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CUIABÁ
2013
MAURO HENRIQUE MIRANDA DE ALCÂNTARA
CUIABÁ
2013
A Stella,
José Mauro & Cacilda
e Catarina (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Ao professor Dr. Cândido Moreira Rodrigues, pela orientação deste trabalho. Sua
paciência e tranquilidade foram fundamentais para o desenvolvimento desta dissertação.
Aos professores Dr. Leandro Duarte Rust e Dr. Renilson Rosa Ribeiro, pelas
importantes sugestões para a melhoria do trabalho. A confiança que depositaram no trabalho
foi de suma importância para que chegássemos ao final desta jornada.
Ao professor Dr. Milton Carlos Costa, pela disponibilidade de percorrer um longo
trecho entre São Paulo e Mato Grosso e colaborar com a melhoria deste trabalho.
A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Mato Grosso, que de alguma forma, acabaram colaborando com este
estudo. Seja intelectualmente, ou mesmo, burocraticamente.
À Stella Cristiani Gonçalves Matoso, que além de ser minha companheira, e ter
acompanhado os momentos de angústias durante este processo, é também uma
competentíssima professora, e colaborou sempre que pode com o desenvolvimento deste
trabalho.
Aos meus colegas de turma do mestrado, agradeço pelos momentos vividos dentro e
fora da sala de aula. Em especial a Marcela, Nathália, Cassianna, André, Dulcinéia e
Andrielly que conhecedores das dificuldades impostas pela distância que liga Vilhena-RO à
Cuiabá-MT, sempre foram mais que colegas, verdadeiros amigos, que muito me ajudaram a
conseguir alcançar esse objetivo.
Aos meus amigos Maicon Dimbarre, João Raphael Martins e Danilo Peloi, agradeço
por anos de amizade e pela atenção dada em um momento especial. Ao Maicon agradeço
ainda a revisão realizada no abstract do trabalho.
Não poderia deixar de agradecer também aos meus pais, José Mauro de Miranda e
Cacilda Miranda de Alcântara e minha irmã Tainá Miranda de Alcântara, que fizeram tudo
que fosse possível para me ajudar e, por muitas vezes, foram fundamentais para diminuir o
sentimento de saudade por estar longe de casa.
D. Pedro II não o temia: prevenira-o. Não precipitara com atos imprudentes a catástrofe:
nunca, porém, variava de ideias a respeito dela. Algumas vezes adiantara-se muito: o
príncipe conspirava com os abolicionistas – rosnavam, consternados, os partidos.
Dependesse dele a decisão final, e cortaria o nó górdio, de uma vez. Não dependia.
Pedro Calmon
Mais uma vez, o lugar privilegiado da biografia, mas desta vez, para o ofício do historiador.
(...) Pode mesmo tornar-se um observatório privilegiado para refletir utilmente sobre as
convenções e sobre as ambições do ofício do historiador, sobre os limites dos conhecimentos
adquiridos, sobre as redefinições de que ele tem necessidade.
Jacques Le Goff
ALCÂNTARA, Mauro Henrique Miranda de. D. Pedro II e a emancipação da escravidão.
Cuiabá, 2013. 164 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal de Mato Grosso.
ABSTRACT: When you mention the topic abolition of slavery in Brazil, automatically refers
to the figure of the Princess Isabel. Probably for having been responsible for the signing of the
"Áurea" Law, which extinguished slavery in the country. This relation continued until today.
However, it was during the reign of D. Pedro II that we saw the unfolding of the abolitionist
process: since the end of the slave trade in 1850 to the signing of that law in 1888. Through
biographies about the monarch and discourse analysis of the “Fala do Trono”, we seek to
verify their importance in the process that ended the slavery regime and brazilian the
projection discourse on this theme. To analyze the dimension of historical process of
extinction of slavery in the country, there were readings / analyzes historical works on the
topic. Realizing the problematics involving biographical writing, use the reading of Pierre
Bourdieu, we pay attention to them. On the other hand, to verify the importance and
possibilities of reading this genre, we admitted him in the writings of François Dosse,
Giovanni Levi and Philippe Levillain. Regarding the analysis of the discourse of “Fala do
Trono”, we seek contributions Michel Pêcheux, Paul Henry, Dominique Maingueneau,
Antoine Prost and John R. Searle. We conduct readings / analysis of biographies about the
Emperor to visualize how they portrays their relationship about the power and its role in the
process that brought an end the enslavement. We found more than forty biographical works
on the monarch. However, due to the impossibility of exhausting the analysis of such
readings, we decided to pick only the latest and greatest documentary basis. View of this, we
performed the reading and analysis of biographies of Roderick J. Barman (Citizen Emperor),
Lilia Moritz Schwarcz (The Barbs Emperor), José Murilo de Carvalho (Pedro II), Napoleão
Paulo Nogueira da Silva (Pedro II and his destiny) and Lídia Besouchet (Pedro II and the
nineteenth century). To better perform the task of analyzing “Falas do Trono”, we divide the
analysis into three periods: the period of the adoption of the law has put in the illegal slave
trade (1841-1857). Discourses surrounding the approval of the first abolitionist legislation: the
Law of the Free Womb (1867-1872). Finally, the speeches of the final period of the abolition
of slavery (1883-1889). Visualize the relationship between the Emperor D. Pedro II and the
process of abolition of slavery in Brazil, is therefore the object of this work.
Keywords: D. Pedro II. Abolition of slavery. Brazil Empire. Speeches from the throne.
Biographies.
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 – D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral. Óleo sobre tela de Pedro 105
Américo de Figueiredo e Melo, 1872.
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO I
D. PEDRO II E O PROCESSO HISTÓRICO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO 17
Concepções e ideais da abolição da escravidão no Brasil 19
O processo da abolição da escravidão no Brasil 30
A lei de 1831 e o fim do tráfico negreiro? 30
As leis de 1850 e o fim do tráfico negreiro 31
A lei de 1871: a liberdade do ventre escravo 34
A década de 1880 e o fim da escravidão 41
D. Pedro II e a abolição na historiografia brasileira 46
CAPÍTULO II
AS BIOGRAFIAS DE D. PEDRO II E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO 54
“Imperador Cidadão” – Roderick J. Barman 57
“As barbas do Imperador” – Lilia Moritz Schwarcz 70
“D. Pedro II” – José Murilo de Carvalho 78
“Pedro II e o seu destino” – Paulo Napoleão Nogueira da Silva 83
“Pedro II e o século XIX” – Lídia Besouchet 91
Considerações da análise biográfica sobre D. Pedro II 98
CAPÍTULO III
ANALISANDO OS DISCURSOS DA “ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO” NAS 102
FALAS DO TRONO”
A construção da cena: a cenografia das “Falas do Trono” 104
A relação entre a linguagem e o discurso histórico: problemas e possibilidades 108
A construção discursiva das “Falas do Trono” 112
A abolição da escravidão nos discursos das “Falas do Trono” 118
Analisando os discursos da abolição do tráfico negreiro nas “Falas do Trono” (1841-1857) 119
Analisando os discursos em torno da Lei do Ventre Livre nas “Falas do Trono” (1867-1872) 130
Analisando os discursos da “Fala do Trono” no período final da abolição da
escravidão (1883-1889) 137
Considerações sobre os discursos em torno da emancipação da escravidão nas “Falas
do Trono” 147
D. Pedro II e o projeto de emancipação do elemento servil (1850-1871) 152
REFERÊNCIAS 163
11
INTRODUÇÃO
4
NABUCO, J. O erro do Imperador. Rio de Janeiro: Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1886. p. 13.
5
NABUCO, J. op. cit. p. 17-18.
6
NABUCO, J. op. cit. p. 13.
13
Várias acusações de retardar a abolição e esconder tal processo da Corte são apontadas
pelo autor. Ele narra que todos aqueles que tentava inflamar o processo abolicionista no país
eram perseguidos. Descreve vários exemplos, tais como os presidentes das províncias do
Amazonas e do Ceará, que por serem publicamente abolicionistas e terem favorecidos a
aprovação da abolição em suas províncias foram demitidos do cargo.
Descreve também a proibição da entrada no país da obra de Harriet Stowe, A cabana
do Pai Thomás, por ser um romance que toca no assunto da abolição da escravidão. Segundo
ele, até quermesses em prol da abolição foram proibidas, pela polícia da Corte.
7
PINTO, P. A. D. Pedro II e a Abolição. Rio de Janeiro: Typ. Revista dos Tribunaes, 1921. p. 1.
8
PINTO, P. A. Op. Cit. p. 3.
14
Para Pedro Augusto, todos esses fatos comprovam que D. Pedro II nunca foi
abolicionista, antes e nem mesmo depois da Lei Áurea. Segundo ele, o Imperador teria
confidenciado a Tobias Monteiro, que “se estivesse aqui [em maio de 1888] talvez não se
tivesse feito o que fez”9.
Ao final da obra, a carta que o professor enviou ao diretor da Faculdade de Medicina
foi transcrita. Nela ele traz várias informações alegando que o monarca não mereceria tantas
homenagens. Diz que o melhor elogio que poderia ser feito a ele, seria chamá-lo de medíocre.
Questiona também o caráter o Imperador, trazendo várias passagens de sua vida
pessoal e para apresentar a sua falta de humanidade (desde a morte da Imperatriz, cujo foi
acusado de não se importar até mesmo a Guerra do Paraguai, onde foi extremamente
sanguinário na visão do autor).
Pedro Augusto, por várias vezes, ratifica a sua argumentação, de que o Imperador
nunca foi um abolicionista, muito pelo contrário, sempre atrasou o quando pode a
emancipação. Passou a se preocupar com a questão, somente quando começou a ser
questionando pelos estrangeiros em relação ao assunto, e viu sua imagem ser manchada na
Europa. A partir deste momento ele começou a se pronunciar, porém de forma muito tímida e
vagarosamente começou a mover o assunto. Nas “Falas do Trono”, palavras soltas eram
jogadas ao vento sobre o “elemento servil”.
Em relação ao autor destas críticas ao monarca, não foi possível verificar maiores
informações sobre a sua biografia. Contudo, por mais que este fosse filiado a um Partido
Republicano ou por outras razões quaisquer, tenha criado certa antipatia pela figura de D.
Pedro II, suas críticas, assim como as de Nabuco e, possivelmente, de outros, merecem a
devida preocupação por parte dos historiadores.
O objetivo deste trabalho é verificar o papel e o posicionamento de D. Pedro II diante
do processo de extinção da escravidão. Portanto, essa preocupação norteará o
desenvolvimento deste trabalho.
Na busca pela construção dessa relação, foi tomada como documentação privilegiada
as “Falas do Trono”. Estes discursos eram pronunciados pelo Imperador, na abertura e
fechamento dos trabalhos parlamentares. Neles, primordialmente, o monarca apresentava a
visão da Coroa diante dos principais problemas e necessidades que o país enfrentava naquele
ano, e buscava direcionar as prioridades em que o Parlamento deveria trabalhar.
9
PINTO, P. A. Op. Cit. p. 25.
15
Estes discursos possibilitam visualizar, até que ponto o Imperador e o seu governo se
comprometeram, publicamente, com a discussão sobre o fim da escravidão. Ou melhor, é
possível verificar como se estruturavam esses discursos, e quais valores eles projetavam em
relação a essa temática.
É possível vislumbrar os pronunciamentos da “Fala do Trono”, como uma espécie de
“ponta do Iceberg” da política imperial. As minutas destes discursos eram discutidas entre o
monarca e os seus ministros. Havia toda uma tensão em relação ao que e como ser
pronunciado. Portanto, o que era explicitado ou indiretamente enunciado, é de grande valor
para compreender o posicionamento de D. Pedro II diante da temática estudada.
Necessário se faz destacar, que para este trabalho, o Imperador apresenta-se como
chave principal para compreender a política imperial no segundo reinado.
Para realizar a tarefa de analisar estes discursos, a aproximação da (nova) história
política da linguística, foi fundamental. Os conceitos e concepções, da ciência linguística e da
filosofia da linguagem, são importantes para verificar a opacidade das construções
discursivas, e possibilita a compreensão da necessidade ler e analisar essas construções,
mediante a rede à qual estes discursos estão filiados.
Para ter acesso ao repertório de D. Pedro II, como proposto por John R. Searle, é
necessário ter compreensão do contexto no qual esses discursos foram enunciados. Pois
somente tendo acesso a ele, é possível conhecer o significado do seu ato de fala10.
Recorreu-se a historiografia sobre a temática, para construir o contexto histórico de
enunciação destes discursos. No entanto, para acessar ao repertório de D. Pedro II, além da
colaboração da historiografia, a leitura e análise de biografias sobre esse personagem foi
fundamental.
Neste ponto apresenta-se a importância da aproximação da (nova) história política do
gênero biográfico. Este estilo de escrever história, que por certo tempo foi desvalorizado, e
colocado como uma forma de literatura pela prática historiográfica vem retomando seu lugar
neste campo. E se é possível verificar certa liberdade dos agentes políticos diante das
estruturas, compreender a relação indivíduo-sociedade se faz necessário, e a biografia pode ter
um lugar privilegiado para ver essa relação.
A leitura e análise de biografias sobre D. Pedro II apresentou-se um facilitador para
compreender muitos dos posicionamentos do monarca diante do tema estudado. Nas obras
analisadas, foi possível verificar como o Imperador se relacionou com o seu tempo histórico,
10
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
16
o quanto foi influenciado por ele, e o quanto o influenciou. Como descreve Jacques Le Goff, o
sujeito histórico “constrói-se a si próprio e constrói sua época, tanto quanto é construído por
ela. E essa construção é feita de acasos, de hesitações, de escolhas”11. E os acasos, hesitações
e escolhas no caminho do monarca, em relação ao fim da escravidão, foram marcantes.
Diante do exposto e para melhor visualizar a documentação analisada estruturamos o
texto em três capítulos.
O primeiro capítulo visa buscar a construção do contexto histórico no qual ocorreu a
abolição da escravidão. Através da leitura de (parte) da historiografia sobre o tema, buscou-se
descrever as concepções e ideais que nortearam a defesa da abolição a da escravidão no Brasil
do XIX, como ocorreu o processo de abolição da escravidão ao longo do segundo reinado, e
por fim, como essa historiografia consultada visualiza o posicionamento do Imperador diante
deste processo.
No segundo capítulo procurou-se realizar a leitura de biografias sobre o Imperador e
visualizar como elas retratam a relação de D. Pedro II com o poder e o seu papel no processo
que levou ao fim a escravidão. Encontramos mais de quarenta obras biográficas sobre o
monarca. No entanto, devido à impossibilidade de esgotar a análise dessas obras neste
trabalho, optamos por selecionar apenas as mais recentes e com maior embasamento
documental. Diante disso, realizamos a leitura e análise das biografias de Roderick J. Barman
(Imperador Cidadão), Lilia Moritz Schwarcz (As barbas do Imperador), José Murilo de
Carvalho (D. Pedro II), Paulo Napoleão Nogueira da Silva (Pedro II e o seu destino) e Lídia
Besouchet (Pedro II e o século XIX).
O terceiro capítulo ficou reservado para a análise de discurso das “Falas do Trono”,
entre 1841 e 1889. Justifica-se esse recorte temporal, pois desde o primeiro discurso
pronunciado por D. Pedro II, após a sua maioridade e coroação em 1840, visualiza-se a
preocupação da Coroa com temáticas que envolvem a extinção da escravidão. E os
pronunciamentos sobre esse assunto perseguem até 1889. Neste intervalo entre 1841-1889, há
várias pausas. Devido a isso, dividiram-se as análises em três momentos: período da
aprovação da lei que pôs na ilegalidade o tráfico negreiro (1841-1857). Discursos em torno da
aprovação da primeira legislação abolicionista: a Lei do Ventre Livre (1867-1872). E por fim,
os discursos do período final da abolição da escravidão (1883-1889).
Percorrido esse trecho, será possível caminhar para as considerações finais.
11
LE GOFF, J. São Luís. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 23-24.
17
CAPÍTULO I
D. PEDRO II E O PROCESSO HISTÓRICO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
12
BLOCH, M. L. B. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
13
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. P. 45.
14
DRESCHER, S. A ABOLIÇÃO BRASILEIRA EM PERSPECTIVA COMPARATIVA. História Social,
Campinas-SP, Nº 2, p. 118, 1995.
15
DRESCHER, S. op. cit. p. 118.
18
Apesar de ser uma síntese das tendências das obras sobre o tema, essa apresentação
ilustra e ratifica o que argumentamos. Este cenário levou a classificação de trabalhos sobre a
temática, dependendo de suas tendências e categorias analíticas, a filiação em determinados
círculos/escolas. Sendo as mais conhecidas, a Escola Paulista, e os críticos e revisionistas
desta18.
Entretanto, não faz parte dos objetivos deste trabalho, nem mesmo desse capítulo,
realizar um debate historiográfico sobre o tema abolição da escravidão. O objetivo deste
capítulo é apresentar uma contextualização histórica sobre o processo que levou a extinção do
regime escravocrata no país. E para atingi-lo, precisamos revisitar a historiografia, mas não
necessariamente, efetivar um debate entre as obras que analisamos. Até mesmo porque, não é
possível demarcar e classificar a filiação de todas as obras que utilizamos.
Outro motivo que nos faz optar por uma contextualização, e não debate historiográfico
é o objetivo geral do trabalho: uma abordagem política, ou melhor, do político D. Pedro II,
Imperador do Brasil, e o seu papel no processo de emancipação dos escravos.
E por se tratar de um trabalho de história política, como defendido por René Rémond:
16
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 66.
17
REZENDE, G. M. Abolicionismo popular na corte do Rio de Janeiro (1879-1888). 2009. 128 f.
Dissertação (Mestrado em História Social do Território) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
18
Para uma rápida compreensão sobre as diferentes concepções e autores ligados a essas escolas, ver
MAXIMIANO, A. B. A Historiografia Brasileira da Abolição da Escravatura: novas perspectivas ou negações
teóricas (1960/70-1980/90). In: RANGEL, M. M.; PEREIRA, M. H. F.; ARAÚJO, V. L. Caderno de resumos
& Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia:
balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012.
19
19
R. RÉMOND. Do político. In: ____. Por uma história política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2003. p.
444-445.
20
R. RÉMOND. op. cit. p. 445-446.
21
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 38.
20
22
COSTA, E. M. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 241.
23
COSTA, E. M. op. cit. p. 242.
24
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 45-46.
25
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 54.
26
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 60.
21
27
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,
2002. p. 14. Obviamente não se reduziu a justificativas “morais e intelectuais” o interesse britânico a ver o fim
do comércio de escravos para a América. Mais a frente traremos maiores informações sobre os outros motivos.
Para estudos mais específicos sobre a história da abolição do comércio do tráfico negreiro ver o livro desta
referência.
28
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 294. Como resultado o Brasil assinou o trabalho
de 1826 no qual “o tráfico era considerado pirataria três anos após a ratificação”. Os tratados assinados por
Portugal em 1815 e 1817 tiveram também de ser aceitos pela nação.
29
Emília Viotti da Costa argumenta que neste momento os ideais do liberalismo radical, que via na escravidão
um caráter corruptor e de baixa produtividade no trabalho, eram defendidos somente pelos sans-culottes
brasileiros, artesãos e lojistas. Porém com a política econômica tomada pelo Primeiro Reinado, rapidamente
perderam poder econômico e voz política. Para maiores informações ver COSTA, E. M. Da Monarquia a
República: momentos decisivos. 3. Ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985. P. 228-247.
22
Segundo Emília Viotti da Costa o ideal de João Severiano Maciel da Costa perdurou
durante todo o século XIX no Brasil até a abolição da escravidão em 188830. Para a
historiadora as principais justificativas para o fim da escravidão no Brasil baseavam-se nos:
Pouca ou quase nenhuma era a preocupação com a humanidade dos escravos, pois os
ideais eram traçados pelos dominadores. Logo, enxergavam apenas os problemas que a
escravidão impetrava à nação e não a situação precária na qual viviam milhares de pessoas no
Brasil.
Emília Viotti da Costa afirma que não houve grandes mudanças no discurso dos
abolicionistas da segunda metade do século XIX em relação aos do início do século. A
novidade foi à ampliação do público que passou a apoiar os ideais abolicionistas e o
enfraquecimento da defesa escravista:
(...) Nada de novo será dito quanto aos malefícios da escravidão, ou sobre a
incompatibilidade entre a moral cristã, ou a ética do liberalismo e a
manutenção da população escrava. Com o passar dos anos, apenas se
acentuará a „nota de comiseração pelo sofrimento do escravo‟. O que vai
variar será o comportamento do público a quem eram dirigidas aquelas
considerações de ordem prática ou moralizante. Palavras que não
encontravam ressonância naqueles primeiros anos, que não conseguiam
chegar a concretizar-se num movimento de opinião, que não atingiam
propriamente a ação legislativa, passaram a magnetizar auditórios, a
movimentar grupos, a comover multidões, a provocar apaixonados debates
parlamentares. Uma profunda mudança se processara na realidade objetiva,
de forma que as palavras, outrora de escasso efeito e pouca penetração,
adquiriam o poder de convencer. Ao mesmo tempo, avançava-se na direção
das soluções drásticas, para a ideia de abolição total e imediata32.
30
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 326-331.
31
COSTA, E. V. Op. cit. p. 332.
32
COSTA, E. V. Op. cit. p. 342-343.
23
estabilidade material da nação. Sem o braço escravo, uma grande desordem econômica iria
abater o país:
incapaz de progresso e trabalhava de má-fé”, jamais conseguiria competir com a mão de obra
livre.
No entanto os ideais de “Progresso e Civilização” dessa instituição, segundo José
Murilo de Carvalho, “pregavam no deserto”. O liberalismo que acompanhava estes ideais teve
pouca inserção no meio latifundiário38.
