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RESUMO
SOUZA, Marinete Luzia Francisca de. Uma abordagem da poética engajada de Pedro
Casaldáliga
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ABSTRACT
SOUZA, Marinete Luzia Francisca de. Uma abordagem da poética engajada de Pedro
Casaldáliga
This work is a reflection on about the poetry of Pedro María Casaldáliga Plá. It is based on
literary Stylistic and sociological critique. Casaldáliga is a poet and a church father. He is
known by his participation in social movements including Liberation Theology. The textual
analysis of his poetry has shown the usage of different discourses and cultures as
fundamental. The poet makes poetical discourses engaged in human condition. His poetry we
can see time and the space as elements which allow its important the development of his
thoughts about in his poems. Because of that an identification and joint they min themes,
which are related to these elements is needed. The elements are I confronted with the themes
to reconstruct to the constructive unit of his work, understood as art.
Key–words: Pedro Casaldáliga, stylistic literary and sociological critique, poetical engaged,
man.
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TE-Tiempo y Espera
CL- Clamor Elemental
AT-Antologia Retirante
CG-Cuia de Gedeão
AT-Àguas do Tempo
FCV-Fuego y Ceniza al Viento
CM-Cantigas Menores
PU-Palvra Ungida
AR-Antologia Retirante
SNP- Sonetos Neobíblicos Precisamente
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SUMÁRIO
Dedicatória........................................................................................................................... iv
Agradecimentos ................................................................................................................... v
Epígrafe .............................................................................................................................. vi
Resumo ............................................................................................................................... vii
Abstract ............................................................................................................................... viii
Legenda ............................................................................................................................... ix
Introdução............................................................................................................................ 01
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ANEXOS
Anexo 1:Notas sobre a trajetória de Pedro Casaldáliga ............................................144
Anexo 2: Entrevista com Pedro Casaldáliga .............................................................150
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INTRODUÇÃO
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Ver notas sobre o autor no anexo I.
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Ernesto Cardenal nasce em 20 de janeiro de 1925 em Granada. Em 1935, ingressa no Colégio CentroAmérica
dos Jesuítas de Granada, onde faz seus estudos até terminar o bacharelado. Estuda Letras na Universidade do
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México e literatura norte-americana na Universidade de Columbia (New York). Em meados de 1949, regressa à
Nicarágua e começa a escrever poemas históricos. Sua militância política contra a ditadura de Somoza inspirou
seus epigramas políticos. En 1954, participou de um movimento armado que intentou assaltar a Somoza no
Palácio Presidencial, conhecido na Nicarágua como a “Rebelión de Abril”. Em 1956 resolveu fazer-se monge,
continua, porém, sua atividade poética e militante, tendo assumido, após a revolução sandinista, o cargo de
ministro da cultura. Entre suas ações, estão a fundação da uma comunidade em uma ilha no arquipélago de
Solentiname, no Lago da Nicarágua, em que, por meio de cooperativas, criou uma escola de pintura primitiva
muito conhecida. Segundo o site “en Nicaragua y en el extranjero, se creó un movimiento poético entre los
campesinos, y lo más importante de todo fue el trabajo de concientización a base del Evangelio interpretado
revolucionariamente”.
Pablo Neruda (1902-1973), poeta chileno que recebeu em 1971 o Prêmio Nobel de Literatura. Entre suas obras
mais conhecidas estão El canto general (1950), quando sua poesia apresenta aspecto social, ético e político. Abre
mão de sua candidatura nas eleições para presidente do Chile nos anos 70, para que Salvador Allende vencesse,
pois ambos eram marxistas e acreditavam numa América Latina mais justa, o que, a seu ver, poderia ocorrer com
o socialismo. (in: http://www.astormentas.com/din/biografia.aspautor=Pablo Neruda, acesso em 12/05/2007).
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METODOLOGIA
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Parte de uma entrevista foi encaminhada para publicação na Revista Panorâmica nº 06, do IUA/UFMT, no 2º
semestre/2006.
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São estudos variados que vão encontrar apoio em campos diferentes. Uns, na
visão da ciência da literatura, outros, no estudo lingüístico da expressão. Nessa perspectiva, o
estilo pode ser definido como: a) expressão de pensamento por formas lingüísticas; b) ordem
interna de toda a obra, que motiva e informa. Nada, porém, se presta a tanta ambigüidade
como a palavra estilo.
A critica idealista de Leo Sptizer, Damaso Alonso, Halmuf e Hatzfeld teve grande
repercussão no Brasil, especialmente na critica filosófica encabeçada pelo professor Fidelino
Figueiredo, e na sociológica, do professor Roger Bastide.
A Estilística moderna passa a ocupar o lugar e limite da retórica (que era ao
mesmo tempo ciência da expressão e da literatura) e assume seu duplo caráter: arte de
escrever e arte de compor.
Entendida dessa forma, a retórica atingiu as artes plásticas, os gêneros, os estilos,
os sons, as figuras ou meios de expressão e passou a estudar muitos aspectos da composição:
invenção, disposição, elocução, ação. A noção de gêneros tornou-se base da literatura pelo
que expandem em quantidades cada vez mais numerosas, sendo que, a cada um deles,
correspondem noções próprias de expressões.
A retórica consiste numa gramática da expressão baseada na ampliação, na
interpretação e na descrição. Embora negligenciada, conserva inteiro seu lugar na crítica
literária. É impossível, “emitir juízo de uma obra, sem se conhecer intimamente os fins que
tem em vista e os meios de que dispõe para realizá-los” (Valery apud Guirard, 1970, p. 33)
A retórica corresponde a uma compilação de regras que se ajustava bem à
sociedade do período em que foi elaborada, ou seja, o que entendemos por criação literária
corresponde à idéia que fazemos do homem e da sociedade: para o homem moderno, “é a
experiência que identifica e autentica o real, mas para o homem medieval, a sociedade e as
suas instituições eram absolutas”, segundo Guirard (1970, p. 39).
Temos, de acordo com ele, duas estilísticas. A da expressão considera a estrutura
e a relação forma- pensamento corresponde à elocução dos antigos; a dos indivíduos
investiga a relação das expressões com o indivíduo e com a sociedade que o cria. Esta última
praticamente abandona o plano da língua para dedicar-se ao fundo.
Quanto à primeira, sua originalidade consiste em reconstituir seu lugar na ciência
da linguagem. Apresenta-se a partir da linguagem como expressão da natureza do homem e de
suas relações com o mundo. Para Guirard, “à medida que pretende ser uma ciência da
expressão, ela pretende ser uma retórica” (1970, p.56).
Entre as correntes estilísticas estão:
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Quanto a Sptizer, ele acentua a relação entre literatura e as demais artes. Assim,
entendia a estílistica como estudo de um desvio lingüístico que inclui a sociedade e sua época.
Em torno de Sptizer junta-se um vasto grupo nos Estados Unidos, denominado New Stylitic.
Surgem, também, seguidores em outros países; dentre os principais, destacam-se: Damaso
Alonso, Amado Alonso, Sporre e Katzeefeld.
4 Henri-Louis Bergson (Paris, 1859-1941) foi um filósofo francês influente na primeira metade do século XX.
Em 1927 obteve o Prêmio Nobel de Literatura.
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Benedetto Croce, personalidade intelectual de projeção universal, interessou-se por filosofia, história, história
da arte, literatura, economia e pela política. Seus pontos de vista foram difundidos em La Critica (1903-1944),
fundada por ele mesmo. O confronto com o materialismo histórico e a filosofia de Hegel levou-o a elaborar seu
próprio conceito filosófico, o Idealismo Dialético, interpretado como uma visão otimista da história da
humanidade, como uma evolução dialética rumo ao progresso do espírito objetivo e como uma história da
liberdade. Entre seus textos mais conhecidos está Filosofia dello Spirito (1902-1917). Entre 1920 e 1921,
ocupou, como político liberal, a pasta da Educação, redigindo em 1925, um manifesto contra o fascismo.
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por estilo literário entende-se toda forma de escrita individual com intenção
litaréria, isto é, o estilo de um autor, ou de uma obra literária isolada
(doravante chamada aqui de poema ou texto), ou ainda de um trecho isolável
(...). O estilo é realce que impõe à atenção do leitor certos elementos da
seqüência verbal, de maneira que este não pode omiti-los sem mutilar o texto
e não pode decifrá-los sem achá-los significativos e característicos.
(Riffaterre, 1973, p.32)
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resultados não são igualmente perceptíveis, por causa de sua repartição entre um nível visível
e um nível oculto” (1975, p.268).
Sempre que há uma variante, o leitor é levado a perceber a diferença entre as
imagens do texto e aquelas que poderiam ser criadas. Riffaterre (1975, P.268) sentencia:
“foram eficientes ao combaterem os estudos de tendência à literariedade, mas não vão ao que
realmente interessa no texto, o estilo”.
Quanto à linha da estilística literária será tomada por referência a idealista, na versão que
lhe deu Amado Alonso. Para Sant’Anna (1989 p.10), citando o mesmo autor, a sua tarefa é examinar
como “é constituída a obra literária e considerar o prazer estético que ela provoca no leitor”.
Como recomenda Amado Alonso, estilista e filólogo espanhol, a obra é
entendida não apenas como conceito, mas como algo mais abrangente que engloba o emotivo,
o afetivo, o conceitual e o imaginativo, caracterizando-se por sua unicidade. Como “cosmo”,
encerra um mistério, e a sua análise depende da intuição porque são necessárias, como foi
acontecendo durante o estudo da obra de Casaldáliga, relações com conteúdos auxiliares, com
outros poetas e com símbolos culturais, podendo-se, no entanto, verificar cientificamente os
elementos que a constituem (Alonso, 1965, p. 12)
Significante e significado comportam respectivamente a idéia de imagem acústica
e física, de conceito e carga psíquica: um se liga de modo integral ao outro. Por significante
total se entende: a obra, o poema, a estrofe, o verso e o vocábulo (representação da realidade);
e, por parcial, os elementos que os compõem: o ritmo, a entonação, a sílaba, o acento
(elementos sensoriais que a representação comporta). Um estudo estilístico investiga as
relações entre os elementos parciais e totais.
Dados externos, históricos, ideológicos, psicológicos e geográficos englobam e
transmitem a idéia que o autor tem do mundo e se manifestam no valor estético da obra.
A relação primária entre realidade e criação poética é insatisfatória. São inúmeras
as experiências, os estímulos objetivos e inconscientes que saltam como inspiração. A obra
interessa pela visão de mundo do autor, pela sua natureza estético-poética e filosófico-
racional. Não consiste numa referência direta da realidade, embora queira traduzi-la. Plasma e
cristaliza o modo como ocorre uma visão de mundo. Para o autor (1965, p. 13, 16) “la
realidad es particularmente estructurada por el sentimiento que quiere expresarse liricamente”.
A poesia não apresenta necessariamente uma visão interpretativa do mundo. Os
aportes exteriores colocam-se por necessidade da livre criação do poeta, podendo haver poesia
com sentido, o que não lhe tira, segundo Alonso (1965, p.11) o “sentido original” dado pela
intuição poética.
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participa da emoção criadora, não confundir sujeito criador com sujeito histórico. Há uma
objeção em relação a este último. No caso de Casaldáliga, temos uma forte relação entre os
dois sujeitos: aquele que cria e o homem, Pedro Casaldáliga, a qual torna possíveis diferentes
prismas pelos quais se pode conhecer sua obra, estilo e biografia (que seriam ou seus escritos,
entre eles ensaios, cartas pastorais, poesias e tratados sobre espiritualidade nos quais se
poderia incluir estudos sobre a teologia e cultura e sua postura, ou a partir de sua atuação
como ativista e religioso). Nesse campo seria preciso, porém, entender como as redes de
relações do imaginário influem no todo da obra; e se é possível, como orienta Jean-Pierre
Richard ( apud Bergez, 1997, p.134), situar a crítica no momento primeiro da criação da
obra, verificando como a experiência humana constitui o texto e como a memória instala-se
no processo de criação.
Pedro revela-se como criador, quando se aproveita dos elementos dados pela
memória (marcados em sua obra pela alusão à casa materna e experiências de então, e pela
tentativa de reconstituição de períodos anteriores àqueles vividos) e pela realidade e
transforma-os em versos.
Nesse caso, as categorias tempo, espaço e sensação são determinantes; isso
porque, por meio de largo uso metafórico, a consciência criadora se revela.
O estilo é tido como uma questão de visão de mundo. O eu-criador realiza um ato
de auto-revelação da sua consciência que, como toda consciência, é consciência de algo,
produto da relação com o mundo.
Para o estudo das imagens poéticas também foram consideradas as obras O arco e
a Lira (1981) e O ser e o tempo da poesia (1980) dos críticos Octavio Paz e Alfredo Bosi.
Paz postula que “a unidade da poesia só pode ser entendida através do trato desnudo com o
poema”. Ele a coloca em simultâneo como fruto do cálculo e do acaso: a arte, como produto
do seu tempo. O estilo seria o ponto de partida da totalidade do projeto criado. Sendo o autor
servo das palavras, ele as transcende, criando imagens.
Paz (1992, p. 119 a 121) retoma discussões primordiais para o estudo de poesia,
entre as quais as definições de:
1) Poema – reside entre a espontaneidade da linguagem e a purificação do
idioma, recuperando pela poesia os seus valores plásticos e sonoros, afetivos e significativos;
2) Ritmo – pode ser representado graficamente, considerando as sucessões de
silêncio e a produção sonora (tempo interno da poesia);
3) Autor – o poeta nutre-se da vida de uma comunidade;
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obra não permite adotar, em relação a ela, nem somente a visão interna, nem somente a
externa, uma vez que destas resultariam críticas dissociadas. O que importa, aqui, é averiguar
que fatores concorrem para a ordem interna das obras. Se entendidas, como recomenda
Cândido (1981, p. 07), como “elementos responsáveis pelo significado e aspecto da obra,
unificados para formar um todo indissolúvel”, psicologia e sociologia podem ser alinhadas à
crítica literária.
Conjugado a isso, na base da ação de Pedro Casaldáliga, encontra-se a Teologia
da Libertação que, refletida na sua obra poética e vista da perspectiva histórica, sociológica e
religiosa, acabou por se constituir num aporte à parte, no que se refere ao estudo e
compreensão do pensamento do autor. Nesses termos, tanto a Teologia da Libertação como o
Marxismo são manifestados em sua poesias.
Por sua vez, a Teologia da Libertação nasce, segundo Gutierrez (2000), sob o
signo da transformação da América Latina e da correção do massacre cultural e humano que
fora o seu processo de evangelização.
Desencadeada pela carta pastoral Lumem gencium (João XXII, 1965), que propõe
para o cristianismo um trabalho de evangelização integral, considera o homem não apenas no
aspecto religioso, mas também em outros aspectos que o compõem: social, afetivo e
antropológico, o que deve favorecer o crescimento humano. Sofre, mais tarde, influências de
duas outras cartas apostólicas: “Evangeli Nuntandi” (Paulo VI, 1972) e “Solicitio rei
Socialis” (João Paulo II, 1980). A primeira delas, contudo, constituiu o grande marco da
mudança de postura da Igreja latino-americana, na esteira da qual Paulo VI convoca o
Concílio Vaticano Segundo, que desencadeia uma série de conferências episcopais em todo o
mundo, dentre as quais as de Medelin e Puebla, na América. Em tais conferências, a ação, que
era, então, desenvolvida por muitos religiosos, entre os quais um bom número de bispos,
ganha um corpus teórico, passando de ação pastoral a postura teológica (senão mesmo à
“escola teológica”) nascida da prática, daí a designação de Teologia da Libertação.
Uma de suas maiores bandeiras constitui o valor que se dá ao martírio. Outra, a
grande significação da vida humana. Biblicamente, inspira-se em toda a escritura sagrada
enfatizando, entretanto, o Êxodo, as multidões gedeônicas6 e os Atos dos Apóstolos.
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Gedeão e sua história encontram-se no livro de Juízes, capítulos 6, 7, 8. Segundo a informa a Edição Pastoral
do Antigo Testamento costuma-se dividir os juízes em maiores e menores, os primeiros eram aqueles que em
situações difíceis organizam as tribos, que resistiam ao modo de organização citadino, para lutarem contra as
cidades-estado Cananéias; os menores eram chefes responsáveis por organizar o povo permanentemente. Sua
função era, principalmente, administrar a justiça. Gedeão é um juiz menor, mas consegue, no entanto, reunir
diversos grupos considerados minorias. A obra de Pedro Casaldáliga, a Cuia de Gedeão (1982) faz referencia a
Gedeão e à cuia utilizada pelos retirantes para beber água. Na introdução ao livro, diz Casaldáliga: “este livro
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A teologia, como tal, passou por muitas transformações, sendo que, no decorrer da
história, ficou marcada por duas grandes correntes: a que a vê como sabedoria, postulando um
mundo superior do qual tudo provém; e a que a vê como saber racional (constitui-se como
ciência a partir de Aristóteles). Segundo informa Gutierrez (2000, p. 59), Tomás de Aquino
não a vê somente como ciência, mas como filosofia. Após o Concílio, aproxima-se mais da
segunda corrente, indo encontrar-se com as ciências sociais, com a psicologia e com a
biologia. Nos últimos anos, delineou-se como reflexão crítica. Porém, as suas fontes remetem
à teologia agostiniana que, pela práxis histórica, redescobriu a escatologia, ocorrendo
profundas mudanças no contemplativo, que passou a refletir os aspectos antropológicos da fé.
Para o mesmo autor (2000, p.63), não se trata de horizontalismo, mas da “redescoberta” da
unidade indissociável entre o homem e Deus, o que leva à opção, feita pela Teologia da
Libertação, de construir uma Igreja de serviço e não de poder.
A Teologia, por tal prisma, é ato segundo, originária da ação que, por sua vez,
advém da crítica, a qual parte da reflexão do mundo. A Teologia da Libertação considera que
os êxitos da humanidade são cumulativos e se refletem no campo teológico. Todavia, a
tomada de consciência da diferença entre países é própria do nosso tempo. Nascem muitas
propostas de desenvolvimento social e econômico a partir desses blocos. A Teologia da
Libertação pensa o desenvolvimento humano, refuta, porém, toda a teoria desenvolvimentista
que, em muitos casos, propicia melhorias aos que já se encontram em boas situações.
No contexto do que propõe essa corrente teológica, o desenvolvimento é
entendido de três modos: a) o homem é agente do seu próprio destino; b) exprime a
possibilidade de acesso de povos e países a bens econômicos, ou à não interferência de país
sobre país, o que não possibilitaria enriquecimento de alguns países face ao empobrecimento
de outros; c) permite pensar a libertação por meio da presença salvadora de Cristo que,
conforme lêem os evangelhos, foi humano (nascido de uma mulher), histórico (da
descendência de Davi) e divino (ungido e enviado pelo Espírito Santo).
Segundo Gutierrez (2000, p.84), a possibilidade de pensar o ser humano em si só
foi possível com a chegada dos séculos XV e XVI, épocas em que surgiu um grande número
de pensadores que refletiram sobre o homem, entre eles, Kant, Hegel, Karl Marx e Sigmund
Freud.
Kant (apud Gutierrez, 2000 p. 85) postula que os objetos não devem ser
regulados pelos conceitos, mas, sim, o contrário. Hegel acrescenta a História como tema: o
recolhe gestos, silêncios, lugares, e imagens, ansiedades noturnas e noturnas esperanças de minorias
gedeônicas espalhadas por esse Brasil afora, pela América Latina e por outros cantos do Terceiro Mundo”.
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devir histórico relaciona-se com a paulatina libertação do homem, enfoque que dá início a
uma nova dimensão filosófica – a da crítica social. Karl Marx deixa de lado o idealismo e o
antigo materialismo por meio de um rompimento epistemológico. Por um lado, conserva a
objetividade; por outro, a capacidade criadora do homem. Cria categorias que permitem uma
ciência da história, dando um passo adiante no caminho do conhecimento crítico e da vivência
humana. Freud evidencia a repressão como elemento escravizador, descobrindo modos que
permitiram a análise do inconsciente humano, externa e internamente.
A Teologia da Libertação toma para si muitas dessas formas de ver a sociedade e
o homem, as quais vão concorrer para a mudança no significado da fé cristã que deixa de se
referir apenas à esperança na misericórdia divina, passando a confiar no homem, como
indivíduo e como grupo. A leitura dos dogmas passa a ser feita a partir dos textos sagrados, do
local e da cultura de quem a faz, através de uma técnica denominada de “inculturação do
evangelho” (Gutierrez, 2000 p. 89). Ou seja, não é a sociedade que se deveria adequar à
Igreja, mas, sim, o contrário, o que requer, na realidade, a colocação na balança do que já
existe (a realidade social), o que propõe a Bíblia e a Igreja, e, por fim, pela discussão, chegar a
um modo de ver a vida daquele grupo. Apresenta um Cristo que desafiou o sistema social
(império romano), o sistema religioso (doutores da lei e fariseus que então estavam à frente da
sua religião – o Judaísmo), e o senso comum (filisteus e pessoas de seu tempo). Orienta para
que o cristão faça o mesmo, desafie o que está posto, ainda que sejam verdades cristalizadas
pelo próprio cristianismo, em grande parte, baseadas ou em dificuldades de adequação da
mensagem bíblica, ou em leituras equivocadas que, em alguns casos, são provenientes de
interesses de enriquecimento e dominação da igreja, as quais, por muito tempo, numa postura
autoritária, negou-se a revisar. Essa postura, com o passar do tempo e o esfriamento do
concílio, passou a ser controversa no interior da Igreja.
Pelo fato de a Teologia da Libertação ter nascido numa época de grande
insurreição política, tanto na América Latina como no resto do mundo, as idéias marxistas
foram as que mais a influenciaram, quando do seu surgimento. Momento em que grande parte
do continente vivia a experiência dos governos ditatoriais e as conseqüências da segunda
guerra mundial, e que, nos últimos anos, com o alargamento das fronteiras do mundo
desenvolvido, passava a ocupar uma posição pela qual os seus países se convertiam em
depósito de lixos tóxicos, resultado das variadas fábricas e filiais que a produção massiva lhes
impôs.
O impacto sobre a vida dos povos e sobre os dogmas cristãos foi sentido por todas
as igrejas desse grupo; daí o fato de a Teologia da Libertação possuir um caráter ecumênico,
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existindo nas igrejas, consideradas pelo Conselho Mundial das Igrejas Cristãs como
históricas: Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Católica Metodista, Igreja Católica
Anglicana, Igreja Evangélica da Confissão Luterana, e também por ter desenvolvido ações e
promovido o diálogo com as religiões dos nativos da América e da África.
Ocorre, além da Teologia da Libertação, uma percepção, por parte dos pensadores
destas latitudes latino americanas de que há qualquer coisa que os empurra a pensar e agir
com cabeça própria. Guadarrama cita, como um dos iniciadores desse movimento, José Martí,
para quem uma das formas de desalienar o homem é o conhecimento, advindo da ciência e
das forças da natureza: “Insistió en el necessario nexo permanente del hábitat natural, del cual el
ombre non podrá prescindir jamás, sino que unicamente se lo conserva e mejora, podrá asegurar su
supreviencia”(2006, p. 199).
O homem teria uma ligação preliminar com a natureza a que está ligado como que
por matrimônio eterno. “La naturaleza inspira, cura, consuela, fortalece y prepara para la
virtud del hombre. Y el hombre non se halla completo, ni si revela a si mismo, sino en su
íntima relación con la naturaleza”. (T. XIII: 25-26).
O homem, então, deve ter controle e íntima relação com seu ambiente natural e
social. Não em momentos restritos da História, mas, permanentemente, como uma força que
impulsiona o desenvolvimento humano. Uma tomada de consciência de suas potencialidades.
Guadarrama dirá que nada é o homem em si; o que o é, deve pô-lo em seu povo,
que com ele siga e sirva-lhe de voz e força e por ele ver-se-á encontrar com a vida e a
natureza mudando a condição humana. Assim, quando muda a condição dos homens, cambia
também a literatura, a religião, os relatos literários e poéticos (p.200, 2006).
O humanismo, como pensamento, está presente desde quando se discute a
humanidade. Entre filósofos latino-americanos, mesmo os não-comunistas, é criticado o
agressivo modo como o capitalismo se instala nessas terras, tendendo a certa defesa do
humano. Para o autor, (Guadarrama, 2006, p.201) a primeira geração de americanistas queria
o aperfeiçoamento, ao menos, ético dos seus respectivos países, ou do continente.
É natural que a distribuição das riquezas seja cobrada na América porque é o
continente em que faz maior contrasenso a grande riqueza virgem e a probreza. Citando Feijó
(1893, p. 225), Guadarrama afirma que, desde muito cedo, nas narrativas pré-colombianas é
possível encontrar mitos de reestruturação da sociedade. No período da Ilustração, foi
fermento para muitas utopias de pensadores europeus, servindo de espaço para muitos ensaios
de reconstrução social.
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também produtor do próprio destino. Para Casaldáliga, a utopia é algo inerente ao ser
humano, carregando-a, é dotado de espírito.
