais uma criança, naquelas
circunstâncias.
— Bem, ainda não é tarde demais — disse Amber, e tratou de mudar de assunto,
receosa de que Reece interpretasse mal seu comentário. — Sabe do eu realmente gostaria?
Um sorvete.
— Humm, gostei da ideia. Sorvete primeiro, bebida depois. Vejo o jantar em um
distante terceiro lugar.
Ela riu e apontou para uma doceria onde sabia que serviam um sorvete delicioso.
O lugar era amplo e agradável, como quase tudo em Key West. Amber pediu
sorvete de chocolate com nozes e Reece escolheu de pistache. Segurando os cones de
biscoito, acomodaram-se em um banco sob uma árvore, na calçada.
Dali podiam ouvir a música que tocava em um bar nas adjacências, e quando
terminaram de tomar o sorvete, a noite já havia caído sobre a ilha.
A rua se alargava numa praça arborizada, no centro da qual se erguia uma capela.
A entrada estava decorada com flores, e eles logo compreenderam por quê. Um casamento
estava sendo realizado.
Amber e Reece assistiram fascinados. Era um casamento típico de Key West. O
padrinho usava uma camisa florida, máscara de mergulho e respirador. A dama de honra
não tinha nada em cima do biquíni, e seus cabelos e pulsos estavam ornados com flores.
Quanto à noiva, nada poderia ser menos tradicional. O vestido de organza branca era
curtíssimo e a saia não passava de tiras soltas de tecido. Nos pés, tênis brancos, e na
cabeça, um pequeno véu preso a um arranjo de flores silvestres. O noivo não ficava atrás,
com um paletó de fraque sobre uma camiseta cor-de-rosa e bermuda branca. Também
calçava tênis.
Os convidados, que não passavam de dez ou doze, pareciam personagens de uma
história futurista e muito divertida. O casamento estava sendo realizado do lado de fora
da capela por um juiz de paz, que também estava vestido de maneira esportiva, de calça
jeans e camiseta. A cerimônia não foi demorada, e o beijo que os noivos trocaram ao final
foi quase obsceno.
Depois todos saíram em passeata pela rua Duval em alegre algazarra.
— Algo me diz que essa não será uma noite de núpcias tradicional — comentou
Amber.
— O que você sabe de noite de núpcias, convencional ou não?
Chocada, virou-se para Reece.
— Não sou idiota, Reece.
Ele ficou visivelmente embaraçado.
— Eu sei, me desculpe.
— Admito que sou virgem — continuou ela — mas não sou desinformada. Moro
com Sharon, esqueceu?
— Não quis subestimar você.
— Disse isso para deixar claro que se lembra da minha idade, não é?
Reece suspirou, assentindo.
— Você está certa, absolutamente certa. Sou eu, não você. Foi o meu divórcio, meu
casamento, tudo foi traumático. Quando tudo acabou eu estava exausto, cansado até de
mim mesmo. Sentia-me... acabado.
— Velho — corrigiu ela. Reece riu.
— Sabe do que você precisa? De um drinque, música alta e um pouco de dança
sob as estrelas.
— Acha mesmo?
— Mal não fará.
— Só penso em tirar você desta ilha.
Mal Reece acabara de pronunciar as palavras, Amber percebeu, pela expressão do
rosto dele, que ficara tão chocado quanto ela própria.
— Reece?
— Não acredito que disse isso — passou a mão pela nuca e acrescentou: — Quero
dizer, não acredito que disse dessa maneira. Mas não retiro. Sei que não vai aceitar
dinheiro dos seus pais ou de mim, mas pense, posso fornecer-lhe o transporte. O barco
está aí, pronto, podemos estar em Houston em poucos dias.
— E depois disso? — finalmente Amber conseguiu perguntar.
Reece piscou para ela e pareceu hesitar. Obviamente não pensara além desse
ponto.
— Bem, o que você tem em mente? Quero dizer, quais são seus planos para o
futuro? Falou alguma coisa sobre lecionar... — Amber assentiu.
— Gostaria de ensinar teatro para Crianças carentes. Sei como isso pode ajudar na
auto-estima.
— Bem... só sei que, quando eu for embora, quero levá-la comigo — repetiu Reece.
— Sem esperar nada em troca.
— Mesmo? — sussurrou ela, o coração batendo tão forte que mal podia falar.
Reece fitou-a com a expressão transtornada.
— O que você está fazendo comigo?
— Nada que você também não esteja fazendo comigo — respondeu Amber
trêmula.
Depois de uma breve hesitação, Reece pousou a mão sobre a dela e apoiou-a em
sua perna, acariciando-lhe os dedos. Amber sentiu uma série de pequenos choques
elétricos percorrerem-lhe o antebraço.
— Vai pelo menos pensar na possibilidade de ir embora comigo?
— Vou.
Um suspiro de alívio escapou dos lábios de Reece.
— Bom... — Ele passou o braço sobre os ombros de Amber e puxou-a para si. —
Acho que eu tomaria aquele drinque, agora.
— Eu também — concordou ela, sem se lembrar de outra coisa mais interessante
para dizer.
— Vamos.
Sorrindo, Reece beijou-a na testa e pôs-se de pé, fazendo-a levantar-se também.
Amber enlaçou-o pela cintura e, abraçados, caminharam na direção da música.
Amber não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Tinha vontade de
saltitar, de gritar de felicidade. Enquanto caminhavam em silêncio, ela e Reece podiam se
dar ao luxo de não tocar mais no assunto da partida de Key West ou do que esperavam ou
não, um do outro. Saber que existia uma possibilidade já era suficiente para se deixarem
levar pelo deleite de estarem juntos. Mais do que suficiente.
Por mais de uma hora, eles conversaram sobre os mais variados assuntos, antes de
pedirem o segundo drinque. Tudo foi comentado, menos o assunto que fervilhava na
mente de ambos.
Ainda custando a acreditar que sugerira a Amber que fossem embora juntos,
Reece tinha certeza de que aquela seria a melhor solução para ela.
Se também seria para ele, não estava tão certo. Era algo que lhe parecia ao mesmo
tempo perfeito e perigoso. A medida que a noite avançava, no entanto, parecia cada vez
mais perfeito e menos perigoso, principalmente quando dançaram ao ar livre. Nunca
gostara muito de dançar, mas naquela noite tudo parecia diferente, tudo estava diferente.
Só tinha pensamentos para Amber, para o que estava acontecendo e o que ainda
aconteceria entre eles.
Reece não reconhecia a si próprio. Tudo era novo, desconhecido e delicioso. Key
West de repente lhe parecia o paraíso terrestre, e ele sabia que era por causa de Amber. E
isso o transformava em um novo homem. Um outro Reece, estranho, totalmente
incongruente, completamente irracional, absolutamente imprevisível. Feliz. Confuso. E
apavorado.
Mas não naquela noite. Naquela noite não havia lugar a não ser para surpresa,
deleite e um desejo acumulado.
Depois de dançar e beber mais um drinque, eles rumaram para um bistrô tropical
onde saborearam ostras deliciosas, diretamente das conchas, camarões grelhados com
cogumelos, pimentas caienas inteiras e abacaxi à moda dos ilhéus. Lambuzaram os dedos,
refrescaram os lábios com vinho branco italiano gelado e riram, de puro deleite.
Saciados e felizes, caminharam de mãos dadas até o apartamento de Amber. Reece
se comportou, dando-lhe um discreto beijo de despedida ao lado da escadaria. Gostaria de
ficar ali para sempre, mas ela tinha de trabalhar no dia seguinte e precisava descansar.
— Jantamos juntos amanhã? — convidou ele. — Não podemos dizer que jantamos
hoje.
— Amanhã é dia de tour — lembrou Amber, desconsolada.
— É mesmo...
— Por que não almoçamos juntos? — sugeriu ela. — Será um almoço meio rápido,
mas se você quiser...
— Claro que quero.
— E jantamos na quinta-feira. Se estiver livre...
— Excelente — aceitou Reece sorrindo.
Irradiando alegria, Amber subiu a escada, e a simples visão dela na meia-luz o
deixou atordoado. Os fios de cabelos castanho-avermelhados caíam delicadamente sobre
os ombros, emoldurando as faces afogueadas, os lábios cheios, os olhos brilhantes. A saia
justa moldava-se ao corpo dela, realçando as curvas femininas.
Amber tinha um corpo perfeito, a cintura fina, alargando-se nos quadris, as pernas
esguias e bem torneadas.
Reece a desejava com loucura, e esse sentimento o deixava apavorado. Mal podia
esperar pelo momento de revê-la.
Saiu do edifício e começou a caminhar na direção da marina, pensando em como
contaria a verdade a ela.
CAPÍTULO VI
Reece foi até o restaurante, e Amber sentou-se com ele por uma hora, durante a
qual conversaram e brincaram sobre os portos do golfo do México onde ele ancorara o
veleiro antes de ir para Key West.
Quando o intervalo terminou e ela precisou voltar ao trabalho, Reece sugeriu que
poderia voltar no final da tarde para apanhá-la e irem juntos até a agência de turismo.
Mas Amber recusara a carona de Walt no dia anterior e, se fizesse isso de novo,
receava magoar o amigo.
Ela nutria um imenso carinho por Walt. Na verdade, era como um irmão mais
velho, e sua presença no apartamento transmitia segurança a Amber.
Ele era melhor amigo do que qualquer uma das moças com quem Amber dividia o
aluguel, e ela não gostaria de magoá-lo.