Se tais discursos não conseguiram adesão, talvez seja porque eles não se justificavam
na prática. Na realidade se via a produção escravocrata de açúcar brasileiro e cubano
competindo em igualdade de valores com a produção das colônias inglesas, que contava com
mão de obra livre. Seria este um argumento inglês, marcado fortemente por um ideal
protecionista, que pressionava o Brasil a acabar com a escravidão e objetivava ver definhar
sua produção agrícola39.
A partir de 1870 houve maior aceitação das teses abolicionistas e os escravistas
passaram a não mais defender abertamente o regime, e sim a bandeira de um processo
emancipador lento e gradual para não atingir a lavoura. Os primeiros a falarem abertamente
sobre o fim da escravidão no início do século (Bonifácio, por exemplo) tiveram suas teses
retomadas por novos abolicionistas do final do século. A concepção sobre a abolição neste
momento era de uma “profunda transformação social”. Por isso seria necessário fazê-la de
forma “cautelosa e lenta”40. Segundo Emília Viotti da Costa, as condições para a abolição da
escravidão foram impostas pelos escravistas:
Jacob Gorender antecipa em suas argumentações o início de uma, mesmo que tímida,
campanha abolicionista. Para ele já na década de 1860 poderíamos ver uma “opinião pública
favorável à Abolição”:
38
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 303.
39
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 304.
40
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 345.
41
COSTA, E. V. Op. cit. p. 355.
25
42
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 142.
43
GORENDER, J. op. cit. p. 143.
44
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 80
45
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 42.
46
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 54.
Importante ressaltar que Milton Carlos Costa está sintetizando e descrevendo o pensamento abolicionista de
Joaquim Nabuco. O historiador aponta para uma contraditória visão do abolicionista em relação ao negro na
sociedade brasileira, ora preconceituosa, ora conciliatória.
47
COSTA, M. C. op. cit. p. 55.
26
Até mesmo a política nacional foi corrompida pela escravidão. Emília Viotti da Costa,
baseando-se nas palavras de Joaquim Nabuco, aponta a instabilidade causada pela
continuidade do trabalho escravo e o desprestígio que o país sofria por mantê-lo. A
manutenção do regime só beneficiava os escravocratas e era maléfica para a nação49.
Sidney Chalhoub descreve como os abolicionistas se achavam importantes para que o
fim da escravidão fosse decretada, pois somente eles possuíam qualidades suficientes para
chegar a esse destino:
(...) Toda iniciativa, portanto, devia caber aos abolicionistas, aos iluminados
ou esclarecidos que sabiam exatamente o que era melhor para os cativos, e
que tinham mesmo “o mandato da raça negra”. O raciocínio possuía ainda
um certo charme poético: incapacitados e proibidos os negros de lutarem em
sua causa própria, tudo passava a depender dos abolicionistas redentores, dos
cavalheiros da liberdade50.
(...) Mas acontece que a ótica de Nabuco é uma ilusão. Tanto o estudo das
situações de compra e venda (...) quanto (...) a análise dos processos cíveis
mostram que a liberdade era uma causa dos negros, uma luta que tinha
significados especificamente populares – no sentido de que esses
significados eram elaborações culturais próprias, forjadas nas experiências do
cativeiro51.
48
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 359.
49
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 38
50
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 216.
51
CHALHOUB, S. op. cit. p. 216-17.
52
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 182.
27
58
Jacob Gorender descreve como não apenas no campo da retórica se organizaram os escravocratas.
Organizaram também linchamentos públicos a escravos fugitivos e defensores da abolição, ataques as
instituições que lutaram para o fim da escravidão, fora outras práticas com o intuito de amedrontar e fazer
retroceder o movimento abolicionista. Ver GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora
Ática, 1990. p. 133-188.
59
A historiadora retrata também que nem mesmo entre os negros (mesmo entre os escravos) havia consenso em
torno da defesa pelo fim da escravidão. Se havia entre a elite “branca” a divisão entre abolicionista e
escravocratas, que foram se tornando cada vez mais emancipadores, havia entre os negros e mulatos quem
defendesse o “regime servil”, ou no mínimo, silenciavam-se sobre o tema, como Machado de Assis. Ela
denuncia que alguns negros que ainda se encontrava como escravos possuíam outros escravos. O país estava, de
fato, rachado e não apenas politicamente, devido a questão da abolição da escravidão. Para maiores informações
ver o capítulo III da Parte III, da obra supracitada da Emília Viotti da Costa. Jacob Gorender faz denúncia
semelhante a essa situação, ver GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p.
133-182.
60
COSTA, E. V. Op. cit. p. 368.
29
61
AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX).
São Paulo: Annablume, 2003. p. 40. Para maiores informações sobre esse processo de tráfico no período anterior
a provação da lei que pôs fim ao tráfico ver: BETHEL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
62
Ver COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. Ela menciona na Terceira Parte do Livro e no primeiro tópico do capítulo III, quando retrata a
abolição, as mudanças de ordem socioeconômica que o país sofrera na década de 1880. Ver também FAORO, R.
Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5a. ed. São Paulo: Globo, 2012. Capítulo XI: A
direção da economia no Segundo Reinado. Faoro traz a informação que a partir, principalmente da Lei de Terras
e da que pôs fim ao tráfico negreiro, ambas de 1850, houve a “desfeudalização” da terra no Brasil e a sua
“mercantilização”. Dessa maneira, a dependência dos setores do campo ao mundo urbano intensificou-se
mediante a necessidade de créditos, surgimento da figura do comissário, além de outros serviços que somente
seriam encontrados nas cidades. Interessante, pois se baseando nas argumentações da Emília Viotti, muito do
crescimento dessas camadas urbanas, que mais tarde engrossou as fileiras do movimento abolicionista, foi
motivado por essa “capitalização” do setor agrícola, descrito por Faoro.
63
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 141.
64
COSTA, E. V. Op. cit. p. 378.
65
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 167.
30
Pressionado pela Inglaterra devido aos tratados assinados prevendo o fim do tráfico
negreiro, o Parlamento brasileiro aprovou em 1831 uma legislação que previa o fim do tráfico
negreiro. Poucas eram as vozes que apoiavam essa atitude neste momento. Como citado por
Emília Viotti da Costa e também por José Murilo de Carvalho, essa legislação foi “letra
morta”. Apesar de não ser executada de forma eficaz, e cada vez mais, foram sendo tomadas
medidas para o seu fracasso, ela não foi revogada. Achou-se mais conveniente apenas fechar
os olhos para ela66.
Para o historiador houve redução do tráfico de escravos posteriormente a criação da
lei, mas utilizando dos dados do Leslie Bethell, ele alega que tal fato pode ser atribuído “ao
grande aumento na importação de escravos que se seguiu ao tratado de 1826” 67. Ele
argumenta que esse grande influxo de africanos no país em um período curto, causou
preocupações a nação com relação ao equilíbrio racial e uma possibilidade de haitianismo. A
revolta dos Malês na Bahia em 1835, com a sublevação de vários escravos, fez aumentar essa
tormenta, e passou a ser a justificativa para a defesa do fim do tráfico negreiro68.
Para Jacob Gorender, a “prática ilegal do tráfico negreiro” de 1831 e 1850 demonstrou
o “poderio do escravismo brasileiro”69. Resistir à pressão da maior potência mundial no
século XIX ratifica tal força da classe escravocrata.
Mesmo essa legislação não significando o fim do tráfico e muito menos da escravidão,
o seu compromisso facilitou a promulgação de nova lei em 1850.
66
COSTA, E. V. Op. cit. p. 375.
67
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 294.
68
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 295.
69
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 139.
31
A partir de 1839 a Inglaterra voltou a pressionar o Brasil para tomar medidas contra o
tráfico. A questão não era somente o comércio de escravos, e sim o acordo comercial que
terminaria em 1842. Era desejo dos ingleses renová-lo, bem como exterminar o tráfico.
Uma campanha contra a pressão britânica sobre o país se intensificou via imprensa e
parlamento, principalmente após a provação do Aberdeen Act em 1845 pelo parlamento
inglês. A terra da rainha passou a ser vista, por muitos, como inimiga. Mas a situação na qual
estava imposto o Brasil em relação ao fim do tráfico, era complexa, afinal já havia uma
legislação que proibia o comércio negreiro, porém não era respeitada.
Concomitantemente aos protestos contra a Inglaterra, acusando-a de desrespeito à
soberania, o parlamento se organizava para aprovar uma nova lei antitráfico. Em 1848, um
projeto de lei de 1837 passou a ser rediscutido. No ano seguinte, com a subida dos
conservadores ao poder, o debate acerca da lei intensificou-se, assim como intensificou a
pressão inglesa.
Navios (supostamente negreiros) foram afundados na costa brasileira pela marinha
britânica, aumentando a revolta nacional. Os ingleses desejavam que o Brasil assinasse um
tratado prevendo o imediato combate ao tráfico de escravos. Porém, para muitos
parlamentares negociar mediante essa pressão era impensado.
Importante mencionar que apareceu neste momento um discurso que via o “tráfico
como mal necessário para sustentar a agricultura”, pois, o menor beneficiado nesta situação
era o agricultor que ficava a mercê do traficante, que era realmente o grande beneficiado70.
Os meses de junho e julho de 1850 foram intensos no Parlamento. O combate ao
tráfico passou a ser a principal pauta. Em 4 de setembro foi decretada a Lei que previa por fim
ao tráfico de escravos, conhecida popularmente Lei Eusébio de Queiroz, por este ter sido o
seu grande mentor no Senado.
A lei de 1850 manteve prerrogativas da lei de 1831, mandando os fazendeiros a júri
popular. Dessa maneira, segundo José Murilo de Carvalho “significava, na prática, anistiá-los
e quase legalizar a propriedade dos escravos importados a partir daquela data”71. Entretanto,
em relação ao traficante a lei foi implacável. Estes “seriam julgados pela auditoria da
70
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 295.
71
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 298.
32
Marinha, com recurso para o Conselho de Estado”72. Segundo o autor, vários foram presos e
muitos deportados. O combate feroz aos traficantes consolidou o êxito desta lei.
Sérgio Buarque de Holanda descreve o impacto que essa rigorosa legislação trouxe
para a lavoura nacional. Baseando-se, principalmente, nos estudos estatísticos de Sebastião
Ferreira Soares, chega à conclusão que as décadas posteriores ao fim do tráfico foram de
aumento dos ganhos com a lavoura do café.
A grande quantidade de importação de africanos, uma década antes da lei que aboliu o
tráfico, fez com que se mantivesse o abastecimento de trabalho escravo nas regiões das
grandes lavouras, além da intensificação do tráfico interno. Percebe-se, portanto, um preparo
para que essa lei fosse aprovada e, enfim, executada. Não diminuindo de imediato a mão de
obra da lavoura, principalmente a cafeeira73, mas criando mecanismos que abastecessem a
lavoura com outros tipos de mão de obra que não a escrava. Todavia, para que houvesse a
imigração de outros países, um sério problema para a classe latifundiária precisava ser
solucionado: o fácil acesso a terra.
Como não havia legislação que normatizasse o acesso a terra e, tão pouco, dificultasse
a sua posse, tornar-se-ia possível à entrada de europeus não destinados à lavoura das grandes
fazendas, como o desejado, mas sim agricultores de suas próprias terras.
Portanto a problemática envolvendo a terra não era a ocupação irregular. Mas a
necessidade de destinar braço trabalhador para as grandes propriedades, diante da iminência
da diminuição do trabalho escravo. Não estava em jogo à valorização da propriedade rural
pela sua falta e sim o contrário, a abundância de terras e seu fácil acesso.
Diante deste cenário era necessário organizar meios para impedir essa facilidade. Os
políticos, representantes desta elite agrária, começaram a debater o assunto e buscar uma
legislação que atendesse aos seus interesses: garantir que a mão de obra estrangeira dirija-se
às fazendas e que eles permaneçam com a facilidade de ter acesso a terra.
Segundo José Murilo de Carvalho, o projeto da lei de terras inicial dispunha de dez
artigos, nos quais:
72
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 298.
73
HOLANDA, S. B. Capítulos de História do Império. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 46-50.
Leslie Bethell traz um rigoroso estudo estatístico da entrada de africanos no Brasil no período anterior a Lei
Eusébio de Queiroz. Ver BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2002. p. 337-410; 437-446.
33
Esse projeto passou por diversas modificações até ser apresentado à Câmara de
Deputados, contando nesta versão com vinte e nove artigos. Foram incluídos: imposto sobre a
propriedade rural, permissão para doação de terras na faixa de fronteira e para os indígenas,
regularização da posse da terra e confisco da propriedade para inadimplentes, apesar de prever
a indenização neste caso. A demarcação das terras passou a ser obrigatória, com o prazo de
seis anos para efetivá-la. Determinou-se o tamanho mínimo do lote para venda (um quarto de
légua que representa mais de mil hectares)75.
A Lei de Terras foi definitivamente aprovada em 1850. O seu texto final passou por
novas mudanças. O imposto sobre a terra caiu, assim como o confisco da terra para quem não
demarcasse e a registrasse. O tamanho dos lotes que seriam vendidos foi reduzido, para tentar
atrair colonos imigrantes, mas mantinha-se a política de vendê-los apenas à vista. Reduziu-se
o valor por braça quadrada. Apesar de decretada, a regulamentação da lei só foi publicada em
1854, demonstrando o pouco empenho da classe política de vê-la em execução76.
Para Lígia Osório Silva, a aprovação da dita lei, representava um dos mecanismos de
modernização do Estado Imperial:
74
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 333
75
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 291-323.
76
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 291-323.
77
SILVA, L. O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2. Ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2008. p. 135.
34
Para José Murilo de Carvalho o distanciamento temporal, vinte e um anos, entre a lei
que pôs fim ao tráfico negreiro e a lei do Ventre Livre demonstra que “a abolição do tráfico
era o máximo a que as lideranças políticas estavam dispostas, ou que lhes era possível”79.
Sidney Chalhoub defende que só houve a possibilidade da aprovação da lei de 1871
devido à movimentação dos escravos. Foi ela arrancada por eles a revelia da classe escravista.
A legislação “representou o reconhecimento legal de uma série de direitos que os escravos
78
COSTA, E. V. Op. cit. p. 378.
79
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 304.
35
vinham adquirindo pelo costume, e a aceitação de alguns dos objetivos das lutas dos
negros”80.
Projetos elaborados por Pimenta Bueno que previam a gradual extinção da escravidão,
foram rejeitados pelo Conselho de Estado pela “inoportunidade da medida”81. Uma carta da
Junta Francesa de Emancipação, clamando ao Imperador medidas que favorecessem a
abolição da escravidão, foi respondida com mesmo teor: a inoportunidade do momento82. A
guerra era a justificativa. “Aguardava-se época mais oportuna”83.
“Um bom choque elétrico”. É com esta frase, impetrada a D. Pedro II em relação à
Guerra do Paraguai, que Thomas Skidmore apresenta os efeitos que ela causou ao Brasil. E
uma das principais consequências foi colocar a escravidão em xeque. Afinal, diante da falta
de voluntários para a guerra, os escravos foram empurrados para frente de batalha. Como já
vimos, ganharam como retribuição sua liberdade.
A decisão do Conde d‟Eu, genro do monarca e comandante das tropas brasileiras no
final da guerra contra o Paraguai, de forçar “o governo provisório do Paraguai a decretar de
imediato a abolição da escravatura naquele país”84 trouxe maior pressão sobre a temática ao
país devido a sua contradição: um país escravocrata responsável pela libertação dos escravos
do seu vizinho.
Uma áurea romântica é como Emília Viotti da Costa apresenta a questão da abolição
da escravidão após a guerra. Esse sentimento tomou conta das ruas, colaborando para que o
Parlamento aprovasse em 1871 a Lei do Ventre Livre, que pôs fim à escravidão dos nascituros.
80
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 30.
81
José Murilo de Carvalho descreve que a partir de 1866 iniciaram-se as discussões para elaboração de uma
legislação abolicionista. Ele defende a ideia que partiu da Coroa tal iniciativa, e Pimenta Bueno, conselheiro
muito próximo ao Imperador, e por encomenda deste, havia preparado cinco projetos que previa a abolição,
porém quando entregues ao presidente do Conselho, marquês de Olinda, “não admitiu sequer discutir o assunto”.
Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 305.
82
Segundo Carvalho, a resposta aos franceses foi escrita pelo próprio Imperador, porém assinada e enviada pelo
ministro da Justiça e dizia que “a emancipação era uma questão de forma e de oportunidade e que assim que
terminasse a guerra o governo lhe daria prioridade”. Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite
política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.
305.
83
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982. p. 379. Skidmore tem uma versão semelhante: “Um grupo de abolicionistas franceses apelou para o
imperador, pedindo-lhe que lançasse mão de seus amplos poderes para pôr fim à escravidão no Brasil. Em sua
resposta, d. Pedro II subscreveu o primeiro compromisso oficial do governo com a abolição, declarando que a
emancipação total era apenas uma questão de tempo. Prometeu que assim que a pressão da Guerra do Paraguai o
permitisse, seu governo haveria de considerar como “objeto de primeira importância a realização do que o
espírito da cristandade desde há muito reclama do mundo civilizado””. Ver: SKIDMORE, T. E. Preto no
branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2012. p. 50.
84
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 50.
36
(...) a proposta teve “efeito de um raio caindo do céu sem nuvens. Ninguém
esperava tal pronunciamento. Tocar assim na escravidão pareceu a muitos,
na perturbação do momento, uma espécie de sacrilégio histórico, de loucura
dinástica, de suicídio nacional” 86.
85
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 51.
86
NABUCO apud CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a
política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 305.
87
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 305-306.
88
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 311.
37
(...) o projeto [da lei do Ventre Livre] tirava ao senhor a força moral e o
tornava suspeito à autoridade e odioso ao escravo. A liberdade parcial
decretada pela lei (...) “desautorizava o domínio e abre a ideia do direito na
alma do escravo”, ao passo que a liberdade que vem da generosidade do
senhor leva ao reconhecimento e à obediência89.
89
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 313.
90
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 306. O historiador refuta a possibilidade de um sentimento no seio escravo de
liberdade: “É certamente exagerado, em vista da evidência disponível, dizer que a Lei do Ventre Livre foi
resposta às inquietações dos escravos, pois não se conhecem rebeliões de vulto nesse período”. Por outro lado,
acreditamos na argumentação da Emília Viotti da Costa que a Guerra do Paraguai e a introdução no exército de
escravos que seriam libertados, trouxeram certa repercussão entre os cativos. Se não houveram revoltas,
houveram fugas para se alistarem ao exército, lutarem a guerra e conseguirem sua liberdade.
91
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 43.
92
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 150.
38
Uma “grande batalha parlamentar do Ventre Livre” é como se refere José Murilo de
Carvalho no processo de aprovação da lei no Parlamento93. Rachas nos partidos ficaram
evidenciados, tanto que foi do Visconde do Rio Branco, membro do Partido Conservador,
principal defensor da manutenção da escravidão, o projeto da Lei do Ventre Livre. Colegas de
partidos acusaram-no veementemente. A ferida estava aberta, e segundo Emília Viotti da
Costa:
Afinal, os filhos das escravas ficaram sob a tutela do senhor, e este poderia acionar a
cláusula indenizatória, pela sua liberdade, ou utilizar dos seus serviços até os 21 anos. Tal
mecanismo só vislumbraria a extinção total da escravidão em 1931. No entanto vale relembrar
o que defende Sidney Chalhoub: foi essa lei uma conquista dos escravos. Nada mais foi que a
consolidação em legislação das conquistas que os escravos já vinham adquirindo.
Para Jacob Gorender a aprovação de tal legislação ocorreu porque “a cúpula
monárquica soube agir movida por uma ideia de conjunto da situação, superando interesses
imediatistas, particularizados e regionais”96. A elite política conseguiu perceber esse conjunto
da situaçãoe se antecipar ao inevitável.
93
CARVALHO J. M. Op. cit. p. 308.
94
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais,
1982.. p. 384.
95
COSTA, E. V. Op. cit. p. 385.
96
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 150.
39
A “Lei Rio Branco”, segundo Gorender, “foi fraudada desde o início” 97. O fundo
emancipador não conseguiu recursos suficientes para libertar parcela significativa dos
escravos. A resistência dos senhores, as grandes distâncias e a falta de fiscalização, fez com
que vários recém-nascidos fossem matriculados como escravos e muitos nem mesmo foram
matriculados. Saindo da esfera de fiscalização do governo. Para Emília Viotti da Costa:
(...) os que mais haviam combatido a lei por iníqua, subversiva, perigosa
para os interesses dos senhores, tornaram-se seus maiores defensores e,
invocando a Lei do Ventre Livre, negavam-se a aceitar qualquer modificação
que viesse acelerar o processo de emancipação98.
José Murilo de Carvalho apresenta outra posição sobre a lei. Ele defende que a
aplicação da lei de 1871 “não encontrou muita resistência em sua aplicação”. O problema
encontrado pelos senhores foi à ineficiência burocrática do Estado e “às dificuldades em
reunir as juntas de qualificação para aplicar o fundo de emancipação, por tratar-se de serviço
não remunerado”. Quando havia o funcionamento normal destes serviços, “raramente os
proprietários contestaram a avaliação ou a classificação dos escravos para libertação” 99.
Os abolicionistas, mesmos os que lutaram por essa lei, começaram a discutir a
ineficácia dela e propor novos meios para que se efetivasse a extinção da escravidão.
