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COMPANHIA DAS LETRAS
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LAURA DE MELLO E SOUZA

INFERNO ATLÂNTICO
Demonologia e colonização
Séculos XVI-X VI

et
(COMPANHIA DAS LETRAS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (crr)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Souza, Laura de Mello e


Inferno Atlântico : demonologia e colonização : séculos
xvi-xvim / Laura de Mello e Souza. — São Paulo :
Companhia das Letras, 1993.

Bibliografia.
ISBN 85-7164-347-4

|. Brasil — Colonização 2. Brasil — História — Perío-


do colonial 3. Demonologia — Brasil 1. Título.

93-2992 cDD-981.02]

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Colonização e demonologia : História 981.021
2. Brasil : Demonologia e colonização : História 981.021
ÍNDICE

Asradecimentos: sed
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«ssesussedsa esa sad ds
sue sono
dda ns souaad us srs 11

INDIOÓNÇÃO Seorib es
can e TReD
ssa ca r çÕE A
RARA 13

Primeira parte
MACRODEMONOLOGIA
O diabo nas malhas do Antigo Regime
1. O conjunto: América diabólica ............ceereceseeeesserrreenrs 21

2. O enraizamento: circularidade de culturas e crenças — Bra-


gil; 1543-1618, 2..02-=0"05 00050003 7000 pen eman oe no Danse a eira na da 47
3. Por fora do Império: Giovanni Botero e o Brasil ............ 58

4. Por dentro do Império: infernalização e degredo ............ 89

Segunda parte
MICRODEMONOLOGTIA
O diabo e as tensões cotidianas

5. Religião popular e política: do êxtase ao combate .......... 105


6. Ambigiúidade amorosa: de santas a mulas-sem-cabeça ..... 125
7. Mentes e corpos: os assaltos do diabo .......................... 147
8 Em torno de um mito: a elipse do sabá .........sssiisiiss 160
Epílogo: Persistências inferas, Bernardo Guimarães ce O ima-
ginário demonológico ..............scresssseseressrssereranerenseeas 18]
DOS Mion ememos OD
ria cmnieco RD a a sli SEE SOS 197
Fontes e E ibliaghatia Re RR NA O DE 249
CLIC as 606 [24º DO O 263
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São


Paulo (FAPESP) por me ter concedido em duas ocasiões — 1987 e 1992
— passagem e auxílio para congressos, possibilitando-me, assim,
apresentar trabalhos que, reelaborados, integram parte desta tese e,
ainda, dar continuidade à investigação documental na Torre do Tom-
bo. Pelo mesmo motivo, registro meu reconhecimento à Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) (1988
e 1992) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq) (1988), instituição à qual devo também o financia-
mento de atividades de pesquisa desde março de 1992, através de uma
bolsa do tipo Laboratório Integrado.
Em parte desta pesquisa, tive a colaboração preciosa de Rodri-
go Lacerda. Na defesa do trabalho como tese de livre-docência apre-
sentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (usp), beneficiei-me das observações da
Banca Examinadora composta por Maria Manuela Carneiro da
Cunha, Gilberto Velho, Francisco Iglésias, Stuart B. Schwartz e Jo-
sé Jobson de Andrade Arruda.
Pelas sugestões e críticas feitas, sou grati»-Leila Mezan Algranti,
Lili Schwarcz, Mary del Priore, Fernando Torres Londofo, Marlyse
Meyer, Ronaldo Vainfas e Luís Mott.
A Fernando A. Novais, além da leitura e das observações cui-
dadosas, devo minha formação intelectual. Por isso dedico-lhe este
trabalho.

o o E o, dA
INTRODUÇÃO

Escritos em momentos diversos, os nove trabalhos que aqui se


as relações entre
encontram têm a uni-los a mesma problemática:
o imaginário demonológico num sentido amplo é o mundo luso-
brasileiro do Antigo Regime. Correspondendo a momentos distin-
tos de minha formação intelectual, apresentam, creio, uma unidade
interessante: podem ser lidos separadamente e, ao mesmo tempo, ad-
quirem significado complexo no conjunto. Penso que formam um
livro, mesmo se não no sentido mais convencional: as suas diferen-
tes partes, vejo-as como capítulos.
Este livro um tanto fragmentado é tentativa de encaminhar me-
lhor questões que me preocupam desde 1985, quando terminei a te-
se de doutorado, “Sabás e calundus — feitiçaria, práticas mágicas
e religiosidade popular no Brasil colonial?” — e o fato de citá-la no
título original, depois alterado para publicação (O diabo e a Terra
de Santa Cruz), não é fortuito. Naquela época, ainda não estava a
par do que era o mundo mágico luso-brasileiro, e intuia processos
que não conseguia explicar, por exemplo, que a chave estava na ten-
são entre Europa, África e América, captada por mim na oposição
sabás/calundus. Nada mais tipicamente europeu do que a bruxa que
voava em vassouras, noturna e sinistra, chupando sangue de meni-
no novo, misturando miolos humanos, asas de morcego e baba de
sapo no caldeirão infernal. Nada mais brasileiro do que o candom-
blé, cujas raízes, por vias tortuosas (como são aliás as raizes), levam
aos calundus que assombravam senhores de engenho, jesuítas e mo-
ralistas nos tempos coloniais. A oposição seria, entretanto, ilusória?
O diabo espírito de porco que coalhava o leite e fazia desandar o
pão não era uma espécie de Pedro Malasartes, de João Grilo? Exu
não é bom e ruim? Ou melhor, ser bom ou ruim sequer se colocaria

13
desta forma para os ritos afro-brasileiros? Mesmo na Europa, o dia-
bo das gárgulas, monstruoso € horrivel, não era também o diabo na-
morado e cortesão de Gil Vicente, ou o homem sedutor vestido de
seda negra na versão do cineasta Marcel Carné em Les visiteurs du
soir? Ou o simpático diabo popular do Carnaval, afeito a comilan-
ças, libações etílicas, pândegas? Por fim, como mostrou Marlyse Me-
ver, Maria Padilha não é ao mesmo tempo amante de um rei de Cas-
tela, personagem de cancioneiro europeu e pombagira de umbanda,
tendo cometido crimes em Niterói?
Onde termina a Europa, onde começa o Brasil? É possível pen-
sar O que seríamos sem o colonizador português — ou mesmo sem
Maurício de Nassau, sem Nicolau de Villegaignon, sem Thevet, Léry,
Hans Staden, o pirata Knivet, todos nos contando suas impressões
de europeus exilados nos trópicos, deformando irreversivelmente, ao
registrar, O que viam, cheiravam e sentiam? É possível refazer em
sentido inverso o percurso de nossos avós de Luanda, Mina, Guiné,
atribuindo ao conjunto da cultura africana o significado que real-
mente viam nela os negros escravizados tornados brasileiros à for-
ça? É possível reconstituir, por meio dos fragmentos deixados pelos
escrivães do Santo Ofício, as crenças quinhentistas tupis, chamando-
as de milenaristas ou sincréticas?
Tudo indica que não. Mas, tomando de empréstimo a bela fra-
se de Georges Braque, “não creio nas coisas, creio nas suas relações”,
Na primeira parte deste livro, procuro justamente explorar as
relações, ensaiar análises comparativas para melhor compreender as
visões curopéias sobre a América — ou, com base no belo trabalho
de Serge Gruzinski, a produção ocidental de imagens sobre a Amé-
rica —, mostrando que, se por um lado feram o Novo Continente
através de referenciais próprios à sua cultura, acabaram, por outro,
incorporando irreversivelmente elementos específicos das culturas que
subjugaram, ou procuraram subjugar. Tal enfoque me foi sugerido
por algumas análises da cultura popular, notadamente as de Jacques
Le Goff — Pour un qutre Moyen-Age, Vimaginaire médiéval, La nais-
sance du purgatoire —, Carlo Ginzburg — Mitos, emblemas, sinais
e Os andarilhos do bem — e Natalie Z. Davis = Culturas do povo,
Fiction in the archives, Por trás de tudo, evidentemente, as concep-
ções mais gerais da antropologia e certos clássicos da historiografia
brasileira, como Casa-grande & senzala, de GilbertdsPreyre, Cami-
nhos e fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda, Portugal e Brasil
na crise do antigo sistema colonial, de Fernando Novais. Por trás
de tudo, igualmente, a preocupação em mostrar que uma análise de

[4
mentalidades e de imaginário pode ser problemarizada e dialogar com
a nossa tradição cultural. Desta, está incorporado ainda certo fraco
pela explicação, mesmo que as conclusões fiquem um tanto soltas;
todos os capítulos se referem a um momento formativo, quando as
imagens européias sobre o Novo Mundo eram mais fechadas do que
se tornariam depois; quando as especificidades do universo colonial
ainda podiam ser registradas e captadas com maior frescor: enfim,
quando as sínteses culturais, ou o processo de aculturação — para
usar expressão que os antropólogos consideram problemática .—,
achavam-se em vias de se processar. Daí o corte cronológico dizer
respeito ao período que abrange os séculos XVI, XVI e XVIII,
O primeiro capítulo é deliberadamente amplo, enfocando o mun-
do hispano-americano em toda a sua extensão geográfica: Espanha,
Portugal, México, Peru, Brasil, América Central... Procura realizar
a análise macroscópica das relações Metrópole-Colônia através da
demonologia, sumariando quase tudo o que, em escopo mais espe-
cífico, será abordado ao longo dos outros capítulos. No recorte da
demonologia, devo muito aos belos trabalhos de Stuart Clark — “In-
version, misrule and the meaning of witcheraft”, “The scientific sta-
tus of demonology” — e às conversas que pudemos manter em con-
gressos: foi graças a ele que alarguei meu enfoque do objeto, e pude
enxergá-lo onde ele aparentemente não está. “O conjunto: América
diabólica” é ainda tentativa de pagar parte da dívida que ficou pen-
dente em “Sabás e calundus”, quando acabei deixando a América
hispânica fora da análise. Na incursão por este território, devo mui»
to aos estudos estimulantes de Serge Gruzinski sobre o México
notadamente La colonisation de Vimaginaire =, € do seu estorço em
desvendar a mestiçagem cultural do Novo Continente,
Restringindo o âmbito da análise, O segundo capítulo faz um
apanhado geral da religiosidade vivida na Colônia no primeiro sé-
culo da ocupação portuguesa, Refere-se às zonas litorâneas e reto»
ma questões que não foram, a meu ver, adequadamente desenvolvi»
das em “Sabás e calundus”, reforçando as relações entre religiosidade
e cultura popular à luz, sobretudo, da leitura do clássico de Mikhail
Bakhtin, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, Há
nesse segundo capítulo um documento que eu não utilizara anterior-
mente: o processo de Pero do Campo Tourinho, donatário de Porto
Seguro. Queréressaltá-lo porque, de certa forma, resume, do ponto
de vista branco « europeu, as sínteses culturais possíveis de serem
geradas com à colonização. Do ponto de vista indígena e mamelu-
co, talvez tal mecanismo seja expresso de forma paradigmática pelas

15
Santidades. Naquele tempo, os africanos ainda contavam muito pou-
co na mestiçagem cultural: Tourinho e o Papa Antônio, ou Toma-
caúna, ilustram, assim, as duas vertentes dominantes na Colônia no
que diz respeito à religiosidade e à cultura popular quinhentista.
“Por fora do Império: Giovanni Botero e o Brasil” é para mim
um momento especial do trabalho, não talvez pelos resultados, mas
pelo que sua elaboração representou em termos de descoberta e emo-
ção intelectual. Foi uma empreitada detetivesca, nos moldes da ati-
vidade de pesquisa descrita por Ginzburg em ““Sinais: raízes de um
paradigma indiciário”, ensaio de Mitos, emblemas, sinais. A parte
das Relazioni universali de Botero referente ao Brasil me chegou pe-
lo correio, na forma de um xerox enviado da Itália pelo amigo Ro-
beri Rowland, com um comentário irônico acerca da difusão da lei-
tura diabolizada sobre a América portuguesa. Fiquei meses olhando
para cla, pensando como poderia desvendá-la. Aos poucos, comecei
a ter interesse por Botero, de quem não sabia quase nada. Fui me
dando conta de que nunca se tinha estudado a filiação de suas in-
formações sobre o Brasil — Federico Chabod o fizera para outras
regiões —, e que talvez valesse a pena desvendar os meandros do olhar
lançado por um italiano do Renascimento sobre um império estra-
nho. A leitura de Botero sobre o Brasil fica, assim, como testemu-
nho do fascínio que a América em geral e o Brasil em particular exer-
ceram sobre os intelectuais curopeus do Renascimento, ou a fatalidade
de que assim fosse — mesmo quando eles pertenciam a paragens que
não controlavam possessões americanas.
O quarto capítulo se baseia em dois textos anteriores sobre o
degredo, desenvolvendo-os. Nele, o degredo é visto como mecanis-
mo interno ao Império, extremamente eficaz do ponto de vista so-
cial « ideológico (ergástulo dos delingiientes), extremamente impor-
tante do ponto de vista simbólico (ritual de purificação). É o
contraponto interno ao olhar estrangeiro de Giovanni Botero, ilus-
trativo das confluências possíveis de universos culturalmente distin-
tos: no degredo, ricos « pobres da Metrópole expressavam concep-
ções idênticas, as tensões sociais se dissolvendo na condição comum
de colonizador.
Na segunda parte do lívro, debruço-me sobre o imaginário de-
monológico e o universo cotidiano. O recorte oscila entre a longa
duração € a curta, como que tateando possibilidadeside análise dos
fenômenos culturais. “Religião popular e política: do êxtase ao com-
bate” foi muito influenciado pela coletânea de Carlo Ginzburg, Mí-
tos, emblemas, sinais, e ainda pelo clássico de Mikhail Bakhtin so-

[6
bre Rabelais — obras que discutem questões teóricas com grande ri-
gor. Beneficiou-se muito do primeiro curso de pós-graduação que
dei na USP, em 1989, no qual discuti a questão dos níveis de cultu-
ra. Acabou sendo um exercício tão rigido, tão escolar que, talvez de
forma compensatória, me atirou nos braços da longa duração, do
ensaísmo e de um certo fascínio temeroso que nunca deixei de ter
pela história francesa mais clássica das mentalidades: os estudos de
Philippe Ariês, Robert Mandrou, Jean Delumeau.
Como muitos críticos — dentro e fora do Brasil —, penso que
esta forma de fazer história tem defeitos que podem até ser graves:
é fregientemente indistinta, retórica, conceitualmente confusa. Mas,
por outro lado, abre espaço à intuição e à sensibilidade, é democrá-
tica na utilização heterogênea e não hierarquizada das fontes, per-
mite ensaios. O capítulo 6, “Ambigúidade amorosa: de santas a
mulas-sem-cabeça””, é, desta forma, quase um ensaio. Lida livremente
com material iconográfico, sem ignorar certos procedimentos bási-
cos da análise neste campo mas preferindo ver o registro artistico
mais como indício de sensibilidade e de circularidade dos níveis cul-
turais. Adota deliberadamente um arco longo de tempo, trata de gru-
pos sociais distintos e remete a regiões geograficamente muito diver-
sas. Na verdade, indaga sobre a possibilidade de um grande universo
imaginário comum, e sobre a forma histórica de uma relação: a que
existiu entre o lado positivo e o lado negativo do amor e da sensibili-
dade ocidentais.
O capítulo 7 — “Mentes e corpos: os assaltos do diabo” —
baseia-se em processos inquisitoriais e em um documento notável
que descobri em 1984 na Biblioteca da Ajuda, mas com o qual não
pude trabalhar na ocasião. Deve muito ainda ao mesmo curso de pós-
graduação já mencionado, quando, sobretudo através da leitura do
livro intrigante de John Putnam Demos, Entertaining Satan, fiquei
alerta para a questão do exorcismo e da possessão como fenômenos
distintos da feitiçaria, apesar de relacionados a ela. Beneficiou-se
igualmente de discussões com alunos que, sob minha orientação, €s-
tudam o problema da medicina e do maravilhoso no mundo colo-
nial, cabendo ressaltar que, não existisse a associação estreita entre
cura e possessão no mundo brasileiro contemporâneo, talvez o fe-
nômeno permanecesse indecifrável para mim: um pouco da história
regressiva de que falava Marc Bloch. Foi ela que me levou a recortar
dois casos de possessão e exorcismo como bastante típicos de dois
universos culturais distintos, mas intercomunicantes: Lisboa no fi-
nal do século xvir, Salvador nas primeiras décadas do século XVIII.

17
Te
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Foi ela que me fez ver, com a ajuda de um artigo fundamental de


Gilberto Velho, “Indivíduoe religião na cultura brasileira”, a rela-
ção estreita entre sistemas cognitivose sistemas de crenças,
O capítulo 8, “Em torno de um mito: a elipse do sabá”,
aproxima-se, mais uma vez, dos estudos de Carlo Ginzburg que pro-
curam pensar a feitiçaria nas suas relações nem sempre óbvias com
outros fenômenos: Os andarilhos do bem e História noturna.
Inspirou-se também no lindo livro de Francisco Bethencourt sobre
a feitiçaria portuguesa quinhentista, O imaginário da magia. Mas
tem muito de pessoal, e dialoga, como “O conjunto; América dia-
bólica”, com ““Sabás e calundus””. Na medida em que procura pro-
var a impossibilidade de se compreender o mito do sabá sem atentar
para as margens do mundo em que ele ocorre, sem olhar para os lu-
gares em que é quase insignificante — uma elipse —, fecha o univer-
so de possibilidades aberto com o primeiro capítulo, A bruxa tão
tipicamente curopéia tem um pé nos ritos ameríndios e nos africa-
nos: não na sua estrutura mítica, mas no conteúdo imagético que
lhe foi sendo atribuído a partir do século xvi. Se não podemos nos
entender sem olhar para a Europa, a Europa também não se entende
de forma integral se não olhar para a América. Neste capítulo, co-
mo no primeiro do livro, Portugale Brasil formam um continuum
contraditórioe articulado, capaz de gerar especificidades de um la-
do e do outro do Atlântico, mas fecundo sobretudo nas relações que
se oferecem no seio do Império colonial. Ensaiam-se ainda algumas
considerações sobre o fenômeno da feitiçaria em Portugal: a curiosa
persistência do mito, ou aspectos dele, no universo popular; a indi-
ferença ante ele entre os inquisidores, sempre preocupados com a he-
resta subjacente ao pacto demoníaco, este sim grande vedete das in-
quirições do Santo Ofício.
Por fim, a rápida reflexão sobre a “Orgia dos duendes”, de Ber-
nardo Guimarães, corresponde à tentativa de pensar o problema das
permanênciase da longa duração: de que maneira um mito se per-
petuae se transforma, adquirindo novos significados? De que ma-
neira, ainda, tais metamorfoses são tributárias da mudança das for-
mas de representação, a bruxa sabática dos processos sangrentos
habitando, trezentos anos depois, o poema romântico? Por que, ao
longo dos séculos, a detração do outro, humano ou imaginário, real
ou inconsciente, assume as cores carregadas e sombrias do Inferno
e de seus asseclas? As respostas podem ser tantas que só as indaga-
ções permanecem. Mas talvez a melhor forma de concluir seja mes-
mo perguntar.

18
Primeira parte
MACRODEMONOLOGIA
O diabo nas malhas do Antigo Regime

O demônio tem perspectivas amplíssimas sobre Deus, por


isso se mantém tão distante dele: — o demônio, quer di-
zer, o mais antigo amigo do conhecimento.
Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal

MR
oii
ai
I
O CONJUNTO
América diabólica

Dos son las iglesias de este


mundo! La una es la catolica,
ta otra es diabolica [555] [7
] como en la Iglesia catolica
hay sacramentos por Cristo [.
.] asíen la iglesia diaboli-
ca hay excrementos por el de
monio y por sus ministros
ordenados y serialados.

Martín de Castafiega, 1534

O SUBSTRATO RELIGIOSO E MARAVILHOS


O DA EXPA NSÃO
Durante muito tempo, o descobrimento da
América foi visto ape- .
has como o grande feito do homem europe
u que se tornava irrever-
sivelmente moderno e crescentemente racionalista. Aprision
ando e
controlando pela primeira vez o espaço do globo,
esse homem pas-
“ava a ser senhor dos mares e subjugador das cultur
as estranhas, im-
pondo por toda a parte seu credo, seus hábitos, sua visão
de mundo.
A descoberta da-América apressaria inclusive a consolidação
da mo-
Serna ciência, assentada no que hoje chamamos de paradigma galilai-
“O; garantiria a vitória do cálculo matemático e
de uma percepção
ordenada do universo, onde fenômenos até então in
compreensíveis
OU explicados em chave maravilhosa passavam
a ter explicação ra-
cional e razoável.
Se considerarmos o caso português, veremos que, enquanto as
caravelas cruzavam os mares obedecendo
a cálculos PISO into multi-
dões se deliciavam, na Corte, com os espetáculos de Gil Vicente, ce
de se abria espaço às práticas cotidi
anas do povosco no di es
de magismo e de maravilhoso. Os proces
sos quinhentistas da Eá
Sição atestam como era corriqueiro o recurso a filtros e poções ma-

21

A
F
o: e O——

gicas, e difundida a crença nos poderes extraordinários do Demô-


nio. Conforme ficou registrado por Camões no Canto v de Os
lusíadas, os próprios marinheiros que partiam para a Índia, para a
China ou para o Brasil viam com olhos apavorados certos fenôme-
nos naturais como o fogo-de-santelmo ou a tromba marinha, então
já inteligíveis e explicáveis ante olhos eruditos.!
Tensão entre o racional e o maravilhoso, entre o pensamento laico
e o religioso, entre o poder de Deus e o do Diabo, embate, enfim,
entre o Bem e o Mal marcaram desta forma concepções diversas acer-
ca do Novo Mundo. Para os primeiros colonizadores e catequistas
da América, que viveram numa época em que contendas religiosas
dilaceravam a Europa, o recurso a tal embate não era simples retóri-
ca, mas índice de mentalidade onde o plano religioso ocupava lugar
de destaque, mostrando-se presente nos mais diversos setores da vi-
da cotidiana.
Foi assim que, ao lado da expansão de mercados, os portugue-
ses objetivaram, com as navegações, difundir a fé católica. Na Crô-
nica do descobrimento e conquista da Guiné, em meados do século
xv, Gomes Eanes de Zurara já expressava o missionarismo luso:

A quinta razão [das que moveram o infante aos descobrimentos mari-


timos] foi o grande desejo que havia [o infante] de acrescentar em a |
santa fé de nosso senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que
se quisessem salvar, conhecendo que todo o mistério da encarnação,
morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi obrado a este fim,
scilicet, por salvação das almas perdidas, as quais o dito senhor que-
ria, por seus trabalhos e despesas, trazer ao verdadeiro caminho.

' João de Barros, nas Décadas, abraçaria a mesma idéia de Zurara:


diz que “Nosso senhor [o infante] como por sua misericórdia que-
ria abrir as portas de tanta infidelidade e idolatria pera salvação de
tantas mil amas que o demônio no centro daquelas regiões e pro-
víncias bárbaras tinha cativas, sem notícia dos méritos da nossa re-
denção””, para tanto determinando a João Gonçalves e a Tristão Vaz e
que descessem pela costa africana, explorando-a com espírito entre
comercial e cruzadístico.? Como outro grande herói da nacionali- |
dade portuguesa, Nuno Álvares Pereira, o infante era cristão fervo-
- FOso, jejuando quase a metade do ano e fazendo repetidas esmolas.
No contexto espanhol, é bem conhecido o lado místico de Cristóvão
Colombo, que desejava, com o ouro da América, recuperar Jerusa-
lém para a cristandade ocidental.
Descoberto o Novo Mundo e instaurado o processo de coloni-
A

aos
zação, continuou a se desenrolar o embate entre o Bem e o Mal Em
1546, Pero de Góis, o donatário da capitania de São Tomé, escrevia
ao monarca português queixando-se do estado caótico à que se via
entregue a jovem Colônia: “tudo nasce da pouca justiça e pouco te-
mor de Deus e de Vossa Alteza que em algumas partes desta terra
se faz e há, por onde se, de Vossa Alteza não é provida, perder-se-á
todo o Brasil antes de dois anos”. D. João rr parece ter sido sensí-
vel também a estes apelos, e três anos depois enviava para a Colônia
Tomé de Sousa, O primeiro governador geral, e mais os primeiros
missionários, todos jesuitas. E esclarecia: ““a principal causa que me
moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gen-
te dela se convertesse à nossa santa fé católica”
3.

