Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2016p631
RESUMO ABSTRACT
Para além do maquiavelismo e do antimaquia- B eyo n d M a ch i a ve l l i a n i s m a n d a n t i -
velismo, há quem seja contra um Maquiavel Machiavellianism, some are against a real
real ou mítico e quem compreenda o profundo or mythical Machiavelli. And they may
drama do Secretário Florentino. No presente understand the profound drama of the
artigo se procura superar o preconceito anti- Florentine Secretary. The present article seeks
maquiavelista e entender melhor o drama do to overcome the prejudice against the author
filósofo político incompreendido e mal recom- and better understand the drama of the
pensado que foi Maquiavel. E assim avançar misunderstood and poorly rewarded political
um pouco mais na compreensão do drama ou philosopher who was Machiavelli. And we
da tragédia do Poder. want to go further in understanding the drama
or the tragedy of power.
PALAVRAS-CHAVE: Maquiavel. O Príncipe.
Poder. Filosofia Política. Solidão política. KEYWORDS: Machiavelli. The Prince. Power.
Political philosophy. Political loneliness.
Pedro Calmon 1
* Este texto procura reconstituir e aqui e ali complementar a conferência que proferimos
no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
em Belo Horizonte, no dia 6 de fevereiro de 2014.
** Catedrático (Full Professor) de Direito de nomeação definitiva (tenure). Laureate
International Universities (UAM, São Paulo), Bolseiro da FUNADESP na FADISP,
Fundador do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da
Universidade do Porto.
Email: lusofilias@gmail.com
1 CALMON, Pedro. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro/São Paulo: Livraria
Freitas Bastos, 1952. p. 174.
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 631
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
632 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 633
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
634 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 635
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
636 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
“E, porque Dante disse não haver ciência sem que seja retido o que
foi apreendido, eu anotei aquilo de que, por sua conversação,
fiz capital, e compus um opúsculo De Principatibus, onde me
aprofundo o quanto posso nas cogitações deste assunto, discutindo
o que é principado, de que espécies são, como são adquiridos, como
se mantêm, porque são perdidos.”14
História de Florença, de Maquiavel, 2.ª ed. rev., São Paulo, Musa, 1998; O Príncipe,
comentado por Napoleão Bonaparte, trad. do texto de Fernanda Pinto Rodrigues,
trad. dos comentários de M. Antonieta Mendonça, Mem Martins, Europa-América,
1976; O Príncipe, trad. port. de Francisco Morais, Coimbra, Atlântida, MCMXXXV;
O Príncipe, trad., introd. e notas de António d’Elia, São Paulo, Cultrix, 2003; O
Príncipe, trad. port. de Carlos Eduardo de Soveral, Lisboa, Guimarães Editores, 1984;
O Príncipe. Escritos Políticos, trad. port. de Lívio Xavier, abril Cultural, São Paulo,
1973.
14 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo, Legatus Editora: 2010. p. 109.
15 PETRARCA, Francesco. “Italia mia”, Canzoniere, CXXVIII, vv. 93-96.
16 MACHIAVELLI, Niccolò. Il Principe, XXVI.
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 637
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
V. LA TRAHISON DU CLERC?
Retomenos a tradução portuguesa de Then and Now. Não
resistimos a citar este passo de diálogo, tão eloquente:
638 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 639
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
640 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 641
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
642 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 643
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
“Não posso deixar, aqui, de lastimar a sorte dos príncipes. Oh! como
são infelizes! Inacessíveis à verdades, só contam com a amizade dos
aduladores. Mas, ponderará alguém que eles não devem queixar-
se senão de si mesmos. Porque será que os príncipes não gostam
de prestar ouvidos à verdade? E porque detestam a companhia
dos filósofos? Ah! bem vejo que isso se deve ao medo que têm os
príncipes de encontrar, entre os filósofos, algum petulante que se
atreva a dizer o que é verdadeiro e não o que é agradável! Concedo,
de bom agrado, que a verdade seja odiada por todos e muito mais
pelos monarcas. Mas, é justamente essa razão o que mais honra os
meus loucos. Nem mesmo dissimulam os vícios e os defeitos dos reis.
Que digo eu? Chegam, muitas vezes, a insultá-los, a injuriá-los, sem
que esses senhores do mundo se ofendam por isso ou se aborreçam.
Sabemos que os príncipes, em lugar de ficarem indignados, riem-se
de todo coração quando um tolo lhes diz coisas que seriam mais do
que suficientes para enforcar um filósofo. Só se costuma defender
a verdade quando não se é atingido por ela; ora, só aos loucos os
33 Mt. X, 16.
34 Cf., em geral, e em língua portuguesa, BIGNOTTO, Newton. Maquiavel Republicano.
São Paulo: Loyola, 1991.
35 Muito sugestivo, embora a necessitar de complemento histórico-crítico, é ZWEIG,
Stephen. Erasmo de Roterdão. Porto: Livraria Civilização, 1979. 9.ª edição.
644 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
36 Apud http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/elogio.pdf
37 Apud cremos que Heinrich Ewald Hoester, numas lições policopiadas de teoria geral
do direito civil, na UCP, Porto, que não conseguimos reencontrar.