O final da década de 1870 e, principalmente, nos anos de 1880, a campanha
abolicionista tomou corpo. Diversas organizações foram criadas para arrecadar dinheiro,
prevendo a compra de alforrias; realizar reuniões em prol da abolição; criar estratégias das
mais diversas possíveis com o mesmo intuito, o fim do regime escravo.
Importantes abolicionistas, das diversas vertentes, surgiram: Joaquim Nabuco, José do
Patrocínio, João Clapp, Luís Gama, André Rebouças, Rui Barbosa, etc. Estes faziam
discursos, publicavam textos, agitando e disseminando a campanha abolicionista100.
Enquanto isso, os escravistas procuravam ganhar tempo. Buscavam evitar as revoltas
escravas, quem podia vendia seus escravos, outros concediam alforrias de forma gradual,
tentando manter a prerrogativa sobre o direito de conceder a liberdade aos seus escravos, em
detrimento da ação do Estado. As regiões mais progressistas, como o oeste paulista, buscavam
97
GORENDER, J. op. cit. p. 153.
98
COSTA, E. V. Op. cit. p. 392.
99
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 315-316. O historiador complementa dizendo que
as alforrias particulares excederam, consideravelmente, às realizadas pelo fundo de emancipação.
100
Para maiores informações sobre o desenvolvimento desse processo ver Ver COSTA, E. V. Da senzala à
colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e Sociais, 1982. A historiadora retrata
também os reflexos do movimento abolicionista na literatura. Este passou a ser um dos principais temas das
obras dos principais poetas e escritores do fim do século.
40
na importação da mão de obra da Europa a solução para esse fim iminente. Todavia, a classe
de proprietários, segundo José Murilo de Carvalho foi “fundamentalmente pragmática: usar o
escravo até o fim e, ao mesmo tempo, procurar alternativas”101. Ou como dito por Jacob
Gorender: “o objetivo estratégico [da lei de 1871] consistiu na máxima sobrevivência possível
do regime de trabalho escravo”102.
Jacob Gorender defende também que essa legislação conseguiu “neutralizar o
movimento abolicionista” por mais que ele não tenham se apagado, entretanto, “sua difusão
perdeu impulso e impacto”. Ela também buscou a “obtenção do consenso dos escravos para o
processo gradualista”. Ele enfatiza que essa lei foi o marco da política abolicionista
monárquica: “lenta, gradual e segura”103. Deste modo, esse consenso não duraria muito mais
que uma década. A partir de 1880 é possível visualizar uma “evolução da consciência
escrava” e “associada ao movimento abolicionista dos homens livres”, o consenso do
gradualismo se quebrou104.
Tendo como principal nome na Câmara dos Deputados, Joaquim Nabuco, os
abolicionistas começaram a pressionar os deputados, senadores, ministros e até mesmo o
Imperador para que medidas mais eficazes fossem tomadas. Apoiando esse movimento
estavam os parlamentares das províncias, principalmente do norte, e contrário a novas
medidas, mais uma vez, os parlamentares de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro105.
Para Carvalho a Lei do Ventre Livre teve a função de trazer a tona à discussão do fim
da escravidão no país, inclusive esclarecendo que o seu fim seria inevitável. Escancarou o
posicionamento da Coroa, demonstrando para os latifundiários que ela estaria do lado da
abolição106.
Sidney Chalhoub argumenta que essa lei pode ser “interpretada como exemplo do
instinto de sobrevivência da classe senhorial”, pois a “esperança da alforria” seria “um
elemento de ordem pública” e não um perigo107. E mais uma vez ratifica sua visão de uma lei
arrancada pelos escravos.
101
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 318.
102
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 151.
103
GORENDER, J. op. cit. p. 152.
104
GORENDER, J. op. cit. p. 158.
105
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982.
106
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 318.
107
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
41
108
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 199.
109
CHALHOUB, S. op. cit. p. 168-173.
110
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 157.
111
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
112
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 53.
42
“Nem recuar, nem parar, nem precipitar. É preciso caminhar, mas caminhar
com segurança, marcar a linha que a prudência impõe e a civilização
aconselha” 114.
113
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 166-167.
114
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 409.
115
COSTA, E. V. Op. cit. p. 409.
116
COSTA, E. V. Op. cit. p. 409.
43
escravo poderia ser liberto117. Segundo Jacob Gorender, essa legislação seguiu a política do
“lento, gradual e seguro” e tinha por objetivo manter a escravidão até o século XX118.
O fato do projeto não conter o princípio da indenização, para Emília Viotti da Costa,
levou a uma batalha parlamentar. O resultado foi a demissão de Dantas da função de
presidente do Conselho de ministros e a vitória dos escravocratas. O episódio colaborou para
exaltar os ânimos dos abolicionistas.
O Ministério presidido pelo liberal Saraiva deu continuidade ao projeto do anterior.
Contudo com mudanças que permitiram menor reação dos senhores de escravos: prolongou-se
o prazo de libertação dos sexagenários (para 65 anos) e adicionou o princípio da indenização.
Mesmo com a aprovação na Câmara, o Ministério de Saraiva caiu, dando lugar ao
Conservador Barão de Cotegipe, que conseguiu, enfim, a aprovação da lei. Foi uma vitória do
princípio indenizatório e da extinção gradual da escravidão. Respondeu o movimento
abolicionista, demonstrando a força da classe escravocrata no parlamento, e o viu arrefecer.
Segundo Emília Viotti da Costa, o que se apresentou logo após a promulgação da lei
dos sexagenários em 1885 foi certa calmaria no Parlamento. Foi dado fôlego aos
parlamentares, principalmente aos que defendiam os interesses dos senhores de escravos.
Entretanto, nas ruas se via o aumento do movimento abolicionista. Com a
complacência e os olhos vedados do Governo, que nada fazia contra os abusos dos senhores,
intensificava também a repressão ao movimento.
Projetos prevendo um prazo para a extinção total da escravidão foram propostos por
Afonso Celso e Jaguaribe em 1887. Entretanto receberam forte oposição e foram derrotados119.
Este ano presenciaram-se os últimos protestos dos representantes dos senhores de
escravos. Visivelmente não conseguiam mais fugir da onda abolicionista. A maioria se
resignou diante do fato. Inclusive concedendo alforrias em massa. A polêmica, neste
momento, girou em torno da negação do exército em capturar os escravos fugitivos, defendido
efusivamente por Joaquim Nabuco e combatido pelos escravocratas.
Várias províncias da região norte passaram a aderir à abolição, devido a menor
necessidade do trabalho escravo comparado ao sul do país. O fato de haver nesta região
excedente populacional “ocioso”, que, se coagido poderia destinar-se ao trabalho rural,
colaborou para essa adesão. Outra característica dessas províncias era que sua economia
pautava-se em pequenas propriedades, necessitando de menor quantitativo de trabalhadores.
117
COSTA, E. V. Op. cit.
118
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 179-180.
119
COSTA, E. V. Op.cit.
44
120
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
121
COSTA, E. M. Da Monarquia a República: momentos decisivos. 3. Ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense,
1985.
122
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 438.
123
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
124
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 53.
45
125
COSTA, E. V. Da senzala à colônia. 2a. Ed. São Paulo, SP: Livraria Editora de Ciências Humanas e
Sociais, 1982. p. 442.
126
COSTA, E. V. Op.cit. p. 447.
127
COSTA, E. V. Op.cit. p. 448.
128
FAORO, R. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo, Globo, 2012.
p. 528.
46
Essa “revolução abolicionista”, segundo esse historiador, “deu lugar a uma classe
dominante mais propriamente renovada que a nova”. O regime monárquico era tão ligado à
instituição da escravidão, que não conseguiu desvincular dela sem cair. A revolução
abolicionista foi a revolução burguesa brasileira130.
Finalizando. Na época, utilizava-se de uma expressão para explicar a relação da
escravidão com a sociedade brasileira e a monarquia. Se a escravidão era o cancro da
sociedade brasileira, que precisava ser extirpada, também foi da monarquia, a quem corroeu
as bases.
Pelas obras historiográficas que analisamos, está nítida como a Coroa, e o monarca en
passant, tiveram uma importante participação no processo abolicionista. Por ser interesse
principal do trabalho visualizar como se comportou D. Pedro II neste processo, achamos
coerente reservar um espaço para apresentar como essas obras descreveram a proximidade
entre Coroa e o fim da escravidão.
Afinal, como descreve Sidney Chalhoub, além de um assunto econômico e social, a
questão da “liberdade dos negros”, era também um assunto político, pois o “governo podia
agora interferir mais decisivamente na organização das relações de trabalho” 131. Vejamos
então como esse assunto político é relacionado à D. Pedro II.
Ricardo Salles traz uma importante contribuição para se verificar a relação que
estamos buscando desvendar. Se as falas do Trono de 1867 e 1868 assustaram a classe
política, principalmente, pelo fato de D. Pedro II inserir a discussão da “emancipação do
129
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 182.
130
GORENDER, J. op. cit. p. 183-188.
131
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 28.
47
As argumentações do historiador seguem uma linha que até o prezado momento não
havíamos encontrado. Primeiro por apresentar o monarca preocupado com a temática da
abolição anos antes ao que se apresentara até aqui, apesar da data se aproximar da denunciada
por Jacob Gorender quanto ao início de um movimento abolicionista.
Segundo por demonstrar a importância que os fatores externos colaboraram para a
tomada de atitude do governo imperial. Descreve a tensa relação com a Inglaterra durante os
anos que precederam a lei que aboliu o tráfico negreiro; a preocupação com os
acontecimentos nos EUA, que entrou em guerra civil devido a pressões para ver finda o
escravismo.
Assustava o Imperador tal situação, medidas precisavam ser tomadas para que não se
passasse o ocorrido na lei Eusébio de Queiroz e também não entrar em uma guerra civil como
nos EUA. A pressão do ideal civilizatório aumentou sobre o país.
Salles pondera também para os problemas diplomáticos envolvendo o Brasil: estava a
beira da guerra contra o Paraguai; a questão Christie encontrava-se em seu ápice, o que levou
ao rompimento nas relações com a Grã-Bretanha; a pressão nos EUA para abertura dos rios da
Amazônia; o apoio do Império brasileiro ao Império mexicano de Maximiliano, que contava
com o apoio francês e tinha a oposição dos norte-americanos; e neste momento a Guerra da
Secessão direcionava-se para uma vitória da União contra os Confederados, o que seria
também uma vitória da abolição.
132
SALLES, R. E o vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 89.
48
Por fim, as constantes intervenções brasileiras na região do prata, faziam com que o
monarca visse com muito receio a situação da escravidão no país, pois sabia estar o Brasil em
uma situação muito fragilizada, praticamente isolado no que tange a este tema no mundo
ocidental, pois até mesmo Cuba, colônia espanhola, já vinha traçando políticas
abolicionistas133.
D. Pedro II sabia das dificuldades que encontraria para tramitar essa discussão, mesmo
entre os seus conselheiros. Por isso pediu na correspondência enviada para Zacarias, que o
tema deveria ser apreciado no momento oportuno, e a proposta de abolir o ventre escravo,
conseguiria, como proposto pelo monarca, conciliar as necessidades da abolição e os
interesses escravistas.
A posição do monarca, na obra de Ricardo Salles, foi importante para precipitar o
processo abolicionista brasileiro. Este documento apresentado pelo historiador demonstra
como o monarca havia, inclusive, se antecipado em relação aos problemas que a inércia em
relação a uma política abolicionista, poderia acarretar ao país.
Para Emília Viotti da Costa o Imperador foi visto à época, tanto como um defensor da
escravidão como da abolição. Para aqueles que o viam como abolicionista, ela argumenta que
enxergavam nas suas falas “insistência desnecessária e perigosa em torno da questão” 134. Para
os que o viam como escravocrata, como Joaquim Nabuco, mesmo creditando na conta do
monarca tudo que havia sido realizado do processo abolicionista até a lei dos sexagenários,
via certo “corpo mole” por não utilizar-se do seu poder pessoal para resolver essa situação que
afligia tão profundamente o país. Outros argumentavam que a Coroa apenas realizava o
desejo da classe política do país, e a abolição foi um deles.
O que fica explícito na obra da historiadora, quanto ao processo que levou a extinção
da escravidão, é que as mudanças socioeconômicas vivenciadas pelo país arrastaram-no para
reformas como a abolição e também a República. Segundo Milton Carlos Costa, Emília Viotti
da Costa foi “certamente influenciada” pelas teses de Caio Prado Júnior sobre a formação do
país. Diante dessa análise, não é de se estranhar que em seu trabalho os aspectos econômicos
são estruturais para as mudanças sociais e políticas, superestruturais.
Milton Carlos Costa afirma ainda que Emília Viotti da Costa “considera o poder
pessoal um mito”. Apesar de a Constituição favorecer plenos poderes ao monarca, de fato, ele
não exerceu um poder absoluto durante seu reinado. A política imperial foi controlada pelas
oligarquias que a sustentava.
133
SALLES, R. op. cit. p. 89-93.
134
COSTA, E. V. Op.cit. p. 445.
49
José Murilo de Carvalho faz outra leitura dessa relação. Para ele a mão Imperial se fez
sentir no processo abolicionista do início ao fim:
Para ele as atitudes da Coroa não só encorajava a “atuação dos abolicionistas”, mas
também fazia arrefecer a repressão do governo ao movimento. A postura do Imperador
sempre foi mais pró-abolição do que aos interesses dos proprietários no decorrer de todo o
processo. Este, inclusive, acentuou a clivagem entre os interesses monárquicos e os dos
latifundiários. Foi principalmente nesta temática que se acentuou o “divórcio” entre “o rei e os
barões”:
(...) pode-se dizer que o sistema imperial começou a cair em 1871 após a Lei
do Ventre Livre. Foi a primeira clara indicação de divórcio entre o rei e os
barões, que viram a Lei como loucura dinástica. O divórcio acentuou-se com
a Lei dos Sexagenários e com a abolição final. É fato aceito por todos os
estudiosos, por exemplo, que a adesão ao republicanismo aumentava
substancialmente à época de medidas abolicionistas137.
135
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 70.
136
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 319.
137
CARVALHO, J. M. Op. cit. p. 320-322.
138
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 72.
50
Quem ditava tais “prerrogativas do Estado” era D. Pedro II, Chefe do Estado. E a
abolição da escravidão sempre esteve entre elas.
Raymundo Faoro ao relatar a adesão do setor agrícola ao Partido Republicano,
defende a ideia de um “revide da lavoura contra o Império, responsável pela Lei do Ventre
Livre (1871) e pela abolição da escravatura”139. No entanto ele não acreditava que os
fazendeiros houvessem aderido ao republicanismo numa ideia de revigorar o sistema
escravista, e sim, como colocado, numa espécie de “revide”, macular o regime monárquico
que muito se identificou com o fim da escravidão.
Ele deixa bem claro que foi depois e não consequência do processo abolicionista que
engrossara a fileira republicana140. Importante deixar registrado a relevância que autor credita
a Coroa ao processo abolicionista. E por isso mesmo, a extinção do regime escravo principal
responsável pela queda da Monarquia.
Segundo Milton Carlos Costa, para Raymundo Faoro, “o estamento burocrático
mantinha em subordinação o imperador”. Ele governava, com o seu poder pessoal (o Poder
Moderador), mas seguindo a cartilha de sua burocracia141. Diante disso, podemos concluir que
por mais desejoso da abolição da escravidão fosse o monarca, precisava partilhar esse
interesse com as instituições burocráticas do Império, das quais era refém.
Sérgio Buarque de Holanda apresenta a ideia que era vontade da Coroa por fim a
escravidão no país, porém com ressalvas, pois sabia ser o tema um tanto quanto delicado:
Queria a extinção do trabalho escravo, mas achava que toda prudência era
pouca nesse assunto e, estivesse no país em maio de 1888, não teria sido
assinada a „lei áurea‟, como ele próprio chegou a admitir. Queria que o país
tivesse sempre em boa ordem as finanças e a moeda sólida, por lhe
parecerem exigidas por uma elementar prudência, ainda quando a realização
de tais desejos pudesse perturbar a promoção do desenvolvimento material,
da instrução pública, da imigração, que também queria. Ora, a meticulosa
cautela deixa de ser virtude no momento em que passa a ser estorvo: lastro
demais para pouca vela142.
139
FAORO, R. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo, Globo, 2012.
p. 518.
140
FAORO, R. Op. cit. p. 518-521. Faoro menciona as diferenças entre o que ele descreve como setor
“decrépito”, os agricultores do Vale do Paraíba, e o setor em ascensão, os do oeste paulista. Identifica que este
segue em direção à República e veem no trabalho livre (apesar de não ser uma unanimidade entre eles) a
salvação da lavoura, enquanto os primeiros seguem fieis ao trono e ao regime escravista. Para ele fora o
excessivo centralismo monárquico, que não acompanhando as mudanças do setor agrário-exportador, deixando-o
desamparado quanto, principalmente, a crédito, que corroborou definitivamente para o fim do Império. “O que o
fazendeiro fez (...) foi conformar-se com a República nascente” p. 521.
141
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 71.
142
HOLANDA, S. B. Capítulos de História do Império. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 142.
51
Para Sérgio Buarque de Holanda era sempre de D. Pedro II a “decisão última nos
negócios importantes”. Mas sua excessiva prudência para se tomar atitudes e a vontade de
sempre deixar explícita que ela (sua vontade) não prevalecia sobre as decisões do Império,
fazia com que caracterizasse certa “inércia” política do monarca.
“D. Pedro II foi um rei que governou”. Assim descreve Milton Costa para análise que
faz sobre a visão de Sérgio Buarque sobre o poder do Imperador. Porém, pecou pelo
preciosismo. Muito detalhista, perdeu a capacidade de uma visão ampla dos problemas do
país. “A dedicação minudente aos negócios entorpecia o andamento da administração”.
Apesar disso, argumenta o norte-americano que o monarca estava muito longe de ser
“o tirano pintado pelos panfletários republicanos”. No que tange as questões sociais, ele era
mais “liberal e tolerante” do que “parte da velha elite política”. Mas resistia as “iniciativas
liberais” que tentavam reduzir o seu Poder Moderador145.
Quando o historiador relata a carta que José do Patrocínio enviou a Victor Hugo,
pedindo que interviesse junto ao Imperador pelo fim da escravidão, ele fica surpreendido com
tal situação:
O ato de Patrocínio chamou atenção por duas razões: primeiro, pelo fato de
ele imaginar que Hugo pudesse ter tanta influência (...); segundo, por pensar
143
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 71.
144
SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). 1. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 39.
145
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 40.
52
que d. Pedro II tivesse poder para abolir a escravidão. Seria isso uma
avaliação exagerada do poder da Coroa, que os liberais, afinal de contas,
esperavam limitar? Ao que parece, Patrocínio, o orador inspirado que
induzia as massas à ação pela via emocional, sucumbiu a uma ilusão
característica da elite: a de que o Imperador realizasse o sonho liberal com
um simples gesto magnânimo146.
146
SKIDMORE, T. E. op. cit. p. 58.
147
COSTA, M. C. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo: Annablume, 2003. p. 70-71.
148
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 185.
149
GORENDER, J. op. cit. p. 187.
150
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 223.
53
CAPÍTULO II
AS BIOGRAFIAS DE D. PEDRO II E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
151
BOURDIEU, P. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, M. M; AMADO, J. Usos & abusos da história oral.
8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 183-191.
152
BOURDIEU, P. op. cit. p. 183.
153
BOURDIEU, P. op. cit. p. 183-184.
154
LEVI, G. “Usos da biografia”. In: FERREIRA, M. M; AMADO, J. Usos & abusos da história oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. P. 167-182.
155
LEVI, G. op. cit. p. 167.
56
156
DOSSE, F. O Desafio Biográfico: Escrever uma Vida. tradução de Gilson César Cardoso de Souza São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 71.
157
Ibidem, p. 71.
158
LEVILLAIN, P. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, R. Por uma história política. Tradução de
Dora Rocha. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2003. p. 176.
159
LE GOFF, J. São Luís. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 21.
57
como vimos “constrói-se a si próprio e constrói sua época, tanto quanto é construído por ela.
E essa construção é feita de acasos, de hesitações, de escolhas”160. Portanto, não podemos
tomar a posição do Imperador diante da temática extinção da escravidão apenas como
consequência do seu tempo histórico.
Outro ponto que podemos discutir sobre as biografias do Imperador, é justamente a
grande quantidade de publicação. Para François Dosse, o fato de o gênero biográfico estar
constantemente presente, em nosso caso particular ser sempre objeto de nova publicação, é
porque cada geração mobilizou o “conjunto de instrumentos que tinha a disposição” 161. Com
isso a cada mudança deste “conjunto de instrumentos” há necessidade de novas respostas:
2012, escreveu uma biografia sobre a Princesa Isabel e um livro sobre a formação do Império
Brasileiro, “Brazil: The forging of a Nation, 1798-1852”164. Verificamos, portanto, seu
interesse por esse período da história brasileira e longos anos dedicados a ele.
Ao longo das 615 páginas da biografia dedicada ao monarca brasileiro, podemos
visualizar, através da documentação utilizada, muito das anotações íntimas e oficiais (diários
e cartas) de D. Pedro II e de outros membros da família real, realeza e políticos brasileiros do
Segundo Reinado. Esses documentos permitiram Barman se debruçar sobre seu personagem
e, principalmente, construir o paradoxal político D. Pedro II.
Relembrando a argumentação do François Dosse acima, percebemos que Barman
disponibilizou de um “conjunto de instrumentos” para construir o seu D. Pedro II. Neste caso,
acreditamos que o que foi mobilizado tratou-se mais de escolhas do que disponibilidade de
outros instrumentos. A narrativa desta biografia é uma busca incessante de construir o
Imperador como “cidadão modelo” e tomado por uma racionalidade política que supera e
obscurece o sujeito Pedro de Alcântara. Apesar de que, em certos momentos o historiador
demonstra as crenças e desejos do monarca, mas até mesmo essas são para contribuir com sua
racionalidade política. Este é o modelo que Barman utilizou para construir seu personagem 165.