O ponto de encontro seria possível, segundo Negre (apud Dussel, 1968, p.152,)
por situar-se na prática, que diria respeito à transformação das condições materiais da
sociedade, “como punto de partida de la transformación del hombre”. É, ao mesmo tempo,
análise das estruturas e o agir sobre elas. Assim, define do seguinte modo a palavra libertação:
“Liberación debe entenderse...tanto en el sentido de “adquirir” cuanto en el sentido de
“recuperar”, la libertad é siempre una noción referida a una ausencia actual de libertad” (apud
Dussel, 1965, p.55 e 30).
Por terem a Sociologia e a Teologia foco no homem, em seu tempo, ocorre um
encontro entre elas. Enfim, o objeto da Teologia continua a ser o mesmo, o que muda é o
método; ocorre um redimensionamento epistemológico, que não diz respeito tanto ao
conteúdo como ao método de fazer teologia em “nuestra América”. Apresenta-se como
exegética e hermenêutica e enriquece o contexto com a experiência do homem de sua época.
É uma antropologia concreta, situada em um lugar político, social e geográfico também
concreto.
Quando Pedro busca no leitor um ser que pode ser conduzido às margens do
Araguaia, como em Beleza Perfeita 7(AR, p. 43), e, depois, num dado momento da narrativa
poética, fá-lo ter uma visão panorâmica do espaço que, alargando-se, coloca o plano real e o
do imaginário num mesmo patamar, provoca a distensão temporal. Fá-lo pensar no cenário
interno e, logo em seguida, em sua parte externa, indo do espaço íntimo ao desconhecido, do
contemplar ao agir. Ação ali caracterizada pela possibilidade de movimento no espaço.
O processo dialético tende à totalidade na qual o futuro e o externo, em relação ao
interno e presente, já existem. Deve pôr em crise aqueles que vivem a realidade sem
compreendê-la. Construção de uma filosofia que exige compreender o processo atual de
dependência e periferia e, ainda, a interioridade e a exterioridade que irrompem de uma dada
cultura, vão mostrando-nos “ la evolución dialética de un grupo social” (Dussel, 1974, p.
205).
O reconhecimento do outro e da exterioridade tornaria a filosofia uma dialética da
libertação a que Dussel nomeia analéctica. A realidade é captada como ação humana, práxis
do sujeito.
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Poema analisada no capítulo 3 deste trabalho.
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O economista, cientista social e revolucionário socialista alemão Karl Heinrich Marx, nasceu na data de 05 de
maio de 1818, cursou Filosofia, Direito e História nas Universidades de Bonn e Berlim e foi um dos seguidores
das idéias de Hegel. Participou de movimentos emancipadores em diversos países europeus. Sua principal obra
é O Capital (1867), que tem como tema principal a economia. “Seu livro mostra estudos sobre o acúmulo de
capital, identificando que o excedente originado pelos trabalhadores acaba sempre nas mãos dos capitalistas,
classe que fica cada vez mais rica as custas do empobrecimento do proletariado”. Faleceu em Londres,
Inglaterra, em 14 de março de 1883. Pensador e dirigente socialista alemão (Barmen, Renania, 1820 - Londres,
1895). Grande amigo de Karl Marx com quem escreveu muitas obras entre elas A Ideologia Alemã(1844-46) , A
sagrada Família (1844), , e o Manifesto Comunista(1848). (Fonte :www.suapesquisa.com/biografias/marx/)
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Demócrito de Abdera. Filósofo, historiador e cientista atomista grego (460 - 370 a. C).
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Trata-se do título de uma das suas obras “El tiempo y la espera”. Ressalto que há um tom de esperança
impresso nos textos, pela formação teológica e cristã do autor. Independente disso, a sua obra e pensamento
apontam sempre para a resolução de problemas terrenos, ou não, na terra, porque o reino de Deus deve ser aqui
construído. Diz Pedro que, de garoto, ouviu a frase: “a terra é o único caminho que nos pode levar ao céu”. E
ainda hoje afirma: “é o único caminho, é pela terra, pela história e pelas lutas daqui que vamos chegar ao céu”.
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De longe,
toda montanha é azul.
De perto,
toda pessoa é humana.
(Casaldáliga, “PERSPECTIVA11”, CM,
p.56)
11 11
A sigla à frente do título de cada poema refere-se ao livro em que ele foi publicado. Para melhor
identificação, será incluída no anexo 1 deste trabalho uma legenda.
12
Trecho da entrevista realizada com Pedro Casaldáliga em setembro de 2005.
xxxv
25
xxxvi
“eu” ali implícito é representante dos demais seres humanos, e do poema “Pacu”, estudado no
capítulo terceiro:
¡El pan de cada día de este Araguaia, fértil!
¡Holocausto de Dios y de los hombres,
Entre la brasa y la pimienta!
(versos 11, 12 e 13, CL, p.82)
Outro exemplo disso é o poema sem título, vendi a terra/ neguei a mãe/fiquei
órfão da vida, em que o ser que vende a terra é individualizado. Denota-se um eu elíptico,
revelado pela desinência verbal “i”. Sabemos, contudo, que o problema do distanciamento das
raízes pela saída da terra consiste num fenômeno coletivo. Então, embora tenhamos um único
ser protognizando a ação, não se trata do homem individualizado, mas na medida em que este
revele os demais seres, na mesma situação, demonstra uma tendência do poeta ao
engajamento.
Os últimos versos do poema “Eu, o Araguaia e Tu13”
Não havia Funai, Sudam, nem Incra.
eram
Deus
e as aldeias.
(v.22 a 25, EU, ARAGUAIA E TU (AT, p.55)
13
Poema estudado no capítulo 2.
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26
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27
14
Poemaa estudado no capítulo 3.
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28
xxxix
xxxix
29 xl
xl
xli
30
xli
31xlii
As mudanças abrem as portas para o novo, mas conservam alguns traços, de modo
a exigir tanto uma nova teoria como, em alguns casos, um novo paradigma. A espiritualidade
das igrejas e religiões tradicionais é pautada em modelos de vida (cosmologia) que já não
existem mais, deixando de corresponder à sensibilidade do atual.
No caso da Teologia da Libertação, a espiritualidade encontra toda sua existência
na realidade da vida.
Tal espírito constitui, para quem naquele tempo vive, uma atmosfera comum,
onde todos respiram, sonham as mesmas coisas e partilham a mesma “racionalidade”. A
função desse espírito seria, pois, unificar nossa visão da realidade, religar de forma articulada
todas as experiências, conhecimentos e práticas. Boff, (2006, p.260).
Ilya Prigogine confirma essa posição quando diz que quem viveu na época em que
Mussolini, Hitler e Stalin dividiam entre si grande parte do poder mundial, não pode ter
deixado de dar-se conta da dimensão do tempo: “credo che l’essere passato attraversso quegli
xlii
32
xliii
me abbia dato una forte consciencia dela realtà del tempo. Como ricorda spesso Popper, il
tempo non può essere un’illusione perché sarebbe come negare Hiroschima15” (2001, p.19)
È justamente o homem de um tempo em mudança que será cantado por
Casaldáliga, e ela decorre, de um lado, pelo avanço do capitalismo e, de outro, pela luta de
parte das personagens representadas pelo poeta, pela garantia de alguns direitos fundamentais
a vida humana.
Poesia supõe sempre uma tal intensidade e emoção, que suprime tudo o que
poderia ser meio supérfluo... poesia cabe em dois versos. São “no-emas”.
“Nó” em grego-pensamento. Pensamento em poema. Expressam um
pensamento de modo forte e poético. 16
O grupo de poemas que serão analisados a seguir faz parte de um tipo de texto que
17
optei por chamar poesia “síntese” , porque parecem sintetizar o conteúdo trabalhado pelos
textos em que opta pelo versolivrismo. Diferem dos demais, justamente por serem, na sua
grande maioria, compostos por haicais, ou se lhes assemelharem, fato intrigante, porque,
justamente quando os poemas parecem retratar e até expor o homem construído pela cultura
ocidental, usa a composição nipônica, que, como informa Akashi (1999, p. 18), tem tom e
forma fixa. Originalmente, apresenta 17 sílabas poéticas, dispostas em três versos, os quais se
apresentam, no caso dos compostos em terras japonesas, de modo horizontal18.
São de caráter reflexivo e sintético, densos e ricos de sugestão, tendo sido
definidos (Akashi, 1999, p.110), por Matsuo Basho, um dos mais importantes haicaístas
15
Tradução livre: Creio que ter que vivido naqueles anos, deu-me uma forte consciência do que é a realidade do
tempo, como recorda Popper o tempo não pode ser uma ilusão porque seria como negar Hiroschima.
16
Trecho da entrevista realizada com Pedro Casaldáliga em setembro de 2005.
17
Esse foi o nome que me ocorreu quando da leitura do conjunto de seus textos para a seleção do corpus. Do
ponto de vista da forma poética consegui aproximá-los do haicai até porque ele os intitula “haicai”, “haicai da
borboleta nacionalista”, por exemplo. A grafia haicai em detrimento de haikai segue as orientações de Akaski
(1999, p.9) que informa que os termos são sinônimos podendo-se optar tanto por um quanto por outro.
18
O haicai é originário de tanka (tan-corda, ka-canção), em Português renga, da qual o haicai era parte ( haikai-
renga), seus ideogramas hai e cai significam brincadeira e humor. Sofreu, mais tarde, influências do haiku ( o
ideograma Ku é abreviatura de Hokku ), nome da primeira estrofe do tanka,, que tinha 17 sílabas (5,7, 5),
abandonou assim o tom humorístico, que permaneceu em poucos autores. Sua mensagem ajusta-se bem à carga
sonora e gráfica próprias dos ideogramas orientais (Akashi, 1999, p.110)
xliii
xliv
33
japoneses, como “uma busca do instante poético”, teor presente em Pedro, caso, por exemplo,
do poema HAI-KAI DE LA LUNA OCUPADA19 (CL, p.66),
Este poema é caracterizado pela beleza, sutileza serena e humor, e o seu título é
composto pelo substantivo hai-cai, caracterizando a espécie poética com a qual será cantada
la luna, e indicando, por um lado, uma freqüência no ato de contemplação desse satélite,
conhecido por refletir a luz solar que, projetada, incide sobre a terra, provocando espetáculos
celestes encantadores, por outro, a cada vez que o ato se repete, o contemplador observa o
quanto esse satélite está “ocupado”, dominado pelo homem nas suas pesquisas científicas,
uma particularização de sentido. Essa distinção, que será convertida em generalização pelo
verbo “mirar”, dá um entendimento da Lua como uma entidade que reflete e projeta,
estimulando a contemplação. Nesse caso, o verbo referido, quando conjugado ao termo ojos, é
deslocado do seu campo semântico (ver, olhar), passando a sugerir uma comparação entre Lua
e espelho, ambos com o poder de refletir. Tal idéia traduz-se numa orientação estética que
segue o olhar sobre o fenômeno ora racional, ora afetivo. Comporta, como é próprio dos
haicais, um momento mais vivenciado que imaginado, sendo isso o que atesta o vocábulo
cada que, adverbializado, indica a freqüência de tempo com que o “eu”, elíptico no primeiro
e no segundo versos
19
Muitos textos de Pedro trazem os títulos em maiúscula. No caso da obra Cantigas Menores em que está
publicado este haicai, todos os poemas são apresentados assim. Não sei se por escolha da editora ou do poeta.
Opto por reproduzir o modo como foram trazidos ao público.
20
Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar na lua. Fato que aconteceu em 2 0 de julho de 1960, quando a
Apollo levou-o, junto Buzz Aldrin e Michel Collins até esse satélite onde fizeram experimentos científicos.
21
Há no livro Antologia Retirante uma versão desse poema em Português na qual, o poeta, que na maioria das
vezes traduz-se a si mesmo, utiliza a expressão “pesar sobre minha cabeça” em substituição a “Em mi ojos”.
xliv
34
xlv
genérico, pois o mundo teve notícia desse acontecimento. Sentir el pie de Armstrong é, então,
conseqüência do ato de olhar para o espaço, sobre o qual todas as pessoas, convocadas à cena
poética através da memória, têm participação efetiva.
O poema é composto por um único período, com duas orações – eu olho para a
lua e eu sinto os pés de Armstrong nos meus olhos, apresentando um fio linear, uma sentença
que pode ser dita de uma única vez, como é próprio dos haicais.
Quanto a isso, comparado com a estrutura tradicional do haicai, o poema
apresenta versificação livre, deixando de lado a construção em 17 sílabas e distribuição em 5,
7, 5. Esta é, segundo Akashi (1999, p. 75), uma das características desse tipo de composição
no Brasil.
Se entendermos a referencia à “lua” como intertexto com a cultura da região de
onde ele escreve, é possível que a lua para a qual ele olha seja a cheia, já que ali existe a
tradição de contemplá-la nesse período, fato que inauguraria uma referência às partes do mês
em que a lua se encontra nesse estado; tal interpretação tornar-se-ia possível, pelo fato de uma
das características do haicai ser a apresentação de grande poder sugestivo, assim como a
referência a elementos conhecidos pelo leitor.
Quanto ao fato de rememorar um acontecimento conhecido por um determinado
grupo, a introdução do nome de Armstrong, um dos astronautas que primeiro pisou na lua,
insere o texto na comunidade do ocidente (já caminhando para o mundo globalizado) e marca
oposição aos ideais de conquista do homem, nesse caso específico dos Estados Unidos, país
que investe muito na conquista do espaço. A metáfora pie de Armstrong22 que pesam sobre
olhos, desse eu generalizado (que é a comunidade humana globalizada) poderá, então, ser
entendida como os pés do império (USA), que, pela conquista do espaço sideral, intenta a
dominação do mundo, pisando sobre ele. A lua, espaço possuído, seria, assim, metonímia da
dominação do planeta por um dado país.
Nesse caso, teríamos implícito um profundo discurso sobre a dominação de países
sobre países, da qual, nem mesmo as populações de espaços considerados longínquos (como
são alguns na América Latina), que ainda têm o costume de contemplar a lua, poderão
escapar. E o fato é que ela já está dominada.
22
A chamada corrida para a lua consistiu numa batalha científica pelo domínio do espaço entre Estados Unidos e
União Soviética que ocorreu durante o período da Guerra-Fria. Tendo os Estados Unidos chegado na frente,
Armstrong teria dito que ele e seus companheiros sentiam-se símbolos da curiosidade da humanidade e que essa
era uma descoberta da humanidade, definindo a lua como “oceano de tranquilidade”. A verdade é que plantaram
lá a bandeira dos Estados Unidos.
xlv
35
xlvi
xlvi
36
xlvii
É proibido poluir
a imagem de Deus,
que é o homem .
A imagem é algo que faz parte da cultura católica ocidental. Contudo, a sua
legitimidade, foi sendo questionada no decorrer da história por outras correntes cristãs. Assim,
o autor recupera o termo, dando-lhe uma conotação diferenciada, pois a ela é dada uma idéia
de coisa real e não do que existe apenas no plano da imaginação. O homem é real, segundo o
que expressa o poema, por isso, é imagem do criador. Este constitui o momento no qual o
texto passa a mais profunda idéia de espiritualidade: Deus manifesto nas coisas.
Há aqui uma representação humanista, a atitude de um saber, de um conhecimento
mítico-religioso sobre a idéia de liberdade e salvação do homem, idéia do distanciamento
entre Deus e o Homem, superada pelo conhecimento filosófico, isto é, pela discussão
imanência-transcendência, fato que gera a superação de equações míticas em direção à
Filosofia. Diálogo de culturas em razão de um conhecimento, ao mesmo tempo filosófico e
cristão, intencionalidade que foi dita “ecumênica” pelo homem do Renascimento. Nesse
sentido, o diálogo de culturas – localizáveis no tempo e no espaço-, sob a égide do
pensamento cristão, foi a condição fundamental para uma reorganização das ciências humanas
e práticas, objetivando a determinação do bem comum.
Para tratar disso, o poeta utiliza uma expressão exaustivamente usada na
década de 60. Geralmente colocada em locais públicos, a já existente forma proibitiva “é
proibido” foi tomada como palavra de ordem e tornou-se símbolo da repressão militar, mas,
no entanto, foi apropriada pelo movimento hippie.
O chamamento é para todos: ninguém deve poluir a imagem do homem. Por isso,
joga com o imperativo. Assim, a locução verbal é + proibido (forma nominal, particípio) +
poluir (infinitivo), derivada do chavão “é proibido proibir”, lembra a oposição ao modo como
os governos ditatoriais se colocavam diante da população, por meio da proibição expressa.
xlvii
37
xlviii
Ambiguamente, a sentença convoca para uma ação, e lembra um fato histórico ainda instalado
na memória coletiva.
Nesses termos, o primeiro verso consiste num chamamento, mas também numa
ironia para com o autoritarismo, referenciado como uma atitude de poluição da imagem de
Deus. Esta é uma similitude que revela o desejo de descartar os modos autoritários como a
sociedade vê e compreende Deus, assim como também a grande oposição a tudo aquilo que
aprisiona o homem. Ao expressar o seu modo de olhar para o homem, o poeta imediatamente
refuta outras maneiras de vê-lo: mercantilista, cristã medieval etc.
Verso esse que é complementado pelos segundo e terceiro versos, eles dizem-nos
o que não pode ser poluído: Deus/que é o homem.
O uso da vírgula após o segundo verso parece sugerir tanto um trocadilho entre
Deus e homem, como também uma pausa para uma reflexão acerca da mensagem que até essa
altura do texto parece ser apenas repetição do texto bíblico (livro de Gênesis) sobre a criação,
no qual se afirma que o homem é criado à imagem de Deus. Mas, no texto, há uma inversão:
Deus é a “imagem do homem”, e o é somente após o momento em que o terceiro verso nos dá
essa informação, onde, e com um ponto final, o texto é encerrado.
Metaforicamente, ele chama ao homem, Deus, e a Deus, homem. Para perceber
a existência desses níveis de comparação, torna-se necessário olhar para além dos elementos
que poluem a imagem de ambos, visto que se trata de uma só imagem. A Ecologia é
qualificada no título do poema como suprema, não por ser apenas material, mas também por
não ser apenas metafísica. O olhar, então, deve perpassar esses dois modos de ver a mesma
coisa.
O olhar do poeta é capaz de, pelo símbolo poético, desnudar o mundo natural e
social. Casaldáliga comunica mitos e símbolos, ora católicos, ora nativos, e ainda os gestados
no decorrer do encontro entre tais culturas.
A poesia, por seu turno, é também símbolo e, por conseguinte, apresenta formas
canonizadas, dentre as quais o haicai, a que o poeta adere, assim como outras, casos do soneto
e das quadras populares23.
No desejo de compreender as características que marcam o seu modelo de
poetizar, percebi que há, em Pedro, um grande anseio de liberdade, mesmo quando recorre a
formas fixas. Contudo, apesar de em grande parte da sua poesia optar pela forma livre,
23
Curiosamente, Akashi (1999, p.80) informa que o haicai é uma composição de origem popular e que Afrânio
Peixoto, em Trovas Populares Brasileira (1919) compara-os, em seu prefácio, com as formas populares
brasileiras: “os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que nossa trova”, que traduz
por “epigrama”. Conclui falando do grande poder sugestivo que tem o haicai.
xlviii
38
xlix
quando usa das fixas subverte-as, como faz, por exemplo, ao colocar um título no haicai, uma
forma poética que se caracteriza por não empregar títulos.
A respeito da opção composicional, o poeta Rinaldo Gama (2004, p.14) afirma, na
introdução a Sonetos neobiblicos precisamente, de Casaldáliga, que na escritura dos sonetos,
o autor teria alcançado grande dicção poética, e que a forma fixa, a que Gama (2004, p.14)
chama “régua do soneto”, lhe parece definir melhor “os contornos da sua sensibilidade
poética”. Creio que o mesmo é aplicável aos haicais, que, por se debruçarem sobre temas
bastante especulados pelo homem, como a solidão e a palavra humana, denotam um alto grau
de poeticidade, e dão à sua obra, características filosóficas. É como se a forma o deixasse
mais livre para se manifestar; o tema é a ela conformado e nela trabalhado. Essas formas,
sonetos e haicais, não aprisionam o conteúdo, ao contrário, são partes dele, manifestam-no.
Ou seja, mesmo nesses casos, o princípio da liberdade prevalece.
Quando fala de religião, o Pedro Casaldáliga também prima pela liberdade,
reafirmando os princípios do cristianismo puro, colocando-o em confronto com o mesmo
cristianismo, impregnado de poder quando da sua junção com o império romano. Parece haver
em Pedro, ao longo dos seus textos, um constante diálogo com as forças conservadoras que há
dentro da Igreja Católica e da sociedade. Este é um desejo de transgressão e liberdade, que, de
certo modo, pode parecer estranho num escritor/padre. Sobre isso, Gutierrez (1992, p. 04),
afirma que, ao falar de Pedro, e ao compará-lo com San Juan de La Cruz, essa liberdade
resulta da opção por um dado modo de escrita,
xlix
39l
Vivir es ir poniendo
El corazón y un pie detrás del otro
Sobre el camino que se vaya abriendo.
24
Os textos serão trabalhados no capítulo 2 deste trabalho. Também são analisados poemas que apresentam
características das cantigas populares.
25
Estes poemas serão estudados no capítulo 2 deste texto.
l
40li
Por fim, a oração explicativa que se vaya abriendo, indica de que caminho trata o autor. A
predisposição para as formas nominais, de início, pareciam sugerir pouco movimento ao
poema, mas há, contudo e indubitavelmente, uma propensão para a ação. O vivir,
metaforizado pelo camino, toma dimensão de movimento, fazendo-se no dia-a-dia.
O compasso imposto pela leitura dos versos, lembra uma marcha, imposta pela
seqüência verbal, parecendo existir um assenhoramento do caminho, ou seja, assim como é
contínuo o caminho, são contínuas as ações: ir poniendo, vaya abrindo – seqüência que
permite um triplo paralelismo, a idéia de continuidade do caminho, manifestada pelo
encadeamento dos versos, pelos verbos já citados, e pelo próprio vocábulo camiño.
Tal recurso faz com que seja mantida a característica filosófica da composição
japonesa, porém, não mantém a sua materialidade estrutural (número de sílabas e frases
poéticas marcadas nos versos 5, 7, 5, unidas pelos sentidos, de modo a favorecer o uso da
elipse, em detrimento do encadeamento). O tom de definição faz parecer que há um
pressuposto de que seja o vivido, o acontecido, que propicia a definição das coisas, ou seja, a
coisa antecede a nominação.
li
41 lii
lii
42liii
indicar que há um desejo de dirigir-se diretamente à colina, mas que também quer descrevê-
la.
Percebe-se certa multiplicidade nos modos de expressão utilizados: narrativo,
descritivo, evocativo, os quais permitem que a colina seja olhada por vários ângulos, fato que
a torna, aos olhos do leitor, surpreendente. A colina, que, então, era apreciada de longe, de
repente, passa, no último verso, a interlocutora do eu-lírico. Parece haver uma aproximação
do objeto observado. Essa multiplicidade não ocorre, porém, somente nesse texto, muitos
outros poemas do autor apresentam essa característica.
A “colina”, metáfora das bienaventuranzas e da mañana da ascensão, é signo da
comparação entre o tempo da ancestralidade e o tempo de Deus. Ou seja, o intertexto bíblico
assume aqui um papel quanto ao estabelecimento da ligação entre os primeiro e último versos.
A seqüência de metáforas (pecho, pan, alto corazòn) fazem com que,
alegoricamente, a colina corresponda a um significado no plano concreto (colina como
elemento geográfico) e a outro, no abstrato (colina como aproximação do cielo). Representa,
por meio de formas concretas, uma coisa, para, sob forma figurada, dar idéia de outra.
A montanha não é tanto um espetáculo de verde e esperança como também um
borbulhar interno na alma do poeta. É a evocação de um povo, o Xavante, com seu mundo e,
ao mesmo tempo, uma pintura dos esplendores naturais. Ele faz isso do ponto de vista da
retratação da natureza e da criação de imagens que resulta em símbolo epifânico e
escatológico, em linguagem referencial e poética.
A luta pelas terras índias é uma das bandeiras de Pedro Casaldáliga.
Mas, para além do fato de que são encontrados muitos outros elementos que
remetem à defesa dos direitos indígenas, pode-se pensar na valorização da cultura da América
Latina ou Ameríndia, que guarda, apesar dos processos colonizatórios pelos quais passou,
muitos dos seus traços nativos.
Nesse caso, a poesia ligaria o homem à realidade nela metaforizada, o que a torna
resistente. Graças à poesia, a palavra recupera os seus valores poéticos, sonoros,
significativos, neste caso, sócio-históricos: “em si mesma é uma pluralidade de sentido” (Paz,
1982, p.58.).
liii
43
liv
No voy,
va mi palabra.
¿Qué más queréis?
Os doy
todo lo que yo creo,
que es más que lo que soy.
No voy,
Va mi palabra
liv
44 lv
lv
45lvi
Envíanos tu verbo
y en él habitarás
en medio de nosotros.
Tú eres tu palabra.
lvi
46lvii
panteísmo no sentido estrito do termo, mas no sentido de que todos os seres participam da
divindade una desse Tu que seria Deus.