A PRESENÇA DA DEMONOLOGIA NA AMÉRICA


E SUA RELAÇÃO COM UMA CIÊNCIA DO OUTRO

A missão catequética fazia parte do contexto de transformação


religiosa que, na Europa, propiciou o surgimento da religião refor-
mada — o protestantismo — e ainda a profunda reestruturação que
afetou a Sé romana. Em 1545, tinha início o Concílio de Trento, e
a cristianização das populações de ambos os lados do Atlântico
tornou-se um dos pontos de honra do programa tridentino. Antes
mesmo do concílio, porém, os portugueses já se preocupavam com
a conversão dos povos que submetiam — como se viu acima, nos
tempos do infante d. Henrique —, e os espanhóis, no início do sécu-
lo XVI, enviavam missões para a América Central.
Da mesma forma, desde o século xrv o pensamento erudito eu-
ropeu via-se às voltas com a ameaça de coortes demoniíacas, formu-
lando seus temores num corpo doutrinário que ficou conhecido co-
mo demonologia, Fundada por santo Agostinho, que deu estatuto
concreto e multiforme ao demônio imaterial do Antigo Testamento,
a demonologia se enriqueceu durante a Idade Média, sendo marcos
nesta produção o Formicarium, de Nider, e o Malleus malleficarum,
de Sprenger e Kramer. Nos séculos seguintes surgiriam seus maiores
expoentes: a Démonomanie des sorciers (1580), de Jean Bodin; a Dae-
monologie (1597), de Jaime vI Stuart, depois Jaime 1 da Inglaterra;
o Tableau de 'inconstance des mauvais anges et des démons (1612),
do juiz Pierre de Lancre.
Com a descoberta da América, a demonologia parece ter sido»
a ciência teológica mais bem repartida entre conquistadores e coloni-
A
o
i | 23-
a.
o! sd Los o

zadores do Novo Mundo, dos cronistas € especialistas como os mis-


sionários e eclesiásticos em geral — Nóbrega, Anchieta, frei Vicente
do Salvador, Acosta, Sahagún, Olmos, Las Casas — aos autodida-
tas como o soldado Cieza de León. Tal fato se explica porque, para
os europeus do final da Idade Média e início da Epoca Moderna,
o devassamento dos espaços trazia consigo sua cristianização e or-
denação segundo padrões culturais únicos e hegemônicos, europeus,
em última instância. A evangelização da Europa expulsara o demô-
nio para terras distantes, da mesma forma como a intensificação do
contato entre Oriente e Ocidente havia provocado a migração das
humanidades monstruosas e fantásticas para a Índia, a Etiópia, a
Escandinávia e, por fim, para a América,
mtas! No

t+ A demonologia é hoje vista como um campo complexo do co-


nhecimento, relacionada com o surgimento do moderno pensamen-
to cientifico, voltada para a investigação acerca da causa dos fenô-
menos.º Bodin e Jaime Stuart foram também teóricos importantes
do absolutismo monárquico, o que sem dúvida sugere vínculos en-
tre a demonologia e a centralização política na Europa, confirman-
do ainda a hipótese de Trevor-Roper acerca da ambigiiidade do sé:
culo xvi — corroborada, aliás, por certos estudos sobre a natureza
do Estado absolutista.é
Na península Ibérica, o alcance da demonologia não foi tão con-
siderável quanto na Europa do Norte. Mesmo assim, na Espanha
— onde os tratados contra superstições são a expressão local do fe-
nômeno —, as publicações no gênero ocorreram com especial inten-
sidade entre 1510 e 1618: seis títulos no século XVI, quatro no sécu-
lo xvir. Entretanto, tomando-se a demonologia como
forma de
conhecimento mais ampla, aumenta o número das obras que
ver-
sam sobre o assunto, alinhando-se entre os demonólogos
autores co-
mo Pedro de Valencia, Afonso de Salazar Frias, Francisco de Vitó-
"a, Andrés Laguna, Martín de Azpilcueta Navarro.º.O tom geral
A A e ando diferenciar o que per-
passando, a seguir, a ns E pa NG Deus e do Diabo,
; ar a superstição — identificada, pela
de demonologia achavam-se presentes em inúmeros escritos quinhen-
tistas e seiscentistas, como se procurará mostrar neste trabalho.
A demonologia surge, assim, como muito mais do que um con-
junto de tratados referentes à perseguição de bruxas, e se espraia por
outras obras além dos manuais de feitiçaria, sendo possível detectar
uma demonologia em sermões católicos, nos textos de pregação pro-
testante, enfim, em toda a produção epistolar e tratadística voltada
para a descrição da natureza do continente americano e dos hábitos
e costumes de seus habitantes. Neste sentido, parece-me que a de-
monologia deve ser compreendida nos quadros do que Certeau no-
meou-de heterologia, e em conexão com os textos de viagem qui-
nhentistas que fundaram o olhar antropológico — textos que revelam
uma observação assombrada pelo seu Outro, o imaginário, e que se
constituíram no objeto de '“uma “cultura” assombrada pela sua exte-
rioridade “selvagem” "'.º Na análise de outra estudiosa da literatura
de viagens, elas se delineavam como “'conquista do espaço da alteri-
“dade, como recuperação de mirabilia perdidas”?
Se a visão ocupava papel primordial na hierarquia renascentis-
ta dos sentidos, se o próprio conhecimento moderno se definiria pe-
lo ato de possuir o outro por meio da visão, enfim, se viajar signifi-
cava reconhecer ocularmente o Outro, cabe lembrar Merleau-Ponty
quando afirma que a visão nos cativa não apenas por ser uma jor-
nada em direção às coisas externas, mas também por significar vol-

— pa

ta a uma realidade de origem, representada nos objetos percebidos

———
=
a distância. Na viagem, o viajante inventaria e descobre paulatina-

E
mente o seu lugar de origem, o lugar de onde procede, e estabelece

E
uma relação especial com a viagem: “viajar é enxergar (ver), mas
enxergar. (ver) já é viajar”1º
Relacionando-se, por um lado, com a investigação científica, a
demonologia se relacionaria, igualmente, com esta ciência do outro
que Certeau não teve tempo de aprofundar mas que delineou sob
a designação de heterologia.” Na Europa, bruxos e bruxas consti-
tuíram esse outro que a cultura opunha a seus padrões, identificando-
os, para alguns, com a anti-sociedade, ou com o estado de nature-
za.'2 Na demonologia de que se trata aqui — referida à alteridade
E

americana —, a relação heterológica se verificaria sobretudo pela ne-


gação: nomeava-se e se classificava o Outro ameaçador com os ele-
mentos negativos e detratores por excelência disponíveis no âmbito
A

da cultura dos conquistadores e colonizadores da América, Se a des-


o
DR

coberta de novos mundos pôde revigorar os símbolos do maravilho-


so, foi capaz também de fortalecer a demonologia européia. Mundo

25
CO

inquietante, capaz de seduzir e aterrori


zar ao mesmo tempo — diz
Giulia Lanciani —, o ultramar atlântico pr
ovocava vertigens no eu-
ropeu do século xvi, impelindo-o a buscar refe
rências em contex-
tos tranqiuilizadores, “concretos ou mentais
— pouco importa”,
Recuperam-se então mitos tamiliares e muitas
vezes antigos, que, “en-
xertados em húmus diverso”, ajudam a compreende
r os enigmas do
mundo, “transformando-se em instrumentos de conhecim
ento den-
tro de um horizonte de significação”,13
Neste sentido, acredito ter a demonologia se desdobra
do tanto
nas cartas jesuíticas brasileiras como nos escritos de um Acos
ta ou
de um Diego de Landa, alimentando-se das narrativas de viagem
ame-
ricanas para consolidar sua perspectiva heterológica da feit
içaria e
práticas mágicas. Caça às bruxas, manuais demonológicos — por
um lado — e extirpação das idolatrias, catequese, literatura moral
sobre as Américas — por outro — serão aqui vistos, portanto, como
as duas faces do que Certeau chamou de heterologia.!4 |

A APROXIMAÇÃO COM O MODELO SABÁTICO

» Foi sobretudo na caça às bruxas que se treinou o olhar demo-


nológico sobre a América.!* Muito curioso é o caso de Andrés de
Olmos, autor de um Tratado de las antiguedades mexicanas, do qual
se conhecem apenas fragmentos.!º Antes de partir para a Nova Es-
panha, Olmos trabalhara com Zumárraga na repressão aos bruxos
e bruxas de Biscaia, e, segundo Mendieta, tal ação parece ter agido
favoravelmente no sentido de levar Carlos v a designar ambos para
o ultramar — onde, em 1528, Zumárraga se tornaria o primeiro bis-
po do México. Na verdade, como observa Pierre Ragon, a distância
entre uma bruxa basca e um índio idólatra podia passar por muito
pequena para um espanhol do século xv1.!” Olmos afirma: “há nes- |
te mundo duas congregações: uma é muito boa, a outra muito ruim.
A que é muito boa se chama igreja católica, a que é ruim se chama
igreja diabólica”. Sua afirmação é muito semelhante à de fray Mar-
tin de Castariega, para quem haveria duas igrejas, uma católica e a
outra diabólica, esta se voltando para excrementos enquanto a pri-
meira se voltava para os sacramentos.!8 Castaiiega trabalhara no
País Basco na mesma época em que Zumárraga e Olmos, e suas te-
ses seduziram este último a ponto de fazê-lo adaptar em náuatle os
onze primeiros capítulos do seu Tratado muy sotil y bien fundado
de las superstitiones y hechicerias..., que se editara em Logrono no
=

ano de 1529. Desta forma, Olmos aplicava aos idólatras do Novo


Mundo o discurso de Castariega sobre os desviantes bascos, reutili-
zando as contribuições da demonologia em suas próprias investiga-
ções sobre a civilização asteca.
A atestar a difusão da demonologia pelos diferentes meios so-
ciais há as opiniões do jurista Juan Polo de Odegardo, que, ao des-
crever práticas religiosas andinas em Los errores y superstitiones de
los indios, incorpora elementos da feitiçaria européia: bruxas tam-
bém cruzariam os ares dos Andes, falariam com o diabo, saberiam
de coisas impossíveis de se saber por meios naturais.!? Há ainda a
descrição dos ritos tupinambás feita por um protestante, Jean de Léry,
que, no conflito dos sentimentos contraditórios nele suscitados pe-
las danças, as defumações e os volteios dos caraíbas, confessou na
Histoire d'un voyage faict dans la terre du Brésil que, “se no início
deste sabá”' se mostrara temeroso, acabara recompensado pela har-
monia dos acordes, pelo impacto da música, pela cadência dos re-
frões que o encantaram.?º
Procedendo de lugares diferentes, abraçando credos diversos, re-
fletindo sobre contextos culturalmente distintos, Polo de Odegardo
| e Léry tiveram que recorrer a imagens que lhes eram familiares —
a bruxa voadora, o sabá das feiticeiras — para poderem entender,
de forma analógica, o que tinham sob os olhoskA familiaridade das
populações mexicanas com o uso de substâncias alucinógenas susci-
tou, por exemplo, aproximações com a feitiçaria sabática. Ao des-
crever a confecção de um ungiento alucinógeno à base de insetos
amassados, tabaco e alcalóides, Durán conjecturou que deveria ser
semelhante ao utilizado pelas bruxas européias em seus vôos.2! Mas
nem sempre a demonologia se manifestou na forma sabática, e nem
sempre se explicitaram as comparações com as bruxas que, na Euro-
| pa, ardiam em fogueiras ou pendiam, aos milhares, de forcas. Do
corpo doutrinário dos demonólogos, os proto-etnógrafos da Amé-
rica retiraram frequentemente apenas um quadro explicativo mais ge-
ral, conseguindo, no interior dele, conservar bastante liberdade de
espírito. Na verdade, o Novo Mundo funcionava como poderoso ins-
pirador das elucubrações demonológicas: se na Europa os poderes
| repressores perseguiam superstições e maleficia que não chegavam
a recobrir verdadeiras crenças religiosas heterodoxas, em terras ame-
ricanas tinham que liquidar a herança de uma Igreja pagã, consubs-
tanciada em crenças efetivas.??
Sem aludir ao vôo noturno ou ao sabá, muitos dos cronistas
e eclesiásticos que descreveram as práticas mágico-religiosas ameri-

2
canas fizeram-no utilizando a terminologia que conheciam e empre-
gavam para designar os agentes satânicos por excelência. Sacerdotes
maias. incas ou astecas, xamãs, caraibas e pajés tupis, enfim, todos
“os responsáveis pelo espaço sagrado foram quase sempre chamados
de bruxos e feiticeiros — termo aliás empregado por muitos até os
dias de hoje, mas que se cunhou no Quinhentos, no rastro da demo-
nologia e da caça às bruxas européia.
Na Informação da Terra do Brasil, escrita em 1549, Nóbrega des-
creve os costumes religiosos dos índios chamando-os de feitiçaria,
mais particularmente no que diz respeito ao xamanismo tupi: **De
certos em certos anos vêm uns feiticeiros de mui longes terras, fin-
gindo trazer santidade e ao tempo da sua vinda lhes mandam lim-
par os caminhos e vão recebê-los com danças e festas, segundo seu
costume: e antes que cheguem ao lugar, andam as mulheres de duas
em duas pelas casas, dizendo publicamente as faltas que fizeram a
seus maridos umas às outras e pedindo perdão delas”. Aqui, já ha-
veria, talvez, uma ênfase em caracteres negativos do comportamen-
to feminino: a inconstância e a lascívia que as aproximariam ainda
mais das bruxas européias. Uma vez chegando ao lugar, prossegue
Nóbrega, O feiticeiro é recebido com muita festa, entra em casa es-
cura, começa a pregação milenarista junto à cabaça, prometendo pro-
fusão de alimentos, vida longa, juventude para as velhas. E, a se-
guir, dá-se a possessão:
Acabando de falar o feiticeiro, começam a tremer, principalmente as
mulheres, com grandes tremores em seu corpo, que parecem demoni-
nhadas (como de certo o são), deitando-se em terra, e escumando pe-
las bocas, € nisto lhes persuade o feiticeiro que então lhes entra a san-
tidade; e a quem isto não faz tem-lho a mal, Depois lhe oferecem muitas
coisas e em as enfermidades dos Gentios usam também estes feiticei-
ros de muitos enganos e feitiçarias.??

O capuchinho Yves d'Evreux foi outro europeu pródigo em alu-


sões aos feiticeiros tupis, com os quais os diabos mantinham comu-
nicação constante, fosse por intermédio de demônios familiares em
forma animal — morcegos, pássaros negros —, fosse por meio de
uma voz saída das entranhas da terra, de dentro de um buraco, co-
mo a feiticeira de Endor que falara a Saul,24 Os rituais dos sacer-
dotes com ervas, Evreux denominou-os “cerimônias satânicas”*
co-
giga por intermédio do Maligno, pois “ayant toujours été
entermés dans cette grande et vaste prison du Brésil,
sans aucune

28
communication avec le vicux monde, ils ne pouvaient Vavoir apprise
d'aucune autre nation",
25*
Mesmo sem aludir ao sabá, era ele que, com certeza, subjazia
como paradigma em várias das descrições etnodemonológicas. Ain-
da no século Xvi, o jesuíta Azpilcueta Navarro retratava o sabá, mas
enunciava o inferno: “Vi seis o siete viejas que apenas podían tengr
en pie dançando por el deredor de panella y atizando la oguera que
parecían demonios en el infierno”.* No Peru seiscentista, outra des-
crição, agora contida num documento inquisitorial, inspira-se no sabá
e nas práticas correntemente creditadas às bruxas européias, mas não
os menciona:
Iten, que muchas personas, especialmente mugeres fáciles y dadas a
supersticiones, con mas grave ofensa de nuestro Senor, no dudan de
dar, o cierta manera de adoracion al Demonio, para fin de saber de
las cosas que desean, ofreciéndole cierta manera de sacrificio, encendien-
do candelas y quemando incienso y otros olores y perfumes, y usando
de ciertas unciones en sus cuerpos, le invocam y adoran con nombre
de ángel de luz, y esperan de las respuestas o imágenes y representacio-
nes aparentes de lo que pretenden, para lo qual, las dichas mugeres,
otras veces se salen al campo de dia y a desoras de la noche, vy tomam
ciertas bevidas de yervas y raices, Ilamadas el achuma y el chamico,
y la coca, con que se enagenan y entorpecen los sentidos, y las ilusio-
nes y representaciones fantásticas que allí tienen, juzgan y publican des-
pues por revelacion, o noticia cierta de lo que a de suceder.
Apesar de não constituírem pacto explícito, tais procedimentos —
ao lado de outros, como a astrologia — denotavam a intromissão
oculta do Demônio nos atos humanos, ““aprovechándose de su fra-
gilidad y poca firmeza en la Fé....2

A ENORME IMPORTÂNCIA DO DIABO


E CERTOS ASPECTOS ESTRUTURAIS DA DEMONOLOGIA
Mas a grande vedete da demonologia americana é o diabo: é
ele que torna a natureza selvagem e indomável, é ele que confere os
atributos da estranheza e da indecifrabilidade aos hábitos cotidia-
nos dos ameríndios, é ele sobretudo que faz das práticas religiosas
dos autóctones idolatrias terríveis e ameaçadoras, legitimando as-
sim a extirpação pela força.

(*) “tendo sempre permanecido encerrados nessa grande e vasta prisão do Bra-
sil, sem nenhuma comunicação com o velho mundo, eles não as poderiam ter apren-
dido com nenhuma outra nação.

29
id
Com a cristianização mais homogênea do Velho Continente, co-
mo ficou dito acima, o diabo se mudara para o Novo. Mesmo em
um Las Casas, que na Apologetica historica, de 1559, via ubiquida-
de na ilusão demoníaca — considerando-a, diferentemente de ou-
tros etnodemonólogos, como bem repartida entre os diversos povos
do mundo —, explicitava-se a associação entre a coorte infernal e
a América. Para cá teriam os demônios voado em grandes quanti-
dades por ocasião do advento da cruz, deixando para trás as regiões
mediterrânicas. E aqui continuaria a luta cruzadística. Descrevendo
a destruição da pirâmide de Pachacamac que, perto de Lima, fora
levada a cabo em janeiro de 1533 por Fernando Pizarro e um bando
de espanhóis sequiosos de tesouros, Miguel de Estete retrata, na Ke-
lación de la conquista del Peru, o triunfo final do Santo Lenho: após
tudo destruído, os espanhóis ergueram a cruz no mesmo local em
que, por tantos anos, o diabo reinara.?
Em outras plagas, o embate não teria tido igual sucesso. João
de Barros foi, com forte evidência, o fundador de curiosa tradição,
perpetuada por autores posteriores, em que a luta entre Deus e o Dia-
bo aparece identificada ao surgimento da colônia luso-brasileira, e
diretamente associada à crucifixão. Chegando pela primeira vez ao
Brasil, dera-lhe Cabral o nome de Terra de Santa Cruz, em homena-
gem ao Lenho Sagrado. A necessidade de nomear a nova terra se
colocou para Cabral quando partia para a Índia, a 3 de maio: man-
dou, então, “arvorar uma cruz mui grande no mais alto lugar de u'a
árvore e ao pé dela se disse missa. A qual foi posta com solenidade
de bênçãos dos sacerdotes: dando este nome à terra, Santa Cruz”.
O Santo Lenho inscrevia o sacrifício de Cristo na gênese da nova
terra, que ficava toda ela dedicada a Deus, havendo grande esperan-
ça na conversão dos gentios.
Per o qual nome Santa Cruz foi aquela terra nomeada os primeiros
anos: e a cruz arvorada alguns durou naquele lugar. Porém como o
demônio per o final da cruz perdeu o domínio que tinha sobre nós,
mediante a paixão de Cristo Jesus consumada nela: tanto que daquela
terra começou de vir o pau vermelho chamado brasil, trabalhou que
este nome ficasse na boca do povo, e que se perdesse o de Santa Cruz.
Como que importava mais o nome de um pau que tinge panos: que
daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos per que somos
salvos, per o sangue de Cristo Jesus que nele foi derramado.

João de Barros, numa enigmática condenação do culto à atividade


comercial, clamava contra o triunfo de princípios seculares sobre os

30
religiosos, como a corrigir o rumo tomado pela expansão lusitana:
“E pois em outra cousa nesta parte me não posso vingar do demô-
nio, admoesto da parte da cruz de Cristo Jesus a todos que este lu-
gar lerem, que dêm a esta terra o nome que com tanta solenidade
lhe foi posto, sob pena de a mesma cruz que nos há de ser mostrada
no dia final, os acusar de mais devotos do pau brasil que dela”. E
finalizava, celebrando o providencialismo da expansão: “E por honra
de tão grande terra chamemos-lhe província, e digamos a Província
de Santa Cruz, que soa melhor entre prudentes que brasil, posto per
vulgo sem consideração e não habilitado pera dar nome às proprie-
1» 29
dades da real coroa”.
A força de tradição assumida pelas idéias do autor das Déca-
das sugere como era acentuada, na mentalidade quinhentista e seis-
centista, a presença da explicação de cunho religioso para o desco-
brimento e a denominação da colônia brasileira, mostrando o outro
lado da aventura marítima portuguesa. Escrevendo alguns anos de-
pois, Pero de Magalhães Gândavo, para alguns “pai fundador” da
historiografia brasileira,” mostrava-se igualmente inconformado
com o nome que vigorava na designação da Colônia — Brasil —,
acreditando não haver razão para negar à nova terra O nome origi-
nal, nem para esquecê-lo “tão indevidamente por outro que lhe deu
o vulgo mal considerado, depois que o pau da tinta começou de vir
a estes Reinos [...)”'. A solução proposta pelo cronista para magoar
“ao Demônio, que tanto trabalhou e trabalha por extinguir a me-
mória da Santa Cruz e desterrá-la dos corações dos homens, mediante
a qual somos redemidos e livrados do poder de sua tirania”, era res-
tituir à terra o nome antigo, chamando-a Província de Santa Cruz.
Aos ouvidos cristãos, finalizava, era melhor som o nome “de um
pau em que se obrou o mistério de nossa redenção que o doutro,
que não serve de mais que de tingir panos ou cousas semelhantes””.3
No início do século seguinte, frei Vicente do Salvador desenvol-
veria argumentação análoga à de João de Barros e Gândavo, inspi-
rada, sem dúvida, na dos seus antecessores quinhentistas, e como
que sintetizando-as:

O dia que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz [...] era
a 3 de maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz em que Cris-
to Nosso Redentor morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra
que havia descoberto de Santa Cruz e por este nome foi conhecida mui-
tos anos. Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo
o domínio que tinha sobre os homens, receando perder também o muito
que tinha sobre em os desta terra, trabalhou que se esquecesse o pri-

31
meiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau

Igreja [...)*º
assim cha-
mado de cor abrasada e vermelha com que tingem panos, que o da-
quele divino pau, que deu tinta e virtude a todos os
sacramentos da

As explicações de João de Barros, Gândavo e frei Vicent


e são,
na verdade, uma só, girando em torno da identificação entre o sur-
|
gimento da colônia luso-brasileira e a luta eterna entre Deus e o Dia-
bo. Fato impar entre tantas terras coloniais, o Brasil seria
à única
a trazer tal tensão inscrita no próprio nome, que lembrava para sem-
pre as chamas vermelhas do reino do inferno. Em periodos poste-
riores ao que aqui se estuda, a idéia do embate entre Bem e Mal co-
mo fundador da própria identidade ““brasileira”” continuou à ter
força; em 1727 e em 1728, Sebastião da Rocha Pita e Nuno Marques
Pereira, respectivamente, abraçariam a tradição inaugurada por João
de Barros: sob a diversidade dos contextos, portanto, persistiam pro-
fundos traços mentais.
O enraizamento dessa tradição ajuda a compreender melhor a
leitura que os jesuítas catequizadores fariam da natureza brasileira,
assolada sem trégua pela presença demoníaca, ou endemoninhada
ela mesma. Afinal, fora.a malfadada árvore de pau vermelho que
roubara o nome santificado, atestando a insubordinação de um mun-
do natural muitas vezes caótico, desordenado e contraditório como
=» O próprio demônio. Este habitava as terras brasileiras, perturbando,
“por exemplo, a serenidade das águas fluviais: em viagem missioná-
ria pelo interior, o padre Jerônimo Rodrigues deparou com um rio
“tão perturbado, que parecia andarem ali visivelmente os demônios,
que ali ferviam em pulos para o céu, que punha espanto” "MySata-
nás encarnava-se ainda em baleias, desencadeava tempestades que
comprometiam as missas campais dos missionários, convocava le-
giões de moscas que atordoavam os sacerdotes no ofício religioso
,
enfim, fazia com que fosse permanente na Colônia portuguesa o es-
tado de guerra entre as forças do Bem e do Mal: “neste lugar tive-
mos muitos combates do demônio, e ainda agora temos”, escrev
ia
a Roma o padre Pero Correia.)
O teatro de José de Anchieta pôs em cena esta visão cruzadiís
ti-
ca, associando ao demônio os traços da cultura am
eríndia e a Deus
os da cristandade ocidental. Neste sentido, cabe destacar,
entre suas
peças, Va festa de São Lourenço e Na Vila de Vitóri
a, escritas pro-
vavelmente entre 1583 e 1586, e ainda Na aldeia de Guar
aparim. Nes-
tas peças, entretanto, a demonização do indígena as
sumiu também
po
coloração mais específica. Na aldeia de Guaraparim, por exemplo,
demônios com complicados nomes indígenas reúnem-se em conci-
liábulos — o concílio do Mal, expressão do impulso demoníaco à
revolta política. Na festa de São Lourenço, enuncia-se mais uma vez
a identificação do índio ao demônio pela mediação da revolta polí-
ticayiGuaixará e Aimberê, chefes tamoios que haviam lutado em
1566-7, apoiando o invasor francês contra os portugueses e os jesuí-
tas, aparecem como demônios de destaque, dotados de vários auxi-
liares, diabos menores de nomes indígenas. Ardendo por toda parte,
assumindo, segundo Alfredo Bosi, papel central em Na festa de São
Lourenço, o fogo, simultaneamente infernal e divino.*?
No México, a atestar mais uma vez a difusão geográfica e so-
cial da etnodemonologia das Américas, um leigo como Alonso de
Zorita se ressentia, na Historia de la Nueva Espana, da presença fi-
sica do diabo na natureza, cada vulcão sendo, na realidade, uma bo-
ca do inferno.” No Peru, os primeiros missionários acusaram a
atuação dos demônios no desencadear de vendavais terríveis, que ti-
nham por objetivo impedir a evangelização dos povos andinos.”
Vendo a razão natural dos índios embotada pelo demônio —
como Martin de la Corufa — ou lamentando o abandono dos ame-
ricanos às hostes de Satã — como Sahagún —, os missionários e cro-
nistas dos primeiros tempos da colonização tinham a convicção de
enfrentar, no Novo Mundo, um velho inimigo.” Por um lado, tal
certeza foi o mais poderoso obstáculo à compreensão em pro fundi-
dade das sociedades indígenas. Por outro, mostrou que o desencan-
tamento subsequente à euforia do primeiro contato — comum tanto
ao México quanto ao Peru e ao Brasil, e aqui muito bem representa-
do na transição presente nos escritos de Manuel da Nóbrega ou de
José de Anchieta — ancorou-se na própria linguagem demonológi-
ca.“º Nesta, como viu Ragon, imperou um raciocínio explicativo as-
sentado nos princípios de inversão e de desordem, e dominou uma
linguagem dos contrários, conforme a análise brilhante de Stuart
Clark.
O recurso à inversão permitia dar conta de múltiplos fatos cul-
turais concretos análogos às realidades européias mas opostos a elas
devido à ação do Diabo no sentido de parodiar as honras prestadas
a Deus. No México, por exemplo, os missionários recorreram com
frequência à inversão, as práticas religiosas dos autóctones sendo
caracterizadas por oposição às católicas, numa perspectiva delibe-
radamente maniqueiísta. O princípio da desordem mostrou-se parti-
cularmente fecundo para o etnodemonólogo do século xvi, possi-

