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MAURO HENRIQUE MIRANDA DE ALCÂNTARA

D. PEDRO II E A EMANCIPAÇÃO DOS ESCRAVOS

CUIABÁ
2013
MAURO HENRIQUE MIRANDA DE ALCÂNTARA

D. PEDRO II E A EMANCIPAÇÃO DOS ESCRAVOS


Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
História.

Orientador: Prof. Dr. Cândido Moreira Rodrigues

CUIABÁ
2013
A Stella,
José Mauro & Cacilda
e Catarina (in memoriam)
AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Cândido Moreira Rodrigues, pela orientação deste trabalho. Sua
paciência e tranquilidade foram fundamentais para o desenvolvimento desta dissertação.
Aos professores Dr. Leandro Duarte Rust e Dr. Renilson Rosa Ribeiro, pelas
importantes sugestões para a melhoria do trabalho. A confiança que depositaram no trabalho
foi de suma importância para que chegássemos ao final desta jornada.
Ao professor Dr. Milton Carlos Costa, pela disponibilidade de percorrer um longo
trecho entre São Paulo e Mato Grosso e colaborar com a melhoria deste trabalho.
A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Mato Grosso, que de alguma forma, acabaram colaborando com este
estudo. Seja intelectualmente, ou mesmo, burocraticamente.
À Stella Cristiani Gonçalves Matoso, que além de ser minha companheira, e ter
acompanhado os momentos de angústias durante este processo, é também uma
competentíssima professora, e colaborou sempre que pode com o desenvolvimento deste
trabalho.
Aos meus colegas de turma do mestrado, agradeço pelos momentos vividos dentro e
fora da sala de aula. Em especial a Marcela, Nathália, Cassianna, André, Dulcinéia e
Andrielly que conhecedores das dificuldades impostas pela distância que liga Vilhena-RO à
Cuiabá-MT, sempre foram mais que colegas, verdadeiros amigos, que muito me ajudaram a
conseguir alcançar esse objetivo.
Aos meus amigos Maicon Dimbarre, João Raphael Martins e Danilo Peloi, agradeço
por anos de amizade e pela atenção dada em um momento especial. Ao Maicon agradeço
ainda a revisão realizada no abstract do trabalho.
Não poderia deixar de agradecer também aos meus pais, José Mauro de Miranda e
Cacilda Miranda de Alcântara e minha irmã Tainá Miranda de Alcântara, que fizeram tudo
que fosse possível para me ajudar e, por muitas vezes, foram fundamentais para diminuir o
sentimento de saudade por estar longe de casa.
D. Pedro II não o temia: prevenira-o. Não precipitara com atos imprudentes a catástrofe:
nunca, porém, variava de ideias a respeito dela. Algumas vezes adiantara-se muito: o
príncipe conspirava com os abolicionistas – rosnavam, consternados, os partidos.
Dependesse dele a decisão final, e cortaria o nó górdio, de uma vez. Não dependia.
Pedro Calmon

Se eu estivesse aqui, as cousas se passariam diferentemente... – Aludia à indenização dos


fazendeiros. Talvez a alguma manobra política, que tirasse à jornada de maio o seu teor
revolucionário. Jamais censuraria a filha.
Pedro Calmon

Em outras palavras: a tarefa, verdadeiramente fascinante, do historiador, será procurar as


mediações que articulam os processos estruturais com a superfície flutuante dos
acontecimentos.
Fernando Novais

Mais uma vez, o lugar privilegiado da biografia, mas desta vez, para o ofício do historiador.
(...) Pode mesmo tornar-se um observatório privilegiado para refletir utilmente sobre as
convenções e sobre as ambições do ofício do historiador, sobre os limites dos conhecimentos
adquiridos, sobre as redefinições de que ele tem necessidade.
Jacques Le Goff
ALCÂNTARA, Mauro Henrique Miranda de. D. Pedro II e a emancipação da escravidão.
Cuiabá, 2013. 164 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal de Mato Grosso.

RESUMO: Quando se menciona o tema abolição da escravidão no Brasil, automaticamente


remete-se a figura da Princesa Isabel. Provavelmente por ter sido a responsável pela
assinatura da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão do país. Tal relação se perpetua até hoje.
No entanto, foi durante o reinado de D. Pedro II que vimos os desdobramentos do processo
abolicionista: desde o fim do tráfico negreiro em 1850 até a assinatura da citada lei em 1888.
Através de biografias sobre o monarca e de análise dos discursos da “Fala do Trono”,
buscamos verificar o seu papel no processo que pôs fim ao regime escravista brasileiro e a
projeção discursiva em torno dessa temática. Para vislumbrar a dimensão do processo
histórico de extinção da escravidão no país, foram realizadas leituras/análises de obras
historiográficas sobre o tema. Compreendendo as problemáticas que envolvem a escrita
biográfica, utilizamos a leitura de Pierre Bourdieu, para nos atentar a elas. Por outro lado,
procurando verificar a importância e possibilidades de leitura deste gênero, nos amparamos
nos escritos de François Dosse, Giovanni Levi e Philippe Levillain. Em relação à análise do
discurso das “Falas do Trono”, buscamos contribuições em Michel Pêcheux, Paul Henry,
Dominique Maingueneau, Antoine Prost e John R. Searle. Realizamos leituras/análise de
biografias sobre o Imperador para visualizarmos como elas retratam a sua relação com o
poder e o seu papel no processo que levou ao fim a escravidão. Encontramos mais de quarenta
obras biográficas sobre o monarca. No entanto, devido à impossibilidade de esgotar a análise
dessas obras no trabalho, optamos por selecionar apenas as mais recentes e com maior
embasamento documental. Diante disso, realizamos a leitura e análise das biografias escritas
por Roderick J. Barman (Imperador Cidadão), Lilia Moritz Schwarcz (As barbas do
Imperador), José Murilo de Carvalho (D. Pedro II), Paulo Napoleão Nogueira da Silva (Pedro
II e o seu destino) e Lídia Besouchet (Pedro II e o século XIX). Para melhor executar a tarefa
de analisar as “Falas do Trono”, dividimos a análise em três momentos: período da aprovação
da lei que pôs na ilegalidade o tráfico negreiro (1841-1857). Discursos em torno da aprovação
da primeira legislação abolicionista: a Lei do Ventre Livre (1867-1872). E por fim, os
discursos do período final da abolição da escravidão (1883-1889). Visualizar a relação entre o
Imperador D. Pedro II e o processo de abolição da escravidão no Brasil, é, portanto, o objeto
de estudo deste trabalho.

Palavras-chave: D. Pedro II. Abolição da escravidão. Brasil Império. Falas do Trono.


Biografias.
ALCÂNTARA, Mauro Henrique Miranda de. D. Pedro II and the emancipation of slavery.
Cuiabá, 2013. 164 f. dissertation (History) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Mato Grosso.

ABSTRACT: When you mention the topic abolition of slavery in Brazil, automatically refers
to the figure of the Princess Isabel. Probably for having been responsible for the signing of the
"Áurea" Law, which extinguished slavery in the country. This relation continued until today.
However, it was during the reign of D. Pedro II that we saw the unfolding of the abolitionist
process: since the end of the slave trade in 1850 to the signing of that law in 1888. Through
biographies about the monarch and discourse analysis of the “Fala do Trono”, we seek to
verify their importance in the process that ended the slavery regime and brazilian the
projection discourse on this theme. To analyze the dimension of historical process of
extinction of slavery in the country, there were readings / analyzes historical works on the
topic. Realizing the problematics involving biographical writing, use the reading of Pierre
Bourdieu, we pay attention to them. On the other hand, to verify the importance and
possibilities of reading this genre, we admitted him in the writings of François Dosse,
Giovanni Levi and Philippe Levillain. Regarding the analysis of the discourse of “Fala do
Trono”, we seek contributions Michel Pêcheux, Paul Henry, Dominique Maingueneau,
Antoine Prost and John R. Searle. We conduct readings / analysis of biographies about the
Emperor to visualize how they portrays their relationship about the power and its role in the
process that brought an end the enslavement. We found more than forty biographical works
on the monarch. However, due to the impossibility of exhausting the analysis of such
readings, we decided to pick only the latest and greatest documentary basis. View of this, we
performed the reading and analysis of biographies of Roderick J. Barman (Citizen Emperor),
Lilia Moritz Schwarcz (The Barbs Emperor), José Murilo de Carvalho (Pedro II), Napoleão
Paulo Nogueira da Silva (Pedro II and his destiny) and Lídia Besouchet (Pedro II and the
nineteenth century). To better perform the task of analyzing “Falas do Trono”, we divide the
analysis into three periods: the period of the adoption of the law has put in the illegal slave
trade (1841-1857). Discourses surrounding the approval of the first abolitionist legislation: the
Law of the Free Womb (1867-1872). Finally, the speeches of the final period of the abolition
of slavery (1883-1889). Visualize the relationship between the Emperor D. Pedro II and the
process of abolition of slavery in Brazil, is therefore the object of this work.

Keywords: D. Pedro II. Abolition of slavery. Brazil Empire. Speeches from the throne.
Biographies.
LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral. Óleo sobre tela de Pedro 105
Américo de Figueiredo e Melo, 1872.

Figura 2 – Revista Ilustrada. Coleção Emanoel Araújo. 106


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO I
D. PEDRO II E O PROCESSO HISTÓRICO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO 17
Concepções e ideais da abolição da escravidão no Brasil 19
O processo da abolição da escravidão no Brasil 30
A lei de 1831 e o fim do tráfico negreiro? 30
As leis de 1850 e o fim do tráfico negreiro 31
A lei de 1871: a liberdade do ventre escravo 34
A década de 1880 e o fim da escravidão 41
D. Pedro II e a abolição na historiografia brasileira 46

CAPÍTULO II
AS BIOGRAFIAS DE D. PEDRO II E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO 54
“Imperador Cidadão” – Roderick J. Barman 57
“As barbas do Imperador” – Lilia Moritz Schwarcz 70
“D. Pedro II” – José Murilo de Carvalho 78
“Pedro II e o seu destino” – Paulo Napoleão Nogueira da Silva 83
“Pedro II e o século XIX” – Lídia Besouchet 91
Considerações da análise biográfica sobre D. Pedro II 98

CAPÍTULO III
ANALISANDO OS DISCURSOS DA “ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO” NAS 102
FALAS DO TRONO”
A construção da cena: a cenografia das “Falas do Trono” 104
A relação entre a linguagem e o discurso histórico: problemas e possibilidades 108
A construção discursiva das “Falas do Trono” 112
A abolição da escravidão nos discursos das “Falas do Trono” 118
Analisando os discursos da abolição do tráfico negreiro nas “Falas do Trono” (1841-1857) 119
Analisando os discursos em torno da Lei do Ventre Livre nas “Falas do Trono” (1867-1872) 130
Analisando os discursos da “Fala do Trono” no período final da abolição da
escravidão (1883-1889) 137
Considerações sobre os discursos em torno da emancipação da escravidão nas “Falas
do Trono” 147
D. Pedro II e o projeto de emancipação do elemento servil (1850-1871) 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS 159

REFERÊNCIAS 163
11

INTRODUÇÃO

O tema abolição da escravidão, assim como, a própria escravidão, são solidamente


estudados pela historiografia brasileira. Provavelmente, trata-se dos temas mais publicados e
debatidos na academia e repercutidos fora dela. Mesmo assim não param de serem produzidos
livros, dissertações, teses, artigos sobre eles.
O conhecimento histórico não fica isento da ação do tempo, ao contrário, “a história,
cujo objeto precípuo é observar as mudanças que afetam a sociedade, e que tem por missão
propor explicações para elas, não escapa ela própria as mudanças”1. Estas mudanças trazem
também renovações ou novas visões sobre os métodos de se construir esse conhecimento. Isto
favorece trazer a superfície, “velhos” temas, mas com novos questionamentos.
Trata-se este trabalho de uma análise política do processo de extinção da escravidão
no Brasil. Portanto, as mudanças e renovações da história foram fundamentais para a
realização deste trabalho. Pois somente com a atual concepção sobre a importância dos
estudos políticos para a história é que foi possível realizar os questionamentos necessários
para fundamentar esta pesquisa.
A possibilidade de questionar e verificar a posição dos agentes políticos diante das
estruturas, e principalmente, de visualizar certa liberdade e importância desses agentes diante
destas estruturas, é que favoreceu o questionamento que norteia essa pesquisa: qual o papel de
D. Pedro II no processo de extinção da escravidão no Brasil? Afinal, como argumenta René
Rémond, “como sustentar ainda que o político não se refere às verdadeiras realidades, quando
ele tem por objeto geri-las?”2.
Outro importante componente da renovação da história política trata-se de seu projeto
pluridisciplinar. Rémond utiliza-se de uma analogia para explicar a importância desse projeto
para essa forma de fazer história: “a pluridisciplinaridade é para ela como o ar de que ela
precisa para respirar”3.
E para este trabalho, duas das diversas aproximações que a história política realizou,
são fundamentais para conseguir responder ao questionamento acima: a aproximação com o
gênero biográfico e a linguística.
Retornaremos no momento adequado para explicar a importância das biografias e da
linguística para a pesquisa.
1
RÉMOND, R. Uma História presente. In: _____. Por uma História Política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV,
2003. p. 13
2
RÉMOND, R. op. cit. p. 24.
3
RÉMOND, R. op. cit. p. 29.
12

Ao iniciarmos a leitura de obras do Joaquim Nabuco, para atendermos a proposta


inicial de desenvolvimento desta dissertação, comparar os discursos de abolição entre o
intelectual brasileiro e o norte-americano William Edward Burghardt (W.E. B. DuBois), nos
deparamos com uma obra que alterou o projeto inicial, e acabou por ser tornar o objeto de
pesquisa deste trabalho.
Em 1886 Nabuco publicou um libelo, intitulado “O erro do Imperador”, fazendo
severas críticas à D. Pedro II em relação a sua atuação na aprovação da Lei dos Sexagenários.
Ele coloca toda a culpa no retardamento da abolição da escravidão na conta do
Imperador:

A acusação que eu faço a esse déspota constitucional, é de não ser elle um


déspota civilizador; é de não ter resolução ou vontade de romper as ficções
de um Parlamentarismo fraudulento, como elle sabe que é o nosso, para
procurar o povo nas suas senzalas ou nos seus mecambos, e visitar a nação
no seu leito de paralytica4.

(...) o culpado de tudo isso é principalmente o Imperador, porque quando era


preciso caminhar resolutamente para deante, elle voltou para trás; quando o
paiz anceava por idéas novas e um espirito de governo novo, elle só pensou
em dar arrhas á escravidão e em reconciliar-se publicamente com ella,
sujeitando-se á penitencia humilhante que ella lhe impoz como ao seu
primeiro vassallo5.

Esta acusação de Nabuco a D. Pedro II, de “reconciliar-se publicamente” com a


escravidão é devido a ele acreditar e ter creditado na conta do Imperador as aprovações das
leis Eusébio de Queiróz (1850) e do Ventre Livre (1871).
Mas nesta ocasião, ele visualiza um monarca pouco preocupado com a situação dos
escravos, não se movimentando em prol da causa abolicionista nos bastidores, e não
explicitando o seu apoio: “Mas do que accuso o Imperador quando me refiro ao governo
pessoal, não é de exercer o governo pessoal, é de não servir-se d‟elle para grandes fins
nacionaes”6.
Tais acusações realizadas por Joaquim Nabuco, ícone do movimento abolicionista
brasileiro na década de 1880, deixou no ar essa indagação, afinal, qual foi o papel do
Imperador neste processo de extinção da escravidão?
A historiografia brasileira vem privilegiando o papel dos escravos no processo de
conquista por sua liberdade, assim como, a construção da representação da princesa Isabel

4
NABUCO, J. O erro do Imperador. Rio de Janeiro: Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1886. p. 13.
5
NABUCO, J. op. cit. p. 17-18.
6
NABUCO, J. op. cit. p. 13.
13

como a redentora. Os abolicionistas, principalmente Joaquim Nabuco, há tempos vem


conseguindo papel de destaque nestas pesquisas. No entanto, estudos sobre o posicionamento
do monarca neste processo não tem sido privilegiados.
Este cenário proporcionou evidenciar este questionamento, e também buscar respostas
para ele. E assim que se iniciaram as nossas pesquisas para buscá-las, deparamo-nos com uma
publicação emblemática, de 1921, do professor da faculdade de medicina do Rio de Janeiro,
Pedro Augusto Pinto, intitulada “D. Pedro II e a Abolição”. Esta publicação nos fez ratificar o
interesse nos questionamentos relativos ao que viria a ser nosso objeto de estudo.
Este professor votou contra a proposta do diretor da instituição, em organizar uma
comissão representando-a nos funerais que foram realizados nesta época, com as exéquias do
Imperador e da Imperatriz. O motivo da publicação deste livreto foi para justificar a
contrariedade do seu voto.
Logo na epígrafe da obra, é possível verificar o teor da mensagem que Pedro Augusto
Pinto deixou. Utilizando-se das palavras de Rui Barbosa, demonstra o seu sentimento em
relação ao papel do trono no processo de abolição da escravidão: “o throno atrazou, quanto
lhe coube nas forças, o advento da redempção”7.
Fundamentando-se nas argumentações dos abolicionistas Joaquim Nabuco, José do
Patrocínio e Rui Barbosa, apresenta sua argumentação da dissimulada posição abolicionista
do Imperador.

Asseverei que as manifestações abolicionistas do Sr. D. Pedro, não passaram


de meras frases, elaboradas com o intuito de iludir a Europa e que surgiram
depois de julho de 1866, quando aqui chegou a mensagem da Junta
Emancipadora Francesa8.

Várias acusações de retardar a abolição e esconder tal processo da Corte são apontadas
pelo autor. Ele narra que todos aqueles que tentava inflamar o processo abolicionista no país
eram perseguidos. Descreve vários exemplos, tais como os presidentes das províncias do
Amazonas e do Ceará, que por serem publicamente abolicionistas e terem favorecidos a
aprovação da abolição em suas províncias foram demitidos do cargo.
Descreve também a proibição da entrada no país da obra de Harriet Stowe, A cabana
do Pai Thomás, por ser um romance que toca no assunto da abolição da escravidão. Segundo
ele, até quermesses em prol da abolição foram proibidas, pela polícia da Corte.

7
PINTO, P. A. D. Pedro II e a Abolição. Rio de Janeiro: Typ. Revista dos Tribunaes, 1921. p. 1.
8
PINTO, P. A. Op. Cit. p. 3.
14

Para Pedro Augusto, todos esses fatos comprovam que D. Pedro II nunca foi
abolicionista, antes e nem mesmo depois da Lei Áurea. Segundo ele, o Imperador teria
confidenciado a Tobias Monteiro, que “se estivesse aqui [em maio de 1888] talvez não se
tivesse feito o que fez”9.
Ao final da obra, a carta que o professor enviou ao diretor da Faculdade de Medicina
foi transcrita. Nela ele traz várias informações alegando que o monarca não mereceria tantas
homenagens. Diz que o melhor elogio que poderia ser feito a ele, seria chamá-lo de medíocre.
Questiona também o caráter o Imperador, trazendo várias passagens de sua vida
pessoal e para apresentar a sua falta de humanidade (desde a morte da Imperatriz, cujo foi
acusado de não se importar até mesmo a Guerra do Paraguai, onde foi extremamente
sanguinário na visão do autor).
Pedro Augusto, por várias vezes, ratifica a sua argumentação, de que o Imperador
nunca foi um abolicionista, muito pelo contrário, sempre atrasou o quando pode a
emancipação. Passou a se preocupar com a questão, somente quando começou a ser
questionando pelos estrangeiros em relação ao assunto, e viu sua imagem ser manchada na
Europa. A partir deste momento ele começou a se pronunciar, porém de forma muito tímida e
vagarosamente começou a mover o assunto. Nas “Falas do Trono”, palavras soltas eram
jogadas ao vento sobre o “elemento servil”.
Em relação ao autor destas críticas ao monarca, não foi possível verificar maiores
informações sobre a sua biografia. Contudo, por mais que este fosse filiado a um Partido
Republicano ou por outras razões quaisquer, tenha criado certa antipatia pela figura de D.
Pedro II, suas críticas, assim como as de Nabuco e, possivelmente, de outros, merecem a
devida preocupação por parte dos historiadores.
O objetivo deste trabalho é verificar o papel e o posicionamento de D. Pedro II diante
do processo de extinção da escravidão. Portanto, essa preocupação norteará o
desenvolvimento deste trabalho.
Na busca pela construção dessa relação, foi tomada como documentação privilegiada
as “Falas do Trono”. Estes discursos eram pronunciados pelo Imperador, na abertura e
fechamento dos trabalhos parlamentares. Neles, primordialmente, o monarca apresentava a
visão da Coroa diante dos principais problemas e necessidades que o país enfrentava naquele
ano, e buscava direcionar as prioridades em que o Parlamento deveria trabalhar.

9
PINTO, P. A. Op. Cit. p. 25.
15

Estes discursos possibilitam visualizar, até que ponto o Imperador e o seu governo se
comprometeram, publicamente, com a discussão sobre o fim da escravidão. Ou melhor, é
possível verificar como se estruturavam esses discursos, e quais valores eles projetavam em
relação a essa temática.
É possível vislumbrar os pronunciamentos da “Fala do Trono”, como uma espécie de
“ponta do Iceberg” da política imperial. As minutas destes discursos eram discutidas entre o
monarca e os seus ministros. Havia toda uma tensão em relação ao que e como ser
pronunciado. Portanto, o que era explicitado ou indiretamente enunciado, é de grande valor
para compreender o posicionamento de D. Pedro II diante da temática estudada.
Necessário se faz destacar, que para este trabalho, o Imperador apresenta-se como
chave principal para compreender a política imperial no segundo reinado.
Para realizar a tarefa de analisar estes discursos, a aproximação da (nova) história
política da linguística, foi fundamental. Os conceitos e concepções, da ciência linguística e da
filosofia da linguagem, são importantes para verificar a opacidade das construções
discursivas, e possibilita a compreensão da necessidade ler e analisar essas construções,
mediante a rede à qual estes discursos estão filiados.
Para ter acesso ao repertório de D. Pedro II, como proposto por John R. Searle, é
necessário ter compreensão do contexto no qual esses discursos foram enunciados. Pois
somente tendo acesso a ele, é possível conhecer o significado do seu ato de fala10.
Recorreu-se a historiografia sobre a temática, para construir o contexto histórico de
enunciação destes discursos. No entanto, para acessar ao repertório de D. Pedro II, além da
colaboração da historiografia, a leitura e análise de biografias sobre esse personagem foi
fundamental.
Neste ponto apresenta-se a importância da aproximação da (nova) história política do
gênero biográfico. Este estilo de escrever história, que por certo tempo foi desvalorizado, e
colocado como uma forma de literatura pela prática historiográfica vem retomando seu lugar
neste campo. E se é possível verificar certa liberdade dos agentes políticos diante das
estruturas, compreender a relação indivíduo-sociedade se faz necessário, e a biografia pode ter
um lugar privilegiado para ver essa relação.
A leitura e análise de biografias sobre D. Pedro II apresentou-se um facilitador para
compreender muitos dos posicionamentos do monarca diante do tema estudado. Nas obras
analisadas, foi possível verificar como o Imperador se relacionou com o seu tempo histórico,

10
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
16

o quanto foi influenciado por ele, e o quanto o influenciou. Como descreve Jacques Le Goff, o
sujeito histórico “constrói-se a si próprio e constrói sua época, tanto quanto é construído por
ela. E essa construção é feita de acasos, de hesitações, de escolhas”11. E os acasos, hesitações
e escolhas no caminho do monarca, em relação ao fim da escravidão, foram marcantes.
Diante do exposto e para melhor visualizar a documentação analisada estruturamos o
texto em três capítulos.
O primeiro capítulo visa buscar a construção do contexto histórico no qual ocorreu a
abolição da escravidão. Através da leitura de (parte) da historiografia sobre o tema, buscou-se
descrever as concepções e ideais que nortearam a defesa da abolição a da escravidão no Brasil
do XIX, como ocorreu o processo de abolição da escravidão ao longo do segundo reinado, e
por fim, como essa historiografia consultada visualiza o posicionamento do Imperador diante
deste processo.
No segundo capítulo procurou-se realizar a leitura de biografias sobre o Imperador e
visualizar como elas retratam a relação de D. Pedro II com o poder e o seu papel no processo
que levou ao fim a escravidão. Encontramos mais de quarenta obras biográficas sobre o
monarca. No entanto, devido à impossibilidade de esgotar a análise dessas obras neste
trabalho, optamos por selecionar apenas as mais recentes e com maior embasamento
documental. Diante disso, realizamos a leitura e análise das biografias de Roderick J. Barman
(Imperador Cidadão), Lilia Moritz Schwarcz (As barbas do Imperador), José Murilo de
Carvalho (D. Pedro II), Paulo Napoleão Nogueira da Silva (Pedro II e o seu destino) e Lídia
Besouchet (Pedro II e o século XIX).
O terceiro capítulo ficou reservado para a análise de discurso das “Falas do Trono”,
entre 1841 e 1889. Justifica-se esse recorte temporal, pois desde o primeiro discurso
pronunciado por D. Pedro II, após a sua maioridade e coroação em 1840, visualiza-se a
preocupação da Coroa com temáticas que envolvem a extinção da escravidão. E os
pronunciamentos sobre esse assunto perseguem até 1889. Neste intervalo entre 1841-1889, há
várias pausas. Devido a isso, dividiram-se as análises em três momentos: período da
aprovação da lei que pôs na ilegalidade o tráfico negreiro (1841-1857). Discursos em torno da
aprovação da primeira legislação abolicionista: a Lei do Ventre Livre (1867-1872). E por fim,
os discursos do período final da abolição da escravidão (1883-1889).
Percorrido esse trecho, será possível caminhar para as considerações finais.

11
LE GOFF, J. São Luís. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 23-24.
17

CAPÍTULO I
D. PEDRO II E O PROCESSO HISTÓRICO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

“Não é que pascal fosse incapaz de descobrir o


que seus contemporâneos não descobriram. Mas a
teoria da relatividade tem seu ponto de partida
num longo e prévio desenvolvimento de
especulações matemáticas; grande que fosse,
nenhum homem podia, apenas pela força de seu
gênio, substituir gerações nesse trabalho”.
Marc Bloch

Tradicionalmente, os trabalhos desenvolvidos na ciência histórica possuem como o


“ponto de partida”12, como anunciado por Marc Bloch, a contextualização histórica do seu
objeto de pesquisa. Ou como descreve Michel de Certeau, na História há “duas posições do
real”, o “conhecido e o implicado”, sendo o primeiro o “resultado da análise”, enquanto o
segundo o seu “postulado”. Não há possibilidade de reduzir um ao outro. “A ciência histórica
existe, precisamente, na sua relação”13.
Portanto, para conseguimos atingir o objetivo deste trabalho, ou seja, verificarmos a
relação entre D. Pedro II e a abolição da escravidão, na análise dos discursos das “Falas do
Trono”, necessário se faz compreendermos o postulado deste objeto, cuja historiografia sobre
o tema é parte importante.
No entanto, realizar tal empreendimento não se traduz em tarefa fácil. Trata-se a
historiografia sobre a abolição da escravidão no Brasil, um dos temas mais pesquisados e
publicados no país.
Segundo Seymour Drescher, “Os historiadores da abolição normalmente abordam
discussões causais ao longo de uma série de categorias analíticas: demográfica, econômica,
social, ideológica e política”14. O Brasil não foge dessas categorias, e aqui como:

(...) em qualquer outra parte, normalmente está impregnada de teorias


implícitas e explícitas sobre o valor relativo a ser assinalado para cada uma
destas facetas do desenvolvimento social, e sobre a longa ou curta duração
de seu significado no resultado final15.

12
BLOCH, M. L. B. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
13
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. P. 45.
14
DRESCHER, S. A ABOLIÇÃO BRASILEIRA EM PERSPECTIVA COMPARATIVA. História Social,
Campinas-SP, Nº 2, p. 118, 1995.
15
DRESCHER, S. op. cit. p. 118.
18

Compreendemos que “toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de


produção sócio-econômico, político e cultural”16, e também com sua temporalidade. Sendo
assim, as convergências, e principalmente, as divergências nos resultados, e a predileção por
determinadas categorias analíticas, em determinados tempos históricos, favoreceram a
consolidação deste cenário histográfico amplo e diverso sobre a temática.
Em uma rápida descrição, Gustavo Monteiro de Rezende, apresenta o seguinte quadro
da historiografia sobre a abolição da escravidão no Brasil:

A produção historiográfica sobre o tema “Abolição e abolicionismo” é muito


diversificada: algumas valorizam aspectos econômicos (característica mais
acentuada nas obras de finais da década de 70), outras se preocupam mais
com os grandes líderes abolicionistas (a clássica obra biográfica sobre José
do Patrocínio, por exemplo), já algumas se voltam para a análise da atuação
dos cativos neste processo, visando comprovar independência dos escravos
perante os elementos brancos exógenos ao universo dos cativeiros (marca
das obras de fins dos anos 80)17.

Apesar de ser uma síntese das tendências das obras sobre o tema, essa apresentação
ilustra e ratifica o que argumentamos. Este cenário levou a classificação de trabalhos sobre a
temática, dependendo de suas tendências e categorias analíticas, a filiação em determinados
círculos/escolas. Sendo as mais conhecidas, a Escola Paulista, e os críticos e revisionistas
desta18.
Entretanto, não faz parte dos objetivos deste trabalho, nem mesmo desse capítulo,
realizar um debate historiográfico sobre o tema abolição da escravidão. O objetivo deste
capítulo é apresentar uma contextualização histórica sobre o processo que levou a extinção do
regime escravocrata no país. E para atingi-lo, precisamos revisitar a historiografia, mas não
necessariamente, efetivar um debate entre as obras que analisamos. Até mesmo porque, não é
possível demarcar e classificar a filiação de todas as obras que utilizamos.
Outro motivo que nos faz optar por uma contextualização, e não debate historiográfico
é o objetivo geral do trabalho: uma abordagem política, ou melhor, do político D. Pedro II,
Imperador do Brasil, e o seu papel no processo de emancipação dos escravos.
E por se tratar de um trabalho de história política, como defendido por René Rémond:

16
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 66.
17
REZENDE, G. M. Abolicionismo popular na corte do Rio de Janeiro (1879-1888). 2009. 128 f.
Dissertação (Mestrado em História Social do Território) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
18
Para uma rápida compreensão sobre as diferentes concepções e autores ligados a essas escolas, ver
MAXIMIANO, A. B. A Historiografia Brasileira da Abolição da Escravatura: novas perspectivas ou negações
teóricas (1960/70-1980/90). In: RANGEL, M. M.; PEREIRA, M. H. F.; ARAÚJO, V. L. Caderno de resumos
& Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia:
balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012.
19

Nada seria mais contrário à compreensão do político e de sua natureza que


representá-lo como um domínio isolado: ele não tem margens e comunica-se
com a maioria dos outros domínios. Consequentemente os historiadores do
político não poderiam acantonar-se nele e cultivar o seu jardim secreto à
margem das grandes correntes que atravessam a história19.

É necessário, portanto, que os aspectos econômicos, sociais, culturais, demográficos, e


é claro, políticos, sejam compreendidos para verificarmos como o político D. Pedro II se
portou diante deste tema tão caro ao seu reinado. Afinal, “seria ingênuo acreditar que o
político escapa das determinações externas, das pressões, das solicitações de todo tipo”20. E é
nessa historiografia, que vamos verificar esses aspectos fundamentais para determinados
posicionamentos do Imperador.
Diante disso, buscamos neste capítulo verificar, em parte da historiografia: as
concepções e ideais que nortearam a abolição e a defesa da escravidão no Brasil do século
XIX; como se encaminhou o processo abolicionista brasileiro; e por fim, descrevemos como
(parte) dessa historiografia verificou o papel do monarca na extinção da escravidão. Vejamos.

CONCEPÇÕES E IDEAIS DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Apesar de serem disseminados apenas no final do século XIX, os ideais abolicionistas,


mesmo que de forma tímida, se encontravam no Brasil desde o final do século XVIII. Os
ideais do iluminismo e do liberalismo, que se espalhavam pela Europa, alcançaram a América
ainda no século XVIII e foram as bases do pensamento abolicionista brasileiro durante todo o
século XIX. Por outro lado, teses liberais, foram também importantes para a defesa do regime
escravista.
Thomas Skidmore descreve que “a base da filosofia e da teoria política que
prevaleceram no Império até 1865 foi um curioso amálgama de ideias importadas da França”.
Argumenta ainda, que o convencionalmente chamado de ecletismo, era uma “síntese das
ideias filosóficas e religiosas que predominavam na França”21. Demonstra, portanto, a
importante influência francesa no pensamento e na política brasileira do século XIX.

19
R. RÉMOND. Do político. In: ____. Por uma história política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2003. p.
444-445.
20
R. RÉMOND. op. cit. p. 445-446.
21
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 38.
20

Paradoxalmente à entrada de tais ideais na América e a consolidação do trabalho livre


na Europa, o ápice da expansão da escravidão no novo continente ocorreu neste mesmo
século, impulsionada pelo crescimento das economias agrícolas de diversos países americanos.
A introdução destes ideais revolucionários na América não se deu sem mudanças
substanciais do seu teor. Emília Viotti da Costa afirma que “foram automaticamente
traduzidos a partir das próprias experiências destes povos”22:

A elite brasileira, composta predominantemente por grandes proprietários e


por comerciantes envolvidos na economia de exportação-importação, estava
interessada em manter as estruturas tradicionais. Escolheram cuidadosamente
os aspectos da ideologia liberal que se adequassem à sua realidade e
atendessem a seus interesses. Purgando o liberalismo de seus aspectos
radicais adotaram um liberalismo conservador que admitia a escravidão e
conciliaram liberalismo e escravidão da mesma forma que seus avós haviam
conciliado a escravidão com o cristianismo23.

Os abolicionistas brasileiros, inspirados pela filosofia iluminista, previam que não


haveria um equilíbrio social enquanto fosse mantido o regime escravista no país. A tendência
seria de permanente guerra entre as classes e, somente o direito natural à liberdade mudaria este
cenário. No entanto essa leitura não é a hegemônica na historiografia brasileira24.
Milton Carlos Costa apresenta argumentação contrária à evocada pela Célia Maria
Marinho de Azevedo, no que concerne à visão de Joaquim Nabuco sobre a escravidão no
Brasil. Para Joaquim Nabuco, segundo o historiador, não houve a exclusão total entre tais
raças, pelo contrário, a mestiçagem desenvolveu no país a “democracia racial”, trazendo
“harmonia social e racial” entre as etnias brasileiras25.
Thomas Skidmore defende que os abolicionistas brasileiros tiveram contato com as
teorias racistas da América do Norte e da Europa, mesmo que “suas plenas implicações ainda
não fossem percebidas”. O próprio Joaquim Nabuco, segundo o norte-americano, “não
escondia que seu objetivo era um Brasil mais branco”. Mesmo preocupados com o fator
étnico, os abolicionistas, assim como parte dos brasileiros no período, acreditavam que “não
existia preconceito racial em sua sociedade”. “O Brasil escapara ao preconceito de cor”26.

22
COSTA, E. M. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 241.
23
COSTA, E. M. op. cit. p. 242.
24
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 45-46.
25
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 54.
26
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 60.
21

A influência externa que colaborou para impulsionar o país no caminhar do processo


abolicionista, não ficou reduzida a França. O país que mais pressionou o Brasil para por fim
ao tráfico negreiro, e consequentemente à escravidão, foi à Inglaterra. País este que foi um
dos primeiros a findar o comércio transcontinental de escravos e a escravidão, e organizar, no
final do XVIII e início do XIX, um importante movimento abolicionista, que, se baseando em
justificativas morais e intelectuais, conseguiu grande sucesso junto ao Parlamento britânico.
A Inglaterra, ainda na primeira metade do século XIX, viu exterminada, tanto da ilha,
quanto de suas colônias, a escravidão. E, alegando a inferioridade moral das demais nações
escravocratas, os políticos britânicos pressionaram principalmente Portugal e Brasil, a
extinguirem o seu comércio de escravos, em um primeiro momento e, a escravidão,
posteriormente27.
Para José Murilo de Carvalho o Brasil “nasceu sob essa pressão”, pois foi condição
sine qua non para Inglaterra conceder o reconhecimento da Independência, um tratado que
previsse o fim do tráfico negreiro28.
No Brasil, as primeiras declarações oficiais em busca do fim da escravidão apareceram
durante o processo de Independência29. Iniciaram-se assim, os primeiros projetos concretos
que visavam tornar o país livre da escravidão. João Severiano Maciel da Costa elaborou um
projeto visando à abolição gradual, em curto prazo, o que foi descartado de imediato.
José Bonifácio de Andrada, o patrono da Independência, na primeira Assembleia
Constituinte, buscou inserir na Constituição de 1823, o fim da escravidão, desta vez em longo
prazo. Entretanto essa assembleia foi fechada e a nova Carta Constitucional outorgada por D.
Pedro I, não fez menção alguma ao fim do regime escravocrata.

27
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,
2002. p. 14. Obviamente não se reduziu a justificativas “morais e intelectuais” o interesse britânico a ver o fim
do comércio de escravos para a América. Mais a frente traremos maiores informações sobre os outros motivos.
Para estudos mais específicos sobre a história da abolição do comércio do tráfico negreiro ver o livro desta
referência.
28
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 294. Como resultado o Brasil assinou o trabalho
de 1826 no qual “o tráfico era considerado pirataria três anos após a ratificação”. Os tratados assinados por
Portugal em 1815 e 1817 tiveram também de ser aceitos pela nação.
29
Emília Viotti da Costa argumenta que neste momento os ideais do liberalismo radical, que via na escravidão
um caráter corruptor e de baixa produtividade no trabalho, eram defendidos somente pelos sans-culottes
brasileiros, artesãos e lojistas. Porém com a política econômica tomada pelo Primeiro Reinado, rapidamente
perderam poder econômico e voz política. Para maiores informações ver COSTA, E. M. Da Monarquia a
República: momentos decisivos. 3. Ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985. P. 228-247.
22

Segundo Emília Viotti da Costa o ideal de João Severiano Maciel da Costa perdurou
durante todo o século XIX no Brasil até a abolição da escravidão em 188830. Para a
historiadora as principais justificativas para o fim da escravidão no Brasil baseavam-se nos:

(...) argumentos de que a escravidão era um desrespeito ao direito natural, ao


Evangelho e ao espírito cristão, que a sua permanência num país livre e
independente, regido por uma constituição liberal, era um paradoxo, e
finalmente que seus efeitos eram nefastos sobre o trabalho livre e sobre a
família, atingindo toda a sociedade, fazem João Severiano parte na luta em
prol da emancipação. (...). Também a observação de que o trabalho escravo é
pouco produtivo será mais tarde repetida por aqueles que se empenharam na
introdução de imigrantes e advogavam a causa do trabalho livre31.

Pouca ou quase nenhuma era a preocupação com a humanidade dos escravos, pois os
ideais eram traçados pelos dominadores. Logo, enxergavam apenas os problemas que a
escravidão impetrava à nação e não a situação precária na qual viviam milhares de pessoas no
Brasil.
Emília Viotti da Costa afirma que não houve grandes mudanças no discurso dos
abolicionistas da segunda metade do século XIX em relação aos do início do século. A
novidade foi à ampliação do público que passou a apoiar os ideais abolicionistas e o
enfraquecimento da defesa escravista:

(...) Nada de novo será dito quanto aos malefícios da escravidão, ou sobre a
incompatibilidade entre a moral cristã, ou a ética do liberalismo e a
manutenção da população escrava. Com o passar dos anos, apenas se
acentuará a „nota de comiseração pelo sofrimento do escravo‟. O que vai
variar será o comportamento do público a quem eram dirigidas aquelas
considerações de ordem prática ou moralizante. Palavras que não
encontravam ressonância naqueles primeiros anos, que não conseguiam
chegar a concretizar-se num movimento de opinião, que não atingiam
propriamente a ação legislativa, passaram a magnetizar auditórios, a
movimentar grupos, a comover multidões, a provocar apaixonados debates
parlamentares. Uma profunda mudança se processara na realidade objetiva,
de forma que as palavras, outrora de escasso efeito e pouca penetração,
adquiriam o poder de convencer. Ao mesmo tempo, avançava-se na direção
das soluções drásticas, para a ideia de abolição total e imediata32.

Se de um lado havia ideais abolicionistas, de outro estava a classe senhorial, contrária


à abolição. A defesa da manutenção da escravidão partia do pressuposto da necessidade da

30
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 326-331.
31
COSTA, E. V. Op. cit. p. 332.
32
COSTA, E. V. Op. cit. p. 342-343.
23

estabilidade material da nação. Sem o braço escravo, uma grande desordem econômica iria
abater o país:

(...) a escravidão era um mal necessário e o braço escravo insubstituível na


situação que se achava o país. (...) Outros diziam que, a não haver os
escravos, os possuidores de terras se veriam obrigados a mudarem as
culturas, e não poderiam exportar os gêneros que exijam grandes dispêndios
e trabalhos e isto em países onde o clima se opõe a que eles sejam
explorados por mãos de colonos industriosos, pois que os habitantes livres
desses países são frouxos e preguiçosos33.

Interessante informação sobre o impacto que geraria o fim da escravidão é colocada


por Sérgio Buarque de Holanda. Além da preocupação com a falta de mão de obra, os
charqueadores do Rio Grande do Sul, passaram a se preocupar com a redução do seu mercado
consumidor do charque, que era prioritariamente, os escravos da região cafeeira:

Os charqueadores podiam temer a retratação do mercado ocasionada pela


Abolição que, nos moldes em que estava sendo encaminhada a „questão
servil‟, levaria a população liberta a níveis de vida ainda mais precários34.

Ademais, o “caráter civilizador e cristianizador da escravidão”35 também era utilizado


para a manutenção do regime. Argumentos pró-escravistas apelavam para a benignidade dos
senhores e a melhor posição dos negros como escravos, do que muitas profissões livres na
Europa. E tal zelo do senhor para com seus servos, transformava estes em “emancipados”.
Outro apelo foi à inconstitucionalidade do processo abolicionista. Assim como o “gado ou a
lavoura”, o escravo era propriedade garantida pela Constituição. Foi a campanha abolicionista que
agitou os escravos e levou a sociedade brasileira a questionar o regime servil36.
É perceptível a pouca disseminação dos ideais abolicionistas na primeira metade do
século XIX, as poucas vezes que se tornaram públicos os discursos contra a escravidão, eram
demonstrando a visão dos senhores. José Murilo de carvalho descreve que mesmo as revoltas
que assolaram o país neste período, pouco ou nada direcionaram sua luta para o fim da
escravidão, mesmo entre aquelas de caráter mais popular, exceção feita a revolta dos malês37.
A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional foi uma das poucas a levantarem uma
bandeira contra o trabalho escravo. Alegando que era um trabalho “caro, ineficiente, ignorante,
33
COSTA, E. V. Op. cit. p. 348.
34
CARDOSO, F.H. In: HOLANDA, S. B. Capítulos de História do Império. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2010. p. 52-53.
35
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 347.
36
COSTA, E. V. Op. cit.
37
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 294.
24

incapaz de progresso e trabalhava de má-fé”, jamais conseguiria competir com a mão de obra
livre.
No entanto os ideais de “Progresso e Civilização” dessa instituição, segundo José
Murilo de Carvalho, “pregavam no deserto”. O liberalismo que acompanhava estes ideais teve
pouca inserção no meio latifundiário38.
Se tais discursos não conseguiram adesão, talvez seja porque eles não se justificavam
na prática. Na realidade se via a produção escravocrata de açúcar brasileiro e cubano
competindo em igualdade de valores com a produção das colônias inglesas, que contava com
mão de obra livre. Seria este um argumento inglês, marcado fortemente por um ideal
protecionista, que pressionava o Brasil a acabar com a escravidão e objetivava ver definhar
sua produção agrícola39.
A partir de 1870 houve maior aceitação das teses abolicionistas e os escravistas
passaram a não mais defender abertamente o regime, e sim a bandeira de um processo
emancipador lento e gradual para não atingir a lavoura. Os primeiros a falarem abertamente
sobre o fim da escravidão no início do século (Bonifácio, por exemplo) tiveram suas teses
retomadas por novos abolicionistas do final do século. A concepção sobre a abolição neste
momento era de uma “profunda transformação social”. Por isso seria necessário fazê-la de
forma “cautelosa e lenta”40. Segundo Emília Viotti da Costa, as condições para a abolição da
escravidão foram impostas pelos escravistas:

Os escravistas passavam a condicionar a abolição às estatísticas, às reformas


sociais e econômicas profundas, à construção de vias férreas, canais, ao
incremento da colonização e outras exigências desse tipo, que
possibilitariam um dia a abolição definitiva do sistema escravista, sem afetar
o interesse dos proprietários41.

Jacob Gorender antecipa em suas argumentações o início de uma, mesmo que tímida,
campanha abolicionista. Para ele já na década de 1860 poderíamos ver uma “opinião pública
favorável à Abolição”:

(...) A crise financeira de 1864 agravou as dificuldades dos cafeicultores (...).


A guerra da Secessão nos Estados Unidos eliminou um poderoso baluarte
escravista daquele país e debilitou gravemente a sustentação internacional
dos regimes escravocratas (...). Para o Brasil, outro abalo veio com a guerra
do Paraguai. Esta revelou a vulnerabilidade militar de um país escravista, ao

38
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 303.
39
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 304.
40
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 345.
41
COSTA, E. V. Op. cit. p. 355.
25

tempo que a incorporação de milhares de escravos recém-libertos à tropa


combatente disseminou sentimentos abolicionistas no seio da oficialidade.
(...) Justamente nos anos 60 desponta uma opinião pública favorável à
Abolição. (...) Surgem as primeiras associações abolicionistas, dedicadas à
propaganda e à coleta de donativos para compra de alforrias42.