Antes de evidenciarmos a abolição da escravidão nesta obra, vamos observar como o
historiador relaciona o Imperador com o poder. Logo na introdução Barman demonstra a
posição em que ele vê o monarca diante do trono:
164
Obras em ordem de citação do texto: BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
BARMAN, R. J Princesa Isabel do Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2005. BARMAN, R. J. Brazil: The
Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988.
165
Agradeço ao Professor Dr. Leandro Duarte Rust, responsável por demonstrar na banca de qualificação o
marcante enquadramento estilístico das biografias sobre D. Pedro II que analisamos. Além disso, evidenciou a
modelagem de cada uma das biografias.
166
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 8.
167
BARMAN, R. J. op. cit. p. 8.
59
por sua integridade admirada por todos. Acabava por minar qualquer tentativa de oposição de
seus ministros.
Vejamos o que o autor fala sobre a relação do monarca com o processo abolicionista.
A primeira vez que a mão do Imperador é sentida em relação ao tema foi na crise entre
Brasil e Inglaterra, devido ao fim do tráfico negreiro. Para Barman é impossível não ver a
importância do monarca na resolução dessa crise e na extinção do tráfico negreiro:
168
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 186-187.
169
Segundo Barman, essa era uma “artimanha” muito utilizada pelo Imperador para “deliberadamente revelar
sua opinião sobre um assunto a um ou mais de seu círculo íntimo, ele garantia que essa informação seria
rapidamente repassada fora da corte”. Dessa maneira seus ministros já iam preparados a não contrariar a sua
opinião, o que quando faziam, raramente conseguiam sucesso. Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São
Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 211.
60
170
BARMAN, R. J. op. cit. p. 239-240.
171
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282.
172
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282.
61
ou ação direta para forçar a abolição da escravatura dentro de suas fronteiras”. O Imperador
não só concordava com essa visão como teria tido “um importante papel na formação dessas
atitudes” 173 ao ter ação direta no fim do tráfico e estimular a imigração europeia.
D. Pedro II evitava sempre a “menção pública à escravidão”, em seus discursos
oficiais, sempre esse termo era trocado por regime servil, e escravos por servos174. Mas “ele
não fazia segredo, em particular, de que não a aprovava”175. E se ele não possuía escravos o
Estado os tinha:
A mensagem de Barman é bem próxima da exposta por Ricardo Salles (capítulo 1). A
preocupação do monarca com a pressão externa está evidente neste trecho. Impedir a crise
com a Inglaterra e uma guerra civil é a justificativa para antecipar o processo.
173
BARMAN, R. J. op. cit. p. 282-283.
174
No próximo capítulo poderemos verificar essa situação nas Falas do Trono.
175
BARMAN, R. J. op. cit. p. 283.
176
BARMAN, R. J. op. cit. p. 283.
177
BARMAN, R. J. op. cit. p. 284.
178
Rascunho de recomendações de 14 jan. 1864, de AHMI POB maço 134 Doc. 6.553 In: BARMAN, R. J. op.
cit. p. 284.
62
É também instigante a solução apontada pelo monarca, que acabou por se efetivar anos
mais tarde. Tanto conservadora, seguia o lema de um progresso com moderação. No entanto,
as circunstâncias não permitiram ação em prol de uma legislação abolicionista. A guerra
contra o Paraguai se iniciou e foi necessário esperar.
Ao fim da guerra, além dos EUA que decretou o fim da escravidão, a Espanha também
havia caminhado para extirpá-la de suas colônias. “Dessa forma, o Brasil estava exposto como
o único Estado-nação no Hemisfério Ocidental que não havia se comprometido a tratar o
problema da escravidão”179. A guerra foi o motivo que o país utilizou para responder ao
mundo pela sua inatividade em prol da causa. Mas nos bastidores D. Pedro II trabalhava para
que não se demorasse a tramitar uma lei emancipatória pós-guerra.
Em 1866 ele solicitou ao marquês de São Vicente a elaboração de projetos de leis que
visasse esse fim. Elaboraram cinco projetos que “levariam ao fim da escravidão até o final de
1899 e que continha cláusulas para a proteção dos escravos e a melhoria de suas condições”180.
O Imperador encaminhou os projetos ao marquês de Olinda, presidente do Conselho
de Ministros em 1866, para que fosse submetido ao Conselho de Estado. Mesmo com o
consentimento dos demais ministros, Olinda “recusou-se de modo inflexível a consentir
qualquer ação a respeito”, alegava que “dada a ausência das forças militares no Paraguai, tal
proposta encorajaria os donos de escravos a adotar a resistência armada”. A perspicácia do
Imperador o fez esperar o “momento mais oportuno”181.
Nesse mesmo ano, quando a Junta Emancipatória Francesa enviou uma petição ao
Imperador pedindo soluções para o fim da escravidão no Brasil, segundo Barman, D. Pedro II
persuadiu o Gabinete responder “tanto por ele quanto por si mesmo”:
Para o historiador tal resposta foi uma “manobra extremamente hábil” do Imperador.
Pois comprometeu os governantes à abolição, “por meio de uma promessa pública aos
intelectuais franceses”. Portanto, “a resposta tornava a ação sobre a questão da escravidão
inevitável e iminente”. O episódio também fortalecia a “autoridade do imperador”, pois “era
ele que a opinião pública fora do Brasil atribuía responsabilidade pela resposta”183. O evento
179
BARMAN, R. J. op. cit. p. 299.
180
BARMAN, R. J. op. cit. p. 300.
181
BARMAN, R. J. op. cit. p. 301.
182
AHMI POB Maço 138 Doc. 6.794 Minuta (com emendas manuscritas de D. Pedro II) e cópia passada a
limpo, ambas em francês, da carta. In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 303.
183
BARMAN, R. J. op. cit. p. 303.
63
Sr. Itaboraí,
Não sei quando se abrirão as Câmaras: porém é necessário que eu possa a
tempo examinar o projeto da fala do trono.
Pelos motivos que lhe tenho exposto, e entre os quais o senhor bem sabe que
não tem senão menor importância o meu modo de pensar, entendo que seria
um grande erro o não dizer o governo alguma coisa sobre a questão da
emancipação na fala do trono.
As minhas ideias capitais são que voluntariamente pôs em prática o barão de
São João do Príncipe [fazendeiro da província do Rio de Janeiro]. [...]
Escuso dizer que tudo o que lhe acabo de escrever será sabido unicamente do
ministério, que muito estimarei concorde comigo na necessidade que sempre
lhe tenho exposto de alguma coisa fizer-se na fala do Trono a respeito desse
assunto, de que todos parecem ocupar-se menos o governo187.
184
BARMAN, R. J. op. cit. p. 308-309.
185
BARMAN, R. J. op. cit. p. 309. Analisaremos esse discurso no próximo capítulo.
186
Instruções manuscritas pelo imperador datadas de 14 jul. 1868. In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 301.
187
PINHO, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 330-331.
64
Segundo Barman, essa minuta da Fala do Trono foi discutida em “dois despachos
extraordinários na quarta e na quinta-feira, dias 4 e 5 de maio”188 de 1870. Após essas
discussões o Imperador não conseguiu persuadir seus ministros. Foram dois votos a favor e
quatro contra mencionar a questão do elemento servil no discurso. Depois a tentativa de
persuasão do monarca passou a ser, a de incluir os “braços livres” no discurso:
(...) a frase devia ser alterada ainda mais para o “desenvolvimento moral e
material do Império [...] depende do trabalho livre aplicado à lavoura,
principal fonte de nossa riqueza”. A mão de obra livre era almejada por
todos, o imperador argumentava, e incluir a ideia no discurso não
comprometia o governo. Os ministros objetaram à noção de que a emenda
proposta implicitamente condenava a escravidão, e portanto, eles não
poderiam aceitá-la189.
Um comentário do barão de Cotegipe, incluído por Barman nessa discussão diz muito
sobre a disposição de D. Pedro II em ver uma lei emancipadora:
N.B.: 1º, que uma peça ministerial fosse tão discutida pela Coroa; 2º, a
audiência de opiniões individuais, quando o Gabinete só as tem coletivas em
tais casos e assim se apresenta.
(Escrito na noite de 5 de maio).
P.S.: Quando nesta conferência disse que a questão era semelhante à pedra
que rolava a montanha e que nós não devíamos precipitar, porque seríamos
esmagados, S. M. [Sua Majestade] respondeu que não duvidava expor-se à
queda da pedra, ainda que fosse “esmagado”!
E o Brasil? Esta é a questão...190.
O monarca estava claramente disposto a precipitar tal pedra. Diante da dupla negativa
de seus ministros em colocar o que desejava na Fala do Trono, ameaçou que “pretendia
colocá-los aplicando publicamente o princípio do livre nascimento aos escravos em seu
domicílio”191. Tal colocação assustou os ministros que, mais uma vez, se postaram contra essa
medida do Imperador. Mesmo assim em 20 de maio ele assinou o decreto, libertando os filhos
dos escravos domésticos. Na Fala do Trono de 6 de maio de 1870 não houve menção à
questão da emancipação.
Essa foi uma “vitória de Pirro”, como denominou Barman. O curso dos
acontecimentos levou à aprovação da Lei do Ventre Livre um ano depois. Como vimos
anteriormente, e o biógrafo ratifica, conde d‟Eu, quando líder das tropas brasileiras no
188
BARMAN, R. J. op. cit. p. 331.
189
BARMAN, R. J. op. cit. p. 333.
190
PINHO, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 332-333.
191
BARMAN, R. J. op. cit. p. 333.
65
Paraguai, aboliu a escravidão naquele país. Quando retornou não recebeu retaliação alguma.
Talvez a grande pressão viesse, mais uma vez, de fora:
Diante do exposto, foi o surgimento de vozes na Câmara dos Deputados, que pediam
medidas em relação ao tema, que minaram o Ministério. Sem a confiança do Imperador, logo
o Ministério foi tirado de cena.
O novo presidente, marquês de São Vicente, recebeu instruções de D. Pedro II: “outra
medida legislativa de urgência igual [...] é a que se refere ao elemento servil” 193. Ele não
desistia. A pouca habilidade política de São Vicente e a dureza do tema, fez com que caísse.
O visconde de Rio Branco foi chamado para conseguir a aprovação da lei.
Antes da promulgação da lei, D. Pedro II conseguiu aprovação do Parlamento para sua
viagem à Europa. Para Barman, mais uma vez o monarca agiu estrategicamente:
Importante deixar registrado que essa colocação feita pelo historiador se baseia na
Autobiografia de Cristiano Ottoni, reconhecido por seu republicanismo. Tal colocação é
ímpar e confirma não somente as artimanhas políticas do Imperador, como sua dedicação
extremada em ver uma lei emancipacionista aprovada. Afinal, chega a colocar o seu trono em
perigo. No entanto, não há maiores detalhes.
Mesmo após sua partida e com o habilidoso Rio Branco como presidente do Conselho
de Ministros, a aprovação da lei não foi fácil. Depois de árdua discussão, pressão e ameaças o
projeto foi aprovado e seguiu para o Senado, no qual se esperava maior aceitação. Todavia ali
também se travaram longos dias de discussão.
192
BARMAN, R. J. op. cit. p. 334.
193
BARMAN, R. J. op. cit. p. 336.
194
BARMAN, R. J. op. cit. p. 337.
66
A resposta à civilizada Europa foi dada: o Brasil caminhou para o fim da escravidão.
Ao menos no papel. “Sem a influência e insistência de D. Pedro II a lei de 1871 não teria
passado”197, assim era como tantos os Liberais quanto os Conservadoras via a aprovação
dessa lei. Este foi o momento mais clarividente em que o Imperador mostrou a sua face
autoritária para ambos os partidos. Se o seu prestígio cresceu no exterior, decaiu fortemente
dentro de seu país.
Devido “as paixões intensas despertadas durante a promulgação da lei”198, o que se viu
foi um arrefecimento, e até mesmo, um esquecimento da questão da escravidão tanto pelo
governo quanto pelos partidos. Esperava-se que a partir desse momento se conseguisse o
resultado esperado de por fim a escravidão de forma gradual e sem transtornos. Mas sua
ineficiência se comprovou no final da década de 1870. Mais uma vez o fator externo veio
pressionar o Brasil: “as cortes espanholas aprovaram a abolição formal da escravidão nas
195
BARMAN, R. J. op. cit. p. 342.
196
BARMAN, R. J. op. cit. p. 356-357.
197
BARMAN, R. J. op. cit. p. 371.
198
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
67
colônias, ficando os antigos escravos obrigados a prestar serviços (...) por mais oito anos aos
seus antigos donos”199.
Como verificamos, e o historiador também relata, as mudanças do cenário
abolicionista brasileira ajudaram na aceleração do processo: a organização da uma campanha
no início da década de 1880, que se transformou em movimento popular, foi uma delas. Para a
jovem classe intelectual e urbana, que tinha como líder Joaquim Nabuco, a permanência da
escravidão era o principal entrava para o desenvolvimento do país:
Esse movimento, que tomou as ruas principalmente da corte, explorou todos os meios
de divulgação possíveis e conseguiu atrair as diversas classes urbanas descontentes com a
política imperial:
199
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
200
BARMAN, R. J. op. cit. p. 457.
201
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458.
202
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458.
203
BARMAN, R. J. op. cit. p. 458-459.
68
A pressão do movimento fez com que D. Pedro II escolhesse Dantas para chefiar o
novo Ministério. A solução encontrada pelo monarca tinha, segundo Barman:
Sem conseguir apoio, o Gabinete do liberal Dantas não conseguiu aprovar a lei dos
Sexagenários, fazendo com que o Imperador escolhesse o conservador barão de Cotegipe à
chefia do novo ministério. Este conseguiu a aprovação da legislação, mas interpretou a nova
lei “da maneira mais conservadora possível”, sujeitando, dessa maneira, o “movimento
abolicionista a constantes aborrecimentos”. D. Pedro II não passou ileso por suas escolhas.
Foi acusado de “abandonar a causa da liberdade” 205.
O fim do patronato em Cuba, que colocava uma pá definitiva na escravidão nessa
colônia espanhola, restando apenas o Brasil como o último país escravocrata do ocidente,
somado à defesa da escravidão e à tentativa de limitar as atividades do movimento
abolicionista realizadas pelo barão do Cotegipe, fez com que a escravidão ficasse insustentável
e a pressão pela abolição fosse imediata.
Devido à questão de saúde, D. Pedro II seguiu para Europa em 1887. De longe, e pelo
que descreve Barman, e sem participação, o monarca viu sua filha e regente se desentender
com o barão de Cotegipe, pois para ela era imediato à necessidade de uma lei que pusesse fim
à escravidão. Deste modo, a Princesa forçou a saída do barão e convocou João Alfredo,
simpático a causa, para a presidência do Conselho de Ministros. No dia 8 de maio de 1888 o
projeto que previa a abolição imediata da escravidão foi apresentado a Câmara. Em 13 de
maio a Princesa assinou a conhecida Lei Áurea.
Para Barman, se o Imperador estivesse no lugar da Princesa, talvez “pudesse ter
empregado seu prestígio e habilidade política para manobrar o governo [de Cotegipe] a tomar
uma atitude contra a escravidão”206. E dessa maneira poderia ter mudado o curso dos
acontecimentos. Porém, a história não permite suposições. E a abolição como se procedeu,
levou à ira dos fazendeiros, principalmente da decadente região do Vale do Paraíba do Rio de
Janeiro, e suas filiações ao Partido Republicano, segundo o historiador, na esperança de, com
a mudança do regime conseguir a tão sonhada indenização.
204
BARMAN, R. J. op. cit. p. 459.
205
BARMAN, R. J. op. cit. p. 461.
206
BARMAN, R. J. op. cit. p. 481.
69
Essa nota é exemplar também para compreender como o historiador construiu seu
personagem nessa biografia. De Imperador Cidadão ou cidadão-modelo, precursor de ideais
de progresso e civilização, D. Pedro II chegou ao fim de sua vida e do seu reinado,
envelhecido, sem saúde e não conseguindo acompanhar e aceitar as mudanças que ele mesmo
precipitou décadas antes. Para o historiador ele foi sim, “esmagado pela pedra”. De sábio
soberano, transformou-se no “Pedro Banana” dos jornais da corte.
É nítido o distanciamento do monarca na questão da abolição em seu processo final.
No fim do tráfico, foi importante ao dar apoio e sustentar o Gabinete que aprovou a lei. De
grande responsável pelas primeiras discussões emancipacionistas na década de 1860, e
impaciente para que a lei (do Ventre Livre de 1871) que previa o início do fim da escravidão
fosse decretada, passou a mero expectador da aprovação das leis abolicionistas na década de
1880, sendo inclusive, muito criticado devido à extrema moderação da lei dos sexagenários.
Visivelmente a opinião pública internacional em muito contribuiu para o soberano
tomar medidas em prol da causa. Evitar novos incidentes com a Inglaterra, o fim da
escravidão nos EUA em 1865, a Espanha aprovando legislações buscando também o seu fim
na mesma década, a pressão da Junta Emancipatória Francesa. Tudo isso podemos ver no
207
TAUNAY, In: BARMAN, R. J. op. cit. p. 493.
208
BARMAN, R. J. op. cit. p. 562.
70
livro como fundamental para aprovação das legislações. Esta é uma obra ímpar para visualizar
a importância da pressão externa sobre D. Pedro II, maior até mesmo que a interna.
É possível chegar à conclusão de que para Barman, D. Pedro II era um defensor do fim
da escravidão. Seu amor às ciências, progresso e civilização, que marcaram o século XIX e
são os valores que podemos perceber para sua contrariedade ao trabalho escravo. Fora que
seria naturalmente uma evolução pela qual o país passaria. No entanto seria necessário chegar
a esse resultado sem passar por grandes rupturas. Mais uma vez, a cautela nas reformas era
muito importante para o Imperador e por isso perdurou quase quarenta anos entre o fim do
tráfico e a libertação dos escravos no Brasil.
seu Imperador. As barbas são apenas um dos vários símbolos de representação desta
teatralidade política de D. Pedro II.
Vejamos como ela nos permite observar sobre o papel de D. Pedro II no processo de
abolição da escravidão.
Para a antropóloga, assim que teve sua maioridade antecipada (aos 14 anos), D. Pedro
II constituiu uma figura decorativa no meio político nacional. Até o final da década de 1840,
ele “reinava, mas de fato, não governava”209. Apenas ao final desta, começou a se inteirar dos
assuntos do Estado, e enfrentar seus primeiros desafios.
Schwarcz descreve que em torno de si o monarca organizou uma burocracia (os
“bacharéis”) e com o apoio dos Conselheiros conseguiu ditar as regras do jogo político. Com
a demonstração de “fragilidades dos dois partidos [liberal e conservador]” foi possível ver “as
potencialidades de intervenção de d. Pedro II”210. A ausência de “centralidade absoluta do
Estado e do imperador” é fato, porém a autora não refuta que o Imperador “cada vez mais,
reinará, governará e se tornará, aos poucos, uma espécie de fiel da balança” 211, inclusive
utilizando do seu poder moderador.
Conscientes da relação de D. Pedro II e o poder, descrita por Schwarcz, vejamos então
como ele procedeu na questão da abolição da escravidão.
É possível verificar que dissimulação e ambiguidade eram marcas da personalidade
política do Imperador:
Essa passagem deixa claro o “corpo mole” que o monarca fez em relação a este tema
tão caro ao seu reinado. Schwarcz afirma ainda que ele “vivia mais para representação pública
do que para si próprio”213. Manter e consolidar a imagem que ele vendia de si e do país para o
estrangeiro era mais importante do que os problemas reais do Brasil. A imagem que o
209
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 88.
210
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 118.
211
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 119-120.
212
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 324.
213
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 379.
72
Portanto, era necessário preparar essa transição. Mas na realidade o que se assistiu foi
o fim do tráfico, sem grandes alterações fundiárias no país.
Outra medida que o governo tentou implementar ao final deste comércio foi o
incentivo à imigração europeia, como substituto do trabalho escravo. Enquanto essa política
ficou na mão da iniciativa privada ela demonstrou-se um fracasso. Ao ser política do Estado, e
financiada por ele, começou-se a ver certo êxito. Além de servir como substituição da mão de
obra, atendia a outros interesses do governo imperial:
(...) o Império não só mudava sua imagem, como “se branqueava” com a
introdução de suíços e alemães que se dirigiam às fazendas de café. Afinal,
apesar do iminente fim da escravidão, não era possível esquecer o receio que
pairava nos meios científicos do “futuro de um país de raças mestiças”,
214
No capítulo “Um monarca nos trópicos”: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Imperial
de Belas-Artes e o Colégio Pedro II, Schwarcz descreve sucintamente o processo que levou o elemento indígena
a representar a nação e a invisibilidade do escravo. Ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 125-158.
215
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 415.
216
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 101.
217
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 102.
73
Nada mais agressivo para um monarca que queria fazer de sua corte “uma
Paris do sol” e para imagem pública desse Império desenhado sob o signo da
civilização europeia, nuançada apenas por um colorido tropical, destacado
romanticamente pela vegetação e pela população indígena221.
218
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 103.
219
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 306.
220
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 306.
221
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 314.
222
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 314.