38 Sobre Tomás Moro, cf., de entre inumeráveis : PRÉVOST, André. L’Utopie de Thomas
More. Paris: Nouvelles Editions Mame, 1978; AMES, Russel. Citizen Thomas More
and His Utopia. Princeton, Nº I, 1949.; CHAMBERS, R. W. Thomas More. Brighton:
The Harvester Press, 1982.; ACKROYD, Peter A Vida de Tomás More. tradução Mário
Correia/Thomas More. Biografia, Chiado. Lisboa: Bertrand, 2003. Cf., em geral, o
nosso livro Constituição, Direito e Utopia. Do Jurídico-Constitucional nas Utopias
Políticas, Coimbra, ‘Studia Iuridica’, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade
de Coimbra/Coimbra Editora, 1996.
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 645
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
“Dos seus membros, uns calam-se por inépcia, e esses precisariam até
de ser eles próprios aconselhados. Outros são mais dotados e sabem
que o são, mas compartilham sempre da opinião dos anteriores que
estão em melhores graças, e aplaudem entusiasmados as tolices que
estes têm por bem propinar. Vis parasitas só têm uma finalidade:
alcançar, por meio da lisonja mais mesquinha e criminosa, a proteção
do favorito do Rei. Há ainda escravos do amor-próprio, que ouvem
apenas a sua própria opinião, coisa nada para admirar porque a
natureza leva cada homem a afagar amorosamente aquilo mesmo
que cria”39.
“Muitas vezes até acontece que a sorte do rico devia caber ao pobre.
Não há ricos avaros, imorais e inúteis? Pobres simples e modestos,
cuja indústria e trabalho aproveitam ao Estado, sem vantagem
para eles próprios? Eis o que invencivelmente me convence de
que a única maneira de distribuir os bens com equanimidade e
646 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
“Le monde ne vaut que par les extrêmes et ne dure que par les
moyens Il ne vaut que par les ultras et ne dure que par les modérés”42.
XI. CONCLUSÃO
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 647
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
648 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 649
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
REFERÊNCIAS
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, 1986, Coimbra, 1992.; GRAMSCI, António. Note
sul Machiavelli, sulla politica e sullo stato moderno, Turim: Einaudi, 1949. GUETTA,
Alessandro. Invito alla lettura di Machiavelli. Milão: Mursia, 1991. GUILLEMAIN,
Bernard. Machiavel: L’Anthropologie Politique. Genebra: Droz, 1977.; HALKIN,
Léon-E. Erasme parmi nous. Paris: Fayard, 1987. HERCOURT, Raymond. “L’Utopie”
de Thomas Morus, thèse Sc. Po., Univ. Poitiers, Poitiers, Soc. Fr. D’Imprimerie et de
Lib., 1919. HUIZINGA, Johan. Erasme. Paris: Gallimard, 1965. HYTLODEV, Miguel
Mark; MARTINS, José Vitorino de Pina. Utopia III. Lisboa: Verbo, 1998. Relato
em diálogo sobre o modo de vida educação usos costumes em finais do século xx do
povo cujas leis e civilização descreveu fielmente nos inícios do século XVI o insigne
Thomas More.; JANNI, Ettore. Machiavelli. Milão: Cogliati di Martinelli, 1927;
KAMEN, Henri. O Amanhecer da Tolerância, tradução de Alexandre Pinheiro Torres.
Porto: Inova s.d., 1968.; KESSLER, Sanford. “Religious freedom in Thomas More’s
Utopia”, in The Review of Politics. Notre Dame, primavera de 2002, vol. 64, n.º 2.
pp. 207 e segs. Disponível em: http://www.geocities.com/yskretz/morekessler.html.;
LEFORT, Claude. Le Travail de l’Œuvre. Paris: Gallimard, 1972.; LEONE, Carlos.
Portugal Extemporâneo: Hitória das Ideias do Discurso Crítico Moderno (Séculos
XI-XIX). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, volume II, 2005. pp. 18-31;
LOGAN, George M. The meaning of More’s Utopia. Princeton: Princeton University
Press, 1983. MARIUS, Richard. Thomas More. Nova Iorque: Knopf, 1984; MARIUS,
Richard. Utopia as Mirror for a Life and Times: <http://www.shu.ac.uk/emls/iemls/
conf/texts/marius.html>.; MARTINS, José Vitorino de Pina. Humanismo e Erasmismo
na Cultura Portuguesa do Século XVI. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian/Centro
Cultural Português, 1973.; MARTINS, José Vitorino de Pina. “L’Utopie de Thomas
More au Portugal (XVIe et début du XVIIe siècle)”, in Arquivos do Centro Cultural
Português, Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, , vol. XVII, 1982. Pp 453 e segs.;
MARTINS, José Vitorino de Pina. A “Utopia” de Thomas More como Texto de
Humanismo, separata especial do t. XXI, Lisboa, 1980, das Memórias da Academia
das Ciências de Lisboa – Classe de Letras, pp. 7-48; MARTZ, Louis L. Thomas
More: The Search for the Inner Man, New Haven. Londres: Yale University Press,
1990. MERLEAU-PONTY, Maurice. “Note sur Machiavel” (1949), in Éloge de la
Philosophie. Paris: Gallimard, 1960. P 370.
650 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
AMARAL, Diogo Freitas do. Para uma história das ideias políticas:
Maquiavel e Erasmo ou as duas faces da luta entre o poder e a moral,
in Direito e Justiça, vol. VI, 1992.
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 651
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
652 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 653
MAQUIAVEL: MONÓLOGOS & DIÁLOGOS DO PODER
MARTZ, Louis L. Thomas More: The Search for the Inner Man, New
Haven. Londres: Yale University Press, 1990.
654 Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016
Paulo Ferreira da Cunha
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 631-655, jan./jun. 2016 655