— Por que não nos encontramos no meu apartamento amanhã à noite, em vez
disso? — propôs ela. — Poderíamos ter aquele jantar que ficou faltando ontem.
Reece sorriu.
— Gostei da ideia. Seis e meia é uma hora boa para você?
— Excelente.
Amber refletiu que não ficaria aborrecida se ele aparecesse novamente no dia
seguinte para almoçar, mas não disse nada. Estava encantada com a sorte que trouxera
Reece Carlyle para sua vida. E pensar que quase o mandara cuidar da própria vida poucos
dias atrás! Sob apenas uma circunstância admitiria a possibilidade de ir embora com ele,
mas ainda era muito cedo para considerar a hipótese.
Pela primeira vez na vida estava pensando no futuro ao lado de um homem, um
determinado homem. E o futuro podia ser resumido em uma única palavra: casamento. Já
não tinha nenhuma dúvida de que estava apaixonada por Reece. Quanto mais tentava
deixar esses pensamentos de lado, mais eles insistiam em ocupar sua mente.
Reece se levantou para ir embora e segurou demoradamente a mão de Amber.
O brilho que ela viu nos olhos dele não deixara dúvidas quanto ao desejo que
sentia. Amber sentiu-se exultante e abraçou-o com força quando ele sorriu e beijou-a no
rosto. Retribuiu colando os lábios ao pescoço dele por longos segundos.
— Vejo você amanhã — prometeu ele.
Amber assentiu, sentindo o coração bater na garganta. Reece apertou suavemente
seus ombros e afastou-se.
Ela alisou o rabo-de-cavalo com a mão e olhou ao redor no salão. Uma das suas
colegas de trabalho deu um risinho malicioso e gesticulou de longe. Amber sabia o que ela
queria dizer. Realmente Reece era um homem atraente. E sensual. Tanto que, ao retornar
ao trabalho, ainda sentia o calor de seu toque.
Foi um sacrifício para Reece esperar até a noite seguinte para ver Amber. Talvez
por isso chegou cedo demais no apartamento para encontrá-la.
Chegou a pensar em dar algumas voltas no quarteirão para o tempo passar mais
depressa, mas o calor estava insuportável e o carro alugado não tinha ar condicionado.
Na calçada estava ainda pior. E ele estava usando calça comprida de brim bege e
camisa de linho branco. Depois de poucos minutos já sentia o suor escorrendo pelo
pescoço e pelo peito.
Mesmo querendo evitar um encontro com Sharon, decidiu que era melhor subir e
esperar por Amber no apartamento.
Resignado, subiu as escadas e bateu na porta. Uma jovem que ele não conhecia
veio abri-la.
— Olá.
— Boa noite... Sou Reece Carlyle, amigo de Amber. Acho que cheguei cedo
demais.
Os olhos da moça se arregalavam à medida que ele dava as explicações, enquanto
o examinavam dos pés à cabeça como se nunca tivesse visto um homem antes.
— Uau! Ela disse a verdade!
— Como?
— Sharon disse a verdade... Você é um pedaço de mau caminho!
Reece sorriu e deu uma piscadela. O que poderia dizer após uma declaração como
aquela?
— Entre! — Ela abriu mais a porta para dar-lhe passagem e apresentou-se: — Meu
nome é Linda. Por favor, fique à vontade.
Ela indicou o sofá e acomodou-se na poltrona em frente.
— Sharon está trocando de roupa para ir trabalhar. No instante seguinte, Sharon
surgiu à porta do quarto, descalça e com os cabelos soltos.
— Vejam só... Voltou querendo mais?
Reece arqueou as sobrancelhas, perguntando-se como deveria interpretar a frase.
— Estou esperando por Amber.
Sharon trocou um olhar divertido com Linda e se aproximou do sofá:
— Você sabia que está perdendo tempo com ela? — perguntou, inclinando-se
sobre o braço do sofá.
— Eu aprecio muito o tempo que passo ao lado dela. Não considero tempo
perdido.
— Acontece que você não vai conseguir o que quer.
— Como pode saber o que quero?
— Você é um homem, não é?
— Um homem livre, com tempo disponível. Tempo que, afortunadamente, escolhi
passar com Amber.
— Bem, quando quiser uma mulher de verdade, sabe onde me encontrar. Aliás,
depois de você "passar o tempo" com Amber, por que não vai até o bar? Eu lhe pago uma
bebida.
— Não, obrigado. Eu não bebo.
Um ligeiro rubor tingiu as faces de Sharon, mas ela rapidamente se recompôs:
— Preciso ir trabalhar.
E voltou para o quarto, batendo a porta com mais força que o habitual.
Linda tossiu baixinho, embaraçada. Reece voltou-se para ela, sentindo um misto
de tristeza e perplexidade. Tristeza por Sharon, por uma vida desperdiçada. E
perplexidade porque sabia que se aquele convite lhe tivesse sido feito poucos dias atrás,
ele teria aceitado sem vacilar. Agora, no entanto, aquele tipo de divertimento não o
interessava mais. Não conseguia ver sentido em ir para a cama com uma mulher simples-
mente pelo prazer físico. E esta mudança ainda lhe causava estranheza.
Voltou-se para Linda, que parecia um tanto constrangida com a situação, olhando-
o como que a querer pedir desculpas pelo comportamento da amiga. Felizmente, naquele
instante a porta se abriu e Amber entrou.
— Oh! você está aqui! Desculpe-me por me atrasar de novo. Queria estar pronta
antes que você chegasse, desta vez.
Reece se levantou para cumprimentá-la, mas logo avistou Walt, que o observava
da porta.
— Walt, você não devia estar trabalhando? — indagou Linda.
— Por que não cuida da sua própria vida? — retrucou ele, em um tom tão ríspido
que a fez encolher-se na poltrona.
Reece suspirou, mas não disse nada.
— Quando vai embora daqui? — interrogou Walt à queima-roupa.
— Quando eu decidir — respondeu Reece no mesmo tom, antes de acrescentar: —
E quando for bom para Amber, porque ela irá comigo.
Walt pareceu ficar transtornado.
— Não é verdade! — exclamou quase em desespero.
— Tenho toda a intenção de tirá-la desta ilha — declarou Reece com firmeza. — E
acho que ela ficará feliz em ir comigo.
Sem dizer nada, Walt saiu da sala pisando duro. No mesmo instante, Linda
levantou-se e foi atrás dele.
Reece balançou a cabeça. Por que Walt não percebia que estava correndo atrás da
mulher errada? Linda obviamente estava interessada nele, e ambos pareciam ter muito em
comum, principalmente o mesmo espírito livre.
Tornou a sentar-se, e Linda voltou um minuto depois. Em seguida Amber
apareceu usando um vestido justo de um tom alaranjado escuro que realçava deli-
cadamente suas formas femininas.
— Pronto? — perguntou ela, ajeitando a alça da bolsa no ombro.
Reece se levantou e aproximou-se. Estava mais que pronto, para qualquer coisa.
Na verdade, estava pronto para se apaixonar, coisa que só naquele instante ele se deu
conta.
***
Amber baixou a revista que estava folheando e olhou para a secadora onde sua
roupa sacudia de um lado para outro. Ao lado dela, Reece se mexia na cadeira de plástico
duro, o nariz enfiado em um livro. O coração dela dava voltas dentro do peito, e mais uma
vez se maravilhava com o rumo que sua vida inesperadamente tomara. Ainda lhe custava
acreditar que estava namorando com aquele homem incrível.
Já fazia quase três semanas. Como era possível sentir que tudo era tão recente e ao
mesmo tempo ter a sensação de que conhecia Reece por toda uma eternidade?
O apito da secadora interrompeu seu devaneio. Olhou para a fileira de máquinas e
viu que a que continha as roupas de Reece concluíra o ciclo. Estava se preparando para
tirar e dobrá-las quando Reece a deteve.
— Deixe. Esta é minha.
Ela obedeceu, porém seguiu-o até a mesa onde ele colocara as peças para dobrar.
Deixou a revista de lado e começou a ajudá-lo.
— Você não precisa fazer isso — disse ele, com um sorriso nos lábios.
— Mas eu quero fazer.
— Tenho lavado e passado minha roupa já faz algum tempo.
— Poderia poupar muito trabalho com o ferro de passar se dobrasse a roupa
direito — sugeriu ela.
— Mesmo? — interessou-se Reece.
— Hum-hum. Veja este short, por exemplo. Se dobrá-lo direito só precisará alisar
as laterais com o ferro. O mesmo acontece com as camisetas. Dobre-as ainda quentes da
secadora e parecerão passadas. Assim como os lençóis e as toalhas de banho.
— Posso saber como foi que aprendeu tanto a respeito de técnicas de lavanderia?
— perguntou ele baixinho, em tom íntimo.
O sorriso dela tornou-se maroto, em parte porque aquela observação demonstrava
que ele ainda estava preocupado com a questão da idade, e em parte porque parecia
justamente o oposto.
— Posso dizer que cuido da minha própria roupa há mais tempo que você da sua.
Reece ergueu uma sobrancelha.
— Provavelmente é verdade.
— Certamente é verdade. Eu tinha uns catorze anos quando comecei a reclamar
do jeito que a empregada arrumava minhas coisas. Portanto tenho uma década inteira de
experiência.
— Eu saúdo seu conhecimento superior — brincou Reece e fez exatamente isso.