33
bilitando inventários exaustivos de hábitos e costumes dos quais não
era necessário compreender os significados nem fornecer explicações
havendo, assim, maior liberdade para as descrições, No limite, tal
atitude resultou num total desencorajamento ante o incompreensí.
vel, e na inutilidade da compreensão. O cronista dominicano Diego
Durán, por exemplo, desencorajado ante um conhecimento inçom-
pleto do náuatle, acaba rejeitando as fórmulas sagradas dos nauas
como vazias de significados, da mesma forma como, na Europa, se
rejeitavam os gribouillis dos feiticeiros: “que el demónio que se les
enschó solo les entiende”,4?
JA desordem demonfaca está presente, por exemplo, nas descri-
ções feitas pelos jesuítas Luís da Grã e Fernão Cardim dos hábitos
que envolviam a alimentação c a moradia entre os tupis do Brasil:
“nem sei outra melhor traça do inferno que ver uma multidão de-
les, quando bebem”, escrevia o primeiro a santo Inácio de Loyola,
Como o povo do inferno, os índios viviam junto ao fogo de dia e
de noite: “porque o fogo é sua roupa, e eles são mui coitados sem
fogo [...] e toda a casa arde em fogos”, considerava Cardim no seu
Tratados da terra e gente do Brasil! |
A linguagem dos contrários, por fim, seria possivelmente o ele-
mento mais importante da demonologia, elo de ligação entre ela e
todo um universo mental característico do mundo moderno, presen-
te tanto no teatro elisabetano de Shakespeare e Ben Johnson quanto
nas concepções revolucionárias de um mundo às avessas, de um País
de Cocanha, na prática debochada do charivari, na carnavalização
própria à cultura popular; quanto nos sermões e pregações ameaça-
doras de católicos e protestantes; quanto, ainda, nas copiosas des»
crições dos missionários-ctnógrafos e dos demais cronistas das Amé-
ricas que trataram das práticas religiosas ameríndias — conhecidas,
no mundo hispano-americano, por idolatriaMs
ss,

DEMONOLOUIA E IDOLATRIA

* José Acosta, missionário jesuíta que atuou na América já no


final do século xvr, ilustra magistralmente a tendência em demoni-
gar as práticas religiosas do Novo Mundo, Eis alguns dos títulos das
partes de sua Historia natural y moral de las Indias, Livro v, cap,
x1; “De cómo el demonio ha procurado asemejarse a Dios en el mo-
do de sacrifícios, religión y sacramentos": cap. xv: “De los monas-
terios de doncellas que inventó el demonio para su servicio": cap.

Jd
TT

qu e ti en e el d e m o n i o pa ra
lo s m o n a s t e r i o s de re li gi osos
XVI! “De ia s y as pe re za s qu e ha n
t i c i ó n ” ” ; c a p . X V I : “ D e l as pe nitenc
su supers : ca p. xx um : “ D e cÓ -
o r p e r s u a s i ón del de n jo ni o”
usado lo s i n d i o s p
los sacrame ntos de la santa
ha procurado remedar
mo el demonio m o n i o p r o c u r ó en
manera con qu e » e] d e
Iglesia”; cap. XXIV: “De la o m u n i ó n qu e us a la
ar la fi es ta de Corp u s Ch ri st i, Y c
Me x i c o r e m e d
“De algunas fiestas que usaron los
de
canta Iglesia”; cap. XXVII: e) mi st er io de la
quiso ta mb ié n im il ar
Cuzco, y cómo el demonio
Santíssima Trinidad”.* s se nt ou -s e em
as p r é - c o l o m b i a n a as
A caracterização das idolatri
ut or es da Ig re ja , es pe ci al me nt e sa nto
fundamentação bíblica, nos do ligio-
a he ra nç a bí bl ic a co m à fi lo so fi a re
Agostinho, Amalgamando e for-
as es cr it ur as de fo rm a pe ss oa l, el
sa dos antigos, interpretando
co nq ui st a os el em en to s ex eg ét ic os
neceu ao humanismo cristão da
id ol at ri a. N ã o po r à ca so , sa nt o Ag os ti -
necessários à definição de a m
s , o p r i n c i p a l a u t o r e m q u e b e b e r
nho foi, junto com santo Tomá
os mo de rn os te ór ic os da de mo no lo gi a. '*
o pai qu e al im en ta va as ido lat ria s. Ela s se as senta-
O demo era
a os eu ro pe us , na pa ró di a de mo ní ac a, na ma ca qu eação gros-
vam, par
De us , ex pr es sa s nos sac rif íci os hu ma no s, na an-
seira das obras de
so do mi a, na ad iv in ha çã o, on de o di ab o in te rvinha
tropofagia, na
me nt e. A idé ia de ido lat ria mo st ra va -s e pr es en te até nas consi-
or al
co mp ad ec id as de um An dr é Th ev et , pa ra qu em , des tit ul-
derações
dos da ve rd ad ei ra ra zã o e do co nh ec im en to de De us , os ín di os se
tornavam pre sas das ilu sõe s fa nt ás ti ca s e das pe rs eg ui çõ es qu e lhe s
inf lig ia o Ma li gn o. Vi vi am at er ro ri za do s, te me nd o o es cu ro e le va nd o
consigo um fogo quando saíam à noite, atolando-se no engano da
idolatria e adorando o Diabo por meio de seus ministros, OS pajés.*”
Se a idéia de idolatria variou entre os ctnodemonólogos da Amé-
rica, cabe aqui destacar, mais uma vez, O papel decisivo de José de
Acosta, Diferentemente de um Las Casas, para quem ela acabava pre-
parando o ameríndio para a recepção da fé católica, Acosta achava
que, apesar de aptos a receberem a fé, os índios se entregavam a ido-
latrias demontacas: era assim o demônio, e não a torre de Babel, que
explicava a diversidade das divindades e dos cultos, “Expulso pela
chegada do Cristo, o demônio se refugiara nas Índias, delas fazendo
um de seus bastiões, A idolatria não é, pois, apenas uma forma er-
rônea de religião natural, Ela não é natural, mas diabólica” Subs-
creve, desta forma, a definição bíblica segundo a qual a idolatria é
o começo e o fim de todos os males.**
c
De qualques Tr formma,
for a con ção
encção
onccep deUs que as práticas religiosas
- mu “ act «ram idólatras mostrou-se
LIA od
presente em todos os
ETA À asittas

=
mun f
ares que escreveram sobre as colônias espanholas. Na Historia
reneral de las cosas de Nova Espana, Sahagu n achava que os idolos
ta hi o

n rep res ent açõ es de dem ôni os reai s. No con hec ido “Co-
indicenas eral
lóquio dos Doze”, já se encontrava presente à demonização das ido-
tm

atrias. os diabos impelindo os homens a adorarem “a coisas de


barro”. ““ão sol, à lua, às estrelas, às pedras, às árvores, a ave, à ser-
nente".*º Trabalhando com manuscritos nauas — que compreendia
com dificuldade — para escrever seu próprio texto, Durán via nos
ideogramas representações de Satã. O costume inca de enterrar os
vivos era tido por Cieza de León, na Crónica del Peru, como deter-
minado pelo extraordinário poder que a ilusão demoníaca ocupava
na vida dos gentios, decorrente da falta de orientação religiosa que
tinham. A posição de Cieza é bastante nuançada devido à admira-
ção que nutria pelas realizações políticas e econômicas das popula-
ções andinas: demonizada se mostrava, portanto, no seu caso, uni-
camente a religião.” No México, autores seiscentistas se estenderam
sobre a questão da idolatria: Ruiz de Alarcón, Jacinto de la Serna,
Pedro Sanchez de Aguilar, Gonzalo de Balsalobre, Diego Jayme Ri-
cardo Villavicencio, a frequência da produção sobre o assunto con-
trastando com o caráter assistemático das campanhas extirpado-
ras.*! Mais uma vez, como os demonólogos europeus, alguns destes
homens — no caso, Ruiz de Alarcón e Jacinto de la Serna — funda-
mentavam as informações sobre práticas idólatras com base em ex-
periência própria, como visitadores gerais das dioceses; mais uma
vez, pois, aproximam-se o registro etnográfico e a teorização demo-
nológica,
O demônio era o inimigo pessoal de cada um desses evangeliza-
dores, de cada extirpador que o perseguia e combatia por toda parte
onde se encontrava, nos ídolos que se fazia preciso quebrar e na al-
ma dos índios, de onde deveriam ser expulsos. Os casos de posses-
são demoniaca proliferaram no Peru sobretudo na primeira metade
do século XvII, e se mostraram mais comuns entre os índios. O de-
mo habitava seus corpos para melhor assegurar ou defender o impé-
rio da idolatria, e certos monges se tornaram verdadeiros especialis-
tas na arte do exorcismo, que assim veio a ser uma técnica privilegiada

esp às,
No mundo hispano-americano, portanto, desde muito cedo os
ri
e Deus sempre triunfar no final.
catequistas € Os funcionários da Coroa moveram
luta encarniçada

36
[A

contra maniltestações religiosas autóctones, dando destaque especial


aos templos e ídolos. E bem conhecida a ordem de Zumárraga para
destruir templos astecas e, sobre seus escombros, levantar igrejas ca-
tólicas. Numa carta famosa datada de 12 de junho de 1531, ele se
jactava da destruição de mais de quinhentos templos e 20 mil ido-
los. Dois anos antes, Martin de la Coruna declarara também em carta
que uma das principais ocupações de seus discípulos era derrubar
E ídolos e arrasar templos, no que aliás eram dirigidos por ele próprio.
Ainda no México, em 1576, Bernardino de Sahagún fundamentava
a destruição das idolatrias com base na necessidade de impedir o con-
tágio dos “costumes da república” e afirmar uma “outra maneira de
civilização que não tivesse nenhum ressaibo de coisas de idolatria”.*-
A destruição dos idolos era ainda mais importante do que a dos
templos, pois era fácil escondê-los.º A dos livros sagrados também
não ficava atrás: missionário no Yucatán e na Guatemala, Diego de
e
Landa, depois segundo bispo da península, queimaria — conforme
seu próprio testemunho — “tum grande número” de livros sagrados,
inviabilizando para sempre a melhor compreensão da cultura maia;
entre os argumentos que apresenta na sua Relación para justificar
o feito, está presente o viés demonológico: “não continham nada |
em que se não pudesse ver superstição e mentiras do diabo”.**
| * Utilizada por Las Casas ainda no século xvi, foi, entretanto, ape-
nas no Seiscentos que ganhou força nos processos de idolatria a ca-
suística do pacto demoníaco. Em terras mexicanas, o princípio do pacto
foi tudo o que as práticas autóctones conseguiram então conservar do
repertório diabólico cristão imposto pelos catequistas e extirpado-
res.“ Todavia, acusações de pacto estão entre as culpas que Landa
atribuía aos índios maias ainda no século xv1, em 1562.ºº No Peru,
onde o movimento de extirpação talvez tenha sido mais espetacular,
Igreja c Estado se uniram no combate, que foi sistematizado por meio
de Visitas, frequentes sobretudo entre 1610 e 1671, Primeiramente, a
' repressão religiosa se limitou a destruições, saques, incêndios de tem-
plos, túmulos, estátuas, objetos sagrados e valiosos. Mas a partir do
t Concílio de Lima, em 1551, procurou-se normatizar € uniformizar
A a repressão aos ritos de iniciação religiosa, às danças sagradas e, so-
| bretudo, aos cultos incas dedicados aos ancestrais. Em autos-de-fé,
Os inquisidores destruíam santuários e estátuas sagradas, queimando
" as múmias dos antepassados da comunidade num espetáculo particu-
larmente dramático por acreditarem os incas ser necessário preservar
o corpo para a ressurreição. Queimando as múmias, os espanhóis pri-
vavam os antepassados da possibilidade de vida eterna,

37
NO CEP dA. CALITIEÇÕES CoutTEES, Gabe temer os ROO
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cTart UUCs MoCnHTas e CIIÇTUAOS CT IM Epa: Cotia ES IRIS, O tratelho
Tê NvVestgAÇçãO TÃO (RCTIINANTA CIT S7 VIDRO MOS, “E nesse tempo
todos teram se trormido idúlacras, e ide par: e mntfemo.N: io a”

Vias às estrategras da exorpação ambeém se fizeram de forma me-


TOS Apetacular, se bem que igualmente dramadics. Ainda vo Pery.
o exemplares os sermões de Avrendano 305 indios: “Digam agora,
meus Giles, de todos es homens vascidos mesta terra antes que os es-

=
panhois nela pregassem O Santo Evangelho — quantos se salvaram”

A
Quantos" Quantos foram pars e céu? — Nenhum. Quantos Incas fo-
aum para o Inferno? — Todos. Quantas ninhas? — Todas. Quantas
princesas? — Todas. Porque adoraram: os demônios nos Auecus"”.S
Para os indios, 2 idcia de mfermo não era indiferente, mesmo
que sua apreensão dele fosse distinta. Em Mixtôn, na Nova Galicia,
ocorreu no ano de 154] uma rebebão de caráter religioso, pela liber-
cade de culto e contra o catolicismo. Os revoltosos mataram missio-

CE
nários, queimaram cruzes, entregaram-se à cerimônias sacrilegas, pa-

a
o
rodiando a missa com adoração de uma sortille, fazendo sacrifícios

a
e danças pagãs. Em Tequia, apedrejaram frei Juan de la Esperança
e lhe machucaram ternvelmente a boca, para que nunca mais vel-
tasse à falar de seu Deus e ameaçar os indios com seu inferno.* sa

Medo do mferno, assim como do diabo, já eram, entretanto,


aa

decorrências do processo colonizador, ou, como formulou Serge Gru-


mnnskt, do processo de ocidentalização do Novo Mundo.“ O diabo
parece ter sido estranho tanto para os tupis do Brasil quanto aos
— ea

nauas, maias, incas é demais povos americanos. O cosmos maia era


neutro, às forças e os seres sagrados “não eram nem bons, nem ruins,
mas apenas caprichosos”. O Micilar naua, associado pelos cate-
quistas ao inferno cristão, era um dentre outros lugares que abriga-
vam mortos, e, contusão entre as confusões, tratava-se, originalmente,
de um lugar gelado.“ A cosmologia das populações andinas não
contava com à noção de mal personificada num ser satânico, sendo,
ao contrário, dotada de visão “dialética”" do universo, “na qual forças

38
em Ao po nm T a dt To TE A a o fé o É o “| upa aqu o mn sm, hay ml a. |
TA ad lada + ai ND 2051 ni a a to CREATE TTaTEeS, La NS E

à recrodação & sociedade como um todo”. Divindades andinas po-


a [a o .. me mm . o =. E. . - h Lo ve s = da Eta ga Ea = = bs a

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Le Ms x» a Wi TE» COCA STINTRURS SCOCTUtvoOs a CUT TADNOMTS Mai Mt Mir ELAS E a as

“uiotatrmas qee ocorreu, nos Andes, uma ieiçara megetivoe, as


“bruxas * chegando, inclusive. 2 Comfessar pactos com o diabo. Coa-
cepções andinas referentes à cura. adivinhação. sornilêgios viram-se
engoltadas por transformações profundas, inerentes 20 processo co-
tonizador. “Os espanhois crarem bruess no Peru, onde, antes, me-
phuma exsta
O tmunto do diabo erstão no imaginário das populações zme-
reamnas autóctones acabou sendo, assm, um subproduto da mdéta
que os europeus e sua Igreja tinham da idolatria: tenômeno nitida-
mente demarcado por barrerras próprias a uma concepção binária
do umiverso, O Céu se eponto ao infemo, & matureza à culkur, O
ser ao parecer, O espiritual ao temporal. Como o caráter intnnseca-
mente cambrante e plundimensional das idolaimas escapava aos ex-
tirpadores, eles procuraram varrer suas mamitestações do solo ame-
rcano E cito textualmente as palavras de Gruzinski, neste campo,
mais do que ninguém, inspirador: “Specificitê que les extirpateurs
convertissent en iWrationahite. Plasticité vite mise au rang de la êge-
reté et de Vinconstante. Une fois de plus Ia logique des uns devanait
la déraison des autres" .“ Procurando colomzar O universo sobrena-
tural dos mdigenas, os europeus acabaram abrindo caminho à sua
demonização.e
Cabe ressaltar, entretanto, que Portugal « Espanha não agiram
uniformemente ante as práticas amerimdias. Não houve, pelo menos
no tocante ao Brasil, nada que se assemelhasse às extirpações movi-
das pelos espanhóis nos demínios de seu império. À própria desig-
nação de idolatria quase não aparece nos escritos portugueses. A di-
mensão menos trágica e mais pragmática do enfrentamento lusitano
com os indios faz pensar na explicação lapidar de Sérgio Buarque
de Holanda — pobreza imaginativa — e talvez recupere aspectos da
análise de Gilberto Freyre — a colonização mais plástica encetada
=“
e

pelos lusos. Seu quase-alheamento ante a questão das idolatrias po-


E

de set decorrente da pobreza da teologia em Portugal, onde, ao con-


-

trário do ocorrido na Espanha, não se produziram trabalhos de pes


E

so, quer sobre matéria religiosa, quer sobre superstições, quer, anda,
sobre a questão da liberdade e da humanidade dos índios, Não exis-
a
E

39
JR
«um Acosta luso que explicite as relações entre idolatria americana
« demonologia européia; não existe, igualmente, um Las Casas: em
terras portuguesas, as polêmicas em torno do direito natural foram
DO
tenues.

CONCLUSÕES:
A IMPORTÂNCIA DA AMERICA

i
PARA A COMPREENSÃO DA DEMONOLOGIA
E DA CACA ÀS BRUXAS EUROPEIA

=
ss
Num campo de estudo ainda pouco fregiientado, não há como

a
se furtar às hipóteses quando se procura concluir. A constatação mais
geral é de que, hoje, tornou-se impossível estudar a demonologia eu-
ropéia sem atentar para o papel nela desempenhado pela América,
essa “porção imatura da Terra”, como dizia o contemporâneo John
Donne. Mais ainda: todos aqueles que documentaram hábitos, cren-
ças e ritos americanos podem ser chamados, sem constrangimento,
de etnodemonólogos.
Descendo um pouco às matérias mais específicas, cabe consi-
derar a relação entre essa etnodemonologia americana e a natureza
da feitiçaria e da produção demonológica nos países ibéricos. Co-
mo já foi bastante repisado, práticas de feitiçaria e escritos teóricos
no ramo foram relativamente pouco importantes nessa região, não
se podendo compará-los com a perseguição desvairada do Norte da
Europa, nem tampouco com a abundante produção erudita dos nór-
dicos no tocante às coisas do diabo e seus asseclas.
Apesar disso, foi a região fronteiriça entre a França e a Espa-
nha, o Labourd indefinido e enigmático visitado pelo juiz Pierre de
Lancre, que forneceu matéria-prima a um dos mais importantes tra-
tados demonológicos modernos, o Tableau de Pinconstance des mau-
vais anges et des démons, editado pela primeira vez em 1612, Para
De Lancre, a descrição etnológica funciona como vasto feixe de ar-
gumentações válidas, “verificáveis porque vistas", que têm por ob-
me

Jetivo convencer mesmo os mais incrédulos da existência dos bru-


xos.“s Ele também é einodemondlogo, e a analogia entre
seu tratado
ea produção ibero-americana acima estudada não é gratuita,

E cone o ni ara mag de Amro


o pró-
pro JUIZ TOS dando a chave para tal inferência quando, ao delimitar

pagnole prenant la fumée d'une


certaine herbe appelée Cohoba, ont Cesprit troublé, et mettant
les
40
deu x gen oux et la tête bai sée , aya nt ains i dem eur é que l-
mais entre
que temps en extase, se levent toul éperdus et alfolés contant mer-
veil les de leur fau x Die ux qu' ils app éle nt Cem is, tou t ains i ne fonl
nos Socciêres qui reviennent du Sabat”.9'*
A argumentação presente no Túbleau é um exemplo perfeito das
faces múltiplas do colonialismo como sistema, ou da outra face do
processo de ocidentalização, corroborando a idéia aqui desenvolvi-
da de que a América teve papel fundamental na demonologia euro-
péia.º8 Se a descoberta da América colocara os europeus diante de
um outro que o negava e o justificava — era o estado de natureza
que conferia identidade ao estado de cultura, era o espaço do paga-
nismo e da idolatria que dava sentido à ação catequética —, tal feito
acarretara igualmente o desabamento, sobre o Velho Continente, de
seus demônios internos, expusera seus nervos e suas entranhas.” O
discurso de De Lancre revela a vitalidade do imaginário, tão eloquente
na sua linguagem simbólica: “'[...] la dévotion et bonne instruction
de plusieurs bons religicux ayant chassé les Démons et mauvais An-
ges du pays des Indes, du Japon et autres lieux, ils se sont jétés à
foule en la Chrétienté; et ayant trouvé ici et les personnes et hieu bien
disposés, ils y ont fait leur principale demeure, et peu à peu se ren-
dent maitres absolus du pays [...]'./º** Os demônios que os colo-
nizadores viram nos ritos andinos, brasílicos ou nauas voltavam, em
legiões, a fustigar o imaginário do Velho Continente. Entre os sécu-
los xvI e xvIiI, surpreendentemente, Huitzilopochtli é a designação
de demônio na Alemanha.”
As práticas mágicas da fronteira franco-espanhola fecundaram
o tratado de Pierre de Lancre, que as aproximou dos ritos ameríndios
de que ouvira falar, ou dos quais eventualmente lera algumas descri-
ções. A relação entre Olmos, Zumárraga e Martin de Castafiega foi
mencionada acima; nos anos que seguiram a descoberta da América,
e ao mesmo tempo em que se processava a colonização, prolifera-

(*) “E da mesma forma que os índios da ilha Hispaniola ao aspirar a fumaça


de uma certa erva ficam com o espírito alterado, e colocando as mãos entre os joe-
lhos e de cabeça baixa, tendo assim permanecido algum tempo em êxtase, levantam-
se completamente desvairados e transtornados, contando maravilhas sobre seus fal-
sos Deuses que eles chamam Cemis, assim agem nossas feiticeiras que voltam do sabá””
(**) ““[...] a devoção e bom ensinamento de vários bons religiosos tendo expul-
sado os Demônios e anjos maus do país das Índias, do Japão e de outros lugares,
eles se lançaram em multidão sobre a Cristandade; e tendo aqui encontrado pessoas
e lugar adequados, fixaram sua principal morada, e a pouco e pouco se tornam se-
nhores absolutos da região”

41
st e co nt ex to , pa re ce ev id en te
a n t i - s u p er st ic
| iosos. Ne
ram OS tratados a da s das idol at ri as am er ic an as — pr e-
p o r m e n o r i z
que as descrições b r e g a e ta nt os ou tr os — al imenta-
s t a , S a h a g ú n , N o i-
cio
sent e s e m A c o
f o r n e| c e n do -l he s a t
ar gu me nt os pr ec
tr at ad os d e s u p e r s tiçã o , ç ã o
: stic i o s a s e m O p o s i
a s p r á t i c a s s u p e r
neoç i s
s t
e o
n t i d o d e c l a ss! ficar .
esorsmp O p a p e l da I g r e j a
t a l e c e n d o i d e o l o g i c a mente
às católicas, for — ou c o m o , ainda,
de De La nc re
Algumas vezes, como no rexto do |
li to ra l br as ilei
il ei ro
as s oc ia o ri tuU al tu pi
assriagem em que » LerLéry y à a m e r indios 1