Se essa campanha revelou-se muito tímida diante da campanha abolicionista na década


de 1880, teve ao menos, segundo Jacob Gorender, o mérito de precipitar esse movimento.
Afinal para ele, “Castro Alves não clamava no deserto”43. Por mais que possa haver pequena
divergência de temporalidades entre os autores, é possível perceber a conexão entre a crise
denunciada por Emília Viotti da Costa e as medidas exigidas pelos escravistas para aceitarem
o processo abolicionista, mencionadas por Jacob Gorender.
O aspecto humano do negro foi pouco evidenciado. Joaquim Nabuco e a maior parte
dos abolicionistas não se encontravam ao lado da classe escrava, e sim do senhor, tanto que
defendia um processo abolicionista parlamentar e não popular. “A escravidão deve ser extinta
por lei e não por uma guerra civil”44.
O caráter reformista do processo abolicionista brasileiro ficou clarividente, não
somente pelos seus agentes virem da elite, mas porque tinha também em sua agenda a
discussão da educação pública nacional, reforma eleitoral, separação entre clero e Estado,
projetos de imigração europeia e uma política de embranquecimento da população45.
O próprio Joaquim Nabuco descreve que a escravidão deveria ser eliminada do país,
pois “a „raça negra‟ legou à escravidão seus traços bárbaros e atrasados”46.
O ideal de desenvolvimento material da nação, defendido por muitos, passou a ser
uma das justificativas abolicionistas para findar o regime escravista, por ser contraditório a
tais valores, pois criou um “ambiente antiprogressivo”47 na sociedade brasileira.

Assim como entrava o real aproveitamento do solo, pelos métodos rotineiros a


que obriga, pela impraticabilidade da mecanização, a escravidão incompatibiliza

42
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 142.
43
GORENDER, J. op. cit. p. 143.
44
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 80
45
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 42.
46
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 54.
Importante ressaltar que Milton Carlos Costa está sintetizando e descrevendo o pensamento abolicionista de
Joaquim Nabuco. O historiador aponta para uma contraditória visão do abolicionista em relação ao negro na
sociedade brasileira, ora preconceituosa, ora conciliatória.
47
COSTA, M. C. op. cit. p. 55.
26

o país com o desenvolvimento industrial, inibe o comércio, impede o


processo de capitalização essencial ao desenvolvimento da nação48.

Até mesmo a política nacional foi corrompida pela escravidão. Emília Viotti da Costa,
baseando-se nas palavras de Joaquim Nabuco, aponta a instabilidade causada pela
continuidade do trabalho escravo e o desprestígio que o país sofria por mantê-lo. A
manutenção do regime só beneficiava os escravocratas e era maléfica para a nação49.
Sidney Chalhoub descreve como os abolicionistas se achavam importantes para que o
fim da escravidão fosse decretada, pois somente eles possuíam qualidades suficientes para
chegar a esse destino:

(...) Toda iniciativa, portanto, devia caber aos abolicionistas, aos iluminados
ou esclarecidos que sabiam exatamente o que era melhor para os cativos, e
que tinham mesmo “o mandato da raça negra”. O raciocínio possuía ainda
um certo charme poético: incapacitados e proibidos os negros de lutarem em
sua causa própria, tudo passava a depender dos abolicionistas redentores, dos
cavalheiros da liberdade50.

De forma contundente, o historiador, na passagem acima, ratifica o que os demais


historiadores descrevem. Entretanto, para ele o grande agente da abolição da escravidão foram
os próprios escravos:

(...) Mas acontece que a ótica de Nabuco é uma ilusão. Tanto o estudo das
situações de compra e venda (...) quanto (...) a análise dos processos cíveis
mostram que a liberdade era uma causa dos negros, uma luta que tinha
significados especificamente populares – no sentido de que esses
significados eram elaborações culturais próprias, forjadas nas experiências do
cativeiro51.

Jacob Gorender apresenta sua linha de argumentação muito próxima a de Sidney


Chalhoub, ao evidenciar o papel “autonômico”52 do escravo no processo que levou ao fim da
escravidão. Mas, para aquele, contrariamente a este, somente uma aliança dos escravos ao
movimento abolicionista urbano-popular, conseguiria alcançar à “revolução abolicionista”:

(...) os escravos não dispunham de condições estruturais para formular um


projeto nacional e ultrapassar o âmbito local ou regional, na ação prática. Já
o movimento abolicionista dos homens livres traçou um projeto de

48
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 359.
49
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 38
50
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 216.
51
CHALHOUB, S. op. cit. p. 216-17.
52
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 182.
27

transformação nacional e articulou suas ações em escala nacional. (...) nada


tem de surpreendente que a hegemonia coubesse ao abolicionismo dos
homens livres, aceita pelo consenso dos escravos. Ao mesmo tempo, vindas
de baixo, as ações de escravos empurraram o movimento abolicionista e
constituíram o fator principal de sua radicalização revolucionária53.

A década de 1880 assistiu a ampliação da campanha abolicionista. Vários setores da


sociedade brasileira passaram a apoiar a causa. Contudo, conforme Emília Viotti da Costa,
não houve novas defesas e ou argumentações que já não haviam sido explanadas, seja no
começo do século, ou na década de 1870. A escravidão era o grande entrave no
desenvolvimento do país54.
É Importante descrevermos o posicionamento de Sidney Chalhoub. “O negro crescera
incessantemente desde o início da década de 1870, e em 1888 já era mais alto do que o
senhor”55. Para ele, esse crescimento colaborou decisivamente para a força do movimento
abolicionista principalmente na década de 1880.
Thomas Skidmore argumenta que até a década de 1870 o romantismo dominou o
cenário da tradição intelectual e literária no país e, no entanto, a partir desta data, a “literatura
e imaginação” cederam lugar a “ciência e a razão”56. A justificativa para o fim da escravidão
partia da premissa desses inovadores ideais.
E um novo ideal havia sido lançado ainda na década de 1860, por Brandão Junior, que
se baseando nas teorias positivistas de Augusto Comte, previa no Brasil uma busca natural
pelo progresso. Deste modo, a escravidão se extinguiria de forma gradual57. A ciência e a
razão pediam passagem. O Brasil precisava trilhar os caminhos do progresso europeu, e para
isso, a escravidão daria lugar ao regime de servidão, até chegar ao trabalhador livre. Sem
revoltas, revoluções ou crises.
As argumentações de ordem positivista disseminaram-se na década de 1880, e
posicionamentos moderados e extremados passaram a serem publicados. Contudo, sem
grandes alterações das concepções de Brandão Júnior. Emília Viotti da Costa menciona não
saber qual foi a real repercussão das teorias dele. A grande discórdia positivista tangeu ao fato
de que alguns previam a passagem pela servidão, como caminho ao progresso e outros
refutavam tal versão.
53
GORENDER, J. op. cit. p. 164-165.
54
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982.
55
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 189.
56
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 41-45.
57
COSTA, E. V. Op. cit.
28

Na visão crítica dos positivistas, os abolicionistas, ao se posicionarem em favor da


abolição imediata, sem preparação, não visualizavam que o progresso deve ser precedido da
ordem, sem esse caminho não se chega à civilização.
Os senhores de escravos não se silenciaram nesse processo. Organizaram-se em
associações e nomearam porta-vozes para disseminar e defender seus ideais. Um dos seus
mais importantes representantes, Campos Sales, defendia que os senhores deveriam se
posicionar em prol dos seus interesses58. Defendeu que a Lei do Ventre Livre já seria o
suficiente para por fim a escravidão em um prazo curto, e somente seriam necessárias
melhorias a esta legislação para concretizar esse fim.
A maior preocupação deveria ser a transição do trabalho escravo para o livre, a fim de
não gerar crise econômica para o país. Para que agitações abolicionistas, se a abolição já
estava trilhada por uma lei? Campos Sales argumentava que o país foi dividido em torno da
temática59:

Havia republicanos escravistas e abolicionistas, conservadores abolicionistas


e escravistas, liberais favoráveis à abolição com indenização, ou contrários a
qualquer alteração da ordem, e até mesmo os que propugnavam a abolição
imediata sem qualquer indenização60.

A resistência partia das camadas senhoriais, principalmente de Minas Gerais, Rio de


Janeiro e São Paulo, detentoras de importante poder político e principalmente econômico,
devido à riqueza que o café lhes trazia. Por outro lado, as camadas urbanas puxaram e
incendiaram o movimento abolicionista, provavelmente por não estarem diretamente na órbita
de poder dos escravocratas.
É importante frisar as mudanças que o país assistiu a partir de 1850, e que foram
acentuadas na década de 1880. O aumento populacional, motivado pela grande quantidade de
africanos traficados no período anterior a 1850; a facilidade de reprodução da população; a

58
Jacob Gorender descreve como não apenas no campo da retórica se organizaram os escravocratas.
Organizaram também linchamentos públicos a escravos fugitivos e defensores da abolição, ataques as
instituições que lutaram para o fim da escravidão, fora outras práticas com o intuito de amedrontar e fazer
retroceder o movimento abolicionista. Ver GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora
Ática, 1990. p. 133-188.
59
A historiadora retrata também que nem mesmo entre os negros (mesmo entre os escravos) havia consenso em
torno da defesa pelo fim da escravidão. Se havia entre a elite “branca” a divisão entre abolicionista e
escravocratas, que foram se tornando cada vez mais emancipadores, havia entre os negros e mulatos quem
defendesse o “regime servil”, ou no mínimo, silenciavam-se sobre o tema, como Machado de Assis. Ela
denuncia que alguns negros que ainda se encontrava como escravos possuíam outros escravos. O país estava, de
fato, rachado e não apenas politicamente, devido a questão da abolição da escravidão. Para maiores informações
ver o capítulo III da Parte III, da obra supracitada da Emília Viotti da Costa. Jacob Gorender faz denúncia
semelhante a essa situação, ver GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p.
133-182.
60
COSTA, E. V. Op. cit. p. 368.
29

entrada de imigrantes, predominantemente europeus; a valorização do café no mercado


mundial que levou a expansão do seu cultivo, do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista; as
obras de modernização, como a instalação de estradas de ferro e companhias de gás 61; fez
desenvolver as cidades e criar uma importante camada urbana, composta por médicos,
professores, advogados, representantes do comércio e da indústria, que apesar de incipiente,
teve grande acréscimo na década de 188062. Estes grupos acabaram por politizar o seu olhar
sobre a estrutura do poder político, econômico e social. O que colaborou para o
desenvolvimento de um sentimento antiescravista.
Jacob Gorender demonstra que concomitante a politização da camada urbana ocorreu a
euforia da classe escravista. Afinal, o mercado de escravos havia sido abastecido pela grande
quantidade de africanos traficados na década de 1840, e a lei que pôs fim a esse tráfico
colaborou para o aumento de seus preços. Além do aumento considerável dos preços do café
no mercado internacional. Em conjunto, todos esses fatores colaboraram para o acúmulo de
riquezas da classe escravocrata e também para impedir o desenvolvimento do processo
abolicionista na década de 185063.
No meio político partidário, segundo Emília Viotti da Costa, não havia convicções em
torno da defesa da abolição ou da escravidão64. Para Jacob Gorender, havia abolicionistas em
todos os partidos, desde os monarquistas (Liberal e Conservador) até aos republicanos
provinciais. No entanto eles foram “marginalizados pelo predomínio dos escravocratas
intransigentes e pelos defensores da emancipação gradualista”65. Ao olharmos para o processo
abolicionista, veremos com maior atenção como esses posicionamentos se efetivaram.

61
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 40. Para maiores informações sobre esse processo de tráfico no período anterior
a provação da lei que pôs fim ao tráfico ver: BETHEL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
62
Ver COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. Ela menciona na Terceira Parte do Livro e no primeiro tópico do capítulo III, quando retrata a
abolição, as mudanças de ordem socioeconômica que o país sofrera na década de 1880. Ver também FAORO, R.
Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5a. ed. São Paulo: Globo, 2012. Capítulo XI: A
direção da economia no Segundo Reinado. Faoro traz a informação que a partir, principalmente da Lei de Terras
e da que pôs fim ao tráfico negreiro, ambas de 1850, houve a “desfeudalização” da terra no Brasil e a sua
“mercantilização”. Dessa maneira, a dependência dos setores do campo ao mundo urbano intensificou-se
mediante a necessidade de créditos, surgimento da figura do comissário, além de outros serviços que somente
seriam encontrados nas cidades. Interessante, pois se baseando nas argumentações da Emília Viotti, muito do
crescimento dessas camadas urbanas, que mais tarde engrossou as fileiras do movimento abolicionista, foi
motivado por essa “capitalização” do setor agrícola, descrito por Faoro.
63
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 141.
64
COSTA, E. V. Op. cit. p. 378.
65
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 167.
30

O PROCESSO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA

Após visualizarmos as concepções e ideais em torno da defesa da abolição e da


escravidão, vejamos então o processo histórico que levou a aprovação de leis que buscavam a
extinção do elemento servil até seu iminente fim em 1888.

A LEI DE 1831 E O FIM DO TRÁFICO NEGREIRO?

Pressionado pela Inglaterra devido aos tratados assinados prevendo o fim do tráfico
negreiro, o Parlamento brasileiro aprovou em 1831 uma legislação que previa o fim do tráfico
negreiro. Poucas eram as vozes que apoiavam essa atitude neste momento. Como citado por
Emília Viotti da Costa e também por José Murilo de Carvalho, essa legislação foi “letra
morta”. Apesar de não ser executada de forma eficaz, e cada vez mais, foram sendo tomadas
medidas para o seu fracasso, ela não foi revogada. Achou-se mais conveniente apenas fechar
os olhos para ela66.
Para o historiador houve redução do tráfico de escravos posteriormente a criação da
lei, mas utilizando dos dados do Leslie Bethell, ele alega que tal fato pode ser atribuído “ao
grande aumento na importação de escravos que se seguiu ao tratado de 1826” 67. Ele
argumenta que esse grande influxo de africanos no país em um período curto, causou
preocupações a nação com relação ao equilíbrio racial e uma possibilidade de haitianismo. A
revolta dos Malês na Bahia em 1835, com a sublevação de vários escravos, fez aumentar essa
tormenta, e passou a ser a justificativa para a defesa do fim do tráfico negreiro68.
Para Jacob Gorender, a “prática ilegal do tráfico negreiro” de 1831 e 1850 demonstrou
o “poderio do escravismo brasileiro”69. Resistir à pressão da maior potência mundial no
século XIX ratifica tal força da classe escravocrata.
Mesmo essa legislação não significando o fim do tráfico e muito menos da escravidão,
o seu compromisso facilitou a promulgação de nova lei em 1850.

66
COSTA, E. V. Op. cit. p. 375.
67
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 294.
68
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 295.
69
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 139.
31

AS LEIS DE 1850 E O FIM DO TRÁFICO NEGREIRO

A partir de 1839 a Inglaterra voltou a pressionar o Brasil para tomar medidas contra o
tráfico. A questão não era somente o comércio de escravos, e sim o acordo comercial que
terminaria em 1842. Era desejo dos ingleses renová-lo, bem como exterminar o tráfico.
Uma campanha contra a pressão britânica sobre o país se intensificou via imprensa e
parlamento, principalmente após a provação do Aberdeen Act em 1845 pelo parlamento
inglês. A terra da rainha passou a ser vista, por muitos, como inimiga. Mas a situação na qual
estava imposto o Brasil em relação ao fim do tráfico, era complexa, afinal já havia uma
legislação que proibia o comércio negreiro, porém não era respeitada.
Concomitantemente aos protestos contra a Inglaterra, acusando-a de desrespeito à
soberania, o parlamento se organizava para aprovar uma nova lei antitráfico. Em 1848, um
projeto de lei de 1837 passou a ser rediscutido. No ano seguinte, com a subida dos
conservadores ao poder, o debate acerca da lei intensificou-se, assim como intensificou a
pressão inglesa.
Navios (supostamente negreiros) foram afundados na costa brasileira pela marinha
britânica, aumentando a revolta nacional. Os ingleses desejavam que o Brasil assinasse um
tratado prevendo o imediato combate ao tráfico de escravos. Porém, para muitos
parlamentares negociar mediante essa pressão era impensado.
Importante mencionar que apareceu neste momento um discurso que via o “tráfico
como mal necessário para sustentar a agricultura”, pois, o menor beneficiado nesta situação
era o agricultor que ficava a mercê do traficante, que era realmente o grande beneficiado70.
Os meses de junho e julho de 1850 foram intensos no Parlamento. O combate ao
tráfico passou a ser a principal pauta. Em 4 de setembro foi decretada a Lei que previa por fim
ao tráfico de escravos, conhecida popularmente Lei Eusébio de Queiroz, por este ter sido o
seu grande mentor no Senado.
A lei de 1850 manteve prerrogativas da lei de 1831, mandando os fazendeiros a júri
popular. Dessa maneira, segundo José Murilo de Carvalho “significava, na prática, anistiá-los
e quase legalizar a propriedade dos escravos importados a partir daquela data”71. Entretanto,
em relação ao traficante a lei foi implacável. Estes “seriam julgados pela auditoria da

70
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 295.
71
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 298.
32

Marinha, com recurso para o Conselho de Estado”72. Segundo o autor, vários foram presos e
muitos deportados. O combate feroz aos traficantes consolidou o êxito desta lei.
Sérgio Buarque de Holanda descreve o impacto que essa rigorosa legislação trouxe
para a lavoura nacional. Baseando-se, principalmente, nos estudos estatísticos de Sebastião
Ferreira Soares, chega à conclusão que as décadas posteriores ao fim do tráfico foram de
aumento dos ganhos com a lavoura do café.
A grande quantidade de importação de africanos, uma década antes da lei que aboliu o
tráfico, fez com que se mantivesse o abastecimento de trabalho escravo nas regiões das
grandes lavouras, além da intensificação do tráfico interno. Percebe-se, portanto, um preparo
para que essa lei fosse aprovada e, enfim, executada. Não diminuindo de imediato a mão de
obra da lavoura, principalmente a cafeeira73, mas criando mecanismos que abastecessem a
lavoura com outros tipos de mão de obra que não a escrava. Todavia, para que houvesse a
imigração de outros países, um sério problema para a classe latifundiária precisava ser
solucionado: o fácil acesso a terra.
Como não havia legislação que normatizasse o acesso a terra e, tão pouco, dificultasse
a sua posse, tornar-se-ia possível à entrada de europeus não destinados à lavoura das grandes
fazendas, como o desejado, mas sim agricultores de suas próprias terras.
Portanto a problemática envolvendo a terra não era a ocupação irregular. Mas a
necessidade de destinar braço trabalhador para as grandes propriedades, diante da iminência
da diminuição do trabalho escravo. Não estava em jogo à valorização da propriedade rural
pela sua falta e sim o contrário, a abundância de terras e seu fácil acesso.
Diante deste cenário era necessário organizar meios para impedir essa facilidade. Os
políticos, representantes desta elite agrária, começaram a debater o assunto e buscar uma
legislação que atendesse aos seus interesses: garantir que a mão de obra estrangeira dirija-se
às fazendas e que eles permaneçam com a facilidade de ter acesso a terra.
Segundo José Murilo de Carvalho, o projeto da lei de terras inicial dispunha de dez
artigos, nos quais:

(...) proibia datas de sesmarias e posses; autorizava a venda de terras


devolutas somente por dinheiro e à vista; mandava respeitar as posses feitas
depois de 17 de julho de 1823 (a data certa deveria ser 1822) na parte
cultivada e em dois tantos mais havendo terreno devoluto no local; proibia

72
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 298.
73
HOLANDA, S. B. Capítulos de História do Império. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 46-50.
Leslie Bethell traz um rigoroso estudo estatístico da entrada de africanos no Brasil no período anterior a Lei
Eusébio de Queiroz. Ver BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2002. p. 337-410; 437-446.
33

estrangeiros que tivessem suas passagens financiadas pelo governo ou por


particulares de comprar ou aforar terras, ou comerciar, antes de três anos
após a chegada; autorizava gastar os recursos provenientes da venda da terra
em financiar viagens de trabalhadores pobres em qualquer parte do mundo;
autorizava ainda naturalizar todos os estrangeiros após três anos de
residência, mesmo sem solicitação; finalmente, estabelecia que os litígios
surgidos com a aplicação da lei seriam julgados pelos juízes municipais, com
recurso para os presidentes de província, e permitia a aplicação de penas de
prisão de até três meses e de multas de até 200 réis74.

Esse projeto passou por diversas modificações até ser apresentado à Câmara de
Deputados, contando nesta versão com vinte e nove artigos. Foram incluídos: imposto sobre a
propriedade rural, permissão para doação de terras na faixa de fronteira e para os indígenas,
regularização da posse da terra e confisco da propriedade para inadimplentes, apesar de prever
a indenização neste caso. A demarcação das terras passou a ser obrigatória, com o prazo de
seis anos para efetivá-la. Determinou-se o tamanho mínimo do lote para venda (um quarto de
légua que representa mais de mil hectares)75.
A Lei de Terras foi definitivamente aprovada em 1850. O seu texto final passou por
novas mudanças. O imposto sobre a terra caiu, assim como o confisco da terra para quem não
demarcasse e a registrasse. O tamanho dos lotes que seriam vendidos foi reduzido, para tentar
atrair colonos imigrantes, mas mantinha-se a política de vendê-los apenas à vista. Reduziu-se
o valor por braça quadrada. Apesar de decretada, a regulamentação da lei só foi publicada em
1854, demonstrando o pouco empenho da classe política de vê-la em execução76.
Para Lígia Osório Silva, a aprovação da dita lei, representava um dos mecanismos de
modernização do Estado Imperial:

Foi como parte desse processo de busca de novas soluções para os


problemas colocados pela continuidade do crescimento do Estado e pelos
desafios da modernização da sociedade, ambos em larga medida devedores
da expansão da ordem capitalista em escala internacional, que, alguns dias
após a promulgação da lei Eusébio de Queiróz, foi adotada a lei nº. 601, de
18 de setembro de 1850, também chamada simplesmente de Lei de Terras77.

Em síntese, os principais motivos que levaram a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz,


extinguindo comércio negreiro no Brasil, foram: a pressão externa condicionada,
principalmente, por tratados assinados pelo Brasil prevendo tal extinção; o grande influxo de

74
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 333
75
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 291-323.
76
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 291-323.
77
SILVA, L. O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2. Ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2008. p. 135.
34

escravos vindos da África no período anterior a elaboração da lei abastecendo as grandes


lavouras; a preparação de uma legislação que dificultava o acesso a terra; e a vontade do
governo.
Por outro lado, não se presenciou preocupação com as condições do escravo e
tampouco defesa aberta do fim da escravidão. O que se presenciou no período imediatamente
posterior foi o silêncio em torno da temática abolicionista, principalmente no Parlamento e no
governo. Mesmo assim, como defendido pela Emília Viotti da Costa e Jacob Gorender, esta
lei marcou o início do fim da escravidão no país.

A LEI DE 1871: A LIBERDADE DO VENTRE ESCRAVO

O arrefecimento em torno da questão da escravidão perpetuou-se durante a década de


1850. Entretanto, na década seguinte vários fatores tornaram inviáveis esse distanciamento e
silêncio sobre a temática: a guerra contra o Paraguai, a pressão externa e a pressão dos
escravos aparecem na historiografia como fundamentais para a elaboração de uma legislação
emancipacionista. Vejamos.
Durante a guerra, os escravos que lutaram no exército brasileiro tiveram decretada sua
liberdade. Apesar dessas mudanças, Emília Viotti da Costa alega que o comportamento dos
parlamentares era de esquecer a questão servil o quanto fosse possível:

Não tocar no assunto, evitar, se possível, o debate de tão melindrosa questão


e, quando isso não fosse possível, deixar correr os projetos sem nada fazer
para aprová-los, era a regra de conduta assumida pela maioria78.

Para José Murilo de Carvalho o distanciamento temporal, vinte e um anos, entre a lei
que pôs fim ao tráfico negreiro e a lei do Ventre Livre demonstra que “a abolição do tráfico
era o máximo a que as lideranças políticas estavam dispostas, ou que lhes era possível”79.
Sidney Chalhoub defende que só houve a possibilidade da aprovação da lei de 1871
devido à movimentação dos escravos. Foi ela arrancada por eles a revelia da classe escravista.
A legislação “representou o reconhecimento legal de uma série de direitos que os escravos

78
COSTA, E. V. Op. cit. p. 378.
79
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 304.
35

vinham adquirindo pelo costume, e a aceitação de alguns dos objetivos das lutas dos
negros”80.
Projetos elaborados por Pimenta Bueno que previam a gradual extinção da escravidão,
foram rejeitados pelo Conselho de Estado pela “inoportunidade da medida”81. Uma carta da
Junta Francesa de Emancipação, clamando ao Imperador medidas que favorecessem a
abolição da escravidão, foi respondida com mesmo teor: a inoportunidade do momento82. A
guerra era a justificativa. “Aguardava-se época mais oportuna”83.
“Um bom choque elétrico”. É com esta frase, impetrada a D. Pedro II em relação à
Guerra do Paraguai, que Thomas Skidmore apresenta os efeitos que ela causou ao Brasil. E
uma das principais consequências foi colocar a escravidão em xeque. Afinal, diante da falta
de voluntários para a guerra, os escravos foram empurrados para frente de batalha. Como já
vimos, ganharam como retribuição sua liberdade.
A decisão do Conde d‟Eu, genro do monarca e comandante das tropas brasileiras no
final da guerra contra o Paraguai, de forçar “o governo provisório do Paraguai a decretar de
imediato a abolição da escravatura naquele país”84 trouxe maior pressão sobre a temática ao
país devido a sua contradição: um país escravocrata responsável pela libertação dos escravos
do seu vizinho.
Uma áurea romântica é como Emília Viotti da Costa apresenta a questão da abolição
da escravidão após a guerra. Esse sentimento tomou conta das ruas, colaborando para que o
Parlamento aprovasse em 1871 a Lei do Ventre Livre, que pôs fim à escravidão dos nascituros.

80
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 30.
81
José Murilo de Carvalho descreve que a partir de 1866 iniciaram-se as discussões para elaboração de uma
legislação abolicionista. Ele defende a ideia que partiu da Coroa tal iniciativa, e Pimenta Bueno, conselheiro
muito próximo ao Imperador, e por encomenda deste, havia preparado cinco projetos que previa a abolição,
porém quando entregues ao presidente do Conselho, marquês de Olinda, “não admitiu sequer discutir o assunto”.
Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 305.
82
Segundo Carvalho, a resposta aos franceses foi escrita pelo próprio Imperador, porém assinada e enviada pelo
ministro da Justiça e dizia que “a emancipação era uma questão de forma e de oportunidade e que assim que
terminasse a guerra o governo lhe daria prioridade”. Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite
política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.
305.
83
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 379. Skidmore tem uma versão semelhante: “Um grupo de abolicionistas franceses apelou para o
imperador, pedindo-lhe que lançasse mão de seus amplos poderes para pôr fim à escravidão no Brasil. Em sua
resposta, d. Pedro II subscreveu o primeiro compromisso oficial do governo com a abolição, declarando que a
emancipação total era apenas uma questão de tempo. Prometeu que assim que a pressão da Guerra do Paraguai o
permitisse, seu governo haveria de considerar como “objeto de primeira importância a realização do que o
espírito da cristandade desde há muito reclama do mundo civilizado””. Ver: SKIDMORE, T. E. Preto no
branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2012. p. 50.
84
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 50.
36

Entretanto, Thomas Skidmore ressalta a ausência de um movimento abolicionista no


país neste momento: “nenhum grupo de pressão fazia campanha sistemática pela causa, e o
primeiro deles só apareceriam no fim da década de 1870”85. Como vimos anteriormente,
Jacob Gorender defende que desde 1864 já havia vozes contrária à escravidão e que se faziam
ouvir, como Castro Alves.
Importante ressaltar a pressão que a Coroa fez para a aprovação desta lei. Aparentemente
os parlamentares não esperavam um pronunciamento público como o realizado pelo
Imperador, e duplamente (nas Falas do Trono de 1867 e 1868), exigindo medidas que
pensassem em uma gradual extinção da escravidão.
José Murilo de Carvalho utiliza-se das palavras de Joaquim Nabuco para exemplificar
o posicionamento da Coroa e a repercussão disso:

(...) a proposta teve “efeito de um raio caindo do céu sem nuvens. Ninguém
esperava tal pronunciamento. Tocar assim na escravidão pareceu a muitos,
na perturbação do momento, uma espécie de sacrilégio histórico, de loucura
dinástica, de suicídio nacional” 86.

O historiador escreve que a pressão do monarca foi constante e determinante até a


promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871. No entanto a pressão contrária dentro do
próprio Conselho de Estado foi intensa. Os conselheiros utilizando a guerra como
justificativa, afirmavam que a abolição era uma loucura dinástica. Argumentavam que tal
legislação partia única e exclusivamente da vontade do Imperador, pois não havia essa
discussão na sociedade, nem mesmo entre os partidos políticos87. Andrade Figueira alegou ser
o projeto, uma “carta de crédito que precisava o Imperador para visitar a Europa”88.
A reação de parte dos parlamentares e dos proprietários de escravos foi imediata e
dura. Fazendo diversas críticas ao monarca, alegando que tal legislação levaria a uma
anarquia social, quebra da principal indústria nacional, a agricultura, e que um estado de
vigilância deveria ser organizado para dar conta do clima que iria gerar a medida. O país não
estava preparado para tal situação. A opinião pública não estava esclarecida, e somente
prejuízos traria à nação e principalmente para os escravos. Haveria, portanto uma
desestruturação das relações socioeconômicas e até mesmo cultural do setor agrícola.

85
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 51.
86
NABUCO apud CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a
política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 305.
87
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 305-306.
88
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 311.
37

(...) o projeto [da lei do Ventre Livre] tirava ao senhor a força moral e o
tornava suspeito à autoridade e odioso ao escravo. A liberdade parcial
decretada pela lei (...) “desautorizava o domínio e abre a ideia do direito na
alma do escravo”, ao passo que a liberdade que vem da generosidade do
senhor leva ao reconhecimento e à obediência89.

No entanto, aproveitando-se desse interesse imperial, vários políticos (conselheiros e


parlamentares) posicionaram a favor da aprovação de uma lei emancipadora. Alegaram
pressões internas (aspirações de liberdade que começaram a se apresentar nos escravos) e
externas (os interesses filantrópicos influenciados pelos abolicionistas estrangeiros), motivos
morais e de civilização para que se tomasse tal medida.
Argumentaram que se esquivar desse processo era impossível à nação. Melhor que
fosse feita antecipadamente e gradualmente, a ser forçada por uma revolução e de forma
imediata. A retaliação econômica das nações livres às escravocratas, que já vinham
ocorrendo, poderia aumentar, trazendo caos ao país, tanto econômico como social. Pois o
medo de revoltas dos escravos também perturbava a sociedade. Portanto, “medidas
abolicionistas” neste momento “seriam mal menor em face do que poderia acontecer”90.
Outros fatores de pressão externa que colaboraram nesta questão são elencados por
Thomas Skidmore. Primeiro, o cerco se fechando ao Brasil, por ser nesta altura (final da
década de 1860), conjuntamente com Porto Rico e Cuba “os únicos territórios escravagistas
nas Américas”, pois os EUA haviam decretado o fim da escravidão em 1864-1865. Segundo,
o progresso do liberalismo econômico na Europa que “avançava de triunfo em triunfo na
França e na Inglaterra”91.
Jacob Gorender descreve uma conjuntura internacional ainda mais grave para que o
Brasil tramitasse uma legislação abolicionista. Em 1870 foi aprovada em Madri a Lei Moret,
que “declarou livres os filhos de escravas daí em diante nascidos e emancipou os escravos
sexagenários”92. O Brasil seria, portanto, o único país do ocidente que mantinha a escravidão
e não se movia para ver o seu fim.

89
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 313.
90
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 306. O historiador refuta a possibilidade de um sentimento no seio escravo de
liberdade: “É certamente exagerado, em vista da evidência disponível, dizer que a Lei do Ventre Livre foi
resposta às inquietações dos escravos, pois não se conhecem rebeliões de vulto nesse período”. Por outro lado,
acreditamos na argumentação da Emília Viotti da Costa que a Guerra do Paraguai e a introdução no exército de
escravos que seriam libertados, trouxeram certa repercussão entre os cativos. Se não houveram revoltas,
houveram fugas para se alistarem ao exército, lutarem a guerra e conseguirem sua liberdade.
91
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 43.
92
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 150.
38

Uma “grande batalha parlamentar do Ventre Livre” é como se refere José Murilo de
Carvalho no processo de aprovação da lei no Parlamento93. Rachas nos partidos ficaram
evidenciados, tanto que foi do Visconde do Rio Branco, membro do Partido Conservador,
principal defensor da manutenção da escravidão, o projeto da Lei do Ventre Livre. Colegas de
partidos acusaram-no veementemente. A ferida estava aberta, e segundo Emília Viotti da
Costa:

Nenhuma proposta do Governo sofreu, até então, batalhas parlamentares tão


prolongadas, tão apaixonadas como esta. De parte a parte, foram empregados
todos os subterfúgios e recursos políticos. O Governo contava com uma
maioria muito pequena que precisava ser permanentemente vigiada,
encorajada e até “ameaçada e fustigada pelo ministério” 94.

Após a aprovação da legislação, os parlamentares defenderam ser uma lei parlamentar,


consequência das discussões nas duas casas. Do outro lado, os defensores da abolição da
escravidão denunciaram ter o Parlamento apenas cedido à pressão das ruas. O que
provavelmente levou a ação parlamentar. Contudo, a característica conservadora de tal
legislação demonstra o perfil do Parlamento brasileiro, repleto de escravocrata ou
representante dessa classe, e distanciando-se de uma proposta popular:

Apesar do tom apaixonado com que se manifestaram na Câmara os


representantes da lavoura paulista, fluminense e mineira, contrários à lei que
libertava o ventre da escrava, ela correspondia, na realidade, a uma medida
apenas protelatória da decisão final, uma pequena concessão às exigências
emancipadoras95.

Afinal, os filhos das escravas ficaram sob a tutela do senhor, e este poderia acionar a
cláusula indenizatória, pela sua liberdade, ou utilizar dos seus serviços até os 21 anos. Tal
mecanismo só vislumbraria a extinção total da escravidão em 1931. No entanto vale relembrar
o que defende Sidney Chalhoub: foi essa lei uma conquista dos escravos. Nada mais foi que a
consolidação em legislação das conquistas que os escravos já vinham adquirindo.
Para Jacob Gorender a aprovação de tal legislação ocorreu porque “a cúpula
monárquica soube agir movida por uma ideia de conjunto da situação, superando interesses
imediatistas, particularizados e regionais”96. A elite política conseguiu perceber esse conjunto
da situaçãoe se antecipar ao inevitável.

93
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 308.
94
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982.. p. 384.
95
COSTA, E. V. Op. cit. p. 385.
96
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 150.
39

A “Lei Rio Branco”, segundo Gorender, “foi fraudada desde o início” 97. O fundo
emancipador não conseguiu recursos suficientes para libertar parcela significativa dos
escravos. A resistência dos senhores, as grandes distâncias e a falta de fiscalização, fez com
que vários recém-nascidos fossem matriculados como escravos e muitos nem mesmo foram
matriculados. Saindo da esfera de fiscalização do governo. Para Emília Viotti da Costa:

(...) os que mais haviam combatido a lei por iníqua, subversiva, perigosa
para os interesses dos senhores, tornaram-se seus maiores defensores e,
invocando a Lei do Ventre Livre, negavam-se a aceitar qualquer modificação
que viesse acelerar o processo de emancipação98.

José Murilo de Carvalho apresenta outra posição sobre a lei. Ele defende que a
aplicação da lei de 1871 “não encontrou muita resistência em sua aplicação”. O problema
encontrado pelos senhores foi à ineficiência burocrática do Estado e “às dificuldades em
reunir as juntas de qualificação para aplicar o fundo de emancipação, por tratar-se de serviço
não remunerado”. Quando havia o funcionamento normal destes serviços, “raramente os
proprietários contestaram a avaliação ou a classificação dos escravos para libertação” 99.
Os abolicionistas, mesmos os que lutaram por essa lei, começaram a discutir a
ineficácia dela e propor novos meios para que se efetivasse a extinção da escravidão.
O final da década de 1870 e, principalmente, nos anos de 1880, a campanha
abolicionista tomou corpo. Diversas organizações foram criadas para arrecadar dinheiro,
prevendo a compra de alforrias; realizar reuniões em prol da abolição; criar estratégias das
mais diversas possíveis com o mesmo intuito, o fim do regime escravo.
Importantes abolicionistas, das diversas vertentes, surgiram: Joaquim Nabuco, José do
Patrocínio, João Clapp, Luís Gama, André Rebouças, Rui Barbosa, etc. Estes faziam
discursos, publicavam textos, agitando e disseminando a campanha abolicionista100.
Enquanto isso, os escravistas procuravam ganhar tempo. Buscavam evitar as revoltas
escravas, quem podia vendia seus escravos, outros concediam alforrias de forma gradual,
tentando manter a prerrogativa sobre o direito de conceder a liberdade aos seus escravos, em
detrimento da ação do Estado. As regiões mais progressistas, como o oeste paulista, buscavam

97
GORENDER, J. op. cit. p. 153.
98
COSTA, E. V. Op. cit. p. 392.
99
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 315-316. O historiador complementa dizendo que
as alforrias particulares excederam, consideravelmente, às realizadas pelo fundo de emancipação.
100
Para maiores informações sobre o desenvolvimento desse processo ver Ver COSTA, E. V. Da senzala à
colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais, 1982. A historiadora retrata
também os reflexos do movimento abolicionista na literatura. Este passou a ser um dos principais temas das
obras dos principais poetas e escritores do fim do século.
40

na importação da mão de obra da Europa a solução para esse fim iminente. Todavia, a classe
de proprietários, segundo José Murilo de Carvalho foi “fundamentalmente pragmática: usar o
escravo até o fim e, ao mesmo tempo, procurar alternativas”101. Ou como dito por Jacob
Gorender: “o objetivo estratégico [da lei de 1871] consistiu na máxima sobrevivência possível
do regime de trabalho escravo”102.
Jacob Gorender defende também que essa legislação conseguiu “neutralizar o
movimento abolicionista” por mais que ele não tenham se apagado, entretanto, “sua difusão
perdeu impulso e impacto”. Ela também buscou a “obtenção do consenso dos escravos para o
processo gradualista”. Ele enfatiza que essa lei foi o marco da política abolicionista
monárquica: “lenta, gradual e segura”103. Deste modo, esse consenso não duraria muito mais
que uma década. A partir de 1880 é possível visualizar uma “evolução da consciência
escrava” e “associada ao movimento abolicionista dos homens livres”, o consenso do
gradualismo se quebrou104.
Tendo como principal nome na Câmara dos Deputados, Joaquim Nabuco, os
abolicionistas começaram a pressionar os deputados, senadores, ministros e até mesmo o
Imperador para que medidas mais eficazes fossem tomadas. Apoiando esse movimento
estavam os parlamentares das províncias, principalmente do norte, e contrário a novas
medidas, mais uma vez, os parlamentares de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro105.
Para Carvalho a Lei do Ventre Livre teve a função de trazer a tona à discussão do fim
da escravidão no país, inclusive esclarecendo que o seu fim seria inevitável. Escancarou o
posicionamento da Coroa, demonstrando para os latifundiários que ela estaria do lado da
abolição106.
Sidney Chalhoub argumenta que essa lei pode ser “interpretada como exemplo do
instinto de sobrevivência da classe senhorial”, pois a “esperança da alforria” seria “um
elemento de ordem pública” e não um perigo107. E mais uma vez ratifica sua visão de uma lei
arrancada pelos escravos.

101
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 318.
102
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 151.
103
GORENDER, J. op. cit. p. 152.
104
GORENDER, J. op. cit. p. 158.
105
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982.
106
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 318.
107
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
41

Baseando-se em palavras de Nabuco de Araújo, ele descreve a necessidade de se


“tomar logo uma decisão a respeito da „questão servil‟” devido a “impaciência dos escravos” 108.
E uma importante consequência dessa lei foi a transferência de poderes dos senhores para o
Estado. Ele começou a legislar e executar questões referentes à propriedade que antes era
exclusivo do foro particular109.
Essa visão não é predominante na historiografia. Apesar de o Estado participar mais
ativamente das relações entre senhores e escravos, a Lei do Ventre Livre possibilitou que a
classe senhorial dispusesse de meios para manter os ingênuos como escravos, mesmo que por
um tempo limitado.
Diante deste cenário chegamos à fase final do processo de abolição, que para José
Murilo de Carvalho teve um ingrediente novo, e para Emília Viotti da Costa muito importante
para acabar com o trabalho escravo: a participação popular.

A DÉCADA DE 1880 E O FIM DA ESCRAVIDÃO

Na década de 1880, o “movimento abolicionista se recuperou dos efeitos neutralizadores


da Lei Rio branco”110. A agitação nas ruas aumentou. Nos idos do ano de 1883 foi organizada
a Conferência Abolicionista, que agregou diversas entidades com o mesmo objetivo, ver
findar o escravismo no Brasil111. Os abolicionistas conseguiram construir uma campanha
nacional em prol deste fim.
Thomas Skidmore descreve que eles trabalhavam em duas frentes de combate:
“exigiam a liquidação da base legal da escravidão e, ao mesmo tempo, mobilizavam doações
para manumissões voluntárias”. Demorou, mais ao longo de cinco anos, conseguiram alcançar
estes objetivos112. Os emancipadores ficaram mais restritos à classe política.
Sentia-se a presença de representantes de praticamente “todas as camadas urbanas no
movimento abolicionista”. Mas não houve totalidade de nenhuma delas no movimento.
Apesar de lutarem pela abolição, as instituições oficiais, ou seja, Sociedade Brasileira contra a
Escravidão e a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, foram contrárias as “ações do

108
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 199.
109
CHALHOUB, S. op. cit. p. 168-173.
110
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 157.
111
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
112
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 53.
42

abolicionismo ilegal e subversivo”113. Mesmo com a intensificação e sucesso das fugas


coletivas, que passaram a serem aceitas por parcela da população, o lema desse grupo
continuou sendo o de um abolicionismo legal.
Consequentemente, a pressão ao Parlamento cresceu. Este se encontrava divido entre
os que defendiam o fim da escravidão (abolicionistas e emancipacionistas) e a sua
manutenção. O governo também se posicionou, e mais uma vez apareceu a inoportunidade
para tomar novas medidas que levariam a abolição. Desta vez a desculpa era à situação
econômica do país.
No entanto o processo era irreversível. Proliferavam as libertações particulares;
também as fugas e proteção a escravos; o Ceará e o Amazonas decretaram a abolição da
escravidão; Somado esse conjunto de fatores, a pressão à classe política aumentou
consideravelmente.
Enquanto isso, os escravocratas protestavam e queriam que o assunto permanecesse o
mais longe possível do Parlamento. No entanto diante dessa situação, o Governo não poderia
se esquivar. Emília Viotti da Costa, citando o Conselheiro Dantas, resume qual seria a ideia
dos governantes.

“Nem recuar, nem parar, nem precipitar. É preciso caminhar, mas caminhar
com segurança, marcar a linha que a prudência impõe e a civilização
aconselha” 114.

Mantinha-se a política de uma gradual extinção da escravidão. E seguindo essa ideia,


Dantas apresentou o projeto legislativo de emancipar os sexagenários “estipulando que o
escravo de 60 anos, cumpridos antes ou depois da lei, adquiria ipso facto a liberdade” 115.
Apesar de combatido pelos escravocratas, e Dantas ter sofrido pressão do seu próprio
partido, segundo Emília Viotti da Costa, tal “projeto nada tinha de radical. Facultava aos
senhores retribuírem ou não os serviços dos libertos sexagenários que preferissem permanecer
em sua companhia”116. O único ponto que se pode dizer radical do projeto seria a cláusula que
impossibilitava a mudança de província do escravo. Caso ocorresse a mudança domiciliar, o

113
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 166-167.
114
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 409.
115
COSTA, E. V. Op. cit. p. 409.
116
COSTA, E. V. Op. cit. p. 409.
43

escravo poderia ser liberto117. Segundo Jacob Gorender, essa legislação seguiu a política do
“lento, gradual e seguro” e tinha por objetivo manter a escravidão até o século XX118.
O fato do projeto não conter o princípio da indenização, para Emília Viotti da Costa,
levou a uma batalha parlamentar. O resultado foi a demissão de Dantas da função de
presidente do Conselho de ministros e a vitória dos escravocratas. O episódio colaborou para
exaltar os ânimos dos abolicionistas.
O Ministério presidido pelo liberal Saraiva deu continuidade ao projeto do anterior.
Contudo com mudanças que permitiram menor reação dos senhores de escravos: prolongou-se
o prazo de libertação dos sexagenários (para 65 anos) e adicionou o princípio da indenização.
Mesmo com a aprovação na Câmara, o Ministério de Saraiva caiu, dando lugar ao
Conservador Barão de Cotegipe, que conseguiu, enfim, a aprovação da lei. Foi uma vitória do
princípio indenizatório e da extinção gradual da escravidão. Respondeu o movimento
abolicionista, demonstrando a força da classe escravocrata no parlamento, e o viu arrefecer.
Segundo Emília Viotti da Costa, o que se apresentou logo após a promulgação da lei
dos sexagenários em 1885 foi certa calmaria no Parlamento. Foi dado fôlego aos
parlamentares, principalmente aos que defendiam os interesses dos senhores de escravos.
Entretanto, nas ruas se via o aumento do movimento abolicionista. Com a
complacência e os olhos vedados do Governo, que nada fazia contra os abusos dos senhores,
intensificava também a repressão ao movimento.
Projetos prevendo um prazo para a extinção total da escravidão foram propostos por
Afonso Celso e Jaguaribe em 1887. Entretanto receberam forte oposição e foram derrotados119.
Este ano presenciaram-se os últimos protestos dos representantes dos senhores de
escravos. Visivelmente não conseguiam mais fugir da onda abolicionista. A maioria se
resignou diante do fato. Inclusive concedendo alforrias em massa. A polêmica, neste
momento, girou em torno da negação do exército em capturar os escravos fugitivos, defendido
efusivamente por Joaquim Nabuco e combatido pelos escravocratas.
Várias províncias da região norte passaram a aderir à abolição, devido a menor
necessidade do trabalho escravo comparado ao sul do país. O fato de haver nesta região
excedente populacional “ocioso”, que, se coagido poderia destinar-se ao trabalho rural,
colaborou para essa adesão. Outra característica dessas províncias era que sua economia
pautava-se em pequenas propriedades, necessitando de menor quantitativo de trabalhadores.