Segurando a base do pescoço de Amber, capturou-lhe os lábios em um beijo
ardente e sedento. Ela deixou-se levar, deslizando as mãos ao redor da cintura dele,
sentindo o cheiro almiscarado da pele máscula, o roçar da barba crescida. Ficou chocada
por se sentir tão à vontade pressionando o corpo contra o dele, os seios se achatando
contra o torso forte, o latejar viril contra seu ventre.
Não tinha a menor dúvida de que Reece a desejava e, pela primeira vez na vida,
sentiu uma vontade imensa de entregar-se.
O apito da outra secadora interrompeu o beijo.
— Escute — murmurou ele, a voz rouca de desejo — já comemos em todos os
restaurantes da cidade. Que acha de fazermos o jantar, esta noite, no barco? Levamos sua
roupa para o apartamento, depois podemos comprar alguma coisa pronta e ingredientes
para uma salada... Que tal? Junto com você, isso seria um banquete!
Amber acreditava em Reece, acreditava em sua sinceridade. Também se sentia
assim, mas Reece merecia mais.
— Acho que podemos fazer mais que isso — declarou, consciente de que suas
palavras continham uma promessa. Uma promessa que ela estava disposta a cumprir.
Pegaram um táxi para voltar ao apartamento de Amber. Ela subiu rapidamente
para guardar a roupa e em seguida se dirigiram para uma rotisserie próxima.
Decidiram-se por um belo pedaço de carne assada, uma porção de macarrão com
queijo, e também brócolis, vagem e minicenouras. Quando estavam no caixa, Amber
incluiu um vidro de cogumelos e um de amêndoas torradas.
Rindo, voltaram para o barco, munidos de mantimentos e da roupa lavada de
Reece.
Lá chegando, Amber insistiu para que ele fosse guardar a roupa. Ao voltar da
suíte, ele a encontrou com um pano de prato amarrado na cintura, mexendo na panela.
Surpreso, viu que ela incrementara o prato de macarrão, juntando os legumes, os
cogumelos e as amêndoas. Adicionou molho de soja e gengibre ralado à mistura,
impregnando o ambiente com um aroma oriental, antes de levar ao microondas.
Em poucos minutos o jantar estava pronto. Amber e Reece pegaram seus pratos e
foram se sentar no convés, à luz das estrelas. Reece abriu uma garrafa de vinho tinto
italiano.
Contemplando a baía iluminada, jantaram praticamente em silêncio, embalados
pelos acordes distantes de uma melodia que tocava em alguma embarcação.
Ao terminar a refeição, Reece depositou seu prato junto ao de Amber e tornou a
encher os cálices de ambos com o vinho. Degustou um longo gole da bebida, cerrando os
olhos de prazer. Key West se tornara o paraíso terrestre por causa de Amber, e não queria
que essa sensação deliciosa terminasse ali. De alguma maneira, precisava convencer
Amber a partir com ele.
— Você é linda — disse ele. Ela franziu o nariz.
— Não, não sou. Meu rosto é muito redondo, muito... — Ele a convenceu
cobrindo-lhe a boca com a sua, em um beijo apaixonado. Com grande esforço, ela conse-
guiu levantar a cabeça a tempo de retrucar:
— Você é maravilhoso. Por fora e por dentro. — Amber sorriu com a sabedoria
tipicamente feminina e ofereceu os lábios aos dele. Não para beijá-lo, mas para uma carícia
provocante, tocando com a língua os cantos da boca de Reece.
Incapaz de resistir, ele introduziu a mão sob a camiseta curta que Amber usava e
apoderou-se de um seio. Mal acreditou quando ela arrancou a blusa pela cabeça e jogou-a
ao chão.
Olhou fascinado para o sutiã meia-taça, que mais mostrava do que escondia os
seios de Amber. Quando a viu levar as mãos ao fecho do sutiã, deu-se conta de que em
poucos minutos estariam fazendo amor. E não podia permitir que isso acontecesse antes
que ela soubesse toda a verdade.
Um medo horrendo o dominou, mas não tinha outra escolha. Já esperara demais.
Nunca devia ter ocultado de Amber a história toda. E agora, além de tudo mais, precisava
contar-lhe também sobre seus sentimentos.
Segurando as mãos dela, trouxe-as para frente, em um gesto quase solene.
— Tenho que lhe contar uma coisa — começou, sabendo que sua voz soava
trêmula. — Antes de mais nada, precisa entender que eu nunca esperei que isto viesse a
acontecer, nem em meus sonhos mais secretos. Nunca com uma mulher como você. Eu...
— Alô, Porto Feliz
Reece e Amber demoraram alguns segundos para perceber o que estava
acontecendo. O chamado repetiu-se.
— Alô, Porto Feliz! Guarda Costeira!
Caindo em si, Amber apressou-se em vestir a blusa, e Reece subiu os degraus para
o convés. Três oficiais da Marinha esquadrinhavam o veleiro com os olhos.
— O que há de errado? — perguntou Reece, franzindo a testa.
— Você é Reece Carlyle? — indagou um dos oficiais.
— Sim. Do que se trata?
— Tem uma filha chamada Brittany?
O coração de Reece disparou dentro do peito.
— Aconteceu alguma coisa com ela? — Tremendo dos pés à cabeça, Reece mal
conseguia falar.
— Recebemos um telefonema das autoridades do aeroporto de Miami. Sua filha
está vindo ao seu encontro e sua presença se faz necessária.
— Como? — perguntou Reece, atônito. Só deveria encontrar Brittany dali a duas
semanas, em Houston. Depois voltariam para Key West de avião. Era o que estava
combinado. — Tem certeza disso? Ninguém me avisou que ela viria.
— Aparentemente ela tomou essa decisão por conta própria. Não tenho
conhecimento dos detalhes, mas me parece que ela viajou sem a permissão da mãe.
Por algum tempo, Reece ficou sem reação, como se estivesse paralisado. Então
procurou a mão de Amber com a sua, rezando para que uma catástrofe não estivesse
prestes a explodir.
CAPÍTULO VII
— Como assim, você fugiu? — perguntou Reece com incredulidade para a filha,
exasperado com a teimosia dela.
Com os braços cruzados sobre o peito, a menina tinha os lábios franzidos em
descontentamento, a expressão amuada. Os longos cabelos loiros estavam presos num
rabo-de-cavalo mal feito, a camiseta rosa tinha manchas de refrigerante e a calça jeans
estava precisando de uma boa lavada. Parecia que dormira várias noites com aquela
roupa.
— Eu tive que fugir! — insistiu ela. — Você não sabe o que está acontecendo.
— Sei que devia estar em Houston com sua mãe! — exclamou ele.
— Mas você disse que eu podia vir te encontrar.
— Eu disse que eu iria encontrar você. Isso não significa que você poderia vir por
conta própria, especialmente sem sua mãe consentir, e pior, sem saber. Aliás, como foi que
fez isso? Como conseguiu a passagem de avião?
Ela deu de ombros, negligentemente.
— Pela Internet.
— Isso requer um cartão de crédito... — Ele passou a mão pelos cabelos,
exasperado.
— Não se você tiver uma conta e souber a senha — retrucou a menina com ar de
superioridade.
— Mas você não tem uma conta — ressaltou Reece.
— Que conta você usou?
— A de Mike. — Ela franziu a testa ao pronunciar o nome. — Ele não consegue
decorar a senha, por isso a deixa anotada do lado do computador. — Revirou os olhos com
desdém.
Reece não fazia ideia de que uma criança daquela idade fosse capaz de tamanha
animosidade. Tinha sentido uma crescente amargura na voz da filha na últimas semanas
mas tinha ignorado o fato porque estava completamente absorto com Amber.
Amber. Ela desaparecera poucos minutos depois de chegarem ao aeroporto com a
desculpa de procurar um táxi. Só agora Reece se dava conta de que ela quisera deixá-lo à
sós com a filha.
— Brittany, como conseguiu embarcar sozinha, sem autorização?
— Pedi para uma velhinha se passar por minha avó.
— E como conseguiu que ela concordasse com isso?
— Inventei uma história sobre minha mãe estar passando mal no banheiro e eu
precisar embarcar para encontrar meu pai... Chorei um pouquinho... e deu certo.
— E o que aconteceu em Miami?
— Mamãe descobriu o que eu fiz e ligou para a companhia aérea. Quando eu
cheguei dois homens estavam me esperavam na saída.
— Bem, deixe-me ver... você roubou de Mike.
— Hum? — Ela pareceu surpresa.
— Além de usar o cartão de crédito dele, enganou uma porção de gente. Deve
haver uma lei contra o uso da Internet para fins fraudulentos, eu acho. E você fugiu, acho
que isso se encaixa em delinquência juvenil.
— Estou em apuros? — sussurrou ela.
— Pode apostar. — Ela engoliu em seco.
— Vou para a cadeia?
Reece olhou para a filha, até que os olhos dela se encheram de lágrimas, e apesar
do susto que pregara nele e em Joyce, ele se condoeu.
— Não — disse sucintamente.
— Desculpe, papai. É que eu não sabia mais o que fazer.
— A respeito de quê, Brittany? Você não é do tipo de menina que foge, mente e
rouba.
— Desculpe, papai, mas eles vão se casar! Você não pode deixar que isso aconteça!
— Sei que você não está feliz com isso, Brit, mas eles estão planejando isso há
meses.
— Mas será na semana que vem! — gritou ela. — Antes de você ir me buscar! Se
você for antes, mamãe vai desistir, vai querer voltar para você!
— Não, Brit... Sua mãe ama Mike.