— , a r e l a ç ã o e n t r e Os m t o s |

ú cabá con das bruxas


e

o,
E

s d e s u p e r s t i ç ã
E

i v o ca. No caso dos m a n u a i


e a d e m o n o l o g i a é i n e q u
92,
mi

se m dú vi da , ex is te . De po is de 14
o vínculo não esta explícito, mas,
teria seu sentido ampliado, devendo
os

superstição, No mundo ibérico,


'

qu e, € co mo:
e

ch av e mú lt ip la . Po r
ser examinada em
ho

it iç ar ia co mo ob je to -l im it e qu e im pe le o hi sto-
Analisando a fe
e

on te ir as do qu e € hi st ór ic o, Ca rl o Gi nz bu rg
riador a se mover nas fr
=

ém pa ra à de mo no lo gi a. '> Po r su a
o

fornece uma chave de le it ur a ta mb


E “ida

gi a pr óp ri a ao s hi st or ia do re s da ar te mo st ra qu e, na s
, vez. a metodolo
en ta çõ es ic on og rá fi ca s, na da po de se r re pr es en ta do em si, mas
ks repres
mp re co m re fe rê nc ia a ce rt os có di go s pi ct ór ic os , qu e sã o do do mi-
se
nio dos homens cultos — o público — e muitas vezes também do
povo num sentido lato.
Um exemplo de tal procedimento é a bela leitura de Charles Z1-
ka acerca do canibalismo, ''Body parts, Saturn and cannibalism: vi-
sual representations of witches” assemblies in the Sixteenth Century”.
Com base na análise de representações iconográficas, Zika procura
repensar a abordagem da feitiçaria através de suas conexões com as
imagens e os temas do canibalismo e de Saturno, do qual são igual-
mente tributárias as representações de ameríndios que começam a
se difundir na Europa sobretudo após a publicação do livro de Hans
Standen. E sugestivo e intrigante que o tema do canibalismo só te-
nha entrado na iconografia européia na segunda metade do século
XVI, quando o sabá era ainda muito pouco representado; grandes
pintores de bruxas, como Franz Fanken (1581-1642) e David Teniers
GRU) SO atuariam durante o século xvrt. Sendo portanto pré-
Eça E E Aga do canibalismo se atrela a variados
dem, inac
bind ão m nel
O jardi dos eamores e a: sexu or idade
E, os mito
Ea ig os
ae a
s satúrnic
+ O canibalismo dos selvagens do Novo Mun-
do. ? Se a iconogSraf
s ia atéte então
entã representava as partes es " Ml E.

gundo os códigos pictóricos refe do corpo, se


mm — ê E o '
Tee sem

braços € pernas eram retirados do cemitério —, passará, com a des-


coberta da América, a fazê-lo de forma diferente. Nas representa-
| ções dos selvagens do Novo Mundo, este desmembramento do cor-
| po passa, de horripilante, a natural. Se a relação Satã-antropofagia
era antigiíssima, conclui Zika, ela renasceu com a América, impreg-
nando a iconografia. “Uma vez firmado o elo entre as bruxas da
Europa e os canibais da América em virtude das relações fraternas
de ambos, filhos do mesmo pai Saturno, pareceria mais plausível que
se pudessem estabelecer conexões entre seus comportamentos. Des-
ta forma, nas representações de bruxaria envolvendo canibalismo os
artistas teriam tomado por modelo antes as imagens do canibalismo
ameríndio do que os tratados ou as evidências processuais.”?>
Delinciam-se, desta forma, pelo menos dois movimentos que,
distintos na aparência, constituem, na verdade, um único processo:
por um lado, a absorção dos ritos e práticas mágicas americanas pe-
la demonologia européia, que os aproxima da mitologia sabática en-
raizada no Velho Continente; por outro, a revivescência dos temas
ligados ao canibalismo, que jaziam como adormecidos no imaginá-
rio ocidental e que ressurgem em representações iconográficas rela-
cionadas à feitiçaria, e, talvez, suas precursoras.'*
Mediando os dois universos estranhos, a Europa e o Novo Mun-
do, a colonização e a catequese funcionaram como grandes meca-
nismos que, mais do que aculturar ou ocidentalizar, desencadearam
a circularidade de níveis culturais.
Dado o relevo do diabo no imaginário ibérico, manifestado so-
bretudo na demonização da América, caberia perguntar se na penin-
sula — notadamente em Portugal — não teria ocorrido um esfumaça-
mento da importância da bruxa em nome de maior importância
atribuída ao demônio. O campo de ação desta criatura, por sua vez,
acabou se tornando mais rico e multifacetado que no resto da Europa,
e isto sobretudo pela influência das religiões americanas — influência
presente, sem dúvida, na preocupação hispânica com as superstições.
A ação ibérica, notadamente espanhola, contra as idolatrias pré-
colombianas dá ainda outro contorno à tênue perseguição às bruxas
verificada nos centros metropolitanos. Se espanhois perseguem pouco
as bruxas no continente, vão mover guerra sangrenta contra as ido-
latrias coloniais. Os próprios portugueses, tão pouco incomodados
pelo sabá das feiticeiras, e mais preocupados em rastrear à presença
demoniaca, iriam se mostrar, entretanto, alertas às práticas religio-
sas indígenas e afro-brasileiras, intrigando-se com seu caráter coleti-
vo. Tal atitude perdurou até o século xvrrr, quando no resto da Eu-
ropa ninguém dava mais muita importância a isto.

43
va América demonizada pelos europeus, os ídolos americanos são identificados ao
demônio-bode presumidamente cultuado pelas bruxas do Velho Continente.
E ,
7 -
pai pg ' o 7 e Da
| mt: 9 =

DO E geiico
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pochttli,
Huitzilopoch it, div
diviindade
cent
: ral do mundo
asteca, é aqui aproximado ao
europeu, presidindo a sacrifícios huma demônio
nos, STA

44
Huitzilopochtli, nesta representação, sintetiza os atributos do demônio europeu e os
de ídolos americanos.
) E'CetvRadE Rad
O ih q ey M ta rs

DE E
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DO
e a
mp
O
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do!

é
fr |

CASS aci = at
No século xvi, as representações da antropofagia tupi entram na iconografia euro-
péia, propiciando fecundações curiosas: reforçam o tema do canibalismo mítico de
Saturno, ou do canibalismo popular das bruxas.

45
Sem ter escrito tratados demonológicos no
ce
ses embeberam de elementos demonolópgicos
4s Suas reflexõe tugue.
a periferia do Império: estes povoam as € d S SObre
rtas Jesuíticas, t
morais como o Compên ratados
dio narrativo do Peregrino da Amé
cujo subtítulo, extremamente rica —.
alusivo, cabe ressaltar: EM qu
tam vários disc e se tra.
ursos espirituais, e morais, com muit
e documentos
as advertências
contra os abusos, UUe se acham intr
oduzidos D la
ticia diabólica no Estado do Br ma.
asil —, tratados políticos Com
curso Histórico e Político do cond o o Dis.
e de Assu Mar — pródigo no re.
curso a imagens infernais —, estes dois
últimos Já em pleno Século
xvirr,* Caberia talvez arriscar a
hipótese de que tal reflexão cons-
Útuiu, mais em Por: ugal mas também na Espan
ha, uma demonolo-
gia assistemática, fluida e distinta da
demonologia sistemática dos
tratados franceses, alemães, ingleses.
Não seria curioso pensar ainda que os pa
íses fundadores das mo-
dernas colônias — Portugal e Espanha —
puderam se dedicar menos
à caça às bruxas em seus territórios, que ac
abaram por ficar excêntri-
cos à produção demonológica quinhentista e seis
centista , Porque, nas
possessões americanas, vestiram o diabo com ou
tras r oupagens, re-
novadas e duradouras? A América diabólica
tem raízes profundas no
imaginário europeu de hoje. Mais uma vez, ea g
ota em outro campo,
os ibéricos parecem ter sido precursores,
2
O ENRAIZAMENTO
Circularidade de culturas e crenças
Brasil, 1543-1618

“ Tendo outro, irmão deste, usado de certas práticas gentí-


ticas, sendo advertido duas vezes que se acautelasse com
a Santa Inquisição, disse: “Acabarei com as Inquisições
a flechas”. E são cristãos, nascidos de pais cristãos! Ouem
na verdade é espinho, não pode produzir uvas.
José de Anchieta, 1554

Colonial situations breed confusion.


Inga Clendinnen, 1987

Em 13 de setembro de 1543, Pero do Campo Tourinho, donatá-


rio da capitania hereditária de Porto Seguro, Nordeste do Brasil, foi
denunciado à Inquisição de Lisboa por se dizer papa e não respeitar
os domingos e dias santos, trabalhando e fazendo trabalhar a seus
empregados e escravos. O Santo Ofício tinha então menos de uma
década de existência, mas já estendia seu braço comprido sobre a
colônia brasileira, perseguindo desvios, heterodoxias e vigiando a ob-
servância estrita da fé católica.
O donatário de Porto Seguro, ao contrário de outros coloniza-
dores portugueses, como Pero de Góis e Vasco Fernandes Coutinho,
não desistira da empresa, e ia alcançando relativo sucesso nela. Do
Minho natal trouxera seus bens, possivelmente adquiridos no comér-
cio marítimo, fonte de riqueza para tantos de seus conterrâneos de
Viana do Castelo, então Viana de Caminha. Para a capitania nas-
cente conseguira atrair alguns casais, o que tinha significado espe-

47
meme
ra mí li as e de mu lh er br an ca . A pr od u-
“1º le À região carente de
Ç = ; K 2
úcar ainda não suplantara OS lucros advindos do comércio
e .
a a
E O asimas à colonização la se enraizando, as igrejas se cons-
o pal- q MEIGA S
tr ui nd o, as mi ss as Se ce le br an do . o
| A denúncia encetada por alguns dos principais moradores de
ro , o su má rio
ri o dad a s s aca c us aç Ú
õe s ql we se rem eme te u sb
a Lisb oa e
í| Porto Segu
subsequente processo por crime de heresia e blasfêmia levaram Tou-
0 E
ix ar o Br as il so b fe rr os , No fi m de 15 46 ou em fe ve re ir o
"inho a de
de 1547, os historiadores discordando acerca do ano. De qualquer
forma. em 1547 assi nava um term o de resi dênc ia pelo qual fica va
impedido de deixar Lisboa sem o consentimento dos inquisidores.
Em 1550 ainda respondia interrogatório na capital do Reino,
queixando-se dos inimigos que O haviam posto a perder sob falsas
denúncias. Impedido pelo Santo Ofício, nunca mais retornaria ao
Brasil, interrompendo a breve carreira de colonizador luso nos tró-
picos. Nas palavras do grande Capistrano de Abreu, “Tourinho foi
absolvido, ou apenas teve alguma pena leve, talvez alguma penitên-
cia: a Inquisição era nova, seus raios fulminavam de preferência
cristãos-novos ou hereges professos, e Tourinho seria quando muito
herege intermitente e diletante””.!
Falsas ou verídicas, as acusações que vários colonos fizeram con-
tra o donatário refletem traços característicos da religiosidade po-
pular nos primeiros tempos da colonização, quando era freqgiiente
o hábito de blasfemar, ironizar os dogmas da fé, desacatar o clero,
os santos e até Deus. Dos cardeais e do papa, Tourinho dissera que
eram todos uns “bugirrões sodomitigos tiranos que por dinheiro ca-
savam e descasavam a quem queriam”. Da procissão do Corpus
Christi, teria dito que era inadequada a época de sua celebração: ao
sul do Equador, as estações do ano eram diferentes, e seria melhor
passar esse dia santo para outubro, quando aqui era quase verão.
Retorquiu-se-lhe que só o papa poderia fazer tais alterações: “eu sou
papa”, teria respondido o donatário, jactando-se ainda de ser capaz

a o | | » QUe, com seus respectivos


guarda, só serviam para impedir o trabal
ho: isto porque os
pr
p elados, nesta matéri? a, acediam aos ap
elos de suas barregãs, que
ae Re que fizesse um santo de
| guarda e eles por lhes faze-
ade mandavam que nos seus
arcebispados se guardassem

48
aqueles santos que elas queriam”. Santa Luzia, patrona dos olhos,
roi alvo de sua ira num momento de doença, quando sofria da vista:
prometeu, na ocasião, jogá-la pela “rocha do mar abaixo”, impre-
cando ainda contra sua honra. Santo Antônio também foi alvo da
rúria do donatário, que o responsabilizou pela fuga de alguns escra-
vos e prometeu oferecer-lhe uma candeia de merda.
“Em 1591, quando se deu a Primeira Visitação do Santo Ofício
As terras brasileiras, continuavam os colonos a desacatar santos, clé-
risos, sacramentos. E claro que havia o núcleo da religião oficial,
observada pelos bons cristãos que confessavame comungavam com
frequência, assistiam à missa semanalmente, enfim, viviam confor-
me as leis da Igreja católica. Constituiam a norma, e, nesta qualida-
de, não integram os autos da Visita. Esta procurava comportamen-
tos desviantes que era preciso punir, extirpar ou enquadrar, e como
tais entendia não apenas os que abalavam os dogmas da Fé como os
que introduziam elementos de uma cultura popular bastante antiga.
Como bem observou o historiador inglês Peter Burke, o pensa-
mento popular apresenta lógica diversa do erudito, tendo necessi-
dade de representar concretamente idéias e conceitos abstratos: as-
sim, a Quaresma é uma velha magra, e o Carnaval é um homem gordo
e rubicundo.? As concepções em torno da blasfêmia também se en-
quadram nesta lógica peculiar: as coisas ditas tornavam-se reais, as
imprecações contra divindades constituindo verdadeiras tentativas de
deicídio. Daí tomar-se a representação pela coisa representada, a ima-
gem do santo sendo passível do castigo reservado ao próprio santo
Foi assim na Europa até a época da Ilustração. No Auto da fei-
ra, de Gil Vicente — autor extremamente sensível à fala do povo e
afeito a misturar elementos populares e eruditos em suas peças —,
há um diálogo entre os moços dos montes e um serafim que ilustra
este caráter concreto da religiosidade popular. Os moços perguntam
ao serafim o que ficava Deus fazendo no Céu:
quando partistes dos ceos,
que ficava elle fazendo?

Serafim: Ficava vendo o seu gado.

Gilberto: Sancta Maria! gado há lá?


Oh Jesu! como o terá
o Senhor gordo e guardado!
E há lá boas ladeiras,
como na Serra d"Estrella?

49
Serafim: 51.
. :
| q u e fa z ella:
a V i r g e m
Gilberto: E

Serafim: A | Virgem olha as cordeiras,


:
e as cordeiras a ella.

Foi assim também no Brasil colonial, conforme atestam os casos


de fins do século Xv! c inícios do século XviI presentes nas Visitas. Por
volta de 1593, em Pernambuco — ainda no Nordeste brasileiro —. três
empregados domésticos de um aristocrata local discorriam sobre a or-
dem das três pessoas na Santíssima Trindade, inspirados por uma gra-
vura italiana que um deles, Luís Mendes de Thoar, pregara na cabecei-
ra de sua cama. Observando a cena representada, onde Pai, Filho e
Espírito Santo coroavam Nossa Senhora, Luis Mendes conjecturava
que, pela ordem constante na gravura, o Espírito Santo deveria ser a
segunda pessoa, e o Filho a terceira. Seu companheiro Gaspar Rodri-
gues, entretanto, achava que o Espirito Santo seria a terceira pessoa,
pois era enunciado nesta ordem quando o fiel se persignava (“em no-
me do Pai, do Filho e do Espirito Santo””).> —
O principio que permitia tal dúvida era o mesmo que levava Pe-
ro do Campo Tourinho a desejar punir o desleixo de santa Luzia pa-
ra com seus olhos doentes, arremessando-a rocha do mar abaixo. Era
ainda análogo ao que conferia caracteres antropomórficos e quali-
dades humanas a Deus, Jesus ou aos santos. Por volta de 1618, o
padre Hierônimo de Lemos afirmara ““que quando São Pedro dera
a cutilada a Malco estava com duas gotas, dando a entender que es-
tava São Pedro tomado do vinho””.º De são Francisco, dizia um
ou-
tro seu contemporâneo ““que fora o santo umas certas léguas por
ver
uma mulher fermosa”',” Cerca de 25 anos antes,
TE

em mais de uma
did a do RT

ocasião, colonos baianos chamaram sant


o Antônio de “velhaco” ou
“velhaquinho”.º
Donatários, padres » EMpregados do
mésticos, lavradores parti-
lhavam as mesm as crenças e concep
ções, sugerindo que o alcançe
oa dead

Dito
E o

=
q

Ei
O

m

e

dizia 0 licenciado » Quando perguntado como


Filipe Tomás de M
iranda: “boto a
50
5 io
|
E
es :

Cristo muita merda, e pela hóstia muita merda, pela Virgem Maria
muita merda””.?. No primeiro quartel do século xvrr, um religioso do
Carmo da Bahia dizia “que quando Deus tirara a costa do homem
para criar Eva, viera um cãoe a comera, e que do que saira pela
parte traseira do cão fizera Deus a mulher, e que assim ficara Deus
fazendo a mulher da traseira do cão e não da costa do homem”.1º
A Primeira Visitação à Bahia compreendeu denúncias e confissões
de pessoas, ciganas na maioria, que associavam as chuvas com a urina
de Deus: “bendito sea el carajo de mi sefior Jesu Christo que agora
mija sobre mi”, diria uma delas, enquanto outra, contrafeita, quei-
xava-se que Deus mijava sobre ela e a queria afogar.”
Todas essas imagens remetem ao contemporâneo Rabelais, ob-
sedado, em sua obra, com o papel fertilizador da urina e dos excre-
mentos. No episódio dos carneiros de Panúrgio, por exemplo, o mer-
cador Dindenault se vangloria de que a urina de seus carneiros
fertiliza os campos “como se Deus tivesse mijado neles”.!2 Mijan-
do sobre Paris, Gargantua batiza a cidade, destacando o caráter re-
generador da urina.!* Podendo integrar a blasfêmia, o baixo corpo-
ral era, pois, muito importante na linguagem popular da praça
pública. Nas imprecações registradas pelas Visitações inquisitoriais,
ressalta quase sempre o seu aspecto negativo. Mas havia aspectos de
deboche e de carnavalização, como a imagem dos bispos e arcebis-
pos a criarem novos santos sob inspirações originadas em colóquios
amorosos, |
Apresentando elementos de continuidade com relação a cultu-
ra e à religiosidade popular da Europa no início da Época Moderna,
as práticas religiosas da Colônia se confundiam muitas vezes com
práticas mágicas e de feitiçaria, em quase tudo semelhantes aos ca-
sos metropolitanos estudados por Francisco Bethencourt.!* Muitas
das bruxas acusadas em terras brasileiras já haviam saído encaro-
chadas em Portugal por crimes análogos, vendo-se por este motivo
degredadas para o Brasil. Havia grande ênfase na magia amorosa:
“recorria-se a mulheres tidas como feiticeiras para obter sucesso nos
amores utilizando pós, rezas, filtros, poções, fervedouros, ossos de
enforcados, conjuro de demônios. Indicando tal esfumaçamento entre
práticas mágicas e religiosidade popular, algumas mulheres foram
acusadas (e confessaram), na Bahia de fins do século xvr, de usar
as palavras da consagração da missa durante o ato sexual para, com
isto, prender o marido ou o amante; uma delas recorreu ainda a cer-
ta mistura de vinho e pedra d'ara, ou seja, a pedra do altar sobre
a qual se oficia a missa católica.” Outras, com seus filtros estranhos

51
confecoonad
os g| parti! de SOCTICÇOCES Qu cAcrementos,
confirmam
papel do baixo corporal na cultura popular de então, Em
O

século Xvt, por exemplo, Antonia Fe fins do


rnandes, de alcunha à Nóbre-
ga, recomendava às mulheres que ministra
ssem aos amantes uma be-
beragem feit a a partir de seu próprio sêmen,
colhido no momento
do ato sexual; conhecia ainda as virtudes
de certos pós feitos a par-
tir de pinhões recheados com unhas e cabe
los de todo o corpo, que
deviam ser engolidos, eliminados pelas fezes,
lavados e moídos pa-
ra, então, serem misturados aos alimentos e garant
irem o amor dos
homens. 'º
» A mais famosa feiticeira do Brasil quinhentista foi Maria Gon-
çalves Cajada, de alcunha Arde-lhe-o-rabo, que lemb
ra muito a Ge-
nebra Pereira da Farsa chamada auto das fadas. Dizi
a a feiticeira vi-
centina que

havendo piedade
de mulheres mal casadas,
e as ver bem maridadas,
ando polos adros nua...
Ee
cavalgo no meu cabrão
e vou-me a Val de Cavalinhos,
e ando quebrando os focinhos
por aquellas oliveiras,
chamando frades e freiras
que morreram por amores.
Oh, se visseis os temores
que passo nesta canseira,
não temeria a Pereira
tanto os corregedores."”
Já a Arde-lhe-o-rabo afirmava vagar descabelada e nua pelos
adros e matos, em busca de feitiços: “porque eu ponho-me à meia
noite no meu quintal com a cabeça ao ar com à porta aberta para
o mar e enterro e desenterro umas botijas e estou
nua da cinta pa-
ra cima e com os cabelos e falo com os diabos e os cha
mo e estou
com eles em muito perigo... Quando voltava das
andanças, vinha
“moída” pelos diabos e pelos trabalhos que tivera.'*
A semelhança
entre os hábitos de Maria Gonçalves Cajada
e Genebra Pereira no
que diz respeito ao preparo de feitiços e à gestualidade da mag ,
dica que, ia in- |
na colônia brasileira,
|
= ES sa

da sua bruxa, O grande teatrólogo luso baseou-se em práticas cor-


rentes e conhecidas do povo. Andar nua € em cabelo certamente iden-
tificava, no imaginário popular, a protagonista deste ato com a bru-
xa. No século xvt, em Evora, sabe-se que a interessada no conjuro
das pedras devia fazê-lo “em cabelo e em camisa à janela, fitando
uma estrela e segurando na mão nove pedras apanhadas em'encruzi-
lhadas”.!? No século xvil, persistiria tal gestualidade: em 1637, Ma- |
ria Ortega conjurava os espíritos desguedelhada e nua da cintura para
cima. e em 1664 era de forma idêntica que Maria da Silva invocava
demônios ou proferia uma bela oração de santo Erasmo, valendo-se
'ambém de um alguidar e velas verdes.) Também na percepção es-
pacial teria Gil Vicente se mostrado fiel às tradições populares: ao
citar Val de Cavalinhos como espaço de ocorrência das estripulias
mágicas, designa o mesmo local que documentos diversos, desde o
século xv1 e até pelo menos meados do século xvrll, dão como pri-
vilegiado pelos feiticeiros para a realização de seus encontros.*!
Nas práticas de Arde-lhe-o-rabo, encontram-se elementos da fei-
tiçaria de cunho mais acentuadamente demoníaco: dormia com os
diabos, tinha uma chaga no pé que, em certos dias da semana, os
alimentava. Algumas de suas contemporâneas gabavam-se de guar-
darem demônios em garrafas ou em anéis, mostrando que a idéia
do demônio familiar, muito forte na feitiçaria inglesa, existia tam-
bém entre as tradições portuguesas.?? Várias dessas mulheres eram |
acusadas de praticar o mal, revelando preocupações outras que os
sortilégios para fins amorosos. Assim, em Pernambuco, Ana Jáco-
me viu-se sob suspeita de ter chupado o sangue de um bebê, que
apareceu morto e com o corpo coberto por manchas negras de den-
tadas.* Tais criaturas seriam mais distantes do estereótipo da feiti-
ceira-alcoviteira mediterrânea, como a Celestina de Fernando de Ro-
jas ou a Branca Gil de Gil Vicente, e identificadas antes com a imagem
sombria da feiticeira noturna.* Mesmo assim, não se encontrará no
Brasil a feitiçaria propriamente sabática, alheia também ao mundo
luso. E possível detectar elementos isolados do estereótipo, como o
vôo, a metamorfose, o pacto demoníaco: mulheres que se transfor-
mavam em animais — patas ou borboletas, na Primeira Visitação
—, iam de noite pelos ares, encontravam-se com o diabo e lhe da-
vam seu sangue. Mas seriam sempre traços esparsos referentes a tra-
dições populares, e que nunca se combinariam num complexo sabá-
tico, como nas demais regiões da Europa.
No período aqui focalizado, e que corresponde aproximadamen-
te aos oitenta primeiros anos da colonização, magia e religiosidade