Assim, o último verso consiste numa espécie de conclusão, ou esclarecimento. O
Tu enviado é a própria palavra. Intertexto bíblico com o evangelho de João (Capítulo 1),
quando trata da descendência de Cristo, que se situa, em primeiro lugar, na palavra: “No
começo era o verbo”. Verbo esse que, para fazer-se homem, informa a metáfora bíblica, é
proveniente de “Abraão”, “Jacó”, “Moisés”.
Do mesmo modo que a palavra é vista como fundadora dos povos, caso dos
guaranis, que parecem representar, no texto, todas as demais etnias, um desejo de
harmonização entre estas, ela também pode constituir-se como modo de inserção do sujeito no
meio social. É isso o que atesta o poema “DECIRLO A SI” (TE, p.37):
Composto por seis versos encadeados, e que se arrastam para formar o todo do
poema, o texto refere-se àquilo que deve ser falado, ou mesmo, denunciado. As partes desse
conjunto de coisas que compõem a sua luta são ligadas sindeticamente pela conjunção y. Isto
é, o poeta coloca todos os elementos referenciados num mesmo patamar, o da enunciação. La
marcha, lo por venir,, la voz, las cosas representam uma fração do que é enumerado, são
todos elementos que devem ser ditos, mas não ditos simplesmente; eles deverão ser
valorizados no que podem propiciar de mais interessante; assim, a voz permite a canção, o
passado vivido, permite planejar o futuro lo por venir, elementos interdependentes, mas nem
sempre valorizados. Recurso propiciado pelo uso exagerado da aditiva y, e pelo uso dos
artigos la, lo, las que permitem, uma, que o complemento (da idéia), vá no mesmo verso,
provocando um fluxo continuo de informação; os outros, que cada uma das coisas
referenciadas seja bem delimitada.
Na cadeia dos sentidos e da sintaxe, os termos utilizados atuam não como
subordinantes e subordinados, mas como complementares. Assim, o texto encadeia-se do
mesmo modo como se encadeia o universo, ligado por forças naturais.
Como no poema Palavra Guarani, os dois últimos versos quebram a estrutura
linear construída nos versos anteriores e conclui com no por oficio, por pasión, a questão da
liberdade interior de se desprender das coisas, de lutar por outra liberdade, a coletiva, expressa
lvii
47
lviii
em todos os demais momentos do texto. Tudo deverá ser feito profundamente, com “sentido”.
Deverá ser um ato de coragem e compromisso, e não por necessidade de responder a desejos
de outros por oficio. Há de fato um ser que abraçou e assumiu a luta.
Dizer é denunciar. O grito provoca ecos como os provoca o uso (nos dois
primeiros versos) de palavras terminadas com a vogal i forte – decir, sentido, vivir, vivido e
do o fechado (nos versos de quatro a seis) cosas, son, oscuro, redimido, ofício, pasión. Sons
que, ligados pela partícula y, se tornam contínuos e servem também ao jogo rímico, no qual as
rimas são cruzadas, emparelhadas e interpoladas.
Os dois primeiros pares marcam ainda um vácuo temporal, isso porque temos
sempre um infinitivo dicir, vivir (mas que dá a idéia de presente por marcar a necessidade de
que essas coisas sejam ditas), e um particípio passado sentido, vivido. Ambos os tempos são
convergentes para o Tempo (em maiúscula) oscuro y redimido que, marcado por maiúscula,
converge para o tempo atual, em que há urgência na expressão (do dizer).
A referência ao Tempo oscuro y redimido remete, mais uma vez, para a expressão
da idéia de que a palavra deve ser expressa, mesmo nos momentos em que não haja clareza
(mesmo mediante obscuridade) das coisas, porque o ato de falar eliminaria a ignorância,
geraria a compreensão recíproca.
Outro fator a ser considerado, em nível da palavra e de seu uso gramatical, é o
fato de seus versos indicarem sempre uma presença (modo indicativo) e a possibilidade de
futuras melhorias (modo subjuntivo). Quanto a isso, José Maria Valverde (1986, p.8), no
prólogo a El tiempo y la espera afirma que:
Essa é uma postura que vai ao encontro do caráter militante da sua poesia. Nesses
termos, esta poesia, antes de ser religiosa, isto é, em termos cristãos/católicos, compromete-se
com a vida e com a arte. No entendimento do autor, o “artista é um ser sensível à vida
humana26.
Da palavra, como emancipação do homem, passo à palavra poética ou do poeta:
26
Declaração feita na entrevista realizada concedida a mim em setembro de 2005.
lviii
48lix
Y caérsele a pedazos
el corazón ya maduro.
27
Rainer Maria Rilke é considerado como um dos mais importantes poetas modernos da literatura e língua
alemã. Nasceu em Praga em 4 de dezembro de 1885. Segundo site
http://www.culturapara.art.br/opoema/rainermariarilke/rainermariarilke.htm em consulta em 12/09/2006 Paulo
Plínio Abreu afirma, em entrevista ao jornal paranaense Folha do Norte (1948) que Rilke é "Poeta fundamental,
Rilke é a voz de uma época em transição. Talvez seja a última voz do seu tempo, aquela que anunciou o "fim dos
tempos modernos", como quer Romano Guardini, e ao mesmo tempo a primeira voz e o primeiro poeta dessa
nova era que estamos começando a viver.
28
Entrevista ao jornal catalão Mar de ajó (2006) quando perguntado sobre sua poesia, Pedro afirma: Bueno,
la poesía es una forma de contar penas y alegrías. Hay cosas que no se pueden decir en prosa, pero se dicen en
verso. La poesía es un desahogo emocionado en la que se vierte lo que se vive, se ve y se sueña. Hay una poetisa
brasileña que dice: “No soy alegre ni triste, soy poeta”. Un poeta colombiano aseguraba que el poeta, si no
comprende todo, al menos lo compadece todo. Sin duda, la poesía lleva aparejada un tipo de sensibilidad que
nos permite establecer una conexión especial con el mundo.
lix
49
lx
e puros (v.12) nas quais se destacam as vogais “o” e “u” que lembram os obstáculos à
decisão de se manter niño.
Nesse sentido, o subjuntivo podría, mantém, por sugerir apenas possibilidade de
crescimento, a afirmação Todo poeta es un niño. Manutenção que aconteceria por resistência,
ou seja, ainda que os sentimentos de orgullo e ìra, personificados em barba, crescessem,
mesmo que esses sentimentos lhe arrancassem a inocência, o corazón ya maduro
permaneceria criança. Nota-se a possibilidade de que esses fatos sejam conseqüência uns dos
outros, pela ordem sintática e também pelo encadeamento dos versos, propiciado pela ligação
estabelecida por y:
Y caésele a pedazos
el corazón ya maduro.
(v.9 e 10)
A metáfora ojos puros coloca o olhar como aquele sentido responsável por reter as
impressões do poeta, as quais, mais tarde, transforma em poesia. O termo puro lembra que, tal
como o modo como a criança olha para as coisas, a sua visão não deverá ser poluída.
O poeta descreve as coisas como elas se mostram diante dos seus olhos atentos de
aprendiz, os quais, pouco a pouco, vão sendo impregnados pela beleza da vida. Neste caso, a
poesia não passa ao largo do tema, articulando informações ou comentários, porque o uso
retórico pode fazer com que as coisas permaneçam inacessíveis, incapazes de se manifestar,
mas constituem, segundo Castro, citando Sussekind (2002, p.21)29 “o que se oferece ao
olhar”.
Chevalier (1974, p.653), dirá que, os olhos são universalmente “símbolo da
percepção intelectual” e “símbolos da inteligência do homem”. Costuma relacioná-los com
“foco de luz”. Ë também, comum o uso do termo “olho”, pelas teorias que tratam do
“inconsciente e de representações imagísticas”. A sua abertura seria “um rito de iniciação”,
uma abertura ao conhecimento. O termo irlandês “sul” coloca o olho como “o sentido que
resume e substitui todos os outros”, e que permite uma percepção com o “caráter de
universalidade”. Nesse caso para Chevalier (1974, p.656):
29
Trata-se de um comentário do autor que resulta no prefácio da obra Cartas sobre Cézane ao modo como Rilke
se coloca diante da arte.
lx
lxi
50
“A imagem percebida pelo olho não é virtual, constitui uma cópia, um duplo
material, que o olho registra e conserva... Por isso, metaforicamente, o olho
pode abranger as noções de beleza, luz, mundo, universo, vida”.
Por fim, cumpre dizer que, como atestaram os poemas estudados, são muitos os
modos pelos quais a palavra é tematizada. Cito ainda o poema “Caridad” (TE, p. 31),
lxi
lxii
30
A exemplo disso a primeira documento pastoral escrito por Pedro “Relações feudais no norte de Mato Grosso”
e (1970).
31
Verso que também pode referir ao poema Coplas por la muerte de su padre do poeta espanhol
Jorge Manrique (1440-1479).
lxii
52 lxiii
lxiii
53
lxiv
De quem é o Brasil?
Que esperam esses homens?
Por que esperam?
(“_Deus já não voltará. Veio em seu dia!
Só restam os gritos dessas armas!)
Cada dor humana tem um limite.
lxiv
54lxv
lxv
55
lxvi
A bandeira é símbolo da busca por uma vida melhor, daí a reflexão (mais uma vez
em forma de digressão) no verso seguinte (o qual se refere ao descaso na gestão da nação e
constante privilégio que se dá a organizações internacionais, em detrimento do povo
brasileiro): De quem é o Brasil? / que esperam esses homens?. E, surpreendentemente,
referindo-se a si próprio e à luta pela terra, a qual apóia: “Eu sou um comentário a frívola
distância...”, verso que se encontra separado dos demais, constituindo-se numa estrofe,
provavelmente por inserir um comentário, distinto daquele que vinha sendo referido. Do
mesmo modo que o referido verso, a mensagem de Pedro Casaldáliga encontra-se, por ser
militante e contestar o que está posto tanto pela igreja ou teologia oficial como pela
sociedade, a frívola distância. A distância, por sua vez, pode querer representar também, uma
referência ao local onde está localizada a Prelazia de São de São Félix do Araguaia, uma
região do país, considerada. por muito tempo, periférica.
O décimo verso retoma a exposição do cenário natural e, numa referência ao
período romântico, descreve a fauna, comparando-a àquela que era cantada pelos poetas
daquele tempo: os periquitos verdes sempre de dois em dois perseguem o idílio e, num tom
irônico, alude às palmeiras, fazendo questionamentos: elas continuam gráceis/Inúteis?
Formosas? Displicentes? Ou seja, ainda que passe o tempo, desde o Brasil Império, até os
dias em que escreve Estrada do sertão, por volta de 1975, quando, historicamente, o país está
centrado na luta pela democratização, as palmeiras, para alguns, símbolo da nacionalidade
32
Essas idéias podem ser encontradas nos sites: www.prelaziasaofelixdoaraguaia.com.br e
www.coinonia.org.br nos quais existem textos sobre a Romaria dos Mártires da Caminhada que acontecem de
três em três, no Santuário dos Mártires da Caminha na cidade de Ribeirão Cascalheira-MT.
lxvi
56
lxvii
continuariam na mesma posição de observadoras. Podem ainda ser metáfora de pessoas que,
inertes perante a situação do país, colocam-se como as paisagens, na posição de observadoras.
O sertão, apesar de lugar desejado, não é retratado de modo estático, mas como
um lugar onde existe ação e movimento, dado o número de verbos utilizados, uns para tratar
dos elementos naturais: as chuvas quebram, a ema ajunta, os periquitos perseguem, os
cavalos relincham; da ação humana, conversamos, partilhamos, bebemos e celebramos. Há
também um grupo de verbos relacionados a fenômenos naturais, animais e outros seres
(observados, pela entidade narradora a distância): rompendo, fulgem, quebram, vêm,
perseguem, continuam.
O que torna o texto marcante, no sentido da captação do momento, é o modo
extremamente equilibrado como o uso de verbos e substantivos surge, ainda que
abundantemente, revelando a simultânea intenção de narrar e descrever. São muitos os nomes,
entre substantivos, adjetivos, locuções adjetivas, metáforas. E o trocadilho primeiras chuvas-
flores primeiras, serve para frisar o período alegre (chagada das flores) que é o fim da
estiagem.
A seqüência sonora fulgem como bandeiras, os muitos verdes vários, em que a
aliteração da letra “v” se dá pelo uso do pleonasmo, sentido de infinitude ao verde adquirido
pela vegetação, com a chegada das águas, efeito caracterizado pelo uso de três adjetivos, dois
deles marcadores de intensidade. Ocorre, assim, uma repetição da idéia, embora não provoque
redundância, mas completude da imagem desse verde que também pode remeter à cor da
bandeira utilizada por Padre Cícero a quem os retirantes iam buscar, e, por fim, à vida que
pulsa ali, porque o termo verde é, segundo HOLLANDA (1986, p.1975), utilizado para
remeter à vitalidade ou à seiva (no sentido se sangue) das plantas. E, como sabemos, é usado
popularmente para simbolizar a esperança.
Como se os adjetivos não bastassem para dizer como as dificuldades são
provocadas pelas estrada do sertão, ele compara-os entre si: Os regatos sedentos como
gargantas rotas, lembrando a sede pela qual passam os retirantes; As pinguelas podres como
armadilhas, indicando que, em alguns casos, o desconhecimento dos costume do local pode
provocar dificuldades aos caminhantes; isso porque as pinguelas constituem uma espécie de
ponte feita de tronco de árvores que cruzam os riachos; estando podres, prejudicam os
passantes lançando-os na água; e, para suportar as intempéries da estrada, quase que num ato
de correção energética do organismo já cansado Um gole de cachaça/ Como um cautério
louco, peito, abaixo, cachaça que adentra o corpo “peito abaixo” queimando, assim como
queimam os venenos utilizados para cauterizar a terra.
lxvii
57lxviii
Partilhamos a coalhada,
Bebemos o café, como uma droga;
e celebramos Missa...
lxviii
58
lxix
33
Trata-se de uma publicação das conferências dos bispos de cada país ou continente que organiza o
modo de vivenciar os vários tempos do ano litúrgico, que é iniciado com o Advento e só termina no mesmo
período do ano seguinte. São determinadas leituras bíblicas, as ações (atividades missionárias) etc. No caso da
conferência brasileira, há a Campanha da Fraternidade, no período da quaresma, e a Campanha missionária, no
Advento.
lxix
59lxx
em busca do que profetizara o padre. Postura que não coincide nem com a da teologia
tradicional nem com da Teologia da Libertação, mas que mantém certa ligação com a idéia de
alegria (e esperança) pascal.
O uso do vocábulo Norte, em detrimento de nordeste, deve-se, provavelmente, ao
fato de que, quando perguntados de onde são os nordestinos, que moram nas margens do
Araguaia, dizem ser do norte, ou nortistas. Pode ainda ser um trocadilho para referir-se
também a nações que, como os Estados Unidos, por meio dos seus ideais capitalistas e neo-
colonizatórios, instalam-se nas mais diferentes regiões do mundo. Talvez isso justifique a
presença dos qualificadores bárbaros domésticos, ao referir-se àqueles que vêm. Acredito ser
o sentido dúbio, intencional, na medida em que encontramos, ao longo da obra poética de
Casaldáliga, o mesmo vocábulo para referir-se àquele país. Norte também é usado
popularmente para se referir à direção de uma caminhada, nortear-se.
Entendo ser lícito afirmar que Casaldáliga, quando centra o tempo no sentido
pascal, na esperança na vitória que, nesse caso, viria pela luta constante, trabalha
simultaneamente com o tempo datado, real (histórico) e com os tempos mítico (em função de
incorporação de lendas nativas e populares), e místico-religioso que, em teoria, seriam
incompatíveis, porque a crença (a esperança) tornaria o homem inerte, ou seja, ficaria
esperando pela promessa bíblica. Ao contrário, a sua poética constitui uma caminhada, uma
“marcha”. “Marcha” é um termo usado pelo próprio poeta para se referir à sua poesia.
Questionado sobre o que isso significa, ele respondeu:
lxx
60
lxxi
Quebram-se a paciência
E o velho Ford.
Treze mil alqueires de terra possuída,
Sete bilhões poupados,
E faltando o suporte de uma tábua!
Os sujeitos eu e eles (os peões) ressoam como cisão dos presentes, e estão ambos
na mesma situação – peneirando e riem, verbos que, referentes ao gerúndio e à terceira
pessoa do plural, situam-nos como companheiros de caminhada. E, como informa Martins
(1989, p.135), por serem transitivos, têm por função comunicar o que se passa num mundo
“em que o homem já está mais integrado num grupo, mais atuante em seu meio”.
As orações de que são compostos os versos, em sua maioria justapostas, permitem
trocadilhos:
Pensando que, assim como a peneira passa por seu crivo os objetos (ouro, fubá
etc.), os processos colonizatórios passam as pessoas, fazendo uma espécie de seleção daqueles
que lhes interessam. Restaria aos que ficam à margem do sistema, ou a inércia diante da vida,
ou a luta pela libertação. No poema, o ato de peneirar limita-se com os movimentos do
sacolejante, veículo que mexe com os corpos dos peões e do padre: os primeiros, eles,
peneiram a paixão, que pode ser pela vida, porque na busca de melhorias de vida digna se
sacrificam, como se sacrificou, em sua paixão, o Cristo; o segundo ser, eu, simbolizaria o
Evangelho quebrado por bruscos movimentos a que a sociedade e a Igreja o submetem.
Haveria redução das possibilidades de vida e de vivência do Evangelho, assim como uma
redução progressiva dos termos da frase, restando o mais significativo, o que ecoa mais na
vida deles, a paixão.
O fato de as orações estarem assim organizadas permite que sejam valorizados os
acontecimentos descortinados pelo olhar do poeta. Um bom exemplo disso são as estrofes
terceira, quinta e sétima, que contêm uma micro-narrativa na qual se desenrola uma descrição
da paisagem (cenário), onde se dão os acontecimentos gradativamente ampliados, de modo
lxxii
62
lxxiii
que, após o sétimo verso, não há retorno ao enredo, o que parece indicar que os homens, de
tão abandonados ao inóspito sertão, perdem-se nele.
A metáfora Mastro de solidão, com que é iniciada a sétima estrofe, é sinal da
passagem do ato de narrar para o de descrever. Ela refere-se a um sentimento coletivo, o de
uma exploração ilimitada da natureza e do homem, mas, mesmo assim, ainda não se descobriu
que a união seria uma força capaz de fazer frente a um tempo em que prevalece a solidão.
Porém, mesmo os solitários, como a palmeira, protestam e sobrevivem: o tronco gris dessa
palmeira /talvez sobreviveu/para ser eixo flutuante de todas as reivindicações /da floresta
sacrificada sem compaixão.
Na estrofe seguinte, a gradação Fome, sede e calor, o vento sopra na contramão
do que querem os retirantes e traz acre odor de vaca, sinalizando novamente as crescentes
dificuldades em que eles vivem. São seres à margem do ideal de sociedade (capitalista). Ideal
esse manifesto ali, na verde esquadra que se perdeu, metáfora por alusão, ao mesmo tempo, à
chegada dos europeus na América, trazendo consigo, segundo sugere Holanda, no texto
Raízes do Brasil (1995), um modelo de organização praticamente feudal, durante o qual as
capitanias hereditárias estavam divididas na medida exata do que eram as sesmarias34; e a
vastidão que representam as terras de que o poema fala: Trezentos mil alqueires de terra
possuída, /sete bilhões poupados.
Embora saibamos que a contextualização do poema requeira mais que o ato de
“datá-lo”, para Bosi (2004, p.14), a inserção de suas imagens numa trama já em si mesma
“multidimensional”, em que “o eu lírico vive ora experiências novas, ora lembranças de
infância, ora valores tradicionais, ora anseios de mudanças”, os termos Fortaleza feudal e
tubarões parecem metaforizar (pelas fortes imagens utilizadas) e ironizar o modo como,
historicamente, a fazenda e os seus donos se desenhavam, no período (meados da década de
1970) em que veio grande número de trabalhadores para atuar na região do Araguaia, frente
aos peões, a qual representa os locais fechados e os seus donos, colocando-se praticamente
como governantes (no sentido de mandantes). Postas essas imagens, o poeta, por meio da
ironia, contesta-as, fato que parece sugerir um futuro diferente.
Encontramos, nesse sentido, respaldo na crítica de Cândido (1977, p.144) sobre a
jagunçagem na obra de Guimarães Rosa, em que a “ordem pública mistura-se à privada”, ou
melhor, a “privada” comportava-se como “pública”, uma vez que esta última, não sendo
eficiente, delegava à outra o seu projeto de capitalização das terras. Parece que havia da parte
34
O termo “sesmarias” era utilizado para designar a medida de terra que continha os feudos, tendo sido usada, de
modo ampliado, quando da divisão do Brasil em capitanias hereditárias.
lxxiii
63lxxiv
lxxiv
64
lxxv
“colonização” é colocado em curso, há uma crise na matriz mediada pela luta de uma
sociedade para reafirmar o seu domínio sobre a natureza (no poema “terra” ou “fazenda”).
Ocorre uma migração que carrega consigo problemas sociais e estruturais, pondo em ação
antigas técnicas, no caso das ocorridas na região de que tratamos, de “genocídios” e
“escravidão”.
São colocados em confronto dois povos. Aquele que chega e vê a sua cultura
como superior, estabelecendo o “tomar conta”, o que explica por que muitos grupos que se
estabelecem em terras estranhas com o objetivo de colonizar, sintam-se, depois de muito
tempo, pioneiros. E o que já habita o local, que, ou sentindo inferioridade se submete ao
estrangeiro, ou luta contra ele. Geralmente, um deles já passou pelo estágio de evolução em
que o outro se encontra, fato que atua em seu favor.
No âmbito da obra, o ser que deixa absorver-se do mundo presente vai tornando-
se futuro, na medida em que participa do desenvolvimento social. Nesse caso, o tempo
presente fala de si como uma sucessão histórica, entendida como aquela que deve ser feita
unicamente pelos atores sociais que daquele grupo fazem parte, uma progressão única e
“irreversível”.
O fenômeno fundamental do tempo é o futuro; sua constituição requer tornar ao
passado e passar em vista o presente, dando-lhe vida, o que não requer longitude porque esta
não existe. Como possibilidade futura, significa dar tempo ao próprio tempo e, claro, a
quantidade do tempo quando posto em função do “quando” e do “onde” (o espaço).
Significa a consciência de que o ser (homem) significa e tem um lugar no mundo
sabendo o que nele fazer, mas também observa e interroga, mediante a comparação e a
observação, em suma, o ser é determinado por ser com o outro e esse outro pode ser com um
outro ainda.
A palavra reveladora do outro é captada na semelhança com o outro e com a
natureza. O fato é que essa palavra toca a essência mesma do homem, sua historicidade e sua
racionalidade.
Não há conflito entre a história humana e a cristã, porque
lxxv
65lxxvi
As águas são, talvez, a maior metáfora temporal da obra de Pedro, sobre a qual
recai a idéia de ciclo e a lembrança da vida sertaneja, marcada por esse modo de contar o
tempo, baseada na mudança natural e na sucessão de fatos. Um dos seus livros, por exemplo,
tem por título Águas do tempo – águas que serão adentradas através do estudo de A ALMA DO
RIO (CM, 1979, p.41).
Passa a enchente,
Baixa o rio,
O dogma e a lei
Vão e vêm,
Permanece entre as beiras,
No leito do povo,
A alma do rio.
Ao contrário do que possa parecer, a alma do rio, que seria, no sentido estrito do
vocábulo, aquela que o anima, que lhe dá vida, não está presente somente nas cheias, não
segue com as enchentes, mas permanece na alma, no leito do povo. Baixando o volume das
águas, segue (mas imediatamente retorna) com elas o dogma e a lei, respectivamente os
conjuntos reguladores da religião e do estado. Esse movimento é captado pela disposição
gráfica do poema (após os dois versos iniciais há um recuo na página, o qual prevalece por
dois versos, voltando em seguida ao ponto de partida) “permanecendo...”, mesmo com a
vazante, a alma do rio,
Baixa o rio,
O dogma e a lei
Vão e vêm,
Permanece entre as beiras,
No leito do povo,
A alma do rio.
lxxvi
66
lxxvii
Passa a enchente, / Baixa o rio; sexto e sétimo: No leito do povo, /A alma do rio, notada pelo
cruzamento metafórico que ocorre por transferência de alma, característica própria do ser
humano (povo), para o rio; e de leito para o ser humano (representado pelo povo, leito do
povo). Tal recurso, que constitui um paralelismo sintático, dá vida nova aos termos, e deixa
claro o profundo imbricamento que existe entre os seres, assumindo-se como uma
conseqüência das ações decorridas no primeiro par.. Ambos os versos são marcados pelo uso
de verbos no presente do indicativo, colocando o passar da enchente e a baixa do rio como
atos presentes e contínuos, fazendo-os tomar um status de estado, por estarem sempre
presentes na vida de quem habita as margens do rio – ato de permanência, reforçado pelo
segundo par, que incisivamente transmite a notícia de que a alma do rio ficou junto ao povo.
Por estarem recuados e interpostos pelos versos segundo e terceiro – dogma e lei e
vão e vem – sugerem um balanço das águas. Os versos citados são internamente ligados pela
aditiva e, reforçando a sensação de que há um exercício de ir e vir.