— Ela pensa que ama! — insistiu a menina. — Se você falar com ela que podemos
voltar a ficar juntos, ela vai mudar de ideia.
— Não podemos voltar a ficar juntos, Brit — disse ele suavemente.
— Por que não?
Reece suspirou, olhando ao redor. Aquele não era o lugar mais indicado para
terem aquela discussão.
— Já conversamos sobre isso antes, Brit, e podemos conversar de novo, mas não
aqui. Já jantou?
— No avião.
Colocando uma mão sobre o ombro da menina, Reece explicou carinhosamente:
— Falei com sua mãe pouco antes de você chegar e ela pediu que eu lhe dissesse
que embora esteja brava com você, ela te ama muito e está aliviada por saber que você está
bem e em segurança agora.
A expressão no rosto de Brittany era um misto de culpa e desalento.
— Vamos para casa — disse ele. — Amanhã você decide como consertar isso.
— Está bem — respondeu ela, prestes a chorar.
Ao saírem para o saguão do aeroporto, Reece procurou Amber com o olhar.
Encontrou-a parada no fim de um longo corredor e sentiu uma ponta de ciúme ao ver
Walt ao seu lado.
Sabia que Walt era o único motorista de táxi que ela poderia ter chamado àquela
hora, mas não gostou.
— Brittany, esta é a srta. Presley e seu amigo, o senhor...
— Dell — Walt completou, estendendo a mão para Brittany.
— Como vai? — murmurou ela.
— Tudo bem? — perguntou Amber para Reece, e ele assentiu apertando o rosto de
Brittany entre as mãos.
— Vai ficar.
— Walt vai me levar para casa, tem um táxi esperando por você lá fora — disse
Amber. — Falo com você em breve.
— Sim — respondeu Reece contrafeito. — Olhou para ela por um longo momento,
sentindo seu amor se expandir dentro do peito. — Obrigado — foi tudo o que conseguiu
dizer antes de tomar Brittany pela mão e se dirigir para a saída.
Notou que Walt conversava com um dos policiais da lancha, um que Amber
chamara pelo nome, Danny. Não se lembrava se agradecera ao homem, mas isso já não
tinha mais tanta importância. No momento seus problemas com Brittany ocupavam toda a
sua atenção.
Tinha que convencê-la que a mãe e ele jamais voltariam a ficar juntos novamente
do modo que ela gostaria. Ao mesmo tempo precisava encontrar um jeito de contar toda a
verdade para Amber.
Se ela o amasse, e ele acreditava do fundo do coração que sim, poderiam em breve
planejar um futuro juntos. Nesse ínterim precisava lidar com sua filha e com a tristeza que
a separação lhe causara.
Brittany mal respondeu às suas perguntas no percurso até a marina. Trouxera,
com efeito, algumas peças de roupa e maiô. Esquecera a escova de dentes, mas Reece tinha
mais de uma sobressalente no barco. Não fora uma fuga planejada, e sim uma decisão to-
mada em um impulso depois de se negar a acompanhar a mãe nas compras para o
casamento. Sem querer, Mike fornecera subsídios para a fuga, ao tentar envolvê-la nos
preparativos para a lua-de-mel, mostrando como adquirir um bilhete aéreo.
Brittany usara as informações contra ele, pobre homem. A única falha no plano
fora contar à sua amiga Stella aonde estava indo e como. Tentava não pensar o que teria
acontecido caso Joyce não tivesse falado com Stella assim que dera por falta de Brittany.
Estava satisfeito que Brittany tivesse tomado consciência da gravidade do que
fizera. No dia seguinte teriam uma longa e séria conversa.
Chegaram no cais apenas para se darem conta que não havia jeito de alcançar o
barco, uma vez que Reece viera à terra no barco-patrulha.
Irritado e sentindo-se um idiota, precisou pedir auxílio a um casal de meia-idade
que tomava um drinque no deque de sua casa-barco. Após explicar o que acontecera,
conseguiu que lhe emprestassem o bote.
Foi um trabalho e tanto ir até o barco com o bote inflável, voltar com ambos os
botes, devolver o que tomara emprestado e retornar ao Porto Feliz.
Quando finalmente sentou-se diante de Brit, encontrava-se física e
emocionalmente exausto.
— A despeito de tudo — disse ele, tomando-a nos braços — estou feliz por você
estar aqui.
— Eu também — murmurou ela, aninhando-se contra seu peito. — Eu te amo,
papai.
— Também te amo, querida. Mas acho que agora é melhor irmos para a cama.
Conversaremos amanhã.
Brittany não discutiu, aparentemente tão cansada quanto ele. Reece não pôde
evitar de imaginar o quanto aquela noite teria sido diferente se Brit tivesse embarcado em
sua aventura apenas algumas horas mais tarde.
Não sabia o que era melhor. Por fim, exausto, acabou adormecendo antes de
chegar a uma conclusão.
— Desculpe-me, papai — choramingou Brittany. — Reece afastou a xícara de café
vazia.
— Querida, sei que você está chateada com o rumo que as coisas tomaram... Assim
como sua mãe e eu. Quando nos casamos, realmente queríamos que fosse para sempre.
Mas éramos jovens e inexperientes, e nos casamos pelas razões erradas. Pensávamos que
nos amávamos, mas estávamos enganados.
— Mas eu sei que vocês se amam — argumentou a garota. — Vocês não são como
os pais de Stella, eles odeiam um ao outro. Gritam, dizem coisas horrorosas e brigam o
tempo todo.
— E como Stella se sente? — Reece ponderou. Brittany olhou para ele por um
momento, então afastou seu prato e apoiou os cotovelos no balcão.
— Ela odeia. Chora sempre que isso acontece e às vezes acha que eles deveriam ter
se separado há muito tempo.
— Sua mãe e eu amamos você muito para fazê-la passar por isso. Tentamos ficar
juntos, para que você não passasse pelo que Stella está passando. — Reece fez uma pausa e
acariciou o rosto da filha. — Olhe, querida, eu sei que você está sofrendo. Sei que a se-
paração não foi fácil para você. Também não foi para nós, mas é o melhor que podemos
fazer.
Ela se levantou de repente, debulhando-se em lágrimas.
— Acho que é egoísmo meu querer que vocês voltem, não é?
— Poderia ser.
— Só não consigo entender como a mamãe pode preferir Mike a você —
resmungou ela.
— Eu posso — disse Reece, obviamente chocando Brittany. — Esqueça que eu sou
seu pai e Mike não, por um momento.
— Não consigo!
— Consegue sim, se quiser. Agora pense o seguinte. Sua mãe gosta de ópera,
golfe, festas, jantares. Mike também. Eu gosto de rock, barcos e churrascos. Ela gosta de
música clássica, arte, teatro, tudo que é formal e erudito.
— E Mike também — Brittany murmurou. Reece sorriu.
— Eu gosto de arte moderna, revistas em quadrinhos, filmes de ação. Ela gosta de
carros de luxo e de morar na parte nobre da cidade.
— Você prefere o campo e caminhonetes — completou a menina.
— E Mike gosta...
— De carros de luxo e mansões. — Reece apoiou o cotovelo no balcão.
— Nenhum de nós está errado, Brittany. É só que somos diferentes. Sua mãe e
Mike têm gostos similares, objetivos parecidos. Se ele fosse seu pai, você o acharia
maravilhoso. Eu garanto que ele é um homem bom. E ama sua mãe. Isso já deveria bastar.
— Eu nunca havia pensado desse jeito — ela finalmente admitiu. — Mas não
parece justo que ela tenha tudo o que deseja enquanto nós...
— Que é isso, Brit? — interrompeu Reece. — Não é assim, e você sabe disso. O que
ela tem, todos nós temos e é uma chance de ser feliz. Ela ainda será sua mãe, eu serei seu
pai, e Mike será um ótimo padrasto. Se pensar assim, você sairá ganhando. Todos nós sai-
remos ganhando.
— Não você — disse ela com preocupação genuína. — Você está sozinho agora.
— Não estou. Ainda tenho você. Vovô, vovó, tio Jason e Caleb e a família dele. —
Reece tomou fôlego antes de prosseguir: — E é melhor você saber de uma coisa. Eu
encontrei alguém especial também. Alguém com quem pretendo me casar. Ainda não
disse isso a ela, portanto não toque no assunto quando a conhecer.
Brittany fitou-o por um longo momento, confusa e surpresa. Quando falou, sua
voz não passou de um sussurro:
— Você está apaixonado por ela?
— Loucamente. Estou loucamente apaixonado por ela. — Reece sorriu.
— É aquela Marcy que eu encontrei na sua casa?
— Marcy? Não! Por que você acha que é ela? — Ela deu de ombros.
— Você estava sempre com ela, antes de viajar.
— Não é Marcy... É outra pessoa, que você não conhecia, pelo menos até ontem à
noite.
Brittany franziu a testa e pela sua expressão Reece pôde ver que a menina estava
tentando pensar em quem poderia ser a escolhida de seu pai. E soube o momento exato
em que ela descobriu.
— Aquela moça com o homem alto e magro?
— O nome dela é Amber — disse Reece, assentindo com um gesto de cabeça.
— Acha que ela gostará de mim?
Com um suspiro de alívio, Reece segurou o rosto da filha entre as mãos.
— Ela vai adorar você! E você também gostará dela se lhe der uma chance. Faria
isso por mim? Tentaria ao menos?
— Vou tentar, papai — respondeu ela com voz trêmula.