53
«e mostraram portanto profundamente semelhantes na metrópole
portuguesa e na colônia brasileira. Mas desde cedo delinearam-se tra-
cos específicos, aclimações inevitáveis dada a diversidade do meio
ambiente e das estruturas econômicas € sociais. Nas práticas mági-
cas cotidianas, cresceu no Brasil a marca do universo ultramarino:
assim, algumas das manifestações do mito do vôo noturno acharam-
se articuladas ao desejo de ir da Bahia ao Reino em uma só noite,
ou ver o que se dizia e fazia em Lisboa. Explícito ou implícito, o
vôo parece achar-se subordinado à vontade de voltar à Metrópole,
servindo ainda de atenuante a um vago sentimento de inferioridade
por viver na Colônia. A várias bruxas atribuía-se o poder de alterar
a rota dos navios quando o quisessem, de saber com antecedência
quando chegaria uma embarcação, adivinhar pelejas com navios pi-
ratas. Muitas mulheres ficavam sozinhas nas povoações coloniais en-
quanto os maridos marinheiros percorriam a vastidão do Império
Português, guerreando na Índia ou na China; algumas queriam sa-
ber o destino dos consortes para se certificarem de seu próprio esta-
do civil, pois, não raro, desejavam casar de novo e-precisavam ter
certeza de que haviam se tornado viúvas. Desta forma, recorriam
as pessoas que tinham fama de praticar a feitiçaria e prever o futuro.
Outro traço específico da feitiçaria colonial, e que começou a
se acentuar no final do século xvr, foi a sua associação às práticas
mágicas africanas. Segundo as Visitações da Bahia, um escravo gui-
né chamado André Buçal fazia adivinhações com panelas e ferve-
douros por volta de 1587. A partir de então, as referências vão au-
mentando: por volta de 1610, a bruxa Maria Barbosa, protegida do
governador da Bahia d. Diogo de Menezes, atuava em conluio com
o negro Cucana, que fazia pós com as aparas de certas raízes.” Em
1616, homens brancos já lançavam mão do saber de negros feiticei-
ros para conseguir a cura de familiares ou escravos. |
Também a religiosidade popular, tão semelhante à da matriz eu- ]
ropéia, apresentará peculiaridades no Brasil. Em 1543, quando a co-
lonização dava os primeiros passos, Pero do Campo Tourinho dei-
Xxava entrever, por baixo de blasfêmias obscenas, que sua forma
propria de viver a religião dizia respeito à um mundo novo, onde
tudo estava por fazer. Tivera ódio de Deus porque se arrebentara um
tanque de seu engenho, e, na ocasião, sentira-se desamparado por
Ele. Eram muito claras suas preocupações colonizadoras: “não se
CATE, Deus comigo porque agora hei de ser mais ruim e mau, €
venha ele cá Deus povoar a terra, senão deixá-la-ei aos infiéis”,
não gu Se
ardava os dias de preceito, era porque sobrava
trabalho e fal-

54
=.
q

tava tempo: por isso lhe desagradava a pléiade de santos a serem (o


tejados em exc ess ivo s dia s de gua rda . Arg úid o sob re o sen tid o das
imprecações contra OS bispos € suas mancebas, respondeu que tinham
objetivo pedagógico: “*quem era preguiçoso por jogar € folgar bus-
cava muitos santos e que isto tudo dizia para animar os homens que
trabalhassem para que a terra sc povoasse € s€ fizesse O que era ne-
cessário e se aumentasse a fé católica 129
O mundo da produção se associa a elementos religiosos em vá-
rias out ras imp rec açõ es pre sen tes nos doc ume nto s inqu isit oria is. Per o
de Carvalhais acreditava que no céu só havia lavradores, que viviam
como anjos.” Pero Nunes chamava o açúcar de Deus, e Fernão Roiz
dizia que meteria Nossa Senhora numa fôrma de açúcar.” Todos es-
tes exemplos parecem mostrar que a política colonizadora de Portu-
gal, aliando exploração econômica e catequese, imprimia-se com força
no imaginário dos colonos. Na vertente mais sofisticada, mais pró-
xima talvez ao mundo da cultura erudita, tal relação era claramente
explicitada — como nas falas de Tourinho: “a terra era nova, e era
necessário trabalhar para se povoar a terra e fazerem-se algumas coi-
sas de serviço de Deus”; na vertente mais tosca, subordinada ao '*pen-
samento concreto” próprio à cultura popular, assumia formas sim-
bólicas — o céu de lavradores, Nossa Senhora enformada como
açúcar.
Por fim, outra peculiaridade digna de relevo é o surgimento de
formas biculturais de religiosidade, como as Santidades indígenas.
Na Primeira Visitação, na Bahia, a chamada Santidade do Jaguari-
pe ocupou lugar predominante entre as denúncias e confissões.
Tratava-se de uma prática sincrética de conteúdo milenarista, giran-
do em torno da chegada de um feiticeiro ou profeta, e de promessas
de abundância, lazer e felicidade: na nova era que se anunciava, as
flechas disparariam sozinhas, as caças viriam ter às choças dos ín-
dios, as enxadas cavariam as roças por conta própria. Havia na
Santidade a adoção de elementos da fé católica, mesmo porque os
principais protagonistas eram cristianizados: Antônio, por exemplo,
que desempenhou papel predominante na Santidade do Jaguaripe,
fugira da aldeia jesuítica do Tinharé, na capitania de Ilhéus, onde
recebera os ensinamentos do catolicismo. O senhor de engenho Fer- -
não Cabral de Taíde, que acobertou a seita em suas terras, e talvez
a tenha apoiado, foi o indivíduo mais acusado na Visitação: há 39
denúncias contra ele.) Tendo possivelmente se utilizado da “erro-
nia”” como forma de controle da indiada, deve ter ficado perplexo
em alguns momentos quanto à autenticidade das manifestações que

55
se desenrolavam sob seus olhos. L Margarida da Costa, sua mu-
lher, declarou na Mesa da Visitação que “no dito tempo que a dita
abusão esteve na dita sua fazenda, que poderia ser de dois meses pou-
co mais ou menos, ela tinha para si, e dizia que não podia ser aquilo
demônio senão alguma coisa santa de Deus, pois traziam cruzes de
que o demônio foge, e pois faziam grandes reverências às Cruzes e
traziam contas, e nomeavam Santa Maria”.
Além de sua mulher, mais quatro mamelucos, todos cristiani-
zados, confessaram envolvimento com a Santidade, desvendando, em
seus depoimentos, um mundo fascinante de hibridismo cultural.
Quando estavam no sertão, pintavam o corpo, tomavam as drogas
rituais, comiam carne humana, forneciam armas de fogo aos chefes
índios, viviam poligamicamente com as índias. Uma vez entre os bran-
cos, confessavam, comungavam, voltavam para os braços das espo-
sas legítimas e, em dois dos casos, participavam de expedições de
apresamento de índios. Apesar de, nas confissões, expressarem arre-
pendimento pelas práticas gentílicas, é evidente a ambigiiidade de
sua fé. O mameluco Gonçalo Fernandes, por exemplo, dizia que “cui-
dava ele que este mesmo Deus verdadeiro Senhor nosso era aque-
loutro que na dita abusão e idolatria se dizia que vinha”.3
O mais belo dos depoimentos, riquíssimo como registro etno-
gráfico, é o do mameluco Domingos Fernandes Nobre, Tomacaúna
de alcunha. Em 1592 tinha 46 anos, dos quais dezoito passara entre
os indios. Confessando, disse que, enquanto andou pelo sertão, sua
vida ““foi mais de gentio que de cristão, porém nunca deixou a fé
de Cristo e essa teve sempre em seu coração”*,36
* Assim, embora apresentando traços marcadamente curopeus nas
práticas mágicas e religiosas, a colônia brasileira, ao findar
seu pri-
meiro século de existência, já revelava face pluricultural, que se con-
| O XVII € se acirraria no século XVIII. As
su-
cessivas ondas migratórias de colonos
portugueses, os hereges €
feiticeiros que a Inquisição desp
ejou sob re solo colonial com grande
frequência durante todo o século
xvil trabalhariam no sentido da
manutenção das persistências.
7 O tráfico negr
eiro cada vez mais in-
tenso, o contato constante
co m as tribos indígenas, a invasão de ho-
“landeses calvinistas, a cresce nte
consciência da condição colonial,
prá tic as e fo rm as cul tur ais lus ita nas : da oci den tal i-
de certas
lonial,
da co lo ni za çã o do im ag in ár io rel igi oso .** Est a
zação, mais do que es-
ge ra nd o fo rm as cur ios as e
ce aprofundaria nos séculos seguintes, e outros tan-
cab e ana lis ar aqu i: del as, To ma ca ún a
pecíficas, que não
o, col are s e bri nco s de oss os, co nc u-
ros mamelucos de corpo tatuad Ma s
tup i ser iam os pr im ei ro s rep res ent ant es.
hinas numerosas e prole do mun-
int erm edi ári os, lig and o as dua s pon tas
suceder-se-iam outros
bil ate ral e im br ic ad a — co mo , pa re ce -m e,
do atlântico numa relação
la çõ es de c o l o n i z a ç ã o .
são as re

57
3
POR FORA DO IMPÉRIO
Giovanni Botero e o Brasil

Non é paese a! Mondo, ove il demonio non hab bia la


sua parte.
Giovanni Botero, 1595

lTratarei aqui de alguns pontos das Relazioni universali


de Gio-
vanni Botero que, a meu ver, são de extremo
interesse para se com-
preender o imaginário europeu referente à América
no século xvi
e, ainda, para se tentar elucidar aspectos da dif
usão e transmissão
de notícias acerca do Brasil na Europa da época.
Ambas as questões
se vinculam, por fim, com o papel do Novo
Mundo e, em particu-
lar, do Brasil, no conjunto da investida católi
ca contra as heterodo-
xias, Em outras palavras: procura-se, aqui,
entender como a Europa
reconstituiu seu imaginário, no bojo das tr
ansformações religiosas,
valendo-se, para tanto, de exemplos e re
alidades vindas da América,
que, heterologicamente, foram
lidas com lentes familiares, ou seja,
próprias ao acervo cultural eu
| ropeu,
| Para tanto, falarei um pouco
do autor em questão — Giovanni
| Botero — e da obra examin
ad à — as Relazioni —, procurando de-
pois retraçar as prováveis in
-
Li
:
|| ção de seu texto.
f] uências sofridas pelo autor na ela
bora-

+ NO Piemonte, por
Os Jesuitas de Palermo, no outro ex-
ado jesuíta ele também. Entre
————&—e
RR RÃ

1565 e 1569, esteve ensinando em escolas da Companhia na França.


Retornando à Itália, e possivelmente devido a um gênio áspero e ins-
d tável, viu-se às voltas com dificuldades dentro da ordem, onde, en-
tretanto, já era considerável o nome que alcançara como intelectual
destacado. De 1576 a 1584, trabalhou como secretário de são Carlos
Borromeu na diocese de Milão, deixando seu serviço para, designa-
do pelo duque de Savóia, Carlos Manoel 1, desempenhar em 1585
missão secreta na França, provavelmente junto à Liga Católica (nes-
te mesmo ano, o duque casa com a filha do mais católico dos reis
da Europa, Filipe 11). De 1586 a 1600, encarregado pela Sé romana
de verificar qual o estado real do catolicismo e mantendo base em
Roma, parece ter viajado pela Itália e por toda a Europa, o que cer-
tamente influiria na feitura das suas Relaziont universali. AO mes-
mo tempo, atuou como auxiliar de outro Borromeu, o cardeal Fre-
derico, convivendo com intelectuais de toda a Itália na cidade
pontifícia, Na dedicatória ao cardeal da Lorena existente na primei-
ra edição da obra, Botero credita o ânimo e à prática doutrinários
à influência que recebera do cardeal.! Após o presumido período de
viagens, voltou a Turim e se tornou secretário do duque Carlos Ma-
noel e preceptor de seus filhos, tendo, então, bastante tempo dispo-
nivel para estudar e escrever. Morreu em 1617, deixando os bens aos
jesuítas e pedindo para ser enterrado em sua igreja.?
Botero é considerado por Trevor-Roper um ““propagandista so-
cial da Contra-Reforma”, um defensor da unidade entre Igreja c Es-
tado, numa época em que aquela perdera a flexibilidade medieval
ce lutava contra a heresia e todas as formas de heterodoxia.) Neste
sentido, seus escritos têm preocupação pragmática, e se valeram da
retórica: não à toa, Botero é autor de um importante tratado de re-
tórica, o De praedicatore Verbi Dei (1585), filiando-se, como frei Luís
de Granada, à linhagem de retórica eclesiástica fiel à De doctrina
christiana, de santo Agostinho, Ambicionava colocar, a serviço de
uma alma pura e inflamada de zelo, uma retórica simplificada ao
extremo aliada a uma teologia igualmente simplificada. Também não
parece fortuita a produção de três tratados de retórica pela entoura-
ge ntaliana de Borromeu, um dos grandes santos da Reforma católi-
ca: além do de Botero, o De rhetorica ecclesiastica, de Agostino Va-
| leri (1574), e 1! predicatore, de Francesco Panigarola,*
Por se mostrarem afeitos a uma teoria naturalística do contrato,
Botero e outros teóricos jesuítas têm sido vistos, paradoxalmente,
como pertencentes ao movimento peral que postulava então a auto-
e
E

nomia do secular na política.” Ao lado dos tratados que discorriam

59

l
ie E e ar pia 5 E E - a
sobre a política veneziana — em da o is Serpi, muito
lido até o século Po —, a escritos de Botero auxiharam na edu-
aà tica da Europa.
ie at ábi esteja por trás do interesse diversificado
e do espírito universal que, apesar da formação Jesuitica, do apego
à retórica. do afã propagandístico e da vinculação com Borromeu,
Botero soube preservar em suas obras. E bem verdade que na Ra-
eion di Stato toma a religião como um dos fundamentos do gover-
no, opondo-se a Maquiavel; mas admite, em contexto diverso — em
nome da religião —, a violência e a simulação. Na Causa della gran-
Lt md

dezza e magnificenza delle cittã, sustenta, diferentemente da maior


parte de seus contemporâneos, que a riqueza dos Estados não re-
pousava no acúmulo de metais preciosos, mas na produção, isto é,
no desenvolvimento da indústria e da agricultura. E ainda autor de
uma Relazione sul mare, o primeiro trabalho a sistematizar os co-
nhecimentos empíricos que se tinham, na época, acerca da oceano-
grafia. Por fim as Relazioni universali, que constituem um tratado
completo de geografia política universal, baseada no conhecimento
positivo e extremamente útil aos homens de Estado, são considera-
das ''uma nova orientação nas ciências”.'
O original desta obra é sua preocupação com a situação contem-
porânea, no que se destaca das cosmografias do século xv1, e o apreço
a experiência e às fontes dos modernos (e não o recurso até então cor-
rente à tradição, Aristóteles, Plínio etc.).º Divide-se em cinco partes:
primeira, descrição geográfica de todos os países do mundo conheci-
do; segunda, relação sistemática das condições políticas dos Estados
então mais importantes; terceira e quarta, crenças religiosas de vá-
rios povos, sobretudo da religião cristã, distinguindo a difusão do cris-
tianismo no Novo Mundo; quinta, espécie de suplemento acerca
das
modificações e reordenamentos ocorridos no desenvolvimento
poli-
tico dos Estados até a primeira década do século
xviII.
A primeira parte das Relazioni apareceu em 1591,
seguindo-se
a segunda em 1592 e a terceira em 1595. A quarta
parte, a que nos
Interessa aqui, só veio à luz em 1596, quando
surge a primeira edi-
ção completa. Seguiram-se então numerosas edições, cerca de dezes-
era Prue latinas e mais versões para quase
quinta parte ficou inédita Ea ra
» pe
Quando foi e Rs
publicada por Gio-
da.? Apesar do mérito ineoá
Cito inegável e da larea influênc:
levando-se em conta à ga ain influência que exerceu, €
*Pectos modernos e curiosos (como o ma
ior
60
apego à experiência do que à autoridade dos antigos, a sensibilidade
afinada com à cartografia e a geografia renascentistas), as Relazioni
foram vistas como exemplo de certas incongruências e fragilidades
do pensamento de Botero. Este, dotado de ânimo “pouco apto a
mover-se no reino das idéias” — em que os parâmetros de compa-
ração seriam Jean Bodin e Nicolau Maquiavel —, ver-se-ia engolfa-
do pela irredutibilidade dos elementos heterogêneos e pelo apego ex-
cessivo às curiosidades, acarretando desequilibrio na estrutura geral
de uma obra que pressupunha concepção única do mundo.'?

POR QUE O BRASIL?


“QUIVI AVENNE CO SA DA NO N TA CE RE ”

As informações sobre o Brasil constituem o quarto livro da quar-


ta parte da Cosmografia de Botero, assim intitulada: “'Nella Quar-
ta, si tratta delle superstizioni in che vivevano giã le genti del Mondo
nuovo, e delle difficoltã, e mezi, co" quali si é quivi introdotta la Re-
ligione Christiana, & vera””. Encontram-se divididas em quatro par-
tes: uma, introdutória e sem título, que trata da antropofagia; a se-
guir, as páginas intituladas “Dei malefici nel Brasile'”; depois “Dei
disturbi dati agli heretici””, e, fechando o bloco, três pequenos pará-
grafos com o título ''Dei Negri, e del numero dei Christiani del
Brasile”.
Em termos gerais, as considerações de Botero sobre o Brasil
sustentam-se em dois eixos. O primeiro centra-se nas idas e vindas
da catequese na Colônia, enfatizando as dificuldades antepostas pe-
la itinerância indígena, pelo prestígio dos pajés e, sobretudo, pelo
canibalismo. Era este que fazia dos índios verdadeiras bestas huma-
nas, desviando-os dos ensinamentos católicos, vício recorrente e di-
fícil de extirpar: “La maggior fatica de Padri fu in reprimere Vavi-
ditã della carne humana cibo tra quei Barbari pregiatissimo”,“*
Mas havia aspectos positivos no gentio: o fascínio pela onipotência
divina, pela arte da escrita e da leitura. Com base em tais dados ob-
Jetivos, montou-se a estratégia jesuítica: uma pedagogia especifica
e paciente, onde eram importantes tanto a feitura de uma gramática
tupi e da língua geral quanto certa tolerância ante os hábitos reni-

(*) “O maior trabalho dos Padres foi reprimir a avidez de carne humana, ali-
mento prezadíssimo entre aqueles bárbaros”

61
a pr át ic a do s al de am en to s, pe ça fu n-
de i n g e r i r c a r n e h u m ana;
tentes m e n ç õ e s
s” ao s há bi to s Pa
damental na redução dos “bárbaro gr i jad e fís i-
qu es e po di am at et ar a in te
As idas e vindas da cate
na 73 , Bo te ro re gi st ra o ma i tí ri o do pa -
ca dos catecúmenos; na pági co :
ri jó s, in tr od uz in do um no vo ei xo te má ti
dre Pero Correia pelos ca
do s € vi ol ên ci as co me ti do s po r aq ue le s que
o dos enganos, desman
ad ei ra Fé . Cu ri os am en te , o ep is ód io da mo rt e de
não seguem a verd
|| Correia é rela
en te co m
ti
o
vi
pa
za
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: de
po r
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pr oi
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ns
de
er
um
va r
in
um

a
rp
co
re
nc
te ,
ub
qu e, des-
ina, aca-
cont
-
bara instigando os carijós contra O catequista: ““Questi, e alcuni al
tri accidenti cosi fatti hâno dato occasione ad alcuni di tenere tutte
qu el le ge nt i. nô pu r pe r ba rb ar e, e sa lv at ic he ; ma pe r in ca pa ci di co l-
tura, e di disciplina. Ma eglhi é cosa troppo ingiusta, per un eccesso
cagionato per le sue suggestioni d'un'huomo fraudolente, e maligno,
condenare assolutamente tutta una natione”. E dá a chave da apa-
rente tolerância para com os índios: “Non habbiamo noi visto a” tem-

js oi
pi nostri gli Alemmanni, i Frâcesi, i Fiamenghi, e gl" Inglesi, nationi
tutte nobilissime, e honoratissime rovinar Chiese, trucidar Sacerdo-
ti, esterminar Religioni, conculcar Sacramenti, concitate à ció dalla
malvagitã d'un Calvino, d'un Luthero, d'un Beza, d'un Íllico, e di
simili altri ministri d'empietàã, e d'apostasia?””.!2*
Nas entrelinhas, portanto, e na forma de organização do texto,
Botero sugere que a heresia européia é pior do que o barbarismo ame-
ricano, e que este, na verdade, deve ser matizado e visto de forma di-
terente da que os europeus, até então, viam os alienígenas. Alemães,
ingleses, flamengos eram sabidamente capazes de cultura e discipli-
na, mas nem por isso isentos de atos bárbaros, como se fossem selva-
gens; por atos bárbaros, o pacifista Botero parece insinuar as guerras
que rasgavam o continente europeu, muitas delas fratricidas — co-
mo a francesa, que tanto o marcou. De um e de outro lado do
Atlântico, Natureza e Cultura mostravam-se curiosamente reversíveis.

(*) “Estes, e alguns outros acontecimentos semelhantes deram ens


ejo a que al-
guns considerassem aquela gente não apenas como bárb aros,
e selváticos, mas como
incapazes de cultura e disciplina, Mas isso é injusto
em demasia, por um cesto Oca-
sionado pelas sugestões de um homem impostor, e
mau, condenar completamente to-
da uma nação. [...] Não vimos na nossa época os
alemães, os franceses, os [lamengos
e os ingleses, nações todas elas nobilíssimas
, e honradíssim as, destruir igrejas, truci-
EiMomo o Siga desprezar sacramentos, a isso incitados pel
a mal-
Ge um Lutero, de um Beza, de um Ili
tes ministros de impiedade, e de aposta
sia?” Ed

62
Mesmo porque, para os intelectuais europeus de então, o fenômeno
mais bem repartido entre os homens era a atuação demoníaca.
““Non é paese al Mondo, ove il demonio non habbia la sua par-
te”, escreve Botero ao iniciar as considerações sobre os pajés brasilei-
ros. Valendo-se da terminologia do Malleus malleficarum (1486) pa-
ra as bruxas, Botero chama-os de maléficos — malefici — e ainda
de encantadores — ciurmatori. Sua ação se assentava na imprudên-
cia e na falta de tino — imprudenza e pazzia —, tornando-se presa
cácil de ilusões. Ministros diabólicos, usavam drogas rituais — como
os europeus temeram os alucinógenos americanos! — e incitavam seus
seguidores a se sublevarem. O exemplo central de superstição brasíli-
ca escolhido por Botero é a Santidade do Jaguaripe, perigosíssima
pelo caráter de insurreição — “*per mezo de' suoi ministri sollevava
tutto il Brasil” !** — e de similitude com os ritos verdadeiramente re-
ligiosos — ““una sorte di superstitione, e di tãto maggior pericolo,
e dâno quãto ella era piu simile, e côforme a” riti, e all*uso della Chie-
sa Sata””.P** Os idólatras tinham um “papa”, ordenavam ““bispos”
e “sacerdotes”, ouviam “confissões”, celebravam '“missas”, traziam
““rosários”” para suas orações: procedimentos totalmente diversos dos
hereges protestantes, mas igualmente demoniacos: “Et é cosa degna
d'esser avertita [astutia del demonio in oppugnar !autoritã del Pa-
pa. Poi che tra noi la combattê co'l negarla per bocca di Luthero, e
di Calvino, e de' seguaci loro: e nel Brasile co'l contrafarla per mezzo
di ciurmatori e d'altri suoi ministri””,16++*
Desta forma, a ação demoniaca também mudava, de um e de
outro lado do Atlântico: luteranos e calvinistas negavam os ritos €
os sacramentos para atacar o catolicismo; para desmoralizá-los, pa-
jés e encantadores tupis macaqueavam-nos. Universos tão diferen-
tes e longínquos, a Europa e a América tornavam-se porém indistin-
tas por meio da ação de certos hereges, que não conheciam fronteiras
que se antepusessem ao exército de sua impiedade, mais preocupa-
dos em semear a cizânia no campo dos fiéis do que em pregar a pa-
lavra divina para os infiéis. Assim agiu João de Bolé, francês que
veio para a França Antártica de Villegaignon e se insinuou entre os

(*) ““por meio de seus ministros sublevava todo o Brasil”


(**) ““uma espécie de superstição, e tão mais perigosa e prejudicial quanto era
mais semelhante, e conforme aos ritos e ao uso da Igreja Santa.”
(** “E é coisa digna de advertência a astúcia do demônio em refutar a auto-
ridade do Papa. Pois se entre nós combateu-a negando-a pela boca de Lutero e de
Calvino, e de seus sequazes, no Brasil a contrafez por meio de encantadores e outros
ministros seus”

63
do a disc
dis corórdi
dii a tra ves tid o na peleÇ
oao vrra nte comean
sen
católicos de 5
Naa Vicente,

.
de um carneiro
' A l e m a g n a piú vicinaa la Lap| pia, lala Biar-
L u th er an i d -
Non ha v e t e v o l
a n
I t i i n v o l t e n º IWidolatria? e voí heretici d”In
e circos t l a, e
mia, e l e P r o v i n t i
vo ! C a l v i n i a n i d e l l a R o c e l
a, € la O rolan
dia; e e An .
ghilterra, ['Islandi c h e v o l c h i a m a t
a c c a l a i , e la F r a n cia,
l u o g h i di F r a n c ia 1 B a to
d'al t r i
r e v i | a a n g e l i o , d e l n
v a d ' ur
i n t r o d
tartica; perché n o n f a t e p r o
i a , e n o m e já C ne perche w
f e s s i o n e , q u a l e e g li si S
voi fate p r o l | ru, mo [sic] nuo-
d i c a n o n e d e C a t t o l i c i n e
- giova di sturbare ja pre , a n z i c h e di suas voa n qualche
€ ne l V ' I n d i a
va Spagna, nel Brasil, m a n o ? si pBRs u ô d e
i r e
: , se non|
es si n o n h a b b i n o g i a messo la
impresa o v e
form en to ; ; ma
ma il so pr as em in
in ar z1 -
q i me st ie re 1] s e m i n a r
che non é vostro 1 fe de h al la pe rf id ia: né
li alla Fe de : m a
zania? nô il códurre gYinfide t i o n e ? n o n il pe rf ec t-
rt il t: m a il vi rt uo si alla c o r r u t
al'imp er fe tt i al la vi
ra?
depra aa
v a r c :
tionare finalmente ma dl
se , as si m, pr et ex to pa ra at a-
ód io de Jo ão de Bo lé to rn a-
O epis r ó p o l e e Co lô -
nã o c o n h e c e fr on teir as en tr e M e t
car à R e f o r m a : el a
nt ro € Pe ri fe ri a, Ve lh o e N o v o M u n do. N o cerco à Igreja, os
ni a, Ce
t e na c a t e q u e s e à fi m de ar ru in ar-
n
hereges interferem deliberadame A mé-
ab o é pr im ei ro a R e f o r m a , de po is a
lhe a ação. Para Botero, O di m o me-
ta do pe la R e f o r m a , o Br as il en tr a c o
rica. No perigo represen e n t e ao s
a d e s d e m o n i a c a s qu e, c o n t r a r i a m
táfora: lugar de humanid la -
do at é en tã o à c h a n c e de c o n h e c e r a pa
reformados, não haviam ti
vra de Deus.'*
a, ca te qu es e e he re si a (a ge nt il id ad e a p a r e c e ndo co-
Desta form

a
rd in ad a) sã o os pi la re s de s u s t e n t a ç ã o da qu ar ta pa rte,
mo sua subo

ii
qu e Bo te ro se es te nd e so br e o Br as il . As c o n s i d e rações
Livro 1v, em
o-
sobre a colônia portuguesa não passam de pretexto para que O pr O

is ta da Fé ca tó li ca ex er ci te se u po de r de fo go , e x a l t a n d o os
pagand
méritos e imprescindibilidade das missões enquanto põe a nu os hor-
a

rores da Reforma, aproximando seus agentes dos gentios bárbaros


e
ai

("1 “Vós, Luteranos da Alemanha, não tendes mais próxima a Lappia, a Biar-
mia, e as províncias circunstantes envoltas pela idolatria? E vós, heréticos da Ingla-
o

terra, a Islândia e a Groenlândia; e vós, Calvinistas de La Rochelle, e de outros luga-


CD

res da França, os Baccalaíi. e a França, que chamais Antártica; por que não
RR

pasaeanes aí introduzir o Evangelho que professais, seja qual for, ce o nome de


Rn vos comprazeis em prejudicar a pregação dos Católicos no Peru, na
ne vas Brasil e ae nptia antes de entrar numa empresa em que aqueles
É tenham piaaia o o vosso
é ofíci
? O que se pode dizer senão que nã
a aiddo aa dissemi nar cizânia? Não a condução dos infiéis à fé; mas
É pertidia? Nem dos imperíeitos à virtude; mas dos virtuosos à corrupção?
imalmente, não o aperfeiçoar, mas o depravar?"