117
COSTA, E. V. Op. cit.
118
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 179-180.
119
COSTA, E. V. Op.cit.
44

A imigração europeia, que se intensificou nesta década, principalmente motivada pela


guerra civil que a Itália enfrentava, colaborou para o abastecimento de mão de obra na região
expansão do café no oeste paulista.
Este fator demográfico, segundo Carvalho, foi providencial para o arrefecimento da
defesa da manutenção do regime escravista no país. Todavia o trabalho escravo foi utilizado
pela classe escravocrata até o seu fim120.
Diante deste cenário, até mesmo considerável parte dos latifundiários estava à espera
do fim da escravidão. Mas mantinham a esperança da manutenção do princípio da indenização121.
Com Ministério organizado por João Alfredo, que contava com a confiança da
Princesa Regente, o projeto que abolia de forma incondicional e imediata a escravidão, foi
colocada em votação. “Votado o projeto, manifestaram-se a favor 83 deputados. Apenas nove
foram contra”122. Entre os senadores apenas seis votaram contra, demonstrando como o
ambiente “era de tal modo abolicionista”123.
Thomas Skidmore descreve que na última hora os fazendeiros (especialmente da
região cafeeira de São Paulo) perceberam que a mão de obra livre era mais compensatória que
a escrava, pois “estes [trabalhadores livres] seria menos caros e mais eficientes do que aqueles
[escravos]”. Outro fator para que representantes da classe latifundiária estivessem a frente do
projeto que extinguiu o trabalho escravo, seria para impedir a ascensão dos abolicionistas ao
poder. Pois “talvez viessem com ideias radicais, como reforma agrária”124.
O resultado do processo abolicionista pode ser sintetizado pelas palavras da Emília
Emília Viotti da Costa:

O movimento abolicionista extinguiu-se com a Abolição. Fora


primordialmente uma promoção de brancos, de homens livres. A adesão dos
escravos viera depois. Nascera mais do desejo de libertar a nação dos
malefícios da escravatura, dos entraves que esta representava para a
economia em desenvolvimento, do que propriamente do desejo de libertar a
raça escravizada em benefício dela própria, para integrá-la à sociedade dos

120
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
121
COSTA, E. M. Da Monarquia a República: momentos decisivos. 3. Ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense,
1985.
122
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 438.
123
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
124
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 53.
45

homens livres. Alcançado o ato emancipador, abandonou-se a população de


ex-escravos à sua própria sorte 125.

Para a historiadora todas essas justificativas estiveram presentes no processo


abolicionista: a mão do Imperador; os ideais liberais, iluministas e humanitários; e as
concepções de progresso positivista. Contudo, as mudanças socioeconômicas que o país
enfrentou no final do século XIX, foram os principais motivos para a conclusão desse
processo:

Interesses escusos, interesses autênticos, idealistas e oportunistas


participaram, de fato, do movimento. As condições econômicas propiciaram
a mudança para o trabalho livre numa área cada vez mais extensa. Aparecera
uma camada não vinculada diretamente à escravidão. Surgira um setor rural
interessado diretamente na abolição. Tudo isso permitira que os argumentos
abolicionistas encontrassem uma adesão cada vez maior da opinião pública.
Os que se mantiveram apegados às velhas estruturas, condenados pela
realidade que se forjava, foram varridos e sacrificados às novas tendências,
incapazes de deter a marcha do processo126.

Para ela a “Abolição representou uma etapa no processo de liquidação do sistema


127
colonial no país, envolvendo uma ampla revisão dos estilos de vida e dos valores” . A
escravidão passou a ser vista como empecilho para as mudanças necessárias para se atingir o
progresso. Em nome deste princípio desencadearam diversas reformas no Brasil neste
período. Contraditoriamente isso colaborou na destruição das bases do regime monárquico
brasileiro. Para a historiadora Emília Viotti da Costa, a Abolição e a República foram
consequências das mudanças estruturais pelas quais passaram o mundo e país.
Raymundo Faoro visualiza como fundamental justificativa para a queda do Império o
arcaísmo da estrutura burocrático-centralizadora do Império, “as reformas [como a abolição
da escravidão] teriam retardado o fim do trono, mas não impediram o seu termo fatal”128.
Jacob Gorender defende que foi uma “revolução abolicionista” que presenciamos no
final do regime monárquico. Por mais coordenado e direcionado por homens livres brancos
que tenha sido esse movimento, o papel “autonômico” dos escravos favoreceram o sucesso do
fim da escravidão:

125
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 442.
126
COSTA, E. V. Op.cit. p. 447.
127
COSTA, E. V. Op.cit. p. 448.
128
FAORO, R. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo, Globo, 2012.
p. 528.
46

Com toda a evidência, a Abolição não foi um “negócio de brancos”. Foi o


resultado revolucionário da luta autônoma dos escravos conjugada à
militância do abolicionismo urbano-popular radical. (...) A lei de 13 de maio
de 1888, assinada pela princesa Isabel, só ratificou um fato consumado e,
com isto, salvou a dominação de classe dos proprietários rurais, ao despojá-
los oportunamente dos resíduos ainda subsistentes e putrefatos da
escravidão129.

Essa “revolução abolicionista”, segundo esse historiador, “deu lugar a uma classe
dominante mais propriamente renovada que a nova”. O regime monárquico era tão ligado à
instituição da escravidão, que não conseguiu desvincular dela sem cair. A revolução
abolicionista foi a revolução burguesa brasileira130.
Finalizando. Na época, utilizava-se de uma expressão para explicar a relação da
escravidão com a sociedade brasileira e a monarquia. Se a escravidão era o cancro da
sociedade brasileira, que precisava ser extirpada, também foi da monarquia, a quem corroeu
as bases.

D. PEDRO II E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NA HISTORIOGRAFIA


BRASILEIRA

Pelas obras historiográficas que analisamos, está nítida como a Coroa, e o monarca en
passant, tiveram uma importante participação no processo abolicionista. Por ser interesse
principal do trabalho visualizar como se comportou D. Pedro II neste processo, achamos
coerente reservar um espaço para apresentar como essas obras descreveram a proximidade
entre Coroa e o fim da escravidão.
Afinal, como descreve Sidney Chalhoub, além de um assunto econômico e social, a
questão da “liberdade dos negros”, era também um assunto político, pois o “governo podia
agora interferir mais decisivamente na organização das relações de trabalho” 131. Vejamos
então como esse assunto político é relacionado à D. Pedro II.
Ricardo Salles traz uma importante contribuição para se verificar a relação que
estamos buscando desvendar. Se as falas do Trono de 1867 e 1868 assustaram a classe
política, principalmente, pelo fato de D. Pedro II inserir a discussão da “emancipação do

129
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 182.
130
GORENDER, J. op. cit. p. 183-188.
131
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 28.
47

elemento servil”, é importante ressaltarmos que anos antes o Imperador já se pronunciava em


relação ao tema. Salles:

Em janeiro de 1864, o imperador enviou uma nota sobre o assunto da


escravidão a Zacaria de Goés, datada da véspera do dia em que este
assumiria a presidência do Conselho de Ministros (...). Note-se bem a data:
janeiro de 1864, quase três anos e meio antes que o tema fosse efetivamente
trazido a debate no Conselho de Estado, pelo mesmo Zacaria de Goés (...).
Nessa nota, dom Pedro dizia que os acontecimentos da guerra civil norte-
americana exigiam que “pensemos no futuro da escravidão no Brasil, para
que não nos suceda o mesmo a respeito do tráfico dos Africanos”. Em
seguida, considerava que a ação que avaliava profícua – para promover a
abolição – era a liberdade dos filhos das escravas “que nasceram daqui a
certo número de anos”. A medida, tão logo as circunstâncias o permitissem,
deveria ser tomada com firmeza, devido aos males que ela necessariamente
originaria132.

As argumentações do historiador seguem uma linha que até o prezado momento não
havíamos encontrado. Primeiro por apresentar o monarca preocupado com a temática da
abolição anos antes ao que se apresentara até aqui, apesar da data se aproximar da denunciada
por Jacob Gorender quanto ao início de um movimento abolicionista.
Segundo por demonstrar a importância que os fatores externos colaboraram para a
tomada de atitude do governo imperial. Descreve a tensa relação com a Inglaterra durante os
anos que precederam a lei que aboliu o tráfico negreiro; a preocupação com os
acontecimentos nos EUA, que entrou em guerra civil devido a pressões para ver finda o
escravismo.
Assustava o Imperador tal situação, medidas precisavam ser tomadas para que não se
passasse o ocorrido na lei Eusébio de Queiroz e também não entrar em uma guerra civil como
nos EUA. A pressão do ideal civilizatório aumentou sobre o país.
Salles pondera também para os problemas diplomáticos envolvendo o Brasil: estava a
beira da guerra contra o Paraguai; a questão Christie encontrava-se em seu ápice, o que levou
ao rompimento nas relações com a Grã-Bretanha; a pressão nos EUA para abertura dos rios da
Amazônia; o apoio do Império brasileiro ao Império mexicano de Maximiliano, que contava
com o apoio francês e tinha a oposição dos norte-americanos; e neste momento a Guerra da
Secessão direcionava-se para uma vitória da União contra os Confederados, o que seria
também uma vitória da abolição.

132
SALLES, R. E o vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 89.
48

Por fim, as constantes intervenções brasileiras na região do prata, faziam com que o
monarca visse com muito receio a situação da escravidão no país, pois sabia estar o Brasil em
uma situação muito fragilizada, praticamente isolado no que tange a este tema no mundo
ocidental, pois até mesmo Cuba, colônia espanhola, já vinha traçando políticas
abolicionistas133.
D. Pedro II sabia das dificuldades que encontraria para tramitar essa discussão, mesmo
entre os seus conselheiros. Por isso pediu na correspondência enviada para Zacarias, que o
tema deveria ser apreciado no momento oportuno, e a proposta de abolir o ventre escravo,
conseguiria, como proposto pelo monarca, conciliar as necessidades da abolição e os
interesses escravistas.
A posição do monarca, na obra de Ricardo Salles, foi importante para precipitar o
processo abolicionista brasileiro. Este documento apresentado pelo historiador demonstra
como o monarca havia, inclusive, se antecipado em relação aos problemas que a inércia em
relação a uma política abolicionista, poderia acarretar ao país.
Para Emília Viotti da Costa o Imperador foi visto à época, tanto como um defensor da
escravidão como da abolição. Para aqueles que o viam como abolicionista, ela argumenta que
enxergavam nas suas falas “insistência desnecessária e perigosa em torno da questão” 134. Para
os que o viam como escravocrata, como Joaquim Nabuco, mesmo creditando na conta do
monarca tudo que havia sido realizado do processo abolicionista até a lei dos sexagenários,
via certo “corpo mole” por não utilizar-se do seu poder pessoal para resolver essa situação que
afligia tão profundamente o país. Outros argumentavam que a Coroa apenas realizava o
desejo da classe política do país, e a abolição foi um deles.
O que fica explícito na obra da historiadora, quanto ao processo que levou a extinção
da escravidão, é que as mudanças socioeconômicas vivenciadas pelo país arrastaram-no para
reformas como a abolição e também a República. Segundo Milton Carlos Costa, Emília Viotti
da Costa foi “certamente influenciada” pelas teses de Caio Prado Júnior sobre a formação do
país. Diante dessa análise, não é de se estranhar que em seu trabalho os aspectos econômicos
são estruturais para as mudanças sociais e políticas, superestruturais.
Milton Carlos Costa afirma ainda que Emília Viotti da Costa “considera o poder
pessoal um mito”. Apesar de a Constituição favorecer plenos poderes ao monarca, de fato, ele
não exerceu um poder absoluto durante seu reinado. A política imperial foi controlada pelas
oligarquias que a sustentava.

133
SALLES, R. op. cit. p. 89-93.
134
COSTA, E. V. Op.cit. p. 445.
49

O imperador não foi responsável pelas características econômicas, sociais e


políticas do Império e nem pelas principais reformas que ocorreram durante
o período em que governou135.

José Murilo de Carvalho faz outra leitura dessa relação. Para ele a mão Imperial se fez
sentir no processo abolicionista do início ao fim:

(...) o incentivo da Coroa nunca deixou de se fazer sentir, seja em


manifestações pessoais do Imperador e da Princesa Isabel, seja nos títulos
nobiliárquicos oferecidos aos que libertassem escravos, seja pela ação direta
(os netos do Imperador editavam um jornal abolicionista dentro do Palácio
onde também escravos fugidos recebiam proteção) 136.

Para ele as atitudes da Coroa não só encorajava a “atuação dos abolicionistas”, mas
também fazia arrefecer a repressão do governo ao movimento. A postura do Imperador
sempre foi mais pró-abolição do que aos interesses dos proprietários no decorrer de todo o
processo. Este, inclusive, acentuou a clivagem entre os interesses monárquicos e os dos
latifundiários. Foi principalmente nesta temática que se acentuou o “divórcio” entre “o rei e os
barões”:

(...) pode-se dizer que o sistema imperial começou a cair em 1871 após a Lei
do Ventre Livre. Foi a primeira clara indicação de divórcio entre o rei e os
barões, que viram a Lei como loucura dinástica. O divórcio acentuou-se com
a Lei dos Sexagenários e com a abolição final. É fato aceito por todos os
estudiosos, por exemplo, que a adesão ao republicanismo aumentava
substancialmente à época de medidas abolicionistas137.

José Murilo de Carvalho via no Conselho de Estado o “cérebro político da monarquia”,


por onde passavam todas as decisões mais importantes. Milton Carlos Costa, ao analisar a
visão de Carvalho sobre a política no Império brasileiro, descreve que o pensamento deste
Conselho “praticamente coincidia com o pensamento do governo”:

Eles aparecem mais como defensores das prerrogativas do Estado do que


daquelas dos setores sociais dominantes. Da sua posição no topo do aparelho
de Estado, os membros do Conselho visualizavam bem as ameaças ao
mesmo, mas essa posição lhes impedia a percepção dos problemas que
ocorriam nos “porões do sistema político” 138.

135
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 70.
136
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
137
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 320-322.
138
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 72.
50

Quem ditava tais “prerrogativas do Estado” era D. Pedro II, Chefe do Estado. E a
abolição da escravidão sempre esteve entre elas.
Raymundo Faoro ao relatar a adesão do setor agrícola ao Partido Republicano,
defende a ideia de um “revide da lavoura contra o Império, responsável pela Lei do Ventre
Livre (1871) e pela abolição da escravatura”139. No entanto ele não acreditava que os
fazendeiros houvessem aderido ao republicanismo numa ideia de revigorar o sistema
escravista, e sim, como colocado, numa espécie de “revide”, macular o regime monárquico
que muito se identificou com o fim da escravidão.
Ele deixa bem claro que foi depois e não consequência do processo abolicionista que
engrossara a fileira republicana140. Importante deixar registrado a relevância que autor credita
a Coroa ao processo abolicionista. E por isso mesmo, a extinção do regime escravo principal
responsável pela queda da Monarquia.
Segundo Milton Carlos Costa, para Raymundo Faoro, “o estamento burocrático
mantinha em subordinação o imperador”. Ele governava, com o seu poder pessoal (o Poder
Moderador), mas seguindo a cartilha de sua burocracia141. Diante disso, podemos concluir que
por mais desejoso da abolição da escravidão fosse o monarca, precisava partilhar esse
interesse com as instituições burocráticas do Império, das quais era refém.
Sérgio Buarque de Holanda apresenta a ideia que era vontade da Coroa por fim a
escravidão no país, porém com ressalvas, pois sabia ser o tema um tanto quanto delicado:

Queria a extinção do trabalho escravo, mas achava que toda prudência era
pouca nesse assunto e, estivesse no país em maio de 1888, não teria sido
assinada a „lei áurea‟, como ele próprio chegou a admitir. Queria que o país
tivesse sempre em boa ordem as finanças e a moeda sólida, por lhe
parecerem exigidas por uma elementar prudência, ainda quando a realização
de tais desejos pudesse perturbar a promoção do desenvolvimento material,
da instrução pública, da imigração, que também queria. Ora, a meticulosa
cautela deixa de ser virtude no momento em que passa a ser estorvo: lastro
demais para pouca vela142.

139
FAORO, R. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo, Globo, 2012.
p. 518.
140
FAORO, R. Op. cit. p. 518-521. Faoro menciona as diferenças entre o que ele descreve como setor
“decrépito”, os agricultores do Vale do Paraíba, e o setor em ascensão, os do oeste paulista. Identifica que este
segue em direção à República e veem no trabalho livre (apesar de não ser uma unanimidade entre eles) a
salvação da lavoura, enquanto os primeiros seguem fieis ao trono e ao regime escravista. Para ele fora o
excessivo centralismo monárquico, que não acompanhando as mudanças do setor agrário-exportador, deixando-o
desamparado quanto, principalmente, a crédito, que corroborou definitivamente para o fim do Império. “O que o
fazendeiro fez (...) foi conformar-se com a República nascente” p. 521.
141
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 71.
142
HOLANDA, S. B. Capítulos de História do Império. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 142.
51

Para Sérgio Buarque de Holanda era sempre de D. Pedro II a “decisão última nos
negócios importantes”. Mas sua excessiva prudência para se tomar atitudes e a vontade de
sempre deixar explícita que ela (sua vontade) não prevalecia sobre as decisões do Império,
fazia com que caracterizasse certa “inércia” política do monarca.
“D. Pedro II foi um rei que governou”. Assim descreve Milton Costa para análise que
faz sobre a visão de Sérgio Buarque sobre o poder do Imperador. Porém, pecou pelo
preciosismo. Muito detalhista, perdeu a capacidade de uma visão ampla dos problemas do
país. “A dedicação minudente aos negócios entorpecia o andamento da administração”.

O imperador utilizou seus poderes para frear as reformas exigidas pela


modernização do país – como a reforma eleitoral, a abolição da escravidão e
outras143.

Para Thomas Skidmore, na década de 1860, o poder político no país entrou em um


equilíbrio, ficando “as poderosas oligarquias agrárias das províncias mais importantes” de um
lado e do outro o Imperador. Contudo, a Guerra do Paraguai demonstrou o lado autoritário do
monarca, que insistiu na permanência de uma guerra impopular, mesmo quando teve
possibilidade de um acordo de paz.
A crítica ao Imperador era no sentido da paradoxal relação de ser um monarca
esclarecido de um país escravocrata:

Era sob a autoridade do imperador e de seus ministros que a polícia e o


Exército caçavam escravos fugidos e os devolviam aos senhores, às vezes
para serem torturados e multilados144.

Apesar disso, argumenta o norte-americano que o monarca estava muito longe de ser
“o tirano pintado pelos panfletários republicanos”. No que tange as questões sociais, ele era
mais “liberal e tolerante” do que “parte da velha elite política”. Mas resistia as “iniciativas
liberais” que tentavam reduzir o seu Poder Moderador145.
Quando o historiador relata a carta que José do Patrocínio enviou a Victor Hugo,
pedindo que interviesse junto ao Imperador pelo fim da escravidão, ele fica surpreendido com
tal situação:

O ato de Patrocínio chamou atenção por duas razões: primeiro, pelo fato de
ele imaginar que Hugo pudesse ter tanta influência (...); segundo, por pensar

143
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 71.
144
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 39.
145
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 40.
52

que d. Pedro II tivesse poder para abolir a escravidão. Seria isso uma
avaliação exagerada do poder da Coroa, que os liberais, afinal de contas,
esperavam limitar? Ao que parece, Patrocínio, o orador inspirado que
induzia as massas à ação pela via emocional, sucumbiu a uma ilusão
característica da elite: a de que o Imperador realizasse o sonho liberal com
um simples gesto magnânimo146.

No mínimo confusa a linha de raciocínio tomada por Thomas Skidmore em relação ao


poder do Imperador. O descreve como autoritário, governando um país escravocrata, mas
tolerante para com as questões sociais. Considera Patrocínio ingênuo por esperar que D. Pedro
II “tivesse poder para abolir a escravidão”.
Não é possível entender se o monarca possuía ou não poderes, ou se era limitado
apenas no que tange a questão da abolição pelo seu poder está vinculado a política escravista.
Jacob Gorender não via em D. Pedro II um tirano. Acreditava que ele “sempre teve
que levar em conta as pressões institucionais (Conselho de Estado, etc.) e dos grandes
senhores escravistas, os quais também estavam presentes na política imperial”147. Ele acredita
que o monarca reconheceu no “abolicionismo um novo ator político”. Entretanto “acenou com
vagas sugestões de simpatia”148.
Para ele, a Coroa não deixou de constatar a importância e popularidade do movimento
abolicionista. E, muito curiosamente, coloca que ela não deixou de olhar para a questão
agrária. Mesmo sem ratificar, e descreve ser uma temática que precisava de estudos, por isso
muito delicada, chega a mencionar uma suposta proposta de reforma agrária por parte do
Imperador149.
Sidney Chalhoub descreve que o Imperador tentou aliar sua imagem à emancipação
dos escravos:

D. Pedro II, portanto, levantava questões espinhosas ao reforçar sua imagem


de defensor da ideia da emancipação dos escravos através da farta
distribuição de graças em datas festivas (...). Mais difícil do que entender a
carpintaria política-teatral do imperador, porém, é tentar compreender as
atitudes dos escravos diante de tudo isso (...). Não há dúvidas de que a figura
de d. Pedro II gozava de certa popularidade entre os negros, pelo menos nos
anos finais da monarquia150.

146
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 58.
147
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 70-71.
148
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 185.
149
GORENDER, J. op. cit. p. 187.
150
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 223.
53

Claramente para o historiador, os escravos foram os reais protagonistas da história.


Mas ele não deixa de perder de vista o papel do imperador nesse processo. E é nítido que para
ele, toda a demonstração de simpatia a causa abolicionista, fazia parte de uma “carpintaria
política-teatral” do monarca.
Diante disso, ficamos longe de obter uma visão hegemônica da relação entre D. Pedro
II e a abolição da escravidão. O que não constitui um fato negativo, pois a diversidade
constatada na leitura permite maior qualidade na discussão sobre a temática, que será
realizada nos próximos capítulos.
Presenciamos neste capítulo as diversas vozes quanto às concepções e ideais tanto
abolicionistas quanto escravistas do Brasil do XIX. Percebemos como se desenvolveram tais
concepções no processo abolicionistas. E como são também diversas as leituras de obras da
historiografia brasileira quanto ao papel de D. Pedro II na abolição da escravidão.
Após traçarmos um panorama do processo histórico pelo qual se encaminhou a
extinção do regime escravista no país, vejamos no próximo capítulo, como biografias sobre o
Imperador, descreveram a relação entre ele e este fim.
54

CAPÍTULO II
AS BIOGRAFIAS DE D. PEDRO II E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

“A biografia é o lugar da excelência da pintura da


condição humana em sua diversidade, se não
isolar o homem ou não exaltá-lo às custas de seus
dessemelhantes”
Philippe Levillain

No primeiro capítulo visualizamos as concepções e ideais da escravidão e da abolição


no Brasil do XIX, compreendendo desta maneira o contexto desse período, segundo (parte) da
historiografia brasileira. Essa contextualização colabora na árdua tarefa de percorrer os
caminhos pelos quais D. Pedro II pode ter seguido em sua defesa ou não da abolição da
escravidão.
Neste capítulo, cujo objetivo central é a análise de biografias sobre D. Pedro II,
utilizaremos cinco entre as mais de quarenta biografias publicadas ao longo de 142 anos.
Nelas buscaremos visualizar como foi (re)construída a trajetória do monarca em torno do
tema da abolição da escravidão. Objetivamos, portanto, verificar como essas obras descrevem
o papel do Imperador no processo que levou a extinção da escravidão, seguindo as ideias e
ideais que fizeram parte da concepção de mundo do Imperador, sua relação com o poder e
com os políticos e sua proximidade com o tema. Diante dessas análises, será possível avaliar
as convergências e divergências entre estas biografias e também com a historiografia
consultada.
A escolha das biografias escritas por Roderick J. Barman, Lilia Mortiz Schwarcz, José
Murilo de Carvalho, Paulo Napoleão Nogueira da Silva e Lídia Besouchet, dentre as diversas
publicadas, não constituiu tarefa fácil. Estas foram selecionadas, devido, principalmente, as
preocupações metodológicas de escrita dos seus autores, pois os mesmos recorreram aos
diários de D. Pedro II e de outros membros da família real e figuras políticas importantes do
Brasil Imperial. As cartas trocadas, jornais do período e imagens (fotos, pinturas e outros
objetos) também fizeram parte de suas fontes documentais.
Somado a isso, outras biografias anteriormente publicadas, principalmente as duas de
maior volume e detalhes, a de Heitor Lyra (3 volumes) publicada na década de 1930 e de
Pedro Calmon (5 volumes) publicada nada década de 1970, foram contempladas na narrativa
das obras escolhidas. A temporalidade dessas também constituiu fator de seleção, pois foram
publicadas entre os anos de 1993 a 2012, um lapso temporal próximo. Maior rigor acadêmico
é mais visível nas três primeiras obras, enquanto as duas últimas é perceptível o
55

romanceamento do personagem. Apesar de que, todas elas modelaram o Imperador de acordo


com as escolhas de suas fontes e objetivos de suas obras.
No entanto, antes de iniciarmos a análise destas obras, precisamos compreender a
importância deste gênero e suas problemáticas. Pois a biografia sempre esteve presente na
escrita da História. Mesmo que esta muitas vezes a tenha preterido entre os seus gêneros
narrativos, nas últimas décadas, o seu sucesso editorial trouxe uma nova discussão em torno
da escrita biográfica. Diversas vozes saíram em defesa e protesto a esta escrita como narrativa
histórica.
Pierre Bourdieu denunciou “A Ilusão Biográfica”151, alegando que pensar em história
da vida é pressupor que “a vida é inseparavelmente do conjunto dos acontecimentos de uma
existência individual concebida como uma história e o relato dessa história”152. Diante dessa
definição, acredita o sociólogo que somente a filosofia da história, e seu fundo teleológico
atenderiam a demanda desse “relato de uma vida”, ficando praticamente indiscernível a
biografia entre o relato de um historiador ou romancista153.
Por outro lado, Giovanni Levi argumenta que, apesar de “suas ambiguidades”154, ela é
de suma importância para entendermos a relação indivíduo-sociedade. Pois ao mesmo tempo
em que “ela é vista como o terreno ideal para provar a validade de hipóteses científicas
concernentes às práticas e ao funcionamento efetivo das leis e das regras sociais” é, também,
utilizada para “sublinhar a irredutibilidade dos indivíduos e de seus comportamentos a
sistemas normativos gerais, levando em consideração a experiência vivida” 155.
Sinteticamente: Estudar, pesquisar e ler essas vidas contribui para verificar esse espaço de
liberdade e de articulação entre o consciente e inconsciente, entre as pressões sociais,
econômicas, políticas e culturais e os desejos. É uma relação de interdependência a relação
indivíduo-sociedade.
François Dosse argumenta ser este gênero um híbrido entre a história e a literatura. Ou
melhor, um campo aberto a experimentações do historiador, pois inevitavelmente se encontra
entre os dois polos que tecem o trabalho historiográfico: o científico e o ficcional. Ao
perceber os limites da escrita biográfica, podemos compreender a dificuldade de rotular um
caráter científico a este estilo. No entanto, Dosse aponta uma saída:

151
BOURDIEU, P. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, M. M; AMADO, J. Usos & abusos da história oral.
8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 183-191.
152
BOURDIEU, P. op. cit. p. 183.
153
BOURDIEU, P. op. cit. p. 183-184.
154
LEVI, G. “Usos da biografia”. In: FERREIRA, M. M; AMADO, J. Usos & abusos da história oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. P. 167-182.
155
LEVI, G. op. cit. p. 167.
56

Hoje já se compreende bem que a história é um fazer levado a cabo pelo


próprio historiador e, portanto, até certo ponto dependente da ficção. Diga-se
o mesmo do biógrafo, o qual ficcionaliza seu objeto e torna-o, por isso
mesmo, inalcançável, apesar do efeito do vivido que com isso obtém156.

É natural da ciência histórica, incluindo a escrita biográfica, recorrermos à ficção para


“fazer sentido”, ou até mesmo, para aplicar um “efeito do vivido” como citado pelo autor.
Porém tal artifício está para ratificar esse efeito, que no caso da biografia, seguindo a
argumentação de Levi, pode ser um “elemento privilegiado na reconstituição de uma época,
com seus sonhos e angústias”157. O aspecto ficcional colabora para a explicação desta ciência,
que não se esgota, tampouco o historiador teria tal pretensão.
Podemos aceitar que o gênero biográfico fica mais exposto à crítica, até pela tendência
totalizante de se narrar uma vida. Mesmo assim, não podemos refutar sua importância. Além
da possibilidade de ver as rupturas, espaços de manobras e fugas às estruturas por parte dos
indivíduos, temos que considerar o que Dosse caracterizou como o “enigma biográfico”, que
sobrepõe o rigor de uma escrita biográfica, ou como escrito por Philippe Levillain, ser a
biografia “o lugar de excelência da pintura da condição humana em sua diversidade”158.
D. Pedro II é um personagem histórico que exemplifica esse “enigma biográfico”.
Como vimos, há grande número de biografias dedicadas ao monarca. Tal cenário,
acreditamos, nos auxiliará a verificar como foi escrita e (re)escrita a vida do Imperador e
principalmente, compreender a relação de sua trajetória com os principais temas do Segundo
Reinado.
Baseando-nos na argumentação do Giovanni Levi, de ser a biografia um lugar
privilegiado para ver a relação indivíduo-sociedade, assim como a de René Rémond que
vislumbra certa liberdade de ação dos agentes políticos diante das estruturas, poderemos
melhor visualizar a relação do monarca com a abolição da escravidão.
Assim como Jacques Le Goff viu seu São Luís “participando simultaneamente do
econômico, do social, do político, do religioso, do cultural”, agindo em “todos esses
domínios”159, o D. Pedro II das biografias analisadas também se insere e participa de todos
esses espaços, de forma que as suas atuações e posições foram influenciadas por esses espaços
e também os influenciaram. Afinal, o personagem biografado, assim como o sujeito histórico,

156
DOSSE, F. O Desafio Biográfico: Escrever uma Vida. tradução de Gilson César Cardoso de Souza São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 71.
157
Ibidem, p. 71.
158
LEVILLAIN, P. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, R. Por uma história política. Tradução de
Dora Rocha. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2003. p. 176.
159
LE GOFF, J. São Luís. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 21.
57

como vimos “constrói-se a si próprio e constrói sua época, tanto quanto é construído por ela.
E essa construção é feita de acasos, de hesitações, de escolhas”160. Portanto, não podemos
tomar a posição do Imperador diante da temática extinção da escravidão apenas como
consequência do seu tempo histórico.
Outro ponto que podemos discutir sobre as biografias do Imperador, é justamente a
grande quantidade de publicação. Para François Dosse, o fato de o gênero biográfico estar
constantemente presente, em nosso caso particular ser sempre objeto de nova publicação, é
porque cada geração mobilizou o “conjunto de instrumentos que tinha a disposição” 161. Com
isso a cada mudança deste “conjunto de instrumentos” há necessidade de novas respostas:

(...) escrevem-se sem cessar as mesmas vidas, realçam-se as mesmas figuras,


pois lacunas documentais, novas perguntas e esclarecimentos novos surgem
a todo instante162.

E acreditamos também, que assim como o trabalho historiográfico, as biografias estão


vinculadas ao “lugar social” descrito por Michel de Certeau, ou seja, os trabalhos biográficos
assim como “toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção
socioeconômico, político e cultural” 163.
Essas colocações nos auxiliam a compreender o porquê, apesar de convergirem em
diversos aspectos, às biografias do D. Pedro II, de acordo com o lugar social do biógrafo e o
seu “conjunto de instrumentos” escolhidos, proporcionará uma leitura diferente do seu
personagem.
Vejamos então como essas biografias foram construídas, e como elas relatam a relação
do Imperador com a abolição da escravidão.

“IMPERADOR CIDADÃO” – RODERICK J. BARMAN

Roderick J. Barman, professor de História na Universidade de Colúmbia Britânica,


aventurou-se em estudar a história do Império Brasileiro. Além da biografia, que aqui
analisaremos sobre D. Pedro II, cujo título do original em inglês é “Citizen Emperor: Pedro II
and the Making of Brazil, 1825-91”, publicada em 1999 pela Stanford University Press,
traduzida para o português como “Imperador Cidadão”, publicado pela Editora Unesp em
160
LE GOFF, J. São Luís. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 23-24.
161
DOSSE, F. O Desafio Biográfico: Escrever uma Vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2009. p. 11
162
DOSSE, F. op.cit. p. 11.
163
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 66.
58

2012, escreveu uma biografia sobre a Princesa Isabel e um livro sobre a formação do Império
Brasileiro, “Brazil: The forging of a Nation, 1798-1852”164. Verificamos, portanto, seu
interesse por esse período da história brasileira e longos anos dedicados a ele.
Ao longo das 615 páginas da biografia dedicada ao monarca brasileiro, podemos
visualizar, através da documentação utilizada, muito das anotações íntimas e oficiais (diários
e cartas) de D. Pedro II e de outros membros da família real, realeza e políticos brasileiros do
Segundo Reinado. Esses documentos permitiram Barman se debruçar sobre seu personagem
e, principalmente, construir o paradoxal político D. Pedro II.
Relembrando a argumentação do François Dosse acima, percebemos que Barman
disponibilizou de um “conjunto de instrumentos” para construir o seu D. Pedro II. Neste caso,
acreditamos que o que foi mobilizado tratou-se mais de escolhas do que disponibilidade de
outros instrumentos. A narrativa desta biografia é uma busca incessante de construir o
Imperador como “cidadão modelo” e tomado por uma racionalidade política que supera e
obscurece o sujeito Pedro de Alcântara. Apesar de que, em certos momentos o historiador
demonstra as crenças e desejos do monarca, mas até mesmo essas são para contribuir com sua
racionalidade política. Este é o modelo que Barman utilizou para construir seu personagem 165.
Antes de evidenciarmos a abolição da escravidão nesta obra, vamos observar como o
historiador relaciona o Imperador com o poder. Logo na introdução Barman demonstra a
posição em que ele vê o monarca diante do trono:

(...) O fato de D. Pedro II usar seus poderes com cautela, atendo-se à


estrutura da Constituição e com um olho na opinião pública (conforme ele a
interpretava), de modo algum diminuía seu controle sobre o sistema político
do país. Era dele a iniciativa em assuntos públicos e se revelou hábil em
aproveitar ou criar oportunidades para atingir os objetivos que buscava. O
círculo do poder no Brasil tinha de se submeter ao imperador, tanto na
solução de questões políticas quanto na distribuição de cargos políticos166.

Para Barman D. Pedro II reinava e governava. E não só isso. Ao dominar os assuntos


públicos da nação e manter uma “integridade e imparcialidade respeitada por todos”, o
monarca acabou por ser identificado como “o imperador modelo e o cidadão modelo”167. Ele
passou então a ditar e comandar a opinião pública nacional por ser um “modelo de cidadão” e

164
Obras em ordem de citação do texto: BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
BARMAN, R. J Princesa Isabel do Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2005. BARMAN, R. J. Brazil: The
Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988.
165
Agradeço ao Professor Dr. Leandro Duarte Rust, responsável por demonstrar na banca de qualificação o
marcante enquadramento estilístico das biografias sobre D. Pedro II que analisamos. Além disso, evidenciou a
modelagem de cada uma das biografias.
166
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 8.
167
BARMAN, R. J. op. cit. p. 8.
59

por sua integridade admirada por todos. Acabava por minar qualquer tentativa de oposição de
seus ministros.
Vejamos o que o autor fala sobre a relação do monarca com o processo abolicionista.
A primeira vez que a mão do Imperador é sentida em relação ao tema foi na crise entre
Brasil e Inglaterra, devido ao fim do tráfico negreiro. Para Barman é impossível não ver a
importância do monarca na resolução dessa crise e na extinção do tráfico negreiro:

Na resolução bem-sucedida dessa crise, D. Pedro II desempenhou um papel


central. Ele incentivou o Gabinete conservador a comprometer-se com a
imediata extinção do comércio e resistiu a todas as pressões para destituir o
Gabinete do poder. Em julho de 1850, ele permitiu que seu apoio ao projeto
de lei do governo fosse publicamente conhecido, ao informar D. José de
Assis Mascarenhas, seu indiscreto camareiro, sobre seu ponto de vista.
Acima de tudo, ele deu apoio indispensável à efetiva supressão do comércio
ilegal. Ninguém que estivesse envolvido direta ou passivamente no
contrabando de escravos poderia a partir daquele momento contar com
qualquer honraria governamental ou cargo oficial168.

É possível perceber, lendo o trecho do livro de Barman, a importância do monarca na


supressão do tráfico. D. Pedro II assegurou a manutenção do Gabinete, que para o historiador,
havia se comprometido em por fim a esse comércio. De forma dissimulada, o Imperador
permitiu que sua posição sobre o assunto fosse conhecida169.
Não é possível perceber no livro os motivos que levaram o monarca a apoiar o fim do
tráfico negreiro. Mas como um “modelo de cidadão”, a concepção de progresso disseminada
na Europa, provavelmente constituiu importante justificativa para tal atitude.
Em cartas enviadas ao cunhado, Fernando, rei consorte de Portugal, D. Pedro II
explicou que possuía um programa (“meu programa”), que visava o “melhoramento e
progresso do país” e buscava na França inspiração. Segundo Barman, o monarca sonhava em
fazer do Brasil a França da América Latina:

(...) Como governante e cidadão-modelo do Brasil, D. Pedro II incorporava a


garantia e a promessa não do que a jovem nação era, mas do que poderia e
deveria ser. Por abraçar a cultura europeia e a nova tecnologia, ele
representava o futuro. O imperador desejava então converter o sonho em
realidade, lançar o Brasil aos benefícios do progresso. (...) Desse modo, o
país seria a França da América do Sul. Tudo isso devia ser alcançado sem

168
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 186-187.
169
Segundo Barman, essa era uma “artimanha” muito utilizada pelo Imperador para “deliberadamente revelar
sua opinião sobre um assunto a um ou mais de seu círculo íntimo, ele garantia que essa informação seria
rapidamente repassada fora da corte”. Dessa maneira seus ministros já iam preparados a não contrariar a sua
opinião, o que quando faziam, raramente conseguiam sucesso. Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São
Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 211.
60

qualquer ruptura da ordem social vigente, exceto pelo fato de que a


introdução dessas melhorias baniria a escravatura170.

Percebemos então a expectativas que o monarca possuía em relação ao futuro da


nação. Para se alcançar esses objetivos, deveria o país passar por mudanças sem “qualquer
ruptura da ordem social vigente”. Contudo, extinguindo a escravidão. Pela escrita de Barman,
esse processo que levaria a melhoria, consequentemente “baniria a escravidão”, talvez fosse
essa a única (é o sentido que se dá pela palavra exceto) ruptura. Seria, portanto, a extinção do
tráfico o início do fim do regime escravista. O progresso deveria vir com moderação, é o
sentido que podemos tirar da construção textual do historiador.
Após alcançar este propósito, a partir da lei que ficou conhecida como Lei Eusébio de
Queiroz, a questão da escravidão só voltou a atormentar o cenário político brasileiro na
segunda metade da década de 1860.
Barman dedica o capítulo Triunfos da Vontade, 1864-1871, a retratação de dois sérios
desafios que o Imperador teve que enfrentar neste período: a escravidão e a guerra contra o
Paraguai. Descreve que aquela “era interna do Brasil, com implicações internacionais, e esta
era uma questão internacional com implicações internas”171. Em ambos os casos ele coloca na
conta de D. Pedro II a “vontade” e os “triunfos”.
O historiador descreve o Brasil como um país escravocrata, no qual “a escravidão
permeava cada faceta da economia e da vida”. Assusta-se com a paradoxal situação de “até
escravos possuírem escravos”. No entanto, aponta que os “círculos governantes do Brasil”
não viam a escravidão como “benéfica aos escravos”, pelo contrário, seria uma “mal
necessário para a prosperidade de agricultura, o motor da economia”172.
A continuidade da escravidão para os “círculos governantes” “maculava a reputação
do país aos olhos dos que consideravam o mundo civilizado”. Era um entrave ao progresso
que o país precisava trilhar. “Por outro lado, eles não pretendiam interferir em uma instituição
tão fundamental à ordem socioeconômica”, ou seja, apesar da mancha que causava o regime
servil ao Brasil, era essencial para a estabilidade social e econômica.
A aposta desses governantes seria aumentar o “fluxo de imigrantes da Europa”,
substituindo a mão de obra escrava-africana, pela livre-europeia. A defesa para não se mexer
com a escravidão era a sua continuidade no “Novo Mundo, e particularmente nos Estados
Unidos”. Enquanto essa situação permanecesse, o país não receberia “sanções internacionais

170
BARMAN, R. J. op. cit. p. 239-240.
171
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282.
172
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282.
61

ou ação direta para forçar a abolição da escravatura dentro de suas fronteiras”. O Imperador
não só concordava com essa visão como teria tido “um importante papel na formação dessas
atitudes” 173 ao ter ação direta no fim do tráfico e estimular a imigração europeia.
D. Pedro II evitava sempre a “menção pública à escravidão”, em seus discursos
oficiais, sempre esse termo era trocado por regime servil, e escravos por servos174. Mas “ele
não fazia segredo, em particular, de que não a aprovava”175. E se ele não possuía escravos o
Estado os tinha:

Os palácios e propriedades imperiais estavam repletos de escravos que


tecnicamente eram propriedades da nação, mas, na verdade, eram
controlados pelo imperador e sua família176.

Com a eclosão da Guerra Civil e, posteriormente, criação de emenda constitucional


que pôs fim a escravidão nos Estados Unidos, a questão escravista passou a ser preocupação
para o Brasil. Barman descreve que foi o Imperador o primeiro a se preocupar sobre tal
situação. Afinal, findando a escravidão nos EUA, só se matinha esse regime nas colônias
espanholas e no Brasil, e segundo o historiador, “a Espanha não estava em posição de resistir
a pressões para o fim da escravidão em suas possessões”177. Vejamos as recomendações que o
monarca escreveu para Zacarias de Góes e Vasconcelos, presidente do Conselho de Ministros,
em 1864:

O sucesso da União Americana exige que pensemos no futuro da escravidão


no Brasil, para que não nos suceda o mesmo que a respeito do tráfico de
africanos. A medida que me tem parecido profícua é a da liberdade dos
filhos dos escravos, que nascerem daqui a um certo número de anos. Tenho
refletido sobre o modo de executar a medida; porém é da ordem das que
cumpre realizar com firmeza, remediando os males que ela necessariamente
originará, conforme as circunstâncias permitem. Recomendo diversos
despachos do nosso ministro em Washington, onde se fazem mais avisadas
considerações sobre este assunto178.

A mensagem de Barman é bem próxima da exposta por Ricardo Salles (capítulo 1). A
preocupação do monarca com a pressão externa está evidente neste trecho. Impedir a crise
com a Inglaterra e uma guerra civil é a justificativa para antecipar o processo.

173
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282-283.
174
No próximo capítulo poderemos verificar essa situação nas Falas do Trono.
175
BARMAN, R. J. op. cit. p. 283.
176
BARMAN, R. J. op. cit. p. 283.
177
BARMAN, R. J. op. cit. p. 284.
178
Rascunho de recomendações de 14 jan. 1864, de AHMI POB maço 134 Doc. 6.553 In: BARMAN, R. J. op.
cit. p. 284.
62

É também instigante a solução apontada pelo monarca, que acabou por se efetivar anos
mais tarde. Tanto conservadora, seguia o lema de um progresso com moderação. No entanto,
as circunstâncias não permitiram ação em prol de uma legislação abolicionista. A guerra
contra o Paraguai se iniciou e foi necessário esperar.
Ao fim da guerra, além dos EUA que decretou o fim da escravidão, a Espanha também
havia caminhado para extirpá-la de suas colônias. “Dessa forma, o Brasil estava exposto como
o único Estado-nação no Hemisfério Ocidental que não havia se comprometido a tratar o
problema da escravidão”179. A guerra foi o motivo que o país utilizou para responder ao
mundo pela sua inatividade em prol da causa. Mas nos bastidores D. Pedro II trabalhava para
que não se demorasse a tramitar uma lei emancipatória pós-guerra.
Em 1866 ele solicitou ao marquês de São Vicente a elaboração de projetos de leis que
visasse esse fim. Elaboraram cinco projetos que “levariam ao fim da escravidão até o final de
1899 e que continha cláusulas para a proteção dos escravos e a melhoria de suas condições”180.
O Imperador encaminhou os projetos ao marquês de Olinda, presidente do Conselho
de Ministros em 1866, para que fosse submetido ao Conselho de Estado. Mesmo com o
consentimento dos demais ministros, Olinda “recusou-se de modo inflexível a consentir
qualquer ação a respeito”, alegava que “dada a ausência das forças militares no Paraguai, tal
proposta encorajaria os donos de escravos a adotar a resistência armada”. A perspicácia do
Imperador o fez esperar o “momento mais oportuno”181.
Nesse mesmo ano, quando a Junta Emancipatória Francesa enviou uma petição ao
Imperador pedindo soluções para o fim da escravidão no Brasil, segundo Barman, D. Pedro II
persuadiu o Gabinete responder “tanto por ele quanto por si mesmo”:

A emancipação dos escravos, o necessário corolário da abolição do comércio


escravagista, é, portanto, não mais uma questão de meios e oportunidade182.