Instala-se aí um movimento dialético que se sustenta na negação e,
imediatamente, no retorno daquilo que é o rio, a sua alma ou substância, ou, do que é povo
que, estando à margem (marginalizado), sustenta-se das suas águas, um fato que gera a síntese
da tese inicial. Povo e rio compartilham uma mesma identidade, e a referência a eles dá-se por
um mesmo modo de funcionamento do pensamento (o dialético), que, segundo Abbagnano
(2000, p.273-4), como método, foi proposto por Hegel, mas, tomado por Marx e Engels, os
quais propuseram a sua transferência, a partir do materialismo, para o plano da realidade,
“para o mundo aberto da história e da natureza”
Assim, a história da natureza e a história humana estão em constante processo
de formação. Tudo o que existe é história, por conseguinte, nada é absoluto. O ato de ir
(“vão”) pressupõe a vinda (vêm); assim, segundo Ribeiro (2001, p.62), “na interação do
pensamento (teoria) e realidade (prática), o homem transforma-se, e, ao mesmo tempo,
transforma a realidade que o cerca”. A essa relação, muitos chamam práxis; para o autor,
contudo, “é a própria história da humanidade e do pensamento humano”, elemento que
aparece também na cultura, como é o caso da estreita ligação que têm os ribeirinhos com o
rio.
Tal movimento é necessário para que as imagens do presente reinstalem o passado
na memória; isto porque cada percepção requer um grande número de sensações, coexistentes
numa ordem determinada. É nesse sentido que Bergson (1999, p.159) chamará de “estados
fortes” às percepções do presente, e “estados fracos” às do passado, sendo que as segundas
necessitarão emprestar as forças que contêm o presente, para que se possam materializar em
lxxvii
67
lxxviii
imagens. Ocorre uma invocação da memória coletiva; a alma do rio pode não existir
materialmente, contudo, habita um lugar entre a vazante e a cheia. Permanece, assim, no leito
do povo.
A manutenção da memória daquilo que é essencial ao rio, ou a resistência dos
que dele dependem (tanto para a subsistência material quanto para a manutenção de seus
mitos depende da marcação dos tempos da cheia (vazantes) e da seca como tempos que
provocariam diferentes costumes e tradições, ambos, caracterizados, nesse caso por símbolos
que recordam o período do ano em estão presentes, ou seja, pela permanência (ou duração).
Nesse caso, coincidem, no texto, o que Nunes (1998, p.18) chama “tempo físico”,
dos acontecimentos naturais e o “tempo do vivido”, aquele que remete para a temporalidade
humana, sendo o sincretismo, entre as diversas partes, o que determina o tom impresso ao
longo do poema. Os seres, povo, depositários daquilo que caracteriza as águas do rio,
parecem depender da força das águas para também permanecer. Rio e povo, termos
homônimos, estariam, mediante a mudança impressa pelo avanço do capital, ambos
condenados ao desaparecimento, mas resistentemente sobrevivem.
Por outro lado, o texto sugere um interdiscurso histórico, no qual ocorre a chegada
de um grande contingente de pessoas na região, quando, entre 1960 a 1980, o governo
brasileiro (no poema pode ser pensado pela lei que funciona como uma de suas estruturas de
poder), sob a égide do militarismo, promoveu ações que visavam a inserção do capital na
Amazônia, o que fez com que, através do grande desmatamento, ocorrido em função da
implementação de grandes fazendas de gado, a natureza sofresse “danos irreparáveis aos
ecossistemas, como erosão, perda de nutrientes por escoamento, encrostamento da superfície
e distúrbios no balanço de águas” (Kohlhepp,,200236). Esses distúrbios provocaram,
provavelmente, mudanças nos hábitos da população local, mas, como parece indicar o poema,
não levou a alma do rio, que permanece junto ao povo, ainda que no seu imaginário, entre as
beiras.
A consciência de que a interferência de outras culturas muda a relação natural
entre homem e espaço, representado, nesse caso, pelo rio, indica uma certeza de que a
formação desse lugar, desse ecossistema, exigiu um incontável período temporal. O mundo e
os demais seres estão dentro do ser humano, “através de arquétipos, imagens, simbolos”
(Boff, 2006, p. 288).
36
Trate-se do artigo Conflitos de interesses no ordenamento territorial da Amazônia brasileira, publicado no site
http://www.scielo.br/scielo. Phscript=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200004 gerido pelo Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Acesso dia 05/10/2006.
lxxviii
68lxxix
Tempestad
y bruma,
mis iras,
tus dudas.
Si es acantilado,
la palabra abrupta.
Sementera fértil,
tu tierra y mi lluvia.
Tempestad
y bruma,
mis iras
tus dudas.
lxxix
69
lxxx
tautologia, porque o ser da temporalidade significa uma realidade diversa. Assim, teríamos,
uma tríade: o ser fortemente ligado à natureza; esta, ligada à criação do tempo e do espaço; e
o tempo relacionado ao ser.
A repetição da estrutura coordenada da primeira estrofe no último verso Tu
tierra y mi lluvia (retomada do título do poema), reforça e reitera a integração entre homem e
natureza, lluvia y tierra, mi y tu, e resulta na instauração, via adjetivação anteposta, de uma
sementera fértil – tempo em que o ser produz.
Haveria, então, um duplo movimento comparativo, de modo que a noção de
tempo fosse determinada pelos fenômenos naturais: o estado de ânimo é metaforizado em
Tempestad, brumas, acantilado; a gradação ocorre do momento de maior tensão até o de
grande fertilidade, mas não sem que seja quebrada por um acontecimento.
La palabra abrupta.
lxxx
70lxxxi
é tematizado (a partir de uma perspectiva intra e extra temporal), sendo que os três primeiros
são mais próximos entre si. Por fazer referência direta ao rio, o primeiro a ser estudado será
EU, ARAGUAIA E TU:
Eu, Araguaia
e Tu.
Um Tempo só.
Abraamicamente numerosas,
Nos garantem um sonho proibido
as estrelas lá fora canceladas.
os potes karajá
recolhiam teus olhos
e os peixes costuravam de prata teu
banzeiro.
eram
Deus
e a aldeias.
O seu título é composto por dois pronomes e por um nome próprio, marcando
respectivamente a referência a um ser humano (eu), a um ser natural (Araguaia) e a um ser
metafísico/mítico (tu) – seres nos quais, para o eu lírico, ocorre um encontro: Um tempo só,
tratando-se, assim, de uma trindade.
Contrasta o tempo local (do Araguaia) e o tempo nacional (do Brasil):
lxxxi
71
lxxxii
gratuitos (v. 8), momento anterior à chegada de instituições governamentais (do Brasil)
Sudan, Funai, Incra, no espaço de que fala o poema.
Os seres encontram-se conectados com o momento, eu e tu (v.23 e 24), em que a
lua alfrombando as cadências/do Aruanã sagrado (v.14 e 15) determina as cheias e as secas,
impondo o ritmo do rio. Como todos os demais elementos, a lua é personificada, assumindo
uma postura ativa no texto, descortinando um mundo no qual as ações partem de diferentes
seres: o momento presente é definido pelos indicativos – as estrelas garantem, Eu e Tu
conseguimos salvar; o passado, ação conclusa, é manifesto por potes recolhiam, peixes
costuravam; e o período que fica entre esses dois acontecimentos, o pretérito mais-que-
perfeito, ainda o Padim Ciço não mostrara /tua bandeira verde aos retirantes, resulta num
movimento prospectivo em relação ao presente, no qual se situa o eu e o Tu, enfim, o narrador
poético.
Segundo Thomson (177, p. 47), do ponto de vista da reflexão dialética, o tempo
(ontológico) é testemunho das mudanças históricas. Assim, trata-se de uma alusão a dois
acontecimentos historicamente comprovados, possibilitando um interdiscurso histórico, uma
vez que, recorrendo a fontes documentais, encontraremos a figura do Padim Ciço37, e teremos
notícias da implementação de ações governamentais, Sudam, Funai e Incra, na Amazônia
Legal. É a consciência de que os acontecimentos históricos apresentam uma
“irreversibilidade” (Boff, 2006, p.39), mas ela pode ser tomada como uma tese inicial para
uma melhor elaboração futura que ronda o poema.
37
Padre Cícero Romão Batista era um aliado dos coronéis do Vale do Cariri que, a partir de 1912, lutaram contra
a política de intervenções do governo federal e derrubaram o governador Franco Rabelo. Movimento
considerado messiânico, pela arregimentação de grande número de fiéis para uma ação em geral contra a ordem
social corrente. Tais movimentos tiveram importância em diversas regiões do país: no interior da Bahia, liderado
pelo Conselheiro, em Juazeiro do Ceará, liderado pelo Padre Cícero, no interior de Santa Catarina e Paraná,
liderado pelo beato João Maria e, novamente no Ceará, sob o comando do beato José Louren, somente foi
possível devido a algumas condições objetivas como a concentração fundiária, a miséria dos camponeses e a
prática do coronelismo, e por condições subjetivas como a forte religiosidade popular. Os grandes grupos sociais
que acreditaram nos messias e os seguiram, procuravam satisfazer suas necessidades espirituais e ao mesmo
tempo materiais.”. (In: http://www.padrecicero.com.br/ . Acesso em 23/09/2006).
lxxxii
72
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38
A SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) (SUDAM) “órgão do governo federal do
Brasil, criada no governo do general Castelo Branco em 1966, com a finalidade de promover o desenvolvimento
da região amazônica, criando incentivos fiscais e financeiros especiais passa, atrair investidores privados,
nacionais e internacionais”. Mediante a ligação do órgão com a corrupção compulsiva “lócus de oligarcas da
elite amazônica e empresários do centro-sul” foi extinta em 2001 e recriada, com novo direcionamento em 2003.
(In: http://www.global.org.br/docs/relatorioparaportugues.pdf. Acesso em 13/10/ 2006).
39
Criada em 1970 pelo então presidente general Médice a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) tem a função de
gerir a demarcação de terras indígenas e acompanhar os conflitos indigenistas. Ao longo da história tem se
mostrado omissa. Nos anos de sua criação a presença de seus agentes só agravava os conflitos. Segundo o site
houve, nos últimos anos, consideráveis melhorias nos serviços prestados pelo órgão. ( In:
http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3base=./indios/index.html&conteudo=./indios/escritorios.html
Acesso em 13 /10/2006)
40
O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) criado em 1964 pelo general Castelo
Branco, então presidente do país, teria a função de gerir os problemas agrários e analisar a extensão das
propriedades (baseadas no módulo rural que constituía num tamanho de terra capaz de sustentar uma família de
quatro pessoas e variava de acordo com as condições geográficas e econômicas de cada região). Com
agravamento dos conflitos pela posse terra na década de 80 o INCRA foi extinto e sua função transferida para o
então Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários. Recriado em 2000 passa a ligar-se ao Ministério do
Desenvolvimento agrário. (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/INCRA . Acesso em 13/10/2006)
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73
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74
lxxxv
hay tiempos en los que la mejor manera de decir es hacer» (José Martí).
Nosotros creemos que hay lugares donde la única manera de decir liberación
-por ejemplo - es hacerla. Y deberíamos creer que, de alguna manera, en
todos los tiempos y en todos los lugares la única manera de decir es hacer
(...) Nuestro Continente, por no ser cartesiano, no es teórico. Por ser
vivencial es práctico. Es una herencia indígena la «economía del
don».Realidad in Teología de la liberación (1982, p.2).
41
Ambas as citações são trechos da entrevista realizada com o autor em setembro de 2005.
lxxxv
75
lxxxvi
Tu estavas no princípio,
De acordo com Lua, sacerdotisa virgem,
Alfronbando as cadencias do Aruanà sagrado.
(v. de 13 a 15)
E
potes karajá
recolhiam teus olhos
e os peixes costuravam de prata teu/ banzeiro.
(v. de 16 a 19)
Constata-se um grande prazer na recriação desse passado que vem à tona por meio
de um fluxo contínuo de imagens, as quais, materializadas, parecem exaltar o tempo de que
são mensageiras. Concomitantemente, são variados os adjetivos que permeiam o texto, a lua é
sacerdotisa virgem, o Aruanã, sagrado, as estrelas, canceladas42, o ipê metaforizado em
ouros gratuitos, nomes que traduzem as memórias remanescentes de um local, captadas pelo
olhar e sensibilidade do poeta.
O verbo é impulsionado no sentido de inaugurar uma possibilidade de futuro, ou
melhor, a Terra sem males sonhada pelos Guaranis. O mito da Terra sem males é, ainda hoje,
bastante vivo entre os povos da região Andina, e entre as populações nativas brasileiras de
tronco Guarani. Oliveira (1947, p. 129) diz que, segundo a lenda, há uma terra após o mar
onde não existem “discórdias”. Hoje, tendo sido o mito atualizado, os indígenas ligam a terra
sem males ao momento (histórico) em que as suas terras ainda não haviam sido expropriadas
pelas nações colonizadoras, os invasores (v.9). Crença que é tomada pela Teologia da
Libertação para representar a terra onde haja distribuição de rendas. Em sentido bíblico, onde
jorre leite e mel.
O tempo pode ser pensado por diversos planos: um deles é o bíblico, que traz para
o embate a infinitude das estrelas, que, dispersas pelo espaço, são comparadas à descendência
de Abraão43. Sendo as estrelas os homens, o termo canceladas lembra a violência,
praticamente institucionalizada, contra os peões que trabalham na região do Araguaia. Em
entrevista ao Diário de Cuiabá, Casaldáliga (2003) declara, enquanto se pronunciava sobre a
fazenda Suiá Missu, a existência de um
42
Hilda Magalhães lê em sua obra História da literatura de Mato Grosso (2001, p.286) o termo (verbo)
“cancelada” como uma derivação do substantivo “cancela”, que significa a porta dos currais, uma referência à
presença dos grandes fazendeiros (e de seu) poder na região.”
43
Se tomada a compreensão da Teologia da Libertação, todos os homens são descendentes de Abraão; nesse
sentido, a promessa de sua vasta descendência cumpre-se todos os dias.
lxxxvi
76
lxxxvii
Segundo Lima (2006, p.80 a 89), há no Brasil uma vasta literatura sobre o grande
número de elementos que determinam as marcações temporais conhecidas pelos nativos, o
que atesta que, desde o período pré-cabralino, eles tinham conhecimento da influência dos
ciclos lunares sobre os demais elementos da natureza. Alguns desses elementos são muito
presentes nessas culturas: Lua-mãe de todos os vegetais; o Sol-mãe de todos os viventes. Há
propensão para adorarem as estrelas, entre elas o Sol e a Lua.
Todavia, a construção Eram Deus e as aldeias demonstra não haver interferência
entre os planos divino e humano; as aldeias eram o reino de Deus. Haveria então uma
correlação entre os três primeiros e os três últimos versos do poema: os versos um, dois e três
em que homem e Deus são colocados no mesmo patamar um tempo só em que o Tu (v.2) é,
através do conectivo “e” é ligado aos demais seres. Pelo fato deste mesmo tu, estar
espacialmente à frente dos de Eu e de Araguaia, o Tu dá continuidade à linha por eles
iniciada no verso um, ao passo que nos três últimos versos ocorre uma inversão: Deus está no
plano superior, o que não gera obstáculo porque, segundo Hilda Magalhães (2001, p.286), “há
uma reprodução do esquema platônico. A fusão era possível porque não havia palavras (os
44.
conceitos e a ciência), mas unicamente o silêncio” Nesses termos, teríamos, no caso dos
três primeiros, uma inversão desse esquema.
A Lua que passeia pelos textos estudados divide o espaço com marcadores
temporais ligados à tradição cristã, uma característica que os torna, do ponto vista da
44
Na obra de Magalhães (2001, p.285) o “tu” do verso 2 encontra-se alinhado aos demais seres. Na publicação
(edição) usada por mim há um espaço (citado na análise) entre eles. Penso que, se considerarmos esse modo de
disposição dos versos, e a análise feita pela autora, teríamos na estrofe uma inversão do esquema platônico.
lxxxvii
77
lxxxviii
representação que faz de diferentes culturas, híbridos. A LUA E A LUTA (AT, p. 29) é um dos
textos que testemunha momentos de equiparação entre essas culturas.
Unhada de esmalte
Na noite
a lua.
Inútil foiçada
No sonho maior das estrelas.
Unhada soturna
na carne
foiçada na luta.
criança a sonhar
poeta a sentir
humano a lutar
vindo do Brasil
volto ao Araguaia
comungo a hóstia da luta,
partida,
pão da caminhada.
Os primeiros versos jogam com as palavras lua e luta, primeiro por serem
homofônicas e emprestarem às estrofes em que se encontram um interessante jogo rítmico,
formando uma unidade melódica bastante diferenciada daquela encontrada nos versos
subseqüentes. Sonoridade que, se conjugada à disposição dos versos, semelhante a escadas,
imprime movimento simétrico ao ato de ir e vir, metáfora da luta, da labuta humana.
As metáforas Unhada de esmalte/Na noite/a lua e Unhada soturna/Na
carne/foiçada na luta parecem remeter ao fato de que a lua esmaltada ilumina o sertão e
testemunha a luta e o trabalho que ali ocorrem, inclusive com a foice. A luta é diurna, é
soturna e é noturna.
Os termos unha e foice tornam fortes as imagens do poema exatamente porque
ambos remetem a marcas, provavelmente estabelecendo uma relação com as feridas sociais
que se entranham na vida do homem, ou referindo-se àquelas adquiridas na luta, a qual,
embora seja pela dignidade, pode, como a foice, ceifar, neste caso, a vida. Assim, a militância
social (possibilidade de vida) é agarrada tal qual quem, com determinação, como diz um dito
da região, “pega um boi a unha”, ao passo que Foice, signo ideológico da União Soviética,
marca ideologicamente o texto, por colocar o discurso poético de Pedro Casaldáliga em
lxxxviii
78
lxxxix
diálogo com o comunismo, isto porque, para Bakhtin (1997, p.31), tudo que é ideológico é um
signo. Sem signos não existe ideologia”. Ou seja, embora foice diga respeito a uma “realidade
material”, dá notícia de outra coisa.
A luta partida é materializada na última estrofe (verso vigésimo primeiro), a qual
é quebrada ao meio, isto é, as palavras luta e o seu complemento partida são colocadas em
diferentes versos. Essa divisão metaforiza tanto a luta partilhada como a fração do pão da
caminhada (hóstia). Mas pode lembrar a possibilidade de contratempos, interrupção,
caminhada (da vida) pela violência dos confrontos (com poderes governamentais “polícias” e
pistoleiros), aos quais são submetidos os movimentos sociais; pode lembrar ainda que, em
muitos casos, os líderes desses movimentos são obrigados a calar-se (a partir a luta) ou a pedir
àqueles que estão com eles que esperem por um tempo para, só depois, continuar a luta.
Bastaría repasar los libros que aquí se han escrito y enumerar las revueltas y
los encuentros, los manifiestos y las consignas que vienen borboteando a lo
largo y a lo ancho de nuestra historia. Se trata, ciertamente, de una herencia
específicamente indígena. Los grandes libros sagrados de nuestros Pueblos
primigenios son verdaderas biblias de utopía humana y social; y el mito
fundante del pueblo guaraní -«la búsqueda de la Tierra sin males, con
diferentes matices e intensidad, atraviesa la mitología y la ideología de
antiguos y nuevos utópicos de Abia Yala/América Latina. (Casaldáliga,
1982, p.12)
lxxxix
79xc
Nesse lugar sobrevive ainda um modo de olhar para a lua e ler o futuro; a lua
diz da noite do dia/que somos. De noite se vive, pensamento para o qual conduz o poema:
DE NOITE (CM-31)
A fé e o luar
se vivem,
só de noite
xc
80xci
45
Expressão bastante utilizada por Pedro Casaldáliga pode ser encontrada na obra Espiritualidad de la
liberaciòn.
xci
81
xcii
São vários os momentos em que o poeta flagra a natureza tanto numa visão
panorâmica como nos seus detalhes. Considerei a captação desse momento presente, como
um modo de conceber a temporalidade, conforme se torna evidente no poema BANANAS46 (p.
105) apresentado abaixo e que foi publicado em Antologia Retirante (1978), na parte que tem
por título “Criaturas irmãs”:
Pecosas.
Verdinegras.
Y doradas: de sol y de divisas.
Al alcance de todos,
proletarias.
Codicia de macacos lamineros.
Exhuberantes ubres tropicales.
46
Há duas publicações desse poema, uma de em Antologia Retirante (1978) e outra em Clamor Elemental
(1971). A segunda publicação apresenta modificações em relação a primeira optei pela segunda, do ponto de
concisão poética, mais próxima do poema Beija Flor.
xcii
82xciii
os proletários e que é necessária, assim como são unidas as bananas, uma união daqueles –
Proletários do mundo uni-vos (Marx, 2003, p.53); em segundo lugar, o modo como o nome
Moisés é inserido inaugura uma comparação com o Maná, alimento sagrado que Deus envia
do céu, quando o povo hebreu (sob a liderança de Moisés) atravessou, segundo a narrativa
bíblica, o Mar Vermelho e o deserto; há, por fim, o uso da primeira do plural pessoa nuestras
indicando a partilha, a ação conjunta; a banana é diariamente dividida entre o povo. Naquela
situação, é alimento, que representa o pão de cada dia. São todas expressões que concorrem,
ou por adjetivação, ou por comparação, para que seja elucidado o valor da banana.
O primeiro verso é marcado por um movimento paralelo e, quando conjugado, os
demais complementam o título, repetição que se torna praticamente anafórica, como se antes
de cada palavra ou frase nominal fosse acrescida a sentença – as bananas são: pecosas,
vedinegras, doradas, Exhuberantes ubres tropicales, Codicia de macacos lumineiros-.
As bananas apresentam-se de vários modos, o que faz com que o bananal pareça,
pelo fato da disposição das “bananas” pontiagudas e viradas para baixo se assemelharem a
bandeirolas utilizadas nos festejos juninos, uma festa. Os demais versos reservam-se ao
convite, feito pelo eu lírico (pelo uso de verbos) a Moisés, para que, juntos, agradeçam tão
farto alimento démosle gracias ao Señor, e a pedir que elas estejam sempre ali dádnoslas,
assim como fue dado, el primer racimo ao povo hebreu.
Antiteticamente, a banana, de pouco valor econômico, é aproximada pela
expressão ...Y doradas/de sol e divisas a moeda, no sentido de que o termo douradas lembra,
além da ação do sol, o lastro de ouro com que é materialmente garantido o valor das moedas,
o que coloca o mundo da especulação financeira em frontal confronto com aquele em que as
bananas são soluciòn de emergência./Proletárias/vitamina de pobre já que, como sabemos, a
fome é justamente um dos problemas que assola os trópicos. Nesses termos, divisas consiste
noutra referência à economia, lembra divisão, marca que se costuma cunhar em moedas,
mercado de câmbio. Aqui, o fruto independe de valor mercantil; é ouro porque sustenta e
porque lembra um continente outrora rico em minerais e que hoje precisa de criar modos de
adaptação à situação em que se encontra.
São imagens (relativas ao sujeito, que, embora num mundo rural, está, mediante a
sociedade moderna em vias de dissociação), as quais, segundo Bergson (1999, p.75), devem
ser colocadas em função do tempo. Intercalam presente e o passado, nesse caso, representado
pelas lembranças da descendência de Moisés e pela rememoração de que aqueles lugares
foram ricos em ouro.
xciii
83
xciv
São momentos que entram em contato um com o outro (o agora), permitindo que
haja, no momento presente, o reconhecimento de situações já decorridas, as quais não
estabelecem divisão entre o passado e o futuro, mas uma “duração”, isto é, o primeiro tempo
estende-se pelas imagens guardadas na memória sobre o tempo atual e projeta-se no futuro.
Para Prigogine(2001, p. 64), há um tempo que precede o universo e um tempo
que, marcando a materialidade, acompanha-o e o sucede.
Faz isso por tentativas de ligar momentos da existência humana, que resultam no
reavivamento de enormes períodos históricos, intervalos repetidos, o que, para Bergson,
(1999, p.245) conduz a imagens instantâneas e pitorescas.
Em seu mundo interno, a seu tempo, pelas marcas guardadas em seu corpo social
e físico, o homem reúne sinais de sua evolução, até dar em sua inteiridade que só descobre
quando, num encontro consigo, considerando o modo como se relaciona com o mundo,
como se vê a si mesmo como parcela do universo, e como olha para as coisas que, residente
em si, dê notícias do conjunto dos seres, acha-se.
O ato de desvendamento do homem requer do poeta que fale da sua solidão, tema
bastante cantado pela poesia, ao longo dos séculos, e que transborda dos versos de “Solidão”
(FCV, p. 54) e “MI SOLEDADE SOY YO” (TE, p. 67).
xciv
84xcv
O poeta retrata e define a solidão humana como a própria pessoa. Todavia, quando
o homem se encontra consigo, mesmo a solidão, como sentimento de ausência, é eliminada
porque, em última análise, vivir es andar solo, não sozinho, porque uma pessoa carrega em si
muitos outros seres. Esta é uma construção que apresenta um caráter qualificador da
existência, apresenta o que considera próprio dela: o andar, o pôr-se a caminho.