74
223
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
224
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
225
Em outras biografias retratamos a respostas do imperador à junta. Achamos melhor não colocarmos no corpo
do texto. Mas a biógrafa traz uma versão diferente dessa resposta, retirando da biografia escrita por Heitor Lyra:
“A emancipação dos escravos, consequência da abolição do tráfico, não é senão uma questão de forma e de
oportunidade. Quando as circunstâncias penosas (...) em que se encontra o país permitirem, o governo brasileiro
considerará objeto da primeira importância a realização daquilo que o espírito do Cristianismo há muito reclama
do mundo civilizado”. Dá a entender na obra que a resposta teria sido enviada pelo próprio imperador, e não por
um ministro. Apesar de manter o teor das outras versões, está mais ampla. Ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p.
315.
226
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
75
227
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 315.
228
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 320.
229
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 416.
230
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
231
O Partido Liberal em 1884 e o Conservador em 1888, ver SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
76
abolição imediata. Ela era feita mesmo sem um aspecto legal. Particulares começaram a
alforriar em massa seus escravos e muito dos cativos simplesmente fugiram da escravidão.
Para “Isabel e seus conselheiros a única saída era se antecipar ao inevitável”232. Em 13 de
maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, a abolição foi feita legalmente.
O Treze de Maio redimiu 700 mil escravos, que representavam, a essa altura,
um número pequeno no total da população, estimada em 15 milhões de
pessoas. Como se vê a libertação tardou demais, e representava o fim do
último apoio da monarquia: os fazendeiros cariocas da região do Vale do
Paraíba, os quais se divorciaram de seu antigo aliado233.
Apesar de ter sido aclamada a Lei Áurea como um “vitória do governo imperial”,
pareceu na realidade, “o último grande ato da monarquia”234.
Mas cadê nosso personagem no momento mais importante do processo abolicionista e
de “júbilo” da monarquia? Encontrava-se ausente, mais uma vez em um momento decisivo.
Devido ao agravamento do seu quadro, o monarca só ficou sabendo do fim da abolição
no dia 22 de maio em Milão. As palavras credenciadas a ele, tais como “Grande povo, grande
povo!”, é refutada pela antropóloga, que argumenta parecer mais “uma peça de cultura
política do que um comentário daquele que, durante pelo menos cinquenta anos, teria
convivido – apesar de sempre dizer contrário – com a escravidão”235.
Citamos para finalizar, um parágrafo que muito se assemelha a uma analogia que Lídia
Besouchet fez em sua biografia236, e que muito caracteriza o advento do fim da escravidão e a
situação tanto da saúde do monarca quanto da monarquia:
232
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437.
233
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 437-438.
234
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 438.
235
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 442.
236
Essa biografia será analisada adiante.
77
237
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 443-444.
238
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 323.
78
239
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 10
240
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 10.
241
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 9.
79
242
Ver CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
243
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 130-131.
244
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 131-132.
245
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
80
entre nós”. O casal de cientistas descreveram em diário de viagem que “se o seu poder [do
Imperador] igualasse sua vontade, a escravidão desaparecia do Império de um só golpe”246.
O início da guerra contra o Paraguai trouxe o adiamento da discussão sobre a matéria.
Porém durante o conflito, o monarca, em uma carta para a Condessa de Barral em 1866,
demonstrou sua posição diante do tema:
246
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
247
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 132.
248
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 133-134.
249
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 134.
81
250
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 134-135.
251
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 136.
252
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 187.
82
O processo que culminou na aprovação da Lei dos Sexagenários em 1885 teve mais
uma vez a presença do monarca, porém, de forma mais tímida. Ela motivou a revolta dos
abolicionistas contra o Imperador, pois foi branda e conservadora demais.
O projeto inicial proposto por Dantas foi modificado na medida suficiente para atender
os interesses dos escravocratas: a inclusão do princípio indenizatório. Mais uma vez um
conservador fez passar uma lei abolicionista: o barão de Cotejipe. Não deixou de haver
críticas dos escravocratas à lei também. Novamente, para o historiador, o imperador foi o
responsável pela medida.
Carvalho relata a disseminação do movimento abolicionista na sociedade brasileira a
partir deste momento, e a pressão para que se pusesse fim à escravidão de forma imediata.
Paradoxalmente, entra neste momento na biografia do historiador, explicações para as
ausências do monarca, no período mais efervescente do processo abolicionista. D. Pedro II sai
de cena.
Devido a uma viagem do casal Imperial à Europa, motivada por problemas de saúde
do monarca, entra em cena Isabel, a Princesa Regente, que neste momento parece ter tomado
as atitudes de uma verdadeira Imperatriz. Segundo o próprio Carvalho, “dessa vez, a princesa
não manteve a postura discreta que adotara nas suas primeiras regências. Revelou-se
agressivamente abolicionista”254. Pressionou Cotejipe para por fim a escravidão, e com a
negativa deste, conseguiu trocá-lo por João Alfredo que fez passar a Lei Áurea no
Parlamento, em 13 de maio de 1888.
D. Pedro II ficou sabendo da notícia na Itália, onde se encontrava de cama devido à
piora da diabetes. Quando lhe contaram da notícia, segundo Carvalho, sua reação foi
“balbuciar „Grande povo! Grande povo!”. Ao retornar em agosto para o Brasil, foi recebido
com festas, até mesmo por aqueles que ajudariam a derrubá-lo menos de um ano depois.
Neste processo final, temos a impressão de um D. Pedro distante, doente,
desinteressado pela política nacional. Apesar de o historiador estar sempre ressaltando o
253
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 189.
254
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 188.
83
abolicionismo do monarca, parece, estranhamente, algo menor para ele neste momento. E
neste ponto percebe-se o drama sendo evidenciado na obra.
Finalizando, nesta obra de José Murilo de Carvalho, jamais perdemos a visão de um
monarca ilustrado, e por isso, abolicionista. Não há fartura nas motivações imperiais para o
fim da escravidão, mas conseguimos visualizar em cartas transcritas pelo historiador na
biografia, o posicionamento, mesmo que pessoal, de D. Pedro II em relação ao tema.
Podemos dividir dois imperadores nesse processo abolicionista ao analisar a obra. O
primeiro, um entusiasta. Apoiou o fim do tráfico negreiro. Pressionou o Parlamento para criar
leis abolicionistas, preocupado, primeiramente, com a pressão britânica para por fim ao tráfico
negreiro e posteriormente com a repercussão da Guerra da Secessão norte-americana e com a
formação do exército brasileiro na guerra contra o Paraguai. Habilidoso nos tratos políticos
para que fossem aprovadas as leis que pôs fim ao tráfico de escravos e do Ventre Livre,
tentando, no entanto, não demonstrar os seus interesses nesta aprovação. Isso nos idos das
décadas de 1850, 1860 e 1870.
No fim do processo abolicionista, presenciamos um segundo Imperador, distante e
desinteressado. Parece que nem governava mais quando da aprovação da Lei Áurea. O seu
abolicionismo não sumiu, defende Carvalho. É possível, mas não vemos mais ele aparecer em
sua obra.
Interessante e intrigante é que ficou nas mãos da Princesa Isabel a assinatura das
principais leis abolicionista, tanto a do Ventre Livre quanto a Lei Áurea.
“Todas as medidas abolicionistas foram aprovadas na Câmara graças à pressão da
Coroa”255. Essa é a visão do historiador para com o processo abolicionista brasileiro, e o papel
do monarca foi, providencialmente, de fazer pressão.
255
CARVALHO, J. M. op. cit. p. 189.
84
D. João VI, D. Pedro I além do seu Pedro II e o seu destino, publicado em 2004 pela Editora
Forense256.
Paulo Nogueira vê-se levado a escrever essa biografia para tentar, ao menos, decifrar
um pouco desse “mito indecifrável” chamado D. Pedro II. Busca posicionar seu personagem
em perguntas que para o biógrafo, não estão ainda respondidas:
256
Paulo Napoleão: Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro do Instituto de Geografia e
História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. A Editora Forense é especializada
em publicações na área jurídica.
257
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. Pedro II e o seu destino. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. VIII.
258
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. X.
85
Nesta visão, podemos ver o Imperador como uma espécie de conselheiro maior,
inspirador, juiz de valores. Participava sempre do Conselho de Estado, segundo Napoleão
Nogueira, porém apenas para dar conselhos e sempre deixava para o governo tomar as
devidas decisões. No entanto, devido o “prestígio pessoal do Imperador como dinasta e como
Chefe de Estado, permita-lhe muito influenciar”260.
Para o biógrafo, D. Pedro II não foi um governante, mas sim um “inspirador e
corregedor dos governos” e por isso mesmo “na maior parte das vezes acatado, em algumas
outra, não”. Por fim, “a marca de sua atuação permaneceu indelével na História, até os dias
atuais”261. Neste ponto vemos claramente a modelagem pela qual passa D. Pedro II por essa
obra. A grandeza do Estadista fazia do Estado um local ético e estoico.
É importante descrever essa visão do biógrafo. Afinal, diante desse posicionamento,
não podemos esperar um monarca que governou diante de interesses abolicionistas ou
escravistas. No máximo, veremos um monarca corregedor de governos, e que tomou atitudes
de Estadista na busca de corrigir erros que os governos cometeram. Partimos então para a
questão da abolição.
O capítulo “A Escravidão” é destinado a apresentar a relação do monarca com o tema
e descrever o seu papel no decorrer do processo abolicionista. Inclusive, trazendo maiores
informações sobre a abolição do que propriamente da escravidão.
Logo no primeiro parágrafo do capítulo presenciamos o que Napoleão Nogueira irá
nos informar sobre essa relação de D. Pedro II com a escravidão:
Amamentado por uma escrava junto com o filho desta, brincando com um
menino escravo no caminho entre a Fazenda de Santa Cruz e São Cristóvão,
Pedro II era pessoalmente igualitário, custava-lhe aceitar o instituto jurídico
da escravidão. Tinha presente, também, que seu tetravô Dom José I de
Portugal abolira a escravidão no território português, e só não pudera fazê-lo
259
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 2-3.
260
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 4.
261
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 6.
86
264
D. PEDRO II apud NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
265
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
88
O que até o prezado momento era apenas uma suposição, Nogueira afirma
categoricamente: foi das mãos do Imperador que se desenhou a lei do Ventre Livre.
Infelizmente sem comprovação de fontes.
266
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 149.
267
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 150.
268
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 152.
269
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 151.
270
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
89
Diante das aprovações da Lei Eusébio de Queiróz, do Ventre Livre e dos Sexagenários
o fim da escravidão era uma questão de tempo. Não entraria mais, desde 1850 escravos no
país. Os filhos nasceriam livres e os maiores de sessenta e cinco anos também teriam sua
liberdade. Diante desse quadro, para o autor, a Lei Áurea “só veio atender os reclamos – como
ainda hoje, quase sempre idealísticos e pouco práticos – das classes intelectuais”271. O
necessário, do ponto de vista prático, para Nogueira, o Imperador o fez com a aprovação
destas primeiras três leis abolicionistas, a quarta (a Lei Áurea) foi somente caprichos de
intelectuais, nada práticos e muito idealísticos. O monarca “labutou nos limites máximos que
lhe eram permitidos, para extinguir a escravatura; e, teve sucesso nessa empreitada”272.
Entre as tantas afirmações polêmicas de Napoleão Nogueira nesta biografia de D.
Pedro II, mais uma apresenta-se. Segundo ele, além de trabalhar no limite para conseguir a
façanha de por fim a escravidão, o monarca conseguiu induzir o Visconde de Ouro Preto,
último Presidente de Conselho a elaborar um projeto que previa uma reforma agrária para
assentar os libertos:
Mais uma vez não temos informações de onde ele retirou essas informações, que seria
de grande valia para entender, neste caso, a relação abolição da escravidão e o fim do regime
monárquico. Trata-se de uma argumentação inovadora, que daria uma nova interpretação da
relação Coroa e escravidão. O que mais perto chegamos desse argumento, foi o exposto por
Jacob Gorender (vide capítulo 1), de uma suposta reforma agrária pretendida pelo monarca,
mas que ainda precisa de estudos para sua comprovação. Diferentemente da precaução
exposta por Gorender, Paulo Napoleão, ratifica esse posicionamento mesmo sem
comprovação.
Como vimos, e o autor reafirma, várias foram às vozes que se levantaram contra o
monarca pela sua demora em tomar atitudes que favorecessem o fim da escravidão. No
entanto a oposição e as ideias dos escravocratas eram importantes. Menciona também o
posicionamento escravista de Caixas, Olinda, Itaboraí, Zacarias, entre outros. Enquanto as
concepções abolicionistas eram de “jovens”.
271
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
272
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
273
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 154.
90
Não foi por outra razão que ele dissera, pouco antes de partir a Europa para
sua última viagem: “A abolição imediata não pode decretar-se sem outra
consulta que aos nobres e generosos sentimentos de coração, de que todos
participamos. É mister prepará-la, para que a liberdade repentina dos
escravos não prejudique profundamente grandes interesses que devem ser
respeitados”.
Em contrapartida, já dissera antes, referindo-se aos abolicionistas do grupo
de Joaquim Nabuco: “Ninguém deseja a abolição mais ardentemente do que
eu. Os primeiros a sabê-lo são os mesmos que, à frente do belo movimento
da emancipação, me atacam com tanta injustiça, acreditando que eu retardo a
hora mais feliz do meu reinado”274.
274
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 155.
275
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 155.
276
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156.
277
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156.
278
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 156-157.
91
Alega ainda que a permanência de um regime escravocrata por tanto tempo no país foi
devido a uma “má-cultura” e de status da classe senhorial:
O autor relata a importância que a cultura africana teve e ainda tem na formação de
uma cultura nacional. Menciona, inclusive, a relação cordial que o monarca manteve com a
mesma. Cita o exemplo do rei Oba II, que foi traficado pelo Brasil, mas quando aqui chegou
foi reconhecido pelos seus conterrâneos e com a ajuda deles conseguiu sua liberdade.
Segundo Napoleão Nogueira, D. Pedro II recebia-o sempre e o tratava com muita cordialidade.
Nesta biografia, Paulo Napoleão Nogueira da Silva enfatiza o abolicionismo de D.
Pedro II. Tal posicionamento se deve a índole, a relação com a escravidão desde a meninice, e
aos ancestrais do monarca, que deixaram para ele um legado abolicionista. Portanto, estava
traçado no destino desse personagem colaborar com o fim da escravidão em seu país.
O Imperador esteve por trás do movimento abolicionista todo o tempo, inclusive foi de
sua mão que se projetou a Lei do Ventre Livre. Mas fez o que pode dentro do limite de um
Chefe de Estado, e não como governante. O governo era responsabilidade do Poder
Executivo, portanto, dos ministros. E estes estavam encastelados junto à instituição da
escravidão. Por isso a demora em chegar ao fim do regime escravista.
A relação entre o monarca e os africanos era a mais cordial possível. Na obra parece
ser o monarca um dos primeiros a ver na sociedade brasileira uma “democracia racial”. O
autor defende o tempo todo seu personagem, e sempre trata de não tirá-lo do seu caminho, do
seu destino, que foi ser um grande Estadista brasileiro, cuja sua marca principal foi o seu
estoicismo, sua devoção a administrar o país.
A gaúcha Lídia Besouchet pode ser considerada uma ensaísta e escritora, muito
interessada em personagens do período imperial. Tanto que além da biografia de D. Pedro II,
também escreveu sobre a vida de Visconde do Rio Branco e Barão de Mauá. Apesar de não
ser historiadora, se interessava muito pela história do Brasil.
279
NOGUEIRA DA SILVA, P. N. op. cit. p. 157.
92
Importante ressaltar que ela e seu marido, Newton Freitas, foram exilados pela
ditadura do Estado Novo de Vargas. Foi no exílio que maior parte de suas obras foram
escritas. Apesar de não se atentar aos rigores metodológicos da escrita da história, sua obra é
importante, pois utiliza de biografias de intelectuais e estadistas que foram interlocutores do
Imperador e também se utiliza de biografias anteriormente publicadas, como a de Heitor Lyra.
A primeira versão de “Pedro II e o século XIX” foi publicada em 1975. A versão que
utilizamos é a de 1993. Consta que há certa (e importante) diferença entre as duas versões280.
Lídia Besouchet se preocupou na segunda versão em anexar as notas de rodapés, sendo
possível com isso, atentar-se a documentação que ela utilizou para construir a biografia do
segundo Imperador do Brasil.
Ela busca localizar, primeiramente o monarca e, ao fundo, o Brasil no mundo do
romantismo do século XIX. O pano de fundo de sua narrativa são os acontecimentos desse
século e o envolvimento do estadista com eles. Portanto, ela privilegiou e demonstrou grande
importância da cultura europeia para a consolidação não só do reinado de D. Pedro II, como
da nação Brasileira. Diante disso, fica claro que ela tomou a vida do Imperador como um
romance tipicamente do seu tempo histórico: o monarca como um paradigma da consciência
moral. E assim se modelou a sua biografia.
Intelectuais e estadistas do século XIX, principalmente aqueles que dialogaram com o
Imperador, são as principais fontes que Besouchet utiliza para (re)construir a trajetória do
monarca. Cartas trocadas, diários (tanto de sua personagem quanto de seus interlocutores) e
jornais foram seus principais documentos para essa jornada.
O monarca, para ela, era uma vanguarda nacional. Em uma passagem ela demonstra
admiração por sua personagem, tanto como soberano, quanto como homem:
280
Na biografia que Roderick J. Barman descreve essas diferenças. Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão.
São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 578.
281
BESOUCHET, L. Pedro II e o século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 13.
93
282
BESOUCHET, L. op. cit. p. 15.
283
BESOUCHET, L. op. cit. p. 16.
284
BESOUCHET, L. op. cit. p. 16.
285
BESOUCHET, L. op. cit. p. 108.
286
BESOUCHET, L. op. cit. p. 118.119.
94
André Rebouças era mulato, filho de negra. Besouchet procura evidenciar tal atitude
como exemplo dessa simpatia.
A Guerra do Paraguai trouxe grande preocupação ao monarca com relação à abolição.
Ela argumenta que os negros que lutaram na guerra foram libertados ao final dela. E o
Imperador tratou de organizar uma “comissão especial” para “estudar a fundo a questão”288.
Para a escritora, seria a primeira vez que D. Pedro II teria se comprometido, oficialmente,
com a causa. Porém ela não descreve os motivos que o levaram a tal impulsão.
Em outras biografias, e até mesmo em obras historiográficas que pudemos verificar no
capítulo anterior, a carta que a Junta Emancipatória Francesa enviou ao Imperador,
pressionando-o a tomar atitudes em relação à situação da escravidão, foi um dos motivos para
que, mesmo durante a guerra, ele começasse a dialogar com ministros e conselheiros,
possibilidades de solução para essa demanda.
Nesta obra, verificamos essa carta através dos despachos do conde de Gobineau,
representante de embaixada francesa no Brasil e amigo íntimo do Imperador. Segundo a
escritora, Gobineau teria repassado para o governo francês a mesma mensagem que o
Imperador havia enviado à Junta Emancipatória Francesa, ou seja, medidas para o fim da
escravidão era apenas questão de tempo. Ainda sobre o episódio, a escritora descreve que o
diplomata francês era defensor da abolição da escravidão, mas que compreendia a situação do
Brasil e principalmente, de D. Pedro II289.
Ao findar a guerra, surgiram novos transtornos e pressão ao Brasil com relação à
abolição da escravidão. O conde d‟Eu, comandante do exército brasileiro, concedeu a
liberdade da escravidão no Paraguai, quando este foi derrotado. Besouchet descreve que se
iniciou uma forte pressão, principalmente interna, sobre o governo brasileiro diante de tal
contradição: lutar e libertar os escravos vizinhos, porém manter a escravidão no país 290.
Aliás, para a escritora o final de década de 1860 foi de grande turbulência política.
Além da guerra, que causou grande desgaste ao Império, fatores externos colaboraram para a
287
BESOUCHET, L. op. cit. p. 632.
288
BESOUCHET, L. op. cit. p. 128.
289
BESOUCHET, L. op. cit. p. 169.
290
BESOUCHET, L. op. cit. p. 172.
95
Aponta ela para o “abolicionismo” da Princesa Isabel e seu marido, mas não ratifica
esse mesmo posicionamento por parte do Imperador. Besouchet explica a não explicitação do
291
BESOUCHET, L. op. cit. p. 188.
292
BESOUCHET, L. op. cit. p. 396.
293
BESOUCHET, L. op. cit. p. 396.
96
posicionamento de D. Pedro II em relação ao tema, devido, a um conflito interno que ele teria,
entre o ser “sensível” (romântico) e o ser “político”. Teria ele adotado a posição da
“consciência moral” do país em relação à abolição294.
A década de 1880 veio com o crescimento da campanha abolicionista, liderada
principalmente, por Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. A obra defende que D. Pedro II
tinha se convencido da necessidade de “eliminação progressiva da escravidão”295.
A ida de José do Patrocínio à França em busca de apoio na luta pela abolição e uma
carta de Victor Hugo, um dos maiores poetas do século XIX e por quem o Imperador
estimava muito, citando inclusive o monarca, trouxe certa repercussão no Brasil, aumentando
a pressão sobre a Corte. Diante de tal realidade, foi aprovada então a Lei dos Sexagenários. A
autora afirmar que mais de 120 mil negros, maiores de 65 anos, foram libertados por essa lei.
Dado este, um tanto quanto difícil de mensurar neste momento, e também não foi possível
apurar na historiografia levantada.
A escritora descreve que havia no Brasil um clima totalmente pró-abolição. Até
mesmo na classe política, “era bastante reduzido o número de políticos que encarava com
maus olhos a Abolição”296. Magistrados, religiosos, militares e vários fazendeiros (que
concederam alforrias em massa) estavam apoiando firmemente essa causa.
Devido à fragilidade de sua saúde, o Imperador esteve, segundo Besouchet, distante
das demandas do Estado no final da década de 1880. Estava ele, cada vez menos atuante, e
pouco se pode sentir da mão do monarca no desfecho da extinção do regime escravista.