Para o historiador tal resposta foi uma “manobra extremamente hábil” do Imperador.
Pois comprometeu os governantes à abolição, “por meio de uma promessa pública aos
intelectuais franceses”. Portanto, “a resposta tornava a ação sobre a questão da escravidão
inevitável e iminente”. O episódio também fortalecia a “autoridade do imperador”, pois “era
ele que a opinião pública fora do Brasil atribuía responsabilidade pela resposta”183. O evento

179
BARMAN, R. J. op. cit. p. 299.
180
BARMAN, R. J. op. cit. p. 300.
181
BARMAN, R. J. op. cit. p. 301.
182
AHMI POB Maço 138 Doc. 6.794 Minuta (com emendas manuscritas de D. Pedro II) e cópia passada a
limpo, ambas em francês, da carta. In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 303.
183
BARMAN, R. J. op. cit. p. 303.
63

possibilitou D. Pedro II a dar um xeque-mate em seus ministros, parlamento e opinião pública


nacional e internacional.
O retorno de Zacarias de Góis e Vasconcelos à Presidência do Conselho de Ministros
em 1867 foi, para o historiador, devido a sua simpatia para com a questão da lei
emancipatória. Zacarias remeteu a discussão ao Conselho de Estado, presidido pelo
Imperador. Era sabido pelos conselheiros o posicionamento do monarca em relação ao tema.
Mesmo constrangidos, foi por pequena diferença de votos, que nas duas consultas se aprovou
pelo Gabinete a criação de uma comissão incumbida de elaborar uma minuta, baseada nos
projetos de São Vicente184.
A menção na Fala do Trono em 1867 sobre a temática, “comprometia a si mesmo [o
Imperador] e ao regime, e, portanto todo político aspirante, com a ação sobre a escravidão”185.
D. Pedro II conseguiu criar na opinião pública o caminho para a aprovação da lei.
A guerra se arrastava e o Imperador se impacientava com a indefinição tanto do seu
fim, quanto da tramitação e aprovação de uma lei emancipadora. Algumas instruções escritas
por ele deixam claro essa impaciência: “Não desisto do projeto do elemento servil para ser
apresentado no tempo oportuno”186.
Praticamente dois anos se passaram e a questão do elemento servil não se resolveu.
Em contrapartida o Imperador aumentou a pressão sobre os ministros. Ameaçando inclusive o
novo presidente do Conselho de Ministros, marquês de Itaboraí, de que viria a mencionar em
seu discurso na Fala do Trono questões sobre a temática. A carta é bem reveladora:

Sr. Itaboraí,
Não sei quando se abrirão as Câmaras: porém é necessário que eu possa a
tempo examinar o projeto da fala do trono.
Pelos motivos que lhe tenho exposto, e entre os quais o senhor bem sabe que
não tem senão menor importância o meu modo de pensar, entendo que seria
um grande erro o não dizer o governo alguma coisa sobre a questão da
emancipação na fala do trono.
As minhas ideias capitais são que voluntariamente pôs em prática o barão de
São João do Príncipe [fazendeiro da província do Rio de Janeiro]. [...]
Escuso dizer que tudo o que lhe acabo de escrever será sabido unicamente do
ministério, que muito estimarei concorde comigo na necessidade que sempre
lhe tenho exposto de alguma coisa fizer-se na fala do Trono a respeito desse
assunto, de que todos parecem ocupar-se menos o governo187.

184
BARMAN, R. J. op. cit. p. 308-309.
185
BARMAN, R. J. op. cit. p. 309. Analisaremos esse discurso no próximo capítulo.
186
Instruções manuscritas pelo imperador datadas de 14 jul. 1868. In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 301.
187
PINHO, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 330-331.
64

Segundo Barman, essa minuta da Fala do Trono foi discutida em “dois despachos
extraordinários na quarta e na quinta-feira, dias 4 e 5 de maio”188 de 1870. Após essas
discussões o Imperador não conseguiu persuadir seus ministros. Foram dois votos a favor e
quatro contra mencionar a questão do elemento servil no discurso. Depois a tentativa de
persuasão do monarca passou a ser, a de incluir os “braços livres” no discurso:

(...) a frase devia ser alterada ainda mais para o “desenvolvimento moral e
material do Império [...] depende do trabalho livre aplicado à lavoura,
principal fonte de nossa riqueza”. A mão de obra livre era almejada por
todos, o imperador argumentava, e incluir a ideia no discurso não
comprometia o governo. Os ministros objetaram à noção de que a emenda
proposta implicitamente condenava a escravidão, e portanto, eles não
poderiam aceitá-la189.

Um comentário do barão de Cotegipe, incluído por Barman nessa discussão diz muito
sobre a disposição de D. Pedro II em ver uma lei emancipadora:

N.B.: 1º, que uma peça ministerial fosse tão discutida pela Coroa; 2º, a
audiência de opiniões individuais, quando o Gabinete só as tem coletivas em
tais casos e assim se apresenta.
(Escrito na noite de 5 de maio).
P.S.: Quando nesta conferência disse que a questão era semelhante à pedra
que rolava a montanha e que nós não devíamos precipitar, porque seríamos
esmagados, S. M. [Sua Majestade] respondeu que não duvidava expor-se à
queda da pedra, ainda que fosse “esmagado”!
E o Brasil? Esta é a questão...190.

O monarca estava claramente disposto a precipitar tal pedra. Diante da dupla negativa
de seus ministros em colocar o que desejava na Fala do Trono, ameaçou que “pretendia
colocá-los aplicando publicamente o princípio do livre nascimento aos escravos em seu
domicílio”191. Tal colocação assustou os ministros que, mais uma vez, se postaram contra essa
medida do Imperador. Mesmo assim em 20 de maio ele assinou o decreto, libertando os filhos
dos escravos domésticos. Na Fala do Trono de 6 de maio de 1870 não houve menção à
questão da emancipação.
Essa foi uma “vitória de Pirro”, como denominou Barman. O curso dos
acontecimentos levou à aprovação da Lei do Ventre Livre um ano depois. Como vimos
anteriormente, e o biógrafo ratifica, conde d‟Eu, quando líder das tropas brasileiras no

188
BARMAN, R. J. op. cit. p. 331.
189
BARMAN, R. J. op. cit. p. 333.
190
PINHO, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 332-333.
191
BARMAN, R. J. op. cit. p. 333.
65

Paraguai, aboliu a escravidão naquele país. Quando retornou não recebeu retaliação alguma.
Talvez a grande pressão viesse, mais uma vez, de fora:

(...) Em maio de 1870, o governo espanhol introduziu um projeto de lei que


declarava livres todas as crianças escravas nascidas em suas colônias a partir
de 18 de setembro de 1868 e alforriou todos os escravos com mais de 60
anos. Os nascidos livres deviam permanecer sob tutela (e, portanto,
obrigados ao trabalho não remunerado) até a idade de 22 anos. A
apresentado nas cortes em 28 de maio, o projeto de lei foi aprovado em 4 de
julho. O Brasil viu-se sozinho em manter a escravatura intacta192.

Diante do exposto, foi o surgimento de vozes na Câmara dos Deputados, que pediam
medidas em relação ao tema, que minaram o Ministério. Sem a confiança do Imperador, logo
o Ministério foi tirado de cena.
O novo presidente, marquês de São Vicente, recebeu instruções de D. Pedro II: “outra
medida legislativa de urgência igual [...] é a que se refere ao elemento servil” 193. Ele não
desistia. A pouca habilidade política de São Vicente e a dureza do tema, fez com que caísse.
O visconde de Rio Branco foi chamado para conseguir a aprovação da lei.
Antes da promulgação da lei, D. Pedro II conseguiu aprovação do Parlamento para sua
viagem à Europa. Para Barman, mais uma vez o monarca agiu estrategicamente:

(...) Ao se retirar do país durante a discussão da proposta de lei que dava


liberdade aos filhos nascidos de escravos, ele impediu que os oponentes da
medida alegassem que sua presença impedia uma franca discussão no
Legislativo. Sua ausência também servia para desencorajar a oposição. Foi
amplamente propalado que, se o projeto não fosse aprovado, o imperador
abdicaria e não retornaria ao Brasil, dessa forma deixando o país nas mãos
de uma mulher inexperiente que ainda não completara 25 anos194.

Importante deixar registrado que essa colocação feita pelo historiador se baseia na
Autobiografia de Cristiano Ottoni, reconhecido por seu republicanismo. Tal colocação é
ímpar e confirma não somente as artimanhas políticas do Imperador, como sua dedicação
extremada em ver uma lei emancipacionista aprovada. Afinal, chega a colocar o seu trono em
perigo. No entanto, não há maiores detalhes.
Mesmo após sua partida e com o habilidoso Rio Branco como presidente do Conselho
de Ministros, a aprovação da lei não foi fácil. Depois de árdua discussão, pressão e ameaças o
projeto foi aprovado e seguiu para o Senado, no qual se esperava maior aceitação. Todavia ali
também se travaram longos dias de discussão.

192
BARMAN, R. J. op. cit. p. 334.
193
BARMAN, R. J. op. cit. p. 336.
194
BARMAN, R. J. op. cit. p. 337.
66

No dia 6 de setembro foi aprovado pela Câmara de Deputados, e somente no dia 27


obteve-se o aval do Senado. No dia seguinte a Princesa Regente assinou a lei.
Este feito, foi para D. Pedro II a coroação de sua vontade, argumenta Barman: “Ele
acabava de atingir ambos os objetivos que, desde 1864, perseguia incansavelmente, apesar de
todos os desalentos e contratempos”195. Derrotou o Paraguai e aprovou a lei do ventre livre.
Apesar de todo empenho em prol de uma lei emancipacionista, sua aprovação “mudou
tudo sem mudar nada”. O desejo do monarca de ver mudanças, mas sem radicalismo, marca
do seu reinado, fez com que muito de suas reformas implicassem mais em discurso do que em
prática. É o que parece ter acontecido, para Barman, na questão da Lei do Ventre livre:

A lei realmente garantia o eventual fim da escravidão no Brasil. Entretanto,


nada fazia de imediato para os escravos existentes. Muito poucos ganharam
a liberdade imediatamente, e o fundo de emancipação recebia escassos
recursos para seu propósito de comprar a liberdade desses escravos. Embora
a lei declarasse os filhos de mães escravas como “ingênuos” (livres ao
nascer), suas cláusulas na verdade mantinham-nos em estado de virtual
cativeiro até que atingissem a idade de 21 anos. O status quo da escravidão
estava, portanto, garantido por mais duas décadas. Incapaz de se reproduzir,
a escravidão acabaria desaparecendo, mas a lei de 28 de setembro de 1871
não estipulava data certa para sua abolição. (...). O desejo de controle do
imperador e seu rechaço a mudanças radicais lavaram-no a corroborar essas
atitudes196.

A resposta à civilizada Europa foi dada: o Brasil caminhou para o fim da escravidão.
Ao menos no papel. “Sem a influência e insistência de D. Pedro II a lei de 1871 não teria
passado”197, assim era como tantos os Liberais quanto os Conservadoras via a aprovação
dessa lei. Este foi o momento mais clarividente em que o Imperador mostrou a sua face
autoritária para ambos os partidos. Se o seu prestígio cresceu no exterior, decaiu fortemente
dentro de seu país.
Devido “as paixões intensas despertadas durante a promulgação da lei”198, o que se viu
foi um arrefecimento, e até mesmo, um esquecimento da questão da escravidão tanto pelo
governo quanto pelos partidos. Esperava-se que a partir desse momento se conseguisse o
resultado esperado de por fim a escravidão de forma gradual e sem transtornos. Mas sua
ineficiência se comprovou no final da década de 1870. Mais uma vez o fator externo veio
pressionar o Brasil: “as cortes espanholas aprovaram a abolição formal da escravidão nas

195
BARMAN, R. J. op. cit. p. 342.
196
BARMAN, R. J. op. cit. p. 356-357.
197
BARMAN, R. J. op. cit. p. 371.
198
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
67

colônias, ficando os antigos escravos obrigados a prestar serviços (...) por mais oito anos aos
seus antigos donos”199.
Como verificamos, e o historiador também relata, as mudanças do cenário
abolicionista brasileira ajudaram na aceleração do processo: a organização da uma campanha
no início da década de 1880, que se transformou em movimento popular, foi uma delas. Para a
jovem classe intelectual e urbana, que tinha como líder Joaquim Nabuco, a permanência da
escravidão era o principal entrava para o desenvolvimento do país:

(...) a escravidão era não apenas a negação das reivindicações do Brasil


como civilização, mas também a principal causa de seu evidente fracasso em
desenvolver-se tão rapidamente quanto os Estados Unidos desde 1865 e a
República Argentina desde a década de 1870. A abolição da escravatura
parecia a esses homens o remédio mágico que curaria os males sociais e
econômicos tão evidentes no início da década de 1880200.

Esse movimento, que tomou as ruas principalmente da corte, explorou todos os meios
de divulgação possíveis e conseguiu atrair as diversas classes urbanas descontentes com a
política imperial:

O movimento abolicionista era, em certo sentido, uma mobilização dos


prejudicados. Também era um movimento contra a nova exclusividade
ideológica que desprezava o povo porque era pobre, inculto e não branco.
Daqueles que participavam do movimento popular pela abolição, uma
porcentagem considerável era de descendência africana. Abolir a escravidão
iria, eles esperavam, remover uma das causas do racismo. O único e
essencialmente negativo objetivo da campanha abolicionista tornou-a um
movimento de protesto genérico que atraiu todos os descontentes com o
status quo201.

A campanha abolicionista saiu das ruas e invadiu as discussões parlamentares. A


instabilidade política que vinha se intensificando, agravou-se ainda mais com a retomada da
temática que despertava paixões intensas. O imperador, em carta a condessa de Barral,
demonstrou preocupação e imprudência dos dois lados202.
Por mais “simpatizante da causa da abolição” que fosse D. Pedro II, ele sabia, para
Barman, da delicadeza do assunto. “Era muito consciente da necessidade de evitar alienar os
interesses dos proprietários de terras que dependiam dos escravos”. O monarca proibiu que os
envolvidos com o governo participassem do movimento abolicionista203.

199
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
200
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
201
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458.
202
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458.
203
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458-459.
68

A pressão do movimento fez com que D. Pedro II escolhesse Dantas para chefiar o
novo Ministério. A solução encontrada pelo monarca tinha, segundo Barman:

(...) toda a aparência de um trabalho de autoria de D. Pedro II, pois buscava


efetivar uma conciliação entre os lados opostos e assim aquietar uma
agitação que, em sua opinião, ameaçava a perturbar a economia brasileira204.

Sem conseguir apoio, o Gabinete do liberal Dantas não conseguiu aprovar a lei dos
Sexagenários, fazendo com que o Imperador escolhesse o conservador barão de Cotegipe à
chefia do novo ministério. Este conseguiu a aprovação da legislação, mas interpretou a nova
lei “da maneira mais conservadora possível”, sujeitando, dessa maneira, o “movimento
abolicionista a constantes aborrecimentos”. D. Pedro II não passou ileso por suas escolhas.
Foi acusado de “abandonar a causa da liberdade” 205.
O fim do patronato em Cuba, que colocava uma pá definitiva na escravidão nessa
colônia espanhola, restando apenas o Brasil como o último país escravocrata do ocidente,
somado à defesa da escravidão e à tentativa de limitar as atividades do movimento
abolicionista realizadas pelo barão do Cotegipe, fez com que a escravidão ficasse insustentável
e a pressão pela abolição fosse imediata.
Devido à questão de saúde, D. Pedro II seguiu para Europa em 1887. De longe, e pelo
que descreve Barman, e sem participação, o monarca viu sua filha e regente se desentender
com o barão de Cotegipe, pois para ela era imediato à necessidade de uma lei que pusesse fim
à escravidão. Deste modo, a Princesa forçou a saída do barão e convocou João Alfredo,
simpático a causa, para a presidência do Conselho de Ministros. No dia 8 de maio de 1888 o
projeto que previa a abolição imediata da escravidão foi apresentado a Câmara. Em 13 de
maio a Princesa assinou a conhecida Lei Áurea.
Para Barman, se o Imperador estivesse no lugar da Princesa, talvez “pudesse ter
empregado seu prestígio e habilidade política para manobrar o governo [de Cotegipe] a tomar
uma atitude contra a escravidão”206. E dessa maneira poderia ter mudado o curso dos
acontecimentos. Porém, a história não permite suposições. E a abolição como se procedeu,
levou à ira dos fazendeiros, principalmente da decadente região do Vale do Paraíba do Rio de
Janeiro, e suas filiações ao Partido Republicano, segundo o historiador, na esperança de, com
a mudança do regime conseguir a tão sonhada indenização.

204
BARMAN, R. J. op. cit. p. 459.
205
BARMAN, R. J. op. cit. p. 461.
206
BARMAN, R. J. op. cit. p. 481.
69

Independente da consequência e dos transtornos que a abolição da escravidão causou à


monarquia e ao Imperador, o historiador argumenta, utilizando palavras do diário do Taunay,
que D. Pedro II manteve o Gabinete de João Alfredo, mesmo sem o apoio necessário do
Parlamento, pois ele “julga-se preso pela gratidão aos homens de 13 de maio; talvez seja levar
longe demais a gratidão”207.
Apesar disso, o que a obra de Barman demonstra, é certa passividade e distanciamento
do monarca tanto do tema da abolição da escravidão, quanto dos próprios negócios e políticas
do Estado.
Curiosa nota de rodapé demonstra a importância que Barman visualiza na abolição da
escravidão no reinado de D. Pedro II:

Do mesmo modo, se D. Pedro II tivesse falecido no momento em que a lei


da abolição da escravatura foi promulgada, a medida seria agora considerada
a suprema realização de um reinado dedicado ao progresso e à justiça. Em
vez disso, a Lei Áurea é geralmente tida como um ato precipitado que
alienou os proprietários de terras e, por conseguinte, derrubou o Império208.

Essa nota é exemplar também para compreender como o historiador construiu seu
personagem nessa biografia. De Imperador Cidadão ou cidadão-modelo, precursor de ideais
de progresso e civilização, D. Pedro II chegou ao fim de sua vida e do seu reinado,
envelhecido, sem saúde e não conseguindo acompanhar e aceitar as mudanças que ele mesmo
precipitou décadas antes. Para o historiador ele foi sim, “esmagado pela pedra”. De sábio
soberano, transformou-se no “Pedro Banana” dos jornais da corte.
É nítido o distanciamento do monarca na questão da abolição em seu processo final.
No fim do tráfico, foi importante ao dar apoio e sustentar o Gabinete que aprovou a lei. De
grande responsável pelas primeiras discussões emancipacionistas na década de 1860, e
impaciente para que a lei (do Ventre Livre de 1871) que previa o início do fim da escravidão
fosse decretada, passou a mero expectador da aprovação das leis abolicionistas na década de
1880, sendo inclusive, muito criticado devido à extrema moderação da lei dos sexagenários.
Visivelmente a opinião pública internacional em muito contribuiu para o soberano
tomar medidas em prol da causa. Evitar novos incidentes com a Inglaterra, o fim da
escravidão nos EUA em 1865, a Espanha aprovando legislações buscando também o seu fim
na mesma década, a pressão da Junta Emancipatória Francesa. Tudo isso podemos ver no

207
TAUNAY, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 493.
208
BARMAN, R. J. op. cit. p. 562.
70

livro como fundamental para aprovação das legislações. Esta é uma obra ímpar para visualizar
a importância da pressão externa sobre D. Pedro II, maior até mesmo que a interna.
É possível chegar à conclusão de que para Barman, D. Pedro II era um defensor do fim
da escravidão. Seu amor às ciências, progresso e civilização, que marcaram o século XIX e
são os valores que podemos perceber para sua contrariedade ao trabalho escravo. Fora que
seria naturalmente uma evolução pela qual o país passaria. No entanto seria necessário chegar
a esse resultado sem passar por grandes rupturas. Mais uma vez, a cautela nas reformas era
muito importante para o Imperador e por isso perdurou quase quarenta anos entre o fim do
tráfico e a libertação dos escravos no Brasil.

“AS BARBAS DO IMPERADOR” – LILIA MORITZ SCHWARCZ

Lilia Mortiz Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da


Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora sobre temáticas do período Imperial
brasileiro, publicou em 1998 umas das mais aclamadas biografias sobre D. Pedro II. “As
barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos”. Este livrou rendeu à
pesquisadora no ano de 1999 o Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura
brasileira.
Nas 623 páginas da obra, a antropóloga utilizando-se de biografias, publicadas
anteriormente (principalmente a de Heitor Lyra); diários de D. Pedro II; cartas trocadas entre
o monarca e vários amigos e amigas, políticos, parentes e intelectuais; fotos; pinturas;
diversas outras imagens, e confrontando estas fontes à teoria e historiografia brasileira,
conseguiu construir a trajetória de vida do Imperador, bem como da “monarquia nos
trópicos”, além do sentido de uma realeza em plena América do século XIX e toda uma
cultura e política que caracterizaram o Brasil deste século.
O título desta biografia da Lilia Schwarcz denuncia a modelagem que ela realizou de
seu personagem: “As barbas do Imperador – D. Pedro II, um monarca dos trópicos”. Grande
parte da obra ela dedica as imagens do Imperador e do Império. Trata-se de uma obra
ricamente ilustrada. As barbas do monarca também é objeto de estudo e de explicações. A
precocidade com que ele aparece de barba nos retratos é para demonstrar sua maturidade, e
obscurecer sua pouca idade. Diante ante disso, nitidamente a antropóloga busca construir toda
a teatralidade política da monarquia para evidenciar e legitimar tanto o seu poder quanto do
71

seu Imperador. As barbas são apenas um dos vários símbolos de representação desta
teatralidade política de D. Pedro II.
Vejamos como ela nos permite observar sobre o papel de D. Pedro II no processo de
abolição da escravidão.
Para a antropóloga, assim que teve sua maioridade antecipada (aos 14 anos), D. Pedro
II constituiu uma figura decorativa no meio político nacional. Até o final da década de 1840,
ele “reinava, mas de fato, não governava”209. Apenas ao final desta, começou a se inteirar dos
assuntos do Estado, e enfrentar seus primeiros desafios.
Schwarcz descreve que em torno de si o monarca organizou uma burocracia (os
“bacharéis”) e com o apoio dos Conselheiros conseguiu ditar as regras do jogo político. Com
a demonstração de “fragilidades dos dois partidos [liberal e conservador]” foi possível ver “as
potencialidades de intervenção de d. Pedro II”210. A ausência de “centralidade absoluta do
Estado e do imperador” é fato, porém a autora não refuta que o Imperador “cada vez mais,
reinará, governará e se tornará, aos poucos, uma espécie de fiel da balança” 211, inclusive
utilizando do seu poder moderador.
Conscientes da relação de D. Pedro II e o poder, descrita por Schwarcz, vejamos então
como ele procedeu na questão da abolição da escravidão.
É possível verificar que dissimulação e ambiguidade eram marcas da personalidade
política do Imperador:

(...) apesar de afirmar-se publicamente contrário à escravidão, usou


timidamente de seu poder de forma mais explícita no sentido de apressar a
abolição desta. Com efeito, se o final da escravidão era matéria da maior
apreensão, de toda maneira a política foi antes a de “deixar correr, deixar
passar”, enquanto se caprichava, mesmo, na fachada europeizante do
Império212.

Essa passagem deixa claro o “corpo mole” que o monarca fez em relação a este tema
tão caro ao seu reinado. Schwarcz afirma ainda que ele “vivia mais para representação pública
do que para si próprio”213. Manter e consolidar a imagem que ele vendia de si e do país para o
estrangeiro era mais importante do que os problemas reais do Brasil. A imagem que o

209
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 88.
210
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 118.
211
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 119-120.
212
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 324.
213
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 379.
72

Imperador ajudou a construir do Império brasileiro, encontrando refúgio no romantismo do


século XIX, a do “civilizado indígena”, buscou tornar invisível o escravo e a escravidão214.
O Brasil vivia uma “dialética ambiguidade”, que ao “mesmo tempo que o Estado
constituía o alicerce da escravidão, era o único que poderia derrubá-la”215. Quão delicado era
tocar nesse assunto.
A questão do tráfico negreiro, ou o “comércio infame” como explicitado pela
antropóloga, foi à primeira prova de fogo por qual passou o imperador. A manutenção desse
comércio, condenado pela maior parte das nações europeias, seria incluir o Brasil no “grupo
de nações bárbaras”, justamente o que o Imperador e a elite imperial vinham buscando
desconstruir216.
Para Schwarcz não se pode buscar compreender a aprovação da lei que, de fato,
conseguiu estancar o comércio transcontinental negreiro, sem olhar para uma perspectiva
mais ampla. Conjuntamente com essa lei foram aprovadas a Lei de Terras e a reforma da
Guarda Nacional:

(...) A polêmica Lei de Terras de 1850, apresentada pela primeira vez em


1843, visava organizar o país para o fim eventual do trabalho escravo –
tendo sido aprovada poucos dias após a interrupção do tráfico -, enquanto a
centralização da Guarda [Nacional] buscava fortalecer a posição do governo
perante os proprietários, cuja reação ao final do tráfico e às tentativas de
regulamentação da posse da terra teria sido negativa217.

Portanto, era necessário preparar essa transição. Mas na realidade o que se assistiu foi
o fim do tráfico, sem grandes alterações fundiárias no país.
Outra medida que o governo tentou implementar ao final deste comércio foi o
incentivo à imigração europeia, como substituto do trabalho escravo. Enquanto essa política
ficou na mão da iniciativa privada ela demonstrou-se um fracasso. Ao ser política do Estado, e
financiada por ele, começou-se a ver certo êxito. Além de servir como substituição da mão de
obra, atendia a outros interesses do governo imperial:

(...) o Império não só mudava sua imagem, como “se branqueava” com a
introdução de suíços e alemães que se dirigiam às fazendas de café. Afinal,
apesar do iminente fim da escravidão, não era possível esquecer o receio que
pairava nos meios científicos do “futuro de um país de raças mestiças”,

214
No capítulo “Um monarca nos trópicos”: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Imperial
de Belas-Artes e o Colégio Pedro II, Schwarcz descreve sucintamente o processo que levou o elemento indígena
a representar a nação e a invisibilidade do escravo. Ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 125-158.
215
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 415.
216
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 101.
217
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 102.
73

tampouco o medo do haitianismo, em um país onde a maioria da força de


trabalho era escravo218.

Apesar dessas preocupações na década de 1850, o que se viu posteriormente foi o


esquecimento da questão da abolição da escravidão. Somente na década de 1860 é que o tema
passou a ser incluído na agenda do governo, ou melhor, do Imperador. Muito devido à pressão
externa e a guerra que o Brasil travou contra o Paraguai, que paradoxalmente também
colaborou com o retardamento das discussões em prol de uma lei abolicionista.
A necessidade de aumentar o efetivo do exército na guerra, fez com que o governo
incentivasse os senhores a alforriarem seus escravos e os enviarem para as frentes de batalha.
Segundo Schwarcz, “o próprio imperador incentivava a compra de escravos”219, e também
libertou muitos dos seus para seguirem o caminho do Paraguai.
A entrada de negros no confronto não passou despercebida pelos paraguaios. Essa
“mudança de cor” do exército brasileiro forneceu munição para os jornais pró-Solano López
atacarem o Brasil. “Los macaquitos” foram apelidos dados aos brasileiros. Um dos jornais, “O
Cabichuí”, “trouxe uma série de charges apresentando não só os soldados como macacos, mas
também seus generais, o imperador e a imperatriz”220.
O imperador se demonstrou profundamente irritado com essas agressões morais
publicadas pelos paraguaios. Afinal:

Nada mais agressivo para um monarca que queria fazer de sua corte “uma
Paris do sol” e para imagem pública desse Império desenhado sob o signo da
civilização europeia, nuançada apenas por um colorido tropical, destacado
romanticamente pela vegetação e pela população indígena221.

Tal ato escancarava a escravidão e a miscigenação da população brasileira. Enquanto o


que D. Pedro II mais desejava era escondê-las aos olhos das nações civilizadas.
Desta guerra surgiu importante apoio à causa abolicionista: o exército que lutou ao
lado dos negros alforriados, ao sair do conflito com o Paraguai, passou a ver com simpatia a
libertação dos escravos e a “negar-se, sistematicamente, a assumir a antiga função que lhes
era reservada: capturar escravos fugidos”222.
A guerra foi, portanto, um agente catalisador tanto do processo abolicionista quanto do
surgimento do movimento republicano brasileiro. Por mais que em um primeiro momento ela

218
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 103.
219
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 306.
220
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 306.
221
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 314.
222
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 314.
74

tenha sido justificativa para o retardamento de medidas emancipadoras, colaborou e intensificou


a necessidade de se conduzir essa questão ao seu final.
O Imperador, segundo a antropóloga, manifestou “por várias vezes” a “intenção de
assumir a condução do processo abolicionista”223. Inclusive ela argumenta que não foi uma
“sugestão da guerra, mas fora antes retardada por ela”224 a ideia de uma legislação
emancipadora em d. Pedro II. Desde 1864 o monarca já se preocupava com o assunto,
argumenta.
Schwarcz retrata a importância da pressão externa para que o governo tomasse uma
atitude em relação ao tema. A carta da Junta Francesa de Emancipação causou profunda
humilhação ao imperador, por ser “chamado atenção” por intelectuais franceses que tanto
admirava225.
O fim da guerra da secessão nos EUA e, consequentemente, o fim da escravidão
pressionou ainda mais o Brasil, que conjuntamente com Cuba foram os últimos redutos
escravocratas no mundo ocidental.
Os obstáculos para que medidas fossem tomadas eram grandes. A importância da
escravidão para o país levava ao que Schwarcz definiu como “suicídio nacional” mencionar
qualquer decisão brusca em prol da abolição:

(...) Nesse contexto, os escravos compunham a quarta parte da população e


podiam ser considerados os únicos trabalhadores agrícolas existentes. Era
por isso mesmo que os homens de Estado não ousavam enfrentar o
problema, que, acreditavam, abalaria os alicerces da Nação226.

Apesar de toda essa temeridade em torno do assunto, em 28 de setembro de 1871 foi


assinada, pela princesa Regente, a Lei do Ventre Livre. D. Pedro II tinha viajado para a
Europa pouco antes de sua aprovação. A princesa ganhou enorme prestígio por ter sido a
responsável pela assinatura da lei. A antropóloga alega que o imperador sempre se ausentava
em momentos fundamentais, tais como a aprovação da Lei do Ventre Livre. Segundo a autora
há divergências entre os historiadores em relação a esse sumiço:

223
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
224
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
225
Em outras biografias retratamos a respostas do imperador à junta. Achamos melhor não colocarmos no corpo
do texto. Mas a biógrafa traz uma versão diferente dessa resposta, retirando da biografia escrita por Heitor Lyra:
“A emancipação dos escravos, consequência da abolição do tráfico, não é senão uma questão de forma e de
oportunidade. Quando as circunstâncias penosas (...) em que se encontra o país permitirem, o governo brasileiro
considerará objeto da primeira importância a realização daquilo que o espírito do Cristianismo há muito reclama
do mundo civilizado”. Dá a entender na obra que a resposta teria sido enviada pelo próprio imperador, e não por
um ministro. Apesar de manter o teor das outras versões, está mais ampla. Ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p.
315.
226
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
75

(...) Para alguns historiadores o monarca se ausentava em momentos


fundamentais nos destinos da nação; para outros, d. Pedro só buscava
garantir o futuro dinástico. Se a medida trazia custos políticos, também
garantia louros, a ser colhidos pela herdeira presuntiva227.

Se tomássemos como parâmetro de comparação a biografia de Roderick J. Barman,


teríamos um longo debate para chegar a uma conclusão em relação a esse curioso fato.
A Lei do Ventre Livre foi um tanto quanto conservadora. E a ideia do governo do
Imperador era justamente essa: “antecipar para melhor controlar”. Acreditavam que mesmo
com a oposição de parte dos fazendeiros à lei, seria melhor aprová-la e evitar uma guerra civil
(como nos EUA) e/ou rebeliões escravas como aconteceram no Caribe. Era a “implantação de
um reformismo controlado”, conseguindo dessa forma “que o povo estivesse afastado do
processo decisório”228.
Considerável parte dos fazendeiros, detentores da maior parte dos escravos, não viu
por esse prisma a aprovação desta lei. Assim como José Murilo de Carvalho, Schwarcz
percebe nesse episódio um “divórcio” entre o “rei e os barões”, ou melhor, a “aliança do
Império com esses setores e a monarquia começava a enfraquecer”229. Neste mesmo momento
inicia-se o desgaste da imagem do imperador. Começava D. Pedro II a ser criticado e alvo de
chacotas e sarcasmos: surge então o Pedro Banana, no lugar do “monarca-cidadão”, próximo
ao colocado por Barman.
A lei de 1871 conseguiu tranquilizar por alguns anos e impedir o crescimento e
disseminação de um movimento abolicionista. Mas não durou muito. Na década de 1880 o
movimento se acendeu, muito devido a uma ala radical, que não aceitava reformas como
paliativo:

(...) a partir da década de 80, e divididos em duas grandes correntes –


moderados (cujo grande ideólogo era Joaquim Nabuco) e radicais (entre os
quais se destacaram Silva Jardim, Luís Gama e Antônio Bento) -, os
abolicionistas tomavam novamente as ruas e os jornais. Por mais que o
governo recorresse a táticas “reformistas”, como a promulgação da Lei dos
Sexagenários, o resultado era o oposto; evidenciavam-se as ambiguidades
dessa sociedade marcada pela escravidão230.

Schwarcz descreve um ambiente totalmente pró-abolição na década de 1880. O


movimento abolicionista tornou-se popular, os partidos, mesmo que tardiamente231 aderiram à

227
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
228
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 320.
229
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 416.
230
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
231
O Partido Liberal em 1884 e o Conservador em 1888, ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
76

abolição imediata. Ela era feita mesmo sem um aspecto legal. Particulares começaram a
alforriar em massa seus escravos e muito dos cativos simplesmente fugiram da escravidão.
Para “Isabel e seus conselheiros a única saída era se antecipar ao inevitável”232. Em 13 de
maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, a abolição foi feita legalmente.

O Treze de Maio redimiu 700 mil escravos, que representavam, a essa altura,
um número pequeno no total da população, estimada em 15 milhões de
pessoas. Como se vê a libertação tardou demais, e representava o fim do
último apoio da monarquia: os fazendeiros cariocas da região do Vale do
Paraíba, os quais se divorciaram de seu antigo aliado233.

Apesar de ter sido aclamada a Lei Áurea como um “vitória do governo imperial”,
pareceu na realidade, “o último grande ato da monarquia”234.
Mas cadê nosso personagem no momento mais importante do processo abolicionista e
de “júbilo” da monarquia? Encontrava-se ausente, mais uma vez em um momento decisivo.
Devido ao agravamento do seu quadro, o monarca só ficou sabendo do fim da abolição
no dia 22 de maio em Milão. As palavras credenciadas a ele, tais como “Grande povo, grande
povo!”, é refutada pela antropóloga, que argumenta parecer mais “uma peça de cultura
política do que um comentário daquele que, durante pelo menos cinquenta anos, teria
convivido – apesar de sempre dizer contrário – com a escravidão”235.
Citamos para finalizar, um parágrafo que muito se assemelha a uma analogia que Lídia
Besouchet fez em sua biografia236, e que muito caracteriza o advento do fim da escravidão e a
situação tanto da saúde do monarca quanto da monarquia:

De fato, o imperador, que já partira com a imagem fragilizada, voltava


enfermo. Mais do que isso, a realeza como instituição parecia doente, cada
vez mais associada ao atraso e ao estrangeirismo. Estranha separação: d.
Pedro II abatido pela diabetes parecia longe dos momentos fortes do
“monarca-mecenas” ou mesmo do “monarca-cidadão”. Visto desse ângulo
era quase um fantasma de si próprio, um fantasma da realeza. Não obstante,
tal qual uma imagem cristalizada, o monarca, pela simpatia que despertava,
era aos poucos desvinculado da própria instituição que representava. Era
como se a imagem de d. Pedro, idealizada de forma mística, ou mesmo como
um “bom pai” que “com um ato caridoso abolia a escravidão”, ou em virtude
de sua aparência mais senil, tomasse um rumo diverso da sina da realeza
oficial. É só dessa maneira que se pode entender como, paradoxalmente, ao

232
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
233
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437-438.
234
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 438.
235
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 442.
236
Essa biografia será analisada adiante.
77

mesmo tempo que a monarquia perdia claramente a batalha política e


ideológica, d. Pedro atingia o ponto mais alto de sua popularidade237.

Esta passagem evidencia o que argumentamos acima: o Imperador como símbolo da


representação política da monarquia dos trópicos.
Vamos às considerações finais sobre essa obra.
Rei, ou melhor, Imperador que “reina, administra e governa”238 é como a antropóloga
vê seu personagem em maior parte do seu governo. Mas em relação à abolição da escravidão,
esteve ele, pouco interessado em acelerar o processo que levasse a sua conclusão, apesar de
sempre se dizer contra o regime servil. Claro, os obstáculos eram grandes. No entanto a
preocupação dele sempre foi maior em manter uma imagem europeizante de si e do seu
Império, do que tratar dos assuntos de maior envergadura política, e que trariam desgaste a
sua imagem e exporiam a escravidão em um país que buscava civilizar-se.
Esteve ele por trás do processo e das legislações que puseram fim ao tráfico negreiro e
que libertaram o ventre escravo. Distante é como visualizamos o monarca no processo final da
abolição, e sempre ausente nos momentos decisivos.
Nesta obra parece-nos que as pressões externas, a necessidade e a determinação do
imperador em manter a imagem de um país civilizado, foram tão importantes quanto à
situação interna para o processo abolicionista. Este ponto assemelha-se a análise da biografia
de Roderick J. Barman.
A guerra contra o Paraguai trouxe uma paradoxal situação em relação ao tema: ao
mesmo tempo em que forçou o governo a incluir a abolição da escravidão em sua agenda,
também colaborou em retardar medidas abolicionistas. Importante mais uma vez ressaltar que
para Schwarcz, o monarca já se preocupava com o tema, ao menos, desde 1864.
O treze de maio veio tarde demais. É o que podemos concluir em “As barbas do
imperador”. A opinião pública na década de 1880 pressionou muito para que o governo
tomasse uma atitude final. Iniciativas particulares e dos escravos já faziam a abolição. Essa
data foi apenas à legalização de um processo que estava ocorrendo há certo tempo. E essa
demora, e uma abolição sem indenização colocou fim não apenas a escravidão, mas a própria
sustentação da monarquia.
Enquanto isso... o monarca moribundo assistia tudo a distância, e nessa situação viu o
final do seu reinado e pouco (ou quase nada) teve de participação na abolição final da
escravidão.

237
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 443-444.
238
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 323.
78

“D. PEDRO II” – JOSÉ MURILO DE CARVALHO

José Murilo de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e um dos principais pesquisadores
sobre a História do Brasil Imperial, publicou sua biografia sobre o Imperador, “D. Pedro II”,
pela Editora Companhia das Letras, 2007.
Carvalho procura descrever a trajetória de um monarca, ou melhor, a trajetória de um
“Habsburgo perdido nos trópicos”, através de suas duas personalidades, que por mais
paradoxais que fossem, ocupavam o mesmo corpo: D. Pedro II e Pedro d‟Alcântara. O
primeiro, educado que foi para exercer sua função de chefe de Estado, “quase uma máquina
de governar”, “passou a vida tentando ajustar-se a esse modelo de servidor público exemplar,
exercendo com zelo um poder que o destino lhe pusera nas mãos”239. O segundo, o homem
Pedro de Alcântara, um “ser humano marcado por tragédias domésticas, cheio de contradições
e paixões, amante das ciências e das letras, apaixonado pela Condessa de Barral”240.
Por essa rápida apresentação da obra, já é possível perceber como o historiador
modelou o personagem de sua biografia: a vida de D. Pedro II como um drama. O subtítulo
do texto demonstra a influência do drama shakespeariano da obra: D. Pedro II: Ser ou não ser.
Marcadamente estão nesta obra os principais acontecimentos do Segundo Reinado da
Monarquia brasileira. E claro, a posição de D. Pedro II diante deles. Logo na introdução
Carvalho enfatiza o país deixado pelo seu biografado:

Foi deposto e exilado aos 65 anos, deixando consolidada a unidade do país,


abolidos o tráfico e a escravidão, e estabelecidas as bases do sistema
representativo graças à ininterrupta realização de eleições e à grande
liberdade de imprensa. Pela longevidade do governo e pelas transformações
efetuadas em seu transcurso, nenhum outro chefe de Estado marcou mais
profundamente a história do país241.

Como o historiador vê a relação de D. Pedro II com o poder, pudemos visualizar no


primeiro capítulo. Diante disso, não vamos retomar o assunto, que na biografia não difere das
demais obras que Carvalho escreveu, tais como “Teatro de Sombras”.
O autor dedica três capítulos da biografia para um dos temas mais caro ao reinado de
D. Pedro II e do próprio regime monárquico: a abolição da escravidão. Nos capítulos “O

239
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 10
240
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 10.
241
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 9.
79

cancro social”, “A abolição da escravidão e do trono” e “Grande povo!”, descreve como o


monarca assistiu (nos dois sentidos da palavra) o processo que pôs fim a escravidão no país.
Em “O cancro social” Carvalho vem ratificar o que havia defendido em sua obra “O
Teatro de Sombras”242. Descreve o ambiente escravista que vivia o Brasil no século XIX;
argumenta que a Guerra do Paraguai veio inaugurar uma nova fase do abolicionismo no país;
e evoca o pioneirismo de José Bonifácio, ao destacá-lo por comentar sobre esse regime em
um momento que era “quase um tabu”. Somente a partir de 1850 o assunto passou a ser
discutido243.
A primeira medida emancipacionista veio neste ano, devido à pressão inglesa, como
vimos. Carvalho argumenta, assim como Schwarcz, que “foi por essa época que d. Pedro II
começou a tomar posição em relação ao problema”:

Quando o ministério conservador, sob a liderança de Eusébio de Queiróz,


decidiu, afinal, acabar com o tráfico, ele o apoiou. (...) Por ocasião do último
desembarque, feito em Serinhaém, Pernambuco, em 1855, d. Pedro apoiou
as medidas drásticas adotadas pelo ministro da justiça, Nabuco de Araújo.
(...) Fora do campo da política, sua antipatia pelos traficantes manifestava-se
no fato de se recusar a lhes conceder títulos de nobreza244.

Nas palavras citadas pelo historiador, é perceptível um D. Pedro II contra o comércio


de escravos, com atuações políticas que ajudaram tanto a por fim ao tráfico, como a
desprestigiar a classe dos que se favoreciam dele.
A preocupação do monarca em relação à escravidão se intensificou durante a Guerra
da Secessão nos EUA. Como vimos na obra de Ricardo Salles e na biografia de Roderick J.
Barman, ele enviou uma carta a Zacarias de Góis, presidente do Conselho, em 1864,
demonstrando preocupação e pedindo soluções para ver o fim do regime servil no país.
Carvalho descreve que ele sugeriu a lei que abolisse o ventre escravo245.
O contato com a Europa trazia pressão ao Imperador. Sua irmã lhe escreveu em 1865
falando sobre a temática e alegando ser também a mesma preocupação da Condessa de Barral.
Em conversa com o casal francês Agassiz, segundo o historiador, o monarca declarou que “a
escravidão é uma terrível maldição sobre qualquer nação, mas ela deve, e irá, desaparecer

242
Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
243
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 130-131.
244
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 131-132.
245
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
80

entre nós”. O casal de cientistas descreveram em diário de viagem que “se o seu poder [do
Imperador] igualasse sua vontade, a escravidão desaparecia do Império de um só golpe”246.
O início da guerra contra o Paraguai trouxe o adiamento da discussão sobre a matéria.
Porém durante o conflito, o monarca, em uma carta para a Condessa de Barral em 1866,
demonstrou sua posição diante do tema:

Tomara que já se possam libertar todos os escravos da nação, e providenciar


a respeito da emancipação dos outros. Há de se lá chegar e grande será
minha satisfação247.

O que se segue na narrativa do biógrafo vem confirmar o papel do Imperador no


processo: o pedido do monarca a Pimenta Bueno para elaborar projetos abolicionistas; a
recusa do Conselho de Ministros em discutir o assunto; a carta da Junta Emancipacionista
Francesa pedindo o fim da escravidão no país ao governo brasileiro; a resposta redigida pelo
Imperador, mas assinada por Martim Francisco, ministro dos Negócios Estrangeiros, que a
“abolição era questão de forma e de oportunidade, e que, passada a guerra, seria prioridade do
governo”.
Joaquim Nabuco declarou ter sido o efeito da resposta um “raio em céu sem nuvens”.
A forte oposição de parte da classe política, que via na necessidade da medida apenas uma
vontade majéstica e os ataques enfurecidos de José de Alencar, defendendo a escravidão e
denunciando os interesses de agradar os europeus por parte de Pedro II248, são exemplos desse
“raio”.
A Guerra do Paraguai apresenta-se como importante marco para o Imperador em
relação aos problemas gerados pela manutenção da escravidão. Seguem as palavras do
historiador:

É provável que, além da Guerra de Secessão, nossa própria guerra contra o


Paraguai tenha acarretado a iniciativa de Pedro II. O visconde do Rio
Branco, ao defender o projeto na Câmara, confessou que a permanência da
instituição odiosa era motivo de constrangimento e humilhação para os
brasileiros nos contatos com os aliados e com o inimigo. É plausível, como
supõe Nabuco, que a mesma sensação tenha afetado o imperador. Acresça-se
a isso a dificuldade de recrutamento. (...) Em 1866, o governo decidira
conceder liberdade aos escravos da nação designados para o serviço militar e
premiar quem oferecesse libertos ao exército249.

246
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
247
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
248
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 133-134.
249
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 134.
81

A fragilidade da organização de um exército e a vergonhosa exposição do Brasil, um


país escravocrata, na guerra, pode ter sido impactante o suficiente para levar a ação do
governo nacional, encabeçado e pressionado pelo monarca.
Segundo o historiador, o visconde de Itaboraí, chefe do novo Ministério, era
explicitamente contrário ao fim da escravidão, e momentaneamente arrefeceu o tema. No
entanto, assim que terminou a guerra o monarca “voltou à carga”. Mais uma vez com a
oposição de Itaboraí, que não aceitou incluir o tema na “Fala do Trono” de 1870. “Seguiu-se
um jogo de astúcias entre o monarca e o presidente do Conselho”, segundo Carvalho:

Vendo-se em posição contrária à de d. Pedro, Itaboraí decidiu pedir


demissão. Cabia a ele indicar um sucessor. Indicou Caxias, o imperador
responder que estava velho e doente; indicou Rio Branco, o imperador
argumentou que já era do ministério. Como corressem boatos de que d.
Pedro queria São Vicente, o autor dos projetos abolicionistas, indicou-. O
imperador aceitou com entusiasmo250.

Percebe-se nesta análise de Carvalho um imperador que tinha não somente um


posicionamento sobre o assunto, como utilizou de seus poderes (principalmente o de
dissimular) para dar início ao processo que desejava, sem com isso, escancarar o seu interesse
e poder pessoal.
Enfim foi aprovada a Lei do Ventre Livre pela Princesa Regente, pois seu pai havia
ido para a Europa. Neste momento, segundo Carvalho, “o abolicionismo era o despotismo, o
escravismo era a democracia”. O historiador alega que somente em 1884 a preocupação com
tema passou a fazer parte das preocupações imperiais, e “se verificou o mesmo desencontro
entre representação parlamentar e democracia”251.
No capítulo “Abolição da escravidão e do trono”, Carvalho relaciona o processo
abolicionista ao desgaste da Coroa e consequentemente, o fim do regime. Argumenta que a
década de 1880 trouxe novos problemas à monarquia: a abolição da escravidão e a agitação
militar.
Quanto ao primeiro problema, ele descreve que tanto para o governo quanto para os
partidos, a lei de 1871 seria suficiente para por fim a escravidão, mesmo que em longo prazo.
Entretanto o movimento abolicionista disseminava-se e tomou conta do setor urbano. Era
preciso agir novamente. Enquanto isso, o imperador “matinha a postura abolicionista, mas
mostrava-se menos empenhado do que na época do Ventre Livre”252.