64
cc

do At lâ nt ic o, te im am em co me r ca rn e hu ma na,
que, do outro jado
li ca te m pr op ós it os hu ma ni st as , a Ee fo rm a
Se q expansão da Fé ca tó
protestante mostra-se, sem dúvida, como um anti-humanismo., Na
argumentação de Botero, portanto, a antropofagia é antes um em-
cu pa çã o efe tiv a: ma is do qu e os tu pi na mbás
blema do que uma preo
que, na Am ér ic a, co me m ge nt e, pr eo cu pa m- no os ca lv in is ta s e lut e-
e, na Eu ro pa , põ em em sít io a Igr eja .
ranos qu
re nt em en te da s co ns id er aç õe s so br e pa rt es da Eu ro pa qu e
Dife
cu ja s pe cu li ar id ad es pu de ra ob se rv ar , Bo te ro ba sc ia o
pereorrera €
e o Bra sil em ou tr as fo nt es qu e nã o su as no ta s de via-
escrito sobr
gem." Leitor atento, abre a parte que nos interessa marcando a es-
co lô ni a po rt ug ue sa : “Il Br as il e € se mp re sta to un a
pecificidade da
la à cui so gg ia ce la nu ov a Sp ag na , di Pe ru :
Corona distinta da quel
on e de” su oi po po li si é se mp re te nu ta , € si tie ne ma-
e nella conversi
da qu el la , ch e si é te nu ta ne lV al tr e par ti de l' Ameri-
niera differente
cu ri os a, re ve la do ra de se ns o hi st ór ic o ag ud o
q” 20º Consideração depois, Fi
oc a, um só mo na rc a, Fil ipe Il €, lo go
já que, naquela ép
o da Am ér ic a hi sp ân ic a qu an to da po rt ug ue sa ,
lipe Ir, era senhor tant
pa ra um ob se rv ad or at en to da ce na cu ro pé ia , um tan -
apesar disso,
— le mb re -s e a mi ss ão se cr et a de qu e o in cu m-
to diplomata também
ju nt o à co rt e da Fr an ça —, Po rt ug al e Es pa -
bira o duque da Savóia
m re in os di fe re nt es , se pa ra do s en tr e si, O me smo
nha continuava
as re sp ec ti va s po ss es sõ es co lo ni ai s. Da í a ob se rv a-
acontecendo com
gr af o: “O nd e ci € pa rs o co sa co nv en ie nt e il da-
ção que fecha o pará
re anche raguaglio separato”?**
que , pa ra a Am ér ic a hi sp ân ic a, foi Ac os ta — na Hi sto-
Sabe-se
ra l de las In di as — O gr an de re po si tó ri o de in fo rm a-
ria natural y mo
et an to , nã o te nh o co nh ec im en to de que , até
ções de Botero.Z Entr
os os do au to r das Re la zi on i ha ja m se pr eo cu pa do em
hoje, os estu di
tes qu e no rt ea ra m a sua esc rit a so br e o Bra sil . Se
estabelecer as fon
se rv aç ão dir eta , de qu e fon tes ter ia se val ido o
não se baseou na ob
to ri ad or Gi ov an ni Bo te ro ao dis cor rer sob re o Bra sil ?
cosmógrafo-his
a
a
O

a Co ro a di st in ta da qu el a so b qu e se en co nt ro u 4
(*) “O Brasil foi sempre um mp or to r, € 48 cos
co nv er sã o de se u po vo se mp re se co
Nova Espanha e o Peru: e na
porta de modo diferente das outras partes da Amé ric a, n

con ven ien te dar tam bém a not íci a em separado.


(**) “Daí parecer-nos
O O
o
o

65
“CHE ARGOMENTI ERANO
ATTI A REPRIMERE TATA BESTIALITA?”
4S FONTES DE BOTERO

À inequivoca presença jesuiítica

No tocante à ação e à estratégia cate


quética na colônia luso-
brasileira, Botero valeu-se de vários
escritos de Manuel da Nóbrega
e de José de Anchieta.2 Tomou deste,
inclusive, o registro de epi-
sódio pouco conhecido da evangelizaçã
o, quando alguns francisca-
nos tentaram iniciar a catequese dos gentios. Di
z Botero: “IT primi
dúque, che si misero allimpresa dell
"Evãgelio nel Brasil furno alcu-
nt Padri di S. Francesco, la piu parte Italia
ni. Uno de' quali volendo
passare un fiume vi restô af fogato, gli
altri furono ammazzat; da”
Barbari prima, che potessino dar saggio d'
altra cosa, che del
buon'animo, e del molto zelo loro”' 2%
Diz o Padre Anchieta:

Os primeiros religiosos que vieram ao Brasil foram da


ordem de São
Francisco, os quais aportaram a Porto Seguro não muito
depois da po-
voação daquela capitania, e fizeram sua habitação
com zelo da con-
versão do gentio, e, ainda que não sabiam sua lingua
, de um deles se
diz que lia o Evangelho e, como lhe dissessem os Po
rtugueses que para
Ni

que lho lia pois o não entendiam, respondia: “Pal


avra de Deus é ela,
tem virtude para obrar neles”. Um deles na passagem du
|
|

| m rio se afo-
gou donde lhe ficou o nome o rio do brade; todos
ã

E
os mais mataram
os Índios levantando-se contra os Portugueses?
A percepção da existência de fases distintas no proc
esso de ca-
tequese — a necessidade de “mutar stile'” — foi sem
dúvida inspira-
da por Nóbrega, extremamente sensível às etapas própri
as a tal mo-
vimento.** Vejam-se os trechos respectivos: em Botero:
Indussero dunque con prieghi, e cô promesse | pad
ri e le madri di fa-
miglia à dar loro in cura, e in disciplina à figliuoli
: Attesero poi con
E molta dulcezza a maneggiare quelli giovanentti [si
j c], à domesticarli,
& a invaghirli a poco a poco della belezza
della virtd, e del" honesta.
Non si gettô questa semenza indarno. Perché
i fanciulli imparavano fa-
cilmente, quel che lor si diceva: e ne davano par
te a'suoi di casa, & agli
Sen

(9 “Os primeiros portanto que se lanç


aram na empresa do vangelho no Br
a-
rem

sil foram alguns padres de São branci


sco, a maior parte italianos, Um dos
quais, que-
mm

rendo passar um rio se afogou, Os ou


tros foram mortos por bárbaros ante
ea

dessem dar prova de outra coisa que s que pu-


do seu bom Animo e de muito zelo”

e]
cd a

altri, e con Vesempio ritiravano a poco a poco 1 compagni dalle usanze
bestiali [...];2?*
em Nóbrega: “os filhos creados nisto ficarão firmes cristãos, porque
é gente que por costume e criação com sujeição farão dela o que qui-
serem, O que não será possível com razões nem argumentos. Já agora
dão os filhos de boa vontade para lh'os ensinarem, e lhes levam disso
que têm para ajuda de sua mantença [...)'";** e em Anchieta:
Estes, entre os quais vivemos, trazem-nos voluntariamente seus filhos
para os ensinarmos, os quais, sucedendo depois a seus pais, tornem
o povo agradável a Cristo.?? [...] Temos uma grande escola de meni-
nos Índios, bem instruídos em leitura, escrita e em bons costumes, os
quais abominam os usos de seus progenitores. São eles a consolação
nossa, bem que seus pais já pareçam mui diferentes nos costumes dos
de outras terras; pois que não matam, não comem os inimigos, nem
bebem da maneira por que dantes o faziam?

oa
Sobre a catequese e suas estratégias, Botero deve ter lido ainda
outros escritos jesuíticos nos arquivos da ordem, bebendo neles e pro-

EE
duzindo, como pode ser constatado acima, um texto mais pessoal,
compreensível num homem que dedicava parte de suas energias in-
telectuais à propaganda da Igreja tridentina. Acerca das práticas gen-
tílicas, a sensação de estranhamento era, porém, infinitamente maior;
num procedimento verdadeiramente etnográfico, quase transcreve tre-
chos dos observadores diretos, diminuindo assim a margem de erro,
Vejamos o que diz Botero ao tratar dos pajés:
| Brasili sono in grã maniera soggeti a gli incantatori, e simili gente,
Tra questi uno ve n'era che con molta arte, & astutia s'haveva acquista-
to una suprema auttoritá, e riputatione tra loro, di un'altro Esculapio,
à Macone onde non si presto uno s'ammalava, che si mâdava subito
per costui, Venne una volta a ragionamento piu che a disputa, cô esso
lui il P. Nobrega: e li domãdo in cui viriú facesse egh quelle sue mera-
viglie, del Dio del Cielo, O del demonio dellPinferno? Ancor io (rispose
!"empio) sono Dio, e quel supremo Prencipe dell"universo, a"cui cenni
s“inchina il Gelo, e trema la terra, é mio grandissimo amico: espesse volte

(*) “Induziram pois com pedidos e com promessas os pais e mães de família
a lhes dar os filhos para cuidado e disciplina: conseguiram depois com muita doçura
manipular aqueles jovenzinhos, domesticá-los, deixá-los a pouco «e pouco enamora-
dos da beleza da virtude, e da honestidade. Esta semente não foi desperdiçada, Por
E

que os meninos aprendiam facilmente o que se lhes dizia: e disso davam parte aos
de sua casa, e aos outros, e com o exemplo tiravam à pouco e pouco os companheiros
mi

dos hábitos bestialis [...]"

67
E
mi si mostra tra le nubi, &
in mezo delle saette, e de'tuoni.
piu patienza il Nobrega; Non hebbe
ma có piu collera, che argoment;
menti erano atti a re primere (che arpo-
tãta bestialitã?) lo confuse, e'] Te
lo. Smaccô, & avilí di tal se Muto-
maniera quel suo empio orgoglio,
Sô, non molto dopo, la sua cecita, e malitia che confe.
e domandô d” eSSer Instru
nella fede, & ammesso al Battesimo. Il tto
che egli ottene fin almente
me con al cuni altrj.1+ insie.

trecho de Nóbrega, que lhe serviu de mode


lo:
Procurei encontrar-me com um feiticeiro, o
maior desta terra, ao qual
chamavam todos para os curar em suas enfermid
ades; e lhe perguntei
em virtude de quem fazia ele estas cousas e
se tinha comunicação com
o Deus que creou o Céu e a Terra e reinava
nos Céus ou acaso se comu-
nicava com o Demônio que estava no Inferno? Resp
ondeu-me com pou-
ca vergonha que ele era Deus e tinha nascido De
us e apresentou-me
um a quem havia dado a saúde, e que aquele Deus
dos céus era seu
amigo e lhe aparecia freqientes vezes nas
nuvens, nos trovões e raios:
e assim dizia muitas outras cousas. Esforcei-me ve
ndo tanta blasfêmia
em reunir toda a gente, gritando em altas vozes, mo
strando-lhe o erro
e contradizendo por grande espaço de tempo
aquilo que ele tinha dito:
e isto, com ajuda de um língua, que eu tinha muito
bom, o qual falava
quanto eu dizia em alta voz e com os sinais do gran
de sentimento que
eu mostrava. Finalmente ficou ele confuso, e fiz qu
e se desdissesse de
quanto havia dito e emendasse a sua vida, e que
eu pediria por ele a
Deus que lhe perdoasse: e depois ele mesmo pediu que
o batizasse, pois
queria ser cristão, e é agora um dos catecúmenos22
Não por acaso, é quando trata de outra histor
ieta referente a
pajés e encantadores que Botero novamente se ap
roxima mais do texto
de origem. Diz o jesuíta italiano:

(*) “Os Brasileiros encontram-se grandeme


nte sujeitos aos encantadores e gen-
te semelhante. Entre estes, havia um que, com muita art
e e astúcia, tinha conseguido
uma autoridade suprema e grande reputação junto aos
demais, como sendo um ou-
tro Esculápio, ou Macone, não ha vendo quem, ao
adoecer, não mandasse procurá-
lo. Aconteceu de entrar o Padre Nóbrega
com ele antes em argumentação do que
discussão: e lhe perguntou por graça de quem em
realizava ele aquelas suas maravilhas,
se do Deus do Céu, ou do demônio do inferno?
Eu próprio sou um Deus (respondeu
o ímpio), e aquele supremo Príncipe
do unive ISO, à cujos acenos se incl
c treme a terra, é meu grandíssimo ina o Céu
amigo; mui
as nuvens, c no meio dos raios,
e dos trovões. N ão teve Nóbreg
com mais cólera, do que argumentos (que a mais paciência; mas
argumentos eram capazes de repr
ta bestialidade?) o confundiu, e o imir tan-
calo u, Desmascarou, e humilhou
seu orgulho ímpio, que confessou, não de tal forma aquele
muito tempo depois, a sua ce
cia, e pediu para ser instruído na fé, e admitid gueira, e malí-
9 ao batismo, O que finalmen
guiu, junto com alguns outros” te conse-
Dc

Sono nel Brasile moltissimi malefici, e ciurmatori, della cui impruden-


za, e pazzia non mi fará grave addur qui uno, o due essempi. Vano
1560, nel contato di Piratininga, essendo tramontato el Sole, si comin-
ció in un subito a turbar Vaere, a coprirsi di solti nuvoli il cielo, e ad
aprirsi con tuoni, e con baleni. Si levô poscia un vento da mezo gior-
no, e girando la terra fin che giunse a Ponente maestro, prisi ivi tanta
forza; che portó via tetti di case, stratolô selve, diradiçô alberi di gran-
dezza smisurata: e fece in una meza hora, ch'egli durô fracasso, e rovi-
na inestimabile.
Alcuni giorni doppo certi Sacerdoti s"incôtrarono in un di questi ma-

E
lefici de" quali parliamo, & havendolo esortato lasciar quella infame
professione, e vita, chêgli faceva, e à riconoscere un Dio padrone, e

Eai
creatore d'ogni cosa. To conosco (rispose egli) Dio, e'l figliuol di Dio
imperoche havendome il mio cã dato un fiero morso, chiamai il figliuo]
di Dio, che mi venisse a medicare, & egli vene incontanente; e per ven-
detta del male fattomi dal cane, arrecó seco quel vento, che alli di pas-
sati menó tanta rovina d'alberi, e di case 3”

O trecho inspirador destas considerações de Botero se encontra


em Anchieta, na “Carta de São Vicente” datada do último dia de
maio de 1560:

Não há muitos dias, estando nós em Piratininga, começou, depois do


pôr-do-sol, o ar a turvar-se de repente, a enublar-se o céu, a amiudarem-
se os relâmpagos e trovões, levantando-se então o vento sul a envolver
pouco a pouco a terra, até que, chegando ao Nordeste, de onde quasi
sempre costuma vir a tempestade, caiu com tanta violência que pares
cia ameaçar-nos o Senhor com a destruição: abalou as casas, arreba-
tou os telhados e derribou as matas; a árvores de colossal altura arran-
cou pelas raízes, partiu pelo meio outras menores, despedaçou outras,

(*) “Existem no Brasil muitos maléficos, e encantadores, de cuja imprudência,


e loucura não me será penoso citar um ou dois exemplos. No ano de 1560, na provin-
cia de Piratininga, tendo o sol se posto, adveio uma súbita perturbação nos ares, a
cobrit-se de nuvens soltas o céu e a abrit-se com trovões e relâmpagos. Levantou-se
a seguir um vento sul, e rodando a terra até atingir o Poente, aí alcançou força tama-
nha que arrancou tetos de casas, destruiu as florestas, arrancou as árvores de desme-
surado tamanho: e durante a meia hora que durou, provocou inestimável rulna edes-
truição,
“Alguns dias depois, certos sacerdotes se encontraram com um desses maléfi-
cos dos quais falamos, e havendo-o exortado a deixar aquela infame profissão, o vb
da, que levava, e à reconhecer um Deus senhor, e criador de todas as coisas, Bu co»
hheço (respondeu ele) Deus, e q filho de Deus, pois que tendo o meu vão me dado
uma vigorosa mordida, chamel pelo filho de Deus para que me viesse medicar, € ele
velo incontinenti; e por vingança do mal que me fez o cão, trouxe consigo bquele

|
vento, que nos dias passados provocou tanta destruição nas Árvores, * casas,

69
|
fi ca ra m ob st ru íd as as es tr ad as , e ne nh um a passa.
m a n e i r a q u e Hs tp
de tal mi ra r qu an to s es tr ag os de árvo-
p e l o s D O squ es; era par a ad
sem h a v i a
- - o es pa ço de me ia ho ra (po is nã o du ro u mais do
casas nroduziu n
res é "a verdade se o Senhor não tivesse abreviad
mm .
o aquele tem.

e IES 3). E. na Vel a a a

ta «ir a tamanha violência : € tudo cairia poi por terra. [...]|


po, nada poderia resis ar ás se ma is
e po r si me sm o ju lg
Vou entretanto retenr um fato, qu
de ns o; la me nt ar as ce rt am en te a ce gu ei ra e escar-
dieno de dor do que
a. Po uc os dia s de po is de se pa ss ar em est as cousas,
necerás a loucur
de Ín di os a qu e vi m co m al gu ns sa ce rd ot es apl i-
em uma certa aldeia
car a medi ci na da al ma e do co rp o à um en fe rm o, en co nt ra mo s um
fa ma ent re OS Ín di os , o qu al , co mo o ex or tá ss emos
Feiticeiro de grande
de ix as se de me nt ir , € re co nh ec es se um só De us , Cr ea do r e
muito que
s as co us as , de po is du ma (po r as si m diz er) lo ng a dispu-
Senhor de toda
re sp on de u: “E u co nh eç o nã o só De us , co mo o fil ho de Deus, pois
ta,
há pouco, mordendo-me o meu cão, chamei O filho de Deus que me
trouxesse remédio; veio ele sem demora e, irado contra O cão, trouxe
consigo aquele vento impetuoso, que soprou há pouco para que derru-
basse as matas e vingasse o dano que me causara o cão”.*
Em ambas as passagens citadas, ressalta o caráter de exemplum
do episódio narrado. Mesmo sendo de autoria dos catequistas Nó-
brega e Anchieta, e não de Botero, foi certamente tal aspecto que
cativou o autor das Relazioni, instigando, nele, o habito de pregador
(e de retórico, acima aludido) tão valorizado pelo mestre Borromeu.%
Por fim, outra passagem quase literal dos escritos jesuíticos qui-
nhentistas sobre o Brasil pode ser encontrada quando Botero fala
| de João de Bolé, o herege calvinista:
Erano ira costoro due ministri d'Heresia e di pravitã Calviana, per in-
fettare di quel veleno, e i soldati francesi, e 1 Brasili. Nel progresso
dellimpresa, il Capitano, ch'io mi credo fosse Nicolô
Villagagnone,
nuomo d'imtendimento, e di gluditio, s'acorse, che quest
i erano huo-
mini, che con estrema ignoranza delle cose Christiane
havevano con-
Fa nd E arroganza (cosa commune à tutti gli Hereti-
a E Ra a E unant) intollerabile. Onde cominciô
ie e h, Per huomini piú atti à pervertire, che a edifi-
Nacque poi Sa
cy dad tra i due ministri, tanta discordia, che
tro, si risolsero dí ia o e non volendo cedere I"uno allal-
renze loro. In tato un di E E
no, nfandô a San Vicenao ro, ch “ra -edilà aspettar risposta sule diffe-
anche poco d'accordo co'l Capita-
tre compagni alla casa e É postos di pelle d'agnello, s'adrizzô con
é trattati humanamente, | Gesuiti, ove furno raccolti
come peregrini
ro, che parlava bene Spagn
uolo, co-
70
=.

minciando a millantarsi della nobilitã del suo casato (doveva forse es-
cer un'altro Drance: Genus huio materna superbum Nobilitas dabat:
incertum de parte ferebat) e a vantarsi com questo, e con quello della |
sua dottrina, e aiutandosi con una certa facilitã di conversatione, e pron-
rezza d'ingegno, si fece a poco a poco tener dalle brigate per huomo |
da qualche cosa. Scrisse anche una lettera al Padre Luigi di Grana, Pro-
vintiale de' Giesuiti ch'era allhora in Piratininga, dandoli conto del'es-
ser suo, e de gli studii suoi, con dire, che poiche il maestro della sua
ciovanezza, huomo raro, e singolare, | haveva introdotto nella felici spe-
tonche delle Pieridi, ove s'era nel fonte (non sô, se di Parnaso, o d'Eli-
cona), inebriato con gli ameni, e divimi rivi della sapienza, se n'era pas-
sato a gli studii della Sacra Scrittura, e dell'altissima Teologia: e per
poterla con piu agevolezza conseguire, haveva anche, non perdonando
a fatica alcuna, imparato la lingua Sacra da gli stessi Rabini, e da loro
insieme appreso secreti meravigliosi, de' quali voleva far parte ad esso
Padre, come prima potesse con esso lui abbocarsi. Non passarono poi
molti giorni ch'egli (perché ex abundantisa cordis os loquitur) comin-
cio a bestemmiare contra il Santissimo Sacramento, contra le imagini
de' Santi, contra il Vicario di Christo assaporando ogni cosa con sale
di facetie, e di motti, presi dalla bottega di Calvino, molto plausibili,
e al gusto della moltitudine vaga di novitã quale ella si sia. Havendo
cio inteso il Grana, si mossi subito da” Piratininga per opporsi a” prin-
cipii del male. Il Frãcese li mandó* incôtro una Epistola, il cui essordio
era questo, Adeste mihi Celites: offerte gladios ancipites faciendam vin-
dictam in Ludovicum Granam, Dei osore. Onde si puô far congiettura
del resto. Il P. giunto alla cittã, cominció* subito à dimostrare al Vica-
rio Fimportãza del negotio, e à essortare cô frequenti Prediche il po-
polo à guardarsi sollecitamente dalle parole melate dell*Heretico, e da
bri pestilenti, ch'egli haveva portato seco. Per conchiuderla il Frãcese
se fá preso, e messo in prigione, e poi mãdato in Portogallo.***

(*) “Estavam entre eles dois ministros de heresia e pravidade calvinista, para
infetar com este veneno os soldados franceses e os brasilos. No progresso da empre-
sa, O capitão, que creio era Nicolau Villegaignon, homem de entendimento, e de juí-
e

Zo, percebeu que estes eram homens que, aliada à extrema ignorância das coisas cris-
UE E

tas, tinham uma presunção, e arrogância (coisa comum a todos os hereges,


mas
sobretudo entre os calvinistas) intolerável. Onde começou a censurá-los, e a tratá-los
como homens mais aptos a perverter do que a edificar o gentio.
a a

“Surgiu depois tanta divergência entre os dois ministros, e tanta discórdia, que
não sabendo o que se dizerem, e não querendo um ceder ao outro, resolveram escre-
go

Ver à Genebra: e de lá esperar resposta sobre suas diferenças. Enquanto isso, um de-
ai

les, que não estava muito de acordo com o capitão, foi a São Vicente, e vestindo-se
FR
É.