Embora o homem seja um ser coletivo, ele nasce só. Carrega em si uma
individualidade única, orgânica, e a sua jornada, as decisões que toma, dependem unicamente
dele mesmo. Cabe a cada um viver as conseqüências de seus atos, mesmo que outros sofram
conosco a nossa fome, a nossa insônia, os nossos desejos; temos de vivê-los em nós. A
solidão encontra-se no ser em si, e não no outro, porque a solidão não consiste em estar só,
mas em estar consigo mesmo.
A existência é um ato individual, requerendo de cada indivíduo convicções e
decisões sobre como deseja viver.
No caso do poeta, a solidão é acentuada, porque a sua vida não lhe pertence, não
pertence a nenhum lugar, é plasmação do individual e do coletivo. O poeta sente com o
pescador, com a mulher, consigo mesmo, isto é, o caráter peculiar de cada homem não deve
torná-lo individualizado (no sentido de sectário), mas único (original) – idéia que parece ser
elucidada pelo poema “EL CORAZÒN LLENO DE NOMBRES” (TE, p.100),
xcv
85xcvi
íntimo umas das outras, mas, sim, ter projetos em comum, acerca dos quais comprometem
toda a vida, assim como o coração, que, como órgão principal do aparelho circulatório,
impulsiona, pelas veias, o sangue para todo o organismo. A função das veias e artérias (local
onde passa o sangue até chegar ao seu destino) pode ser analogicamente comparada a do
caminho que, como estas, são vias que transportam o homem, o que o nutre (sangue),
respectivamente, para o corpo e de regresso ao coração e a si mesmo.Desse modo, o poeta
reaviva a conhecida metáfora popular que o relaciona ao local onde são depositadas emoção e
afetividade.
No poema MI SOLEDADE SOY YO, os índices de primeira pessoa são bem
acentuados: mi, soy yo, me, constituindo uma enálage, variação do modo de referência ao eu e
mudança da posição sintática ocupada por este pronome, que determina, primeiro, posse: mi
soledad; e depois, a predicação, passando a núcleo do predicado sou eu e, por fim, ao objeto
direto me. Referem-se à individualidade humana. É um falar de si para revelar o outro, pois o
eu (eu lírico generalizador dos demais eus) é um exemplar do conjunto dos sujeitos.
O texto apresenta poucos verbos. Substantivos e adjetivos dizem o que é próprio
da existência e ligam-se ao eu tantas vezes, que a reiteram. Então, soledad, honda, medida e
compañia exercem um papel semelhante a gran e solo, e todos estabelecem o papel de indicar
a profundidade da solidão humana – ato de viver. Convergem para a definição na qual
incidem os adjetivos.
O ato de estar consigo mesmo também é personificado pelo interessante jogo feito
com as consoantes nasais “m” e “n” que marcam, a partir do verso dois, uma sonoridade
propícia à reflexão e à introspecção:
No hay compañía
que me acompañe todo.
xcvi
86xcvii
tempo; si l’uomo invece creasse il tempo, questo ultimo sarebbe evidentemente un schermo
tra l’uomo e la natura”47 (Prigogine, 2001, p.22)
Sendo ligados entre si o futuro do universo, assim como o do homem, não é
definido Mas, o que vemos diante de nós certamente apresenta uma evolução biológica da
sociedade e, na medida em que é evolução, uma história do tempo. Haveria assim, um tempo
que acompanha a vida e é transmitido de geração em geração.
No tempo da arte e da literatura, da poesia, por exemplo, há uma independência
muito grande, porque, enquanto a terra percorre cinco minutos de modo regular, a arte em
cinco minutos torna sobre o mesmo tema, evolui, faz antecipação de tema,estamos diante de
um tempo interno, muito independente daquele externo.
Trata-se, porém, de uma realidade subordinada àquela externa, depende de
acontecimentos como a energia, fluxo de energia e substância relativa. Ou seja, o tempo está
entre essas duas estruturas e nelas. Por sua vez, “la vita é o regno del non-lineare, la vita é o
regno dall’autonomia del tempo, è o regno della molteplicità delle strutture” (Prigogine,
2001, p. 28).
Para o autor, o tempo do universo é muito longo; então, é mais fácil observar o
fenômeno na vida social, o que não é um falso problema, porque há um tempo existencial,
caráter nomeadamente presente na linguagem poética. Quando olhamos um elemento natural,
como por exemplo, um cristal de neve, podemos saber em que estrutura temporal se formou.
Assim, do mesmo modo, podemos saber em que período histórico foi escrita uma obra, por
exemplo.
Nesse caso não sabemos nada, somente que a obra de arte é uma inscrição da
nossa assimetria, uma assimetria acentuada muito intensamente no tempo, na matéria, nesse
caso, na pedra.
47
O homem provém do tempo; se o homem , ao contrário criasse o tempo, este último seria evidentemente um
elemento de separação entre homem e natureza.
48
Tradução livre: E assim retornamos aquele que é o objeto de nossa conversação, o problema do tempo. Como
se inscreve o tempo na matéria, em definitivo, é está a vida, o tempo que se inscreve na matéria vale não só para
a obra de arte. Tomemos, o exemplo da escultura, da obra mais antiga que conhecemos, os grafites que o homem
de Neanderthal escavou na pedra.
xcvii
87
xcviii
Aristóteles (apud Prigogine, 2001, p.39), depois de uma análise sobre o instante,
concluiu que o tempo é eterno, e que, na realidade, não se pode falar de seu inicio. Para ele, o
mundo não é um conjunto de coisas, mas uma coisa que caminha de modo linear e simples.
Para Prigogine, (2001, p.39), o tempo existe antes do universo, havendo um
tempo que o precede e um outro que o sucede; sendo assim, o universo resultaria numa
mudança de fase em grande escala.
O autor informa-nos que Newton (2001, p.51) concluiu que a matéria (produtora
de ordem e desordem ao mesmo tempo) corresponde na realidade ao espaço-tempo. É graças
à desordem que o universo se desenvolveu e que a matéria porta consigo o tempo. A
conclusão de Newton liga a curva do espaço-tempo à pressão e à densidade.
Cada momento da formação deve ser construído a partir de um ponto porque as
informações iniciais não são capazes de reconstituir a trajetória total no curso do tempo.
Assim, por hábito ou convenção, o tempo é contado a partir de um evento, o
nascimento de Cristo, no caso ocidental. O nascimento do tempo não é o nascimento do nosso
tempo, porque aquele já no início o precedia.
Leonardo Boff afirma, baseado em Ilya Prigogine (2004. p.39) que, nesse caso,
“ todos os fatores que entram na construção de cada ecossistema com seus seres e organismos
possuem sua latência, sua ancestralidade e em seguida sua emergência.Todos esses processos
naturais possuem uma fundamental irreversibilidade, própria do tempo histórico.” No caso do
clima, por exemplo, conhecemos a história através da história temporal”.
Modo de pensar o espaço natural, incluindo nele o homem, que muda o modo de
vê-lo, não a partir daquilo que Boff chama um antropocentrismo tradicional (que vê o homem
como dominador da natureza), mas como incluso num conjunto. Segundo Boff (2004, p.40),
“podemos dizer numa perfeita circularidade: o universo é direcionado para o ser humano,
como o ser humano é voltado para o universo donde veio” em que,
xcviii
88xcix
relação com o homem que nela habita, a possibilidade de um futuro de relação solidária entre
o homem e a terra. Há um direcionamento dialógico: não considera apenas a matriz cristã-
ocidental, mas também as tradicionais; não considera somente os conhecimentos científicos
clássicos que traz de sua formação escolar, mas também os construídos no dia-a-dia. As teses
de uma cultura vão confrontando-se com as oferecidas por outras culturas. A palavra poética
articula os diferentes tempos e culturas nelas manifestados. Cada cultura humana carrega
consigo uma consciência, sempre potencial e que se manifesta a seu tempo.
Evidentemente a discussão ecológica postulada por Prigogine e outros de seu
grupo ainda não existia, quando Casaldáliga começa a escrever, mas os escritos de Pedro
Casaldáliga demonstram um profundo respeito pela terra, Pachamama, que, entendida como
universo, convida a pensar no tempo da evolução (ou da criação), dando a idéia de
ancestralidade. E, principalmente no presente e em suas implicações futuras, sugerindo a luta
pela emancipação humana, compreensão da realidade como construção social motivada por
valores, interesses e utopias, movimento que requer ser entendido em sua vertente social e
política e também, pelo modo como pela articulação de seus versos, comuncia-a.
A noção de práxis histórica vai além das relações norte-sul colocando a si e a seu
interlocutor lírico, como responsáveis pela manutenção das culturas e da longa tradição
humana que sobrevive ao tempo. A terra é tratada como um organismo vivo (Gaia) e o feito a
ela repercute em todos os demais seres. Sem a focalização no planeta, os demais seres perdem
todo o sentido.
Haveria um sistema de dimensões planetárias, que articularia todo sistema vivo
urdido por um único princípio. Nesse caso, a evolução, por exemplo, diz respeito a Gaia e não
aos organismos.
xcix
89 c
c
90
ci
maturou sua elite burguesa no sonho da liberdade, igualdade, fraternidade. É a esse homem
que é feita uma proposta de libertação e emancipação.
ci
cii
A reflexão sobre o espaço é outro assunto sobre o qual muitos dos textos de
Casaldáliga se detêm, tendo-se configurado como uma das possibilidades de revelar os seres
por ele retratados e um caminho para o estudo da sua obra. Fazendo uso do recurso da
personificação, apresenta espaços diferentes, mas volta-se, sobretudo, para o local – o lugar de
onde fala, em cuja construção verbal relata acontecimentos históricos, sociais, geográficos
49
:
¡El pan da cada día de este Araguaia, fértil!
¡Holocausto de Dios y de los hombres,
Entre la brasa y la pimienta!
(versos 11, 12 e 13 de “Pacu”, CL, p.82)
49
Os fragmentos citados pertencem a textos que serão analisados no curso deste capítulo.
cii
92
ciii
ciii
93
civ
Vendi a terra
Neguei a mãe
Fiquei órfão da vida!
(Cantigas Menores,1979, p.29)
civ
94
cv
gradativas. Ao mesmo tempo em que vende a “terra”, o sujeito perde-a, e, perdendo-a, fica
“órfão”. Os objetos constituem uma sinonímia, “mãe” e “terra” partilham do mesmo
significado, ou melhor, pelo fato de a “terra” ser aquela que sustenta, passa a ser tratada como
“mãe”. O ato de ficar, permancer orfão indicado pelo verbo de ligação reforça a sequanência e
o encademento de idéias.
O significado materno atribuído à “terra” tira-lhe o papel de mercadoria, expresso
pelo termo “vendi”. O sujeito elíptico, não tendo um papel ativo na venda, constata, somente
depois de negociar o objeto, que este lhe é caro.
Se relacionado ao primeiro, o último verso representa uma antítese, porque, no
âmbito da sociedade capitalista, quem vende deveria lucrar e não perder. Diante da forma
como as transações de terra são feitas na região, sabe-se que isso é possível, porque, segundo
Ribeiro (2000, p.73):
cvi
96
cvii
“terra” parece ser signo do encantamento de uma religiosidade centrada na idéia de que ela
nutre a humanidade, e a orfandade se dá em razão da sua destruição.
A destruição empreendida pela idéia de posse capitalista, fará com que o homem
sem posses ou desempossado, seja, do ponto de vista da marginalização, comparado ao
operário, e o latifundiário ao capitalista, analogia endossada pela forte presença de referências
teológicas que retomam, via intertexto bíblico, a idéia de que “terra”, no sentido de mundo,
consiste numa criação divina, e, por isso, é de todos. Porém, se há dois lados, “Deus”
pertencerá a um deles. Deus se fez classe é o verso que encerra o poema “E o verbo se fez
classe” (CM, P.29), com o qual se explicita a dimensão da comparação operário-Homem
(camponês)-Deus:
No ventre de Maria
Deus se fez Homem
Mas na oficina de José
Deus se fez classe
cvii
97
cviii
sistema feudal os ali agregados não eram tidos como funionários, mas como beneficiários de
ajuda, e, por isso, deviam, sem muitos direitos, produzir.
Contudo, segundo o autor (1980, p. 114), para Marx, “O conceito de classe
acentua a relação de um grupo social com os meios de produção, mas nunca define
claramente o conceito. Para Marx classe é uma idéia sutil, mais complexa do que muitos
supõem”.
Por haver muitos interesses em uma mesma classe, o autor disse que não há
classes homogêneas. A esse fenômeno Marx chamou, baseado em Hegel, de classe “em si”.
Mas, à medida que as frações se juntam para atender a um interesse de classe, temos o que
Marx denominou “classe para si”.
Classe é, então, um processo que se realiza quando as pessoas começam a pensar
em conjunto, ou seja, a ter consciência de classe, acontecimento marcado no poema,
exatamente pela adversativa “mas”, vocábulo que marca, pelo viés marxista, a idéia de que,
apesar de tal luta sempre ter existido, é possível que ela, pela consciência de si, tenha fim.
Os vocábulos Homem e operário revelam, em primeiro lugar, a existência de uma
visão dialética no texto, ou seja, a compreensão de que, ao longo da história, o modo de o
“homem” olhar para si mesmo sofreu alterações no âmbito do significado. Em segundo lugar,
porque a palavra Homem, grafada em maiúscula, sugere não apenas a encarnação divina, mas,
num intertexto histórico, remete também ao momento em que, via Marxismo e outras
correntes filosóficas e sociais (a maioria delas surgidas no século XX), o ser humano trava
grandes lutas com as quais almeja ser protagonista do seu próprio destino. Quando da
passagem do segundo para o terceiro verso, a adversativa mas pode representar o fato de que,
apesar de humanos, somos classe, o que dificulta a condição anterior, pois esse modo de
organização pressupõe a não distribuição dos bens sociais, ficando poucos (a classe
dominante) com muito, e muitos (o operariado, composto de pessoas empregadas ou não) com
pouco. Nesse caso, a sociedade é vista como cindida, havendo dois lados: o burguês e o
proletário. Por outro lado, o conecctor “mas” (v.3) dá ao texto um sentido de resistência e
uma provocação da consciência de “classe”, o que pode sugerir o percurso da luta salarial até
à luta pela tomada dos meios de produção.
Ë notória uma sintonia entre estrutura e sentido do texto, que pode ser entendida
segundo Antonio Cândido (1991, p.191):
cviii
98cix
Como demonstra o estudo das camadas lingüísticas do poema, sua temática recai
na reflexão social e engajada porque trata das lutas pela sobrevivência de seus indivíduos,
estabelecida entre diferentes grupos e, considerando o trabalho um dos elementos que remete
ao proletariado, insere o cristianismo (por meio de Cristo) nessa classe. Inserção também
presente tanto nos demais poemas de Pedro Casaldáliga como em sua ação político-social e
religiosa e não muito comum do ponto de vista da religião institucionalizada.
Ocorre, a já referida batalha entre os diferentes grupos sociais (que se encontrava
fortemente acirrada no período em que Pedro Casaldáliga começa a publicar sua obra), seus
poemas dialogam com um tempo (histórico), a luta pela democracia, e com um espaço
geográfico (específico), a América Latina.
Ou seja, sua produção tem início num difícil momento do mundo50 e da América
Latina, em que ocorre a disseminação dos governos militares ditatoriais por todo o continente.
Por isso, os temas de que trata, sendo sócio-políticos, guardam fortes relações com a literatura
hispano-americana, dentre eles, o fato de a Teologia da Libertação estar permeada de
elementos históricos e de outros referentes à espiritualidade. Nesse sentido, ocorre a
possibilidade de vê-la do ponto de vista da localização geográfica.
Vendi a terra (CM, p.56) e E O VERBO SE FEZ CLASSE (CM, p.29) são
poemas que tratam de um espaço ocupado e conflituoso, revelam uma das faces de região do
Araguaia (no que ele tem de Amazônico). Digo uma das faces porque nos poemas Terra
nossa, liberdade (AR, p. 192) e Beleza perfeita ( AR, p.43), sobressai-se (mais que nos dois
poemas estudados acima) uma veia telúrica, a qual é presente em praticamente toda a obra
estudada. Aqueles são dois textos que considerei emblemáticos para o tratamento dessa
temática.
Cabe, todavia, fazermos uma contextualização geral do período histórico no qual
se foram acentuando os conflitos entre as forças locais e aquelas que viriam a se configurar
como globais. Historicamente, segundo Ravelli (2006, p.06) Oltre il novecento, o século XIX
foi o século mais sangrento da história. A sociedade passou por uma total militarização, tendo
sido criado o conceito de guerra total que se acelerou cada vez mais com o processo de
50
Sua primeira obra, Palabra Ungida, foi publicada em 1952 quando morava em Madri. Os versos contidos
nesse livro apresentam menor intensidade que os demais, de teor engajado.
cix
99
cx
globalização. Os elementos de sua dinâmica são muito visíveis por apresentarem um lado
extremamente racionalizado e outro completamente irracional.
A destruição de vidas humanas mostrou-se completamente planejada, sendo que,
no coração da Europa, o nazismo e o facismo, fundaram (com a experiência judaica e as
invasões na África, Armênia etc.) o genocídio, fato que parece ter autorizado a matança e a
exploração de populações tradicionais em todo o mundo. Se analisarmos bem, saberemos
como o caráter paradoxal do regime capitalista, que então se fortalecia, justifica, através da
violência, os fins pelos meios - processo de militarização que, praticamente, minou a
proposta comunista -, nascida como a mais radical forma de humanismo secularizado de todas
as épocas.
O primeiro caso é sua aplicação real, posto em prática pela conquista do poder na
Rússia, quando a violência passa a ser justificada como meio de administração do próprio
poder.
Foi um dos períodos que mais colocou em causa o controle da natureza, a
segurança e a previsibilidade, sob uma escala de valores jamais vista, acabando por perceber-
se incapaz de prever e controlar seu modo de operar, sobretudo na esfera política.
Para o autor (2006, p.31), a fonte da desgraça do século estaria na limitação
humana, na desproporcionalidade entre objetos criados pelo homem e a incapacidade de geri-
los. Os eventos que culminam em Auschwitz demonstram uma tendência ao fim da
racionalidade.
O mundo, reduzido ao aparato, liga o homem à funcionalidade produtiva, à
atividade que quer portar cada um à perfeição do próprio fazer.
Do ponto de vista do trabalho, o século da revolução industrial coloca o operário
praticamente em uma situação de inseparabilidade em relação à fábrica. Paradoxalmente,
aquele que nascia para salvar o homem de sua alienação, convertia-se também num meio de
fragmentação.
Ocorre uma redução do variado e plural em uma experiência de individualização,
social e exclusiva, que prevalece e abarca grande parte dos seres, tornando-os parte de uma
massa composta por indivíduos inacreditavelmente semelhantes entre si. Há, do ponto de vista
social e do antropológico, uma visão unificante do sujeito. O operário ganha forma única e, ao
unificar-se, endurece.
O trabalho passa a interferir em todos os campos: no modo de vestir, na
gestualidade, no modo de olhar, no modo de representar-se (da pintura para a fotografia, do
cx
100
cxi
teatro para o cinema). Há uma inteira tranformação do espaço que o faz se assemelhar ao
ambiente do trabalho (Ravelli, 2006, p. 45).
Num movimento em direção à colonização de todo modo vital (atingindo a moral
social e familiar), a fábrica vai fazendo do homem seu apêndice. Em sentido próprio, há um
novo sistema social organizado em torno da produtividade: a lógica da fábrica, como
fundamento social, como se não houvesse separação entre as esferas produtiva e a
reprodutiva, entre o âmbito do trabalho e o da vida, entre o operário e o homem (Raveli, 2006,
p. 46).
O fordismo proclamará, segundo informa Gramsci (apud Ravelli,2006, p.247) a
necessidade de que seja criado um novo homem, mais condizente com as formas de trabalho
existentes. Apresenta uma situação de tabula rasa social, em cuja organização não pode haver
interferência externa.
Com o avanço do capitalismo, o acesso à produção e à redistribuição passa a
pauta. Neste modo de governo, a forma do estado consiste em manter a configuração de
mercadoria dos detentores individuais. Assim, a confrontação de capitais tornou-se uma
prática comum no imediato pós-guerra.
Ocorre uma inédita entrada do estado no corpo social, o que gera uma grande e
desconhecida dependência do indivíduo. Aquele, por seu turno, esforça-se por apresentar
uma falsa imagem de independência das classes. Com o tempo, os trabalhos marginais e a
desocupação ganham um aspecto de reivindicação, mas, paralelamente, os centros de decisões
distanciam-se das pessoas. O “estado social” acaba por tornar-se a mais a-sociale (Ravelli
2006, p.249) de todas as condições humanas. Ocorre uma visível divisão de tempo, de lugar,
de relações.
A sociedade organizada (institucionalizada) a partir da produtividade entrará em
ação contra aquelas organizadas espontaneamente e auto-organizadas, a partir dos sujeitos
sociais (Ravelli 2006, p. 76)
O primeiro tipo de sociedade deseja que a família deixe de ser um núcleo
artesanal e agrícola para aderir ao sistema mercantil fordista. Em segundo lugar, promoverá
uma campanha para que haja, ao mesmo tempo, um consumo médio de bens industrializados,
o que resultaria em alguma garantia estratégica da parte do estado.
O século referido oferece muitos testemunhos de destruição de sociedades
tradicionais, esforço comparado àquele bélico que contribuiu inclusive com o cinema, o qual
criou estereótipos com objetivo de eliminar a resistência existente nas classes ditas
subalternas.
cxi
101
cxii
Mercado e estado se unem para condenar à solidão tudo aquilo que não entra no
esquema estabelecido. Uma sociedade na qual a intimidade das coisas foi perdida.
Os anos 60 abriram uma fresta no fordismo, ocorrendo, justamente no espaço que
o tinha minado, um reencontro da coletividade. Começa a luta por resguardar um espaço de
troca por meio de muitas manisfestações, chegaram-se a grandes êxitos, todavia parece que
muitas das lutas foram sendo, aos poucos, incorporadas pelo sistema capitalista.
Muitas vidas voltaram-se para a revolução (entendida como uma necessidade
histórica), tendo ocorrido praticamente uma anulação de si mesmas diante do único elemento
que pode permanecer – a organização social –, ou ainda, a sua efetivação num espaço diverso
daquele que parecia ser a única possibilidade de realização – o da fábrica.
Informa o autor que a história era, para Marx, citando Marleau Ponty (2006,p.34),
uma possibilidade de realização humana de modo dialético. O homem entendê-la-ia como
uma realidade mutável, jamais fechada em si, uma totalidade aberta jamais fechada ao
humano.
Devemos entender bem os movimentos da história, fora da qual as mudanças não
se realizam porque ela não é feita de uma realidade externa “che utiliza l’uomo per realizzari i
propri fini, come si fosse una persona independente” (Ravelli, 2006, p.115)
Movimento que, pela razão de ir apenas numa direção, provoca uma aceleração da
História, que, configurando-se como uma criação do capital, se apresenta no confronto com o
sujeito como mercadoria que não sabe se deve conformar-se ao destino pensado pelo capital,
ou se deve rebelar-se, de modo que o confronto entre passividade e luta, heroísmo e
indiferença, revolução e positivismo, marque o século. Ravelli (Ravelli, 2006, p.119) considera
51
Tradução livre: Em um contexto, no qual aquilo que ainda não é, comanda sobre o que já está, e
praticamente o anula de legitimidade e valor. Não é mais o produtor, ou a massa dos homens em geral a decidir
sobre o produto, mas sim o produto a comandar o homem de amanhã, a decidir sobre sua sorte: este opera e
age no presente, sem todavia ter controle do futuro, do inteiro processo de desenvolvimento; usa das
possibilidades abertas pela realidade que, embora relacionadas com o desenvolvimento plural, permanece
distante da possiblidade de fazer História, a qual se solidifica num único evento.
cxii
102
cxiii
que, nascido nesse tempo, o comunismo é fruto de três grandes rupturas temporais: o primeiro
pós-guerra, a primeira revolução russa e o marxismo.
Os poemas a seguir demonstram como o poeta capta o avanço proposto pelo
modelo de desenvolvimento capitalista, mais usado no século dezenove, em direção à região
de onde escreve; como ocorrem os confrontos que pertencem à comunidade tradicional do
Araguaia e os que propõem a implantação do capital.
São dois os poemas: “Terra nossa, liberdade” (AR, p.192) centra-se mais na
questão política de distribuição “da terra”. “Beleza perfeita” (AR, p. 43), nos seus elementos
naturais, numa espécie de captação da beleza de um momento, como diz o próprio eu
poemático – Quero escrever a alma desta hora-. O primeiro dos textos encontra-se na
primeira parte da obra Antologia retirante (1971), e o outro, na quinta. Acredito ser, dentre o
conjunto dos escritos aqui tratados, o livro em que a palavra poética ganha maior teor
engajado e em que o elemento terra, na sua acepção de universo, é mais presente. Isso porque
muitos outros elementos são poetizados nesse textoe a maioria deles parte da terra: o homem,
a fauna, a flora, as cidades, etc. São, nesse caso, metonímias da terra,micro-universos.
cxiii
103
cxiv
Este poema inclui fatos internos dos quais o autor participa. Há, por força da
evocação, ou mesmo dos diálogos do eu lírico, provavelmente consigo mesmo, rasgos de
discurso direto, caso dos versos 4, 29, e 35. As entradas diretas dão-se no espaço vasto da
floresta e o barco donde contempla até a focalização na menina de mil sangues cruzados, que
lhe sorri, e na qual vê e percebe a América (Ásia, Europa, África) metaforizada.