250
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 134-135.
251
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 136.
252
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 187.
82

O processo que culminou na aprovação da Lei dos Sexagenários em 1885 teve mais
uma vez a presença do monarca, porém, de forma mais tímida. Ela motivou a revolta dos
abolicionistas contra o Imperador, pois foi branda e conservadora demais.
O projeto inicial proposto por Dantas foi modificado na medida suficiente para atender
os interesses dos escravocratas: a inclusão do princípio indenizatório. Mais uma vez um
conservador fez passar uma lei abolicionista: o barão de Cotejipe. Não deixou de haver
críticas dos escravocratas à lei também. Novamente, para o historiador, o imperador foi o
responsável pela medida.
Carvalho relata a disseminação do movimento abolicionista na sociedade brasileira a
partir deste momento, e a pressão para que se pusesse fim à escravidão de forma imediata.
Paradoxalmente, entra neste momento na biografia do historiador, explicações para as
ausências do monarca, no período mais efervescente do processo abolicionista. D. Pedro II sai
de cena.

O imperador nunca deixou de abominar a escravidão, como seria de esperar


de um típico ilustrado. Mas, no final, tornou-se mais tímido na ação, abrindo
espaço para maior arrojo da filha. Porém, mesmo com entusiasmo reduzido,
ele ainda era minoria entre os políticos que governavam o país. Só depois de
1865, seguindo a própria liderança imperial, começou a engrossa o grupo de
políticos abertamente abolicionistas, como Jequitinhonha, Tavares Bastos,
Silveira da Mota253.

Devido a uma viagem do casal Imperial à Europa, motivada por problemas de saúde
do monarca, entra em cena Isabel, a Princesa Regente, que neste momento parece ter tomado
as atitudes de uma verdadeira Imperatriz. Segundo o próprio Carvalho, “dessa vez, a princesa
não manteve a postura discreta que adotara nas suas primeiras regências. Revelou-se
agressivamente abolicionista”254. Pressionou Cotejipe para por fim a escravidão, e com a
negativa deste, conseguiu trocá-lo por João Alfredo que fez passar a Lei Áurea no
Parlamento, em 13 de maio de 1888.
D. Pedro II ficou sabendo da notícia na Itália, onde se encontrava de cama devido à
piora da diabetes. Quando lhe contaram da notícia, segundo Carvalho, sua reação foi
“balbuciar „Grande povo! Grande povo!”. Ao retornar em agosto para o Brasil, foi recebido
com festas, até mesmo por aqueles que ajudariam a derrubá-lo menos de um ano depois.
Neste processo final, temos a impressão de um D. Pedro distante, doente,
desinteressado pela política nacional. Apesar de o historiador estar sempre ressaltando o

253
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 189.
254
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 188.
83

abolicionismo do monarca, parece, estranhamente, algo menor para ele neste momento. E
neste ponto percebe-se o drama sendo evidenciado na obra.
Finalizando, nesta obra de José Murilo de Carvalho, jamais perdemos a visão de um
monarca ilustrado, e por isso, abolicionista. Não há fartura nas motivações imperiais para o
fim da escravidão, mas conseguimos visualizar em cartas transcritas pelo historiador na
biografia, o posicionamento, mesmo que pessoal, de D. Pedro II em relação ao tema.
Podemos dividir dois imperadores nesse processo abolicionista ao analisar a obra. O
primeiro, um entusiasta. Apoiou o fim do tráfico negreiro. Pressionou o Parlamento para criar
leis abolicionistas, preocupado, primeiramente, com a pressão britânica para por fim ao tráfico
negreiro e posteriormente com a repercussão da Guerra da Secessão norte-americana e com a
formação do exército brasileiro na guerra contra o Paraguai. Habilidoso nos tratos políticos
para que fossem aprovadas as leis que pôs fim ao tráfico de escravos e do Ventre Livre,
tentando, no entanto, não demonstrar os seus interesses nesta aprovação. Isso nos idos das
décadas de 1850, 1860 e 1870.
No fim do processo abolicionista, presenciamos um segundo Imperador, distante e
desinteressado. Parece que nem governava mais quando da aprovação da Lei Áurea. O seu
abolicionismo não sumiu, defende Carvalho. É possível, mas não vemos mais ele aparecer em
sua obra.
Interessante e intrigante é que ficou nas mãos da Princesa Isabel a assinatura das
principais leis abolicionista, tanto a do Ventre Livre quanto a Lei Áurea.
“Todas as medidas abolicionistas foram aprovadas na Câmara graças à pressão da
Coroa”255. Essa é a visão do historiador para com o processo abolicionista brasileiro, e o papel
do monarca foi, providencialmente, de fazer pressão.

“PEDRO II E O SEU DESTINO” - PAULO NAPOLEÃO NOGUEIRA DA SILVA

Paulo Napoleão Nogueira da Silva, professor de Direito, membro do Instituto


Histórico e Geográfico de São Paulo e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil,
demonstra curiosidade sobre personagens do Brasil do século XIX. Publicou biografias sobre

255
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 189.
84

D. João VI, D. Pedro I além do seu Pedro II e o seu destino, publicado em 2004 pela Editora
Forense256.
Paulo Nogueira vê-se levado a escrever essa biografia para tentar, ao menos, decifrar
um pouco desse “mito indecifrável” chamado D. Pedro II. Busca posicionar seu personagem
em perguntas que para o biógrafo, não estão ainda respondidas:

Afinal, Pedro II era brasileiro, ou supranacional? Monarquista, ou


republicano? Carola, ateu, simplesmente respeitador da religião? Absolutista
ou democrata? Homem votado ao casamento, ou marido que se defendia das
desilusões de um mau casamento? Crente na destinação do País onde
reinava, ou apenas alguém que se sentia na obrigação de construir esse
País?257

Entretanto, no próprio decorrer da nota introdutória, onde constam estas perguntas,


Napoleão deixa claro que visualiza no monarca um pouco disso tudo que ele se pergunta de
início. Defende que não irá escrever uma biografia preocupada com um relato cronológico do
monarca e não se comportará a obra como uma “biografia normal”. Para o biógrafo o que
pode ser esperar o leitor nas páginas que se seguem:

(...) é desvendar algo mais da sua personalidade, do seu destino só suportável


como o elevado grau de estoicismo que, desde a mais tenra infância e por
toda a vida, foi a sua principal marca258.

É perceptível nestas palavras introdutórias do biógrafo que tratará D. Pedro II como


um homem de caráter exemplar. O estoicismo será a marca maior deste Chefe de Estado para
Napoleão Nogueira.
Nitidamente o “seu destino” é o modelo pelo qual Napoleão Nogueira escreveu a
trajetória do monarca. A grandeza de seus antepassados legou automaticamente a grandeza de
D. Pedro II. O seu destino já estava traçado.
Paulo Napoleão escreve que desvendará o papel que coube ao monarca durante o seu
reinado. Taxativamente alega que D. Pedro II jamais governou. Traz conceitos sobre o que é o
ato de governar, alega que cabe ao poder executivo tal tarefa, e o monarca jamais assumiu
atividades relativas a este poder. Pelo contrário, foi em seu reinado que se criou a função de
Presidente de Conselho dos Ministros, uma espécie de primeiro-ministro, eliminando de vez

256
Paulo Napoleão: Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro do Instituto de Geografia e
História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. A Editora Forense é especializada
em publicações na área jurídica.
257
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. Pedro II e o seu destino. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. VIII.
258
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. X.
85

as possíveis funções executivas do Imperador. As funções destinadas a ele eram de Estado e


não de Governo:

Pedro II jamais governou. (...) Essa competência de nomear e demitir


livremente, própria do Poder Moderador, destinava-se a zelar pela realidade
do equilíbrio entre as forças políticas representadas no Parlamento,
substituindo governos quando não mais correspondessem a essa realidade,
ou dissolvendo a Câmara dos Deputados e no mesmo ato convocando novas
eleições. Assim, as funções do Imperador eram funções de Estado, nunca
foram de governo259.

Nesta visão, podemos ver o Imperador como uma espécie de conselheiro maior,
inspirador, juiz de valores. Participava sempre do Conselho de Estado, segundo Napoleão
Nogueira, porém apenas para dar conselhos e sempre deixava para o governo tomar as
devidas decisões. No entanto, devido o “prestígio pessoal do Imperador como dinasta e como
Chefe de Estado, permita-lhe muito influenciar”260.
Para o biógrafo, D. Pedro II não foi um governante, mas sim um “inspirador e
corregedor dos governos” e por isso mesmo “na maior parte das vezes acatado, em algumas
outra, não”. Por fim, “a marca de sua atuação permaneceu indelével na História, até os dias
atuais”261. Neste ponto vemos claramente a modelagem pela qual passa D. Pedro II por essa
obra. A grandeza do Estadista fazia do Estado um local ético e estoico.
É importante descrever essa visão do biógrafo. Afinal, diante desse posicionamento,
não podemos esperar um monarca que governou diante de interesses abolicionistas ou
escravistas. No máximo, veremos um monarca corregedor de governos, e que tomou atitudes
de Estadista na busca de corrigir erros que os governos cometeram. Partimos então para a
questão da abolição.
O capítulo “A Escravidão” é destinado a apresentar a relação do monarca com o tema
e descrever o seu papel no decorrer do processo abolicionista. Inclusive, trazendo maiores
informações sobre a abolição do que propriamente da escravidão.
Logo no primeiro parágrafo do capítulo presenciamos o que Napoleão Nogueira irá
nos informar sobre essa relação de D. Pedro II com a escravidão:

Amamentado por uma escrava junto com o filho desta, brincando com um
menino escravo no caminho entre a Fazenda de Santa Cruz e São Cristóvão,
Pedro II era pessoalmente igualitário, custava-lhe aceitar o instituto jurídico
da escravidão. Tinha presente, também, que seu tetravô Dom José I de
Portugal abolira a escravidão no território português, e só não pudera fazê-lo

259
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 2-3.
260
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 4.
261
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 6.
86

em relação às demais partes do império em virtude de reclamos da produção;


igualmente, não se esquecia das providências de seu avô Dom João VI, que
lutara contra ela e por isso merecera elogios escritos do seu outro avô, o
Imperador da Áustria-Hungria; e finalmente, tinha na devida conta as
tentativas de seu pai para extingui-la. Lembrava-se, além disso, da
monumental “Carta aos brasileiros”, ditada por Pedro I poucas horas antes
de sua morte – não foi aos portugueses ou a quaisquer outros que o ex-
Imperador se dirigira nos momentos que a antecederam, mas aos brasileiros
– na qual condenava a escravidão262.

Defensor da igualdade, amamentado por uma escrava, e inclusive, brincava com


escravos. Tem em seu histórico familiar, ancestrais contrários a permanência da escravidão. É
fatídico que o monarca não escaparia do seu destino, deveria ser também contrário a essa
instituição. Interessante à menção do autor a defesa de D. Pedro I ao fim da escravidão. Pelo
que presenciamos na historiografia, foi José Bonifácio de Andrada que propôs a inclusão na
Constituição de 1823 a extinção gradual da escravidão no país, e foi D. Pedro I o responsável
por fechar a Assembleia Constituinte, outorgar a Carta Constitucional de 1824 que não
continha nenhuma menção ao fim da escravidão.
No entanto, é interessante ver essa construção de Napoleão Nogueira, atrelando a
inevitável adesão de D. Pedro II à abolição da escravidão, pela sua personalidade igualitária,
sua convivência com os escravos, e principalmente, devido a sua ancestralidade.
O biógrafo relata que uma das primeiras atitudes tomadas pelo Imperador, assim que
assume o poder, foi libertar os escravos da Coroa, mesmo sem ter recursos suficientes para
isso. Buscou empréstimo junto ao Banco do Brasil para conseguir tal façanha e pagou-o
corretamente.
Ele comenta que libertar esses escravos não é por fim a escravidão, e o monarca sabia
que teria que lutar contra ela. Porém “fê-lo prudentemente, certo de que no Parlamento os
escravocratas eram maioria, e de que dependia de lei para conseguir o seu intento”263. Outro
fator importante era a relevância da mão de obra escrava para a produção nacional. Não era
possível acabar com ela antes de ser substituída.
Sabendo dessa situação, as primeiras preocupações do monarca foram com a questão
da colonização, segundo o autor. Remetendo novamente a influência dos ancestrais, neste
caso D. João VI, o Imperador começou a incentivar a imigração europeia. Napoleão Nogueira
descreve parte de uma carta do monarca para o Marquês de Olinda que estava organizando
um novo Ministério, relatando tal preocupação. Dois anos mais tarde volta a demonstrar sua
preocupação com a colonização para o Barão de Uruguaiana.
262
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 147.
263
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 148.
87

Em carta para o Conselheiro Francisco José Furtado em 1864, demonstra a


necessidade de disponibilizar mão de obra livre para os fazendeiros:

Recomendo os Institutos Agrícolas e as Exposições Provinciais e Gerais. É


preciso prosseguir na medição de terras, sobretudo para separá-las das
particulares, organizar plantas circunstanciadas das que por sua localidade se
prestam à venda, a fim de torná-las conhecidas nos países de onde nos
possam vir colonos. Sem esse trabalho prévio e auxílio pecuniário que
facilite o transporte dos colonos não haverá corrente de imigração para o
Brasil. Também julgo preciso facilitar aos fazendeiros a aquisição de braços
livres264.

A importância dessa afirmação do autor é que nos demonstra o intento do monarca em


trazer esses braços livres, visto que ainda não havia uma legislação abolicionista. Claro,
possivelmente reflexo da lei Eusébio de Queiroz. Era necessário manter abastecido o mercado
de trabalho. Relembrando a carta que ele enviou em 1864 para Zacarias de Goés, transcrita no
capítulo anterior, é possível verificar a ideia de uma lei abolicionista. Neste caso o Imperador
estaria antevendo a situação e criando condição para maior aceitação dessa legislação.
Analisando o conjunto dessa obra, é aceitável a tese.
Não temos como confirmar essa hipótese, até mesmo porque, um grande problema na
obra de Napoleão Nogueira é não situar os locais de onde retirou a documentação. A única
informação que temos desta carta é o ano (1864) e para quem foi direcionada (Conselheiro
Francisco José Furtado), data exata, arquivo e ou publicação de onde foi pesquisada não
temos acesso.
Para demonstrar a vontade imperial de por fim a escravidão o autor descreve que por
diversas vezes na “Fala do Trono”, “instou o Parlamento a tomar iniciativas para acabar
definitivamente com a escravidão”, no entanto, segundo ele, nessa instituição “estavam
encastelados os maiores escravocratas do País, e de nada adiantavam as ponderações
imperiais”265.
Uma curiosa ponderação do autor é quando ele relata sobre a surpresa que teve o
monarca em sua viagem para os Estados Unidos, que já tinham acabado com a escravidão, ao
ver separados brancos e negros naquele país.

[O imperador] Interpelou nesse sentido o presidente norte-americano,


fazendo-lhe ver que no Brasil ainda não fora extinta a escravidão, e, no
entanto inexistia tal discriminação, ao passo que nos Estados Unidos já

264
D. PEDRO II apud NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
265
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
88

haviam acabado com o regime escravo, e mantinham as separações. O


presidente Grant não soube responder266.

Já se vestia o monarca, neste momento, de uma concepção de “democracia racial”?


Pelo que presenciamos até agora, trata-se de um testemunho novo para esta pesquisa. Não
consta a origem de tal argumentação.
Para Napoleão Nogueira, o Imperador esteve por trás das tentativas e das aprovações
das leis Eusébio de Queiroz, Ventre Livre e Sexagenários. Entretanto encontrou com
“reticências, reservas, corpo mole e outras atitudes dos gabinetes, ou de alguns Ministros,
sobretudo da Assembleia Geral”. Contra a aprovação da lei do Ventre Livre, por exemplo, o
autor retrata que sofreu a “mais formidável oposição”. Até mesmo a “voz do venerável Caxias
se levantou contra o abolicionismo”267.
A Fala do Trono de 1866, que dizia “a emancipação devia merecer oportunamente a
consideração do Parlamento”, para o autor, causou um “verdadeiro escândalo”, acusando mais
uma vez tal fala e possível medida em torno de uma lei abolicionista de “loucura”268.
Nogueira da Silva demonstra certa perplexidade com o posicionamento escravocrata
de muitos políticos brasileiros diante de uma nação, condecorada por vários países como uma
“democracia coroada” com um monarca liberal269. Parecia para ele, que eram os políticos e
parte da sociedade brasileira que estavam fora do seu lugar temporal e geográfico e não o
Imperador.
D. Pedro II conseguiu superar todos os obstáculos, sua timidez e teimosia no “sentido
da liberdade progressiva e extinção natural dos escravos”. Para o biógrafo os projetos que
buscavam a extinção da escravidão do ventre escrava, não foram de autoria do Marquês de
São Vicente, e sim do próprio imperador:

Nem foram de Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, os anteprojetos


emancipatórios, que estabeleciam a liberdade dos filhos de mulher escrava,
como se acreditou à época: foram, sim, do próprio monarca, que no entanto
teve o cuidado e a habilidade de deixar a outro a autoria formal, de modo a
não incidir em críticas quanto à sua atuação constitucional270.

O que até o prezado momento era apenas uma suposição, Nogueira afirma
categoricamente: foi das mãos do Imperador que se desenhou a lei do Ventre Livre.
Infelizmente sem comprovação de fontes.
266
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
267
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 150.
268
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 152.
269
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 151.
270
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
89

Diante das aprovações da Lei Eusébio de Queiróz, do Ventre Livre e dos Sexagenários
o fim da escravidão era uma questão de tempo. Não entraria mais, desde 1850 escravos no
país. Os filhos nasceriam livres e os maiores de sessenta e cinco anos também teriam sua
liberdade. Diante desse quadro, para o autor, a Lei Áurea “só veio atender os reclamos – como
ainda hoje, quase sempre idealísticos e pouco práticos – das classes intelectuais”271. O
necessário, do ponto de vista prático, para Nogueira, o Imperador o fez com a aprovação
destas primeiras três leis abolicionistas, a quarta (a Lei Áurea) foi somente caprichos de
intelectuais, nada práticos e muito idealísticos. O monarca “labutou nos limites máximos que
lhe eram permitidos, para extinguir a escravatura; e, teve sucesso nessa empreitada”272.
Entre as tantas afirmações polêmicas de Napoleão Nogueira nesta biografia de D.
Pedro II, mais uma apresenta-se. Segundo ele, além de trabalhar no limite para conseguir a
façanha de por fim a escravidão, o monarca conseguiu induzir o Visconde de Ouro Preto,
último Presidente de Conselho a elaborar um projeto que previa uma reforma agrária para
assentar os libertos:

(...) esse projeto, porém, representou a pá de cal no Império, os latifundiários


passando-se para a ideia republicana. Na verdade, até a atualidade, mais de
cento e dez anos decorridos, não foram adequadamente resolvidas as
questões agrária e da comunidade negra273.

Mais uma vez não temos informações de onde ele retirou essas informações, que seria
de grande valia para entender, neste caso, a relação abolição da escravidão e o fim do regime
monárquico. Trata-se de uma argumentação inovadora, que daria uma nova interpretação da
relação Coroa e escravidão. O que mais perto chegamos desse argumento, foi o exposto por
Jacob Gorender (vide capítulo 1), de uma suposta reforma agrária pretendida pelo monarca,
mas que ainda precisa de estudos para sua comprovação. Diferentemente da precaução
exposta por Gorender, Paulo Napoleão, ratifica esse posicionamento mesmo sem
comprovação.
Como vimos, e o autor reafirma, várias foram às vozes que se levantaram contra o
monarca pela sua demora em tomar atitudes que favorecessem o fim da escravidão. No
entanto a oposição e as ideias dos escravocratas eram importantes. Menciona também o
posicionamento escravista de Caixas, Olinda, Itaboraí, Zacarias, entre outros. Enquanto as
concepções abolicionistas eram de “jovens”.

271
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
272
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
273
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
90

Demonstra-se neste caso, a prudência do Imperador diante de uma abolição imediata.


Para elucidar essa cautela o autor traz dois escritos imputados ao monarca.

Não foi por outra razão que ele dissera, pouco antes de partir a Europa para
sua última viagem: “A abolição imediata não pode decretar-se sem outra
consulta que aos nobres e generosos sentimentos de coração, de que todos
participamos. É mister prepará-la, para que a liberdade repentina dos
escravos não prejudique profundamente grandes interesses que devem ser
respeitados”.
Em contrapartida, já dissera antes, referindo-se aos abolicionistas do grupo
de Joaquim Nabuco: “Ninguém deseja a abolição mais ardentemente do que
eu. Os primeiros a sabê-lo são os mesmos que, à frente do belo movimento
da emancipação, me atacam com tanta injustiça, acreditando que eu retardo a
hora mais feliz do meu reinado”274.

Neste trecho presenciamos que a prudência e o desejo de ver o fim da escravidão


caminharam juntas na política abolicionista desenvolvida pelo monarca. Mais uma vez não
temos as referências, por parte do autor, de quando e onde foram publicados esses trechos.
Mesmo diante de toda essa cautela, Napoleão vê seu personagem convencido da
abolição imediata e sem indenização: “comprova-o sua reação de felicidade, testemunhada,
quando na Europa teve notícia da assinatura da Lei Áurea”275.
Todas as acusações de que o monarca retardou o quanto possível a abolição da
escravidão são injustas. Afinal, ele era apenas um Chefe de Estado e não Chefe do Governo e
deveria respeitar a Constituição. “Como pretender que ele procurasse se transformar num
ditador, e se colocasse frontalmente contra a opinião pública esmagadoramente
dominante?”276. Por essas colocações, o autor define que D. Pedro II fez o que era possível.
Ou melhor:

(...) foi graças ao firme posicionamento de Pedro II, e depois da Princesa


Imperial na Regência (...) que o assunto foi definitivamente resolvido277.

Baseando-se em dados da balança comercial, que após a aprovação da Lei do Ventre


Livre, aumentou de forma considerável, Napoleão Nogueira alega que se não fosse a chegada
da República, o Imperador teria percebido que a demora da abolição trouxe prejuízos à
nação278.

274
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 155.
275
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 155.
276
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156.
277
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156.
278
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156-157.
91

Alega ainda que a permanência de um regime escravocrata por tanto tempo no país foi
devido a uma “má-cultura” e de status da classe senhorial:

(...) os escravocratas não conseguiam ver-se num conjunto de cidadãos do


qual fariam parte os negros, e juridicamente em igualdade de direitos; mas
de qualquer forma, conseguiram incutir suas ideias contrárias a liberdade à
maioria da sociedade, e chegaram a impressionar – e, pressionar – o
raciocínio do próprio Imperador279.

O autor relata a importância que a cultura africana teve e ainda tem na formação de
uma cultura nacional. Menciona, inclusive, a relação cordial que o monarca manteve com a
mesma. Cita o exemplo do rei Oba II, que foi traficado pelo Brasil, mas quando aqui chegou
foi reconhecido pelos seus conterrâneos e com a ajuda deles conseguiu sua liberdade.
Segundo Napoleão Nogueira, D. Pedro II recebia-o sempre e o tratava com muita cordialidade.
Nesta biografia, Paulo Napoleão Nogueira da Silva enfatiza o abolicionismo de D.
Pedro II. Tal posicionamento se deve a índole, a relação com a escravidão desde a meninice, e
aos ancestrais do monarca, que deixaram para ele um legado abolicionista. Portanto, estava
traçado no destino desse personagem colaborar com o fim da escravidão em seu país.
O Imperador esteve por trás do movimento abolicionista todo o tempo, inclusive foi de
sua mão que se projetou a Lei do Ventre Livre. Mas fez o que pode dentro do limite de um
Chefe de Estado, e não como governante. O governo era responsabilidade do Poder
Executivo, portanto, dos ministros. E estes estavam encastelados junto à instituição da
escravidão. Por isso a demora em chegar ao fim do regime escravista.
A relação entre o monarca e os africanos era a mais cordial possível. Na obra parece
ser o monarca um dos primeiros a ver na sociedade brasileira uma “democracia racial”. O
autor defende o tempo todo seu personagem, e sempre trata de não tirá-lo do seu caminho, do
seu destino, que foi ser um grande Estadista brasileiro, cuja sua marca principal foi o seu
estoicismo, sua devoção a administrar o país.

“PEDRO II E O SÉCULO XIX” – LÍDIA BESOUCHET

A gaúcha Lídia Besouchet pode ser considerada uma ensaísta e escritora, muito
interessada em personagens do período imperial. Tanto que além da biografia de D. Pedro II,
também escreveu sobre a vida de Visconde do Rio Branco e Barão de Mauá. Apesar de não
ser historiadora, se interessava muito pela história do Brasil.
279
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 157.
92

Importante ressaltar que ela e seu marido, Newton Freitas, foram exilados pela
ditadura do Estado Novo de Vargas. Foi no exílio que maior parte de suas obras foram
escritas. Apesar de não se atentar aos rigores metodológicos da escrita da história, sua obra é
importante, pois utiliza de biografias de intelectuais e estadistas que foram interlocutores do
Imperador e também se utiliza de biografias anteriormente publicadas, como a de Heitor Lyra.
A primeira versão de “Pedro II e o século XIX” foi publicada em 1975. A versão que
utilizamos é a de 1993. Consta que há certa (e importante) diferença entre as duas versões280.
Lídia Besouchet se preocupou na segunda versão em anexar as notas de rodapés, sendo
possível com isso, atentar-se a documentação que ela utilizou para construir a biografia do
segundo Imperador do Brasil.
Ela busca localizar, primeiramente o monarca e, ao fundo, o Brasil no mundo do
romantismo do século XIX. O pano de fundo de sua narrativa são os acontecimentos desse
século e o envolvimento do estadista com eles. Portanto, ela privilegiou e demonstrou grande
importância da cultura europeia para a consolidação não só do reinado de D. Pedro II, como
da nação Brasileira. Diante disso, fica claro que ela tomou a vida do Imperador como um
romance tipicamente do seu tempo histórico: o monarca como um paradigma da consciência
moral. E assim se modelou a sua biografia.
Intelectuais e estadistas do século XIX, principalmente aqueles que dialogaram com o
Imperador, são as principais fontes que Besouchet utiliza para (re)construir a trajetória do
monarca. Cartas trocadas, diários (tanto de sua personagem quanto de seus interlocutores) e
jornais foram seus principais documentos para essa jornada.
O monarca, para ela, era uma vanguarda nacional. Em uma passagem ela demonstra
admiração por sua personagem, tanto como soberano, quanto como homem:

Nascido filho de rei, sob reinado do pai, porfirogênito portanto, sobre a


cabeça do jovem Príncipe penetraram todas as ideias, projetos, desígnios e
ideais que agitaram o século romântico. Ele se mostrou á altura dos intentos
que lhe foram reservados, decidido a dirigir não somente a Nação mas seu
próprio destino, e a „se colocar entre as principais figuras do século XIX‟, no
dizer de Oliveira Lima281.

Politicamente, a escritora via no Imperador um exímio liberal. Segundo ela, “o


liberalismo, jamais desmentido, de D. Pedro II fez com que ele nunca discriminasse os

280
Na biografia que Roderick J. Barman descreve essas diferenças. Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão.
São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 578.
281
BESOUCHET, L. Pedro II e o século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 13.
93

homens por sua ideologia política”282. Manteve a liberdade de expressão, aceitou os


republicanos quando estes foram eleitos para o Parlamento, e inclusive os dispensou do
“juramento que tradicionalmente se fazia ao Trono”283. Resumindo: “a liberdade de expressão
e de imprensa foi uma tradição que se manteve até o fim do Império”284.
Veremos à frente que, sua dedicação à Constituição, sobressaía aos seus desejos em
relação a temas com que ele teve de lidar. Entre esses, estava a abolição.
Uma das primeiras constatações possível de ser realizada na obra da escritora é o
apagamento ou uma política de esquecimento que o Império tentou realizar em relação à
escravidão. O indianismo, projeto de exaltação do índio como representante nacional, teve
influência direta de D. Pedro II. Tal empreendimento seria uma espécie de “compensação
psicológica de uma elite marcada pelo estigma da escravidão e que se comprazia assim, em
cantar a liberdade e amor pelos povos oprimidos”285. Mesmo colocando a contradição da
exaltação do elemento indígena e a permanência da escravidão africana, ela tratou com leveza
o tema, absolvendo inclusive o Imperador, alegando o pecado que os antepassados dele
haviam cometido em relação aos gentios.
A preocupação do monarca com o fim da escravidão, segundo Besouchet, começou a
aparecer durante o período do casamento das filhas com nobres franceses. Aproveitou esse
momento para libertar inúmeros escravos seus, e influenciou decisivamente nobres e
religiosos a seguirem a mesma postura.
O Imperador era um exímio conciliador, segundo Besouchet. Sabia atender as
demandas da civilização e dos partidos políticos nacionais, principalmente no que tange a
questão abolicionista. O que não o impedia de conviver com conflito íntimo: ser apoiador da
causa e ter que respeitar à escravidão (ou seria os escravocratas?).
Próximo ao ato de ter libertado seus escravos, teve que aceitar e apoiar uma medida
que contrariava suas ideias: “o governo do Brasil proibiu a entrada do romance norte-
americano A cabana do Pai Tomás”286 de cunho abolicionista. Um exemplo de tal
contradição.
A Família Imperial, segundo a escritora, sempre tentou demonstrar sua falta de
preconceito e, mesmo que discretamente, simpatia pelo fim da escravidão. Em nota de rodapé,
quando faz menção um baile oferecido pela Embaixada Britânica, ela descreve:

282
BESOUCHET, L. op. cit. p. 15.
283
BESOUCHET, L. op. cit. p. 16.
284
BESOUCHET, L. op. cit. p. 16.
285
BESOUCHET, L. op. cit. p. 108.
286
BESOUCHET, L. op. cit. p. 118.119.
94

Nesse baile ocorreu o incidente que todos os historiadores brasileiros


anotaram como uma demonstração do espírito abolicionista da família
imperial. O Conde d‟Eu ofereceu a Princesa Isabel como par a André
Rebouças, que a aceitou e escolheu, para vis-à-vis na quadrilha, o casal
Andrade Pinto287.

André Rebouças era mulato, filho de negra. Besouchet procura evidenciar tal atitude
como exemplo dessa simpatia.
A Guerra do Paraguai trouxe grande preocupação ao monarca com relação à abolição.
Ela argumenta que os negros que lutaram na guerra foram libertados ao final dela. E o
Imperador tratou de organizar uma “comissão especial” para “estudar a fundo a questão”288.
Para a escritora, seria a primeira vez que D. Pedro II teria se comprometido, oficialmente,
com a causa. Porém ela não descreve os motivos que o levaram a tal impulsão.
Em outras biografias, e até mesmo em obras historiográficas que pudemos verificar no
capítulo anterior, a carta que a Junta Emancipatória Francesa enviou ao Imperador,
pressionando-o a tomar atitudes em relação à situação da escravidão, foi um dos motivos para
que, mesmo durante a guerra, ele começasse a dialogar com ministros e conselheiros,
possibilidades de solução para essa demanda.
Nesta obra, verificamos essa carta através dos despachos do conde de Gobineau,
representante de embaixada francesa no Brasil e amigo íntimo do Imperador. Segundo a
escritora, Gobineau teria repassado para o governo francês a mesma mensagem que o
Imperador havia enviado à Junta Emancipatória Francesa, ou seja, medidas para o fim da
escravidão era apenas questão de tempo. Ainda sobre o episódio, a escritora descreve que o
diplomata francês era defensor da abolição da escravidão, mas que compreendia a situação do
Brasil e principalmente, de D. Pedro II289.
Ao findar a guerra, surgiram novos transtornos e pressão ao Brasil com relação à
abolição da escravidão. O conde d‟Eu, comandante do exército brasileiro, concedeu a
liberdade da escravidão no Paraguai, quando este foi derrotado. Besouchet descreve que se
iniciou uma forte pressão, principalmente interna, sobre o governo brasileiro diante de tal
contradição: lutar e libertar os escravos vizinhos, porém manter a escravidão no país 290.
Aliás, para a escritora o final de década de 1860 foi de grande turbulência política.
Além da guerra, que causou grande desgaste ao Império, fatores externos colaboraram para a

287
BESOUCHET, L. op. cit. p. 632.
288
BESOUCHET, L. op. cit. p. 128.
289
BESOUCHET, L. op. cit. p. 169.
290
BESOUCHET, L. op. cit. p. 172.
95

intensificação da instabilidade política. A proclamação da Terceira República francesa fez


propagar a tese republicana no Brasil.
Eram necessárias que mudanças fossem feitas para acalmar os ânimos. Em suas
palavras: “O imperador compreendeu perfeitamente que uma reforma social era a única
fórmula capaz de deter a avalanche republicana”. E essa reforma seria: “a modificação da
mentalidade nacional e o julgamento das elites políticas pelo „crime da escravidão‟” 291. Seria
necessária então a organização de uma legislação abolicionista. O imperador deixou aos
cuidados do visconde de Rio Branco pensar e executar tais reformas e para Isabel, a regência.
Sob a pressão da opinião pública, o monarca viajou à Europa por questões familiares.
Sua filha, Princesa Leopoldina havia falecido no velho continente e ele desejava e precisava
ver seus netos. Em sua saída deixou o país divido, entre abolicionistas e contrários a ela, que
discutiram e travaram longa batalha.
Mesmo diante desse cenário, foi aprovada em 28 de setembro de 1871 a Lei do Ventre
Livre. Interessante (e paradoxal argumento, se levando em conta a leitura realizada até aqui) é
que para Besouchet, o visconde de Rio Branco foi quem ganhou notoriedade pela aprovação
desta lei, e não o Imperador ou a regente. E o mais intrigante: essa reformou sustentou a
monarquia nas duas décadas seguintes.
Contradizendo, em certo sentido, o que ela defendeu, argumenta que o abolicionismo
(e não a lei do ventre livre) e a guerra contra o Paraguai foram os principais fatores que
levaram a derrocada do regime monárquico.
A autora faz paralelo entre o movimento republicano e o abolicionista. Descreve o
primeiro como planejado e pensando nas classes dominantes, de forma organizada e
hierárquica, enquanto o segundo foi um movimento romântico “que envolveu todas as
camadas sociais”. Ela afirma que a abolição envolveu todo o país, tanto o campo como a
cidade, em uma verdadeira “força mobilizadora da nacionalidade”292. E em relação ao
abolicionismo no movimento republicano:

(...) E se todos os republicanos foram abolicionistas, numa espécie de


coerência progressista de suas doutrinas, nem todos os abolicionistas foram
republicanos, a começar pela Princesa Isabel e o Conde d‟Eu293.

Aponta ela para o “abolicionismo” da Princesa Isabel e seu marido, mas não ratifica
esse mesmo posicionamento por parte do Imperador. Besouchet explica a não explicitação do

291
BESOUCHET, L. op. cit. p. 188.
292
BESOUCHET, L. op. cit. p. 396.
293
BESOUCHET, L. op. cit. p. 396.
96

posicionamento de D. Pedro II em relação ao tema, devido, a um conflito interno que ele teria,
entre o ser “sensível” (romântico) e o ser “político”. Teria ele adotado a posição da
“consciência moral” do país em relação à abolição294.
A década de 1880 veio com o crescimento da campanha abolicionista, liderada
principalmente, por Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. A obra defende que D. Pedro II
tinha se convencido da necessidade de “eliminação progressiva da escravidão”295.
A ida de José do Patrocínio à França em busca de apoio na luta pela abolição e uma
carta de Victor Hugo, um dos maiores poetas do século XIX e por quem o Imperador
estimava muito, citando inclusive o monarca, trouxe certa repercussão no Brasil, aumentando
a pressão sobre a Corte. Diante de tal realidade, foi aprovada então a Lei dos Sexagenários. A
autora afirmar que mais de 120 mil negros, maiores de 65 anos, foram libertados por essa lei.
Dado este, um tanto quanto difícil de mensurar neste momento, e também não foi possível
apurar na historiografia levantada.
A escritora descreve que havia no Brasil um clima totalmente pró-abolição. Até
mesmo na classe política, “era bastante reduzido o número de políticos que encarava com
maus olhos a Abolição”296. Magistrados, religiosos, militares e vários fazendeiros (que
concederam alforrias em massa) estavam apoiando firmemente essa causa.
Devido à fragilidade de sua saúde, o Imperador esteve, segundo Besouchet, distante
das demandas do Estado no final da década de 1880. Estava ele, cada vez menos atuante, e
pouco se pode sentir da mão do monarca no desfecho da extinção do regime escravista.
É com uma analogia que Besouchet descreve a situação do Brasil e de seu Imperador
no final desta década: ambos estavam enfermos, porém cita a nação com os sintomas mais
graves. A aprovação da Lei Áurea em 1888, pondo fim à escravidão, destruiu a centralização
do poder, núcleo que unira “a elite, o povo, o clero e os militares”297.
O fim do regime escravo significou mais um alívio espiritual da camada dominante da
nação, do que de fato, a possibilidade de melhoria para os escravos: “O que se manifestou no
Brasil foi o desejo de cada um se redimir do pecado original, e não de redimir os escravos”298.
Na França um banquete foi organizado pelo Senador Vitor Schoelcher, com a presença
de vários políticos para comemorar a aprovação da dita lei. Este foi realizado somente em 10
de junho, portanto, quase um mês após o evento. A demora foi para esperar a reabilitação de

294
BESOUCHET, L. op. cit. p. 399.
295
BESOUCHET, L. op. cit. p. 449.
296
BESOUCHET, L. op. cit. p. 452.
297
BESOUCHET, L. op. cit. p. 492.
298
BESOUCHET, L. op. cit. p. 493.
97

D. Pedro II, que esteve muito mal na época. Porém ele acabou não comparecendo, mesmo
tendo melhorado. Enviou como representante o Príncipe Pedro Augusto. A escritora descreve
que o fato do monarca ser um rei de todos, inclusive dos contra a abolição, o fez declinar do
convite: “Desejava continuar Imperador de todos os brasileiros, quaisquer que fossem os
credos e as convicções políticas”299.
Percebe-se que apesar de chefe máximo do Estado brasileiro, o monarca aparece na
visão da autora, como pano de fundo de todos estes acontecimentos. Não conseguimos
visualizar a mão do Imperador neste episódio, ele foi receber a notícia somente no dia 22 de
maio, através de um telegrama lido pela Imperatriz, cuja sua única expressão fora: “Graças a
Deus!”300.
A notícia foi muito bem recebida e divulgada na Europa, que não deixava de prestigiar
o Brasil e o seu soberano por tal feito. Entretanto no país um grande vazio político tomou
conta. Besouchet defende que a abolição foi uma tentativa de resgatar o prestígio da
Monarquia, para não deixar essa atitude nas mãos dos republicanos. Mas a queda do regime
seria apenas questão de tempo, e o fim da escravidão apenas protelou o esperado.
Logo após o evento, os republicanos, encabeçados por Rui Barbosa, que defendia o
abolicionismo como um movimento popular, acusaram a Coroa de aproveitar essa
repercussão. Juntando-se a isso a dificuldade de audiência com o Imperador, devido a sua
enfermidade, ex- senhores de escravos passaram a somar nas fileiras republicanas.
Portanto, para Besouchet a abolição foi o golpe final na escravidão, mas também na
monarquia brasileira.
É evidente nesta obra a importância externa tanto nas convicções do Imperador quanto
na necessidade da abolição. O romantismo do século XIX impregnou o cenário brasileiro,
colaborando de forma sintomática para este desfecho.
Muito interessante é verificar a argumentação da escritora em torno da sobrevida da
Monarquia devido a aprovação da Lei do Ventre Livre. Ela contrapõe-se ao José Murilo de
Carvalho que viu neste episódio o divórcio entre o “rei e os barões”.
Mais uma vez percebemos a mão do Imperador para precipitar o movimento
abolicionista e também seu apagamento e distanciamento no momento decisivo.
Ratifica-se a importância da escravidão para a sociedade brasileira do século XIX e a
invisibilidade que se tentava (inclusive o monarca) impetrar à escravidão no país.

299
BESOUCHET, L. op. cit. p. 494.
300
BESOUCHET, L. op. cit. p. 499.
98

CONSIDERAÇÕES DA ANÁLISE BIOGRÁFICA SOBRE D. PEDRO II

Percebemos que as biografias analisadas neste capítulo convergem em muitos aspectos


quando o assunto é o papel do monarca no processo de abolição da escravidão. No entanto, é
também perceptível que as suas narrativas diferem-se. E os títulos das obras são sintomáticos.
Eles representam muito bem o modelo adotado por seus respectivos autores. O “conjunto de
instrumentos” mobilizados por eles, também favoreceu visualizar D. Pedro II por
diversificado prisma.
O Imperador de Roderick Barman é marcado por sua racionalidade política: o
“cidadão-modelo” do país. Para Lilia Moritz Schwarcz ele foi o “monarca dos trópicos”, o
símbolo maior da teatralidade política imperial no Segundo Reinado. Na obra de José Murilo
de Carvalho, presenciamos um D. Pedro II shakespeariano, vivendo o drama de uma dupla
personalidade: o Imperador D. Pedro II e o cidadão Pedro de Alcântara. Paulo Napoleão
Nogueira da Silva verificou que ele foi nada mais que vítima do seu destino. Sua
ancestralidade lhe legou as características estoicas para ser um exemplar Chefe de Estado. E
por fim, encontramos no D. Pedro II como um romance típico do século XIX, na obra de
Lídia Besouchet, caracterizado como fruto do seu tempo.
As diferentes perguntas revelam diferentes respostas, o que nos traz uma variada
possibilidade de visualizar o mesmo personagem histórico. Talvez seja isso que o François
Dosse caracterizou como “enigma biográfico”.
Ao que tange ao principal interesse deste trabalho, as biografias trazem importantes
revelações, que tanto confirmam o exposto pela historiografia, como apresentam novidades.
Assim como verificamos no primeiro capítulo, as biografias demonstram a
importância da ilustração e do romantismo, e das ideias de progresso e civilização que se
desenvolveram e disseminaram-se no século XIX, como fundamento para a defesa da
abolição da escravidão. Inclusive, na maioria das biografias, percebemos o Imperador
buscando a civilização e progresso da Europa. Tanto que ele se veste desse progresso e passa
a representar o “cidadão-modelo” ou o “monarca-cidadão” para a nação301. Não é possível
visualizar a defesa da escravidão baseando-se nestas teorias, como apresentado pela
historiografia, e sim a ratificação da escravidão como mancha e obstáculo ao desenvolvimento.