É com uma analogia que Besouchet descreve a situação do Brasil e de seu Imperador
no final desta década: ambos estavam enfermos, porém cita a nação com os sintomas mais
graves. A aprovação da Lei Áurea em 1888, pondo fim à escravidão, destruiu a centralização
do poder, núcleo que unira “a elite, o povo, o clero e os militares”297.
O fim do regime escravo significou mais um alívio espiritual da camada dominante da
nação, do que de fato, a possibilidade de melhoria para os escravos: “O que se manifestou no
Brasil foi o desejo de cada um se redimir do pecado original, e não de redimir os escravos”298.
Na França um banquete foi organizado pelo Senador Vitor Schoelcher, com a presença
de vários políticos para comemorar a aprovação da dita lei. Este foi realizado somente em 10
de junho, portanto, quase um mês após o evento. A demora foi para esperar a reabilitação de
294
BESOUCHET, L. op. cit. p. 399.
295
BESOUCHET, L. op. cit. p. 449.
296
BESOUCHET, L. op. cit. p. 452.
297
BESOUCHET, L. op. cit. p. 492.
298
BESOUCHET, L. op. cit. p. 493.
97
D. Pedro II, que esteve muito mal na época. Porém ele acabou não comparecendo, mesmo
tendo melhorado. Enviou como representante o Príncipe Pedro Augusto. A escritora descreve
que o fato do monarca ser um rei de todos, inclusive dos contra a abolição, o fez declinar do
convite: “Desejava continuar Imperador de todos os brasileiros, quaisquer que fossem os
credos e as convicções políticas”299.
Percebe-se que apesar de chefe máximo do Estado brasileiro, o monarca aparece na
visão da autora, como pano de fundo de todos estes acontecimentos. Não conseguimos
visualizar a mão do Imperador neste episódio, ele foi receber a notícia somente no dia 22 de
maio, através de um telegrama lido pela Imperatriz, cuja sua única expressão fora: “Graças a
Deus!”300.
A notícia foi muito bem recebida e divulgada na Europa, que não deixava de prestigiar
o Brasil e o seu soberano por tal feito. Entretanto no país um grande vazio político tomou
conta. Besouchet defende que a abolição foi uma tentativa de resgatar o prestígio da
Monarquia, para não deixar essa atitude nas mãos dos republicanos. Mas a queda do regime
seria apenas questão de tempo, e o fim da escravidão apenas protelou o esperado.
Logo após o evento, os republicanos, encabeçados por Rui Barbosa, que defendia o
abolicionismo como um movimento popular, acusaram a Coroa de aproveitar essa
repercussão. Juntando-se a isso a dificuldade de audiência com o Imperador, devido a sua
enfermidade, ex- senhores de escravos passaram a somar nas fileiras republicanas.
Portanto, para Besouchet a abolição foi o golpe final na escravidão, mas também na
monarquia brasileira.
É evidente nesta obra a importância externa tanto nas convicções do Imperador quanto
na necessidade da abolição. O romantismo do século XIX impregnou o cenário brasileiro,
colaborando de forma sintomática para este desfecho.
Muito interessante é verificar a argumentação da escritora em torno da sobrevida da
Monarquia devido a aprovação da Lei do Ventre Livre. Ela contrapõe-se ao José Murilo de
Carvalho que viu neste episódio o divórcio entre o “rei e os barões”.
Mais uma vez percebemos a mão do Imperador para precipitar o movimento
abolicionista e também seu apagamento e distanciamento no momento decisivo.
Ratifica-se a importância da escravidão para a sociedade brasileira do século XIX e a
invisibilidade que se tentava (inclusive o monarca) impetrar à escravidão no país.
299
BESOUCHET, L. op. cit. p. 494.
300
BESOUCHET, L. op. cit. p. 499.
98
301
Ver BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012.; SCHWARCZ, L. M. As
barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
99
No próximo capítulo, ao analisarmos dos discursos das “Falas do Trono” entre 1841 e
1889, será possível verificar mais claramente como tais características cortaram estas
enunciações discursivas.
102
CAPÍTULO III
ANALISANDO OS DISCURSOS DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
NAS “FALAS DO TRONO”
302
Pedro Calmon Moniz de Bittencourt, formado em Direito, foi Diretor (1938-1948) e Reitor (1948-1966) da
Universidade do Brasil. Ministro da Educação e Saúde no Governo Dutra. Presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro de 1968-1985. Deputado Estadual e Federal pela Bahia. Foi professor de Direito
Constitucional na Universidade do Brasil e na Pontifícia Universidade Católica. E também professor de História
do Brasil do Colégio Pedro II. E segundo Arno Wehling foi dele a “primeira lei de proteção ao patrimônio
histórico e artístico”. Wehling argumenta que “ele próprio [Pedro Calmon] classificou em “literatura histórica””
à sua obra. Escreveu diversas obras sobre História do Brasil, e biografias sobre importantes personagens
imperiais: D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II. Ver WEHLING, A. Apresentação: Pedro Calmon e a História da
Civilização Brasileira. In: CALMON, P. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2002. p. 15-25.
303
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 7-8.
103
absolutamente precioso”, e “por ela perpassa o consolado júbilo da Abolição”304. Sendo este o
objeto principal do trabalho.
Como foi possível visualizar, tanto na historiografia, quanto nas biografias,
verificamos menções a esta documentação, mesmo que pontualmente. No entanto, em relação
ao papel de D. Pedro II na abolição da escravidão, maior ênfase foi dada as documentações do
Conselho de Estado, ou mensagens enviadas do Imperador para os seus ministros. As obras
do Ricardo Salles (capítulo 1) e a biografia de Roderick J. Barman (capítulo 2) exemplificam
isso.
A “Fala do Trono” mais utilizada e debatida, tanto pela historiografia quanto pelas
biografias, foi a de 1867, quando pela primeira vez, o monarca apresenta um posicionamento
favorável a uma legislação emancipadora. Teremos a oportunidade de verificar com maiores
detalhes esse discurso.
No entanto, uma análise do conjunto de discursos da “Fala do Trono” destacando a
questão da abolição da escravidão, não foi possível ser encontrada na historiografia e nem
mesmo nas biografias. O mais próximo de uma verificação mais ampla dessa documentação,
foi uma menção de José Murilo de Carvalho, quanto à repetição do assunto relacionado à
questão do trabalho nesses discursos, pois segundo ele em 56 “falas”, 34 trataram da oferta de
mão de obra305.
Diante disso, acreditamos que utilizando de certos referenciais teóricos, para ler de
forma eficaz essa documentação, será possível emitir novas ou ratificar visões sobre a relação
do Imperador sobre essa temática tão cara ao seu reinado.
Acreditamos que estes discursos significavam a “ponta do Iceberg” da política
Imperial. Veremos no decorrer do texto, que o momento de apresentação da “Fala do Trono”,
era também um dos símbolos da representação política da Monarquia Brasileira. Devido a
isso, o quão valioso era a sua enunciação, gerando constantes debates entre os ministros,
conselheiros e o Imperador.
Diante dessa importância, pensamos que ao analisar as “Falas do Trono”, poderemos
visualizar o que a elite política do Segundo Reinado e, principalmente D. Pedro II, quiseram
deixar transparecerem, ou até mesmo, silenciaram, em torno da abolição da escravidão.
Sendo assim, este capítulo apresentará a importância da cena para a enunciação da
“Fala do Trono”, assim como era construída e debatida as minutas destes discursos. Os
304
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 8.
305
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
104
Percebemos que a cena não está de forma ocasional ou passiva diante do que é discursado.
Ela é componente primordial para validar o que se discursa. Podemos pensar que se trata de
uma relação de interdependência entre a cena e o discurso. Sendo assim, a cena está para
legitimar o que se está discursando, tanto quanto o discurso está para legitimar a cena.
O ritual, como ele se procede, pretende dar sustentação aquilo que será enunciado.
306
Manteremos a menção as “Falas do Trono” ou mesmo “Falas” ou “Fala” entre aspas para designar os
discursos proferidos pelo Imperador nas sessões de abertura e fechamento das atividades parlamentares.
307
CALMON, P. Prefácio. In: SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o
ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 7.
308
MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 117.
105
Talvez não seja exagero do Pedro Calmon descrever a “Fala do Trono” como uma oração. A
forma como ela era preparada tentava-se imputar tal importância.
Segundo Roderick J. Barman, essa cerimônia de abertura do ano parlamentar era
“conduzida com notável pompa”. “Vestindo seu manto cerimonial com coroa e cetro, D.
Pedro II proferia a Fala do Trono, que relatava a condição do país e expunha o programa
legislativo do governo para a sessão vindoura”309. O historiador norte-americano nos descreve
parcialmente o objetivo do discurso e a cena em que ele seria realizado.
Lilia Moritz Schwarcz descreve que a “paramentação completa”, ou seja, a roupa de
“grande gala”, só deveria ser utilizada “nas festas cívicas: aniversários, Fico, juramento
constitucional, dia da Maioridade, proclamação da Independência e abertura e fechamento do
Parlamento”310. Esse traje de “grande gala” era caracterizado pelo “manto verde como a
nação, a coroa e a murça de penas de papo de tucano”, mais próprio a um monarca dos
trópicos311. Completamos essa paramentação com o descrito por Barman: a coroa e o cetro.
309
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 197.
310
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 90.
311
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 17.
106
312
SCHWARCZ, L. M. op. cit. p. 410.
313
BUARQUE, S. B. Capítulos de história do império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. s/n (anexo).
314
BUARQUE, S. B. op. cit. p. s/n (anexo).
107
Pois conforme argumenta Maingueneau, “a enunciação não é uma cena ilusória onde
seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um dispositivo constitutivo da
construção do sentido e dos sujeitos que aí reconhecem”315. Portanto, esse ritual/cena era um
dispositivo que construía sentido ao regime monárquico, e por ser reconhecido por isso, que
era alvo das charges do período.
Retornando aos responsáveis pela produção das “Falas do Trono”. Barman mais uma
vez nos auxilia. Ao mencionar e citar uma parte da “Fala do Trono” de 1867, para referir-se
justamente ao posicionamento da Coroa em relação a uma aprovação de legislação
emancipadora, ele argumenta:
315
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 50.
316
BARMAN, R. J. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 309.
317
BARMAN, R. J. op. cit. p. 331-334.
108
René Rémond ao descrever a História Política como uma história presente, explica a
importância de um projeto pluridisciplinar para a reorganização desse viés historiográfico, a
partir da segunda metade do século XX320. Uma das áreas do conhecimento que colaboraram
com esse projeto foi a linguística. O historiador Antoine Prost, no texto intitulado “As
palavras”, trouxe a importância de como este referencial precisa ser elucidado para certas
práticas historiográficas.
Para Prost, quando a ciência linguística a partir da década de 1960 se distanciou da
filologia, apresentou um quadro inovador que permitiu a aproximação da História dela.
Apesar de suas diferentes concepções, referimos neste caso às análises quantitativas e
qualitativas da análise do discurso, o historiador acredita que a (nova) linguística pode trazer
grandes contribuições ao trabalho do historiador:
318
CARVALHO, J. M. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 130-137.
319
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
320
RÉMOND, R. Uma História presente. In: _____. Por uma História Política. Rio de Janeiro, RJ: Editora
FGV, 2003. p. 29.
109
Esta colocação do historiador nos alerta para a seguinte situação: não podemos tomar
os textos como soberanos ou imparciais, e fazendo deles uma leitura transparente. Não há essa
ingenuidade nas construções discursivas. Ao contrário, os textos possuem certa opacidade,
causando dificuldades em sua leitura.
Um grande problema encontrado para a leitura e análise de textos, é que não podemos
reduzir as letras a signos dos signos. Os signos, para serem significados necessitam de uma
compreensão de sua semântica, e não apenas, sintática, como exposto por John R. Searle:
(...) a meu ver também é verdade que uma entidade pode ter uma
interpretação sintática somente se também tiver uma interpretação
semântica, porque os símbolos e os sinais são elementos sintáticos somente
em relação aos significados que possuem. Os símbolos precisam simbolizar
alguma coisa, e as frases precisam significar alguma coisa. Não há dúvida de
que os símbolos e as frases são entidades sintáticas, mas a interpretação
sintática exige uma semântica322.
Diante disso, precisamos compreender que esses signos podem possuir diferentes
significados se analisados em diferentes matrizes linguísticas e temporalidades. Este cenário,
portanto, nos coloca em uma delicada situação. É possível termos acesso ao significado real
dos signos? Michel Pêcheux, ao apresentar as possibilidades de apreensão do real, em
diferentes concepções de ciência, apresenta uma saída:
321
PROST, A. As palavras. In: RÉMOND, R. Por uma história política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV,
2003. p. 310-311.
322
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 191.
323
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 44
110
(...) não há “fato” ou “evento” histórico que não faça sentido, que não peça
interpretação, que não reclame que lhe achemos causas e consequências. É
nisso que consiste para nós a história, nesse fazer sentido, mesmo que
possamos divergir sobre esse sentido em cada caso. Isso vale para nossa
história pessoal, assim como para a outra, a grande História325.
324
CERTEAU, M. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 11
325
HENRY, P. A história não existe?. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Gestos de leitura. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2010. p. 47.
326
PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Gestos de leitura. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2010. p. 51
327
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 56.
328
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 56.
111
(...) encontra-se (...) um interesse pela maneira como os textos dizem o que
dizem: pelo como?, e não apenas pelo que?. As maneiras de falar não são
inocentes; para além de sua aparente neutralidade, revelam estruturas
mentais, maneiras de perceber e de organizar a realidade denominando-a.
Traem os preconceitos e os tabus por seus estereótipos ou silêncios330.
329
PÊCHEUX, M. op. cit. p. 59.
330
PROST, A. op. cit. p. 312.
331
PROST, A. op. cit. p. 309.
112
332
PÊCHEUX, M. In: MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP:
Pontes; Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 11.
333
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 11.
113
334
MAINGUENEAU, D. op. cit. p. 34.
335
SEARLE, J. R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos da fala. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 276-277.
336
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 232.
114
Foi possível verificar no discurso acima, como o monarca discorre sobre os principais
assuntos que, a Coroa, julga serem os mais importantes para nação neste momento (1867).
Vejamos como podemos ler e analisar essa construção discursiva.
O conceito de Background338 do John R. Searle, nos auxilia a compreender o motivo
pelo qual o monarca pôde realizar esta enunciação. Havia toda uma pré-disposição, garantida
por regras institucionais, para que pudesse emergir este discurso. Entre estas regras: o Brasil
ser, neste momento, uma Monarquia Constitucional, divida em quatro poderes (executivo,
legislativo, judiciário e moderador), sendo o Imperador Chefe de Estado e do Poder
Moderador. Sendo o legislativo compostos por deputados e senadores, eleitos de forma
censitária. Estes eram reconhecidos como representantes da nação. E havia na Constituição de
1824 a prerrogativa por parte do monarca, de abrir os trabalhos parlamentares, mediante o
pronunciamento de um discurso, através de um ritual, como visto acima, instituído como
“Fala do Trono”.
Esse conjunto de “práticas, habilidades, hábitos e atitudes” proporcionaram as
“condições necessárias” 339 para a realização deste discurso.
Outro importante fator que tem de se levar em consideração para se analisar um ato de
fala, é o repertório do indivíduo:
Por se tratar de uma condição sine qua non do trabalho de um historiador, verificar o
contexto histórico do objeto pesquisado, a preocupação com o repertório do indivíduo serve
mais como um alerta. Pois é fato inconteste, tomando o exemplo apontado por Searle, que não
podemos “explicar o comportamento do general Lee em função do medo do comunismo,
337
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 373-374. (grifos nossos).
338
Para uma rápida definição: “O Background é um conjunto de capacidades mentais não-representacionais que
permite a ocorrência de toda representação”. SEARLE, J. R. Intencionalidade. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 198.
339
SEARLE, J. R. Intencionalidade. 2a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.219-229.
340
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 182.
116
porque, até onde sabemos, Lee nunca ouviu falar de comunismo”341, esse seria um cuidado
tomado previamente pelo historiador.
Portanto, quando no discurso acima parece à sentença “sejam atendidos os altos
interesses que se ligam à emancipação”, não podemos explicar esses altos interesses a um
sentimento de igualdade racial, tais como discutidos no século XXI, pois sabemos que não
havia neste momento, nesta sociedade, esse tipo de convicção. Pelo contrário. Desenvolvia-se
nesta época uma teoria, baseando-se nas teses evolutivas e conhecida como darwinismo
social, que havia raças mais desenvolvidas do que outras diante de uma escala.
Para explicar quais são esses “altos interesses que se ligam a emancipação” é preciso
compreender o contexto histórico que este discurso está inserido. E a compreensão deste
contexto, auxiliará também em descobrir por que o tema elemento servil se encontra neste
discurso, neste momento.
Percebe-se que para entendermos a construção de um discurso, precisamos remetê-lo a
outra formação discursiva. Dominique Maingueneau denomina tal relação de
interdiscursividade. Trata-se de um conceito um tanto quanto problemático, e com diversas
definições. Buscamos verificar, nas definições do Maingueneau, a que melhor ler o objetivo
de pesquisa deste trabalho:
341
SEARLE, J. R. op. cit. p. 220.
342
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3a. ed. Campinas, SP: Pontes; Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1997. p. 119-120.
117
Por não deixar explicito o conteúdo desses altos interesses, o falante pressupõe que o
seu público ouvinte, tenha essa “informação fatual prévia” além da capacidade de “fazer
inferências”. E pelo fato das “Falas do Trono” serem direcionadas a um público ouvinte
específico, no caso os parlamentares, “augustos e digníssimos representantes da nação”, e
estarem eles envolvidos ao contexto da enunciação, a mensagem seria satisfatoriamente
compreendida.
343
ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 32.
344
SEARLE, J. R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos da fala. 2a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 50.
118
Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito
miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos
quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso
marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e
trajetos: todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações
sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo
tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (...) de deslocamento no seu
espaço: não há identificação plenamente bem sucedida, isto é, ligação sócio-
histórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma
“infelicidade” no sentido performativo do termo – isto é, no caso, por um
“erro de pessoa”, isto é, sobre o outro, objeto da identificação345.
Vejamos então como o tema da abolição da escravidão é retrado nas “Falas do Trono”.
345
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. 6. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 56-57.
119
Essa passagem explícita o que estava implícito na anterior, que o braço útil é o livre,
portanto o imigrante, pois o nacional já se encontra no país não precisando ser introduzido.
346
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 217. (grifos nossos)
347
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 227. (grifos nossos)
120
348
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 246. (grifos nossos)
349
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 248. (grifos nossos)
121
350
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 249-250.
122
351
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 253. (grifos nossos)
352
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 254. (grifos nossos)
353
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 259-260. (grifos nossos)
123
Espero igualmente que nesta sessão dotareis o país com uma lei, que
possa atrair ao Império colonos úteis e industriosos. Vós não podeis
deixar de apreciar a necessidade urgente desta medida354.
Quanto mais próximo chegamos da aprovação da lei que pôs fim ao tráfico de
africanos, mais presenciamos discursos que abordam a necessidade de braços, sejam eles
livres, úteis ou industriosos, e também de incentivo a colonização. Por outro lado, o monarca
pressionava para que medidas urgentes fossem logo aprovadas.
No discurso proferido pelo Imperador, em 1º de janeiro de 1850, ano de aprovação das
Leis de Terras e Eusébio de Queiroz, novamente a importância de braços para lavoura é
ressaltada:
354
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 264. (grifos nossos)
355
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 271-272. (grifos nossos)
124
lavoura, garantiria o desenvolvimento material da nação, era urgente. Somente essa receita
permitiria “alcançar a força e a grandeza a que tem destinado a Providência”.
Em nome de condições abstratas, a “força” e a “grandeza”, todos deveriam convergir.
A realidade se faz presente nessa abstração, forte o suficiente para quebrar resistências e fazer
mover a máquina do progresso. Abstração, ou melhor, esse ato de fala indireto, que mais uma
vez aparece, e podemos remeter a necessidade de uma lei anti-tráfico, na passagem “à vossa
consideração serão submetidas algumas propostas sobre estes e outros objetos, que são
reclamados pelos interesses do país”. Interessante como as palavras buscam projetar
realidades.
No encerramento do ano parlamentar de 1850, em 11 de setembro, D. Pedro II
descreveu a importância dos atos legislativos criados pelos parlamentares, no entanto não os
menciona:
(...) que tenham por fim acautelar as consequências que da falta de braços
possam provir à nossa produção quase toda agrícola, e que melhor consultem
o destino do exército e marinha, são urgente necessidades do presente e do
futuro. (...) A lei de 4 de setembro do ano passado tem sido vigorosamente
executada. A ela se deve principalmente o estado de quase extinção do
tráfico. Espero que continueis a coadjuvar o meu governo com todos os
meios que possam ser necessários para obstar a que reapareça ainda que em
pequena escala357.
356
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 277.
357
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 279.
358
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 282.
125
359
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 283.
360
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 287.
361
Vamos problematizar essa situação nas considerações desses discursos que retemos ao fim do tráfico
negreiro, no próximo tópico. Podemos adiantar que em certo sentido, a historiografia apresenta argumentação
contrária a esta: há neste momento uma abundante mão de obra escrava, devido intensificação do tráfico no
período pré-aprovação da Lei Eusébio de Queiroz.
362
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 291. (grifos nossos)
126
363
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
364
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 295.
127
Mas é recorrente nas “Falas” a ideia de criar projetos de colonização para atrair imigrantes e,
dessa forma, ocupar as terras devolutas.