É um texto rico em poeticidade, composto por três estrofes. A primeira delas
apresenta um espectador que observa uma paisagem exuberante e rica, as suas formas e cores,
as quais quer captar pela palavra. A visão é o principal sentido de percepção das coisas nesse
momento. Os elementos, qualificados, são expressos em cores, como nos versos 3, 4 e 5: -
creme, limão, canário/que acaba de pulsar entre meus olhos/bêbados de formosura... .
Ganham cor: as nuvens lassas dão ao rio quieto um tom de transida madrepérola, sol tíbio, e
movimentos que ocorrem porque a flora ganha atributos humanos, fia, arrasta: taboca
fiandeira, o sarã rasteiro chapinhando. São dois recursos que deixam claro que não se trata
de uma natureza morta, mas de seres que compõem um espaço cheio de vida.
No primeiro verso da segunda estrofe, somos surpreendidos com a construção o
barco pára, momento a partir do qual se verifica um corte no que vinha sendo dito. Só então
sabemos que o observador se encontra num barco. O foco deixa de ser a paisagem natural e
passa a ser uma cena, na qual se acrescenta a presença de pessoas: “mocinhas morenas à
margem do rio” (v.23), que mais tarde, na terceira estrofe, descobrimos ser uma
personificação da América, em sua povoação étnica de mil sangues cruzados (v.29). O barco
ou barca, símbolo da travessia, pode lembrar, nesse contexto, a passagem que fazem os
homens de continente para continente, ou, a própria vida: cruzamos ilhas, lagos, enseadas.
Para encerrar o poema, o autor, pelo viés da observação da natureza, retorna à
questão da escritura do texto, ou do mundo da escrita: Depois, entre as páginas do livro/ - a
palavra e margem paralelas – /uma inhuma de peitilho branco/alça vôo, inefável, desta
areia /eriçada de um verde calafrio... .
cxiv
104
cxv
Prostitutos cridos
da mãe comum,
seus malnascidos!
Malditas sejam
as cercas vossas,
as que vos cercam
por dentro,
gordos,
sós,
cxv
105
cxvi
Fechando-os
fora dos irmãos
e de Deus!
Malditas sejam
todas as cercas!
Malditas todas as
propriedade privadas
que nos privam
de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis,
amanhadas por umas poucas mãos
para ampararem cercas e bois
e fazer a Terra, escrava
e escravos os humanos!
cxvi
106
cxvii
“Terra Nossa, liberdade” tem seis estrofes com versos e métrica irregular nos
quais o poeta retrata não apenas a terra, mas os problemas sociais que decorrem da sua má
distribuição. Todavia, para dizer que esse não é o procedimento mais humanitário, o poeta
começa dizendo nas duas primeiras estrofes que a terra é de todos: “nossa”. É importante
ressaltar que se trata de uma posse, mas uma posse coletiva, como propõe Karl Marx e
Frederich Engels na obra Manuscritos econômicos e Filosóficos (2005). Assim, há uma
valorização desse pronome, repetido algumas vezes no decorrer do texto, e ainda as anáforas
que ocorrem nas duas primeiras estrofes pela repetição do verso “Esta é a terra nossa”, “a
terra dos homens”.
No curso da terceira estrofe há um outro movimento de repetição do pronome
pessoal ela. Pela figura denominada poliptoto, transforma-se em dela, nela e ela novamente,
tudo para evidenciar o contato, a proximidade do homem com a terra. Pela comparação, a
terra é tratada, do ponto de vista da produtividade e da maternidade, fecunda como uma
esposa mãe.
Também fica bastante latente a repetição do pronome que, usado nos versos 9,
11,13, e 15:
a Terra dos Homens
que caminham por ela,
pé descalço e pobre.
que nela nasce, dela,
como troncos de Espírito e da Carne.
que se enterram nela
como semeaduras
de Cinzas e de Espírito,
para fazê-la fecunda como uma esposa mãe.
Que se entregam a nela.
cxvii
107
cxviii
e com a enxada
e com verso...”
cxviii
108
cxix
endurecem o coração e a mente e são mantidos segregados, num tipo de sociedade que
impede a aproximação e o crescimento coletivo.
É interessante ressaltar que, na última estrofe, o termo “nossa” volta a aparecer,
reafirmando a idéia expressa no nome do poema, a de que na relação com a terra não cabe a
divisão entre os que a detêm por título e os que nela vivem.
Em síntese, o texto centra-se na antítese proprietário-trabalhador. Os substantivos
gordos, porcos, cevados, prostitutos são usados para se referirem aos que, pelo título, detêm a
terra, e os verbos caminham, nascem, entregam, enterram para indicar aqueles que a usam
como um bem natural, nela trabalhando e não a explorando, evidenciando a harmônica
convivência.
A anáfora provocada pela construção Malditas sejam todas, presente nos versos
primeiro, terceiro e sétimo da penúltima estrofe, marca o repúdio às dificuldades a que são
submetidos os homens. São frases que iniciam três períodos paralelos:
Malditas sejam
todas as cercas!
Malditas todas as
propriedades privadas
que nos privam
de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis,
amanhadas por umas poucas mãos
para ampararem cercas e bois
e fazer a Terra, escrava
e escravos os humanos!
cxix
109
cxx
52
Existem várias dezenas de línguas na região andina, sendo a dominante a Quechua-Kichwa falada no
Equador, Bolivia, Peru e no norte da Argentina e Chile. Atualmente, treze milhões de pessoas a falam em toda a
área andina. É a lingua oficial do Equador, do Peru e da Bolívia. O Aymara é também uma das línguas
dominantes na região do altiplano andino (Peru e Bolívia). Quanto aos Guaranis, povos que habitavam a
Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, tinham por língua dominante aquelas do tronco Tupi-Guarani, que
influenciou fortemente o Português brasileiro, e é falado por diversos tribus nos quatros países, tendo ganhado
estatuto de Língua Oficial. O mito Guarani da Terra Sem Males relaciona-se aàbusca de suas terras perdidas,
que, por ser interpretado por alguns indígenistas como uma busca utópica passou a não resultar em conquistas
reais, mas, a ser tratado como mito. Informção retirada do site: www. Wikipédia.com em 04-09-2007.
cxx
110
cxxi
A Gaia grega consiste num termo usado para se fazer referência ao planeta, não apenas ao
solo, mas também ao conjunto das coisas (animais, pantas, ecossistemas, seres humanos e não
humanos) que a compõem. Um gigante vivo que, ao se distender, funda o espaço e o tempo (à medida
que passa o tempo, o planeta se vai formando, ou, enquanto ele se forma evolui o tempo – não há
sucessividade, mas simultaneidade, o tempo está nas coisas e não fora delas). É a consciência disso
que faz com que os que sustentam o mito de Abiayala assim a definam, no entanto, o termo
diferentemente do grego, remete também a uma porção de terra, em sentido geográfico,
porque faz menção à América pré-colombiana, habitada por povos que tinham uma cultura
comum (hoje parcialmente conservada por povos que deles descendem), e que compunham
uma única fração dela. São marcas de territórios de diferentes nações, agora divididos (em
países), mas que carregam semelhanças culturais entre si.
Na prática, o sonho da Abiayala ou Pachamama se converteu na esperança de uma
unificação política na América Latina e do reconhecimento de que há, para além das civilizações Maia
e Inca, uma identidade cultural comum.
Há, nos dois sentidos, uma consciência de que a Terra é uma espécie de
mantenedora humana, uma vez que é fecunda, e remete, como já explicitado, a um sistema
cultural específico, mas esquecido pela cultura dominante atual, e, assim, o mito em torno de
si o alimenta e o traz para a luz. No poema, por lembrar fecundidade, os sentidos de terra e
mulher são análogos. A mulher, como aparece no poema “Beleza perfeita”, quando nativa da
América, é descrita com cabelos negros, é metáfora do continente. Dirigindo-se, nesse poema,
a uma mulher, o eu poemático diz: “Europa, Ásia, África/Oh! América.”
Opto, assim, pelo estudo de poemas que se detêm sobre o feminino a partir dos
vários modos pelos quais o poeta o personifica, a começar por “A prostituta” (AR, p.73) em
que a mulher, personagem poética em estado nativo, é captada pelo seu olhar num momento
banal, o que ele transforma em matéria de poesia:
53
Fragmento da entrevista realizada com o autor em setembro de 2005.
cxxi
111
cxxii
Será um relógio-pulseira
De um rico esportista bandeirante?
Será de um pobre, duro, caminhoneiro?
São imagens sinestésicas. O seu olhar direcionado para os detalhes faz com que o
leitor possa imaginá-la, imaginar as suas arredias ações.
A mulher é apresentada, gramaticalmente, por categorias nominais, sob o recurso
da sinédoque, pequenos detalhes de configuração do visual: o substantivo franja, em relação
ao cabelo, do modelo do corte utilizado; o forte lilás do vestido, a leve cicatriz, cruz de ouro
falso sobre o peito, liso cabelo de índia. E, ainda, o relógio-pulseira, sobre o qual se verifica
uma especulação acerca de quem o teria dado, antítese entre um rico esportista bandeirante
cxxii
112
cxxiii
ou de um pobre, duro caminhoneiro. Estas são figuras que revelam a idéia de que a terra em
que vive essa mulher é uma terra de passagem. A relação com o masculino é de comércio, no
sentido de prostuição e de tutela, isto é, o homem é aquele que possui o poder aquisitivo “Será
um relógio-pulseira /De um rico esportista bandeirante /Será de um pobre, duro, caminhoneiro”,
cabendo à mulher, ou o casamento, ou os trabalhos de baixa remuneração, ou ainda, a
prostituição. No caso da mulher representada, sua postura parece, aos olhos do eu lírico, uma
pessoa que está esperando por alguém que por ali passe, ou do retorno daqueles que a
presentearam.
Comparada por intertexto bíblico a Maria Madalena, os versos que lhe são
dedicados terminam com duas sentenças: a ribeira é mais tenra/que os vasos de arroz de
Quinta santa/E o rio é como um óleo, /Sob as muitas nuvens apeadas, os quais denotam a
abundante vitalidade da mulher.
O rio, comparado a um óleo, passa por ali, como passa a vida, sem interrupções,
característica que fica clara pela expressão sob as muitas nuvens apeadas. As nuvens são
duplamente qualificadas: muitas e apeadas, indicando que, apesar de possíveis adversidades,
tanto a mulher como o rio se alimentam delas, e seguem seu curso. O rio, aqui, sugere uma
dádiva, um óleo sagrado que unge e tranquiliza os que a ele se entregam.
A alusão do poeta ao feminino, como Morte, é perpassada pela idéia de
ressurreição e acompanhada da idéia de martírio. O martírio é presentificado quando os seus
textos são encomiásticos. Num dos seus livros, intitulado Me Llamaran subversivo (sem
referências), encontramos homenagem a pessoas como Evaristo Arns, Ernesto Cardenali,
Ernesto Che Guevara e muitos outros que, como revelam os versos, se a causa pela qual
lutaram permanece viva, vivem também. Essas pessoas são consideradas mártires. O martírio
consiste no sofrimento o qual as pessoas optam por viver, em sustento de uma fé ou de uma
causa. Para a Teologia da Libertação, à medida que a vida é dedicada a uma causa, a pessoa
pode ser considerada mártir, havendo, assim, muitos mártires vivos, a maioria dos quais,
anônimos.
A fronteira entre morte e vida é muito tênue, tanto para os que abraçam a luta
pelos empobrecidos54 como para estes. Na sua poesia, no entanto, morte é vida “eterna”, o que
não redime o homem de não ter lutado pela melhoria das condições de sobrevivência. Essas
idéias podem ser evidenciadas respectivamente no Hai-cai: “Me encuentro siempre/entre el
instante e la muerte” (FCV,1984, p.14), em que trabalha a proximidade da morte, colocando-
54
Pedro Casaldáliga estabelece uma diferença entre pobre e empobrecido: pobre é aquele desprovido material e
espiritualmente. Empobrecido é aquele de quem foi usurpado o que tinha.
cxxiii
113
cxxiv
se à disposição da vida (no sentido da luta pela melhoria da vida de uma comunidade, mesmo
que isso o ponha em perigo, e também, da vida como percurso fisiológico vivido pelo homem
– revela a consciência de que a morte é, diante da vida, possibilidade; em “La palma de tua
mano” (FCV, p. 90) faz referência ao aconchego e amor do pai (no caso, o Deus cristão):
tendo o sujeito do texto caminhado por toda a vida - dia-, descobre, ao chegar a noite, - morte-
, que caminhou todo o dia sobre la misma palma de tu Mano; No “Pequeña profesòn de
esperanza total. Cielos nuevos” (FCV, p.91), pensa, pela metáfora nueva tierra-rios, garzas,
hombres!, um reino material, no qual se daria o paraíso, resultante da superação da morte no
sentido de sofrimento e exploração. A superação é signum credibilitatis/dela nueva Creaciòn
e também de interrogaciòn, a garça comparada a uma vela de tantas orilas, manifesta pelo
trocadilho em mi Gracia/gracia, blanca, Creacòn, a possibilidade de paz e tranqüilidade,
noutras palavras, o mundo livre dos conflitos sociais geradores da morte está aí, posto pela
natureza. Natureza que também é apresentada como morta, quando se trata, por exemplo, das
queimadas, embora seja a sua vitalidade e “Gratuidad” (TE, p. 27) que encanta o poeta: No
sólo de el progreso el Hombre vive/vive también de Dios y de la Luna que, por intertexto com
a expressão bíblica não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus, manifesta
gratidão à Luna que curza el Araguaia, fazendo com que os olhos dos hijos do céu sejam
livres para cantar Su Nombre/y el Uni-verso.
Enfim, há muitos textos nos quais esse é o tema. Há, também, aqueles em que
essa discussão emerge da sua estrutura. Um deles é o soneto “¿dònde esta, oh muerte, /tu
victoria?” (SNP, 2000, p. 67):
cxxiv
114
cxxv
55
56
Poema apresentado apenas a título de ilustração do tema. O texto integral encontra-se no anexo 1 deste
trabalho.
cxxv
115
cxxvi
A vida marcada pela morte é justamente aquela pela qual o ser não vive
integralmente, sendo como que um condenado a não participar dos direitos fundamentais,
saúde, alimentação etc, uma situação que permanece por séculos, ainda que sejam cruzadas
islas, la sociedad, el tiempo. O ser já teria sido previamente condenado a isso, tal como se não
fosse “humano”. Carrega esse “destino”, conforme o segundo verso do poema, muerto el
amor y la tristeza viva.
Segundo Abbagnano (2000, p. 683), a morte pode ser vista por dois ângulos. No
primeiro, é considerada como falecimento natural; no segundo, na sua “relação específica
com a vida humana”. Se pensada como início ou como fim da existência humana, seria tida
como possibilidade. O conceito bíblico aproxima-a do pecado original, que teria fragilizado o
homem frente a doenças e, assim, limitado a sua vida. Este é um modo de pensar que,
segundo Abbagnano (Abbagnano 2000, p.684), será retomado por muitos filósofos, dentre os
quais Heidegger, que considerou a morte como “possibilidade existencial”, uma concepção
que é compartilhada pelo texto “¿dònde esta, oh muerte, /tu victoria? (SNP, p. 67).
Estabelece a estrita relação entre vida e morte: Grano en tu surco, de tu surco espiga, em
que, pela metáfora contida neste verso, remete, sobretudo, com os termos grano (semente,
gemem,fruto,gramínea) e surco (fenda, prega) e espiga (cachear, espigar) a uma diferença de
sentido: numa parte os verbos estão na segunda pessoa do singular (tu) – grana ,espiga, no
sentido de que a ação, a fazes tu espontaneamente, e, já pelo sentido, assume tom imperativo.
Num dado momento da vida surco (fenda) é gerada, no ser, a morte.
Há ainda, no conjunto da obra de Pedro, constante referência à ancestralidade
nativa - os mortos permaneceriam por seus costumes e ações-, a exemplo do poema “Colina”
(TE,1986 p. 87) em que há referência a pies Xavantes que um dia pisaram as terras onde está
localizada a colina descrita, e que, agora, embora ausentes, não foram vencidos pela morte,
continuam, por meio do testemunho de sua passagem, por parte de quem os vê, na colina,
vivos. Por fim, a referência ao Monte Carmelo, metáfora de morte criada pelo poeta
cxxvi
116
cxxvii
castelhano San Juan de la Cruz57, um dos poemas de Casaldáliga é intitulado Preguntas para
subir el Monte Carmelo (TE, p.31).
Vislumbra-se, no soneto, o ser feminino, do mesmo modo em que esse mesmo ser
é aludido sob a forma de mãe, chuva, morte, terra e igreja, metaforizadas de alguma maneira,
provavelmente porque referem-se à natureza (vida e morte) e à terra, como a mãe maior,
procriadora do mundo, que alimenta a existência e é multiplicadora da vida que vem
personificada em chuva, igreja, etc.
São textos ricos em conteúdo, expressos por uma linguagem bastante elaborada,
uso de anáforas, de paralelismo sintático, e por imagens fortes e propositivas. E, como já foi
evidenciado pelas análises, trata-se de uma compreensão histórica e dialética da existência
humana que, no caso brasileiro, apresenta a questão da mestiçagem, da má distribuição de
renda e da natureza idílica.
cxxvii
117
cxxviii
de pescar; depois, o peixe (em espanhol “pescado”) com sua estilizada gracia nadadora
(elegante e gracioso nadador), pies etiqueta (pés únicos, em tradução literal etiqueta, marca) e
el vientre tiene forma de corazón anclado (o ventre assemelha-se a um coração ancorado). Ancorados,
ali vivem homens e peixes; mesmo sendo o lugar espaço de “holocausto”, têm ambos os pés e o
coração fincados naquele lugar. Por outro lado, a metáfora pode estar aludindo ao fato de que,
sendo o peixe agora pescado, está entregue ao homem que nele tem seu alimento.
Apresenta em simultâneo, um recorte espacial e um alargamento desse espaço,
característica presente já no primeiro verso: Del outro lado es mas bonito aún, indicando que,
para existir o lado referido (o de lá), é necessário que seja estabelecida uma comparação entre
os lados. A expressão destacada é índice da apresentação de dois universos: o Araguaia como
espaço de tranqüilidade e convívio com a natureza (um local de aconchego, idílico,) e o
Araguaia participante do mundo (como um todo) que carrega, em si, conflitos, sejam eles
econômicos ou religiosos, e, no caso específico do “holocausto”, fazendo referência à
Segunda Guerra Mundial.
Enquanto, por um lado, são cantadas as belezas naturais – la lima de la luna (as
belas e polidas imagens) também, valorizado o homem caracterizado pela redundância dos
termos sábio, pescador, Campeón, el zagal victorios, como aquele que se relaciona com o
meio em que se encontra, por outro, aparece apenas a referência “holocausto”, que é
justamente o fator que une os dois mundos.
O peixe era o símbolo representativo dos judeus perseguidos e aniquilados.
Ocorre, assim, uma analogia em relação ao peixe (símbolo de uma cultura religiosa) que é
sacrificado, aqui, por todos, para sustentar o sertanejo. Trata-se de um sacrifício aceito.
Para Gaston Bachelard (2003, p.64), um espaço deve ser pensado como evocação
de muitos outros, sentidos e vividos. A casa é vista como o espaço do (mundo) conhecido no
qual o homem se forma. Para ele (2003, p.23), a idéia da casa como refúgio está muito
presente no homem, aludindo ao tratamento dado ao tema pelos poetas, “a palavra de um
poeta toca o ponto exato, abala as camadas profundas do nosso ser”. É o que parece
acontecer, quando Casaldáliga fala, de modo tão íntimo, ao Araguaia, transmitindo-nos uma
idéia de lugar vivido, de casa materna. Ao mencionar (em entrevista, concedida em 2005)
isso, diz:
cxxviii
118
cxxix
seja, eu tenho um poeminha que diz que quanto mais vamos mais
voltamos.58
58
Não foi possível identificar um poema que tenha exatamente esse verso. O poema “Irei até as fronteiras”,
publicado na página 11 de A Cuia de Gedeão, parece expressar essa mesma idéia.
cxxix
119
cxxx
De longe
toda montanha é azul.
De perto,
toda pessoa é humana.
O poema joga com a antítese perto-longe, colocando tais termos numa relação de
proximidade, elementos vistos sob um mesmo prisma – o do senso comum. É usada a
estrutura clássica da metáfora, a definição. Por considerar que, sob os olhos de um observador
desatento, toda montanha é azul, e que, a priori, toda a pessoa é humana, a repetição poderia
constituir-se como um pleonasmo. No entanto, isso não ocorre quando é feita a leitura dos
dois últimos versos. É justamente por aparecer sob formas paralelas que a construção anuncia
um resultado – a comparação, mas acaba por dar noutro – numa antítese.
Segundo Riffaterre (1973, p.222), quando o texto permite verificar a construção da
metáfora, temos “uma metáfora em movimento”, porque ela se configuraria em uma
transferência de sentidos já conclusa.
cxxx
120
cxxxi
cxxxi
121
cxxxii
A luta pela terra, a defesa dos povos nativos e dos posseiros é transfigurada num tipo
de poesia que reflete o forte apelo que sente ( e faz as demais pessoas) o eu lírico por esse
trabalho, o qual é não apenas individual, mas coletivo: enquanto, num grupo de textos, os
questionamentos interiores plasmam uma capacidade de sentir a dor do outro, esta será
transformada, noutro grupo, em convite àqueles que ainda não sentem a necessidade de
comprometimento com o mundo.
São textos que reproduzem, no nível da forma (com refrões e paralelismos), a
intensidade desse sentimento. Eis os textos: “SEDUZISTE-ME; SENHOR” (CM, p.35) e “Na
roda” (CG, p30):
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Desde que aprendi teu Nome
No balbucio de casa.
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
E queimei a mocidade
No fogo de tua espera.
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Em cada novo chamado
cxxxii
122
cxxxiii
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Até os limites do dia,
Até as fronteiras da morte.
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Em cada rosto do Pobre
A procura do teu Rosto.
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Numa luta desigual
Dominaste-me, Senhor
E foi tua a vitória
Seduzimo-nos, Senhor!
“Seduziste-me, Senhor
E eu me deixei seduzir”
Desde que aprendi teu Nome
No balbucio de casa.
Pelo fato de o título e os dois primeiros versos constituírem uma transcrição literal
de um versículo bíblico do Livro de Jeremias, nomeadamente o versículo sete do vigéssimo
capítulo, aparecem entre aspas. Repetido em todas as estrofes, um refrão influencia os
seguintes aspectos: a) constitui-se na temática central do texto, a tese que vai ser desenvolvida
ao longo do poema; b) reforça a idéia de sedução, materializa-a, pela insistência na audição do
chamado; c) determina o número de sílabas poéticas dos demais versos e favorece uma pausa
no final de cada verso e no final do refrão.A interposição alternada do refrão entre os versos e
a sua quebra é uma espécie de voz que lembra ao sujeito, a todo momento, o chamado, a
sedução que veio do Senhor. Esses aspectos ligam-se ao título da obra, Cantigas Menores,
metáfora usada por alusão bíblica aos profetas ditos “menores” no Primeiro Testamento ( e
cxxxiii
123
cxxxiv
também nos versos estudados) , no qual profeta é quem preconiza mudanças e, a exemplo de
Moisés, ajuda o povo a se organizar.
O refrão dá o mote para as demais repetições; a do terceiro verso da terceira
estrofe, em cada novo chamado, e a do terceiro verso da quinta estrofe, em cada rosto do
pobre. Essa última construção é uma outra forma de chamamento, uma metonímia, imagem
que atrai o eu lírico, impelindo-o a sair do seu interior, e partir para onde habitam outros
rostos, que dele necessitam. E, por fim, a ocorrência do mesmo fenômeno internamente, na
quarta estrofe, entre os dois últimos versos, até os limites do dia/até as fronteiras da morte.
A alternância entre os dois últimos versos e o estribilho permite verificar que a
relação Deus-homem é um valor explicito na manutenção de um ritmo marcado pela
exposição da proposta feita pelo primeiro agente nos dois primeiros versos e a resposta nos
dois úlitmos que, por força da entonação daqueles, livremente a segue, dando maior valor à
proximidade e tranqüilidade que ronda esse ser na sua relação com o Senhor. Há um
cruzamento de ações e características cujos resultados já estavam determinados pela estrutura.
A estrutura ajuda a ascender aos significados, porque, ao primeiro olhar, a camada
verbal do poema (adjetivos e substantivos) é mais definida em relação aos sentidos. Depois de
decodificados os vocábulos e a sintaxe, ocorre uma internalização textual que permite a inter-
relação dos planos lexical e estrutural e a estabilização dos elementos semânticos. Os versos
iniciais, então, permitem a evolução rítmica e sígnica do texto, ou seja, a recorrência de
palavras sinônimas têm correspondência no ritmo.