301
Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012.; SCHWARCZ, L. M. As
barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
99

Nas narrativas biográficas são marcantes as influências europeias sobre o Brasil. A


biografia da Lídia Besouchet, inclusive, tem como temática demonstrar essa relação, e com
riqueza (pois explora o que os intelectuais estrangeiros escrevem sobre o país) de detalhes.
A pressão externa esteve presente, principalmente na aprovação da Lei Eusébio de
Queiroz (1850), que pôs fim ao tráfico negreiro e na Lei do Ventre Livre (1871). Inclusive
essa pressão é muito mais visível nas biografias do que mesmo na historiografia.
Não é possível deixar de destacar que principalmente nessas duas legislações, que a
mão do Imperador é vista todo o tempo, e em todas as biografias. Aparece um pouco mais
tímida no processo que levou ao fim do comércio negreiro, na obra de Lilia Moritz Schwarcz.
Algo também marcante nas biografias sobre a Lei do Ventre Livre é o aspecto
conservador da mesma. Roderick J. Barman descreve essa conquista como “mudar tudo sem
mudar nada” e Schwarcz, muito próximo: “antecipar para melhor controlar”. Visivelmente
nas duas obras, a ideia desta lei era fazer com que o governo (e o monarca) conseguissem
manter o controle e domínio sobre essa situação que as guerras da Secessão dos EUA e do
Paraguai precipitou.
É possível perceber nestas obras, que para o Imperador, as leis que puseram fim ao
tráfico negreiro, a do Ventre Livre e dos Sexagenários, seriam suficientes para findar à
escravidão no país. A Lei Áurea foi para uns, desnecessária e para outros realizada tarde
demais. Afinal ela estava sendo feita pelos escravos e seus senhores.
É recorrente que D. Pedro II participou ativamente das primeiras legislações
abolicionistas, e esteve distante no processo final. Em praticamente todas as biografias vimos
o monarca distante e apagado.
E este se trata de um ponto importante, pois tanto na historiografia como nas
biografias, o lapso entre 1850 e 1871 é de uma atividade ascendente do Imperador em prol de
legislações emancipacionistas. Sendo o epicentro da relação do monarca com o tema o
período de 1864-1871. Enquanto o período posterior, 1872-1888, apresenta-se o contrário.
Importante verificar como se apresentarão nestas temporalidades, os discursos da Fala do
Trono, objeto do próximo capítulo.
Percebemos nitidamente o quanto o monarca colaborou com a construção de uma
cultura “homogeneamente nacional”, tendo como símbolo o indígena, buscando apagar a
escravidão neste contexto. O incentivo que ele deu à imigração europeia tinha características
vanguardistas, ao pensar que seria a melhor solução para a questão do trabalho no Brasil e
além de incentivar uma política de embranquecimento.
100

É curiosa a argumentação de Lídia Besouchet, de que a aprovação da Lei do Ventre


Livre garantiu a manutenção da Monarquia brasileira por mais vinte anos. Argumentação, que
por mais fragilizada que seja, contraria a historiografia sobre o assunto.
As biografias de Paulo Napoleão Nogueira da Silva e Lídia Besouchet diminuem, mas
não escondem totalmente, o que nas outras está bem escancarado: O Imperador reinava,
governava e administrava. E se o governo direcionou e controlou o processo abolicionista o
quanto pode, foi porque ele aprovava esse encaminhamento, ou ao menos o influenciava.
Palavras diferentes utilizadas nas biografias, mas que possuíam sentidos semelhantes.
As rupturas e crises enfrentadas pelo Imperador na aprovação dessas leis são
amenizadas na leitura das biografias comparando-as às da historiografia. Nestas as questões
estruturais se apresentam muito mais fortemente do que na escrita biográfica.
Mas o que não se dá para esconder nas biografias é o papel do Imperador nesse
processo. Em menor ou maior grau, para os biógrafos ele esteve presente e atuante na
trajetória que levou ao fim da escravidão. Mesmo prudente demais, outra marca de D. Pedro
II, se fez sentir no processo. Nestas obras também fica claro, que o tema foi grande
responsável pelo fim do regime.
Concluindo, verificamos que as biografias de Roderick J. Barman e Lilia Moritz
Schwarcz muito se assemelham a visão de Sérgio Buarque de Holanda sobre o Imperador. O
exemplo de cidadão, amante das artes e da ciência e desejoso de ver o Brasil se equiparar à
civilização e ao progresso das nações europeias, não conseguiu acompanhar as mudanças que
ele mesmo precipitou na década de 1850 e viu seu reinado ruir em 1889. De fato ele foi
esmagado pela pedra. E ao acompanharmos o processo abolicionista podemos verificar que
essa inércia acompanhada do progresso foi uma relação um tanto quanto paradoxal.
Portanto, ficou nítido o quanto o seu tempo histórico influenciou as tomadas de
decisão do monarca, mas também, como ele influenciou o seu tempo, seguindo o pensamento
do Le Goff. Acreditamos que essas biografias nos permitiram visualizar a certa autonomia do
político em relação aos aspectos estruturais da sociedade, mencionada por Rémond.
Precisamos concordar com Levillain, pois de fato podemos verificar que a biografia é o “lugar
da excelência da condição humana”.
Sem analisarmos essas biografias, talvez não compreenderíamos as contradições
envolvidas entre as políticas abolicionistas brasileiras no século XIX e o seu, suposto,
principal mentor e executor, D. Pedro II. As legislações abolicionistas possuíam tanto o
progresso quanto a moderação, típicas características do reinado do Imperador.
101

No próximo capítulo, ao analisarmos dos discursos das “Falas do Trono” entre 1841 e
1889, será possível verificar mais claramente como tais características cortaram estas
enunciações discursivas.
102

CAPÍTULO III
ANALISANDO OS DISCURSOS DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
NAS “FALAS DO TRONO”

“É nisso que consiste para nós a história, nesse


fazer sentido, mesmo que possamos divergir sobre
esse sentido em cada caso.
Isso vale para nossa história pessoal, assim como
para a outra, a grande História”
Paul Henry

Este capítulo objetiva-se analisar os discursos da abolição da escravidão nas “Falas do


Trono”. Ou melhor, analisar como esses discursos oficiais, lidos pelo Imperador na abertura e
fechamento das atividades parlamentares, apresentam o processo de extinção da escravidão no
país. Visualizar também quais valores foram projetados nessas enunciações.
Utilizaremos para atingir esse objetivo, os discursos das “Falas do Trono” coligidos
em livro pela Câmara de Deputados no ano de 1977, contando com os discursos de 1823 a
1889, com os votos de graça apresentados pelos Deputados, e com prefácio assinado por
Pedro Calmon302.
Sobre a tradição do poder executivo de enviar uma mensagem ou mesmo discursar na
abertura e fechamento dos trabalhos do legislativo, segundo Pedro Calmon, esta é originária
da Europa. No continente americano, tanto no regime monárquico (modelo que o Brasil foi o
único a adotar após a Independência) quanto nos republicanos perpetuou-se esse ritual, apesar
de terem sido feitas algumas adaptações303. No Brasil ela constava, inclusive, na Constituição
de 1824.
Para o historiador, esse conjunto documental “oferece à História” “um farto material
de questões, de soluções, de ideias, de propósitos, de resistências, de afirmativas e negações,

302
Pedro Calmon Moniz de Bittencourt, formado em Direito, foi Diretor (1938-1948) e Reitor (1948-1966) da
Universidade do Brasil. Ministro da Educação e Saúde no Governo Dutra. Presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro de 1968-1985. Deputado Estadual e Federal pela Bahia. Foi professor de Direito
Constitucional na Universidade do Brasil e na Pontifícia Universidade Católica. E também professor de História
do Brasil do Colégio Pedro II. E segundo Arno Wehling foi dele a “primeira lei de proteção ao patrimônio
histórico e artístico”. Wehling argumenta que “ele próprio [Pedro Calmon] classificou em “literatura histórica””
à sua obra. Escreveu diversas obras sobre História do Brasil, e biografias sobre importantes personagens
imperiais: D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II. Ver WEHLING, A. Apresentação: Pedro Calmon e a História da
Civilização Brasileira. In: CALMON, P. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2002. p. 15-25.
303
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 7-8.
103

absolutamente precioso”, e “por ela perpassa o consolado júbilo da Abolição”304. Sendo este o
objeto principal do trabalho.
Como foi possível visualizar, tanto na historiografia, quanto nas biografias,
verificamos menções a esta documentação, mesmo que pontualmente. No entanto, em relação
ao papel de D. Pedro II na abolição da escravidão, maior ênfase foi dada as documentações do
Conselho de Estado, ou mensagens enviadas do Imperador para os seus ministros. As obras
do Ricardo Salles (capítulo 1) e a biografia de Roderick J. Barman (capítulo 2) exemplificam
isso.
A “Fala do Trono” mais utilizada e debatida, tanto pela historiografia quanto pelas
biografias, foi a de 1867, quando pela primeira vez, o monarca apresenta um posicionamento
favorável a uma legislação emancipadora. Teremos a oportunidade de verificar com maiores
detalhes esse discurso.
No entanto, uma análise do conjunto de discursos da “Fala do Trono” destacando a
questão da abolição da escravidão, não foi possível ser encontrada na historiografia e nem
mesmo nas biografias. O mais próximo de uma verificação mais ampla dessa documentação,
foi uma menção de José Murilo de Carvalho, quanto à repetição do assunto relacionado à
questão do trabalho nesses discursos, pois segundo ele em 56 “falas”, 34 trataram da oferta de
mão de obra305.
Diante disso, acreditamos que utilizando de certos referenciais teóricos, para ler de
forma eficaz essa documentação, será possível emitir novas ou ratificar visões sobre a relação
do Imperador sobre essa temática tão cara ao seu reinado.
Acreditamos que estes discursos significavam a “ponta do Iceberg” da política
Imperial. Veremos no decorrer do texto, que o momento de apresentação da “Fala do Trono”,
era também um dos símbolos da representação política da Monarquia Brasileira. Devido a
isso, o quão valioso era a sua enunciação, gerando constantes debates entre os ministros,
conselheiros e o Imperador.
Diante dessa importância, pensamos que ao analisar as “Falas do Trono”, poderemos
visualizar o que a elite política do Segundo Reinado e, principalmente D. Pedro II, quiseram
deixar transparecerem, ou até mesmo, silenciaram, em torno da abolição da escravidão.
Sendo assim, este capítulo apresentará a importância da cena para a enunciação da
“Fala do Trono”, assim como era construída e debatida as minutas destes discursos. Os

304
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 8.
305
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
104

problemas e possibilidades da leitura e análise dos discursos também serão oportunizados,


para que possamos disponibilizar os referenciais teóricos que possibilitem a execução desta
tarefa: analisar os discursos da “Fala do Trono”306.

A CONSTRUÇÃO DA CENA: A CENOGRAFIA DAS “FALAS DO TRONO”

A apresentação da “Fala do Trono” perpetuou-se durante todo o período Imperial. Foi


este, um dos poucos rituais que sobreviveram às mudanças sofridas pela Monarquia brasileira
durante seus sessenta e sete anos de existência.
Pedro Calmon descreve que era a “Fala do Trono” uma “oração com que o Imperador
abria e encerrava a sessão legislativa”307. Tal entonação demonstra a importância que se
destinou a esse momento. Nas biografias, ratifica-se essa visão.
Diante deste cenário, é perceptível que não se tratam de simples enunciações
discursivas essas “falas”. Portanto, necessário se faz compreender a construção dessa cena
enunciativa.
Dominique Maingueneau desenvolveu o conceito de cenografia, para que possamos
melhor compreender a relação cena-discurso, ou seja, a cena da fala:

A escolha da cenografia não é indiferente: o discurso, desenvolvendo-se a


partir de sua cenografia, pretende convencer instituindo a cena de
enunciação que o legitima. O discurso impõe sua cenografia de algum modo
desde o início; mas, de outro, é por intermédio de sua própria enunciação
que ele poderá legitimar a cenografia que ele impõe. Para isso, é necessário
que ele faça seus leitores aceitarem o lugar que ele pretende lhes designar
nessa cenografia e, de modo mais amplo, no universo de sentido do qual ela
participa. Toda tomada de palavra é, com efeito, em diversos graus, incursão
em um risco, sobretudo quando se trata de gêneros ou de tipos de discurso
que têm necessidade de se impor contra outros pontos de vista e de provocar
uma adesão que está longe de ser dada308.

Percebemos que a cena não está de forma ocasional ou passiva diante do que é discursado.
Ela é componente primordial para validar o que se discursa. Podemos pensar que se trata de
uma relação de interdependência entre a cena e o discurso. Sendo assim, a cena está para
legitimar o que se está discursando, tanto quanto o discurso está para legitimar a cena.
O ritual, como ele se procede, pretende dar sustentação aquilo que será enunciado.

306
Manteremos a menção as “Falas do Trono” ou mesmo “Falas” ou “Fala” entre aspas para designar os
discursos proferidos pelo Imperador nas sessões de abertura e fechamento das atividades parlamentares.
307
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 7.
308
MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 117.
105

Talvez não seja exagero do Pedro Calmon descrever a “Fala do Trono” como uma oração. A
forma como ela era preparada tentava-se imputar tal importância.
Segundo Roderick J. Barman, essa cerimônia de abertura do ano parlamentar era
“conduzida com notável pompa”. “Vestindo seu manto cerimonial com coroa e cetro, D.
Pedro II proferia a Fala do Trono, que relatava a condição do país e expunha o programa
legislativo do governo para a sessão vindoura”309. O historiador norte-americano nos descreve
parcialmente o objetivo do discurso e a cena em que ele seria realizado.
Lilia Moritz Schwarcz descreve que a “paramentação completa”, ou seja, a roupa de
“grande gala”, só deveria ser utilizada “nas festas cívicas: aniversários, Fico, juramento
constitucional, dia da Maioridade, proclamação da Independência e abertura e fechamento do
Parlamento”310. Esse traje de “grande gala” era caracterizado pelo “manto verde como a
nação, a coroa e a murça de penas de papo de tucano”, mais próprio a um monarca dos
trópicos311. Completamos essa paramentação com o descrito por Barman: a coroa e o cetro.

Figura 1 – D. Pedro II na abertura da Assembleia


Geral. Óleo sobre tela de Pedro
Américo de Figueiredo e Melo, 1872.
Fonte: Schwarcz (1998).

309
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 197.
310
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 90.
311
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 17.
106

A construção da cena, concordando com Maingueneau, busca legitimar o discurso que


nela será proferido. Toda a pompa, como descrita por Barman e Schwarcz, buscava dar peso
ao que D. Pedro II discursava. Ratificamos que foi este ritual, um dos poucos que continuou a
utilizar os trajes majésticos durante o regime monárquico312.
Sérgio Buarque de Holanda descreve que foram as “Falas do Trono” a “voz oficial do
governo” e tinham como objetivo valorizar “a figura do Imperador”313. Menciona ainda que
tais discursos não eram elaborados pelo monarca, e sim por “assessores de gabinete”. E
quando o “poder de D. Pedro II entrou em declínio” eles serviram de “munição para
oposição”, causando “efeito contrário”314.
Tais argumentações demonstram a importância deste ritual durante o regime
monárquico. Mais a frente será possível verificar que o papel do imperador não era
meramente de ler um discurso pronto.
Justamente por servir de “munição à oposição” acreditamos que o que estava havendo
era legitimação desta cena, afinal, era ela um dos principais alvos da imprensa para depreciar
o monarca e a Monarquia, demonstrando o quão ela a representava.

Figura 2 – Revista Ilustrada. Coleção Emanoel


Araújo. Fonte: Holanda (2010).

312
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 410.
313
BUARQUE, S. B. Capítulos de história do império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. s/n (anexo).
314
BUARQUE, S. B. op. cit. p. s/n (anexo).
107

Pois conforme argumenta Maingueneau, “a enunciação não é uma cena ilusória onde
seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um dispositivo constitutivo da
construção do sentido e dos sujeitos que aí reconhecem”315. Portanto, esse ritual/cena era um
dispositivo que construía sentido ao regime monárquico, e por ser reconhecido por isso, que
era alvo das charges do período.
Retornando aos responsáveis pela produção das “Falas do Trono”. Barman mais uma
vez nos auxilia. Ao mencionar e citar uma parte da “Fala do Trono” de 1867, para referir-se
justamente ao posicionamento da Coroa em relação a uma aprovação de legislação
emancipadora, ele argumenta:

O trecho no discurso certamente teve aprovação do imperador, e, tendo em


vista seus hábitos, ele havia provavelmente corrigido as palavras, como era
sua prática, quando os ministros apresentaram a minuta do discurso em um
despacho316.

Podemos perceber que mesmo sendo os ministros responsáveis por apresentar a


minuta do discurso, passava ela pelas mãos do imperador, e ele sempre fazia as devidas
correções, mesmo que apenas das palavras. É notório que tal ritual representava uma
importante peça política do império. A discussão em torno do que deveria ser mencionado na
“Fala do Trono”, reforça essa importância.
A batalha travada pelo monarca para fazer menção a “emancipação do elemento
servil” ou da necessidade de “braços livres” para o “desenvolvimento moral e material da
nação”, e como veremos palavras que serão muito utilizadas por ele nas “Falas”, encontrou
oposição do Conselho de Estado. Mais uma vez, reforçar-se o ritual. Barman descreve uma
longa discussão entre D. Pedro II e seus ministros, que não se inclinaram ao Imperador, e a
“Fala” foi escrita sem menção ao projeto de emancipação. Mas conseguiu ele incluir
“necessidade de braços livres”317.
Na discussão de José Murilo de Carvalho sobre o episódio podemos verificar certa
artimanha do Imperador. O presidente do Conselho de Ministros, Itaboraí, não admitiu incluir
o tema na “Fala do trono” de 1870. Como D. Pedro II era a favor e forçava a inclusão, o
presidente se viu em posição contrária ao monarca e pediu demissão. E na dança das cadeiras
do Império, quem acabou sendo indicado por Itaboraí a presidir o Conselho, foi São Vicente,

315
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 50.
316
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 309.
317
BARMAN, R. J. op. cit. p. 331-334.
108

o responsável pelos projetos que previam a liberdade do ventre escravo e próximo do


Imperador318.
Carvalho em outro texto argumenta que o Imperador chegou a barganhar essa
inclusão. Pressionando os ministros para conseguirem acelerar o processo de aprovação da
Lei do Ventre Livre, em troca do silêncio a menção deste assunto na “Fala do Trono”319.
Diante desta rápida discussão sobre o ritual e o lugar da “Fala do Trono” na política
imperial, podemos, mesmo ponderando sobre quem a escrevia, verificar a sua importância.
Mesmo sem ser o autor direto, percebemos a mão do monarca, seja no que foi incluído, ou
silenciado.
Fora isso, muito interessante e relevante é verificar como o processo de abolição da
escravidão foi descrito nestes discursos. E utilizando das concepções de análise do discurso,
que verificaremos a frente, talvez possamos visualizar nesse processo, a enunciações
explícitas ou implícitas do assunto nestes discursos oficiais, e os valores que esta cena estava
legitimando.

A RELAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM E O DISCURSO HISTÓRICO: PROBLEMAS


E POSSIBILIDADES

René Rémond ao descrever a História Política como uma história presente, explica a
importância de um projeto pluridisciplinar para a reorganização desse viés historiográfico, a
partir da segunda metade do século XX320. Uma das áreas do conhecimento que colaboraram
com esse projeto foi a linguística. O historiador Antoine Prost, no texto intitulado “As
palavras”, trouxe a importância de como este referencial precisa ser elucidado para certas
práticas historiográficas.
Para Prost, quando a ciência linguística a partir da década de 1960 se distanciou da
filologia, apresentou um quadro inovador que permitiu a aproximação da História dela.
Apesar de suas diferentes concepções, referimos neste caso às análises quantitativas e
qualitativas da análise do discurso, o historiador acredita que a (nova) linguística pode trazer
grandes contribuições ao trabalho do historiador:

318
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 130-137.
319
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
320
RÉMOND, R. Uma História presente. In: _____. Por uma História Política. Rio de Janeiro, RJ: Editora
FGV, 2003. p. 29.
109

O fato de um procedimento linguístico trazer aos historiadores, junto com


provas, descobertas, se explica por muitas razões. O primeiro mérito desses
métodos é o de „esvaziar‟ os textos. Eles provocam o distanciamento do
pesquisador e o obrigam a considerar os documentos em seus detalhes e suas
particularidades formais, por intermédio de construções abstratas que exigem
reflexão, em vez de precipitar sem mediação sobre seu sentido321.

Esta colocação do historiador nos alerta para a seguinte situação: não podemos tomar
os textos como soberanos ou imparciais, e fazendo deles uma leitura transparente. Não há essa
ingenuidade nas construções discursivas. Ao contrário, os textos possuem certa opacidade,
causando dificuldades em sua leitura.
Um grande problema encontrado para a leitura e análise de textos, é que não podemos
reduzir as letras a signos dos signos. Os signos, para serem significados necessitam de uma
compreensão de sua semântica, e não apenas, sintática, como exposto por John R. Searle:

(...) a meu ver também é verdade que uma entidade pode ter uma
interpretação sintática somente se também tiver uma interpretação
semântica, porque os símbolos e os sinais são elementos sintáticos somente
em relação aos significados que possuem. Os símbolos precisam simbolizar
alguma coisa, e as frases precisam significar alguma coisa. Não há dúvida de
que os símbolos e as frases são entidades sintáticas, mas a interpretação
sintática exige uma semântica322.

Diante disso, precisamos compreender que esses signos podem possuir diferentes
significados se analisados em diferentes matrizes linguísticas e temporalidades. Este cenário,
portanto, nos coloca em uma delicada situação. É possível termos acesso ao significado real
dos signos? Michel Pêcheux, ao apresentar as possibilidades de apreensão do real, em
diferentes concepções de ciência, apresenta uma saída:

É supor que – entendendo-se o “real” em vários sentidos – possa existir um


outro tipo de real diferente dos que acabam de ser evocados, e também um
outro tipo de saber, que não se reduz à ordem das “coisas-a-saber” ou a um
tecido de tais coisas. Logo: um real constitutivamente estranho à
univocidade lógica, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se
ensina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos323.

Portanto, para Pêcheux, só é possível verificarmos a apreensão do real nas chamadas


disciplinas da interpretação, na prática social, ou, “produzindo efeitos”. Então, necessário se

321
PROST, A. As palavras. In: RÉMOND, R. Por uma história política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV,
2003. p. 310-311.
322
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 191.
323
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 44
110

faz conceber o conhecimento histórico em sua especificidade, ou seja, na produção de


sentidos e/ou efeitos na vivência da sociedade.
Para Michel de Certeau, a historiografia ou “história” e “discurso”, “traz inscrito no
próprio nome o paradoxo (...) do relacionamento de dois termos antinômicos: o real e o discurso.
Ela tem a tarefa de articulá-los e, onde este laço não é pensável, fazer como se os articulasse”324. A
história é a ciência, ou disciplina, que tem por objetivo, a articulação do real e do discurso, e
conforme a argumentação de Paul Henry:

(...) não há “fato” ou “evento” histórico que não faça sentido, que não peça
interpretação, que não reclame que lhe achemos causas e consequências. É
nisso que consiste para nós a história, nesse fazer sentido, mesmo que
possamos divergir sobre esse sentido em cada caso. Isso vale para nossa
história pessoal, assim como para a outra, a grande História325.

Após a compreensão dessas dificuldades, mas também verificando as possibilidades


de apreensão do real para a construção do conhecimento histórico, precisamos efetuar um
novo olhar sobre um importante componente do discurso histórico: o arquivo.
Pêcheux compreende o arquivo como “campo de documentos pertinentes e disponíveis
sobre uma questão”326, e distingue dois profissionais que trabalham com ele: os “literatos” e os
“cientistas”, que o utilizam de maneira diferente, e ele problematiza essa situação. Questiona,
provocando-os: os primeiros sobre a possibilidade de ficarem a “distância da adversidade que
ameaça historicamente a memória e o pensamento” e os segundos sobre a possibilidade de
acreditarem “poder ainda por muito tempo escapar à questão de saber para que vocês servem
e quem os utiliza”327.
Para o filósofo, ambos veem a língua como “materialidade específica, constantemente
contornada, ignorada ou recusada”328, simplesmente ao ler o arquivo, esquecem que a questão
que pesquisam e visualizam está materializada na escrita e que a linguagem está envolta a
essa construção. A língua transparece nesta leitura, e junto com ela, implicitamente todas as
condicionantes da discursividade.
Michel Pêcheux coloca essa ideia para “ler o arquivo hoje”:

324
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 11
325
HENRY, P. A história não existe?. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Gestos de leitura. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2010. p. 47.
326
PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Gestos de leitura. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2010. p. 51
327
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 56.
328
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 56.
111

É a existência desta materialidade da língua na discursividade do arquivo


que é urgente consagrar: o objetivo é o de desenvolver práticas
diversificadas de trabalhos sobre o arquivo textual, reconhecendo as
preocupações do historiador tanto quanto as do linguista ou do matemático-
técnico em saber fazer valer, face aos riscos redutores do trabalho com a
informática – e, logo, também nele – os interesses históricos, políticos levados
pelas práticas de leitura do arquivo329.

Pêcheux traz nesta colocação a necessidade de ver e levar em conta a “materialidade


da língua na discursividade do arquivo”. Ela está ai, precisa fazer parte dessa leitura, pois
junto dela várias problemáticas estão envolvidas. A preocupação tanto dos literários quanto
dos cientistas precisam estar colocadas nesta leitura, mas antes, existe essa materialidade, e
existem os interesses, expostos por ele como os “históricos e políticos”.
Diante deste cenário, o ponto mais importante a ser ressaltado é a não inocência da
linguagem. Ela não é simplesmente a disciplina do “entre-meio”, várias são as condicionantes
ao se materializar o discurso na escrita.
Acreditamos que o exposto, nos faz (re)pensar a leitura e análises discursivas.
Demonstra-nos o cuidado que precisamos ter com os corpus documentais, e desmonta a
possibilidade de passividade dos textos na prática historiográfica.
A contribuição descrita por Antoine Prost, que linguística pode fornecer ao trabalho do
historiador, é pertinente e importante como vimos. Afinal, além de desmascarar a ingenuidade
do discurso, a linguística permite que façamos outras perguntas sobre o corpus, levando dessa
maneira a modificações na análise de discursos na História:

(...) encontra-se (...) um interesse pela maneira como os textos dizem o que
dizem: pelo como?, e não apenas pelo que?. As maneiras de falar não são
inocentes; para além de sua aparente neutralidade, revelam estruturas
mentais, maneiras de perceber e de organizar a realidade denominando-a.
Traem os preconceitos e os tabus por seus estereótipos ou silêncios330.

A grande dúvida de Prost paira em torno da grandeza da análise do discurso. Ele


demonstra preocupação quando analisou o trabalho que Pierre Achar realizou utilizando esse
referencial. Para a análise de duas frases foram necessárias vinte e nove páginas de descrição.
Ele se faz a seguinte indagação: “A montanha não pariu um rato?”331.
E a resposta, a que ele chega, é que precisamos diferenciar o trabalho de um linguista
do historiador. Há contribuições de uma área a outra, e não imposições. As perguntas e
respostas que historiadores e linguistas esperam de suas análises são diferentes. Portanto,

329
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 59.
330
PROST, A. op. cit. p. 312.
331
PROST, A. op. cit. p. 309.
112

problematizar a utilização de outras áreas do conhecimento na construção de obras históricas


é preciso, justamente para não enveredarmos em um campo desconhecido e utilizarmos dele
métodos e referenciais que não somos capazes e também que não há necessidade para nossas
análises.
Para finalizarmos essa discussão, é importante verificarmos como podemos conceber o
papel da análise do discurso, até mesmo para sabermos como utilizar esse referencial teórico
em nosso trabalho.
Michel Pêcheux traz uma importante consideração sobre isso:

(...) a análise de discurso não pretende se instituir como especialista da


interpretação, dominando “o” sentido dos textos; apenas pretende construir
procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos à ação
estratégica de um sujeito (...). O desafio crucial é o de construir
interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia
qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado
com pretensão universal332.

Percebemos mais uma vez a preocupação quanto à opacidade das construções


discursivas. Mas o que podemos tomar de mais importante é a definição de construir
interpretações e não fazer interpretações. Portanto, como define Dominique Maingueneau, “a
análise do discurso depende das ciências sociais e seu aparelho está assujeitado à dialética da
evolução científica que domina este campo”333.
Concluímos que, se é necessária uma interpretação semântica, para conseguimos
realizar a interpretação sintática, podemos considerar que, para realizar a análise de discursos
históricos, precisamos de conceitos e concepções da linguística e/ou filosofia da linguagem,
mas estas também precisam da história. Trata-se de uma relação umbilical, a construção
discursiva e a história.

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DAS “FALAS DO TRONO”

Após verificarmos não só os problemas, mas também a importância da linguagem para


o trabalho do historiador, precisamos passar para o próximo ponto. Compreender como se
constrói o discurso e as ferramentas que podemos utilizar para realizar a sua análise.

332
PÊCHEUX, M. In: MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP:
Pontes; Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 11.
333
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 11.
113

Pensando na argumentação de Dominique Maingueneau, que o discurso “constitui-se


em signo de alguma coisa, para alguém, em um contexto de signos e experiências”334,
podemos tomar como fundamental para a construção discursiva, a relação de um sujeito com
o meio que lhe envolve. Afinal, para realizar tal tarefa ele necessitará compreender os signos,
que como vimos está sujeito à interpretação semântica.
Diante disso, percebemos que essa colocação, muito se aproxima da teoria dos atos de
fala desenvolvida por John R. Searle, que para a efetivação de uma comunicação é primordial
a passagem pelas regras e instituições:

O propósito da linguagem é a comunicação. A unidade da comunicação


humana pela linguagem é o ato de fala, do tipo chamado ato ilocucionário. O
problema (ou, pelo menos, um importante problema) de uma teoria da
linguagem é descrever como passamos dos sons aos atos ilocucionários. O
que, por assim dizer, se deve acrescentar aos ruídos que saem da minha boca
para que a produção desses ruídos seja a realização do ato de fazer uma
pergunta, fazer um enunciado, dar uma ordem etc. As regras permitem-nos
passar do fato bruto da produção dos ruídos ao fato institucional da
realização dos ato ilocucionários da comunicação humana335.

Sintetizando, para a realização de uma enunciação discursiva, além da intenção do


sujeito, vários outros pressupostos, como “as convenções sociais, as regras e os contextos de
enunciação”336 são fundamentais para que se realize satisfatoriamente.
Para melhor visualizarmos as condicionantes da construção de um discurso, vamos
transcrever na íntegra a “Fala do Trono” pronunciada pelo Imperador D. Pedro II em 1867,
para tomarmos como exemplo.

FALA DO TRONO NA ABERTURA DA ASSEMBLEIA GERAL EM


22 DE MAIO.

Augustos e digníssimos senhores representantes da nação.

A reunião da assembleia geral desperta sempre em mim, como em


todos os brasileiros, vivo júbilo e gratas esperanças.
Em todas as províncias se há mantida inalterada a tranquilidade
pública; e o sossego que em geral observou-se na última eleição é mais uma
prova do amor, que o povo brasileiro consagra às instituições nacionais.
Graças à Divina Providência, o estado da saúde pública é satisfatório,
na maior parte do Império. O flagelo da cólera-morbo que, sinto dizer-vos,
apareceu na corte e em alguns pontos do rio de Janeiro, S. Pedro do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina, declinou rapidamente e não foi tão

334
MAINGUENEAU, D. op. cit. p. 34.
335
SEARLE, J. R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos da fala. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 276-277.
336
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 232.
114

mortífero como em sua primeira invasão. O governo providenciou como lhe


cumpria.
A guerra provocada pelo Presidente do Paraguai não tocou ainda no
desejado termo; mas o Brasil e as repúblicas Argentina e Oriental, fiéis à
alianças contraída, hão de em breve consegui-lo.
No desempenho de tão sagrado dever tem o governo recebido os mais
valiosos auxílios do infatigável esforço de todos os brasileiros, e tudo confia
do valor do exército, da armada, da guarda nacional e dos voluntários da
pátria, credores do mais profundo reconhecimento da nação.
A cólera-morbo invadiu infelizmente o Rio da Prata tem causada às
forças aliadas diante do inimigo estragos consideráveis. Lamento
profundamente a morte de tantos bravos, que almejavam o momento de
arriscar nas batalhas a sua vida pela pátria.
Ao Brasil e às repúblicas aliadas ofereceu o governo do Peru seus
bons ofícios, como preliminar de mediação da mesma república e das do
Chile, Bolívia e Equador para o restabelecimento da paz com o Paraguai.
Posteriormente o governo dos Estados Unidos ofereceu sua graciosa
mediação para o mesmo fim. Os aliados agradecendo os oferecimentos, não
puderam contudo aceitá-los, porque não o consentia o pundonor nacional.
Tenho o prazer de comunicar-vos, que o Brasil acha-se em paz com
todas as outras potências estrangeiras, cujas amigáveis relações o governo se
empenha em cultivar.
Assinou-se em Paris e está em vigor uma declaração interpretativa do
art. 7º da convenção consular celebrada com a França, acabando assim o
desacordo que em assunto de heranças se manifestava na prática daquela
convenção, e resultado idêntico supõe o governo se obterá com respeito a
outras convenções de igual natureza.
Folgo de anunciar-vos, que por decreto nº. 3749 de 7 de dezembro do
ano passado, franqueia-se de 7 de setembro próximo em diante aos navios
mercantes de todas as nações a navegação do Amazonas, de alguns dos seus
afluentes e dos rios Tocantins e S. Francisco.
Esta medida, que correspondeu à expectação de nacionais e
estrangeiros, promete ao Império os mais importantes benefícios.
A renda pública continua em aumento, mas a despesa, especialmente a
que se origina das necessidades da guerra, tem crescido de modo a produzir
no orçamento do Estado um déficit, que é do mais vital interesse extinguir
pelos meios que a sabedoria e o patriotismo vos sugerirem.
O elemento servil no Império não pode deixar de merecer
oportunamente a vossa consideração, provendo-se de modo que,
respeitada a propriedade atual, e sem abalo profundo em nossa
primeira indústria – a agricultura -, sejam atendidos os altos interesses
que se ligam à emancipação.
Promover a colonização deve ser objeto de vossa particular solicitude.
De não menos desvelo se torna digna a instrução pública.
Entre as medidas reclamadas pelo serviço do exército sobressaem as
de uma lei de recrutamento e de código penal e do processo militar.
A experiência mostra ser urgente alterar o quadro dos oficiais da
armada.
Também se há reconhecido na prática a conveniência de modificar a
organização da guarda nacional, principalmente no sentido de mais
mobilidade em circunstâncias extraordinárias.
Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, vossa
dedicação ao bem público e vossas luzes afiançam-me que habilitareis o
governo a superar as dificuldades do presente e que firmareis cada vez mais
as bases da prosperidade de nossa pátria.
115

Está aberta a sessão.

D. PEDRO II, IMPERADOR CONSTITUCIONAL E DEFENSOR


PERPÉTUO DO BRASIL337.

Foi possível verificar no discurso acima, como o monarca discorre sobre os principais
assuntos que, a Coroa, julga serem os mais importantes para nação neste momento (1867).
Vejamos como podemos ler e analisar essa construção discursiva.
O conceito de Background338 do John R. Searle, nos auxilia a compreender o motivo
pelo qual o monarca pôde realizar esta enunciação. Havia toda uma pré-disposição, garantida
por regras institucionais, para que pudesse emergir este discurso. Entre estas regras: o Brasil
ser, neste momento, uma Monarquia Constitucional, divida em quatro poderes (executivo,
legislativo, judiciário e moderador), sendo o Imperador Chefe de Estado e do Poder
Moderador. Sendo o legislativo compostos por deputados e senadores, eleitos de forma
censitária. Estes eram reconhecidos como representantes da nação. E havia na Constituição de
1824 a prerrogativa por parte do monarca, de abrir os trabalhos parlamentares, mediante o
pronunciamento de um discurso, através de um ritual, como visto acima, instituído como
“Fala do Trono”.
Esse conjunto de “práticas, habilidades, hábitos e atitudes” proporcionaram as
“condições necessárias” 339 para a realização deste discurso.
Outro importante fator que tem de se levar em consideração para se analisar um ato de
fala, é o repertório do indivíduo:

É peculiaridade da cognição, observada frequentemente quando se discutem


as características especiais da explicação histórica, que explicações que
apelam a estados e processos cognitivos devem lançar mão de conceitos
disponíveis ao agente340.

Por se tratar de uma condição sine qua non do trabalho de um historiador, verificar o
contexto histórico do objeto pesquisado, a preocupação com o repertório do indivíduo serve
mais como um alerta. Pois é fato inconteste, tomando o exemplo apontado por Searle, que não
podemos “explicar o comportamento do general Lee em função do medo do comunismo,

337
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 373-374. (grifos nossos).
338
Para uma rápida definição: “O Background é um conjunto de capacidades mentais não-representacionais que
permite a ocorrência de toda representação”. SEARLE, J. R. Intencionalidade. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 198.
339
SEARLE, J. R. Intencionalidade. 2a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.219-229.
340
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 182.
116

porque, até onde sabemos, Lee nunca ouviu falar de comunismo”341, esse seria um cuidado
tomado previamente pelo historiador.
Portanto, quando no discurso acima parece à sentença “sejam atendidos os altos
interesses que se ligam à emancipação”, não podemos explicar esses altos interesses a um
sentimento de igualdade racial, tais como discutidos no século XXI, pois sabemos que não
havia neste momento, nesta sociedade, esse tipo de convicção. Pelo contrário. Desenvolvia-se
nesta época uma teoria, baseando-se nas teses evolutivas e conhecida como darwinismo
social, que havia raças mais desenvolvidas do que outras diante de uma escala.
Para explicar quais são esses “altos interesses que se ligam a emancipação” é preciso
compreender o contexto histórico que este discurso está inserido. E a compreensão deste
contexto, auxiliará também em descobrir por que o tema elemento servil se encontra neste
discurso, neste momento.
Percebe-se que para entendermos a construção de um discurso, precisamos remetê-lo a
outra formação discursiva. Dominique Maingueneau denomina tal relação de
interdiscursividade. Trata-se de um conceito um tanto quanto problemático, e com diversas
definições. Buscamos verificar, nas definições do Maingueneau, a que melhor ler o objetivo
de pesquisa deste trabalho:

(...) sustentar que o espaço pertinente para as regras é da ordem


interdiscursiva consiste em propor ao analista o interdiscurso como objeto e
fazê-lo apreender, de imediato, não uma formação discursiva, mas a
interação entre formações discursivas. Isto implica que a identidade
discursiva está construída na relação com o Outro. Não se distinguirá, pois,
duas partes em um “espaço discursivo”, a saber, as formações discursivas
por um lado, e suas relações por outro, mas entender-se-á que todos os
elementos são retirados da interdiscursividade342.

Tal definição se encontra com a possibilidade de construção discursiva que


verificamos anteriormente: cujo contexto de enunciação é fundamental para esta tarefa.
Sendo assim, podemos entender que o tema da emancipação do elemento servil está
enunciado neste discurso, porque como exposto anteriormente, havia uma preocupação,
motivada por fatores internos e externos, em relação à continuidade da escravidão. O Brasil
travava uma guerra contra o Paraguai, e a necessidade de composição do seu exército levou o
governo incentivar as alforrias, para que os negros pudessem lutar na guerra. O fim da guerra
civil nos EUA pôs fim a escravidão naquele país. E a Espanha caminhava legislações que

341
SEARLE, J. R. op. cit. p. 220.
342
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 119-120.
117

buscava a gradual extinção da escravidão em suas colônias americanas. Este cenário


pressionou o governo a sair da inércia quanto à continuidade da escravidão.
Vimos também que desde 1864 o Imperador já conversava com seus ministros quanto
à possibilidade de uma legislação emancipadora, mesmo que em momento oportuno. E
pronunciar sobre o tema, neste local, seria comprometer o governo com a causa e pressionar
os legisladores a tomarem atitude.
Só foi possível chegar a esta consideração sobre essa enunciação, devido a outras
formações discursivas, como colocado por Maingueneau. Existe, portanto, um já-dito343 neste
discurso, que só pode ser compreendido na relação com outros.
Em relação aos “altos interesses que se ligam a emancipação”, há também ai um já-
dito. Relembrando as argumentações expostas nos dois primeiros capítulos, podemos
compreender que esses altos interesses referem-se aos ideais de progresso e civilização,
típicos do século XIX, que passaram a enxergar a escravidão como um entrave, moral e
econômico, para o desenvolvimento de uma nação.
Mas, como está estruturada essa sentença, nos indica que o há o desejo de falar além
do que está sendo pronunciado. Afinal, está ocorrendo uma ordem, a de atender a estes altos
interesses, mas sem explicitar quais são eles. Apresenta-se nessa sentença, o que o John Searle
definiu como um ato de fala indireto:

(...) em atos de fala indiretos, o falante comunica ao ouvinte mais do que


realmente diz, contando com a informação de base, linguística e não
linguística, que compartilhariam, e também com as capacidades gerais de
racionalidade e inferência que teria o ouvinte. Para ser mais específico, o
aparato necessário para explicar a parte indireta dos atos de fala indiretos
inclui uma teoria dos atos de fala, alguns princípios gerais de conversação
cooperativa (...) e a informação fatual prévia compartilhada pelo falante e
pelo ouvinte, além da habilidade do ouvinte para fazer inferências. Não é
necessário admitir a existência de qualquer postulado conversacional (...)
nem qualquer força imperativa oculta ou outras ambiguidades.344.

Por não deixar explicito o conteúdo desses altos interesses, o falante pressupõe que o
seu público ouvinte, tenha essa “informação fatual prévia” além da capacidade de “fazer
inferências”. E pelo fato das “Falas do Trono” serem direcionadas a um público ouvinte
específico, no caso os parlamentares, “augustos e digníssimos representantes da nação”, e
estarem eles envolvidos ao contexto da enunciação, a mensagem seria satisfatoriamente
compreendida.

343
ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 32.
344
SEARLE, J. R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos da fala. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 50.
118

A compreensão dos atos de fala, atos de fala indireto, Background,


interdiscursividade, é fundamental para que possamos melhor ler os discursos da “Fala do
Trono”. Pois assim como qualquer construção discursiva, essas “falas” impõe grandes
dificuldades de análise, seja para um analista, ou para um historiador.
Para finalizar, Michel Pêcheux tem uma interessante definição para a complicada e
conturbada concepção da construção de um discurso:

Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito
miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos
quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso
marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e
trajetos: todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações
sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo
tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (...) de deslocamento no seu
espaço: não há identificação plenamente bem sucedida, isto é, ligação sócio-
histórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma
“infelicidade” no sentido performativo do termo – isto é, no caso, por um
“erro de pessoa”, isto é, sobre o outro, objeto da identificação345.

Vejamos então como o tema da abolição da escravidão é retrado nas “Falas do Trono”.

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NOS DISCURSOS DAS “FALAS DO TRONO”

Após verificarmos a dificuldades de construção de um discurso, e as ferramentas


necessárias para lê-lo, vejamos o que e como as “Falas do Trono” pronunciam sobre a
extinção da escravidão.
Conforme verificamos, é de suma importância para se realizar e analisar os discursos,
a construção da cena e o Background para sua enunciação.
Outro fator fundamental para a leitura destes discursos é a compreensão do seu
contexto histórico. Os dois primeiros capítulos, que percorreram a historiografia e as
biografias sobre D. Pedro II, possibilitaram esse entendimento. Para a elucidação de alguns
discursos, voltaremos pontualmente a algumas argumentações.
Para uma análise mais objetiva do tema que nos interessa, realizamos recortes e grifos
nos discursos da “Fala do Trono”. Apesar de manter uma estrutura cronológica, o não
aparecimento do tema em vários anos, levaram a intervalos consideráveis, como será possível
visualizar.
Sem maiores prolongamentos, vamos à análise.

345
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. 6. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 56-57.
119

ANALISANDO OS DISCURSOS DA ABOLIÇÃO DO TRÁFICO NEGREIRO NAS


“FALAS DO TRONO” (1841-1857)

No período de 1841-1857 visualizamos o aparecimento da preocupação com a falta de


braço trabalhador e a necessidade de medidas que determinassem o fim do tráfico negreiro.
Lembrando que o Segundo Reinado iniciou-se em 1840 com a maioridade antecipada e a
coração de D. Pedro II. A partir de 1857, o que se apresenta nas “Falas” é um silêncio em
relação ao tráfico negreiro e/ou abolição da escravidão.
No primeiro pronunciamento D. Pedro II na “Fala do Trono”, em 3 de maio de 1841,
ao fazer a análise das necessidades do país, profere:

Uma boa lei de eleições, o melhoramento da legislação criminal, e do


processo das finanças, e da organização da guarda nacional, e a introdução
de braços úteis, são objetos de tanta importância, e de tanta influência
sobre a ordem e felicidade pública, que não podem deixar de merecer a
vossa solicitude346.

Neste discurso, perceptivelmente não é a questão da escravidão ou mesmo a


manutenção do tráfico de africanos a maior preocupação do monarca, e sim a necessidade de
mão de obra útil. Tal palavra possui uma forte carga semântica, e nos levar a pensar que
existiam no país braços úteis e não úteis. Os primeiros são um dos fatores que influenciam a
“ordem e felicidade pública”. Precisava o Brasil então receber mais destes braços úteis para
que ocorresse tal felicidade.
Porém não é explicitado o que seria esses braços úteis. Como vimos, trata-se de um
ato de fala indireto. Mas o público ouvinte, provavelmente, compreendia do que se tratava.
No discurso seguinte, pronunciado na abertura do Parlamento, no dia 1º de janeiro de
1843, conseguimos compreender qual braço trabalhador é o útil:

O estado da fazenda pública altamente requer vossa atenção; e o


complemento da reforma de algumas disposições importantes da nossa
legislação, é de urgente necessidade. Tenho que nesta sessão vos ocupareis
desveladamente destes graves assuntos; bem como da instrução pública, e
dos meios de promover a introdução de braços livres, úteis ao país347.

Essa passagem explícita o que estava implícito na anterior, que o braço útil é o livre,
portanto o imigrante, pois o nacional já se encontra no país não precisando ser introduzido.

346
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 217. (grifos nossos)
347
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 227. (grifos nossos)
120

Promover este braço é importante para não travar o desenvolvimento e crescimento


econômico.
A “Fala do Trono” da abertura da Assembleia Geral de 3 de maio de 1845, apesar de
não referir-se diretamente a questão dos braços livres ou ao fim do tráfico negreiro, faz
menção as discussões de leis importantes:

Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, agradeço-vos- o


zelo, com que vos tendes empenhado na decretação dos fundos necessários
para o serviço público, e na iniciativa, e discussão de leis importantes,
cuja conclusão vos recomendo. Espero que vossos esforços, de acordo
com os do meu governo, promoverão eficazmente os interesses morais, e
materiais do Império348.

O discurso acima apresenta interessante marcos deste período histórico. D. Pedro II


apela à necessidade da “discussão de leis importantes” para os “interesses morais, e materiais
do Império”. A interdiscursividade, pode nos auxiliar a compreender do que se trata. Não há
um discurso claro do que sejam esses interesses morais e materiais, e nem mesmo do que
sejam essas leis importantes, porém havia nesta sociedade e nesta classe política, discussões a
cerca da abolição do tráfico negreiro e a necessidade de suprimir o problema de mão de obra.
Aliás, havia até mesmo uma forte pressão britânica para a extinção deste comércio.
Um relaciona-se ao outro? Os próximos discursos poderão fornecer maiores pistas sobre essa
relação. Mas apontamos um prognóstico: para resolver o problema moral do país, a
escravidão, ou melhor, neste momento trata-se da manutenção do tráfico negreiro, deveria
também resolver o problema material, a falta de braço para a lavoura. E o primeiro seria causa
do segundo. Um duplo apelo para as formulações de legislações por parte dos parlamentares,
porém sem explicitá-los. E esse conteúdo que quer dizer além do que está dizendo, remete-se
mais uma vez aos atos de fala indireto. Logo do início podemos verificar que estes discursos
estão repletos desse tipo de atos de fala.
No discurso de encerramento dos trabalhos parlamentares, realizado no dia 14 de
setembro de 1845, reforça nesta “Fala”, a necessidade de retomar “medidas importantes” que
não foram solucionadas na sessão anterior:

Se, pela multiplicidade de negócios, a que tínheis de atender, não puderam


concluir-se algumas medidas importantes, espero que elas serão em
tempo oportuno resolvidas e terminadas com a sabedoria que costuma
presidir às vossas deliberações349.

348
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 246. (grifos nossos)
349
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 248. (grifos nossos)
121

Obviamente o governo utiliza-se deste espaço para pressionar os parlamentares a


atenderam as legislações que tanto reclama. E por diversas vezes, construções discursivas
como esta aparece nas “Falas”. Importante, entretanto, de demarcar estas, pois como
verificamos na historiografia e nas biografias, inicia-se neste momento uma forte pressão
inglesa para que o Brasil caminhe um combate, verdadeiro, ao tráfico de africanos. Portanto,
aparentemente, apresenta-se essa demanda como uma “medida importante”, que precisa de
solução.
A questão dos interesses morais retorna no discurso seguinte, quando o Imperador
relata o problema de ordem diplomática, envolvendo o Brasil e a Grã-Bretanha na “Fala” de
abertura da Assembleia de 3 de maio de 1846. É ainda mais perceptível a pressão inglesa em
relação ao tráfico de escravos, e a pressão da Coroa para resolver esse problema moral do
país, porém sem atingir os interesses materiais nacionais:

A cessação das medidas convencionais entre o Brasil e a Grã-Bretanha para


reprimir o tráfico de escravos, foi notificada em tempo oportuno pelo meu
governo ao de Sua Majestade Britânica. Depois desta notificação, passou
uma lei no parlamento britânico; sujeitando à jurisdição dos tribunais
ingleses aos navios brasileiros suspeitos de empregados naquele tráfico. (...)
O meu governo protestou contra este ato, dando deste protesto conhecimento
a todas as potências amigas. Fiel ao empenho contraído de pôr termo ao
tráfico de africanos, não deixará contudo o meu governo de defender as
prerrogativas da minha coroa e os direitos nacionais. Para tão justos fins,
conto com a vossa coadjuvação leal e patriótica350.