Reece levantou-se e contornou o balcão para abraçar a filha.
— Obrigado, querida. É tudo o que eu lhe peço. — Ligaram para Joyce novamente
e Brittany teve uma longa conversa com a mãe. Lágrimas e sorrisos se alternaram naquela
conversa. Reece queria falar com Amber também, mas sabia que esse período era delicado
e que a filha precisava de sua atenção. Confiava em que Amber compreenderia isso.
Passaram aquele dia e o seguinte fazendo planos. Iriam a Houston nos próximos
dias para que Brittany pudesse ajudar Joyce com os preparativos do casamento.
Velejaram, assistiram a filmes na televisão, jogaram videogame e foram nadar nos corais.
No segundo dia, após voltarem de um passeio, Reece sugeriu que fossem jantar na
cidade, no restaurante onde Amber trabalhava. Brittany assentiu depois de uma
brevíssima hesitação.
— Ela sabe o que eu fiz?
— Tenho certeza que Amber compreende — garantiu ele. — Quando tiver uma
chance, pergunte a ela como veio parar em Key West.
Brittany pensou por um momento e assentiu. Nervoso, Reece se preparou para o
encontro das duas mulheres mais importantes da sua vida.
Amber o viu assim que ele entrou no salão, escoltado pela curiosa filha. Seu
coração disparou e parecia querer sair pela boca.
Teria ele contado algo a Brittany? Se tinha, qual teria sido a reação da menina?
Pior de tudo, e se Brittany a detestasse?
Às vezes tinha a impressão de que tudo que vivera com Reece não passara de um
sonho. Talvez ele não sentisse por ela o mesmo que ela por ele. Afinal, ele não dissera que
a amava. Se a Guarda Costeira não os tivesse interrompido...
Tudo eram conjeturas, e talvez ela estivesse se preocupando sem motivo.
Rapidamente se desvencilhou dos seus pedidos e rumou para a mesa deles na
primeira oportunidade. Entreolharam-se e Amber se perguntou como deveria agira diante
da garota.
— Oi — cumprimentou ela da maneira mais animada possível. — Como estão?
— Famintos — Reece respondeu sorridente. — Fora isso, ótimos. Não é, Brit?
A menina assentiu timidamente, sem olhar diretamente para Amber, que esperava
de bloco em punho.
— Bem, vamos resolver o problema da fome. Que tal batatas recheadas com
caranguejo? Ou preferem cebolas empanadas com espetinhos de camarão?
— Cebolas — disse Brittany quase ao mesmo tempo que Reece dizia: Batatas.
Amber riu.
— Que tal se eu trouxer um pouquinho de cada?
— Seria ótimo. E um suco de laranja e uma Coca.
— Vou providenciar já!
Pegando Amber pelo pulso, Reece lhe falou:
— Alguma chance de você se juntar a nós?
— Claro. Não tive folga ainda.
— Só mais uma coisa — acrescentou Reece. — Isto. — E a beijou de leve nos
lábios.
Os olhos de Brittany se arregalaram, mas o gelo fora quebrado. Após um instante
estavam os três rindo. Juntos.
Inclinando-se para a filha, Reece cochichou-lhe no ouvido:
— Viu o que ela me faz fazer?
— Comporte-se, senhor. O que deu em você? — Ele abriu os braços.
— Estou feliz, só isso! Estou com minhas duas pessoas favoritas na mesa. O que
mais um homem pode desejar?
Pela primeira vez na vida, Amber sabia exatamente o que ela queria e quem. E
estava começando a acreditar que poderia vir a conseguir.
CAPÍTULO VIII
Amber levou Brittany no tour, na noite seguinte. Reece recusou o convite com a
desculpa de que tinha algo para fazer que o impedia de acompanhá-las no passeio.
Amber sabia que isso nada mais era que uma desculpa para deixar as duas juntas
sem tê-lo por perto.
Foi um pouco estranho no início, mas quando ela começou a vestir a fantasia,
Brittany começou a fazer perguntas, e logo estavam conversando animadamente.
O grupo daquela noite era pequeno e tranquilo, e o passeio terminou alguns
minutos mais cedo que de costume.
Quando Reece chegou, encontrou-as sentadas nos degraus da agência, rindo e
comentando sobre uma velhinha que, durante o tour, ficara atentíssima às palavras de
Amber.
Segundo a própria senhora, tinha enviuvado recentemente e, com o dinheiro do
seguro de vida do marido, estava percorrendo o país atrás de locais assombrados.
— Talvez ela só queira encontrar o fantasma do marido — Brittany disse
— Ou se livrar dele — sugeriu Amber, e as duas caíram na risada.
— Não foi tão divertido quando eu fiz o tour — Reece reclamou quando começou
a ouvir o relato dos acontecimentos da noite. Não lhe passou despercebido o interesse da
filha no que Amber fazia e fizera.
Acompanhou a narrativa ao mesmo tempo que via a satisfação no sorriso de
Amber, que lançava olhares furtivos em sua direção.
Esperou Brittany sair pela calçada para tomar a mão de Amber e juntos
caminharam em direção ao apartamento.
Brit logo se cansou e disparou na frente. A noite estava escura e as árvores
lançavam sombras na calçada.
— Tenho que agradecer a você — disse ele a Amber depois de alguns instantes.
— Pelo quê?
Ele apertou-lhe a mão gentilmente e sorriu.
— É uma longa lista, mas neste caso estou falando de Brittany.
— Ela é uma garota ótima, Reece. Tem razão em orgulhar-se dela. Está claro que
você é um pai incrível, mas não sei pelo que quer me agradecer.
— Muitas mulheres teriam pressionado — disse ele simplesmente. — Você não fez
isso e eu agradeço.
— Não é que eu não queira — confessou Amber abertamente. — Mas sei que você
precisa de tempo com ela agora.
Antes que um dos dois pudesse falar mais, Brittany voltou para junto deles.
— Tem um homem na esquina — relatou a menina ofegante.
Amber largou a mão de Reece e pegou a de Brittany. Protegida entre os dois
adultos, a garota passou pela esquina e pelo homem cabeludo que resmungava sozinho.
Um quarteirão e meio adiante, sob as árvores, eles encontraram vários gatos de
seis dedos que habitavam a ilha, herança deixada por Ernest Hemingway. Brittany correu,
atrás deles para tentar ver se, de fato, eles tinham um dedo a mais.
Assim que ela se afastou, Reece virou-se para Amber.
— Há tanta coisa que preciso falar para você...
O coração de Amber acelerou, mas ela conseguiu se controlar e respondeu
calmamente:
— Eu sei. Nós temos mesmo muito que falar, mas agora não é o momento.
O suspiro que Reece exalou tinha um quê de frustração.
— O problema é que...
— Olhe, papai! — Brittany vinha ao encontro deles carregando um gato branco e
preto nos braços. — Ele veio direto para mim.
— Querida, é um gato de rua.
— Mas ele me escolheu.
— Ponha-o no chão, por favor. — Brittany obedeceu.
— Eu quero um gato de seis dedos — disse em tom súplice.
— Precisa pedir para sua mãe e Mike antes.
A menina fez uma careta, mas logo voltou a correr atrás dos gatos, exclamando:
— Eles são tão lindinhos!
Amber riu, marota, ao se juntar a Reece.
— Agora sim, você tem pelo que me agradecer. Eu poderia ter dito o quanto é fácil
cuidar de um gato em um barco.
Levando o dedo indicador aos lábios dela, Reece murmurou:
— Shhh!
Ela riu, enquanto deixava que ele a envolvesse pelos ombros. Passaram pelos
gatos e foram precisos mais alguns instantes para que, após respirar fundo, ele dissesse:
— Tenho que partir.
O coração de Amber falhou uma batida. Só quando ele a olhou nos olhos é que
caiu em si.
— Quando?
— Amanhã.
— Oh! não! — Fechando os olhos, sentiu o pânico tomar conta de seu ser.
— É por pouco tempo — tranquilizou-a Reece, segurando seu rosto entre as mãos.
— Eu não partiria permanentemente antes de resolver as coisas entre nós. Lógico que sabe
disso.
— A-acho que sim. Só me pegou de surpresa.
— Eu sei. Desculpe contar assim de supetão. A realidade é que Joyce vai se casar
no domingo. Brittany tem que estar lá e precisa que eu esteja com ela.
— Sua ex-esposa vai se casar de novo? — perguntou Amber.
— Não contei que ela planejava fazer isso?
— Eu... Você comentou alguma coisa, mas tive a impressão que não era tão
iminente.
— Nem eu. Aparentemente ela quis aproveitar já que Brit vai ficar comigo para
viajar em lua-de-mel.
— Foi por isso que ela fugiu, não foi? — deduziu Amber.
— Você me surpreende constantemente — disse ele. — Sim, foi por isso que ela
fugiu. Tinha na cabeça que eu poderia evitar o casamento. Tive de fazê-la compreender
que isso não era verdade.
— Quando você volta?
— Não sei ao certo — respondeu ele com honestidade. — Estou deixando meu
barco aqui, claro, e reservei passagens de volta para daqui a uma semana. Tenho assuntos
para resolver no Texas, mas nada que leve muito tempo. Assim que eu souber onde vou
ficar, ligo para você. E volto o mais depressa possível. Entende que Brittany voltará
comigo?
— Claro.
— Quando eu voltar — continuou ele, muito sério — nós dois teremos uma longa
e importante conversa. Há coisas que preciso lhe contar, que já deveria ter contado mas
não tive chance. Então espero que possamos falar do futuro. Do nosso futuro.