A repetição rítmica corresponde a um ir e voltar no sentido dos significados, a um
não situar-se em elementos específicos e, sim, a buscar o sentido do texto como um todo. O
uso constante do refrão em todos as estrofes faz com que os nomes tenham valor acentuado.
Como portador de variados significados, o poema guarda sempre um mistério como que
anunciando que não foi feito para ser traduzido
Os últimos versos de cada estrofe intensificam e exemplificam a forma como o
eu-lírico acolhe e tenta responder ao chamado que o interpela. Convite que aparece desde a
primeira estrofe, no balbucio do teu nome (último verso), até o momento da entrega, na última
estrofe: Seduzimo-nos, Senhor, /numa troca desigual/e foi nossa a vitória.
Os recursos formais são, em boa parte, oriundos da estética clássica, como a
métrica, o uso do refrão e a organização estrófica. Contudo, o tratamento dado à temática, a
ausência de rimas, a correspondência entre ritmo e conteúdo, os enjambements
(encavalgamentos), demonstram que o poema é de característica moderna.
cxxxiv
124
cxxxv
cxxxv
125
cxxxvi
contrastando com vida. No entanto, temos dia contrastando com morte. São elementos de
campos semânticos distintos, configurando-se, ao mesmo tempo, como comparação e
paradoxo. Comparação, porque pode haver relação de paridade entre limite, que vai significar
a fronteira entre o dia e a noite, o crepúsculo, momento de descanso, após o trabalho diário,
exigido de quem recebeu o chamado, e morte, da mesma forma, pode significar limite da vida.
Paradoxo por valorizar a oposição entre dia e noite reconhecendo-os como diferentes
momentos do existir. A narratividade poética amplia os sentidos do texto. Segundo Salvatore
D’Onofrio (2002, p.22), “todo poema é uma micro narrativa”, alguns, porém, apresentam
maior proximidade com esse gênero. No poema em estudo, para falar do chamado até à
vitória, o autor usa a gradação das idéias e acontecimentos, o que permite uma aproximação
com tal gênero, por meio dos verbos presentes no refrão: “Seduziste-me, Senhor -E eu me
deixei seduzir”, pois a ação de um dos interlocutores exige outras ações do eu lírico
interpelado: prendi, balbucio, espera, procura, seduzimo-nos, troca etc.
Há ainda a presença de dois personagens: um eu lírico e seu interlocutor – o
“Senhor”, que é quem conduz. Ao final, ambas as personagens, “eu” e ”tu”, se fundem em
“nós”. Esse recurso é denominado enálage, possivelmente indicando que os dois (suas vozes)
tiveram ao longo do “enredo”, o mesmo peso.
Há, evidentemente, um tempo que rege essa micro-narrativa. Inicialmente é
interno. Diz respeito a como ele, o ser interpelado, sente o mundo externo representado
através da noite e do dia, através das viagens, e do além-mar. Todavia, à medida que o espaço
e o tempo se ampliam, o tempo interior passa a exterior, o curso de uma vida, havendo uma
forte alusão a esses dois tipos de tempos, não uma morada em nenhum deles, mas, sim,
movimento, passagem (durante o curso do texto) de uma situação a outra, o que não altera o
propósito do eu lírico. Tal como o espaço, o tempo é passageiro, possui uma crescente
mobilidade no texto poético.
Deve-se considerar, também, a constante intertextualidade presente na obra
poética de Casaldáliga, a qual ocorre com textos diferentes entre si: a) o intertexto freqüente é
o bíblico, como foi dito pelo refrão, que retoma o chamado de Jeremias e a questão do
Espírito Santo nos dois últimos versos da segunda estrofe; b) com o conhecimento histórico e
geográfico do interlocutor de Casaldáliga (leitor de seus textos) de que há um mundo além-
fronteiras (em relação sempre as fronteiras européias) – superadas pela personagem poética;
c) com a Teologia da Libertação, movimento caracterizado pela práxis, reflexão que deve
gerar ação e vice-versa. Nesse sentido, depois de ouvir o chamado do Criador, o eu lírico
cxxxvi
126
cxxxvii
procura compreender em que situações da sua vida Deus se manifesta, como quando permite
que, no rosto do pobre, este eu o veja além das fronteiras do seu olhar.
A questão religiosa é tratada de forma moderna, pois o fato de o homem e Deus se
seduzirem, tornou-se somente aceitável a partir do último século (Marï & Hazasa 2000, p.
551), no qual o homem redescobriu o seu próprio valor diante Deus. Tal descoberta advém,
em grande parte, da Renascença, passando por Descartes e pela cultura positivista na qual o
homem coloca-se, mediante as suas possibilidade científicas, como criador. Nos momentos de
encontro entre a cultura ocidental e a americana, resvalou em novas culturas (continente) e
novos modos de entender o sagrado.
Aplicando-se ao texto a teoria da união homem-Deus, advinda da segunda fase da
Renascença espanhola (Marï & Hazasa 2000, p. 551), nota-se certa correspondência entre as
vias propostas pela teoria da poesia ascético-religiosa. Num primeiro momento, da primeira à
terceira estrofe, a Via Iluminativa; da quarta à quinta, a Via Purgativa, e na última estrofe, a
Via Unitiva. Contudo, esse caminho não seria protagonizado somente pelo “eu”, sujeito do
texto, mas pelo próprio mundo ocidental, na sua forma de compreender, estabelecendo uma
relação bilateral e vertical (de cima para baixo, do divino para o humano) com o divino, que
esteve no centro medieval, e o humano, em voga na Renascença. Na concepção do texto em
que a relação é horizontalizada, ambos estão no mesmo patamar, não há interferência entre os
planos, mas uma fusão deles – a Via Unitiva.
A Via Purgativa é, nesse sentido, o olhar do homem lançado a outras direções e a
percepção de que há um espaço maior que o seu pequeno mundo. Esse é o processo pelo qual,
segundo a Teologia da Libertação, devem passar os cristãos e a própria humanidade. Isso
deve fazer com que se acabem os medos que possam ter existido entre o Ser Superior e os
seres humanos, o que levaria, mais tarde (pensando na criação do mundo como obra de Deus
e que, sendo os homens seus filhos, seriam partícipes da criação), a uma redistribuição dos
bens naturais. Hilda Magalhães (2002, p.301) afirma que, para a Teologia da Libertação, essa
redefinição poderá dar-se, inclusive, pelo confronto físico.
Nessa direção, o texto passa, assim como toda a obra de Pedro, por uma
tematização do ser individual ao coletivo. Mikhail Bakhtin (apud D’Onofrio, 2002, p.21)
considera dialógicas ou ideológicas as obras que partem dos anseios de um grupo,
caracterizando-se pela não conformação ao pensamento dominante, dialogando com outros
modos de entender a vida, sendo, portanto, polifônicas:
cxxxvii
127
cxxxviii
“Expressões dos anseios de um grupo social que acredita nos valores humanos e
nas possibilidades de conhecimento da verdade bem como no triunfo do complexo de virtudes
que compõem a ideologia social”.
D’Onofrio (2002, p.21) afirma que, nessas obras, são comuns os usos de
oxímoros, paradoxos, irreverência e descrença nos valores éticos, religiosos e sociais, postos
pela sociedade vigente. È o que ocorre no poema que tratamos – uma desconstrução da forma
convencional de ver o mundo e a religião cristã, em função da construção de outras verdades,
através de metáforas que proporcionam abertura ao desconhecido e dá ao texto sentido de
coletividade. Sentido, que será aprofundado pelo estudo do poema NA RODA (CG, p30):
Na roda.
nesta roda viva,
se me das à mão
se eu ajunto o pé, se ele traz a voz,
se nos unimos
na dança, na marcha,
no grito, na luta...
a roda avança
a roda se firma
e, um dia, se impõe.
a roda do povo.
possibilitado pela referência à parte do corpo delas, cada uma com sua vocação e com
diferentes possibilidades de contribuir.
O mutirão poderá ocorrer na dança, na marcha/no grito, na luta. São duas
estrofes que sintetizam o poder de união consolidada -....a roda avança/ a roda se firma/e, um
dia, se impõe/a roda do povo. Não é qualquer união, mas a do povo.
O ritmo do poema é marcado pela continuidade e por leves pausas, no final de
cada verso, encerrados por vírgula, o que sugere uma roda, isso porque as paradas não muito
bruscas permitem que o ritmo cresça e decresça no decorrer do texto. Começa lento e vai se
intensificando da sétima à nona estrofe, diminui, outra vez, à medida que a roda do povo se
impõe.
Se pensarmos nas cirandas nordestinas, a roda em si já propõe esse tipo de ritmo.
E, como a cruz, constituem símbolos: as primeiras, da união manifesta na tradição popular:
rodas de viola, roda de samba, roda de tereré, e as brincadeiras de rodas que se ligam às
evocadas Cantigas de pé no chão, título da parte do livro em que está o poema, e a última, do
cristianismo. Isso nos remete ao que diz Otávio paz (133, p.1982), “antes de ser medida
vazia, o ritmo é inseparável de uma idéia concreta”.
A medida rítmica, junto a outros recursos de linguagem, permite que haja
valorização da pluralidade dos significados próprios da palavra poética. Assim, ao mesmo
tempo em que o pé é isto, pode ser também aquilo, a roda.
Nesse poema, como em outros de Casaldáliga ( por exemplo, em “Beleza
perfeita”, “Terra nossa, liberdade” e “Seduziste-me Senhor”, já estudados), o autor recorre ao
uso de construções sem subordinação entre termos. Em Se nos unimos /na dança, na
marcha/no grito, na luta..., por exemplo, o conjunto dos versos iniciado pela condicional
“se”, vai, como que deslizando para os demais, até terminar com as reticências. O mesmo
ocorre nos versos posteriores: “a roda avança /a roda se firma/ e, um dia, se impõe/a roda do
povo” que mantém sempre a estrutura, artigo-substantivo-verbo de ação. O fato de passar de
um verso a outro sem pausa longa, a curta extensão dos versos, o não uso de muitas
conjunções torna ágil a leitura do texto, dando impressão de que, após a entrada na roda, ao
assumir a causa coletiva, o ser não consegue mais sair dela, a luta o conduz.
Ë justamente essa idéia de luta contínua que permeia toda a obra de Pedro
Casaldáliga. Idéia de continuidade que se resolve, ao mesmo tempo, no plano da forma e no
do conteúdo. No que se refere à forma, apresenta tendência para a parataxe, fenômeno que,
para Castro (1997, p.11), tem por si só, caráter poético, e transgride a propensão normal da
Língua Portuguesa – a hipotaxe, possuindo “força renovadora no tecido poético da língua.”
cxxxix
cxl
129
Segundo o autor,
Além da parataxe, há ainda o uso das metáforas absolutas (aquelas que não
parecem ser comparativas, mas qualificadoras, como Mãe África e Pachamama, para designar
respectivamente África e América Latina, meios de expressão que estão mais presentes na
obra de Pedro, quando a sua poética incorpora termos locais, próprios das regiões do Araguaia
e da América Latina.
Mas, mesmo havendo uso desse tipo de metáforas e, constantemente, como já
evidenciado nas análises anteriores, de recorrência, foi possível perceber que, em muitos dos
poemas estudados, como é o caso de “Terra Nossa, Liberdade”, a maioria das construções
concorrem de modo acentuado para a significação do texto, o que valoriza o seu papel na
frase.
Nessa direção, rejeita (ou faz pouco uso dela) a subordinação, em termos
lingüísticos, do mesmo modo que o faz no que se refere à sociedade. Em “Na roda”, rejeita a
idéia de individualismo, formando, no plano do discurso, a corrente que, de modo circular e
igualitário, faz surgir a roda do povo. Além de termos de considerar essa condensação e
economia de palavras também temos de ter em conta o estilo do autor: um modo imposto no
ocidente do poetar - que culminou nos concretistas-, de que o poema, para ser bom, não deve
ter nada sobrando.
O fato de o poema ser encerrado com o vocábulo povo abre diversas
possibilidades de significação, podendo ser: a) pensar que o conjunto de pessoas (os pobres e
excluídos), geralmente chamado de povo, deva integrar-se à roda, nesse caso, metáfora de
sociedade; b) que a roda é a luta de um grupo que estaria à parte; c) por fim, como já dito,
marca a já analisada estrutura circular do texto.
Se tomarmos roda como metáfora da luta do povo, perceberemos que os seus
textos dialogam com a pintura de Cerezo Barredo59, de quem apresento um dos quadros, o
qual considero que, além de uma fidelidade na retratação plástica e estilização de
59
Cerezo é espanhol, nascido em 1932. Já pintou em diversos países, muitos da América Latina, e mais da
América Central. E ainda, na África e nos Estados Unidos. Lecionou Belas Artes em Madri, Roma e na
Universidade de Salamanca (CASALDÄLIGA, 2005, p.75).
cxl
130
cxli
60
É um livro no qual há também textos de Casaldáliga escritos para acompanharem as imagens, os quais o autor
chamou pés poéticos.
cxli
131
cxlii
Pierce, representar é “estar para”, quer dizer, algo está numa relação tal com o outro que, para
certos propósitos, é tratado como tal. Os conceitos de signo e de representação são similares,
geralmente tratados como sinônimos pelo autor. Daí a razão de Pierce ter introduzido,
segundo Santaella e Nöth (1980, p.18) o conceito de representamem, ação de representar.
Em Filosofia da caixa preta, Vilém Fussém (2002, p.10), explicita as relações
entre imagem e imaginação:
61
Há uma variedade de tipos de cruz, sendo que muitos deles se assemelham a um círculo, algumas apresentam dois
braços, outras seis. Como eram muitas, foram usadas para diferenciar os membros da hierarquia católica e para
determinar o projeto arquitetônico das igrejas que desenham uma cruz onde posicionam-se os fiéis. A catedral em que se
cxlii
132
cxliii
tem grande significado para as mais diversas civilizações. Tendo passado ao cristianismo
como uma alegoria, ao mesmo tempo do sofrimento e da vitória de Cristo, tornou-se, para
ele, um de seus mais importantes símbolos. Como informa Chevallier (1974, p.309):
Para todos os pontos cardeais, a cruz é em primeiro lugar a base de todos os
símbolos de orientação, nos diversos níveis da existência do homem. A
orientação total do homem exige um triplo acordo: a orientação do sujeito
animal em relação a ele mesmo; a orientação espacial em relação aos pontos
cardeais terrestres; e finalmente, a orientação em relação aos pontos cardeais
celestes.
encontra o afresco estudado tem formas arredondadas, é talhada em madeira e os pilares que a sustentam assemelham-se a
troncos de árvore.
cxliii
cxliv
133
principal, ligando o signo ao que ele representa, isso é, destacando por este plano principal a
mensagem. A isso Santaella (2001, p.148) chama “figura como convenção: a codificação”.
O livro Murais da Libertação traz os seguintes recortes do Mural A páscoa de
Cristo e a páscoa do povo (imagem 1):
Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6
cxliv
134
cxlv
...estou lutando pela terra para, pela terra habitat. Eu estou defendendo a
casa, pela família que habita nessa casa. Não a casa pela casa. Eu não estou
defendendo a casa arqueologicamente, eu a estou defendendo porque foi
moradia de um povo, porque passou uma história humana por lá e não
simplesmente porque é uma construção e ficou aí. Mesmo uma construção
feita no século XIII e largada tem um valor humano de construção...
...Interessa muito mais o povo da Amazônia em si. Interessa a Amazônia,
sobretudo como habitat da humanidade, do povo amazonida...
Considerando que Bachelard (2003, p.61) entende o espaço do conhecido como casa,
ela seria, nesse contexto, formadora do homem. Idéia confirmada quando da leitura e análise
de um conjunto de textos de Pedro Casaldáliga. Uma boa parte deles apresenta metáforas
relacionadas à questão do local, como, por exemplo, os títulos de algumas das partes dos seus
livros Geografia decorada, El vuelo del Quetzal62, Espiritualidad en Centroamérica (livro
cuja temática é a espiritualidade nicaragüense), e dos poemas: “Campesina”, “Señora de la
ciudad”, “Romance guadalupano”, “Nossas vidas são o Araguaia”, entre outros, que remetem
a lugares tanto no título como no corpo do texto.
São, então, textos poéticos que lidam sempre com espaço interno e externo, o local e o
universal, acordando no leitor de poesia, o desejo de estabelecer até onde vai o verossímil.
Por transitar do próximo ao geral, o poeta passa pelo diálogo, entre vários modos de vida
e sociedade, o nativo e o ocidental (cristão), o moderno e o primitivo, o capitalista e o comunista, o
individual e o comunitário, fato que o faz estar em constante intertexto. Ë justamente essa propensão
para uma vertente dialógica que revela na sua obra.
Em Problemas na poética de Dostoievski, Bakhtin (1981, p.10) postula que o papel da
obra polifônica ou dialógica é criar, de variados materiais, uma obra de arte una e íntegra. A sua
62
O Quetzal é uma ave da Amazônia, cujas penas lhes eram retiradas pelos povos indígenas (locais) para
ornamentação, e que, por esse fato a ave está à beira da extinção, sendo das mais raras da Amazônia. O título da
obra é sugestivo dessa raridade e dessa espiritualidade, como se a sua ausência fosse sentida em espírito, uma
vez que material e fisicamente a ave quase não se encontra presente.
cxlv
135
cxlvi
principal função é a afirmação do eu do outro como sujeito e como objeto sobre o qual reflete. Esse
sujeito, que é o objeto sobre o qual se debruça o poeta, não se subordina ao estilo e tom pessoal, mas
influencia na criação de um texto multifacetado, povoado por muitas individualidades. Propicia a
criação de obras poliestilísticas, ou, no entender do autor (1981, p.15), por apresentar tantos estilos,
poderiam ser consideradas sem estilo, sendo que, pela comparação do princípio composicional e
multiplicação de centros de consciências, chega a ser polifonia. O princípio dessas composições (1981,
p.09) é a “subordinação dos elementos diametralmente opostos à unidade do plano filosófico” duma
obra, projeto que creio existir no caso da obra de Pedro – a retratação e valorização do “homem”, tanto
do ponto de vista dos espaços que ocupa, como do modo como lida com o tempo. Nesse sentido, ele
considera que o poeta não cria idéias do mesmo modo que os filósofos. Cria imagens de idéias vivas
ou ocultas, que são fortalecidas quando colocadas em diálogo. Capta as relações entre elas.
O termo “polifonia” foi, segundo o autor (1981, p.13) importado da música, por
Leonid Gossman, que o aplicou à obra do russo Dostoievski – o mesmo princípio da mistura
de arranjos que já fora denominado por estudiosos dessa arte “polifônica”, de modo que,
passando pela unificação das matérias heterogêneas se chega à chave da polifonia.
Assim, baseando-me em Bakhtin, penso que a voz que emerge dos textos poéticos
de Pedro Casadáliga, não é uníssona, mas polifônica, porque o eu lírico, quando coletivo,
representa o povo do Araguaia, o sertanejo, o Karajá e o Tapirapé. São vozes que o poeta
conjuga e representa pela própria voz, ainda assim, continuam sendo vozes de outros. Em
alguns casos são constituídas por forças, como o ideal marxista, o cristão católico, o
existencialista, mitos locais e descobertas freudianas, que pareciam carregar inseparáveis
abismos entre si. Além disso, a necessidade de reunir muitos eus – ecológico, religioso e
místico, social, mítico (parecendo querer dar num ser integral) –, possibilita que existam, em
seus textos, a reunião desses diferentes corpos filosóficos.
Foi nessa perspectiva, que o vi como, além de um poeta militante e um Teológo
da Libertação, interlocutor de pensadores latino-americanos que, como exposto no capítulo
primeiro, primaram pela diversidade. Sua voz se soma a tantas que intentaram e ainda
intentam criar um pensamento que responda às especificidades do continente americano.
cxlvi
cxlvii
CONSIDERAÇÃOES FINAIS
Desde o início da pesquisa, uma das coisas que mais me inquietaram foi a
necessidade de descobrir como desligar-me da figura emblemática que é Pedro Casaldáliga e
adentrar seus versos; isso porque, sendo ele muito conhecido por sua atuação social e
religiosa, os elementos externos poderiam vir a influenciar o estudo, que objetivou, em
primeira mão, fazer o movimento de depreender do texto a temática e o estilo do autor, e o
exercício de revelar o que há de poético em sua obra. Inquietação que me acompanha sempre,
porque não são raros os momentos em que me deparo com o desejo de colocar em primeiro
plano, em detrimento de sua poesia, o homem engajado que é Pedro.
Não há um descolamento entre a vida e a obra de Pedro. Há, sim, na segunda, para
além do que sua história pode nos dizer, um intenso jogo metafórico.
De fato, foram as metáforas fogo, cinza, vento e as constantes referências aos
pronomes eu e nós, um indicativo de individualidade, outro de coletividade, que primeiro se
insinuaram como possível resposta à pergunta: que elementos caracterizam a poesia desse
padre-poeta?
Seria sua poesia simplesmente instrumento (no sentido de panfletagem) de sua
luta social, ou seu engajamento residiria na manifestação profunda dos “eus” e dos “nós”
(como plural de “nó”) que povoam seus textos? “Eus” que, marcados pela retirada da terra a
que são teluricamente ligados, mantinham, como diria um de nossos ditos populares, “nós” na
garganta, agora liberados pela voz do poeta.
Insistentemente plural, sua poesia colocava-se para mim como possibilidade de
conhecer o homem contido nesse conjunto de seres (os “eus”) que é o Araguaia e também de
perceber como, por meio de imagens, poetiza sua fauna e sua flora.
Mais uma pergunta surgia: que elementos revelam o homem? Pensando em que
categorias poderiam ser, ao mesmo tempo literárias e humanas (no sentido de social), cheguei
ao espaço e ao tempo, que se colocavam como fatores inerentes ao ser humano. Pensei,
primeiro, no espaço geográfico e no tempo histórico; depois, mediante algumas leituras e a
tentativa de descoberta do significado simbólico dos termos cinza, vento, e águas, percebi
como o tempo e espaço iam se fazendo como categorias internas a cada indivíduo e como os
vocábulos referidos lembram ao mesmo tempo sua resistência, sua luta, seus sentimentos
interiores.
cxlvii
137
cxlviii
Nesse sentido, fica clara a opção feita por ele de sair em busca de temas que
emerjam de uma experiência coletiva. São manifestações disso as inúmeras cantigas
dedicadas à lua, ao rio, e à terra, que dizem da natureza de cada uma dessas coisas e de como
as sente. Segundo atesta a introdução que faz aos livros - Cantigas Menores, “essas cantigas,
eu as recolhi rodando de ônibus por estas estradas, ouvindo falar o Povo, sentindo a Terra e,
um pouco, o Céu”; à Cuia de Gedeão, “este livro recolhe vozes, silêncios, gestos, lugares,
imagens, ansiedades noturnas e noturnas esperanças de minorias gedeônicas, espalhadas no
meio de nosso povo”; à Antologia Retirante, “quero que minha poesia seja retirante como é
esse povo” (1978; p.13) Coloca-se como retirante de um mundo que deixa à parte a maioria
dos homens; de uma “certa igreja” que pactua com isso; no Brasil que, segundo ele, escolheu
por pátria, onde é retirante, mas não estrangeiro, “porque Homem algum é estrangeiro na
Terra dos homens”.
Sou também, naturalmente retirante, retirante da poesia hermética, da
Palavra narcisista, da Ópera aristocrática dos que se negam a profanar-em-
serviço-fraterno os implutos braços de sua lira. Dos que cantam apenas
Canção e não cantam a Vida, o Dia e a Noite, o pranto da Terra, a luta do
Povo, a Esperança do Homem, a no da Boa Nova do Senhor. “Antologia
Retirante (1978; p. 13)”
cxlviii
138
cxlix
Isso posto, seguimos as orientação de Cândido e Alonso que nos coloca, um que a
obra literária revela o “mundo”, mas que é, também, em si mesma um universo. Outro que,
para chegar à poesia, é preciso atravessar o curso das palavras. Dessa forma, fomos às
palavras porque, segundo Alonso (1965, p.25) “Las palabras, además de significar, sugieren,
gracias a complicados juegos de asociaciones implícitas. Las palabras pues, tienen sus leyes
propias: leyes de significación de sugerencia y de construcción”.
E é nisso que resultou o estudo, uma abordagem sócio-estilítica da poética de
Pedro Casaldáliga Plá. Abordagem essa que considerou a crença no homem, ato de esperança
e de luta-vigília. O corpo do trabalho é claramente um olhar primeiro sobre a sua obra e,
depois e, ao mesmo tempo, o seu comprometimento com a causa social coletiva. Na medida
em que o estilo do texto exigiu, fui buscando os elementos externos indicados por Cândido e
os exigidos por teorias do tempo e do espaço, para aprofundar o estudo feito.
cxlix
cl
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Vários, Autores. Métodos críticos para análise literária. Trad. Olinda Maria Rodrigues Prata.