Na abertura da assembleia em 3 de maio de 1855, percebemos que a questão do
combate ao tráfico, que demonstrava preocupação na “fala” anterior, parece caminhar para
sua completa cessação. É também visível a importância desse tema para a Coroa. Seja na
repetição, que veremos até 1857, ou até mesmo para ratificar o posicionamento de ver
acabado esse “criminoso comércio”. E se nesse discurso não há menção aos braços úteis, mais
uma vez a questão da colonização aparece:
365
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 300. (grifos nossos)
128
aparece a preocupação com o combate ao tráfico de africanos, que neste momento sofreu com
a tentativa de sua retomada:
Interessante notar que foi vigilância do governo, “auxiliada pela opinião pública”, que
conseguiu impedir o sucesso da retomada do tráfico. Nessa construção discursiva,
notoriamente a Coroa tenta imputar a sociedade não só o sucesso no combate ao fim do
tráfico, como também a responsabilidade de, estando consciente de seu mal, não aceitar o seu
retorno. O Imperador tira de si, o peso pelo fim deste comércio e jogar para a esclarecida
opinião pública.
A recorrente argumentação da necessidade de braços livres, que permeará ao longo
dos discursos da “Fala do Trono” no Segundo Reinado, também está na “Fala” de
encerramento, pronunciada em 20 de setembro de 1856. Novamente reaparece como
necessidade para o desenvolvimento do “comércio, indústria e agricultura”:
Recordo com prazer, e mais uma vez vos agradeço as acertadas medidas com
que promovestes a prosperidade da nação, durante a presente legislatura, e o
franco e eficaz apoio que prestastes ao meu governo. (...) O comércio, a
indústria e a agricultura vos devem especialmente os recursos e favores, que
com tanta solicitude concedestes para o desenvolvimento dos meios de
comunicação, e a aquisição de braços livres, duas das mais urgentes
necessidades do país367.
A última menção nas “Falas do Trono” sobre o fim do tráfico negreiro está no discurso
de abertura das atividades parlamentares, no dia 3 de maio de 1857:
366
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 305.
367
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 308. (grifos nossos)
129
Nesta última passagem sobre o fim do tráfico, o que percebemos é o governo, ainda,
batalhando para cessar completamente esse comércio. Esse fato nos demonstra o quão
poderoso era o tráfico neste momento da história brasileira, e o quanto enraizado estava à
escravidão nesta sociedade.
Como dissemos, permanece nos discursos das “Falas” por um longo tempo, a
necessidade de trazer “colonos úteis e morigerados”. Mudam-se as palavras, mas o teor não. E
destacamos que pela primeira vez nestes discursos, as palavras “progresso e civilização”
apresentam-se juntas. Elas serão muito utilizadas no período de discussões e debates em torno
da primeira legislação abolicionista, ou melhor, emancipacionista brasileira: a lei do ventre
livre. E relacionados a estes princípios enunciaram-se discursos que buscavam mudanças na
estrutura social, econômica e política brasileira neste século.
368
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 311-312. (grifos nossos)
130
Após 1857 há uma ausência de dez anos de discursos que envolvessem o processo
abolicionista, ou melhor, emancipacionista. Somente em 1867 é retomada a discussão. Essa
situação converge com o exposto pela historiografia e biografias, que após o fim do comércio
negreiro, o que se buscou na política imperial foi o silêncio em torno desse tema.
No recorte temporal de 1867 a 1872 visualizamos discursos que buscam discutir, ou
melhor, enunciar a necessidade de aprovação de uma legislação emancipadora. Vamos à
análise.
“Fala” da abertura da assembleia geral de 22 de maio de 1867:
369
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 374. (grifos nossos)
370
NABUCO, J. In: CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras:
a política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
131
Merece destaque a enunciação de certas palavras neste discurso. Não se fala em fim da
escravidão e nem mesmo utiliza-se a palavra escravo. Estas são trocadas por “elemento
servil” e sua “emancipação”371. A escravidão e o escravo, em certo sentido, se obscurecem
nessa enunciação.
Interessante ver que certas palavras conseguem projetar realidades. Os altos interesses
são exemplo disso. São em nome destes, não mencionado no discurso, que se buscavam
reformas que levassem a emancipação, e não em nome da situação de escravidão que vários
homens e mulheres viviam. E como podemos perceber, mais uma vez vem acompanhada
destas discussões a necessidade de “promover a colonização”.
Abertura dos trabalhos parlamentares em 9 de maio de 1868:
Este trecho não traz nenhuma novidade em relação à temática que buscamos. Porém,
ressaltemos alguns pontos. Novamente aparece a preocupação do monarca em relação à
emigração, onde ele “reclama especial solicitude”. E mais uma vez a construção discursiva é
estruturada de forma que primeiro aparece à solução (a emigração) e depois o problema que
deve ser solucionado (o elemento servil). Apesar de não ser uma construção generalizada,
inclusive no último discurso a questão da colonização vem posteriormente, mas como vimos
em outros discursos, por várias vezes repete-se essa estrutura.
Remetendo-se ao discurso anterior, percebemos que a emancipação deveria vir “sem
abalo profundo”. Como verificado nos capítulos anteriores, algo marcante no reinado de D.
Pedro II é a prudência e moderação nas reformas por ele indicadas. A Coroa demonstra a
necessidade de se trazer trabalhadores para a indústria nacional antes de pôr fim ao regime de
trabalho em execução. Isso é atender aos interesses da classe dominante diante dos altos
interesses da emancipação. Pode-se pensar que esses altos interesses não visualizavam o
negro como trabalhador, e sim como um escravo, uma propriedade. Afinal, se eles fossem
vistos de outra maneira, haveria necessidade de se preocupar com a falta de braços?
Vemos que o governo imperial estava por trás e com interesses na emancipação. Pois,
segundo as palavras pronunciadas pelo monarca, ele iria propor um projeto de lei
371
No primeiro capítulo trouxemos as definições de “emancipação” e “abolição” discutidas por Jacob Gorender.
372
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 380. (grifos nossos)
132
Quais seriam essas “reformas que urgentemente reclama vossa legislação”? Não
sabemos de forma clara, mas não é difícil supor que, diante das construções historiográficas e
biográficas, travava-se neste momento uma longa batalha para aprovação de uma legislação
emancipadora. Apesar de mais uma vez utilizar de um ato de fala indireto, ao enunciar essa
necessidade, o monarca pressionava os parlamentares e demonstrava o seu posicionamento.
A também tão discutida “Fala” de Abertura da assembleia geral de 1870, pronunciada
em 6 de maio, como vimos anteriormente, não possui menção a necessidade de uma
legislação emancipadora, no entanto, refere-se mais uma vez a necessidade de braços livres,
deixando claro, não ser o braço escravo o responsável para desenvolver moral e
materialmente o Império:
373
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 391. (grifos nossos)
374
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 393. (grifos nossos)
133
Percebemos que a palavra progresso reaparece e, neste momento, a projeção que ela
efetua está muito próxima da expressão desenvolvimento moral e material que vem se
repetindo.
Não havíamos nos atentado para uma palavra que também aparece repetidamente
nestes discursos: patriotismo. Recorrente, ela buscava legitimar o trabalho dos parlamentares
ou a importância da classe proprietária em relação ao sucesso da introdução de colonos, como
pode ser visto acima. Podemos verificar que tal palavra tinha como objetivo também fazer
pressão a estes personagens. O apelo a esse sentimento patriótico faz sentir, pois é necessário
se concluir os trabalhos que a “nação mais instantemente reclama”. Diante dessa construção
discursiva, a nação parece ganhar vida e poder de fala, afinal ela reclama do que ela precisa.
A palavra nação ganha um sentido unificador, levando a entender que esses trabalhos
contemplarão a todos que fazem parte dela, afinal tranquilizarão “todos os justos interesses,
satisfarão vitais necessidades de nossa ordem social”.
Esse texto é emblemático, pois evoca todos os motivos que tende a levar a aprovação,
no ano seguinte, de legislações que colidem aos justos interesses e a ordem social da nação.
Um destes trabalhos que deveriam ser concluídos nas próximas sessões é a Lei do Ventre
Livre. Chegamos então à conclusão que libertar os filhos das escravas é reclamação da nação,
uma forma de manter a ordem social, além de ser um justo interesse. Claro, somente
relacionando essa construção discursiva com outras formações discursivas, utilizando o que
Maingueneau nomeia de interdiscursividade, é que podemos chegar a essa consideração,
diante de mais um ato de fala indireto.
Mais uma vez apela-se a aspectos econômicos, patrióticos e religiosos para se aprovar
legislações. E estamos falando de um monarca pronunciando-se para os seus parlamentares, e
que eram em sua maioria, sua nobreza.
A “Fala” de abertura da assembleia geral de 3 de maio de 1871, provavelmente seja,
uma das que mais diretamente o monarca se posiciona em prol de uma legislação
emancipacionista em quarenta e oito anos de enunciações da “Fala do Trono”:
375
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 395. (grifos nossos)
134
376
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 397. (grifos nossos)
135
O governo fará quanto lhe cumpre para a mais pronta e perfeita execução de
tão importantes reformas, dedicando-lhes a mais solícita atenção377.
Este discurso foi proferido pela Princesa Isabel, pois D. Pedro II viajava para a
Europa. A “extinção gradual do elemento servil” nos levaria a uma “nova era no progresso
moral e material”. Aqui vale uma análise. Como a linguagem é tão representativa em nosso
mundo. Primeiro: um documento, com algumas palavras leva a uma legislação que deverá ser
cumprida por todos. Segundo: essa lei que está materializada em um papel com alguns
escritos, possui o poder de levar a uma nova era de progresso tanto moral quanto material.
O discurso projeta valores inimagináveis em práticas reais. Quando um papel poderia
alterar e até mesmo apagar, todo um passado que denegriu a moral do país? E como este
mesmo concederia o progresso material de uma nação? O texto, ou melhor, o discurso tem
esse poder de em um pedaço de papel sintetizar o pensamento de uma época através de uma
pessoa. Ou como colocado por John R. Searle:
Para finalizar a análise deste discurso, a Princesa evoca que além da “vontade
nacional”, a Lei do Ventre Livre era inspirada pelos mais “elevados preceitos da religião e da
política”. Portanto, ela deixa claro, que tanto a religião quanto a política via, neste momento, a
escravidão como sinônimo de inferioridade, pois nos mais altos preceitos ela não se
encontrava. É o buscar a civilização.
“Fala” de Abertura da assembleia geral em 3 de maio de 1872:
377
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 401. (grifos nossos). Pronunciamento feito
pela Princesa Isabel, regente, pois seus pais viajavam pela Europa.
378
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 279.
136
379
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 403. (grifos nossos)
137
Presenciamos nova a ausência do objeto principal deste trabalho nas “Falas do Trono”
por um longo período. No ano de 1872 presencia-se a última menção neste espaço, sobre
questões emancipacionistas. Somente 1883 ele reapareceu. E até o final da Monarquia, em
1889, presenciamos a intensificação da menção à temática nas “Falas”. Inclusive palavras que
até o prezado momento não se apresentavam diante desse tema, serão enunciadas, entre elas:
escravidão. O crescimento do movimento abolicionista e das libertações, por iniciativa dos
senhores ou dos próprios escravos, provavelmente influenciaram as mudanças das estratégias
discursivas das “Falas do Trono”.
Vamos à análise.
“Fala” de abertura dos trabalhos parlamentares de 1883, no dia 03 de maio:
Mais uma vez a solução para o problema da extinção do elemento servil, neste caso a
imigração, aparece anteriormente ao problema que deve ser resolvido. Ratificamos que essa
estrutura discursiva se não é regra, a sua proliferação pelos discursos do Imperador demonstra
uma estratégia para amenizar o efeito de um discurso pró-emancipação.
As palavras utilizadas nessa passagem são muito esclarecedoras e nos fazem visualizar
o cenário político da época e a situação da escravidão nesta esfera. A “gradual extinção do
elemento servil” encontra-se perdida e esquecida. Por isso as palavras de D. Pedro II
buscavam que os seus parlamentares procurassem-na e não se esquecessem dela. É bem
característico esse texto, se pensarmos que durante onze anos não houve se quer uma menção
a essa questão. Mas quem se esqueceu dela, não foi somente os parlamentares, mas a própria
Coroa, que não mencionou o tema em seus discursos por longo tempo.
Podemos perceber também, que neste discurso o monarca incentivava a “iniciativa
individual”, e faz isso se baseando na Lei do Ventre Livre, ou lei de 28 de setembro de 1871.
380
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 475-476. (grifos nossos)
138
381
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 480-481. (grifos nossos)
382
GORENDER, J. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990. p. 153
383
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política
imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 315-316.
139
384
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 485-486. (grifos nossos).
140
como vimos anteriormente, a construção discursiva está condicionada ao seu tempo histórico,
as regras institucionais e também dos fatores sociais:
385
SEARLE, J. R. Consciência e Linguagem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 245.
386
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de
1889. São Paulo, SP: Edições Melhoramentos, 1977. p. 486-487.
141
A lei referida trata-se da conhecida Lei dos Sexagenários, que previa a liberdade dos
escravos com idade de 65 anos acima, e a fixação de valores dos escravos por idade. Percebe-
se uma rápida menção a essa legislação, com intuito de demonstrar a sua execução.
E importante sinalizar, que mais uma vez o governo faz aprovar uma legislação
emancipadora, e manter o projeto de uma extinção gradual da escravidão. Até a prezada data,
não se verifica nestes discursos, e pelo que foi possível visualizar nos dois primeiros
capítulos, nem mesmo na historiografia e nas biografias, uma ideia, concepção ou projeto de
abolição imediata, por parte da Coroa.
A maior preocupação está na “questão da introdução de imigrantes”, algo rotineiro nos
discursos das “Falas do Trono” a partir do final da década de 1870. Interessante é que vincula,
ou melhor, “prende-se” a lei de 28 de setembro de 1885 essa questão da mão de obra
imigrante. Não há um projeto ou menção a utilização dos negros libertos como trabalhadores
agrícolas, e sim a necessidade de introdução de outra mão de obra. Parece ser a ideia de o
governo substituir o trabalhador (o negro pelo imigrante) e não apenas o regime de trabalho (o
escravo pelo livre).
Uma última menção a este discurso é sobre a necessidade colocada pelo monarca de
revisão da Lei de Terras. Essa argumentação apareceu em vários discursos na década de 1870
e permaneceu até o final da década de 1880. Apesar de não ser objetivo direto deste trabalho,
mas é no mínimo curioso, que em um momento que se discute o fim da escravidão e a
substituição do modelo de trabalho, também são requisitados pelo Imperador mudanças na
legislação de terras.
O discurso de abertura do ano parlamentar de 1887, no dia 03 de maio, foi lida pelo
Barão de Mamoré devido a questões de saúde do Imperador. É o único momento que o
monarca estando no Brasil, não realiza a leitura da “Fala do Trono”:
387
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 491-493. (grifos nossos)
142
Mesmo sem ter os dados das matrículas dos escravos, o discurso da Coroa aponta para
a diminuição do número de cativos do Império. E o resultado dessa diminuição deve-se “às
medidas legislativas” e aos “sentimentos humanitários dos brasileiros”. Como era de se
esperar, não consta o desejo de liberdade dos escravos e sua luta por ela, que segundo parte da
historiografia, foi de suma importância para arrancar das autoridades a abolição final. O fato
de constar neste discurso os responsáveis por esse sucesso, pode ter sido uma estratégia para
diminuir o impacto do abolicionismo popular e ratificar que seria na política e entre os
particulares o caminho para o fim da escravidão.
As necessidades de se promover a imigração e colonização, como também reformar a
Lei de Terras, acompanha o sucesso das medidas legislativas em relação ao gradual fim da
escravidão. Na estrutura deste discurso, primeiro se afaga com a iminente queda do número
de escravos para depois demonstrar a preocupação com medidas que visem à substituição do
trabalho escravo.
A “Fala do Trono” de abertura do Parlamento no dia 03 de maio de 1888, pronunciada
pela Princesa Isabel devido à viagem por motivos de saúde do Imperador à Europa, assim
como no discurso anterior, projeta o fim próximo da escravidão:
388
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 497-498. (grifos nossos)
143
tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos
auspiciosos destinos389.
A dez dias da aprovação da Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil,
percebemos que a entonação do discurso desta “Fala do Trono” é de criar argumentações para
justificar esse fim. E essa justificativa é centrada na espontaneidade do fato. Afinal, é essa
uma “aspiração aclamada por todas as classes” e do “próprio interesse privado” que “vem
espontaneamente” colaborando para que o Brasil “se desfaça da infeliz herança”. Novamente
a nação ganha vida, pois é também em nome do “sentimento nacional” e “honra do Brasil”
que se deve por fim a escravidão.
Além dessas palavras que projetam uma realidade abolicionista brasileira, outras são
invocadas projetando os valores históricos dessa sociedade: “o espírito cristão e liberal das
nossas instituições”. Em nome destes valores deve-se tirar do direito pátrio essa mancha.
Mancha essa que foi mantida devida “as necessidades da lavoura”. O discurso que vimos na
historiografia e em algumas biografias, da escravidão como mal necessário projeta-se neste
momento.
Argumentamos novamente que, a exaltação das iniciativas particulares, possa ter sido
uma estratégia para esconder a pressão que os escravos e o abolicionismo popular faziam para
conseguir a liberdade imediata, ao mesmo tempo um afago ao ego dos senhores,
demonstrando seu ato humanitário.
Não poderia se ausentar desse discurso à preocupação da Coroa com a “transformação
do trabalho”, que ela já vinha alertando nas “Falas do Trono” há certo tempo. Promover a
imigração, colonização e o crédito agrícola são necessidades para se “chegar mais
rapidamente aos nossos auspiciosos destinos”. Projeta-se nessa frase, que conseguindo
promover essas necessidades e com o fim da escravidão, se chegaria a esses “auspiciosos
destinos”, e remetendo ao contexto sócio-histórico, pode ser a invocação do progresso e
civilização.
No mínimo curioso o pronunciamento deste discurso e neste tom. A defesa de um
processo emancipador e gradual da escravidão é esquecido. Não há menção as anteriores
legislações emancipadoras. Deixa-se de olhar para trás, projeta-se apenas o futuro.
Desde 1867, quando aparece pela primeira vez a menção a emancipação, é possível
visualizar um projeto por parte da Coroa, de um processo de emancipação gradual, e de
389
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 503-504. (grifos nossos)
144
transição do trabalho escravo para o livre. Podemos verificar que até o discurso de 1886, essa
preocupação persiste. No entanto, neste discurso de 1888, rompe-se essa trajetória discursiva.
Discurso de encerramento dos trabalhos parlamentares no dia 20 de novembro de
1888:
390
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 507-508.
145
Um dos maiores discursos da “Fala do Trono” proferido por D. Pedro II, é no mínimo
emblemático como o último. Praticamente um ano após a aprovação da Lei Áurea, ainda
encontrava-se o monarca justificando o motivo pelo qual os proprietários aderiram ao fim da
escravidão. A inutilidade de se manter a propriedade escrava, devida sua desvalorização, é o
principal motivo. Este fato levou a “inauguração de um novo regime”, que resultaria na
“regeneração e aumento das indústrias”. Pelo que conhecemos da história, não somente um
novo regime de trabalho foi inaugurado. Dessa vez não se apelou para os motivos
humanitários ou religiosos. Prendeu-se na questão econômica de uma “propriedade sem
valor”.
O que havíamos mencionado como uma prática interdiscursiva aparece claramente
neste discurso: a “substituição do trabalho” ocorreu no Brasil sem “abalos profundos” tais
como “em toda parte sucederam a crise desta natureza”. Então quando ele menciona no
discurso anterior que aconteceu de “forma pacífica” a transição do modelo de trabalho, estava
de fato, referindo-se implicitamente, aos problemas enfrentados na América diante dessas
mudanças.
Como podemos visualizar a imigração e a colonização, mais uma vez, toma grande
parte do discurso da “Fala do Trono”. Demonstrar essa preocupação e buscar solução para
essa “transformação econômica e social” apresenta-se como uma estratégia para minorar os
efeitos da abolição da escravidão para a classe política, notoriamente representante da classe
agrícola brasileira.
391
SECRETARIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. op. cit. p. 509-511. (grifos nossos)
146
Finalizando, foi possível visualizar que após um longo período de silêncio sobre a
questão da escravidão nas “Falas do Trono”, ela reapareceu em 1883, momento de
crescimento do movimento abolicionista brasileiro.
Entretanto as argumentações das enunciações não foram reconstruídas nesse
ressurgimento. Ao contrário, buscou-se na legislação anterior, a Lei do Ventre Livre,
demonstrar o posicionamento do governo pró-extinção da escravidão, e que se fosse ela
executada eficazmente, este já não seria um grave problema.
A Coroa/Imperador sustentou até 1886 um discurso que buscava manter um projeto de
emancipação dos escravos gradualista. A aprovação da Lei dos Sexagenários em 1885
demonstra o interesse de persistir nessa trajetória.
Visualiza-se, porém, uma ruptura no discurso de 1888. Sendo este, pronunciado pela
princesa Isabel. A extinção do elemento servil já não tem em sua companhia o termo gradual.
Buscou-se enfatizar a inevitabilidade do fato: o fim da escravidão era um fato consumado.
O que se verifica dos discursos posteriores a aprovação da Lei Áurea, foi
argumentações apontando o esgotamento desse sistema de trabalho, e os benefícios da
extinção do sistema anterior.
147
Após análise desse conjunto de discursos, que retratam a leitura que a Coroa realizou
sobre o país, ou melhor, sobre a questão da escravidão, entre 1841-1889, pode-se apresentar
que essa trajetória possui certas regularidades, mas também, rupturas.