Amber levantou os olhos para ele, lutando para conter as lágrimas.
— Eu esperarei ansiosa por isso.
Reece inclinou-se e juntou sua testa à dela.
— Tenho sentido saudade de você — sussurrou ele.
— Se Brittany não precisasse tanto de mim nos últimos dias eu nunca teria me
afastado.
— Eu compreendo. E me sinto do mesmo jeito. — Naquele instante, Brittany
chegou esbaforida.
— Estou cansada — reclamou a menina. — Nós estamos andando para algum
lugar, não é?
— Certamente estamos — respondeu Amber segurando a mão dela.
Pouco depois chegaram ao edifício onde Amber morava. Pararam na calçada, e
Amber afagou o rosto de Britt.
— Fico feliz por ter tido a chance de conhecer você.
— Era impossível saber o que se passava na cabecinha da menina. — Cuide-se e
volte logo.
Brittany assentiu.
— Obrigada por me levar no passeio.
— O prazer foi meu.
Reece apontou para uma espreguiçadeira próxima à escada.
— Querida, por que não descansa um pouco enquanto eu acompanho Amber até a
porta?
Não era bem uma sugestão, mas uma ordem. Brittany acatou-a sem reclamar.
Reece e Amber galgaram os degraus vagarosamente, tentando prolongar ao
máximo o tempo que restava.
No alto da escada, ele segurou a nuca de Amber e disse:
— Não posso deixá-la esperando muito, mas uma coisa eu quero dizer antes de
partir. Não importa o que aconteça, pense em ir embora daqui comigo. Sei que é
problemático, mas poderá dividir a cabine com Brittany. Pretendo falar com ela a respeito
antes de voltarmos. Pensará nisso? E sério.
— Está bem.
— Bom, porque não pretendo partir novamente sem você.
— É bom ouvir isso — murmurou ela.
Então Reece a beijou, longa e intensamente. Era uma coisa doce, ao mesmo tempo
uma separação e uma promessa. E deixou a ambos ansiando por mais. Depois ele a
abraçou. Por fim se separaram.
— Voltarei o mais depressa que puder.
— Eu estarei esperando.
Ele sorriu, depois se virou e desceu os degraus. Amber ficou parada, vendo pai e
filha se afastar rua abaixo, acenando antes de dobrarem a esquina.
Nunca se sentira tão feliz e tão triste ao mesmo tempo, com vontade de rir e de
chorar, tão esperançosa e tão despojada.
Estou amando, pensou ela, cheia de assombro e pavor dos sentimentos que a
dominavam. Tinha consciência de que contaria cada minuto até estar novamente ao lado
de Reece.
Reece telefonou na sexta-feira, explicando que o voo havia atrasado em Miami,
fazendo-os aterrissar em Houston tarde da noite. Deu-lhe um número de telefone e ao
mesmo tempo se desculpou dizendo que não seria fácil encontrá-lo.
Aparentemente ficara acertado que ele compareceria ao casamento da ex-mulher
em um esforço conjunto pela filha. Para tanto, seria necessário providenciar roupas
adequadas e, claro, um presente de casamento.
Iria até Galveston para visitar o irmão mais velho no sábado. Para depois do fim
de semana, os planos de Reece não eram muito claros. Pelo menos, não para Amber. Só lhe
disse que tinha negócios a resolver e levaria uns dois dias para fazê-lo.
Ela não pensou muito nisso. O que quer que tivesse de fazer, não era da sua conta.
Ou pelo menos era o que ela pensava até pegar o táxi de Walt na segunda-feira à noite e
encontrar Danny Bello no banco de trás.
Estava sem o uniforme, mas mesmo assim parecia imbuído de uma missão
profissional. Ou quase isso.
— O que aconteceu? — perguntou imediatamente a Walt.
— É o que eu gostaria de saber — respondeu ele solenemente. — E eis por que
pedi a Danny que me ajudasse a procurar o tal Carlyle.
— Você fez o quê?
— Só ouça o que nós encontramos, antes de fazer qualquer julgamento — pediu
ele. — É coisa importante, Amber.
Ela revirou os olhos. Walt ultrapassara os limites desta vez, e não aceitaria isso
calada.
— É absurdo, isso. Não acredito que você foi tão longe a ponto de investigar
Reece.
— Eu sei, mas...
— Mas nada! Ele é um bom homem e eu sou louca por ele. Você entende isso?
— Ele é amigo do seu pai! — Walt disparou. Amber o ouviu, mas demorou algum
tempo até as palavras fazerem sentido.
— Do que você está falando? Isso é absurdo! Se Reece conhecesse meu pai, teria
me contado.
— Eles tiveram negócios juntos por anos — insistiu Walt. Um dia antes de partir
em viagem, ele esteve em Dallas, na casa do seu pai. Ele veio para cá à sua procura,
Amber, a mando do seu pai.
— Você não pode provar isso — sussurrou ela. Não podia ser... Ele teria lhe
contado.
De repente, tudo o que Reece havia lhe dito na noite antes de partir lhe voltou à
memória sob nova perspectiva.
Há coisas que preciso lhe contar, coisas que eu deveria ter contado antes... O que
quer que aconteça, por favor, pense em deixar a ilha comigo. Porque não pretendo partir
novamente sem você.
Que maneira melhor de convencê-la a partir que fingir estar apaixonado por ela?
Claro, era tudo parte de um plano!
Amber sentiu o sangue gelar nas veias.
Sem dúvida, após convencê-la a deixar a ilha com ele, pretendia entregá-la
diretamente para seu pai. "Para o seu próprio bem." E pensara que Reece a compreendia...
Um pai dedicado e amigo fiel como Reece facilmente se condoeria da situação de
seu próprio pai. Estava em uma missão heroica de reunir pai e filha.
Os fins justificavam os meios, não era mesmo?
Tremendo por dentro, Amber se virou para Danny e perguntou:
— Como você descobriu?
— Um colega meu em Dallas fez algumas perguntas, e não foi difícil. Ambos são
pessoas importantes e conhecidas. Eles se conhecem há uns seis ou sete anos, desde que
Reece fez uma consultoria para seu pai. E jantou com seus pais antes de viajar.
Ele nunca dissera que a amava. Apenas pedira para partirem juntos. E no começo
ele havia insistido demais, no assunto das desavenças entre ela e o pai, a favor do pai.
Mais tarde mudara de tática e a abordara romanticamente. Tudo fazia sentido agora.
Dor e mágoa perpassaram Amber. Cobriu o rosto com as mãos, lágrimas quentes
banhando-lhe as faces. Fora enganada, ludibriada. Sua vida que parecia cheia de
esperança e promessas até recentemente, agora afundava em uma espécie de limbo
sombrio.
Pediu que Walt a levasse para casa. Lá, mergulhou na solidão de seu quarto.
Prosseguiria com sua vida, fazendo o possível para que seu coração partido não
interferisse.
Não falaria com Reece novamente, apenas para dizer que não o veria mais.
Quando Sharon a avisou que ele havia ligado para dizer que estaria de volta à ilha
no dia seguinte, exatamente uma semana após ter partido, Amber não fez nenhum
comentário.
Recolheu-se ao quarto para pensar. Era assustador perceber que algo mudara
profundamente nela, e para pior. Quase não se reconhecia mais, tamanha a raiva e o
ressentimento em seu coração. Temia reencontrar Reece por uma única razão: não sabia do
que seria capaz.
Reece desembarcou no aeroporto de Key West e olhou ao redor, apreensivo.
Amber não estava lá, conforme ele esperara.
Lembrou-se da resposta seca de Sharon, ao telefone:
— Ela não quer mesmo falar com você. — E desligara.
Conhecendo Sharon, Reece não dera muita importância. Não era verdade, não
podia ser. Amber o amava. Ele esperava, acreditava que passariam a vida juntos.
Foi direto até um telefone público e ligou para o apartamento para avisar que ele e
Brittany haviam chegado. Dessa vez Linda atendeu e disse que Amber não queria falar
com ele.
— O que aconteceu? — perguntou ele, desarvorado.
— Não sei... — O tom de voz dela tornou-se mais baixo e confidencial. — Ela me
disse para não falar com você. Disse que não quer ver você nunca mais... Eu não sei, não
entendi também.
Reece despediu-se e ficou parado com o telefone mudo na mão, sem saber o que
pensar.
O que teria acontecido? E o mais importante, como consertar a situação?
Brittany fez as mesmas perguntas no táxi, mas ele não sabia as respostas.
— Sou eu, papai?
— Não, querida. Não, não, Amber gosta de você. Ela me disse isso.
— Pode ser que goste, mas não quer ser minha madrasta. Talvez, se eu disser que
vou ser boazinha, ela mude de ideia.
— Querida, não será preciso. Juro que não é nada com você.
Lembrou-se da discussão com o pai de Amber dois dias antes. Quase haviam
chegado às vias de fato. Ela tinha razão quanto à irracionalidade de seu pai no que lhe
dizia respeito.
Referia-se a ela como "meu bebê", "minha menininha", e quando Reece lhe contara
sobre o envolvimento, Robert se enfurecera, acusando-o de traição.
A altercação chegara a um ponto tal que Reece parará de argumentar, deixando a
casa do amigo após informar que se casaria com Amber, com ou sem a aprovação dele. Ou
Robert aceitava os fatos ou ficaria sem a filha e sem os netos que estavam por vir. A
menção de netos, Robert quase tivera um ataque. Mais tarde, Happy, mãe de Amber,
ligara para o hotel onde Reece estava hospedado para dizer que ela, ao menos, desejava
que eles fossem felizes. E que esperava que o marido fosse melhor avô do que pai.