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cliv
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ANEXO I
clv
145
clvi
estão naquela terra), índios (parte na qual fala de todas as nações que habitam a região, dos
programas da Fundação Nacional do Indio e da Missão Salesiana, incluindo o papel do
Vaticano), peões (na qual descreve a situação em que se encontram os funcionários das
fazendas, que, tratados como escravos, são trazidos em caminhões de outras regiões do país
para trabalhar em regime de escravidão, muitos dos quais para pagar a viagem), política local
( em que fala da prática de troca de favores e das baixas condições de sobrevivência
existentes).
Sua atuação explicita o esforço por ajudar a população e por retirar o que então
era chamado “prática da desobriga” – cada vez que um padre ia a uma região batizar e realizar
todos os demais sacramentos, para, oficialmente, tornar a todos cristãos”. Casaldáliga opõe-se
a isso, a favor de uma conversão voluntária. De fato, essa carta tornou os seus livros mais
lidos, provocando a fúria do governo militar, o qual, segundo Francesc Escribano (1999, p.
16), quis mandá-lo de volta para o seu país, tendo sido necessário que o então papa Paulo VI
mandasse um comunicado ao governo do país dizendo-lhes que “quem mexe com Pedro mexe
com Paulo”.
Foi alvo de muitas ameaças de morte. A mais grave, em 12 de outubro de 1976,
ocorreu no povoado de Ribeirão Bonito (Mato Grosso). Ao ser informado de que duas
mulheres estavam sendo torturadas na delegacia local, dirigiu-se até lá em companhia do
padre jesuíta João Bosco Penido Burnier. Após intensa discussão com os policiais, padre
Burnier ameaçou denunciá-los às autoridades, sendo em seguida agredido. Posteriormente, os
policiais pensaram em agredir o bispo, e atigiram o padre com bala na nuca.
Talvez em função disso tenha se tornado mais conhecido pela sua luta humanitária
que pela sua poesia, uma vez que, nesse tempo, os textos que mais se destacaram em terras
brasileiras foram suas cartas pastorais, entrevistas a jornais e revistas e, ainda, as letras das
cantigas feitas para a Missa dos Quilombos. Dos dezenove livros de poesias que publicou, a
maioria nas décadas de 70 e 80, e noutros países, com destaque para a Espanha, somente três
foram publicados no Brasil, nomeadamente Antologia retirante (1978), Cantigas menores,
(1979) e A cuia de Gedeão : poemas e autos sacramentais sertanejos (1982). Após 1985, os
livros começaram a ser publicados, simultaneamente, no Brasil e na Espanha.
Sempre defendeu uma reforma da Igreja, tendo participado do pós-concílio
Vaticano II (1965), junto a um grupo de religiosos, entre os quais Cerezo Barredo, que
pressionaram a congressão dos Missionários Claretianos a abrirem novas missões na América
e na África, movimento que resultou, de fato, na abertura de novas casas e na sua vinda para o
Brasil.
clvi
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Como poeta e escritor, publicou muitos livros (cartas pastorais, ensaios, tratados
sobre espiritualidade, discos e vídeos e livros de poesias) sempre com o perfil da Teologia da
Libertação.
Em 2000 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelas universidades Estadual
de Campinas (UNICAMP), e pela Federal de Mato Grosso(UFMT). Ao título recebido pela
universidade de Campinas quis chamar passionis Causa. Justificando essa nomenclatura diz:
(...) devo traduzi-lo como passionis causa, deixando de lado o honor. Uma
paixão escandalosamente desatualizada, nesta hora de pragmatismos, de
produtividade, de mercantilismo total, de pós-modernidade escarmentada.
Mas que é, com outra palavra, a paixão da Esperança; e, em cristão, a paixão
pelo Reino que é a paixão de Deus e de seu Cristo. Uma paixão que, em
primeira e última instâncias, coincide com a melhor paixão da própria
Humanidade, quando ela se quer plenamente humana, autenticamente viva e
definitivamente feliz.
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63
Serão relacionados aqui somente os livros de poesia, a maioria, dos quais tematizam o Brasil, mas
foram publicados na Espanha. Os negritados são aqueles que já foram lidos na integra. Quanto aos demais
gêneros que compõem o conjunto da obra do poeta, sendo o interesse conhecer seus ideais e trajetória é
importante sua leitura Creio na Justiça e na esperança (que é um diário de viagem) Escravidão e feudalismo no
nordeste de Mato Grosso, e Carta a Juan Pablo II , Crônicas de mi viaje a Roma por Ms. Casaldáliga,
Democracia religião e diálogo, Questão agrária:uma questão política, Espiritualidad de la liberaciòn,
Democracia e religião:diálogo com Daniel Ortega, Declaração de amor a revolução total de Cuba, Ameríndia
morte e vida (parceria com Pedro Tierra), La interpretaciòn de las Iglesias latinoamericana e la Europa pós-
moderna y las Iglesias européias, Conversaciòn com Pedro Beijamin. E ainda os filmes Menina do Araguaia e
Anel de Tucum para os quais escreveu o roteiro. A maioria desses livros foram publicados em Esponhol e em
Português, alguns traduzidos para o Inglês e o Italiano. De outros autores: Pedro de los Pobres da polonesa
Zofia Marzec, Descalço sobre a terra vermelha, de Francese Escribano, a tese da pesquisadora Águeda
Aparecida da Cruz Borges que faz análise discursiva dos textos jornalísticos que comentaram a carta pastoral
Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e marginalização social, e o artigo que resulta de trabalho
de iniciação cientifica de André Luiz Rauber (1998), publicado na edição 1 da Revista Panorâmica, do Instituto
de Ciências e Letras do Médio Araguaia. Por fim, a crítica de Hilda Gomes Dutra Magalhães em História da
Literatura de Mato Grosso (2001) e Literatura e poder em Mato Grosso (2003).
64
Cerezo Barredo é missionário claretiano, assim como Casaldáliga, e artista plástico. Suas pinturas relacionam-
se à Teologia da Libertação.
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ANEXO I I
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Professora da Rede pública Municipal de Barra do Garças/MT e mestranda em Estudos Literários e Culturais
do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem/IL/UFMT, em Cuiabá. O conteúdo dessa entrevista
faz parte da minha dissertação de mestrado, iniciada em 2004, que tem como objeto a obra poética de D.Pedro,
estudada na perspectiva crítica sócio-estilística.
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significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição estrutural
tornando-se, portanto, interno.
Seu texto mais conhecido é a carta pastoral Uma Igreja da Amazônia em conflito
com o latifúndio e marginalização social (1970), que tem 122 páginas dedicadas a demonstrar
minuciosamente as relações de poder na região, a distribuição das terras e as precárias
condições de vida dessas comunidades. Mas a sua obra poética, extensa, ainda não foi
totalmente catalogada pela crítica. Dos livros de poesia podemos relacionar, em ordem
decrescente:
A) Publicações feitas a partir da década de 80: 1)Orações da caminhada
(2005)- textos que misturam poesia e oração, ou, são orações em forma de poesia; 2)Murais
da libertação - coletânea de textos sobre os afrescos que há nas igrejas da prelazia de autoria
de Cereso Barredo, e que foram denominados pelo próprio autor de “pés poéticos”; 3) Sonetos
neobiblícos precisamente (2000) - um conjunto de 25 sonetos, no qual parece haver uma
síntese das duas principais temáticas da obra deste autor, religião e política; 4) El Vuevlo Del
Quetzal - misto de tratado sobre espiritualidade e poesia, retrata a espiritualidade da América
Central; (1988); 5) El tiempo e la espera (1986) - traz reflexões sobre mudança e
transformação históricas, além de demonstrar atenção aos elementos do cotidiano; 6) Fuego e
cenyza al viento (1984) - apresenta textos de temática social, que, observados por um eu
individual canta os pequenos acontecimentos da vida, como “o pacu”, “as bananas” etc; 7)
Cantares de la entera libertad ( 1984) - escritos que referem à Nicarágua, louvando as lutas e
peculiaridades do povo daquele país; 8) A Cuia de Gedeão (1982) - de caráter
acentuadamente militante, apresenta maior preocupação com o ritmo e com as demais
características formais; 9) Águas do tempo (1980) - é um misto de antologia e de poemas
inéditos, ocupa-se sobretudo dos elementos naturais que caracterizam a marcação temporal,
como a lua, a chegada da águas (chuvas) e ações como a construção das barragens, que
testemunham as transformações históricas.
B) Textos publicados de 1970 a 1955: 10) Cantigas Menores (1979) - é uma
coletânea de textos que, conforme o próprio autor relata, foram recolhidos “rondando de
ônibus por essas estradas, ouvindo falar o povo falado, sentindo a Terra e, um pouco, o céu”.
Os poemas apresentam um espécie de captação de acontecimentos e paisagens, as quais
metaforizam as relações sociais; 11) Antologia Retirante (1978) - recolhe os textos de
temática mais acentuadamente social. 12) Tierra Nuestra Liberdad (1971) - versão argentina
de Antologia Retirante, tendo sido publicado primeiro naquele país; 13) Clamor elemental
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(1971) - apresenta de modo reflexivo os clamores dos seres humanos e dos elementos da
natureza diante da exploração que sofre a terra; 14) Palabra Ungida (1955) -leitura social do
Evangelho que apresenta, em relação aos demais textos, um nível menor de engajamento.
C) Textos sem nota de editoração: 15) Llena de Dios (SND) - Antologia Mariana
que reúne diversos textos já publicados em outras obras e que louvam a Virgem Maria; 15)
Me llamaram subversivo (SNE) – livro de homenagens, traz a público, em forma de antologia,
todos os textos escritos para amigos e pessoas que admira, pessoas que em algum momento
foram consideradas subversivas, entre eles, Che Guevara, San Juan de La Cruz, Leonardo
Boff, Augusto Cesar Sandine.
Como foi visto, as temáticas mais freqüentes em seus escritos são a terra, as
questões sociais e econômicas segundo algumas categorias marxistas. Permeando todas elas, a
religiosidade, manifestada de muitas formas, por exemplo, em idéias de espera, como em
“Salmos de vigília”, tranqüilidade e aconchego, como em”Canto Llano”, temporalidade, em
“Las Águas Del Tienpo”, humanidade, em “Creaturas hermanas”. Ressalto que as expressões
entre aspas são títulos que nomeiam partes dos seus livros, todos eles geralmente divididos em
cinco ou seis.
Em nível estrutural sua obra apresenta formas fixas, o hai-cai, composição
japonesa de dezessete versos, que sintetiza um vasto conteúdo, e sonetos, de catorze versos,
divididos em dois quartetos e dois tercetos, e poemas irregulares. Os poemas de forma fixa
são denominados, em sua maioria, como tal, “Sonetos” ou “Hai-cais”. Os de forma irregular
apresentam títulos temáticos.
Trata o geral, que é o homem, a partir do local, expresso pela geografia, uma vez
que suas imagens naturais remontam a região do Araguaia. Contudo, mais que elementos
telúricos, ele apresenta a terra do ponto de vista social. Como afirma Hilda Magalhães
(2002:65) em Literatura e Poder em Mato Grosso é uma voz “melodiosa”, evidenciando as
relações de poder existentes na região.
Observar se o que foi depreendido da obra é confirmado ou não pelo autor, se ele
aponta outros caminhos, é rico processo de aprendizagem. Nesse sentido, a fala de
Casaldáliga demonstra a mesma intenção de valorização da humanidade que percebemos em
seus escritos poéticos. Daí a valorização da arte e de tudo que entende valorizar a vida:
valores cristãos e filosofias que perpassaram o século em que vive. Apresenta valores
estéticos e humanos. Estéticos porque, ao longo do texto, reflete sobre sua própria escrita
poética; humanos por engajar-se nas lutas do povo.
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Assim diz das coisas cotidianas e macro-estruturais com a mesma intensidade com
que escreve. Conhece o ambiente de onde fala, e, ao mesmo tempo, vê os seres e paisagens
por eles cantados. Tudo isso nos faz refletir e nos colocar, de modo melhor articulado, diante
de sua poesia, intensa e sensível.
A ENTREVISTA
ML - Pelo fato de sua poesia, no conjunto, retratar com bastante propriedade a região do
Araguaia e considerar o povo como uma espécie de herói “épico”, há nela uma proximidade
com o que hoje os críticos têm chamado de prosa poética?
PEDRO - Eu acho que é poesia. A prosa pode ser prosa poética, mas não ser necessariamente
poesia. Poesia supõe sempre uma tal intensidade e emoção, que suprime tudo que poderia ser
meio supérfluo, que deixa sempre um âmbito para um mistério, para uma interpretação, para a
procura. Numa prosa poética eu posso falar muito normalmente, numa poesia, geralmente
poesia, eu falaria mais “cientificamente” (com mais cuidado). Um texto em que se vai ver isso
é “Dizer Teu nome Maria”, publicado em Orações da caminhada (p. 55) Dizer teu nome,
Maria,/ É dizer que a pobreza cumpre aos olhares de Deus./Dizer teu nome Maria/É dizer
que a promessa vem com leite de mulher.Uma prosa poética diria: “dizer teu nome Maria é
dizer que a promessa de Deus de uma aliança que através de: (cita exemplos) uma mulher...
nascido de uma mulher...”. Aqui, não. Aqui diz resumidamente “vem com leite de mulher...”.
É sempre mais condensada, mais explicitada, mais intensamente misteriosa, a palavra poética.
Ë poesia. Agora tem muita poesia hoje que não é rítmica, não é rimada. Mas é poesia.
ML - Percebo em seus textos a presença de poemas mais longos e poemas pequenos, mais
sintéticos, como os hai-cais, de origem japonesa. Gostaria que falasse sobre esses últimos.
PEDRO - Eles viabilizam um pensamento (poesia) bastante forte. Eu tenho um deles, por
exemplo, que diz: Esta é a nossa alternativa,/Vivos ou ressuscitados! Se me perguntar o que
significa isso, eu vou ter que explicar: alternativa para minha fé, que acredito na ressurreição.
Estar vivo ou estar já ressuscitado são caminhos ou possibilidades. Isso em poesia cabe em
66
Resposta ao Editor livro Águas do tempo de sua autoria, o qual compõe a coleção autores mato-grossenses,
para a pergunta: o que representa a poesia para você?
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coisa que não é premeditado. Soa instintivo ao ouvido, às vezes gera a concisão, para não
repetir. Instintivamente. Instintivamente, a partir de um sentido.
ML – Pensando no conceito de verossimilhança é possível delimitar até onde vai a realidade e
o que é literatura, no sentido do que seja fictício?
PEDRO - Olha isso é impossível na literatura e na vida. Freud e seus companheiros
discípulos, fiéis e infiéis, nos recordam que é muito difícil delimitar a realidade da fantasia, do
sonho. Nós andamos acordados, sonhando. Agora, é evidente que uma sensibilidade artística
em geral ainda mistura mais o sonho e a realidade, a fantasia a realidade.
ML – O senhor considera que tenha recebido, em sua poesia, maior influência clássica ou
popular?
PEDRO - Olha você sabe, na vida religiosa no meu tempo de seminarista, o clássico (nestes
estudos incluem-se as literaturas grega e Latina) felizmente pesava muito. Pesou bem, graças
a Deus. A literatura clássica espanhola era lida, meditada, trabalhada.Tenho estudado
literatura grega ou latina mas, depois eu considero que me tenha influenciado muito os poetas
modernos. Nem precisamente modernistas. Por exemplo, em termos castelhanos, Antônio
Machado é um dos poetas que eu venero, mas tem outros poetas que têm influenciado
também, o próprio Neruda, Pablo Neruda. E muitos poetas espanhóis, como o clássico San
Juan de La Cruz. Os clássicos do século XIX, início do século XX, período em que a
literatura espanhola é muito rica.
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“Meu trabalho poético é, sobretudo, “La marcha””. Poesia feita das dores do povo, sentindo a
caminhada do povo, sentindo as dores do povo. Então decidi morar nessa própria marcha “67.
ML - O que considera matéria de sua poesia e o que significaria, em termos poéticos, a
expressão “poesia em marcha”, usada pelo senhor para definir sua poesia em resposta a
entrevista realizada pelo editor, e que está na introdução do livro Águas do tempo?
PEDRO - Tudo pode ser matéria da poesia da gente desde que seja tudo visto... de modo
emotivo, vibrante. Poesia só pode ser com a emoção, vibração...“Poesia em marcha”, poesia
feita das dores do povo, sentindo a caminhada do povo, sentindo as dores do povo. Tentando
estimular essa marcha também. Então, decidi morar nessa própria marcha. Não é uma poesia
que contempla o passado. Não é uma poesia arqueológica. Ë uma poesia militante, peregrina,
mar-chante, de marcha.
ML - Ouvi outro dia Chico Buarque de Holanda dizer que, depois de um momento de
criação, vive um de “secura”, levando um tempo para voltar a produzir. Em seu caso isso
ocorre?
PEDRO – Olha, eu tenho visto muitos poetas dizerem isso, bons poetas. Sim, depende muito
do momento psicológico, histórico, que você está vivendo. Às vezes, nos momentos de
transição, você não aceitou ainda o que vai fazer ou está numa crise familiar, a morte de um
familiar íntimo, que às vezes provoca a poesia e outras vezes provoca o silêncio, depende da
reação. Tem muita gente que desencadeia um livro quando morre a esposa. Quantos poetas
diante da morte da esposa têm soltado livros de poesia. Outros se fecham no silêncio. (peço
que fale sobre seu processo de criação). Ele acrescenta: Agora, por exemplo, escrevo menos
poesias. Escrevo mais circunstancialmente. Já tive épocas, por exemplo quando eu vim para
cá, escrevia muito mais poesia, porque o choque da natureza com a história provocava isso.
ML - Palavra Ungida é o primeiro de seus textos publicados (de 1955). Lendo-o, percebo
uma diferença em relação aos demais, sobretudo aos escritos no Brasil. Não vejo nele a
militância presente nos demais. Parece que as lutas retratadas pelos textos escritos aqui são
mais consistentes.
PEDRO – São mais concretas porque são organizadas. São lutas até
revolucionárias.Diferencia (dos demais livros) porque o que você ( você, neste caso significa
67
A responder ao editor, a indagação: o que significa poesia para você na introdução, de Águas do Tempo
Casaldáliga diz_ “meu trabalho poético, é sobretudo, “ La marcha”” . nesta entrevista perguntar-lhe o significa
a expressão “La marcha” , ele repetiu acrescentou a ela o texto aqui utilizado.
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ele ao autor)se refere quando fala do campo é diferente. Inclusive, eu tenho naquele livro um
poema dedicado a nossa senhora Nossa Senhora que fala da mulher do campo. Eu digo que o
campo está se esvaziando, que a juventude tem que sair do campo. Ë um poema social que
registra o drama da região e do campo. Quando eu escrevo os poemas sobre o campo aqui, eu
já escrevo amaldiçoando o latifúndio. Estimulando a conquista da terra. Estou falando de um
campo conflitivo, polêmico, mas também militante e organizado. Naquele campo, a juventude
o abandona porque está desatendida e vai para a cidade. Aqui, o camponês se revolta, se
organiza, faz oposição larga (grande), ataca o latifúndio (Depois de uma pequena interrupção
para pegar o livro, retorna e diz que o escreveu logo após sua ordenação sacerdotal). Me
ordenei padre em 1962. Tínhamos vivido a guerra espanhola. Estávamos vivendo a guerra
mundial, era a ditadura de Franco. (Com o texto na mão lê o seguinte trecho do poema
“Epifania” (p. 61):) Veja: “Jerusalén—esta ciudad cualquiera— /no se ha enterado aún. Y
ellos ¡los pobres! /pasan llevando el agua de su vida/ como un río perdido por las calles...”
Nasce Cristo e os pobres não se inteiram, somente os pastores. Os pobres passam carregando
a água da vida. Ou seja, uma sensibilidade social, mas não militante, talvez, ainda. Aqui, por
exemplo, está dizendo (ele apresenta mais um poema do livro, intitulado “Nadie me dice tu”
(p. 59) que ninguém me chama por “tu”, me tratam todos de senhor. É um padre que acabou
de se ordenar com vinte e quatro anos e foi chamado de senhor. Eu digo “vientieséis
primaveras” e “Todos me llaman Padre". (encerrando a recitação do texto, ele acrescenta
que no mais o poema fala que todos ajoelham-se diante do padre, personagem poética,
deixando-o suspenso entre o céu e a terra como uma estátua. e que aparece aí idéia de colocar
a vida à disposição) Com o livro em mãos examina outros textos referindo ao verso:
“Coração solenemente isolado”... (diz que o verso foi modificado para: “Coração
solenemente solo” e que às vezes modifica textos já publicados). Estou pedindo (referindo-se
ao verso citado) a minha alma que trate o meu coração com cuidado.
ML - Em uma fala na Jornada Literária sobre estética e espiritualidade, Frei Betto afirmou
que não acredita em literatura propriamente de esquerda, porque toda literatura expressa uma
realidade. O que pensa a respeito?
PEDRO - Eu digo que tem literatura mais de esquerda. Eu contestaria um pouco a palavra do
Betto. Se é engajada na opção pelos pobres contestando o latifúndio, o capitalismo, o
neoliberaliberalismo será de esquerda. Por que ter medo de falar de esquerda agora? À
direita...a direita não se engaja. Se engaja em termos menos sociais, menos militante, ás
vezes, ecológico só. Mas, se se engaja militantemente social, é literatura de esquerda, no meu
pobre entender.
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maior tempo para esse tipo de estudo e repete que não tem lido muita poesia dele, mas que
está lhe parecendo que seja um grande poeta).
ML - Considerando o fato de louvar a terra e o cenário nacional em seus textos, poderíamos
considerá-lo um nacionalista?
PEDRO – Olha, eu valorizo cada vez mais a humanidade, a raça humana. Eu acho que o
grande desafio é vivermos fraternalmente como seres humanos, todos, todos respeitando as
identidades, culturas e histórias. Ë uma riqueza. Assim, você, eu, cada um de nós é a imagem
e semelhança individual de Deus. E somos a imagem coletiva de Deus. Então, salvar as
identidades, aí, as etnias e, ao mesmo tempo, potenciar essa mundialização fraterna. Um poeta
alemão chamado Raaid, sempre dizia que o melhor cantor é aquele que canta em seu próprio
tronco genealógico. E você sabe, inclusive que não só o poeta, mas romancistas, no fundo,
sempre os escritores, partem daquele subsolo que é a própria infância, a própria história, tudo
o que você escreve sobre arte. Ou seja, eu tenho um poeminha que diz que quanto mais vamos
mais voltamos. (Não foi possível identificar um poema que tenha exatamente esse verso,. O
poema Irei até as fronteiras publicado na página 11 de a Cuia de Gedeão parece expressar
essa mesma idéia. )
ML - Ë deferente escrever na língua materna e escrever numa outra língua?
PEDRO - A língua materna é espaço do mundo caseiro, dos detalhes. Agora, tenho usado
muito o castelhano e português, porque moro no Brasil e na América Latina.
ML - Seria possível identificar em seus escritos uma postura filosófica?
PEDRO – Olha, eu tenho estudado o existencialismo, pode ser que haja um tipo de influência.
Mas vamos pensar, minha filha, que a filosofia é pensamento humano e, claro, você lê livros
que muito influenciam. Agora, eu acredito que a poesia é muito pensamento.
ML - Eu gostaria que falasse sobre a influência do marxismo em sua poesia.
PEDRO – O marxismo tem influenciado muito, mas a base de minha poesia é o Evangelho. O
marxismo influenciou, como o existencialismo e as idéias de Freud sobre o inconsciente
influenciaram. Nós todos que vivemos no século atual e nos percebemos numa luta social,
nos familiarizamos mais ou menos com o marxismo, que nos acordou para o estruturado da
contradição, o dialético da vida e da história, o polêmico da caminhada humana. Compreende
porque, às vezes, o cristão pode cair na tentação de separar a terra do céu e, ao invés de
encarar de forma militante e encarnada o lado de cá, declara só a paciência, a conformidade, e
uma esperança etérea. Por que do lado de lá... Não, eu, já de garoto, sendo um garotinho, li
um texto que me impressionou muito, e um das frases era a seguinte: “a terra é o único
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caminho que nos pode levar ao céu”. É o único caminho. É pela terra, pela história, e pelas
lutas daqui que vamos chegar ao céu.
Já o marxismo ajudou a denunciar o capitalismo, a explicitar as lutas de classes. É o dialético,
que é a vida na história. Agora você vê, independente disso você continua com sua fé...As
categorias marxistas nos deram o pão de cada dia da sociologia e da poética e da militância,
como também as categorias freudianas. Eu não creio no que Freud crê, mas ele deu umas
contribuições que eu agradeço, sobre os complexos, as dependências. (Cita alguns pensadores
marxistas entre eles Antônio Gramsci e alguns latino-americanos que, segundo ele, foram de
fato latino-americanos).
ML - Aparece em sua poesia, às vezes como metáfora de terra, às vezes de mãe, o termo
Patchamama.. Ele vem de que região da América Latina?
PEDRO - É fundamentalmente dos povos do Equador, Bolívia entre estes os Ketchua. Para
mais de 4.000 povos indígenas. Abiayala é o nome indígena para América Latina. Para todos
os povos indígenas, a terra é a mãe, que significa terra fértil, terra fecunda, mulher fecunda.
Terra. Mãe. Mulher. Você sabe que, para os povos indígenas, terra é a mãe. Terra é a mãe.
OBRAS DO AUTOR
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