O monarca reafirma seu compromisso de pôr fim ao tráfico, antes de legitimar a


soberania nacional neste episódio. Traz para a nação a responsabilidade e direito de legislar
em torno dessa causa. O Brasil é consciente de seus interesses morais, porém estes devem ser
harmonizados aos interesses materiais. A sequência do discurso apresenta esta leitura: não
valorizar a instituição da escravidão, como também não desvalorizar a soberania nacional.
Mas destaca-se claramente que a preocupação está mais na questão da soberania, do que no
combate ao tráfico.
Na “Fala” de encerramento, pronunciada no dia 4 de setembro de 1846, nova pressão
para que as leis de “urgente necessidade” sejam logo decretadas:

Acabais de fazer ao país assinalado serviço, dotando-o com a lei


regulamentar das eleições, há muito reclamada pelo voto da nação inteira; e
espero que lhe prestareis igual serviço, apressando oportunamente a

350
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 249-250.
122

conclusão da reforma judiciária, não menos importante, e a de algumas


outras leis, cuja urgente necessidade cada dia mais se sente351.

Novamente a reclamação de medidas de “urgente necessidade” apresenta-se no


discurso do monarca, e mais uma vez de forma implícita. Ponderamos, pois conhecendo a
estrutura de elaboração de tais discursos, e o quão eram debatidos, haviam certas dificuldades
de se colocar palavras que incitassem o fim do tráfico negreiro de forma explícita. E
precisamos ressaltar que contava o Imperador com pouco mais de vinte anos de idade.
Pela primeira vez apareceu a preocupação da Coroa com a questão da colonização. Na
abertura da Assembleia Geral, 3 de maio de 1847, discursou o Imperador:

Cada dia se torna mais imperiosa a necessidade de providenciar sobre a


reforma judiciária, a colonização, o comércio, o recrutamento, e a
organização da guarda nacional. Chamo pois a vossa atenção sobre cada um
destes importantes objetos, que instantemente reclamam o vosso zelo, e
solicitude352.

Explicitamente, a Coroa demonstra maior preocupação, até o prezado momento, com a


necessidade de braços úteis e a colonização, do que com a situação da manutenção do tráfico
negreiro. Pode-se imaginar que este silêncio e a colocação de palavras que levavam a
preocupação com medidas urgentes de forma implícita, o quanto era problemática para
realizações de pronunciamentos sobre essas preocupações. Percebe-se que a recorrência a atos
de fala indiretos são marcas destes discursos. Mas como se trata de um público familiarizado
com essas preocupações, mesmo estando implícitas, as mensagens possivelmente
pressionavam os parlamentares, e demonstravam o posicionamento da Coroa/Imperador.
Tanto que nos próximos discursos, este tipo de enunciação persiste. E como
verificamos nos capítulos anteriores, intensos debates foram travados no Parlamento, neste
momento, devido a situação insustentável da continuidade do tráfico negreiro.
Discurso de encerramento do ano parlamentar de 1847, do dia 18 de setembro:

Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, ao terminardes os


trabalhos da atual legislatura, vós legais concluídas diversas leis importantes,
entre as quais, cumpre mencionar com especialidade a de eleições; deixais à
legislatura vindoura outras leis iniciadas de não menor importantes, e
utilidade353.

351
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 253. (grifos nossos)
352
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 254. (grifos nossos)
353
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 259-260. (grifos nossos)
123

A necessidade de se recrutar colonos volta a manifestar-se no discurso da abertura da


Assembleia Geral em 3 de maio de 1848:

Espero igualmente que nesta sessão dotareis o país com uma lei, que
possa atrair ao Império colonos úteis e industriosos. Vós não podeis
deixar de apreciar a necessidade urgente desta medida354.

Quanto mais próximo chegamos da aprovação da lei que pôs fim ao tráfico de
africanos, mais presenciamos discursos que abordam a necessidade de braços, sejam eles
livres, úteis ou industriosos, e também de incentivo a colonização. Por outro lado, o monarca
pressionava para que medidas urgentes fossem logo aprovadas.
No discurso proferido pelo Imperador, em 1º de janeiro de 1850, ano de aprovação das
Leis de Terras e Eusébio de Queiroz, novamente a importância de braços para lavoura é
ressaltada:

Recomendo-vos muito especialmente que providencieis sobre o modo de


suprir à lavoura os braços que diariamente lhe vão faltando.
Á vossa consideração serão submetidas algumas propostas sobre estes e
outros objetos, que são reclamados pelos interesses do país.
(...) Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, as instituições
monárquico-representativas, consagrando a intervenção do país na
deliberação de seus grandes interesses; garantindo os direitos e liberdade dos
cidadãos; protegendo o desenvolvimento da indústria e comércio, são o
mais seguro penhor da prosperidade nacional: esforcemo-nos pois por
mantê-las ilesas. A harmonia entre os poderes políticos do Estado é o meio
mais eficaz de conseguirmos esse fim; e dará ao país o exemplo da união e
concórdia, sem as quais não poderá ele alcançar a força e grandeza a que o
tem destinado a Providência355.

A existência da necessidade de manter ileso o desenvolvimento do comércio e da


indústria, fonte da prosperidade nacional é por que poderia ser abalada. Não é de se estranhar
tal discurso. Esse ato de fala indireto aponta para a iminência do fim do tráfico, que poderia
abalar o abastecimento de mão de obra para esses dois setores. Este discurso da Coroa buscar
harmonizar essa situação, buscando soluções. E estas têm sido constantemente relatadas: a
necessidade de introdução de braço livre e útil.
Para conseguir que os interesses morais e materiais convergissem para o mesmo
caminho, o da prosperidade nacional, era necessário que houvesse uma “harmonia entre os
poderes políticos do Estado”. Criar novas condições, no caso à introdução de braços para a

354
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 264. (grifos nossos)
355
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 271-272. (grifos nossos)
124

lavoura, garantiria o desenvolvimento material da nação, era urgente. Somente essa receita
permitiria “alcançar a força e a grandeza a que tem destinado a Providência”.
Em nome de condições abstratas, a “força” e a “grandeza”, todos deveriam convergir.
A realidade se faz presente nessa abstração, forte o suficiente para quebrar resistências e fazer
mover a máquina do progresso. Abstração, ou melhor, esse ato de fala indireto, que mais uma
vez aparece, e podemos remeter a necessidade de uma lei anti-tráfico, na passagem “à vossa
consideração serão submetidas algumas propostas sobre estes e outros objetos, que são
reclamados pelos interesses do país”. Interessante como as palavras buscam projetar
realidades.
No encerramento do ano parlamentar de 1850, em 11 de setembro, D. Pedro II
descreveu a importância dos atos legislativos criados pelos parlamentares, no entanto não os
menciona:

Agradeço-vos os importantes atos legislativos que ultimastes nas duas


sessões deste ano. Os benefícios que deles hão de resultar, constituem a mais
preciosa recompensa de vossas fadigas356.

Na abertura dos trabalhos parlamentares em 3 de maio de 1851, verifica-se o êxito na


execução da lei que aboliu o tráfico de africanos. E repete-se a preocupação com a falta de
braços para a lavoura:

(...) que tenham por fim acautelar as consequências que da falta de braços
possam provir à nossa produção quase toda agrícola, e que melhor consultem
o destino do exército e marinha, são urgente necessidades do presente e do
futuro. (...) A lei de 4 de setembro do ano passado tem sido vigorosamente
executada. A ela se deve principalmente o estado de quase extinção do
tráfico. Espero que continueis a coadjuvar o meu governo com todos os
meios que possam ser necessários para obstar a que reapareça ainda que em
pequena escala357.

No encerramento do ano parlamentar em 13 de setembro de 1851, e na abertura e


encerramento do ano parlamentar de 1852, proferidos respectivamente nos dias 3 de maio e 4
de setembro, a importância do fim do tráfico negreiro é a tônica:

O meu governo continua, e continuará a empregar meios enérgicos até


conseguir a completa extinção do tráfico358.

O meu governo continua e continuará a reprimir o tráfico, o qual depois da


última sessão legislativa ainda tem diminuído. Espero que mediante o vigor

356
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 277.
357
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 279.
358
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 282.
125

e atenção que ele emprega nesta tarefa, desaparecerão de todo as poucas e


indignas especulações com que a avidez do lucro procura embaraçá-la.
Conto sempre com a vossa inteira coadjuvação para todas as medidas que a
experiência aponte como necessárias para a completa extinção de tão
abominável comércio359.
O tráfico de africanos está por assim dizer extinto. Para reprimir uma ou
outra tentativa de ávidos aventureiros, que procurem ainda tirar lucros de tão
imorais especulações, parecem suficientes as leis, que tendes decretado, as
quais continuarão a ser executadas vigorosamente360.

Os elencados discursos, proferidos por dois anos seguidos, demonstra a importância


que foi fim do tráfico negreiro para a Coroa. Sua defesa, por parte do governo é notório, tanto
que por duas vezes repete-se a mesma frase imperativa: “o meu governo continua, e
continuará...”. A necessidade de se exaltar a repressão ao ilícito comércio é também
frequente. Diferentemente dos discursos pré-aprovação da dita lei, agora verificamos atos de
falas diretos. E interessante que nestes últimos discursos, arrefeceu-se a pedida por medidas
que facilitassem e promovessem a introdução de braços úteis. O destaque e a constante
ratificação do sucesso desta jornada podem nos fornecer subsídio para verificar a
problemática e ferrenha disputa que foi para conquistá-la.
Podemos pensar também que repetição da defesa do sucesso fim do tráfico e o seu
combate, pode ser o de afirmar não ser o fim do tráfico o problema da falta de mão de obra e
sim a não entrada dos braços úteis, o que se diferencia desta maneira o tipo de trabalho que se
espera para o “melhoramento social” do país361. Passando assim, o problema para o
parlamento, que precisava criar meios para intensificar a entrada desses braços e não mais
estaria nas mãos do governo.
Na abertura dos trabalhos parlamentares em 3 de maio de 1853, o combate ao tráfico
apresenta-se ao lado da necessidade de braços, mas dessa vez o sucesso parece correr perigo:

A fé dos tratados e nosso próprio interesse exige imperiosamente não só


a completa cessação do tráfico de africanos, mas também que se torne
impossível sua reaparição. Os meus ministros vos indicarão as medidas que
parecem ainda precisas para conseguir-se este duplicado fim.
Cada vez é mais urgente proteger a emigração estrangeira para
neutralizar os efeitos da falta de braço. É um dos objetos em que
devemos empregar incessantes e desvelados esforços362.

359
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 283.
360
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 287.
361
Vamos problematizar essa situação nas considerações desses discursos que retemos ao fim do tráfico
negreiro, no próximo tópico. Podemos adiantar que em certo sentido, a historiografia apresenta argumentação
contrária a esta: há neste momento uma abundante mão de obra escrava, devido intensificação do tráfico no
período pré-aprovação da Lei Eusébio de Queiroz.
362
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 291. (grifos nossos)
126

Precisamos destacar que na construção acima, a preocupação em ver o fim de fato do


tráfico vem antes da necessidade “urgente de proteger a emigração estrangeira”. Talvez tal
discurso seja motivado pelas últimas tentativas de desembarque de negros traficados da África
para o Brasil, entre os anos de 1853 e 1854363. Além disso, demonstra que a questão do fim do
tráfico está umbilicalmente ligada necessidade de introdução de mão de obra, como
verificamos no primeiro capítulo.
A “Fala” de abertura de 7 de maio de 1854 traz ampliadas discussões em torno dos
efeitos do tráfico negreiro. A preocupação com o fim, de fato, desse tráfico é latente. No
entanto essa construção foi empurrada para depois da necessidade de atrair “emigrantes
morigerados e industriosos”. Tem aparecido pouco, mas neste discurso fica claro, que a
questão da terra esta ligada diretamente no sucesso de se conseguir trazer essa população, tão
desejada:

A necessidade de atrair uma emigração morigerada e industriosa torna-se


cada vez mais urgente, e espero que auxiliareis o meu governo com os
recursos necessários para que a lei das terras produza todos os seus
importantes resultados.
O meu governo continua a exercer na repressão do tráfico a mais ativa e
enérgica vigilância, empregando os meios de que pode dispor para extinguir
este abominável comércio; e os seus esforços têm sido até agora coroados de
feliz resultado.
Recomendo-vos o projeto de lei iniciado nos últimos dias da sessão passada,
que tem por fim tornar mais eficaz essa repressão364.

Não é possível compreender de quais “importantes resultados” espera o governo em


relação à Lei de Terras. Mais uma vez é utilizado um ato de fala indireto, para passar uma
mensagem pressionando o parlamento a tomar certas atitudes. Entretanto, podemos notar que
se trata de uma relação a questão da emigração.
Não há espaço para discutimos mais atentamente sobre esse tema, apesar de sua
relevância, mas em uma rápida passagem, podemos alegar que a forma como as “Falas do
Trono” tratam a questão da colonização, contraria o que a historiografia, ou parte dela, pensa
em torno da implantação e execução da lei de terras: que tinha por objetivo manter a estrutura
agrária brasileira, ou seja, manter a estrutura latifundiária e incentivar e financiar a chegada de
imigrantes. Por se tratar de discursos, não conseguimos visualizar nitidamente essa relação.

363
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
364
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 295.
127

Mas é recorrente nas “Falas” a ideia de criar projetos de colonização para atrair imigrantes e,
dessa forma, ocupar as terras devolutas.
Na abertura da assembleia em 3 de maio de 1855, percebemos que a questão do
combate ao tráfico, que demonstrava preocupação na “fala” anterior, parece caminhar para
sua completa cessação. É também visível a importância desse tema para a Coroa. Seja na
repetição, que veremos até 1857, ou até mesmo para ratificar o posicionamento de ver
acabado esse “criminoso comércio”. E se nesse discurso não há menção aos braços úteis, mais
uma vez a questão da colonização aparece:

Comprazo-me em anunciar-vos que nenhuma tentativa tem havido de


tráfico de africanos. A adesão do país, e a vigilância em que continua a
ser feita a polícia do nosso litoral, dão-me a segurança de que não
reaparecerá este criminoso comércio.
O meu governo prossegue com particular solicitude no empenho de
promover a colonização, da qual tão essencialmente depende o futuro do
país. Conto que não serão infrutíferos os seus esforços, auxiliados, como
sempre o têm sido, por vossas luzes, e mediante o concurso de todos os
brasileiros.
Os meus ministros dar-vos-ão circunstanciadas informações sobre o estado
dos diferentes ramos da pública administração e suas mais urgentes
necessidades.
Recomendo-vos os projetos que pendem de vossa deliberação, concernentes
às reformas judiciária e hipotecária, à criação de um conselho naval, e à
promoção dos oficiais da armada, bem como as medidas indispensáveis para
melhorar a organização do exército365.

Interessante ver que a “promoção da colonização” é parte essencial do “futuro do


país”. Não há maiores informações sobre o porquê desse empreendimento ser tão importante
para a nação, mas percebemos o quão carregado de uma carga semântica estão essas palavras,
que buscam projetar valores dessa sociedade.
Podemos perceber neste discurso que o governo recomenda projetos aos
parlamentares, mas neste momento, descreve o teor deles. Diferentemente do período pré-
aprovação da lei anti-tráfico, que “medidas urgentes” eram necessárias serem tomadas, mas
não eram descritas.
Na “Fala” de abertura da assembleia geral em 3 de maio de 1856, a “perda de braços”
é mais uma vez alertada pelo Imperador, que no entanto, joga a responsabilidade de conseguir
atrair “colonos industriosos e morigerados” à classe proprietária. E apela ao patriotismo dessa
classe para o sucesso dessa empreitada. Neste momento o papel que imputa ao Estado é de
auxiliar esta classe. Conjuntamente com a necessidade de suprir a falta de mão de obra,

365
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 300. (grifos nossos)
128

aparece a preocupação com o combate ao tráfico de africanos, que neste momento sofreu com
a tentativa de sua retomada:

A nossa lavoura tem sofrido considerável perda de braços, e torna-se cada


vez mais urgente a aquisição de colonos industriosos e morigerados, que
mantenham e desenvolvam a produção do nosso fértil solo.
Esta empresa porém não depende só dos poderes do Estado: exige
principalmente o concurso espontâneo de todos os nosso proprietários
agrícolas, e conto com o seu patriotismo, que os fará reconhecer esta
verdade.
Velo com a maior solicitude sobre a satisfação deste interesse nacional, e a
confiança que depositardes no meu governo, auxiliando-o, como espero,
com os meios necessários para realizar um benefício de tanta transcendência,
será correspondida por uma execução decisiva, e perseverante.
(...) A despeito das providências tomadas para a repressão do abominável
tráfico de escravos, alguns aventureiros ousaram tentar novas especulações;
mas a vigilância do meu governo, auxiliada pela opinião pública, conseguiu
malográ-las, como espero que sempre acontecerá366.

Interessante notar que foi vigilância do governo, “auxiliada pela opinião pública”, que
conseguiu impedir o sucesso da retomada do tráfico. Nessa construção discursiva,
notoriamente a Coroa tenta imputar a sociedade não só o sucesso no combate ao fim do
tráfico, como também a responsabilidade de, estando consciente de seu mal, não aceitar o seu
retorno. O Imperador tira de si, o peso pelo fim deste comércio e jogar para a esclarecida
opinião pública.
A recorrente argumentação da necessidade de braços livres, que permeará ao longo
dos discursos da “Fala do Trono” no Segundo Reinado, também está na “Fala” de
encerramento, pronunciada em 20 de setembro de 1856. Novamente reaparece como
necessidade para o desenvolvimento do “comércio, indústria e agricultura”:

Recordo com prazer, e mais uma vez vos agradeço as acertadas medidas com
que promovestes a prosperidade da nação, durante a presente legislatura, e o
franco e eficaz apoio que prestastes ao meu governo. (...) O comércio, a
indústria e a agricultura vos devem especialmente os recursos e favores, que
com tanta solicitude concedestes para o desenvolvimento dos meios de
comunicação, e a aquisição de braços livres, duas das mais urgentes
necessidades do país367.

A última menção nas “Falas do Trono” sobre o fim do tráfico negreiro está no discurso
de abertura das atividades parlamentares, no dia 3 de maio de 1857:

366
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 305.
367
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 308. (grifos nossos)
129

A tranquilidade que reina em todo Império é um dos resultados da política,


que tem feito calar os ânimos dos brasileiros a convicção de que à sombra de
nossas instituições, fielmente observadas, adiantar-nos-emos com
segurança e glória na carreira do progresso e da civilização. (...) O meu
governo tem aplicado os meios que lhe foram concedidos na última
sessão legislativa para desenvolver a emigração de colonos úteis e
morigerados, e é um de seus incessantes desvelos ocorrer a esta
necessidade vital de nossa lavoura. (...) O vigor com que foram
reprimidas duas últimas tentativas de introdução de africanos em
Serinhaém e S. Mateus deve ter desacoroçoado os aventureiros que
julgavam a ocasião azada para realizarem no Império suas criminosas
empresas368.

Nesta última passagem sobre o fim do tráfico, o que percebemos é o governo, ainda,
batalhando para cessar completamente esse comércio. Esse fato nos demonstra o quão
poderoso era o tráfico neste momento da história brasileira, e o quanto enraizado estava à
escravidão nesta sociedade.
Como dissemos, permanece nos discursos das “Falas” por um longo tempo, a
necessidade de trazer “colonos úteis e morigerados”. Mudam-se as palavras, mas o teor não. E
destacamos que pela primeira vez nestes discursos, as palavras “progresso e civilização”
apresentam-se juntas. Elas serão muito utilizadas no período de discussões e debates em torno
da primeira legislação abolicionista, ou melhor, emancipacionista brasileira: a lei do ventre
livre. E relacionados a estes princípios enunciaram-se discursos que buscavam mudanças na
estrutura social, econômica e política brasileira neste século.

368
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 311-312. (grifos nossos)
130

ANALISANDO OS DISCURSOS EM TORNO DA LEI DO VENTRE LIVRE NAS


“FALAS DO TRONO” (1867 – 1872)

Após 1857 há uma ausência de dez anos de discursos que envolvessem o processo
abolicionista, ou melhor, emancipacionista. Somente em 1867 é retomada a discussão. Essa
situação converge com o exposto pela historiografia e biografias, que após o fim do comércio
negreiro, o que se buscou na política imperial foi o silêncio em torno desse tema.
No recorte temporal de 1867 a 1872 visualizamos discursos que buscam discutir, ou
melhor, enunciar a necessidade de aprovação de uma legislação emancipadora. Vamos à
análise.
“Fala” da abertura da assembleia geral de 22 de maio de 1867:

O elemento servil no Império não pode deixar de merecer


oportunamente a vossa consideração, provendo-se de modo que,
respeitada a propriedade atual, e sem abalo profundo em nossa
primeira indústria – a agricultura –, sejam atendidos os altos interesses
que se ligam à emancipação.
Promover a colonização deve ser objeto de vossa particular solicitude369.

Este discurso é o mais comentado, tanto na historiografia, quanto nas biografias. É


sobre esse pronunciamento, que o José Murilo de Carvalho utilizando-se da expressão de
Joaquim Nabuco, argumenta que essa proposta teve “efeito de um raio caindo do céu sem
nuvens”370. E é este, o mesmo discurso utilizado para verificar as possibilidades de leitura e
análise de uma construção discursiva, anteriormente.
Nesta “fala” o monarca demonstra sua preocupação em torno da questão do “elemento
servil”. Ele ressalta a necessidade de se olhar para essa situação, mas deixando claro que
deveria ela vir “sem abalo profundo”. O que mais particular encontramos neste trecho é
quando D. Pedro II coloca que “sejam atendidos os altos interesses que se ligam à
emancipação”, ele não desvenda quais são esses altos interesses. Como já verificado, trata-se
de um ato de fala indireto. Essa sentença quer dizer mais do que diz. E remetendo a outras
formações discursivas, podemos apreender como dito acima, que os ideais de progresso e
civilização, típicos do século XIX, passaram a enxergar a escravidão como um entrave, moral
e econômico, para o desenvolvimento de uma nação, e provavelmente seja este o significado
de tais altos interesses.

369
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 374. (grifos nossos)
370
NABUCO, J. In: CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras:
a política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
131

Merece destaque a enunciação de certas palavras neste discurso. Não se fala em fim da
escravidão e nem mesmo utiliza-se a palavra escravo. Estas são trocadas por “elemento
servil” e sua “emancipação”371. A escravidão e o escravo, em certo sentido, se obscurecem
nessa enunciação.
Interessante ver que certas palavras conseguem projetar realidades. Os altos interesses
são exemplo disso. São em nome destes, não mencionado no discurso, que se buscavam
reformas que levassem a emancipação, e não em nome da situação de escravidão que vários
homens e mulheres viviam. E como podemos perceber, mais uma vez vem acompanhada
destas discussões a necessidade de “promover a colonização”.
Abertura dos trabalhos parlamentares em 9 de maio de 1868:

A emigração reclama especial solicitude, sendo igualmente dignos de


particular cuidado os meios de fácil comunicação.
O elemento servil tem sido objeto de assíduo estudo, e oportunamente
submeterá o governo à vossa sabedoria a conveniente proposta372.

Este trecho não traz nenhuma novidade em relação à temática que buscamos. Porém,
ressaltemos alguns pontos. Novamente aparece a preocupação do monarca em relação à
emigração, onde ele “reclama especial solicitude”. E mais uma vez a construção discursiva é
estruturada de forma que primeiro aparece à solução (a emigração) e depois o problema que
deve ser solucionado (o elemento servil). Apesar de não ser uma construção generalizada,
inclusive no último discurso a questão da colonização vem posteriormente, mas como vimos
em outros discursos, por várias vezes repete-se essa estrutura.
Remetendo-se ao discurso anterior, percebemos que a emancipação deveria vir “sem
abalo profundo”. Como verificado nos capítulos anteriores, algo marcante no reinado de D.
Pedro II é a prudência e moderação nas reformas por ele indicadas. A Coroa demonstra a
necessidade de se trazer trabalhadores para a indústria nacional antes de pôr fim ao regime de
trabalho em execução. Isso é atender aos interesses da classe dominante diante dos altos
interesses da emancipação. Pode-se pensar que esses altos interesses não visualizavam o
negro como trabalhador, e sim como um escravo, uma propriedade. Afinal, se eles fossem
vistos de outra maneira, haveria necessidade de se preocupar com a falta de braços?
Vemos que o governo imperial estava por trás e com interesses na emancipação. Pois,
segundo as palavras pronunciadas pelo monarca, ele iria propor um projeto de lei

371
No primeiro capítulo trouxemos as definições de “emancipação” e “abolição” discutidas por Jacob Gorender.
372
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 380. (grifos nossos)
132

emancipacionista para os legisladores. Seria este um paradoxo? O executivo propondo leis


para o legislativo? Rememorando discursos anteriores, essa menção se repete na “Fala do
Trono”.
No discurso de encerramento de 1869 em 15 de outubro, apesar de certo
silenciamento, percebemos a necessidade que o Imperador coloca para que legislações sejam
aprovadas:

A importância das medidas este ano iniciadas dá testemunho de vossa


ilustrada solicitude, e o patriotismo, que sempre inspirou os brasileiros,
afiança que na próxima sessão legislativa serão decretadas as reformas
que urgentemente reclama vossa legislação373.

Quais seriam essas “reformas que urgentemente reclama vossa legislação”? Não
sabemos de forma clara, mas não é difícil supor que, diante das construções historiográficas e
biográficas, travava-se neste momento uma longa batalha para aprovação de uma legislação
emancipadora. Apesar de mais uma vez utilizar de um ato de fala indireto, ao enunciar essa
necessidade, o monarca pressionava os parlamentares e demonstrava o seu posicionamento.
A também tão discutida “Fala” de Abertura da assembleia geral de 1870, pronunciada
em 6 de maio, como vimos anteriormente, não possui menção a necessidade de uma
legislação emancipadora, no entanto, refere-se mais uma vez a necessidade de braços livres,
deixando claro, não ser o braço escravo o responsável para desenvolver moral e
materialmente o Império:

O desenvolvimento moral e material do Império depende essencialmente


de difundir-se a instrução por todas as classes da sociedade, da facilidade das
comunicações, do auxílio de braços livres à lavoura, principal fonte de
nossa riqueza374.

Na “Fala” de encerramento da assembleia geral em 1º de outubro de 1870, novamente


o silêncio sobre a temática emancipacionista impera:

Agradeço-vos os meios com que habilitastes o governo para atender ao


serviço público, assim como o vosso zelo, ocupando-vos de importantes
medidas destinadas ao progresso do Império. Confio que os esforços de
vosso patriotismo hão de concluir na próxima sessão tais trabalhos, e de
preferência aqueles que a nação mais instantemente reclama, e que,

373
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 391. (grifos nossos)
374
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 393. (grifos nossos)
133

tranquilizando todos os justos interesses, satisfarão vitais necessidades


de nossa ordem social375.

Percebemos que a palavra progresso reaparece e, neste momento, a projeção que ela
efetua está muito próxima da expressão desenvolvimento moral e material que vem se
repetindo.
Não havíamos nos atentado para uma palavra que também aparece repetidamente
nestes discursos: patriotismo. Recorrente, ela buscava legitimar o trabalho dos parlamentares
ou a importância da classe proprietária em relação ao sucesso da introdução de colonos, como
pode ser visto acima. Podemos verificar que tal palavra tinha como objetivo também fazer
pressão a estes personagens. O apelo a esse sentimento patriótico faz sentir, pois é necessário
se concluir os trabalhos que a “nação mais instantemente reclama”. Diante dessa construção
discursiva, a nação parece ganhar vida e poder de fala, afinal ela reclama do que ela precisa.
A palavra nação ganha um sentido unificador, levando a entender que esses trabalhos
contemplarão a todos que fazem parte dela, afinal tranquilizarão “todos os justos interesses,
satisfarão vitais necessidades de nossa ordem social”.
Esse texto é emblemático, pois evoca todos os motivos que tende a levar a aprovação,
no ano seguinte, de legislações que colidem aos justos interesses e a ordem social da nação.
Um destes trabalhos que deveriam ser concluídos nas próximas sessões é a Lei do Ventre
Livre. Chegamos então à conclusão que libertar os filhos das escravas é reclamação da nação,
uma forma de manter a ordem social, além de ser um justo interesse. Claro, somente
relacionando essa construção discursiva com outras formações discursivas, utilizando o que
Maingueneau nomeia de interdiscursividade, é que podemos chegar a essa consideração,
diante de mais um ato de fala indireto.
Mais uma vez apela-se a aspectos econômicos, patrióticos e religiosos para se aprovar
legislações. E estamos falando de um monarca pronunciando-se para os seus parlamentares, e
que eram em sua maioria, sua nobreza.
A “Fala” de abertura da assembleia geral de 3 de maio de 1871, provavelmente seja,
uma das que mais diretamente o monarca se posiciona em prol de uma legislação
emancipacionista em quarenta e oito anos de enunciações da “Fala do Trono”:

Considerações da maior importância aconselham que a reforma da


legislação sobre o estado servil não continue a ser uma aspiração
nacional indefinida e incerta.

375
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 395. (grifos nossos)
134

É tempo de resolver esta questão, e vossa esclarecida prudência saberá


conciliar o respeito à propriedade existente com esse melhoramento
social que requerem nossa civilização e até o interesse dos proprietários.
O governo manifestar-vos-à oportunamente todo o seu pensamento sobre as
reformas para que tenho chamado a vossa atenção.
Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, a estabilidade
de nossas instituições e a prosperidade do Brasil muito nos devem.
Confio que, examinando com o mais decidido empenho os projetos que
vos serão apresentados, habilitareis o governo para realizar, quanto
esteja a seu alcance, o bem de nossa pátria376.

Verificamos que dessa vez o Imperador se indispôs e defendeu abertamente seu


posicionamento diante da situação do elemento servil. Ele coloca a necessidade de uma
“reforma da legislação sobre o estado servil” como uma “aspiração nacional indefinida e
incerta”. Fiquemos primeiro nesta colocação. Mais uma vez parece que a nação ganhou vida, e
passou a aspirar por medidas que levam a emancipação, que ainda era “indefinida e incerta”.
Deste modo, a nação precisava de algo definido e certo, em relação à temática, e os
parlamentares eram os responsáveis para chegar a essa definição. Eles deveriam conciliar a
propriedade ao “melhoramento social que requer nossa civilização”.
Depois de aparecer palavras tais quais: desenvolvimento, progresso agora também se
enuncia civilização. Três palavras que projetam os valores do século XIX, e o Brasil precisava
atingi-los, para isso era necessário se desvincular da instituição chamada escravidão. Em
nome destes valores se buscava a emancipação. Com isso temos de nos perguntar, se o
emancipar, era o negro, da escravidão, ou o Brasil da barbárie e atraso? Ao analisar esses
discursos estamos, sem sobra de dúvidas, emancipando o país em busca de sua civilidade. Em
nenhum momento foi colocado à situação degradante na qual vivia os escravos, e sim a
situação degradante na qual vivia o Brasil com a escravidão.
“Fala” de encerramento da assembleia geral em 30 de setembro de 1871:

Agradecendo as providências com que atendestes às necessidades do serviço


público, congratulo-me convosco pelas leis que decretasse a bem do
desenvolvimento de nossas estradas de ferro, da reta administração da
justiça, e da extinção gradual do elemento servil.
Esta última reforma marcará uma nova era no progresso moral e
material do Brasil. É empresa que exige prudência, perseverantes
esforços e o concurso espontâneo de todos os brasileiros. Tenho fé em
que seremos bem sucedidos, sem prejuízo da agricultura, nossa
principal indústria, porque esse cometimento é a expressão da vontade
nacional, inspirada pelos mais elevados preceitos da religião e da
política.

376
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 397. (grifos nossos)
135

O governo fará quanto lhe cumpre para a mais pronta e perfeita execução de
tão importantes reformas, dedicando-lhes a mais solícita atenção377.

Este discurso foi proferido pela Princesa Isabel, pois D. Pedro II viajava para a
Europa. A “extinção gradual do elemento servil” nos levaria a uma “nova era no progresso
moral e material”. Aqui vale uma análise. Como a linguagem é tão representativa em nosso
mundo. Primeiro: um documento, com algumas palavras leva a uma legislação que deverá ser
cumprida por todos. Segundo: essa lei que está materializada em um papel com alguns
escritos, possui o poder de levar a uma nova era de progresso tanto moral quanto material.
O discurso projeta valores inimagináveis em práticas reais. Quando um papel poderia
alterar e até mesmo apagar, todo um passado que denegriu a moral do país? E como este
mesmo concederia o progresso material de uma nação? O texto, ou melhor, o discurso tem
esse poder de em um pedaço de papel sintetizar o pensamento de uma época através de uma
pessoa. Ou como colocado por John R. Searle:

Nós, pobres mortais, não temos a capacidade de fazer declarações


sobrenaturais, mas temos um poder quase mágico de produzir mudanças no
mundo por meio de nossas enunciações, poder esse que nos é dado por uma
espécie de acordo humano. Todas as instituições em questão são instituições
sociais, e só enquanto for reconhecida é que uma instituição pode continuar
funcionando para viabilizar a realização das declarações378.

Para finalizar a análise deste discurso, a Princesa evoca que além da “vontade
nacional”, a Lei do Ventre Livre era inspirada pelos mais “elevados preceitos da religião e da
política”. Portanto, ela deixa claro, que tanto a religião quanto a política via, neste momento, a
escravidão como sinônimo de inferioridade, pois nos mais altos preceitos ela não se
encontrava. É o buscar a civilização.
“Fala” de Abertura da assembleia geral em 3 de maio de 1872:

A aquisição de braços úteis, que há sido objeto constante de nossos


cuidados, depois da reforma decretada pela lei de 28 de setembro,
exigirá de dia em dia mais eficazes providências.
O governo desvela-se em dissipar os receios que esta importante reforma
poderia incutir; e folgo de manifestar-vos que os mesmos proprietários
agrícolas têm concorrido, conforme se esperava, para melhor execução da
lei.
(...)
Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, os
adiantamentos morais e materiais que temos conseguido, no curto

377
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 401. (grifos nossos). Pronunciamento feito
pela Princesa Isabel, regente, pois seus pais viajavam pela Europa.
378
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 279.
136

período de nossa emancipação política, honram o povo brasileiro,


quando bem avaliada as dificuldades com que lutamos. Confiados na
proteção da Divina Providência tenhamos fé em nossos esforços, que o
mais próspero futuro caberá ao Brasil379.

Ao retornar de sua viagem à Europa, D. Pedro II pronuncia-se sobre a aprovação da


Lei de 28 de Setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre. Antes de elogios aos parlamentares
pela aprovação da dita lei, ele expressa sua preocupação com a necessidade de braços úteis,
como havíamos falado, após a lei de 28 de setembro, era ainda mais importante que medidas
fossem tomadas.
Novamente a enunciação do discurso em torno da aprovação da lei, direciona para os
ganhos morais e materiais, que em pouco tempo de emancipação política foi possível. E evoca
ainda a proteção divina que colaborou na prosperidade do futuro do Brasil. Novamente a
religião e o econômico vêm respaldar o discurso do Imperador.
Foi possível verificar nos discursos pronunciados antes da aprovação da Lei do Ventre
Livre em 1871, que o Imperador apresentou uma posição explícita pró-legislação
emancipadora, e cobrou atitudes dos parlamentares quanto ao tema. Diferentemente do que
ocorreu no período anterior a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, que pôs fim ao tráfico
negreiro, quando as enunciações eram marcadamente repletas de atos de fala indireto, sem
demonstrar explicitamente o posicionamento da Coroa.
Apesar de que, os valores que projetaram a necessidade de uma legislação
emancipadora, foram geralmente, pronunciados implicitamente, através de atos de fala
indiretos.
Outra importante constatação que esse lapso temporal ratifica, em relação à
historiografia e as biografias, é o posicionamento do monarca diante do fim da escravidão: a
necessidade de se seguir um processo gradual de sua extinção. Posição está que muito se
encaixa ao perfil do seu reinado: prudente e moderado.

379
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 403. (grifos nossos)
137

ANALISANDO OS DISCURSOS DA “FALA DO TRONO” NO PERÍODO DO


PROCESSO FINAL DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO (1883-1889)

Presenciamos nova a ausência do objeto principal deste trabalho nas “Falas do Trono”
por um longo período. No ano de 1872 presencia-se a última menção neste espaço, sobre
questões emancipacionistas. Somente 1883 ele reapareceu. E até o final da Monarquia, em
1889, presenciamos a intensificação da menção à temática nas “Falas”. Inclusive palavras que
até o prezado momento não se apresentavam diante desse tema, serão enunciadas, entre elas:
escravidão. O crescimento do movimento abolicionista e das libertações, por iniciativa dos
senhores ou dos próprios escravos, provavelmente influenciaram as mudanças das estratégias
discursivas das “Falas do Trono”.
Vamos à análise.
“Fala” de abertura dos trabalhos parlamentares de 1883, no dia 03 de maio:

A imigração espontânea para os portos do Império ainda não corresponde às


exigências da agricultura; está, entretanto, encaminhada a corrente e tende a
aumentar. (...) Fazendo justiça a vossos sentimentos, espero que não vos
esquecereis da gradual extinção do elemento servil, adotando medidas
que determinem sua localização, assim como outras que auxiliem a
iniciativa individual de acordo com o pensamento da lei de 28 de
setembro de 1871380.

Mais uma vez a solução para o problema da extinção do elemento servil, neste caso a
imigração, aparece anteriormente ao problema que deve ser resolvido. Ratificamos que essa
estrutura discursiva se não é regra, a sua proliferação pelos discursos do Imperador demonstra
uma estratégia para amenizar o efeito de um discurso pró-emancipação.
As palavras utilizadas nessa passagem são muito esclarecedoras e nos fazem visualizar
o cenário político da época e a situação da escravidão nesta esfera. A “gradual extinção do
elemento servil” encontra-se perdida e esquecida. Por isso as palavras de D. Pedro II
buscavam que os seus parlamentares procurassem-na e não se esquecessem dela. É bem
característico esse texto, se pensarmos que durante onze anos não houve se quer uma menção
a essa questão. Mas quem se esqueceu dela, não foi somente os parlamentares, mas a própria
Coroa, que não mencionou o tema em seus discursos por longo tempo.
Podemos perceber também, que neste discurso o monarca incentivava a “iniciativa
individual”, e faz isso se baseando na Lei do Ventre Livre, ou lei de 28 de setembro de 1871.

380
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 475-476. (grifos nossos)
138

Dessa maneira deixava parte da responsabilidade da “gradual extinção do elemento servil”


nas mãos dos senhores.
Precisamos lembrar que tanto na historiografia quanto nas biografias, visualizamos a
argumentação, que para personagens do período, seria esta lei que libertou os nascituros,
suficiente para por fim a escravidão de forma gradual. E a característica da defesa do monarca
de um processo emancipador gradual, torna a aparecer.
Na “fala” de encerramento do ano parlamentar de 1883 não há menção ao tema, mas
na abertura dos trabalhos do ano seguinte, no tradicional dia 03 de maio, ele reaparece:

Pende à vossa deliberação uma proposta do Governo, em que se vos


pede a decretação de medidas que dizem respeito ao elemento servil. É
este um grave assunto, cuja final solução se obterá pela execução do
sistema da lei de 28 de setembro de 1871, e o governo está certo de que,
desenvolvendo-o, adotareis os alvitres que vos inspira a vossa sabedoria.
O Governo esforçar-se por favorecer e ampliar a imigração espontânea de
colonos para o Império381.

O incentivo à imigração vem posterior à necessidade da “decretação de medidas que


dizem respeito ao elemento servil”. Um parêntesis. É recorrente nas “Falas” que quando há
menção a questão aparece também os temas imigração, braço livre e/ou colonização.
Novamente o Imperador remete-se a Lei do Ventre Livre como solução para a
execução da “gradual extinção do elemento servil”. Podemos pensar que se ele pede
“execução do sistema da lei de 28 de setembro de 1871” é porque, provavelmente, ela não
vinha sendo satisfatoriamente executada.
Para relembrar: essa lei tinha por objetivo libertar os filhos das escravas. Sendo
possível os senhores optarem por uma indenização ou utilizar dos trabalhos destes “libertos”
até os 21 anos de idade. Pela legislação também deveria ser criado um fundo de emancipação,
que tinha por objetivo indenizar os senhores e aumentar no numero de liberdade. No entanto,
conforme alegado por Jacob Gorender, essa lei foi “fraudada desde o início”382. O fundo
emancipador não conseguiu obter esse sucesso e sua ação foi limitada. Podemos também
lembrar que disse José Murilo de Carvalho: o problema não foi a classe proprietária, e sim a
“ineficiência burocrática do Estado”383.
Independente da origem do problema, o que podemos concluir é que essa legislação
não foi eficazmente executada, e o que procura D. Pedro II após dez anos e com o

381
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 480-481. (grifos nossos)
382
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 153
383
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 315-316.
139

crescimento do movimento abolicionista, é responder que o seu governo já havia tomado


atitudes anteriormente visualizando o fim “gradual do elemento servil” e o problema era a sua
execução. Para resolver esse problema precisava retomar e melhorar essa legislação. Pode-se
considerar também que o Imperador via, nessa legislação, se eficazmente executada, a solução
para a extinção da escravidão.
Não houve encerramento do ano parlamentar em 1884, pois essa assembleia foi
dissolvida. Uma Sessão Extraordinária foi convocada para 8 de março de 1885. O motivo para
tal convocação foi justamente para se tomar decisões em torno da “extinção gradual da
escravidão”:

A presente sessão extraordinária foi aconselhada pela necessidade, a que


certamente correspondereis com a maior solicitude, de resolver acerca do
projeto, que o Governo julga útil, a extinção gradual da escravidão em
nossa pátria, conforme o desejo de todos os brasileiros, de modo que o
sacrifício seja o menor possível, sem obstar ao desenvolvimento das
forças produtoras da nação.
A vossa sabedoria reconhecerá a alta conveniência de assegurar a
tranquilidade necessária para completar-se a substituição do trabalho
servil384.

Pela primeira vez presenciamos a convocação de uma Sessão Extraordinária para


debater sobre a questão do elemento servil. Imagina-se o tamanho da pressão que estava
sofrendo o governo e o próprio Imperador neste momento.
É também o primeiro momento de enunciação da palavra escravidão nas “Falas do
Trono”. Na “Fala” de abertura do ano parlamentar de 1858, foi mencionada a palavra escravo,
mas em outro contexto. Neste ano o discurso retratava um acordo realizado com a
Confederação Argentina para a devolução de escravos brasileiros que se encontrava em
território argentino. Portanto é a primeira aparição desta palavra em contexto abolicionista.
Este momento, pelo que vimos na historiografia a nas biografias, de efusão
abolicionista pode ter sido a motivação para a introdução dessa palavra na enunciação destes
discursos. Outra passagem que pode ser elucidativa para compreender tanto a enunciação da
escravidão como para entender a convocação dessa sessão extraordinária é quando o monarca
invoca o “desejo de todos os brasileiros” em ver a solução dessa questão. O interdiscursivo
pode ser um indicativo para que essa construção discursiva seja possível.
O fato de se difundir, principalmente, no município da corte um movimento pró-
abolição, e desta maneira discursos abolicionistas, por mais discutida, debatida e filtrada,

384
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 485-486. (grifos nossos).
140

como vimos anteriormente, a construção discursiva está condicionada ao seu tempo histórico,
as regras institucionais e também dos fatores sociais:

Admitindo que os fenômenos sociais constituam as condições de


possibilidades dos atos de fala, então, com base nessa concepção, os
aspectos socioconvencionais da linguagem não substituem a intencionalidade
individual; ao contrário, essa intencionalidade só é capaz de funcionar uma
vez pressupostas as regras, convenções e práticas sociais385.

Ao declarar o “desejo de todos brasileiros”, aliando a isso “que o sacrifício seja o


menor possível” e “sem obstar ao desenvolvimento das forças produtoras da nação”, podemos
pensar que se tratava de uma construção discursiva consciente. Afinal, mais uma vez tenta
conciliar o interesse dos proprietários com a “vontade nacional”. E ao colocar o interesse de
todos os brasileiros, tira o peso da decisão da mão da Coroa. O sentido agregador dessa
construção visa aumentar sua dimensão e também, seu efeito e projeção de realidade.
Realidade esta que é vista na última passagem do recorte que fizemos desse discurso:
“completar-se a substituição do trabalho servil”. Esta deveria ser a preocupação maior dos
parlamentares. Pois somente essa substituição garantiria o “desenvolvimento das forças
produtoras da nação”. Mas a “tranquilidade necessária” para realizar essa substituição, só
poderia vir com a “gradual extinção da escravidão”. Novamente a discursividade busca a
projeção de uma realidade conciliadora.
Devido à convocação da sessão extraordinária em março de 1885, a “fala” de
encerramento essa sessão foi o mesmo de abertura da próxima, no dia 20 de maio de 1885:

A extinção gradual da escravidão, assunto especial da sessão extraordinária,


deve continuar a merecer-vos a maior solicitude. Essa questão, que se prende
aos mais altos interesses do Brasil, exige uma solução que tranquilize a
nossa lavoura. Confio-a, pois, à vossa sabedoria e patriotismo386.

Os “altos interesses do Brasil”, e o “patriotismo”, voltaram a ser mencionados para


resolver o problema da escravidão. Como de costume nas “Falas do Trono”, o sentido
conciliador se mantém, ao afirmar que essa questão, “exige uma solução que tranquilize a
nossa lavoura”. Ao mencionar a necessidade de tranquilizar a lavoura, podemos pensar que
não havia neste momento tranquilidade na principal indústria nacional: a agricultura. Pode-ser
isso um indicativo da perturbação que estava causando o movimento abolicionista neste
momento.

385
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 245.
386
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 486-487.
141

“Fala” de abertura da Câmara em 03 de maio de 1886:

A lei de 28 de setembro de 1885 vai sendo fiel e lealmente executada.


Com ela prende-se a questão da introdução de imigrantes, aos quais
dever-se-ão proporcionar meios de empregarem-se como pequenos
proprietários do solo, ou como trabalhadores agrícolas.
Para este fim, é indispensável a revisão do decreto de 15 de março de 1879
sobre locação de serviços, e da lei de terras de 18 de setembro de 1850387.