“om pele de carneiro, dirigiu-se com três companheiros à casa dos jesuítas, onde fo-
E
Te

tam recolhidos como peregrinos e tratados humanamente. O ministro, que falava bem
-

O espanhol, começando a vangloriar-se da nobreza do seu sobrenome (talvez devesse


ET

"er UM outro Drance: Genus huio materna superbum Nobilitas dabat; incertum de

71
*
De Villegaignon, diz Anchieta que oii todos Cles ser
e mu i do ut o e gr an de ca va lh ei ro ”,
catol “co se fa
rm aç õe s in co rp or ad as po r Bo te ro
Mas o grosso das info
ra na já ci ta da “C ar ta de Sã o Vi ce nte”:
co nt
Todos eles eram hereges, aos quais mandou João Calvino dois que lhes
chamam Ministros, para lhes ensinar o que haviam de ter e crer. Daí
a pouco tempo, como é costume dos hereges, começaram a ter diver.
sas opiniões uns dos outros, mas concordavam nisto que servissem q
| Calvino e a outros letrados, e logo que eles respondessem isto, guarda-
| riam todos. Neste mesmo tempo um deles ensinava as artes liberais,
| grego e hebraico, e era mui versado na Sagrada Escritura, c por medo
| do seu Capitão que tinha diversa opinião, ou por querer semear os seus
erros entre os Portugueses, uniu-se aqui com outros três companhei-
ros idiotas, os quais como hóspedes e peregrinos foram recebidos e tra-
tados mui benignamente. Este que sabe bem a lingua espanhola, co-
| meçou logo a blasonar que era fidalgo e letrado, e com esta opinião,
e uma fácil e alegre conversação que tem, fazia espantar os homens
| para o estimarem. Escreveu também uma breve carta ao Padre Luís da
Grã, que então estava em Piratininga, na qual lhe dava conta de quem

parte ferebat [A nobreza da mãe conferia-lhe uma linhagem soberba; diziam que a
e

paternidade ecra incerta)) e a gabar-se disso e daquilo da sua doutrina, e valendo-se


de uma certa facilidade de conversação, e presteza de engenho, se fez aos poucos pas-
sar junto à companhia por homem de valor. Escreveu também uma carta ao Padre
Luís da Grã, provincial dos jesuítas que se encontrava então em Piratininga, dando-
em,

lhe conta do seu estado, e dos seus estudos, dizendo que já que o mestre da sua ju-
ventude, homem raro e singular, o havia introduzido nas felizes cavernas das Musas,
ES

onde, na fonte (não sei se do Parnaso, se de Elicona), tendo-se inebriado com os amenos
oo | mg

€ divinos rios da sabedoria, tinha então passado aos estudos da Sagrada Escritura,
e

c da altíssima Teologia; e para obtê-los com maior facilidade, tinha igualmente, sem |
eai
a

temer fadiga alguma, aprendido a língua sagrada com Os próprios rabinos, e com
ma
a nt,

es da aprendido segredos maravilhosos, que gostaria de comunicar ao pró-


Et

dela ii e sapo a este Dana Não se passaram muitos dias antes que
ie

santos, contra o Vigário de Cristo E RR a aoNaa paiol


+ temperando cada coisa com o sal decs
facéciasjo €
ar

alvino, muito aprazíveis, e ao gosto da multidão desejo-


O

rapidamente Piratining: 5 forem, Tendo isto compreendido o padre Grã, deixou


-—

uma epístola, cuiUjo exórdi


6º oio Para Opor
eraer: seo seg : ao mal que principiava. O Francês lhe enviou
uinte: Adeste mihi Celites: offerte gladios ancipi
-
dor

ovicum Granam, Dei osore [Socorram-me, habitado»


o

o

tre de sua
era, € O que havia aprendido, dizendo que depois que o mes
adolescência, varão singular, o havia metido nas escolas das Pierides,
navia bebido da fonte cabalina ameníssimos arroios de sabedoria, €
se havia passado ao estudo da Sacra teologia e Divina Escritura, a qual
ara mais facilmente poder alcançar, havia aprendido a língua Sacra,
to é a hebréia, dos mesmos Rabis, dos quais tinha ouvido de muitos
peritos, e que praticaria com o Padre quando se vissem. Estas cousas
quasi compreendia no fim da Epístola, que concluiu com um dístico,
Passaram-se muitos dias quando começou a arrotar do seu estômago
cheio de fedor dos seus erros, dizendo muitas cousas sobre as imagens
dos Santos, € O que aprovava a Santa Igreja do Sacratíssimo Corpo |
de Cristo, do Romano Pontífice, das Indulgências, e outras muitas que
adubava com certo sal de graça, de maneira que ao paladar do povo
ignorante não só não pareciam amargas, mas mesmo doces.
Sabendo isto o padre Luiz da Grã, veio logo de Piratininga a opor-
se à pestilência, e arrancar as raízes inteiras deste mal que começava
o brotar. Tendo receio disto, e pensando que tal bastasse para indignar
o Padre, e torná-lo suspeito, se porventura fugisse dele, mandou-lhe |
logo uma invectiva, cujo principio era este: Adeste mihi coelitos, affer-
te mihi gladios ascipites ad faciendam vindictam in Ludovicum Dei oso-
rem &c., na qual o acusava e repreendia mui grandemente porque não
repartia o pão da doutrina com os Portugueses, por trabalhar na con-
versão dos Infiéis, e disto se nos amontoou muitas outras cousas, com
que esperava se exasperaria o Padre. Mas o Padre que tratava da causa
de Deus não fugiu, tendo mais respeito à comum salvação de todos,
que à sua própria glória; foi ao Vigário, requerendo que não deixasse
ir adeante esta peçonha luterana, e com sermões públicos admoestasse
ao povo que se acautelasse daqueles homens, e dos livros que trouxe- |
ram cheios de heresias.>* |
A utilização quase literal de muitas das fontes constituiu traço
característico da metodologia de Botero. Nele, Federico Chabod viu
certa pressa, ou, em outros termos, a compulsão em recolher um gran-
de número de informações em tempo reduzido.” Outras vezes, Bo-

tero resumia textos longos demais, como fez com passagens de Guicei-
co

ardini sobre os Países Baixos ou de Possevino sobre a Moscóvia.“


E

De qualquer forma — e é mais uma vez Federico Chabod quem faz


o comentário com a habitual propriedade —, não se pode colocar
à questão do plágio: entre a época contemporânea e a de Botero,
São enormes as diferenças no que diz respeito ao espírito
científico
era SOU RaÇÃO. Hoje, levantam-se ES oie naquela época,
à finalidade prática quem levava a melhor: ter à disposição ma-
Nuais e obras de utilidade tanto pela perspectiva política, religiosa

73
e moral quanto pelos dados geográficos que continham: “* O tFiuntfo
da finalidade prática, de uma praticidade imediata, às cust as das fi. |
nalidades ideais; mas esse ecra o tom da época”!
|
|

Antropofagia e milenarismo: enigmas


Para dois outros pontos importantíssimos do texto, Chntretanto
as fontes não se apresentam tão evidentes: a descrição do ritual aii
tropofágico, localizada, conforme óbvio recurso retórico, bem no inf-
cio do texto, c a enigmática referência à Santidade do Jaguaripe, au-
sente das demais fontes jesuíticas quinhentistas.
Os rituais antropofágicos obscdaram os curopeus chegados à
América, e a partir dos escritos dos cvangelizadores e conquistado-
res, ganharam também as considerações dos intelectuais contempo-
râncos. É bastante conhecido o ensaio de Montaigne, “Des canni-
bales",* mas não foi ele o único a se preocupar com tais práticas,
; Em capítulo anterior deste trabalho — “O conjunto: América dia-
|
Ê bólica” —, viu-se como o estudo brilhante de Charles Zika rastreia
| a penetração dos temas da antropofagia americana na Europa do
Renascimento, superpondo-se a tradições narrativas c iconográficas
milenares de representação do canibalismo.” Ainda com base na
metódologia de Zika, é possível entender a obsessão pelo canibalis-
mo americano como metáfora de outras obsessões, o que aliás já
se enunciou nas páginas anteriores: em Botero, a bestialidade expressa

Rs
no ato de comer carne humana era análoga a outras atitudes anti-

To
humanas, como a heresia protestante.
v De resto, é preciso deixar claro que a antropofagia americana
Se situava numa grade complexa de significados, nada tendo a ver
com gulodice monstruosa: na verdade, múltiplas significações se ocul-
tavam por detrás da aparente uniformidade do canibalismo ameri-
Da

sao Entre 95 tupinambás, a ingestão do semelhante ritualizava à


aa

socialização da vingança, era mecanismo conferidor de honra tanto


para O cativo a ser
ingerido quanto para o executor; o cerimonial
es. Os maias costumavam desmembrar o cor-
primeiro cevados, é quando estavam no ponto, assados como, na Eu-
ropa, se costumava fazer com 08 porcos. A associação com porcos
é curiosa € recorrente no imaginário católico coevo 4 colonização.
Nóbrega diria que os índios eram “porcos nos vícios e na maneira
de se tratarem”. Num depoimento intrigante, existente na Primei-
ra Visitação à Bahia, o mameluco Lázaro da Cunha confessa ter an-
dado pelos matos com os tupinambás durante cinco anos, pintando
o corpo € tendo várias mulheres. Participou de rituais de antropofa-
pia, mas alega não ter aderido totalmente a eles: enquanto todos co-
miam carne humana, Lázaro da Cunha diz ter comido carne de por-
co.” Entre os franciscanos do México, corria que a carne humana
era semelhante à carne de porco.** Tanto Thevet quanto Léry alu-
dem, em passagens diferentes, aos porcos.
Diz Botero:

Tratano costoro lautamente 1 prigioni di guerra; ma quando poi vo-


gliono far qualche festa solene, legano con piú corde quello, che par
loro piu pieno, € piu grasso. TI tingono variamente, c "adoranno [sic]
di molte e diverse pene: e per farli carezze, li rallentano alle voltei laci,
e' nodi, e li dano largamente da mangiare, e da bere. Doppo tre giorni,
le dónne e à fanciulli lo tirano hor da una parte, hor dalFaltra per le
corde, cô lequali egli é legato attorno il ventre l'altra brigata li lancia
addosso pomi, e frutti d'ogni sorte & egli rimãâdando contra i suoi per-
secutori quelli frutti, che puó levar di terra, si sforza di vendicarsi degli
oltraggi, che li sono fatti, e in mezzo della zuffa domanda alle volte
da mãgiare, e da bere per ripigliar le forze. Alora si rinova la battaglia.
Tu pagherai manigoldo, d'ossa, e di polpe il fio delle tue ribalderie.
Noi vogliamo sfogar sopra di te il dolore della perdita degli amici, e
de' parenti morenti in guerra; perché ti faremo in pezzi, e ti trágugiare- |
mo arostito. Fate quel che volete (risponde Valtro) che nô si potrã mai |
dire, ch'io sia morto da huomo vile, e codardo. Se voi ammazzarete
me io ho prima ammazzato molti de” vostri: se voi mãgiarete me, io
mi sono anche trovato a mangiare diversi valent"huomini, & ho fratel-
li, e parenti, che non lascierâno la mia morte invendicata. Tl cacciano
poi in una gabbia grâde, e spatiosa, e cô esso lui il suo custode, tinto
di varii colori, e coverto di diverse piume, cô un gráde coltelazzo in
mano. Quivi egli salta, e fischia, e mena il coltelazzo in volta, el pri-
gione hor si spinge innãzi per cavarglielo di mano, hor si ritira indietro
per sfuggire il colpo: & intanto le dône, e i ragazzi tirádo hor a destra,
hor a sinistra le corde, con le quali egli é legato, no"llasciamo mai né
mover di luogo, ne* riposare. Finalmente il custode, per dar fine a tãte
comedie, prima con alcuni cólpi !'habbate, e poi cô un fendente li spezza

75
la testa, e li sparge 1) cervello. Larrostiscono poi
tra noi 1 Porci), e ne fanno un solene, e magni fico
Convito 49 tm
A descrição do canibalismo poderia ter se base
nos seis autores diferentes, talvez combinando-se mais
ado em Pelo Me-
de um, O pri:
] meiro é Manuel da Nóbrega, de quem
, conforme Se VIU acima
lido a “Informação das terras do Brasil”, aparec 3 teria
ida em
k

sivelmente acessível a Botero quando moro 1549 e Pos-


u em Roma: sendo Jesuí-
ta ele próprio, e residindo na mesma cidade em qu
e es t a va sediada
a Companhia, não lhe deveria ser difícil lançar
os olhos Sobre as car-
tas que chegavam do Brasil, como os relatos de Nó
breg à. Além dis-
so, como já foi dito,Nóbrega é citado nominalmente
ha passagem
em que Botero trata da sujeição dos brasileiros
(i Brasili) aos encan.
tadores, “e simili gente”,50
O segundo é Thevet, que inúmeras
evidências apontam como
uma das prováveis leituras do secret
ário de são Carlos Borromeu.
Este andara pela França no último
decênio do século, podendo en-
—e

tão ter entrado em contato com os es


critos de Thevet, ou sobretudo
-—— str. gumes e cam

com o clima de interesse diversific


ado pela experiência francesa na
E
E
Lê 7 TO
7 pe
Es

rnga; O Outro grupo lança sobr


e ele pomos, e frutas de todo
tais frutos, que pode recolher no tipo, e ele, devolvendo
chão, para os seus perseguid ores,
esforça-se em vingar- |
||
se dos ultrajes que lhes foram
feitos, e no meio da peleja pe
bebida para readquirir as forç de às vezes comida, e
as. Renova-se, então, a bata
|
Ossos e polpa o tributo das tu lha. Tu pagarás, patife, co
as velhacarias. Nós queremos m
desafogar sobre ti a dor
Mortos na guerra; pois te faremos em peda
e ços,
engoliremos assado. Fazei o que quiserdes (responde o
outro), pois não se poderá
: 1), e covarde, Se me matais, eu primeiro matei
muitos dos Vossas: se me come
também me vi comendo muitos
tês, € tenho irmã homens valen-
América do Sul, dado que, tendo sido traduzido para o italiano em
1561, Thevet estaria acessível a Botero também em Turim ou em Ro-
ma. Sua identificação com Thevet talvez passasse pela identidade de
interesses entre ambos: um jJesuita, o outro franciscano, ambos cos-
mógrafos. Thevet foi cosmógrafo do rei, e guardião de suas curiosi-
dades — curiosités, como então se chamavam as coleções de objetos
variados: medalhas, plantas, animais, pedras preciosas. Tinha por
eles enorme apreço, e levava inúmeros visitantes para vê-los. Reis su-
cessivos honraram Thevet com suas atenções, até que sobreviesse a
morte em 1592. As Singularitez de la France Antarctique surgiram
em Paris em 1558, esgotando-se rapidamente e sendo reeditadas de
imediato, desta vez em Antuérpia. Segundo Gaffarel, os inúmeros
erros desta impressão sugerem um editor apressado pela impaciên-
cia do público, que devorava então todas as narrativas de viagem acer-
ca do Novo Mundo. Em 1561, um certo Giuseppe Horologgi tradu-
zia o livro para o italiano: publicou-se em Veneza, com o título
Historia della America, detta altramente Francia Antartica diM. An-
drea Thevet, tradotta di francese in lingua italiana!
O terceiro autor é Jean de Léry (1534-1611), circunstância que
parece muito intrigante por tratar-se de autor reformado, próximo
a Calvino — a mando de quem foi para o Brasil — e, provavelmen-
te, olhado com repulsa por um arauto da Reforma católica. De qual-
quer maneira, a estrutura da narrativa do canibalismo é, no calvi-
nista francês, próxima à do italiano católico, e chama atenção
sobretudo a descrição do cozimento do morto. Léry foi editado pela
primeira vez em 1578, vinte anos após Thevet, portanto. Teve nume-
rosas edições latinas: 1586, 1594, 1600, 1642. As duas primeiras apa-
receram em Genebra. A tradução latina mais conhecida foi a inseri-
da na famosa coleção de Théodore de Bry, Grands & petits voyages,
que teve o primeiro volume editado em 1590. Esta é a quarta possi-
vel fonte de Botero, que talvez não tivesse, em lê-lo na coletânea,
mais neutra, os mesmos pruridos que o afastariam do autor protes-
tante Léry. Advoga a favor de De Bry a semelhança existente entre
o relato de Botero e as gravuras que ilustraram a edição das Grands
& petits voyages vinda à luz em Frankfurt no ano de 1592, notada-
mente a que retrata, ao fundo, a decoração do cativo, e a que mos-
tra O mesmo com uma corda amarrada na cintura à espera da
execução.>?
O quinto é outro jesuíta, Fernão Cardim, reitor dos colégios da
Bahia (de 1587 a 1593 e, depois, durante o primeiro quartel do sécu-
lo xvrr) e do Rio de Janeiro (1594-8). Cardim esteve em Roma co-

77
mo procurador da província do Brasil em 1598, e nesta Ci
ria ter encontrado Botero. Na viagem, levava consigo alp da de Pode.
entre eles “Do princípio e origem dos índios do Brasil" qSãnso Cscri
basta
tos
,

te conhecidos os incidentes que


envolvem estes escritos, roubados o
Francis Cook quando assaltou O navio que trazia o padre de VOTE
ao Brasil. Junto com outros dois — “Do clima e terra do rali
e “Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuític
a” — O texto
sobre os índios foi publicado apenas em 1625 na coleção de viagens
de Samuel Purchas. Cabe lembrar, entretanto, que as Relazioni, na
edição aqui utilizada, publicaram-se em 1594, quatro anos antes da
viagem de Cardim a Roma. Por muitos anos reitor do colé
gio baia-
no, este padre poderia ter fornecido material para a redação de car-
tas ânuas dirigidas ao geral da ordem, em Roma; talvez as redigisse
ele mesmo, no período em que esteve à frente do colégio pela pri-
meira vez, ou posteriormente, quando foi provincial da ordem no
Brasil (1604-9). Familiarizado com os fatos acontecidos na capita-
| nia, é possivel que o estivesse também com a ocorrência da Santida-
|

|-.
de do Jaguaripe, e que a relatasse em manuscritos ainda desconheci-
| dos por nós, perdidos nos arquivos da ordem em Roma. Mas esta
| matéria será tratada mais adiante.>3
O sexto é Gabriel Soares de Sousa, autor do Tratado descritivo

do Brasil, inédito até o século x1x, e de outro escrito descoberto por


me

Serafim Leite e publicado em 1942, onde se enfrenta com os jesuítas


por detender o apresamento de índios: Capítulos que Gabriel Soa-
res de Sousa deu em Madrid ao sr. Christovam de Moura contra os
padres da Companhia de Jesus que residem no Brasil. Com umas
Tõ———
e

breves respostas dos mesmos padres que deles foram avisados


por
É
ando
ne

um seu parente a quem ele mostrou. As respostas datam


de 1592,

é seus autores são Marçal Beliarte — então provincial —, Inácio


Re:
O

5A

To-
losa — que o fora — Rodrigo de Freitas, Quirício Caxa,
e

Luís da
E.

Fonseca, Fernão Cardim e, muito provavelmente, Luís da


Grã e An-
e

chieta.** Não parece impossível que, dada a polêmica em que se en-


e
O

volveu com os inacianos, houvesse no


a

s arquivos da ordem, em Ro-


sh

o
E
e”
o

» OU anotações resumindo partes do seu con-


o

teúdo. A
E e
i

- “à antropofagia, aliás, poderia e ento de-


ser usada como elem
ni

trat ;
==

a sua
7

sazação e & Nesta qualid ade, passív el de justif icar


qe
a
ES
,

pelo colono branco: era natural, portanto, que os pa-


a

/8
elemento a mais a aproximar o escrito do senhor de engenho e o lei-
om

tor Botero.*
e

Vejamos, agora, os trechos de cada um desses autores. Diz


Nóbrega:
Quando cativam algum, trazem-no com grande festa com uma corda
pela garganta e dão-lhe por mulher a filha do principal ou qual outra
que mais o contente e poem-no a cevar como porco, até que o hajam
de matar, para o que se ajuntam todos os da comarca a ver a festa,
e um dia antes que o matem, lavam-no todo, c o dia seguinte o tiram
e poem-no em um terreiro atado pela cinta com uma corda e vem um
deles mui bem ataviado e lhe faz a prática de seus antepassados; e aca-
bada, o que está para morrer lhe responde, dizendo que dos valentes
é não temer a morte, e que ele também matara muitos dos seus e que
cá ficam seus parentes que o vingarão e outras coisas similhantes. E
morto, cortam-lhe logo o dedo polegar, porque com aquele tirava as
frechas, e o demais fazem em postas para o comer assado e cozido.é
Thevet é mais detalhado do que Nóbrega na descrição do ritual
antropofágico, e se aproxima de Botero em alguns pontos. Diz ele:
Ce prisonier ayant été bien nourri et engressé, ils le feront mourrir, es-
timans cela à grande honneur. Et pour la solennité de tel massacre, ils
appeleront leurs amis plus lointains, pour y assister, et en manger leur
part. [...] A ce jour solennel, tous ceux qui y assistent, se pareront de
belles plumes de diverses couleurs, ou se teindront tout le corps. [...]
Il sera donc mené bien lié et garroté de cordes de cotton en la place
publique, accompagné de diz ou douze mil sauvages du pays, ses en-
nemis, là sera assommé comme un pourceau, aprês plusieurs céré-
monies.””*
Léry é muito mais minucioso na descrição. Fala de dois selva-
gens, um à direita, outro à esquerda, que trazem amarrado o prisio-
neiro; mas o que interessa aqui é a narrativa do preparo do morto
para o ritual antropofágico: ““se presentant avec de Veau chaude qu'el-
les ont toute prête, frottent et échaudent de telle façon le corps mort

(*) “Este prisioneiro, tendo sido bem nutrido e engordado, eles o farão morrer,
estimando nisto grande honra. E para a solenidade de tal massacre, eles chamarão
seus amigos os mais distantes, para assisti-lo, e comer sua parte [...]. Nesse dia sole-
ne, todos os que assistem se adornarão de belas plumas de diversas cores, ou tingirão
todo o corpo. [...] Ele será então trazido à praça pública bem amarrado e garroteado
de cordas de algodão, acompanhado de dez ou doze mil selvagens da região, seus
inimigos, lá será morto como um porco, após várias cerimônias.”