Essas eram as novidades que Reece queria desesperadamente contar a Amber. E
talvez minimizar sua falha por não ter sido sincero desde o início.
Poderia Amber ter descoberto a ligação entre ele e seu pai, durante sua ausência?
Achava pouco provável, mas mais improvável ainda era que a razão fosse Brittany.
Não, tinha de ser alguma outra coisa. Fosse o que fosse, ele descobriria um jeito de
resolver o problema.
A noite passou em uma agonia insone. Já era quase manhã quando o sono
finalmente chegou para Reece. Pouco depois, no entanto, um ruído familiar o despertou.
Era o ruído de um motor de barco. Do seu bote. A conclusão foi lógica. Brittany ou Amber.
Ou ambas!
Atirando para longe as cobertas, pulou para fora da cama e vestiu-se correndo. O
pressentimento terrível se confirmou quando ele abriu a porta da suíte. Brittany não
estava no outro quarto, nem em parte alguma do veleiro. Gritou o nome dela.
Silêncio.
Aterrorizado, constatou que o bote não estava atrelado ao barco.
Talvez se eu lhe disser que serei boazinha...
As palavras da filha lhe vieram à cabeça. Lembrou-se que ela perguntara onde
poderia encontrar Amber. Dissera que era mais fácil encontrá-la no restaurante, mas
jamais imaginara que Brittany fosse agir por conta própria.
Mesmo tendo ensinado à filha como manobrar o bote, ela nunca o fizera sozinha.
Eram muitos os barcos ao redor deles... e as ondas, o mar!
Sem pestanejar, Reece arrancou a camiseta e os sapatos e se lançou ao mar,
disposto a chegar à terra firme a nado.
Amber caminhava sem olhar para lado nenhum.
Desde que recebera a notícia, dispensara a carona de Walt e ia e voltava do
trabalho a pé.
A visão de Danny no banco de trás ainda era muito vivida e dolorosa para voltar a
encarar o carro.
Estava na alameda próxima ao restaurante quando uma figura conhecida surgiu
do nada.
Esguia, os longos cabelos despenteados e a roupa amarrotada como se tivesse
dormido vestida.
Amber olhou em volta, esperando encontrar Reece por perto.
— Brittany, o que está fazendo aqui? Onde está seu pai?
— Eu vim sozinha. Precisava ver você e sabia que ele não deixaria, mas tinha que
te dizer uma coisa.
Amber não sabia se ficava aliviada ou desapontada. Olhou ternamente para a
criança, cujos tênis estavam ensopados.
— Você fugiu de novo, não foi?
— Não exatamente. Se me apressar volto para o barco antes que ele perceba que
eu saí.
— Brittany, você não pegou o bote, pegou? — A menina estava claramente
perturbada.
— Só queria falar com você, não tinha intenção de fazer nada errado.
A vontade de Amber era dar meia-volta e sair dali correndo, mas não podia fazer
isso. Além do mais, Brittany parecia prestes a cair em prantos.
Resignada, Amber assentiu.
— Tenho que trabalhar logo, mas podemos conversar por alguns minutos. Diga, o
que houve?
A garota mordeu o lábio antes de falar.
— Precisa acreditar em mim, eu juro que não serei má para você. Juro que nunca
mais vou fugir. E pense que na maior parte do tempo nem vou morar com vocês.
Amber franziu a testa.
— Do que está falando, querida?
— Sei que brigou com meu pai por minha causa! Mas eu não vou mais fugir, nem
tentar juntar papai e mamãe. Ela até já se casou com Mike, e papai não a ama, ele ama
você!
— Está enganada, querida, não foi por isso que terminei com seu pai.
— Então por que foi?
— É muito complicado explicar. Não quero criticar seu pai para você, mas
ninguém é perfeito. Ele não me falou a verdade sobre uma coisa muito importante.
— Papai sempre fala a verdade.
— Não desta vez. Mas não se preocupe, meu bem, nada é culpa sua, certo?
— Tenho que me preocupar, nunca vi meu pai tão triste como ontem. Ele quer
casar com você, ele me disse isso.
Aquilo penetrou como uma flecha nos ouvidos de Amber, mas antes que tivesse
tempo de se recuperar, avistou Reece caminhando na direção delas. Todo molhado e
semidespido, abraçou a filha.
— Desculpe, papai, mas eu precisava vir pedir a Amber...
— Pedir o quê?
— Para ela casar com você. Papai, você não mentiu para ela, mentiu? Diga que
não.
Ele olhou com tristeza para Amber e respondeu:
— Sinto muito decepcioná-la, querida, mas eu menti, sim.
— Mas, papai...
— Primeiro menti porque temia que a verdade nos afastasse, depois por medo de
perdê-la.
Amber, até então quieta, se manifestou. Incapaz de ouvir mais nada, com lágrimas
nos olhos, falou:
— Preciso ir trabalhar.
— Por favor, Amber, me deixe explicar — implorou Reece.
Oh! quanto ela gostaria disso! Mas não ousaria.
Reunindo toda sua coragem, virou-se e, a passos rápidos, se afastou dali. Só queria
se esconder, fugir, ir para longe de Reece. Ele admitira ter mentido. E isso ela jamais
esqueceria ou perdoaria. Aquelas lágrimas que lhe molhavam o rosto iriam secar um dia.
E, junto com elas, a dor que esmagava seu peito.
Um dia...
CAPITULO X
Reece viu Amber desaparecer dentro do restaurante, sem se importar com a água
que pingava de seus cabelos nem com o estado de seu short. A imagem do rosto dela
ainda o assombrava. Sentia-se esmagado pela dor que presenciara em seus olhos, uma dor
pela qual ele era responsável. Infligira-lhe tal sofrimento por egoísmo. Omitira a verdade
para não complicar a sua vida.
Tinha que reparar isso a qualquer custo. De alguma maneira, precisava acabar
com o sofrimento de Amber. Tinha de apagar a mágoa daqueles olhos tão queridos! A
questão era, como?
O contato macio da mãozinha de Brittany na sua o arrancou do devaneio.
— Perdoe-me, papai.
Em um esforço sobre-humano, Reece sorriu para a filha, tentando consolá-la.
— Nunca mais saia para lugar nenhum sem minha expressa permissão, mocinha,
até ter idade suficiente para votar. Estamos entendidos?
A garota baixou a cabeça e fez que sim. Emocionado, ele acrescentou:
— Mas obrigado por tentar ajudar. — Ela apertou com mais força a mão dele.
— Ela ainda ama você, papai. Ela me disse.
— Quando?
— Agorinha.
— O que ela disse exatamente, meu bem? — interrogou Reece com um fio de
esperança.
— Que até podia amar você, mas que você tinha estragado tudo mentindo para
ela. Ou coisa parecida.
O desapontamento o invadiu novamente. Aquela não era bem uma declaração de
amor, mas pelo menos já sabia o que estava acontecendo, o que era um avanço.
Precisava fazer Amber ouvir sua versão da história. Fazê-la entender que agira
assim por amor. E que nunca mais faria algo tão idiota.
De repente estava fazendo planos para tê-la de volta. Se houvesse uma
possibilidade, por menor que fosse, de reconquistar Amber, já valeria a pena viver. E lutar.
A primeira coisa a fazer era voltar para o barco e tomar um banho. Fazer-se
apresentável e então procurar Linda. Sentia que tinha na jovem uma aliada.
Sua mente fervilhava ao caminhar para o porto, a tal ponto que até o desconforto
dos pés descalços passou despercebido.
Amber olhou para a escada e suspirou, desalentada. Parecia mais alta que nunca.
O esforço para escalar cada degrau era demasiado para ela. Sabia que aquela exaustão se
devia ao seu estado emocional, uma vez que o movimento fora calmo no restaurante,
naquele dia.
Dessa vez, aceitara a carona de Walt, temendo reencontrar Brittany e Reece.
Seguida pelo amigo, subiu pesadamente os degraus e suspirou ao chegar ao topo. Quando
girou a maçaneta e abriu a porta, não estava preparada para o que viu no interior da sala.
Sentado no sofá, Reece a aguardava.
— Precisamos conversar — disse ele sem rodeios. Amber titubeou, apoiando-se no
batente da porta.
Mas seu olhar teve tempo de captar a visão de Reece.
Em nada se assemelhava com o que vira pela manhã, quando mais parecia um
pintinho molhado. Agora, bem-vestido e penteado, com os cabelos cortados, tinha uma
aparência clássica e elegante. Podia imaginá-lo com a mesma desenvoltura em um veleiro
quanto em um salão de baile. De traje de banho ou de smoking.
— O que está fazendo aqui? — interpelou-o Walt.
— Linda me deu a chave.
Com o rosto rubro de raiva, Walt apontou para a porta.
— Saia!
— Não — retrucou Reece sucintamente.
— Onde está Linda? — perguntou Amber, recuperando a voz.
— Com Brittany.
Amber sabia que Reece não deixaria a menina sozinha. Linda tinha tomado o
partido de Reece desde o começo, por isso não era de estranhar que o tivesse ajudado.
— Vamos acabar logo com isso. Diga logo o que acha que tem a dizer.
Falou isso repetindo para si mesma que não o estava encorajando, apenas
colocando vim ponto final naquele tormento.