A lei referida trata-se da conhecida Lei dos Sexagenários, que previa a liberdade dos
escravos com idade de 65 anos acima, e a fixação de valores dos escravos por idade. Percebe-
se uma rápida menção a essa legislação, com intuito de demonstrar a sua execução.
E importante sinalizar, que mais uma vez o governo faz aprovar uma legislação
emancipadora, e manter o projeto de uma extinção gradual da escravidão. Até a prezada data,
não se verifica nestes discursos, e pelo que foi possível visualizar nos dois primeiros
capítulos, nem mesmo na historiografia e nas biografias, uma ideia, concepção ou projeto de
abolição imediata, por parte da Coroa.
A maior preocupação está na “questão da introdução de imigrantes”, algo rotineiro nos
discursos das “Falas do Trono” a partir do final da década de 1870. Interessante é que vincula,
ou melhor, “prende-se” a lei de 28 de setembro de 1885 essa questão da mão de obra
imigrante. Não há um projeto ou menção a utilização dos negros libertos como trabalhadores
agrícolas, e sim a necessidade de introdução de outra mão de obra. Parece ser a ideia de o
governo substituir o trabalhador (o negro pelo imigrante) e não apenas o regime de trabalho (o
escravo pelo livre).
Uma última menção a este discurso é sobre a necessidade colocada pelo monarca de
revisão da Lei de Terras. Essa argumentação apareceu em vários discursos na década de 1870
e permaneceu até o final da década de 1880. Apesar de não ser objetivo direto deste trabalho,
mas é no mínimo curioso, que em um momento que se discute o fim da escravidão e a
substituição do modelo de trabalho, também são requisitados pelo Imperador mudanças na
legislação de terras.
O discurso de abertura do ano parlamentar de 1887, no dia 03 de maio, foi lida pelo
Barão de Mamoré devido a questões de saúde do Imperador. É o único momento que o
monarca estando no Brasil, não realiza a leitura da “Fala do Trono”:

A matrícula dos escravos encerrou-se no prazo marcado. Pelos dados


conhecidos, ainda não é possível afirmar o número dos matriculados;
pode-se, porém, afirmar que os escravos existentes no Império é muito

387
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 491-493. (grifos nossos)
142

inferior àquele em que era geralmente calculado, graças às medidas


legislativas, que têm sido lealmente executadas, e aos sentimentos
humanitários dos brasileiros.
O Governo continua a prestar especial atenção à imigração, e confia nos
resultados das medidas adotadas para dar-lhe maior desenvolvimento.
A colonização nacional é também assunto de que se ocupa para conseguir o
povoamento e cultura das terras devolutas do Estado.
Para facilitar a execução das ideias do Governo sobre estes importantes
ramos do serviço público, é necessária a adoção do projeto de reforma da lei
de terras, votado pela Câmara de Deputados e pende da decisão do Senado388.

Mesmo sem ter os dados das matrículas dos escravos, o discurso da Coroa aponta para
a diminuição do número de cativos do Império. E o resultado dessa diminuição deve-se “às
medidas legislativas” e aos “sentimentos humanitários dos brasileiros”. Como era de se
esperar, não consta o desejo de liberdade dos escravos e sua luta por ela, que segundo parte da
historiografia, foi de suma importância para arrancar das autoridades a abolição final. O fato
de constar neste discurso os responsáveis por esse sucesso, pode ter sido uma estratégia para
diminuir o impacto do abolicionismo popular e ratificar que seria na política e entre os
particulares o caminho para o fim da escravidão.
As necessidades de se promover a imigração e colonização, como também reformar a
Lei de Terras, acompanha o sucesso das medidas legislativas em relação ao gradual fim da
escravidão. Na estrutura deste discurso, primeiro se afaga com a iminente queda do número
de escravos para depois demonstrar a preocupação com medidas que visem à substituição do
trabalho escravo.
A “Fala do Trono” de abertura do Parlamento no dia 03 de maio de 1888, pronunciada
pela Princesa Isabel devido à viagem por motivos de saúde do Imperador à Europa, assim
como no discurso anterior, projeta o fim próximo da escravidão:

A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das


liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se
pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as
classes, com admiráveis exemplos de abnegação por parte dos
proprietários.
Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar
para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da
lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito
pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espírito
cristão e liberal das nossas instituições.
Mediante providências que acautelem a ordem na transformação do trabalho,
apressem pela imigração o povoamento do país, facilitem as comunicações,
utilizem terras devolutas, desenvolvam crédito agrícola e aviventem a
indústria nacional, pode-se asseverar que a produção sempre crescente,

388
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 497-498. (grifos nossos)
143

tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos
auspiciosos destinos389.

A dez dias da aprovação da Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil,
percebemos que a entonação do discurso desta “Fala do Trono” é de criar argumentações para
justificar esse fim. E essa justificativa é centrada na espontaneidade do fato. Afinal, é essa
uma “aspiração aclamada por todas as classes” e do “próprio interesse privado” que “vem
espontaneamente” colaborando para que o Brasil “se desfaça da infeliz herança”. Novamente
a nação ganha vida, pois é também em nome do “sentimento nacional” e “honra do Brasil”
que se deve por fim a escravidão.
Além dessas palavras que projetam uma realidade abolicionista brasileira, outras são
invocadas projetando os valores históricos dessa sociedade: “o espírito cristão e liberal das
nossas instituições”. Em nome destes valores deve-se tirar do direito pátrio essa mancha.
Mancha essa que foi mantida devida “as necessidades da lavoura”. O discurso que vimos na
historiografia e em algumas biografias, da escravidão como mal necessário projeta-se neste
momento.
Argumentamos novamente que, a exaltação das iniciativas particulares, possa ter sido
uma estratégia para esconder a pressão que os escravos e o abolicionismo popular faziam para
conseguir a liberdade imediata, ao mesmo tempo um afago ao ego dos senhores,
demonstrando seu ato humanitário.
Não poderia se ausentar desse discurso à preocupação da Coroa com a “transformação
do trabalho”, que ela já vinha alertando nas “Falas do Trono” há certo tempo. Promover a
imigração, colonização e o crédito agrícola são necessidades para se “chegar mais
rapidamente aos nossos auspiciosos destinos”. Projeta-se nessa frase, que conseguindo
promover essas necessidades e com o fim da escravidão, se chegaria a esses “auspiciosos
destinos”, e remetendo ao contexto sócio-histórico, pode ser a invocação do progresso e
civilização.
No mínimo curioso o pronunciamento deste discurso e neste tom. A defesa de um
processo emancipador e gradual da escravidão é esquecido. Não há menção as anteriores
legislações emancipadoras. Deixa-se de olhar para trás, projeta-se apenas o futuro.
Desde 1867, quando aparece pela primeira vez a menção a emancipação, é possível
visualizar um projeto por parte da Coroa, de um processo de emancipação gradual, e de

389
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 503-504. (grifos nossos)
144

transição do trabalho escravo para o livre. Podemos verificar que até o discurso de 1886, essa
preocupação persiste. No entanto, neste discurso de 1888, rompe-se essa trajetória discursiva.
Discurso de encerramento dos trabalhos parlamentares no dia 20 de novembro de
1888:

Podemos desvanecer-nos do modo pacífico por que se opera a


transformação do trabalho em virtude da lei de 13 de maio, cuja
decretação tanto me consolou das saudades da pátria, minorando, os
meus sofrimentos físicos. O Brasil deu por esse ato novo testemunho de
sua idoneidade para todos os progressos morais.
(...) O Governo por sua parte, usando das autorizações e meios que votastes,
apressará o povoamento de nossas terras, promoverá a facilidade dos
transportes e consagrará solícita atenção às outras necessidades da lavoura390.

Neste pronunciamento, podemos verificar uma projeção taumatúrgica da Lei Áurea.


Afinal, além de minorar os sofrimentos físicos do Imperador, o consolou das saudades pátria e
ainda provou a idoneidade do Brasil diante dos progressos morais. Ela promoveu
praticamente um milagre, sentido de forma instantânea. O D. Pedro II shakespeariano do José
Murilo de Carvalho, apresenta-se nessa enunciação.
Os males causados pela escravidão ao longo de vários séculos simplesmente
desaparecem, nesta junção de palavras em um papel. Visualizamos mais uma vez como o
discurso projetava valores inimagináveis de realidade.
Ao mencionar o “modo pacífico por que se opera a transformação do trabalho em
virtude da lei de 13 de maio”, podemos remeter a interdiscursivade, e pensar que muito dos
conflitos que o continente americano assistiu, ao longo do final do século XVIII e todo XIX,
devido ao processo abolicionista em vários países, sendo os principais: Haiti e EUA,
refletidos nesse discurso.
Apesar de não mencionar dessa vez a questão da imigração e/ou colonização, mas
após enunciar, mais uma vez, o sucesso com que se “opera a transformação do trabalho”, o
monarca ressalta a importância de atender as necessidades da lavoura e apressar o
povoamento das terras.
No último discurso proferido por D. Pedro II, antes da queda da Monarquia, no dia 03
de maio de 1889, o processo de substituição do trabalho no Brasil foi mais uma vez lembrado:

Em virtude da emancipação civil, que decretastes na sessão transata, vai


prosseguindo regularmente a substituição do trabalho, sem os abalos
profundos que em toda parte sucederam a crise desta natureza. A classe
agrícola compreendeu que ficara inútil e sem valia uma propriedade,

390
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 507-508.
145

que nem era mais suscetível de posse, e inaugurou resolutamente o novo


regime, do qual provirá a regeneração e aumento das indústrias.
O Governo tem auxiliado, com os meios que lhe concedestes, esse
movimento da transformação econômica e social.
(...)
Não têm sido menos solícitos os altos poderes do Estado em auxiliar a
agricultura e outras indústrias, favorecendo a corrente imigratória, já
avolumada, e em grande parte espontânea, pelos exemplos de prosperidade
dos estrangeiros que procuram a nossa pátria.
(...)
Para fortalecer a imigração e aumentar o trabalho agrícola, importa que seja
convertida em lei, como julgar vossa sabedoria, a proposta para o fim de
regularizar a propriedade territorial e facilitar a aquisição e cultura das terras
devolutas. Nessa ocasião resolvereis sobre a conveniência de conceder ao
Governo o direito de desapropriar, por utilidade pública, os terrenos
marginais das estradas de ferro, que não são aproveitados pelos proprietários
e podem servir para núcleos coloniais391.

Um dos maiores discursos da “Fala do Trono” proferido por D. Pedro II, é no mínimo
emblemático como o último. Praticamente um ano após a aprovação da Lei Áurea, ainda
encontrava-se o monarca justificando o motivo pelo qual os proprietários aderiram ao fim da
escravidão. A inutilidade de se manter a propriedade escrava, devida sua desvalorização, é o
principal motivo. Este fato levou a “inauguração de um novo regime”, que resultaria na
“regeneração e aumento das indústrias”. Pelo que conhecemos da história, não somente um
novo regime de trabalho foi inaugurado. Dessa vez não se apelou para os motivos
humanitários ou religiosos. Prendeu-se na questão econômica de uma “propriedade sem
valor”.
O que havíamos mencionado como uma prática interdiscursiva aparece claramente
neste discurso: a “substituição do trabalho” ocorreu no Brasil sem “abalos profundos” tais
como “em toda parte sucederam a crise desta natureza”. Então quando ele menciona no
discurso anterior que aconteceu de “forma pacífica” a transição do modelo de trabalho, estava
de fato, referindo-se implicitamente, aos problemas enfrentados na América diante dessas
mudanças.
Como podemos visualizar a imigração e a colonização, mais uma vez, toma grande
parte do discurso da “Fala do Trono”. Demonstrar essa preocupação e buscar solução para
essa “transformação econômica e social” apresenta-se como uma estratégia para minorar os
efeitos da abolição da escravidão para a classe política, notoriamente representante da classe
agrícola brasileira.

391
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 509-511. (grifos nossos)
146

Finalizando, foi possível visualizar que após um longo período de silêncio sobre a
questão da escravidão nas “Falas do Trono”, ela reapareceu em 1883, momento de
crescimento do movimento abolicionista brasileiro.
Entretanto as argumentações das enunciações não foram reconstruídas nesse
ressurgimento. Ao contrário, buscou-se na legislação anterior, a Lei do Ventre Livre,
demonstrar o posicionamento do governo pró-extinção da escravidão, e que se fosse ela
executada eficazmente, este já não seria um grave problema.
A Coroa/Imperador sustentou até 1886 um discurso que buscava manter um projeto de
emancipação dos escravos gradualista. A aprovação da Lei dos Sexagenários em 1885
demonstra o interesse de persistir nessa trajetória.
Visualiza-se, porém, uma ruptura no discurso de 1888. Sendo este, pronunciado pela
princesa Isabel. A extinção do elemento servil já não tem em sua companhia o termo gradual.
Buscou-se enfatizar a inevitabilidade do fato: o fim da escravidão era um fato consumado.
O que se verifica dos discursos posteriores a aprovação da Lei Áurea, foi
argumentações apontando o esgotamento desse sistema de trabalho, e os benefícios da
extinção do sistema anterior.
147

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DISCURSOS EM TORNO DA EMANCIPAÇÃO DA


ESCRAVIDÃO NAS “FALAS DO TRONO”

Após análise desse conjunto de discursos, que retratam a leitura que a Coroa realizou
sobre o país, ou melhor, sobre a questão da escravidão, entre 1841-1889, pode-se apresentar
que essa trajetória possui certas regularidades, mas também, rupturas.
Os discursos pronunciados entre 1841-1850 são repletos de mensagens indiretas aos
parlamentares, sobre a necessidade de se tramitar e aprovar legislações que garanta certa
tranquilidade e prosperidade a nação. Relembrando a historiografia/biografias, duas dessas
importantes legislações, discutidas neste momento são: a Lei de Terras e a Lei Eusébio de
Queiróz, ambas aprovadas em 1850.
A pressão inglesa para que o Brasil acabasse definitivamente com o fim do tráfico
negreiro, também marcante nos capítulos anteriores, apresenta-se claramente no discurso
pronunciado pelo Imperador em 1846.
O que se visualiza após a aprovação da lei que ratificou a ilegalidade ao tráfico
intercontinental de escravos, e que criou mecanismo de punição aos envolventes nele, foram
discursos buscando exaltar o sucesso e/ou preocupação com o combate e extinção total de tal
prática.
A timidez do monarca neste processo, como apresentada por Lilia Moritz Schwarcz,
verifica-se também nas “Falas do Trono”. A não explicitação do posicionamento da Coroa
diante deste evento, se comparando com os discursos posteriores, sobre a temática da
emancipação escrava, pode ser a prova disso.
Mas a recorrência a atos de fala indiretos neste momento pode ser um sintoma da
complicada batalha que se travou no Parlamento para a aprovação desta legislação, ou melhor,
destas legislações, convergindo com as descrições da historiografia e biografias.
O silenciamento de pronunciamentos sobre a temática nas “Falas”, entre 1857-1867,
também converge com o apresentado nos capítulos anteriores. A extinção do tráfico negreiro,
pode ter sido mesmo o máximo que a classe proprietária estava disposta a ceder em relação a
escravidão.
Entretanto, outro pode ter sido o motivo pelo qual o tema não foi mencionado
anteriormente nestes discursos. Ou ao menos desde 1864, quando vimos nos capítulos
anteriores, que o Imperador apresenta sua preocupação com situação da escravidão no país. A
desculpa recorrente para a não tramitação de uma legislação emancipadora neste momento
pode ser a chave: a guerra contra o Paraguai.
148

Porém, quando o tema reaparece, em 1867, quando ainda se tratava a guerra contra os
paraguaios, o posicionamento do Imperador é explicitamente claro. Diferindo dos discursos
pré-aprovação das leis de 1850, nos pronunciamentos pré-aprovação da Lei do Ventre Livre, é
marcante a posição da Coroa pró-legislação emancipadora. Tanto, que as emblemáticas “Falas
do Trono” entre 1867 e 1871, são as mais comentadas nas obras dos capítulos anteriores. O
importante papel do monarca neste processo, marcante em parte da historiografia e nas
biografias, se faz sentir nestes discursos.
Vale lembra que a carta que a Junta Emancipatória Francesa enviou à D. Pedro II
pedindo que medidas em prol da extinção da escravidão fossem tomadas, foi enviada em
1866. Portanto, no ano seguinte verificamos o forte posicionamento do monarca em relação
ao tema. Pode ser esse um sintoma da importância da pressão externa, como apontado
principalmente pelas biografias, em relação à aprovação da Lei do Ventre Livre.
Em 1872 é pronunciado um último discurso sobre a emancipação da escravidão, até a
presença de mais um longo silêncio, que perdurou até 1883. As dificuldades para o governo
conseguir aprovação da lei que libertou o ventre escravo, pode ter acelerado esse
silenciamento. Como visto na obra de José Murilo de Carvalho, neste momento apresentou-se
o divórcio entre “o rei e os barões”.
A percepção com a retomada do assunto no discurso pronunciado em 1883, parece a
de não ter verificado longos onze anos de silêncio sobre a escravidão neste espaço. Afinal, a
tônica do discurso deste ano, é a de demonstrar que providências sobre a extinção da
escravidão haviam sido tomadas em 1871, e que a sua eficaz execução era o que se fazia
necessário para por fim a esse regime de trabalho.
A presença deste discurso, neste momento, e a tentativa de demonstrar uma vanguarda
do governo, quando ainda nos anos de 1870 havia tomado posições para que o fim da
escravidão acontecesse em um breve tempo, pode ser um sintoma do crescente movimento
abolicionista brasileiro, que começa a tomar corpo.
Mas o que se presencia até o ano de 1886, são construções discursivas buscando
manter o projeto dos anos de 1870, de uma extinção gradual da escravidão. Ou como
colocado por Jacob Gorender, uma política emancipacionista.
Tanto que a primeira medida tomada pelo governo neste momento foi à aprovação da
Lei dos Sexagenários, em 1885, libertando os escravos com idade a partir de 65 anos, e
proibindo o comércio interprovincial. Importante lembrar, como visto, que as colônias
espanholas, que juntamente com o Brasil era neste momento as últimas porções territoriais no
149

ocidente onde se persistia este regime de trabalho, havia decretado nos anos de 1860 e 1870
leis emancipacionistas, que previa tanto a liberdade do ventre, quanto dos sexagenários.
É visível que o governo buscou até o limite manter a prerrogativa de caminhar o
processo de extinção da escravidão, através de um caminho gradualista. Buscando conciliar
esse iminente fim com os interesses da classe proprietária.
O discurso de 1888 apresenta uma ruptura diante do cenário que se apresentou a
temática nas “Falas do Trono”. Neste pronunciamento, realizado pela princesa Isabel, destaca
a iminência do fim da escravidão, e uma proposta gradualista e/ou indenizatória não foram
contempladas no discurso.
A “fala” de 1887 já demonstrava a queda significativa do número de escravos no país.
A de 1888 apresentou seu fatídico fim.
Esses discursos apresentam sintomas do enunciado pela historiografia e biografias: a
abolição da escravidão estava sendo realizada nas ruas, portanto, o governo chegou atrasado
para realizá-la. E o monarca desapareceu neste processo final.
Apesar de ter pronunciado algumas das “Falas” na década de 1880, no entanto, por
várias vezes, e principalmente justificando seu estado de saúde, o monarca esteve ausente da
abertura e fechamento dos trabalhos parlamentares. Além da princesa Isabel, regente toda vez
que D. Pedro II se ausentava, o Barão de Mamoré também realizou a leitura da “Fala do
Trono” em 1887. Pela primeira vez, no Segundo Reinado, que tal ritual não foi realizado pelo
Imperador ou pela princesa.
O que se presenciou nos discursos pós-1888, foram pronunciamentos demonstrando a
importância da lei de 13 de maio, a tranquilidade com que se realizava a transição do regime
de trabalho, e até mesmo, a alegria do Imperador ao receber a notícia do fim da escravidão.
Marcante é também a preocupação com a questão da introdução de braço trabalhador
no país, nos pronunciamentos da “Fala do Trono”. Da década de 1840 à de 1880, é recorrente
os pedidos do Imperador para que atitudes fossem tomadas para a solução deste problema. No
entanto no período anterior a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, como visto, a menção é
mais intensificada. O que, de certa forma, contraria parte da historiografia, sobre o problema
da mão de obra neste momento.
Sérgio Buarque de Holanda e Leslie Bethell argumentam que na década anterior ao
fim do tráfico negreiro, houve um grande fluxo de africanos entrando no Brasil, e com isso
deixou abastecida a grande lavoura. O que se presenciou posteriormente foi o
desenvolvimento do tráfico interno. Podemos chegar à conclusão então, que não havia falta de
mão de obra neste momento, ao menos não a escrava.
150

Sobre a persistência da Coroa em proferir a necessidade de braços livres, nos faz


pensar em duas situações. Primeiro, a Coroa poderia estar antecipando-se a problemas futuros,
pois com o fim deste comércio, por mais abastecido que estivesse o mercado escravo, esgotar-
se-ia em um futuro próximo. E a entrada de imigrantes favoreceria a transição do trabalho
escravo para o livre neste intervalo de tempo.
Segundo, a Coroa poderia estar pensando em um projeto de colonizar as terras
devolutas com esses “colonos industriosos e morigerados”, colaborando com o “progresso e
civilização” do país. O que também favoreceria essa transição, mas colaboraria com certa
mudança da estrutura agrária. E recorrentes foram as menções a necessidade de colonização,
imigração e emigração nas “falas”.
Ao verificar como estão estruturados estes discursos, sempre acompanhando o sucesso
do fim do tráfico, a necessidade de braços úteis e de colonizar as terras devolutas, podemos
pensar que os dois projetos que mencionamos, caminharam juntos.
Finalizando, é possível notar uma curva ascendente das palavras utilizadas para
contextualizar o processo abolicionista nas “Falas do Trono”. Da ausência de menção do
negro como escravo ou elemento servil no processo que pôs fim ao tráfico negreiro, passando
pela menção da necessidade de se pensar na “emancipação do elemento servil” durante as
discussões pela aprovação da lei de 1871, chegando à preocupação da “extinção gradual da
escravidão” na década de 1880, quando vimos a aprovações das leis de 1885 e por fim a Lei
Áurea, em 1888.
Ressaltamos que, se nos discursos no período de aprovação da lei anti-tráfico vimos
construções tais como: “abominável comércio”, nas “Falas do Trono” no período de
aprovação da Lei do Ventre Livre e das leis da década de 1880, não se evidenciou, em
nenhum momento, a situação do negro como escravo. A Coroa e seus representantes, não
pronunciaram em nenhum momento sobre a importância de se por fim a escravidão devido a
questões humanitárias, por mais abstrato que seja a ideia desse princípio.
Sem sombra de dúvidas, os discursos em volta do processo abolicionista, neste espaço
buscaram amenizar o efeito negativo que a escravidão exercia sobre o país. Portanto,
afirmamos, o ideal defendidos nas “falas” era de emancipar o país da escravidão, permitindo
que ele fosse livre para civilizar-se e prosperar, atingindo o progresso. Não se preocupavam
em emancipar o negro de sua situação degradante. Devia-se é tirar o país dessa posição
degradante de barbárie e atraso.
151

As justificativas para explicar a necessidade de extinção da escravidão, foram


baseadas em valores típicos do século XIX: progresso, civilização, desenvolvimento moral e
material, patriotismo, religião.
Como vimos nos capítulos anteriores, tais valores disseminados no Brasil, não foram
incorporados em sua íntegra, mas releituras foram realizadas para adaptá-los a realidade do
país.
152

D. PEDRO II E O PROJETO DE EMANCIPAÇÃO DO ELEMENTO SERVIL (1850-1871)

A historiografia e biografias consultadas favoreceram a compreensão dos discursos


realizados nas “Falas do Trono” em torno da temática abolicionista/emancipacionista. Como
citado, esses discursos apresentam a “ponta do Iceberg” da política no período imperial. Essas
obras consultadas nos apresentou a base para o seu entendimento.
Entretanto, na trajetória perseguida para conseguir visualizar o papel de D. Pedro II
em relação ao processo que extinguiu a escravidão do Brasil no século XIX, foram
encontradas várias arestas, que necessitam de maiores informações para elucidá-las.
Devido ao recorte documental realizado para o desenvolvimento deste trabalho, será
possível apontar, apenas, hipóteses sobre essas arestas encontradas pelo caminho.
A primeira trata-se de um provável projeto do governo imperial, tendo a frente o
Imperador, de estruturação, organização e execução de uma política que levou a emancipação
gradual dos escravos, no intervalo entre 1850-1871.
Eric J. Hobsbawm, ao descrever o colapso das sociedades escravistas no século XIX,
apresenta os principais motivos para o fatídico fim deste regime de trabalho:

Evidentemente as sociedades escravistas (...) estavam com os dias contados.


Nenhuma delas sobreviveu o período de 1848 a 1890 – nem mesmo Cuba e
Brasil (...). Elas estavam isoladas fisicamente, pela abolição do tráfico
negreiro que havia florescido na década de 1850, e também isoladas
moralmente pelo consenso geral do liberalismo burguês que olhava-as como
contrárias à marcha da história, moralmente indesejáveis e economicamente
ineficiente392.

Para o historiador inglês, o isolamento causado pelo fim do tráfico negreiro e pela
condenação moral das sociedades burguesas, que viam na continuidade da escravidão
contrariedade a marcha da história, foram fundamentais para o colapso deste regime de
trabalho na segunda metade do século XIX.
É possível visualizar que ele apresenta como um marco importante para o início desse
solapamento o ano de 1850. Em outra passagem ele demonstra mais claramente este ano
como epicentro:

(...) parecia não haver dúvida de que a escravidão como modo de exploração
estava em declínio na América Latina, mesmo antes de ser abolida, e que o

392
HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 159.
153

problema econômico em relação a esta forma de trabalho apareceu de forma


cada vez mais forte a partir de 1850393.

Como foi possível visualizar, este foi também um marco para o Brasil. Neste ano
foram aprovadas duas importantes leis: a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queiroz. E, se esta
teve como principal objetivo extinguir, de fato, o tráfico negreiro, aquela teve como objetivos
criar dispositivos para a organização fundiária e condições para financiar a introdução de
trabalhadores europeus:

O ano de 1850 é um divisor de águas na vida política e social do Império. O


fim do tráfico africano ilegal interrompeu o principal fluxo de mão de obra
para a cafeicultura fluminense e paulista, o que obrigou o governo imperial a
imaginar alternativas. Uma delas foi a Lei de Terras, que buscou regularizar
a questão fundiária em geral, mas cujo objetivo, na ótica do governo, era
permitir a utilização e venda de terras públicas para obter os recursos
necessários à implantação de políticas para atrair colonos europeus. Viu-se
logo que a articulação das políticas de terras e de mão de obra exigia
instrumentos renovados de administração, pois parecia óbvio que não se
avançaria nessa área sem conhecimento da ordem de grandeza dos
problemas a enfrentar394.

O plano do governo imperial, segundo Lígia Osório Silva, era de tentar conciliar a
transição do trabalho escravo para o livre, sem abalar a produção:

E a Lei de Terras integrava-se, assim, no ambicioso intuito do governo


Imperial de conciliar as tendências existentes na sociedade, constituindo-se
no ponto central do plano de transição para o trabalho livre, sem
desorganizar a produção e sem os efeitos catastróficos que ele tanto temia395.

As duas argumentações apresenta como ponto de conciliação um projeto do governo


imperial de caminhar mudanças na estrutura socioeconômica brasileira no século XIX, mas
sem grandes abalos. Rememorando os discursos das “Falas do Trono”, as menções a
mudanças sem abalar as estruturas foram recorrentes.
Essas mudanças buscavam colocar o Brasil nos trilhos da modernização exigida pela
marcha da história no século XIX:

(...) processo de busca de novas soluções para os problemas colocados pela


continuidade do crescimento do Estado e pelos desafios da modernização da

393
HOBSBAWM, E. J. op. cit. p. 199.
394
CHALHOUB, S. População e Sociedade. In: CARVALHO, J. M. A construção nacional 1830-1889. vol. 2.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 39.
395
SILVA, L. O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2. Ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2008. p. 148.
154

sociedade, ambos em larga medida devedores da expansão da ordem


capitalista em escala internacional396.

Percebe-se que a estratégia do Império foi de caminhar, juntamente com o fim do


tráfico, a transição do regime de trabalho escravo para o livre. O Estado tentava corrigir o erro
causado pelo atraso em relação ao fim do tráfico, com criação de dispositivos para
antecipação da transição do regime de trabalho. E relembrando os discursos pronunciados
entre 1841-1850 nas “Falas do Trono”, eles enfatizam a necessidade da introdução de braços
úteis no país.
A extinção do tráfico, e a redução do número de escravos devido ao número de morte
ser superior ao de nascimento, segundo Ricardo Salles, levaram os governantes imperiais a
acreditarem que o regime escravista estava com os dias contados. No entanto, não era seguro
esperar esse iminente fim:

(...) diante da experiência histórica da abolição no Caribe e do quadro


internacional marcado pela Guerra do Paraguai e pela derrota dos Estados
Confederados na guerra civil norte-americana, este desaparecimento lento da
escravidão não era seguro, no sentido de impedir maiores ameaças à ordem
imperial. Isto na medida em que haveria, ou poderia haver, uma tendência,
diante do novo quadro político, à incrementação de uma oposição ativa à
escravidão. Fosse esta oposição de natureza política e apoiada em setores
crescentes da opinião pública, nacional e estrangeira, fosse ela movida pelos
próprios escravos ou, o que era pior, fosse ela resultado da interação entre
esses dois impulsos397.

Diante deste cenário era importante tomar decisões para impedir qualquer conturbação
a ordem. Mas também era necessário evitar os conflitos de interesse. Precisava-se encontrar
um caminho para permitir que a iminente extinção da escravidão ocorre-se naturalmente, mas
evitando o quanto possível prejudicar a classe proprietária.
Como visualizado neste capítulo e nos anteriores, a solução encontrada para conciliar
esses interesses, foi à aprovação da Lei do Ventre Livre. Ela forneceu subsídios para que
ocorresse o processo de extinção da escravidão, mas, lentamente, e também garantiu a
possibilidade da existência da escravidão por certo tempo, e manteve o direito a indenização
aos proprietários.
Ricardo Salles, ao examinar a tese de José Murilo de Carvalho quanto a importância
do Conselho de Estado em relação a abolição da escravidão, nos apresenta importantes
argumentações:

396
SILVA, L. O. op. cit. p. 135.
397
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 81.
155

De acordo com sua visão [José Murilo de Carvalho], a iniciativa do


Conselho, entre 1867 e 1871, não foi uma resposta a pressões internas ou
externas. Correspondeu, sim, à iniciativa da própria elite e de sua capacidade
de se antecipar a problemas futuros (policy mongering). Ao tomar e fazer
prevalecer tal iniciativa, essa elite prosseguiria com seu projeto de
construção nacional que requeria a abolição da escravidão398.

Essa política de antecipar a problemas futuros pode ser visto também no processo de
extinção do tráfico negreiro, ao caminhar juntamente com este fim, a transição do regime de
trabalho. E é um tanto emblemática na aprovação da Lei do Ventre Livre, como exposta na
citação anterior.
Além disso, podemos perceber que, segundo esta argumentação, havia um projeto de
nação, construído pelo Conselho de Estado, e que nele continha à abolição da escravidão.
Portanto, a política imperial não tomava as decisões em torno da temática no calor das
pressões e acontecimentos. Se tomarmos a visão de José Murilo de Carvalho, o fim da
escravidão estava inserido em um quadro mais amplo de reforma e modernização do país.
Diante do exposto, é possível apresentar a hipótese que foi sugerida.
O conjunto de legislações aprovadas no período entre 1850-1871 que: impediu a
entrada de escravos; buscou organizar a questão agrária e do trabalho; criou subsídios para
uma gradual extinção da escravidão, a partir da liberdade dos nascituros e a possibilidade da
compra da liberdade mediante pecúnia; somada a crença da classe política que a crescente
diminuição do número de escravos levaria ao seu fim em médio prazo (devido a estudos
demográficos que apontava maior número de morte do que de nascimento entre os escravos);
e também a cultura perpetrada na sociedade brasileira de alforrias particulares399;
aparentemente, essa classe, e o próprio Imperador, acreditavam que a escravidão era um
problema resolvido. Era questão de tempo para ver o seu fim.
Portanto, para a Coroa e para o governo imperial, eles haviam se antecipado aos
problemas futuros que a escravidão poderia desenvolver, e realizaram as devidas reformas
sem abalo profundo à sociedade, praticando a política conciliatória.

Dessa forma, 1871 é o marco do início da crise do regime escravista,


caracterizado por um ritmo de declínio demográfico relativamente lento e

398
SALLES, R. op. cit. p. 129-130.
399
CHALHOUB, S. População e Sociedade. In: CARVALHO, J. M. A construção nacional 1830-1889. vol. 2.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 44.
156

pela perspectiva inevitável de fim do trabalho escravo em futuro mais ou


menos previsível400.

O longo período de silêncio nas “Falas do Trono”, pós 1871, e o tom dos discursos
pronunciados em 1883, quando reaparece o tema, podem ser importantes indícios da crença
do fim da escravidão em certo prazo. Os dois discursos pronunciados pelo Imperador em
1883, não buscavam avançar a política iniciada em 1871, pensando em uma abolição
imediata, e sim, buscavam resgatar o projeto de gradual extinção da escravidão, marca da Lei
do Ventre Livre. Inclusive, nestes pronunciamentos, apresenta-se a execução desta lei como a
solução para este fim.
O reaparecimento deste tema, neste momento, nas “Falas do Trono”, provavelmente
tem relação com o crescimento do movimento abolicionista, que se estruturou e ganhou corpo
na década de 1880. E passou a pressionar o Parlamento e o Imperador a abolir imediatamente
e totalmente a escravidão.
A resposta dada pelo governo imperial foi a Lei dos Sexagenários, aprovada em 1885,
respeitando a política da gradual extinção da escravidão. Mais uma vez, visualiza-se o apego à
política inaugurada em 1871. Esta postura de caminhar, mas caminhar prudente e lentamente
o fim da escravidão, em um momento que o abolicionismo toma as ruas e exige o fim de vez
deste regime de trabalho, aproxima-se do que Hobsbawm descreve como tentativa de
retroceder o relógio:

Mesmo quando se tenta realmente retroceder o relógio, isso não restabelece


de fato os velhos tempos, mas meramente certas partes do sistema formal do
passado consciente, que agora são funcionalmente diferentes401.

A aprovação da lei que concedeu a liberdade aos sexagenários demonstra a tentativa


do Imperador em retroceder o relógio para 1871. Mas não foi possível restabelecer “de fato os
velhos tempos”. O que se viu foram ataques ao monarca, acusando-o de tentar arrefecer o
movimento abolicionista. O libelo escrito por Joaquim Nabuco, intitulado como “O Erro do
Imperador”, em 1886, é emblemático para compreender esse choque de concepções e
temporalidades.
A classe política imperial parecia não mais conseguir executar a política do “policy
mongering”, antecipando-se a futuro problemas. Ao contrário, parecia estar atrasada quanto a
resolução destes problemas.

400
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 59.
401
HOBSBAWM, E. J. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 29-30.
157

Apresentando a segunda hipótese e finalizando. Variadas causas podem ter levado a


esse “erro de leitura” em relação a crença de que as reformas realizadas no período de 1850-
1871 fossem suficientes para ver o fim da escravidão, em certo prazo.
Como visto, nesta seção e nos capítulos anteriores, a ineficiência burocrática imperial,
impossibilitou a execução eficaz das Leis de Terra e do Ventre Livre. A morte de importantes
estadistas, tais como Eusébio de Queiróz, duque de Caxias, visconde do Rio Branco,
Bernardo Vasconcelos, Paula Sousa, Nabuco de Araújo402, que colaboraram com a
consolidação da monarquia e com as aprovações das leis entre 1850-1871, e eram figuras
próximas do Imperador, podem ter sido sentidas na estabilidade política imperial.
Outro importante fator pode ter sido o distanciamento de D. Pedro II do país, e
automaticamente, do poder, após 1871. A partir desse momento, o monarca realiza diversas
viagens à Europa, passando também pela África e Estados Unidos. Entre 1871-1889, o
Imperador esteve fora nos anos: 1871-1872,1876-1877, 1887-1888403.
Fora as viagens, cada vez mais D. Pedro II demorava-se a descer de Petrópolis para o
Rio de Janeiro. O que deveria ser uma casa para passar o verão passou a ser, frequentada,
praticamente, o ano todo. E na década de 1880, a diabetes que abatia o Imperador há tempos,
passou a agravar ainda mais o seu estado de saúde.
O político ativo e “observador atento”404, como se refere Ricardo Salles ao monarca
em relação ao seu papel no processo de aprovação da Lei do Ventre Livre, parece ter, aos
poucos, desaparecido após esse período.
Obviamente que as hipóteses levantadas necessitam de maiores pesquisas para se
confirmarem. Averiguar as atas do Conselho de Estado, mensagens do Imperador aos seus
ministros, cartas enviadas por ele, os seus diários, e também ampliar a análise das biografias e
da historiografia, poderão dar respostas mais palpáveis.
No entanto, os discursos das “Falas do Trono”, lidos a partir das biografias e parte da
historiografia, possibilitou verificar esses dois diferentes momentos do monarca em relação ao
processo de extinção da escravidão: primeiro participando e liderando as legislações que
levaram ao princípio do fim do regime escravista entre 1850-1871, e o seu distanciamento no
processo final em 1880. Inclusive com a tentativa de resgatar a política emancipacionista,
típica do período anterior, neste momento.

402
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 428.
403
SCHWARCZ, L. M. op. cit.
404
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 91.
158

Por fim, conforme descreve Roderick J. Barman. D. Pedro II precipitou a pedra da


extinção da escravidão, mas por ela foi atropelado, quando não mais conseguiu compreender
as dimensões que ela tomou.
159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abolição da escravidão, tema que foi tão caro ao regime monárquico, apresentou-se
também fundamental na vida política do estadista que mais tempo ocupou o trono no Brasil.
D. Pedro II teve na extinção do regime servil, um dos grandes problemas do seu reinado.
Verificara-se no primeiro capítulo, as concepções e ideais que permearam a defesa e
da abolição, mas também da escravidão no Brasil do século XIX. Os ideais, característicos
desse século, foram fundamentais para as mudanças que acometeram o país neste período.
E as mudanças, impulsionadas pelo desejo da classe política imperial em seguir estes
ideais, geraram um paradoxal cenário na sociedade brasileira. Pois, o avanço do capitalismo
no século XIX, principalmente a partir de 1850, colaborou na disseminação da concepção de
que para se atingir o progresso, para civilizar-se, era inevitável findar com a sociedade
escravista e realizar a transição para o trabalho livre. Mas também, gerou a expansão das
exportações dos gêneros alimentícios produzidos por essas sociedades, no caso do Brasil
principalmente o café, fortalecendo os senhores de escravos, econômica e politicamente.
E foi com essa contradição que o Imperador teve que lidar, praticamente, durante todo
o seu reinado: a expansão econômica derivada, principalmente, do aumento das exportações
dos produtos tropicais produzidos pelo Brasil com mão de obra escrava e a necessidade de se
caminhar para o fim da escravidão.
Em relação ao papel do D. Pedro II na extinção do regime servil, a historiografia
consultada não apresenta uma posição hegemônica. Há variadas concepções quanto ao
posicionamento do monarca neste processo. A tendência historiográfica de cada obra gerou
um tipo de relação entre o Imperador e o fim da escravidão. Entretanto, em todas elas
percebe-se a atuação dele e da Coroa, em umas mais timidamente, em outras possuem o papel
de protagonistas.
No segundo capítulo, a leitura/análise das biografias sobre D. Pedro II, tendo o auxílio
das teses sobre a importância, mas também sobre as problemáticas do gênero biográfico, do
François Dosse, Pierre Bourdieu, Jacques Le Goff, Philippe Levillain, René Rémond,
Giovanni Levi, foi possível visualizar o Imperador diante do seu contexto, apresentado no
primeiro capítulo. Ou melhor, foi possível visualizar vários D. Pedro II, pois nitidamente,
cada biógrafo, construiu um diferente Imperador.
Nestas obras biográficas, verificou-se o D. Pedro II como homem do seu tempo. É
nítido que os valores da ilustração, os ideais de progresso e civilização, estavam impregnados
160

na concepção política do D. Pedro II. Portanto, buscar fazer do Brasil uma nação civilizada,
fez parte do projeto político deste monarca. E isso, ele sempre buscou deixar explícito.
Entretanto, as mudanças deveriam chegar sem grandes abalos. A manutenção da
ordem, e a prudência nas reformas, foram marcas do segundo reinado, e também do
Imperador.
Não se perde de vista nestas obras, o protagonismo do Imperador diante do processo
de extinção da escravidão. Mas também, em praticamente todas elas, no processo final da
abolição, visualiza um monarca distante.
No terceiro capítulo, na análise das “Falas do Trono”, percebeu-se o quão complicado
era o tema do fim da escravidão para a Coroa. As teorias emprestadas da linguística e da
filosofia da linguagem, principalmente dos trabalhos realizados por Michel Pêcheux, Paul
Henry, Dominique Maingueneau e John R. Searle, mas também de historiadores como Michel
de Certeau e Antoine Prost, facilitou a leitura destes discursos, que apresentavam a visão da
Coroa sobre os principais problemas/necessidades enfrentados pelo Brasil. E também auxiliou
na visualização da “Fala do Trono” como um ritual fundamental para a teatralidade da
monarquia brasileira.
Tratava-se este espaço, temporal e físico, da representação do lugar central do
Imperador, a voz da nação, que pronunciava para os que representavam esta nação, os
parlamentares, o seu posicionamento diante dos temas mais importantes e delicados que
perpassaram o segundo reinado. O traje de grande gala, o qual era utilizado nestas ocasiões,
ratifica a importância deste ritual, um dos poucos que sobreviveu às mudanças que o regime
sofreu ao longo dos seus sessenta e sete anos.
Entre 1841-1889, a preocupação com a situação da escravidão foi permanente nas
“Falas”. Entretanto, muitas vezes essa preocupação apresentava-se implicitamente. Em outros
momentos visualizou-se um posicionamento explícito e contundente do monarca em relação à
temática. Mas foi recorrente nestas “falas”, um vazio temporal de discursos pronunciados
sobre o tema. Entre 1857-1867 e 1872-1883, o tema não é presenciado nas “Falas do Trono”.
No entanto, essas ausências, somado a maneira como eram construídos esses
discursos, demonstra a dimensão da complicada tarefa de caminhar e, até mesmo, de se
pronunciar sobre o tema.
No longo processo de extinção da escravidão no Brasil, tomando como marco inicial a
legislação que pôs fim ao tráfico negreiro em 1850 e a Lei Áurea em 1888, foi possível
verificar, nos três capítulos, porém mais claramente nos dois últimos, a existência de duas
distintas atuações do monarca nesse processo.
161

Nas reformas realizadas entre 1850 e 1871, culminando nas primeiras legislações que
caminharam para o fim da escravidão, tais quais as leis: Eusébio de Queiróz (1850), de Terras
(1850) e Ventre Livre (1871), percebe-se um D. Pedro II atuante. Inclusive, como o verificado
a lei de 1871 marcou o divórcio entre o rei e os barões, ou seja, neste momento, o Imperador
se indispõe, inclusive com pronunciamentos claros na “Fala do Trono” sobre a importância de
criar condições para o fim da escravidão.
No período que marcou o desenvolvimento e disseminação de um movimento
abolicionista brasileiro, a década de 1880, verificou-se um monarca distante e pouco atuante.
O momento em que ele mais apareceu nesta década, em relação a temática, foi na aprovação
da Lei dos Sexagenários, em 1885. E inclusive, foi ele severamente criticado pelo movimento
abolicionista, por apoiar a aprovação desta legislação, que para eles, mais atrasava do que
adiantava o fim da escravidão.
No processo de aprovação da Lei Áurea, o Imperador desaparece do cenário. E quando
retorna, apresenta-se como uma importante, mas decadente, peça da teatralidade política
imperial. Dá vivas ao fim da escravidão, e sai de cena, para não mais voltar.
Essas distintas atuações do D. Pedro II em relação ao processo de extinção da
escravidão no Brasil, posiciona-o como um defensor, em certa medida, de um processo de
emancipação gradual da escravidão, e não do abolicionismo, que na década de 1880 passou a
exigir o fim da escravidão de forma imediata e sem indenização.
Na verdade, a concepção de uma política de eliminação gradual do regime escravo, em
D. Pedro II, está bem clara. Principalmente tomando como fonte as biografias e as “Falas do
Trono”. Até 1886, verificam-se discursos neste espaço, enunciando a necessidade de uma
emancipação gradual.
E esta concepção, muito se a linha ao perfil político do Imperador: prudente e sempre
buscando a conciliação.
Os dois momentos distintos da atuação do D. Pedro II em relação a políticas que
levaram ao fim da escravidão, muito se aproxima com a hipótese levantada no final do
terceiro capítulo: a possibilidade da existência de um projeto do governo imperial, tendo a
frente o Imperador, que em sua política de antecipar-se a problemas futuros, realizou diversas
reformas entre 1850-1871, buscando a transição do trabalho escravo para o livre.
Se, de fato, essa classe política imperial acreditava que, com as reformas realizadas
entre 1850-1871, que fez cessar a entrada de escravos africanos desde 1850; libertou os
nascidos do ventre escravos a partir de 1871; somados à alta taxa de mortalidade dos
162

escravos; e a cultura brasileira de alforrias particulares, não haveria mais porque se preocupar
com a escravidão. O seu fim era questão de tempo.
Isto pode ser um importante indicativo, da presença marcante do monarca neste
momento, e seu distanciamento no período posterior.
Outras questões, como apontadas na segunda hipótese, tais como: a morte de
importantes políticos que trabalharam juntamente com o Imperador na consolidação do
Império até 1871; a Guerra do Paraguai, que trouxe grandes perturbações ao monarca;
juntamente com o seu estado de saúde; podem ter sido motivações importantes também. Mas
como argumentado, há necessidade de acesso a maior quantia de documentação para
comprovar essas duas hipóteses.
Finalizando, é inegável que D. Pedro II foi figura importante no processo político que
pôs fim a escravidão no Brasil. Por mais que haja distinções entre suas atuações, e/ou
convicções quanto à forma como esse fim deveria chegar, mesmo assim ele se fez presente
neste processo.
163

REFERÊNCIAS

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