Os discursos pronunciados entre 1841-1850 são repletos de mensagens indiretas aos
parlamentares, sobre a necessidade de se tramitar e aprovar legislações que garanta certa
tranquilidade e prosperidade a nação. Relembrando a historiografia/biografias, duas dessas
importantes legislações, discutidas neste momento são: a Lei de Terras e a Lei Eusébio de
Queiróz, ambas aprovadas em 1850.
A pressão inglesa para que o Brasil acabasse definitivamente com o fim do tráfico
negreiro, também marcante nos capítulos anteriores, apresenta-se claramente no discurso
pronunciado pelo Imperador em 1846.
O que se visualiza após a aprovação da lei que ratificou a ilegalidade ao tráfico
intercontinental de escravos, e que criou mecanismo de punição aos envolventes nele, foram
discursos buscando exaltar o sucesso e/ou preocupação com o combate e extinção total de tal
prática.
A timidez do monarca neste processo, como apresentada por Lilia Moritz Schwarcz,
verifica-se também nas “Falas do Trono”. A não explicitação do posicionamento da Coroa
diante deste evento, se comparando com os discursos posteriores, sobre a temática da
emancipação escrava, pode ser a prova disso.
Mas a recorrência a atos de fala indiretos neste momento pode ser um sintoma da
complicada batalha que se travou no Parlamento para a aprovação desta legislação, ou melhor,
destas legislações, convergindo com as descrições da historiografia e biografias.
O silenciamento de pronunciamentos sobre a temática nas “Falas”, entre 1857-1867,
também converge com o apresentado nos capítulos anteriores. A extinção do tráfico negreiro,
pode ter sido mesmo o máximo que a classe proprietária estava disposta a ceder em relação a
escravidão.
Entretanto, outro pode ter sido o motivo pelo qual o tema não foi mencionado
anteriormente nestes discursos. Ou ao menos desde 1864, quando vimos nos capítulos
anteriores, que o Imperador apresenta sua preocupação com situação da escravidão no país. A
desculpa recorrente para a não tramitação de uma legislação emancipadora neste momento
pode ser a chave: a guerra contra o Paraguai.
148
Porém, quando o tema reaparece, em 1867, quando ainda se tratava a guerra contra os
paraguaios, o posicionamento do Imperador é explicitamente claro. Diferindo dos discursos
pré-aprovação das leis de 1850, nos pronunciamentos pré-aprovação da Lei do Ventre Livre, é
marcante a posição da Coroa pró-legislação emancipadora. Tanto, que as emblemáticas “Falas
do Trono” entre 1867 e 1871, são as mais comentadas nas obras dos capítulos anteriores. O
importante papel do monarca neste processo, marcante em parte da historiografia e nas
biografias, se faz sentir nestes discursos.
Vale lembra que a carta que a Junta Emancipatória Francesa enviou à D. Pedro II
pedindo que medidas em prol da extinção da escravidão fossem tomadas, foi enviada em
1866. Portanto, no ano seguinte verificamos o forte posicionamento do monarca em relação
ao tema. Pode ser esse um sintoma da importância da pressão externa, como apontado
principalmente pelas biografias, em relação à aprovação da Lei do Ventre Livre.
Em 1872 é pronunciado um último discurso sobre a emancipação da escravidão, até a
presença de mais um longo silêncio, que perdurou até 1883. As dificuldades para o governo
conseguir aprovação da lei que libertou o ventre escravo, pode ter acelerado esse
silenciamento. Como visto na obra de José Murilo de Carvalho, neste momento apresentou-se
o divórcio entre “o rei e os barões”.
A percepção com a retomada do assunto no discurso pronunciado em 1883, parece a
de não ter verificado longos onze anos de silêncio sobre a escravidão neste espaço. Afinal, a
tônica do discurso deste ano, é a de demonstrar que providências sobre a extinção da
escravidão haviam sido tomadas em 1871, e que a sua eficaz execução era o que se fazia
necessário para por fim a esse regime de trabalho.
A presença deste discurso, neste momento, e a tentativa de demonstrar uma vanguarda
do governo, quando ainda nos anos de 1870 havia tomado posições para que o fim da
escravidão acontecesse em um breve tempo, pode ser um sintoma do crescente movimento
abolicionista brasileiro, que começa a tomar corpo.
Mas o que se presencia até o ano de 1886, são construções discursivas buscando
manter o projeto dos anos de 1870, de uma extinção gradual da escravidão. Ou como
colocado por Jacob Gorender, uma política emancipacionista.
Tanto que a primeira medida tomada pelo governo neste momento foi à aprovação da
Lei dos Sexagenários, em 1885, libertando os escravos com idade a partir de 65 anos, e
proibindo o comércio interprovincial. Importante lembrar, como visto, que as colônias
espanholas, que juntamente com o Brasil era neste momento as últimas porções territoriais no
149
ocidente onde se persistia este regime de trabalho, havia decretado nos anos de 1860 e 1870
leis emancipacionistas, que previa tanto a liberdade do ventre, quanto dos sexagenários.
É visível que o governo buscou até o limite manter a prerrogativa de caminhar o
processo de extinção da escravidão, através de um caminho gradualista. Buscando conciliar
esse iminente fim com os interesses da classe proprietária.
O discurso de 1888 apresenta uma ruptura diante do cenário que se apresentou a
temática nas “Falas do Trono”. Neste pronunciamento, realizado pela princesa Isabel, destaca
a iminência do fim da escravidão, e uma proposta gradualista e/ou indenizatória não foram
contempladas no discurso.
A “fala” de 1887 já demonstrava a queda significativa do número de escravos no país.
A de 1888 apresentou seu fatídico fim.
Esses discursos apresentam sintomas do enunciado pela historiografia e biografias: a
abolição da escravidão estava sendo realizada nas ruas, portanto, o governo chegou atrasado
para realizá-la. E o monarca desapareceu neste processo final.
Apesar de ter pronunciado algumas das “Falas” na década de 1880, no entanto, por
várias vezes, e principalmente justificando seu estado de saúde, o monarca esteve ausente da
abertura e fechamento dos trabalhos parlamentares. Além da princesa Isabel, regente toda vez
que D. Pedro II se ausentava, o Barão de Mamoré também realizou a leitura da “Fala do
Trono” em 1887. Pela primeira vez, no Segundo Reinado, que tal ritual não foi realizado pelo
Imperador ou pela princesa.
O que se presenciou nos discursos pós-1888, foram pronunciamentos demonstrando a
importância da lei de 13 de maio, a tranquilidade com que se realizava a transição do regime
de trabalho, e até mesmo, a alegria do Imperador ao receber a notícia do fim da escravidão.
Marcante é também a preocupação com a questão da introdução de braço trabalhador
no país, nos pronunciamentos da “Fala do Trono”. Da década de 1840 à de 1880, é recorrente
os pedidos do Imperador para que atitudes fossem tomadas para a solução deste problema. No
entanto no período anterior a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, como visto, a menção é
mais intensificada. O que, de certa forma, contraria parte da historiografia, sobre o problema
da mão de obra neste momento.
Sérgio Buarque de Holanda e Leslie Bethell argumentam que na década anterior ao
fim do tráfico negreiro, houve um grande fluxo de africanos entrando no Brasil, e com isso
deixou abastecida a grande lavoura. O que se presenciou posteriormente foi o
desenvolvimento do tráfico interno. Podemos chegar à conclusão então, que não havia falta de
mão de obra neste momento, ao menos não a escrava.
150
Para o historiador inglês, o isolamento causado pelo fim do tráfico negreiro e pela
condenação moral das sociedades burguesas, que viam na continuidade da escravidão
contrariedade a marcha da história, foram fundamentais para o colapso deste regime de
trabalho na segunda metade do século XIX.
É possível visualizar que ele apresenta como um marco importante para o início desse
solapamento o ano de 1850. Em outra passagem ele demonstra mais claramente este ano
como epicentro:
(...) parecia não haver dúvida de que a escravidão como modo de exploração
estava em declínio na América Latina, mesmo antes de ser abolida, e que o
392
HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 159.
153
Como foi possível visualizar, este foi também um marco para o Brasil. Neste ano
foram aprovadas duas importantes leis: a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queiroz. E, se esta
teve como principal objetivo extinguir, de fato, o tráfico negreiro, aquela teve como objetivos
criar dispositivos para a organização fundiária e condições para financiar a introdução de
trabalhadores europeus:
O plano do governo imperial, segundo Lígia Osório Silva, era de tentar conciliar a
transição do trabalho escravo para o livre, sem abalar a produção:
393
HOBSBAWM, E. J. op. cit. p. 199.
394
CHALHOUB, S. População e Sociedade. In: CARVALHO, J. M. A construção nacional 1830-1889. vol. 2.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 39.
395
SILVA, L. O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2. Ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2008. p. 148.
154
Diante deste cenário era importante tomar decisões para impedir qualquer conturbação
a ordem. Mas também era necessário evitar os conflitos de interesse. Precisava-se encontrar
um caminho para permitir que a iminente extinção da escravidão ocorre-se naturalmente, mas
evitando o quanto possível prejudicar a classe proprietária.
Como visualizado neste capítulo e nos anteriores, a solução encontrada para conciliar
esses interesses, foi à aprovação da Lei do Ventre Livre. Ela forneceu subsídios para que
ocorresse o processo de extinção da escravidão, mas, lentamente, e também garantiu a
possibilidade da existência da escravidão por certo tempo, e manteve o direito a indenização
aos proprietários.
Ricardo Salles, ao examinar a tese de José Murilo de Carvalho quanto a importância
do Conselho de Estado em relação a abolição da escravidão, nos apresenta importantes
argumentações:
396
SILVA, L. O. op. cit. p. 135.
397
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 81.
155
Essa política de antecipar a problemas futuros pode ser visto também no processo de
extinção do tráfico negreiro, ao caminhar juntamente com este fim, a transição do regime de
trabalho. E é um tanto emblemática na aprovação da Lei do Ventre Livre, como exposta na
citação anterior.
Além disso, podemos perceber que, segundo esta argumentação, havia um projeto de
nação, construído pelo Conselho de Estado, e que nele continha à abolição da escravidão.
Portanto, a política imperial não tomava as decisões em torno da temática no calor das
pressões e acontecimentos. Se tomarmos a visão de José Murilo de Carvalho, o fim da
escravidão estava inserido em um quadro mais amplo de reforma e modernização do país.
Diante do exposto, é possível apresentar a hipótese que foi sugerida.
O conjunto de legislações aprovadas no período entre 1850-1871 que: impediu a
entrada de escravos; buscou organizar a questão agrária e do trabalho; criou subsídios para
uma gradual extinção da escravidão, a partir da liberdade dos nascituros e a possibilidade da
compra da liberdade mediante pecúnia; somada a crença da classe política que a crescente
diminuição do número de escravos levaria ao seu fim em médio prazo (devido a estudos
demográficos que apontava maior número de morte do que de nascimento entre os escravos);
e também a cultura perpetrada na sociedade brasileira de alforrias particulares399;
aparentemente, essa classe, e o próprio Imperador, acreditavam que a escravidão era um
problema resolvido. Era questão de tempo para ver o seu fim.
Portanto, para a Coroa e para o governo imperial, eles haviam se antecipado aos
problemas futuros que a escravidão poderia desenvolver, e realizaram as devidas reformas
sem abalo profundo à sociedade, praticando a política conciliatória.
398
SALLES, R. op. cit. p. 129-130.
399
CHALHOUB, S. População e Sociedade. In: CARVALHO, J. M. A construção nacional 1830-1889. vol. 2.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 44.
156
O longo período de silêncio nas “Falas do Trono”, pós 1871, e o tom dos discursos
pronunciados em 1883, quando reaparece o tema, podem ser importantes indícios da crença
do fim da escravidão em certo prazo. Os dois discursos pronunciados pelo Imperador em
1883, não buscavam avançar a política iniciada em 1871, pensando em uma abolição
imediata, e sim, buscavam resgatar o projeto de gradual extinção da escravidão, marca da Lei
do Ventre Livre. Inclusive, nestes pronunciamentos, apresenta-se a execução desta lei como a
solução para este fim.
O reaparecimento deste tema, neste momento, nas “Falas do Trono”, provavelmente
tem relação com o crescimento do movimento abolicionista, que se estruturou e ganhou corpo
na década de 1880. E passou a pressionar o Parlamento e o Imperador a abolir imediatamente
e totalmente a escravidão.
A resposta dada pelo governo imperial foi a Lei dos Sexagenários, aprovada em 1885,
respeitando a política da gradual extinção da escravidão. Mais uma vez, visualiza-se o apego à
política inaugurada em 1871. Esta postura de caminhar, mas caminhar prudente e lentamente
o fim da escravidão, em um momento que o abolicionismo toma as ruas e exige o fim de vez
deste regime de trabalho, aproxima-se do que Hobsbawm descreve como tentativa de
retroceder o relógio:
400
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 59.
401
HOBSBAWM, E. J. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 29-30.
157
402
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 428.
403
SCHWARCZ, L. M. op. cit.
404
SALLES, R. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 91.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abolição da escravidão, tema que foi tão caro ao regime monárquico, apresentou-se
também fundamental na vida política do estadista que mais tempo ocupou o trono no Brasil.
D. Pedro II teve na extinção do regime servil, um dos grandes problemas do seu reinado.
Verificara-se no primeiro capítulo, as concepções e ideais que permearam a defesa e
da abolição, mas também da escravidão no Brasil do século XIX. Os ideais, característicos
desse século, foram fundamentais para as mudanças que acometeram o país neste período.
E as mudanças, impulsionadas pelo desejo da classe política imperial em seguir estes
ideais, geraram um paradoxal cenário na sociedade brasileira. Pois, o avanço do capitalismo
no século XIX, principalmente a partir de 1850, colaborou na disseminação da concepção de
que para se atingir o progresso, para civilizar-se, era inevitável findar com a sociedade
escravista e realizar a transição para o trabalho livre. Mas também, gerou a expansão das
exportações dos gêneros alimentícios produzidos por essas sociedades, no caso do Brasil
principalmente o café, fortalecendo os senhores de escravos, econômica e politicamente.
E foi com essa contradição que o Imperador teve que lidar, praticamente, durante todo
o seu reinado: a expansão econômica derivada, principalmente, do aumento das exportações
dos produtos tropicais produzidos pelo Brasil com mão de obra escrava e a necessidade de se
caminhar para o fim da escravidão.
Em relação ao papel do D. Pedro II na extinção do regime servil, a historiografia
consultada não apresenta uma posição hegemônica. Há variadas concepções quanto ao
posicionamento do monarca neste processo. A tendência historiográfica de cada obra gerou
um tipo de relação entre o Imperador e o fim da escravidão. Entretanto, em todas elas
percebe-se a atuação dele e da Coroa, em umas mais timidamente, em outras possuem o papel
de protagonistas.
No segundo capítulo, a leitura/análise das biografias sobre D. Pedro II, tendo o auxílio
das teses sobre a importância, mas também sobre as problemáticas do gênero biográfico, do
François Dosse, Pierre Bourdieu, Jacques Le Goff, Philippe Levillain, René Rémond,
Giovanni Levi, foi possível visualizar o Imperador diante do seu contexto, apresentado no
primeiro capítulo. Ou melhor, foi possível visualizar vários D. Pedro II, pois nitidamente,
cada biógrafo, construiu um diferente Imperador.
Nestas obras biográficas, verificou-se o D. Pedro II como homem do seu tempo. É
nítido que os valores da ilustração, os ideais de progresso e civilização, estavam impregnados
160
na concepção política do D. Pedro II. Portanto, buscar fazer do Brasil uma nação civilizada,
fez parte do projeto político deste monarca. E isso, ele sempre buscou deixar explícito.
Entretanto, as mudanças deveriam chegar sem grandes abalos. A manutenção da
ordem, e a prudência nas reformas, foram marcas do segundo reinado, e também do
Imperador.
Não se perde de vista nestas obras, o protagonismo do Imperador diante do processo
de extinção da escravidão. Mas também, em praticamente todas elas, no processo final da
abolição, visualiza um monarca distante.
No terceiro capítulo, na análise das “Falas do Trono”, percebeu-se o quão complicado
era o tema do fim da escravidão para a Coroa. As teorias emprestadas da linguística e da
filosofia da linguagem, principalmente dos trabalhos realizados por Michel Pêcheux, Paul
Henry, Dominique Maingueneau e John R. Searle, mas também de historiadores como Michel
de Certeau e Antoine Prost, facilitou a leitura destes discursos, que apresentavam a visão da
Coroa sobre os principais problemas/necessidades enfrentados pelo Brasil. E também auxiliou
na visualização da “Fala do Trono” como um ritual fundamental para a teatralidade da
monarquia brasileira.
Tratava-se este espaço, temporal e físico, da representação do lugar central do
Imperador, a voz da nação, que pronunciava para os que representavam esta nação, os
parlamentares, o seu posicionamento diante dos temas mais importantes e delicados que
perpassaram o segundo reinado. O traje de grande gala, o qual era utilizado nestas ocasiões,
ratifica a importância deste ritual, um dos poucos que sobreviveu às mudanças que o regime
sofreu ao longo dos seus sessenta e sete anos.
Entre 1841-1889, a preocupação com a situação da escravidão foi permanente nas
“Falas”. Entretanto, muitas vezes essa preocupação apresentava-se implicitamente. Em outros
momentos visualizou-se um posicionamento explícito e contundente do monarca em relação à
temática. Mas foi recorrente nestas “falas”, um vazio temporal de discursos pronunciados
sobre o tema. Entre 1857-1867 e 1872-1883, o tema não é presenciado nas “Falas do Trono”.
No entanto, essas ausências, somado a maneira como eram construídos esses
discursos, demonstra a dimensão da complicada tarefa de caminhar e, até mesmo, de se
pronunciar sobre o tema.
No longo processo de extinção da escravidão no Brasil, tomando como marco inicial a
legislação que pôs fim ao tráfico negreiro em 1850 e a Lei Áurea em 1888, foi possível
verificar, nos três capítulos, porém mais claramente nos dois últimos, a existência de duas
distintas atuações do monarca nesse processo.
161
Nas reformas realizadas entre 1850 e 1871, culminando nas primeiras legislações que
caminharam para o fim da escravidão, tais quais as leis: Eusébio de Queiróz (1850), de Terras
(1850) e Ventre Livre (1871), percebe-se um D. Pedro II atuante. Inclusive, como o verificado
a lei de 1871 marcou o divórcio entre o rei e os barões, ou seja, neste momento, o Imperador
se indispõe, inclusive com pronunciamentos claros na “Fala do Trono” sobre a importância de
criar condições para o fim da escravidão.
No período que marcou o desenvolvimento e disseminação de um movimento
abolicionista brasileiro, a década de 1880, verificou-se um monarca distante e pouco atuante.
O momento em que ele mais apareceu nesta década, em relação a temática, foi na aprovação
da Lei dos Sexagenários, em 1885. E inclusive, foi ele severamente criticado pelo movimento
abolicionista, por apoiar a aprovação desta legislação, que para eles, mais atrasava do que
adiantava o fim da escravidão.
No processo de aprovação da Lei Áurea, o Imperador desaparece do cenário. E quando
retorna, apresenta-se como uma importante, mas decadente, peça da teatralidade política
imperial. Dá vivas ao fim da escravidão, e sai de cena, para não mais voltar.
Essas distintas atuações do D. Pedro II em relação ao processo de extinção da
escravidão no Brasil, posiciona-o como um defensor, em certa medida, de um processo de
emancipação gradual da escravidão, e não do abolicionismo, que na década de 1880 passou a
exigir o fim da escravidão de forma imediata e sem indenização.
Na verdade, a concepção de uma política de eliminação gradual do regime escravo, em
D. Pedro II, está bem clara. Principalmente tomando como fonte as biografias e as “Falas do
Trono”. Até 1886, verificam-se discursos neste espaço, enunciando a necessidade de uma
emancipação gradual.
E esta concepção, muito se a linha ao perfil político do Imperador: prudente e sempre
buscando a conciliação.
Os dois momentos distintos da atuação do D. Pedro II em relação a políticas que
levaram ao fim da escravidão, muito se aproxima com a hipótese levantada no final do
terceiro capítulo: a possibilidade da existência de um projeto do governo imperial, tendo a
frente o Imperador, que em sua política de antecipar-se a problemas futuros, realizou diversas
reformas entre 1850-1871, buscando a transição do trabalho escravo para o livre.
Se, de fato, essa classe política imperial acreditava que, com as reformas realizadas
entre 1850-1871, que fez cessar a entrada de escravos africanos desde 1850; libertou os
nascidos do ventre escravos a partir de 1871; somados à alta taxa de mortalidade dos
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escravos; e a cultura brasileira de alforrias particulares, não haveria mais porque se preocupar
com a escravidão. O seu fim era questão de tempo.
Isto pode ser um importante indicativo, da presença marcante do monarca neste
momento, e seu distanciamento no período posterior.
Outras questões, como apontadas na segunda hipótese, tais como: a morte de
importantes políticos que trabalharam juntamente com o Imperador na consolidação do
Império até 1871; a Guerra do Paraguai, que trouxe grandes perturbações ao monarca;
juntamente com o seu estado de saúde; podem ter sido motivações importantes também. Mas
como argumentado, há necessidade de acesso a maior quantia de documentação para
comprovar essas duas hipóteses.
Finalizando, é inegável que D. Pedro II foi figura importante no processo político que
pôs fim a escravidão no Brasil. Por mais que haja distinções entre suas atuações, e/ou
convicções quanto à forma como esse fim deveria chegar, mesmo assim ele se fez presente
neste processo.
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REFERÊNCIAS
FONTES
BIBLIOGRAFIA