— Quero dizer que vim até Key West para ver você a pedido de seu pai —
confessou ele.
— Conte algo que ainda não saibamos — ironizou Walt.
Amber fez um sinal para que Walt se calasse.
— Meu pai advertiu você para não me contar, não foi?
— Exato. Disse-me que você não falaria comigo caso soubesse da minha amizade
com ele. E estava certo quanto a isso. Mas só quanto a isso.
— Deixe-me adivinhar o que mais ele falou sobre mim. Que sou indisciplinada,
mal-agradecida, uma criança irresponsável, enfim.
— Talvez, mas ele ama você. Do jeito dele, mas ama. Só que demonstra isso
querendo controlar sua vida.
— E como chegou a essa conclusão brilhante? — questionou Amber.
— Fui vê-lo durante minha viagem ao Texas.
— Foi fazer seu relatório, claro — disse ela, acusadora.
— Fui dizer que eu pretendia... Que pretendo me casar com a filha dele.
Demorou um pouco para Amber assimilar o significado do que Reece acabara de
dizer.
— Deve ter sido uma conversa e tanto!
— Bem, ninguém saiu de nariz quebrado, mas chegou bem perto disso —
murmurou ele.
— O que ele disse? — quis saber Amber.
— Tudo o que você já imagina. Que você é uma criança, imatura, que eu sou um
canalha e estou me aproveitando da sua inocência. Discutimos e eu disse que você estava
absolutamente certa em querer se afastar dele. E que eu ajudaria você a se manter longe
dele até que você fosse tratada naquela casa com o respeito que merece. E que ele podia
escolher entre isso ou ser privado do convívio com a única filha e os futuros netos.
— Pronto, já disse o que tinha para dizer, agora Amber precisa de sossego —
intrometeu-se Walt.
— Não venha dizer do que Amber precisa ou não! — Reece virou-se para ele,
exaltado. — Você é que precisa entender que ela não está interessada em você, comigo por
perto ou não!
Os olhos de Walt pareciam querer saltar das órbitas. Por alguns segundos ficou
paralisado, como se soubesse que a única outra opção era avançar para cima de Reece, o
que, no fundo, não queria fazer.
Reece olhou novamente para Amber, o tom de voz mais controlado.
— Eu nunca quis enganar, você, Amber. Você mesma sabe muito bem que se eu
tivesse contado a verdade, teria perdido todas as chances. Eu só estava esperando o
momento certo de falar.
— Você não pode dar ouvidos a ele! — bradou Walt, saindo do transe.
— Este assunto não lhe diz respeito! — gritou Reece.
— Tem razão! Diz respeito a Amber, e ela não quer saber de você, portanto volte
para o seu barco e nos deixe em paz!
— Não vou a lugar algum sem levar Amber comigo! — revidou Reece.
Ambos olharam para Amber, que permanecia imóvel e em silêncio no meio da
discussão. Agora chegara o momento de se manifestar.
— Na verdade, acho que deveríamos conversar sobre isso em outro lugar — falou
calmamente.
— Não está falando a sério! — exclamou Walt, a indignação estampada nos olhos.
— Você não precisa dele. Nós não precisamos dele para estragar tudo de novo!
— Walt, não existe nós — disse Amber com firmeza. Reece tomou a mão de
Amber e por um momento ela permitiu isso. A expressão de Walt era de horror e mágoa.
De desapontamento e ira.
— Eu nunca menti para você, Amber — disse ele.
— Tem razão, Walt. Mas de certa forma eu menti para você. Porque nunca lhe
disse exatamente o que eu sentia. Nunca fui clara o suficiente para que soubesse que
sempre o quis como amigo, só como amigo.
Reece apertou a mão dela, mas Amber não se deu conta, a atenção focada no
amigo querido.
— Se você me der uma chance, Amber...
— Esqueça, Walt. Você é perfeitamente feliz nesta ilha, leva sua vida com
despreocupação, no seu estilo tropical e divertido. Eu não.
— Eu poderia...
— Walt, além de tudo, eu não amo você.
— Você vai voltar para ele? — indagou, em tom de acusação.
Amber não respondeu. Nem ela própria sabia a resposta.
— Nós só vamos conversar.
— E só o que eu peço — disse Reece mais que depressa. — Vamos para o barco.
Decidiremos juntos para onde iremos quando sairmos de Key West.
Ela mordeu o lábio inferior.
— E se eu não puder perdoar você? Porque eu não tenho certeza se vou poder,
entende isso?
— Só lhe peço que fique comigo esta noite — implorou Reece com voz rouca. — E
se depois disso você decidir seguir sua vida sozinha e nunca mais tornar a me ver, eu... eu
terei de aceitar isso.
Amber sabia que não podia se negar a fazer o que ele lhe pedia. E não queria
negar. Tudo o que queria era ficar ao lado de Reece, ouvi-lo e dar a si mesma uma chance
de perdoar. Tudo o que queria era ter Reece para sempre.
Ela olhou para Walt, que estava parado no meio da sala.
— Vamos precisar de transporte, Walt — disse ela, com simplicidade. — E Linda
precisará de uma carona de volta para casa.
Por um momento, ela pensou que ele se recusaria a levá-los, mas isso não
aconteceu.
— Se é isso que você quer...
— É, sim. Obrigada, Walt.
Com a cara amarrada, Walt abriu a porta e saiu do apartamento. Amber sentou-se
na frente, ao lado dele, e Reece foi atrás. O trajeto transcorreu em silêncio absoluto.
Quando chegaram ao local onde o bote estava amarrado, foram recebidos
efusivamente por Brittany. Linda se despediu e entrou no táxi, enquanto Amber subia no
bote.
Ao se despedir de Walt, Reece não pôde deixar de dizer:
— E óbvio que Linda é louca por você, não percebe?
— De jeito nenhum! Estamos sempre discutindo...
— Você estava tão ocupado que nunca enxergou isso. Pense bem, a menos que
você não seja tão esperto quanto eu acho que é.
Em seguida deu meia-volta e encaminhou-se para perto de Amber, sem olhar para
trás.
No veleiro, Reece fez o jantar enquanto Brittany falava sem parar e Amber
admirava o poente em silêncio.
Comeram sem muita vontade, e quando Amber começou a tirar a mesa, Brit
ofereceu-se para ajudar. Enquanto a menina terminava de guardar a louça, Reece chamou
Amber, do convés. Não sabia como iniciar o assunto, e durante algum tempo
permaneceram sentados no tombadilho, em silêncio. Até que Amber decidiu quebrar o
gelo.
— Naquela noite... você teria feito amor comigo? — perguntou, trêmula.
Reece enfiou as mãos nos bolsos.
— Sim. Se você tivesse permitido. Você teria?
— Sim.
— Fiquei feliz por sermos interrompidos.
— Por quê?
— Porque quando eu fizer amor com você, todas as vezes que eu vier a fazer amor
com você pelo resto de nossas vidas, quero que só haja honestidade entre nós.
— É um pouco tarde para isso não acha? — replicou ela.
— Não, não acho. Seria se tivéssemos feito amor naquela noite. Mas agora ainda
existe a chance de eu corrigir meu erro.
— Acha mesmo que isso é possível? — Uma chama de esperança iluminava o
coração de Amber.
— Tem que ser possível. Você preencheu a minha vida de uma maneira que eu
não sonhava ser possível, Amber. Você é o ar que eu respiro, não consigo imaginar meu
futuro sem você.
Ela permaneceu em silêncio, olhando para Reece, as lágrimas toldando-lhe a visão.
Sem se conter, ele se levantou e a abraçou. Amber se aninhou contra o peito musculoso,
fechou os olhos e deixou de lutar contra o amor que sentia por aquele homem.
— Se você mentir para mim de novo... — começou ela.
— Nunca mais! — jurou ele. — Nunca mais! Eu lamento tanto, querida... Devia ter
te contado desde o início, mas tive medo de perder você. Cada vez mais eu te queria, e
cada vez tinha mais medo. Sei que não é desculpa, mas foi só por amor que eu menti. O
que sinto por você é muito forte.
— Sinto o mesmo por você. Por isso fiquei tão mal quando descobri que você tinha
me enganado.
— Isso significa que me perdoa e que vai se casar comigo?
Amber sorriu e seu rosto se iluminou.
— Posso me casar com você agora e deixar o perdão para depois?
— Está gostando de me deixar aos seus pés, não está?
— Talvez...
— Amber, minha vida começou aos trinta e oito anos, no dia em que conheci você.
Meu único sonho é ter você como minha esposa e mãe dos meus filhos. Casa comigo?
Ela abraçou Reece e sussurrou em seu ouvido:
— Já que eu sonho a mesma coisa, acho que é melhor aceitar... Sim, eu me caso
com você!
Reece a beijou apaixonadamente, e qualquer dúvida que Amber ainda pudesse ter
se dissolveu naquele instante.
— Oh! — Reece interrompeu o beijo e enfiou a mão no bolso. — Estava me
esquecendo... O anel! —Ele colocou no dedo dela um aro de platina com um lindo e
delicado diamante. Do topo da escada, Brittany batia palmas.
— Querido, onde vamos morar?
— O mundo está aí para você escolher, Amber! Com você, vou para qualquer
lugar.
Rindo, ela respondeu:
— Houston, decididamente Houston. Temos uma filha, esqueceu?
Chamando Brittany para junto deles, envolveu pai e filha em um abraço cheio de
amor. Um amor imenso, infinito e eterno.