79
qu'en ayant levé la premitre peau, elles le font aussi
les cuisiniers par deçã sauraient faire un cochon de | ait prêt à
rotir”.28*
Longo também é o trecho em que Cardim descreve o
ritual an.
tropofágico, mas, no conjunto, afasta-se dos três acima
menciona.
dos. Comum, mais uma vez, é a alusão ao porco: “Morto
o triste,
levam-no a uma fogueira que para isto está prest es, €
chegando a
ela, em lhe tocando com a mão dá uma pelinha p
S U
que véu de cebola, até que todo fica mais limpo e a CO Mais grossa
Ivo que um leitão
pelado [...)".*º
O texto de Soares de Sousa é o que menos se apro
xima da nar-
rativa de Botero. Semelhanças, entretanto, se insinuam
quando des-
creve as loas feitas aos antepassados, quando alude a um
“carras-
co e, ainda, à luta com espada e à forma de execução do
prisioneiro,
Vejamos as passagens:

[...] untam o cativo todo com mel de abelhas,


e por cima deste mel
o empenam todo com penas de cores, e pintam-no
a lugares de Jenipa-
Po, € os pés com uma tinta vermelha, e metem-lh
e uma espada de pau
nas mãos para que se defenda de quem o qu
er matar com ela, como
puder; e como estes cativos vêem chegada a ho
ra em que hão de pade-
cer, começam à pregar e dizer grandes louvor
es de sua pessoa, dizendo
que já está vingado de quem o há de ma
tar, contando grandes faça-
nhas suas e mortes que deu aos parentes
do matador, ao qual ameaça
e a toda a gente da aldeia, dizendo qu
e seus parentes o vingarão. [...]
[...] e com este estrondo entra (o matador) no terreiro da
de está execução, on-

pau na mão, diante de quem chega o matador,


eO the diz que se defenda, porque vem para o matar, a quem responde
preso com mil roncar
ias; mas o solto remete a
- ambas as mãos, da qual se ele com a sua espada
se quer desviar o preso para alguma ban-
à, mas Os que tem cuidado da
s cordas puxam por ela de
o faz
fa em esperar a Pancada; e feição que
acon tece muitas vezes que o preso pri7
Metro que morra, chega com -
É em Thevet, Léry, Nóbrega e Botero que a estrutura da des-
crição do ritual antropofágico se mostra mais igual: as partes são
, var ian do a ext ens ão, mai s con sid erá vel em Lér y; em to-
as mesmas
das elas, o prisioneiro é cevado, amarrado, preparam-no para a mor-
te, ele fala do qua nto é cor ajo so, alu de aos que mat ou, e aí, entã o,
ass eme lha ndo -se a um por co. Soa res de Sou sa e Car dim
s morto,
oferec em ele men tos com ple men tar es, men os ass imi lad os a est rut u-
ra narrativa € funcionando, talvez, como mera informação — que,
aliás, poderia ter sido obtida também em outros textos. O que os
torna ide nti fic áve is, aqu i, à nar rat iva de Bot ero são ant es as pec u-
liaridades da trajetória de vida dos autores: um, antijesuita e pole-
nos ; O out ro, jes uít a, dir eto r dos col égi os, pro vin-
mista dos inacia
cial, autor presumido de cartas ânuas. De qualquer forma, rastrear
as aproximações, variações, elipses e divórcios entre esses textos é
um exercício sugestivo e instigante, apontando para a frequência com
que, então, se faziam fecundações mútuas, e lembrando que, mui-
tas vezes, o melhor modelo para descrições naturalistas não é a ob-
servação das evidências empíricas, mas a observação de modelos
prévios.*!
Mas há também que considerar as coincidências, originárias de
estruturas mentais análogas e de acervos culturais semelhantes; ao
entrar em contato com a obra de Hans Staden por intermédio do
dr. Félix Plateros, em março de 1586, Léry se confessara surpreso
pelas semelhanças entre sua Flistoire d'un voyage... e o livro do ar-
cabuzeiro alemão, que nunca lera:

[...] lui e moi ayant discouru bien au long de mon voyage en Amérique,
El
e
dont il avoit lhistoire imprimée, il m'a dit que, l'ayant conferée avec
ce que Jean Staden, Allemand de nation, qui avoit été fort long temps
en ce pays là, en avoit escrit, il trouvoit que nous nous convenions três
bien en la description & façons de faire des sauvages américains: et lã
dessus me bailla le livre dudit Staden [...]. Ce que je leu avec le plus
grand plaisir, pour ce que Jean Staden, qui a esté environ huict ans
en ce pays la, en deux voyages qu'il y a faits, ayant été détenu prison-
DP

nier plus de six mois par les Tououpinambaoults qui Pont voulu man-
ger plusieurs fois [...]; comme il le disoit, je remarquay qu'il en parloit
PAR

du tout à la vérité; bien aise aussi que je fus, de ce qu'ayant mis mon
histoire en lumiêre plus de huict ans avant que j'cusse jamais oui parler
de Jean Staden, moins qu'il eust voyagé en Amérique, je vis que nous
E

nous avions si bien rencontré en la description des sauvages brésiliens


& autres choses qui se voyent, tant en ceste terre lã que sur mer, qu'on
E
E

81
PRP
diroit que nous avons c
omunique
parratiotnas,
ao ensemble avani que
de falro
* Hos

Tudo indica que, nessa CPoca, configurava SC uma toE


rmMA
péta de ler a América, porção do mu euro.
ndo definitivamente INC
Orpora.
da, em todos os sentidos, ao universo dos Curoópeus col:
Tratarei agora da segunda parte, sobre
Mizador
es
os pajés e Ieiticeiros, ho
|
texto chamados de maléficos —
expressão, como se sabe, Presen
Maileus malleficarum (1486) para desi te no
gnar as bruxas, E é da tradição
demonológica que Botero inse
re sua narrativa sobre os chca
brasileiros, no caso, a Santidade do Ja ntadores
guaripe: “Non é paese al Mon:
do, ove il demonio non abbia la sua part
e”, afirma Botero, acrescen.
tando: “Sono nel Brasile moltissimi male
fici, e ciurmatori, della cui
imprudenza, e pazzia non mi sarà grave a
ddur qui uno, o due esem-
pi”. O exemplo mais destacado teria sobr
evindo no ano de 1584;
|...| questa razza d'uomini suscitô nel Brasile un
a sorte d; superstizio-
ne, e di tanto maggior pericolo, e dano quanto
ela era piú simile, e con-
forme a riti, e all”uso della Chiesa Santa. Creavano co
storo un supre-
mo lor capo nelle sacre comme noi il Suprem
o Pontefice. Ordinavano
vescovi, e sacerdoti, udivano confessioni, te
nevano scuole, e insegna-
vano a' fanciulli senza mercede, o salatio.
Celebravano Messe, porta-
vano Rosarii per dir le loro orazioni: facevano ca
mpane di certe zuc-
che, e libri di scorze d'alberi, e di certe ta
volette; con caratteri non
intelligibili ad altri, che a loro, e si dice che il
Demonio n'era inventore,
é maestro. Mettevano la somma della loro religion
e, e santità nella paz-
zia, e per arrivare a quel segno, bevevano il sugo
di un'erba, que i Bra-
sili chiamano Petima, di gran vehemenza e di sm
isurata caliditã. Con
questa bevanda cagpiono subito tramor
titi a terra, storcono la bocca,
cacc iano fuora la lingua: sj distendono, e si rivolt
ano, con tremore di
(*) “ele e eu tendo disc
orrido bastante sobre minha viagem à América, da qua
ele tinha a história impr l
essa, disse-me que, conferindo-a com o
Staden, alemão de na que havia escrito Hans
ção qu € estivera muito tempo naquele
país, achara que nós con-

de ter trazido
me à verdade; fiquei muito contente também
minha hi
Stória à luz oito anos antes de ter ouvido falar
gem à América, concordávamos tanto na des-
terra quanto no Mar, Que se diri outras Coisas, que podem ser vistas tanto nessa
Ha que tínhamos nos comunicado
antes de escrever

82
tutta la persona, per terra: parlano tra denti: dano finalmente segni
rali, che ben appare di chi stano ministri, Finiti questi movimenti, si
lavano con acqua, e si stimano santficati, e di tanto maggior virtú,
e perfezione quanto sono stati piú fuor di se, e fatto molti piú bestiali,
e piú impertinenti. Dicono che 1 loro maggiori hanno da venire in un
naviglio al Brasil, e a rimeterh in libertã: e che allora i Portoghesi sa-
ranno tutti consumati: e se ne restará pur alcuni diverrano pesci, o porci,
o simili animali. Questa vanitã, e folia € nudrita, c fomentata dal loro
sommo Sacerdote, che essi chiamano impudentemente Papa. Costui
si aveva aquistata tanta autorita, e fede, che per mezo dei suoi ministri
sollevava tutto il Brasile. Si che molti abbandono le case de” Portoghe-
si, e servitio, nel quale erano impiegati: molti anche ammazzando tutti
quelli Christiani, che lor capitavano innanzi, si ritiravano ne'boschi,
o ne'monti. Anzi alcuni scannavano i proprii figliuoli, affin che non
reccassino loro impedimento alla partenza, o lor fossino d'impaccio
nella fuga, O li sepelivano vivi. Disturbo questa pestilenza principal-
mente il contorno della Baya, nê si poté acquetare senza gravissimo
travaglio, e de religiosi, e de* magistrati Regii. Et € cosa degna d'esser
avertita "astucia del Demonio in oppugnar Vautoritã del Papa, poi che
tra noi la combaté co'l negarla per bocca di Lutero, e di Calvino, o

si mi
de” seguacci loro: e nel Brasile co'l contrafarla per mezzo di ciurmato-
ri, e d'altri suoi ministri.6**
Na Informação da terra do Brasil, Nóbrega descreve ritos indi-
genas de transe e possessão por ele denominados Santidade. Mas,
na passagem, refere-se a manifestações milenaristas comuns aos tu-
pinambás, e não a uma ocorrência específica — a Santidade que te-

(*) “'[...] esta raça de homens suscitou no Brasil uma espécie de superstição,
de tanto maior perigo e dano quanto era mais semelhante, e conforme aos ritos, €
ao uso da Igreja Santa. Eles criavam um chefe supremo para as coisas sagradas, co-
mo fazemos com o sumo pontífice. Ordenavam bispos, e sacerdotes, ouviam confis-
sões, mantinham escolas, e ensinavam crianças sem mercê, ou salário. Celebravam
missas, portavam rosários para dizer suas orações; faziam sinos com certas cabaças,
e livros de cascas de árvores, e de certas taboazinhas; com caracteres não inteligíveis
a outros, que não eles, e se diz que o demônio os tinha inventado, e os ensinava, Co-
Seg

locavam a essência de sua religião, e santidade, na loucura, e para chegar aquele esta-
ei

do, bebiam o suco de uma erva, que os brasilos chamam petimã, de grande veemên-
E Rem je

cia e desmesurada quentura. Com esta bebida caem de repente desfalecidos no chão,
contorcem a boca, lançam a língua fora; se retesam, e se contorcem por terra, com
per
EE

tremor de toda a pessoa: falam entre dentes: fazem finalmente tais sinais, que parece
que são ministros. Terminados estes movimentos, lavam-se com água, e se créem san-
E

tificados, e tanto mais virtuosos e perfeitos quanto mais tenham estado fora de si,
mo

e se tornado bestiais, e impertinentes, Dizem que scus maiores hão de vir ao Brasil
E

em um navio, e pô-los em liberdade: e que então os portugueses serão todos

83
r a s d e F e não Cabral de Taíde, senhor de Jaguaripe,
vc lugar nas ter
m o s à p a s s a g e m :
Veja
c e r t o s a n o s vém uns feiticeiros de mui longes terras, fin.
De certos em
antidade e ao tempo da sua vinda lhes mandam limpar
quao trade a cebê-los com danças e festas, segundo seuem costu.
os caminhos € pr mi o lugar, andam as mulheres de duas dug,

o do| p ublicamente
pelas casas, dizen tindo perdão delas. que fizeram a seus mari-
as faltas
dos umas às outras e pedindo perdão ds
do o feiticeiro, com muita festa ao lugar, entra em uma
Ra a b q figura humana,
ue traz em as do em parte
casa escura € põe uma cabaça,
mais conveniente para seus enganos, € mudando sua própria voz em
a de menino junto da cabaça, lhes diz que não curem de trabalhar, nem
vão à roça, que o mantimento por Si crescerá, e que nunca lhes faltará
que comer, € que por si virá a casa, € que as enxadas irão a cavar e
as freçhas irão ao mato por caça para seu senhor, e que hão de matar
muitos de seus contrários, e cativarão muitos para seus comeres, e
promete-lhes larga vida, e que as velhas se hão de tornar moças, e as
| filhas que as dêem a quem quiserem; e outras coisas semelhantes lhes
| | diz e promete, com que os engana, de maneira que créem haver dentro
; da cabaça alguma coisa santa e divina, que lhes diz aquelas coisas, as
| quais créem. Acabando de falar o feiticeiro, começam a tremer, princi-
palmente as mulheres, com grandes tremores em seu corpo, que pare-
cem demoninhadas (como de certo o são), deitando-se em terra, e es-
cumando pelas bocas, e nisto lhes persuade o feiticeiro que então lhes
entra à santidade; e a quem isto não faz tem-lho a mal, Depois lhe ofe-
recem muitas coisas c em as enfermidades dos Gentios usam também
estes feiticeiros de muitos enganos € feitiçarias.%
Na Informação do Brasil e de suas capitanias (1584), José
de
Anchieta também aludíria genericamente às San
tidades:
O que mais créem e de que lhes nasce muito mal
é que em alguns tem-
pos alguns de seus feiticeiros, que chamam Pajés, invent
am uns bailes

SETVIÇO Em que estavam empr


egados; muitos ainda,
o. À

e cantares novos, de que estes Índios são mui amigos, e entram com
eles por toda a terra, € fazem ocupar os Índios em beber e bailar todo
o dia e noite, sem cuidado de fazerem mantimentos, e com isto se tem
destruído muita gente desta. Cada um destes feiticeiros (a que também
chamam santidade) busca uma invenção com que lhe parece que ga- |
nhará mais, porque todo este é seu intento, e assim um vem dizendo
que o mantimento há de crescer por si, sem fazerem plantados, e jun-
'amente com as caças do mato se lhes hão de vir a meter em casa. Ou-
tros dizem que as velhas se hão de tornar moças e para isso fazem la-
vatórios de algumas ervas com que lavam; outros dizem que os que
os não receberem se hão de tornar em pássaros e outras invenções se-
melhantes.**
Thevet não alude à Santidade, pois, na época em que aqui este- | |
ve, ela ainda não se popularizara. Léry, por sua vez, refere-se a prá- |
ticas rituais indígenas que tanto podem dizer respeito à Santidade |
como a outras crenças. A outra importante fonte coeva, Botero não
poderia ter acesso: as acusações e processos contra os participantes
da Santidade levados a cabo durante a Primeira Visitação do Santo

pa
Ofício ao Brasil, entre 1591 e 1595. Aqui poderia residir o maior
dos enigmas do texto do secretário de são Carlos Borromeu. O se-
gredo defendia os papéis do Santo Ofício, que funcionava de forma
totalmente autônoma, sem sujeição à Sé romana. Da Itália, Botero
jamais poderia ter acesso às informações contidas nos processos dos
incriminados no caso da Santidade do Jaguaripe. As informações
que veicula são, contudo, curiosamente semelhantes às contidas nos
processos.*º Sabendo que a Primeira Visitação sediou-se, na Bahia,
no Colégio dos Jesuítas, e que estes padres forneciam apoio às in-
vestigações inquisitoriais, poderiam ter partido da pena de um deles
as notícias acerca das práticas “heréticas” ocorridas no engenho de
Fernão Cabral; muito provavelmente, integrando alguma carta en-
viada à sede da ordem em Roma. Sendo Cardim o reitor do colégio
à época da visita de Heitor Furtado de Mendoça, tais informações
me pareceram, inicialmente, integrar uma das cartas ânuas por ele
enviadas à Companhia, e da qual não se tem conhecimento. A evi-
dência mais forte, entretanto, aponta para outra direção: a carta ânua
de 1585, da lavra de José de Anchieta, e, portanto, anterior à Visita.
Com a denúncia da contrafação da Santidade, tal carta pode ter si-
do, inclusive, um dos móveis a desencadear a visita de Heitor Furta-
do de Mendoça, ocorrida seis anos depois. Mas para fundamentar
tal afirmação seria preciso estabelecer as possíveis relações existen-

65
tes. no final do século XVI, entre a Companhia de Jesus e o Santo
Ofício — o que, até o momento, ainda não se fez.
Escrita, como as demais cartas ânuas, em latim, esta, de 1585 |
não tem tradução. Entre os historiadores que a parafrasearam, cabe |
destacar Serafim Leite e Robert Southey. Ao se referir à Santidade
o historiador dos jesuítas diz que a ânua de 1585 narra tudo circuns.
tanciadamente, e acrescenta: “A descrição de Southey [...] tirada Eh
Jarric, Histoire des choses [...), é tradução quase literal, um Pouco

re
enfática, daquela ânua”.
Em 1585, Anchieta era o Provincial do Brasil, já muito doente
e assistido por Cristóvão de Gouveia, o visitador que viera de Por.
tugal e chegara à Bahia em 9 de maio de 1583.10 Desta forma, é do
primeiro, com o possível concurso do segundo, a carta ânua — que,
a cada ano, os provinciais escreviam para o Geral da Companhia —
parafraseada por Southey. O cotejo deste texto com o de Botero não
deixa margem a dúvidas. Vejamos o que diz o historiador inglês;
y Tomando do cristianismo dos jesuítas o que lhes pareceu convir a seus
intentos, ou talvez o que dele compreendiam, escolheram os profetas
da nova lei um papa índio, uma ordem de bispos abaixo dele, e presbí-
teros por estes consagrados, conservando todos os seus nomes euro-
peus. Também introduziram a prática da confissão e absolvição, co-
nhecendo perfeitamente o poder que nas mãos do clero punha esta parte
das suas funções, instituíram uma espécie de missa, e rosários por on-
de se contassem as orações que deviam ser recitadas por número, e à
falta de sinos convocavam o povo para o serviço religioso ao som de
grandes cabaços ocos, convertidos em instrumentos de música ou de
matinada. Não eram charlatães ordinários os cabeças desta tentativa;
estabeleceram escolas à imitação dos colégios da companhia, e afir-
mam Os jesuítas que da casca de uma certa árvore faziam eles livros
como que encadernados em tabuinhas de madeira delgada, e que em
caracteres desconhecidos continham umas escrituras que o
diabo lhes
ed 19 np sabendo O que ea voa
Até aqui tudo era imitação dos
TOR CR Tao ae 2$
portugueses, masé era
E
para extermi
; inio
queles atrevidos impostores organizado o seu eX-
ste, Com esta momice, ou arremedo da
ma prática selvagem de provocar con-
1a planta deletéria (que se supõe ter si-
avia passado por esta terrível purifica-
» Ficava santo, e perfeito na sua vocação.
mm |

n a v i o à l i v de opressores, exterminando os portugueses, e


r á-los
n u m
que destes OS poucos
que escapassem seriam convertidos em peixes,
i a s . 71
porcos e outras animál
e po r me io da car ta de An ch ie ta , se gu in do -
Ciente da Santidad
os po nt os a es tr ut ur a, Bo te ro , en tr et an to , em pr es ta à nar-
lhe em m uit ca
assent ad o em sua s pr óp ri as idé ias ac er
rativa um tom específico, a Lu-
, do pr ot es ta nt is mo — é só sua a me nç ão
das guerras religiosas
ent re a aç ão do di ab o de um e de ou-
tero e Calvino —, da analogia Eu ro pa os re-
o co nt ud o que , se na
tro lado do Atlântico, ressalvand
pel a ne ga ti va , na Am ér ic a os ín di os
formados combatiam a religião
a contrafaziam.

CONCLUSÕES

s co nt em po râ ne os , ob se rv ou Fe de ri co Ch ab od ,
para Botero e seu
do No vo Mu nd o € O me lh or co nh ec im en to do Ve-
o descobrimento
pr ov oc ar am mo di fi ca çõ es me nt ai s pr of un -
lho — Ásia e África —
as e pr en he s de de co rr ên ci as qu an to as pe rt ur ba çõ es
das, tão intens
econ ôm ic as ad vi nd as do af lu xo de me ta l pr ec io so à Eu ro pa .' ? No
an sf or ma çõ es , o au to r das Re la zi on i un iv er sa li mo s-
bojo de tais tr
en to a es pe ci fi ci da de s, sen sív el, por ex em pl o, à
tra-se historiador at
ar id ad e da Am ér ic a po rt ug ue sa . Co mo Lé ry e Mo nt ai gn e, apr e-
singul
ta lai vos de et nó lo go qu an do mi ni mi za o pe so dos rit os an tr opo-
sen
ro xi ma nd o- os dos de sm an do s rel igi oso s na Eu ro pa , ou
fágicos, ap
quando dá à conotação de barbárie cores diversas, assentada não
em va lo re s — po si ti vo e ne ga ti vo — ma s nu ma co nc ep çã o ev ol ut iv a
da vida humana — estágio necessário pelo qual passariam todos os
povos. Para Gómara, o descobrimento da América fora “'a maior
coisa depois da descoberta do mundo"; para Botero, à coisa ''maior
e mais admirável” desde a pregação dos apóstolos.”
A centralidade das cartas jesuíticas como fonte em Botero atesta
a gran de im po rt ân ci a qu e ti ve ra m no pr oc es so de re co nh ec im en to do
|
mundo peculiar ao Renascimento. Os missionários inacianos, tem-se
ar o vié s “a nt ro po ló gi co ”, re co lh en do infor- j
dit o, aj ud ar am a fu nd
es e re gi st ra nd o us os e co st um es , da Am ér ic a à Ási a. Tal sensi-
maçõ
bilidade ante o outro foi desdobramento inusitado do vasto progra
ri ná ri o da Igr eja re fo rm ad a: se a co nq ui st a
ma propagandístico e dout
religiosa do mundo era pedra de toque do programa tridentino, era |
rn as se m ca rt óg ra fo s e ge óg ra fo s — |
natural que os missionários se to

87
>
verificou, por ocasião do concílio, Alexandre Piccolomi.
conf orme tural, igualmente, que o cosmógrafo Botero,
74 Parece nã J a,
a esuít

Io.
se valesse das cartas dos companheiros de ordem a fim de Construir
» sua visão do mundo. Acosta, Nóbrega, Anchieta tiveram desta for. |
ma um papel relevante na construção da cosmografia européia
k moderna. |
Entretanto, ao mesmo tempo em que surgia Uma nova sensibilj.
dade, mantinha-se o apego ao centro irradiador, a Europa católica,
É Era o que lhe permitia continuar olhando para O Novo Mundo nos |
À termos da heterologia de que falou Certeau: à visão do outro era ajus-
| tada pelos parâmetros do imaginário católico. E aliás a leitura contra-
] reformista — presente já na Anua de Anchieta — que ressalta como
mais interessante do trecho sobre a Santidade: o arremedo da missa,
da ordenação de bispos, da reverência ao pontífice, enfim, os ele-
mentos de uma religião às avessas igualmente característica dos re-
| latos contra presumidas bruxas européias. Anchieta e Botero trazem
o ainda uma referência inusitada ao infanticidio, outro crime imputa-
| do às bruxas por seus perseguidores e ausente das demais fontes je-
suíticas conhecidas: para se verem mais livres na sua idolatria, os
adeptos da Santidade chegariam a matar os próprios filhos.
dE

O procedimento metodológico de Botero e a notícia que dá so-


“FE

bre a Santidade do Jaguaripe autorizam ainda hipótese muito im-


É
e

portante para o estudioso do século xvi luso-brasileiro: em cartas


io
q

anuas ou em outros documentos até agora pouco explorados pelos


pesquisadores brasileiros há informações cruciais sobre a vida coti-
= 8
E

diana, notadamente mágico-religiosa. Muitas dessas fontes


repou-
4

sam, indevassadas, nos arquivos da ordem, em Roma. Quatrocentos


rr

anos atras, foram elas que permitiram ao italiano Giovanni


Botero,
+

viajante frequentemente imaginário, um curioso é inusitado lançar-


ig

de-olhos sobre os segredos internos que o Império Português procu-


vi guardar com ciúme. Prova de que, ol
“go

hando de fora, pode-se às |


ve zes enxergar bem long
=

e.
4
POR DENTRO DO IMPÉRIO
Infernalização e degredo

Se a tua mão ou o teu pé te escandaliza, corta-os e ati-


ra-os para longe de ti. Melhor é que entres mutilado ou
manco para a Vida do que, tendo duas mãos ou dois pés,
seres atirado no fogo eterno. E, se o teu olho te escanda-
liza, arranca-o e atira-o para longe de ti. Melhor é que
entres com um olho só para a Vida do que, tendo dois
olhos, seres atirado na gueena de fogo.
Evangelho de São Mateus, 18,8,10

PURIFICAR PARA DEUS, SANEAR PARA O REI

No século xvi, a idéia de purgatório era relativamente recente.


Cristalizara-se, de fato, n'Á divina comédia de Dante Alighieri, con-
forme observou com propriedade Jacques le Goff,! e a grande
conquista nela embutida era a noção do purgatório com o
um inferno
com duração limitada, opondo-se à eternidade das penas infernais
propriamente ditas. No século XvI, as colônias portuguesas passa-
vam a ser vistas como terras nas quais se iam cumprir penas, mas |
das quais se podia voltar, uma vez purgadas as culpas. A própria
travessia marítima assumia características de um exílio ritual (como .
O ciclo dos Argonautas, a Narrenschiff e tantos Outros): nela, o de-
sredado iniciava o longo trajeto de sua purificação.)
/
Um século depois, a aventura dos descobrimentos possibilita-
va, em termos práticos, a ocorrência de uma síntese marcante — O
degredo —, unindo tradições distintas: a das formulações européias
acerca do purgatório, a da função purificadora da travessia maríti-
Ma, a do exílio ou desterro como elemento purificador. Na
prática

89
2“
do degredo articulavam-se, desta forma, desdobramentos dj
um grande rito de passagem,
Ao que tudo indica, foi no século Xxvil que a Inquisição portu.
guesa erigiu a colônia americana em local privilegiado do degredo
Consultando-se as listas de autos-de-fé referentes aos Tribunais de
Évora, Lisboa e Coimbra, nota-se que, a partir de 1606, começam
a se suceder em progressão impressionante os casos de réus degreda-
1 dos para o Brasil:? homens e mulheres acusados de Judaísmo, biga-
| mia, sodomia, blasfêmias, proposições heréticas, visões e feitiçaria,
É| Antes, no século xvi, as fontes sugerem que ainda se preferia o re
| curso ao degredo para as galés, fossem elas remos ou trabalhos for.
| çados. Depois, no século xvilI, as ilhas atlânticas e os coutos me.
R tropolitanos seriam eleitos os locais privilegiados do degredo.
(Esta mudança parece indicar, em Portugal, a passagem de uma
| política de aproveitamento dos desclassificados sociais e dos margi-
“nais em trabalhos forçados (comum a grande parte da Europa nos
séculos XV e xvI) para uma política de aproveitamento destes mes-
* mos elementos na lide ultramarina e na colonização do Novo Mun-
“do, Metamorfoseando o ônus representado pela reprodução desta
| gente em utilidade efetiva ou potencial, a Metrópole portuguesa trans-
“formava suas colônias, conforme a expressão do historiador Costa
Lobo, em ergástulo dos delingiientes.* Fazendo-o, era uma das pio-
neiras em procedimento que, desde então, passaria a se generalizar
entre os países senhores de possessões ultramarinas: andava ao lado
da Inglaterra, talvez quem tenha aplicado o degredo com mais per-
sistência e proveito.” Antecipava-se, por exemplo, a um João Mau-
rício de Nassau, que em meados do século xvil sugeriria às autori-
dades das Províncias Unidas dos Países Baixos que abrissem as prisões
de Amsterdam e enviassem os galés ao Brasil holandês para que,
“re-
volvendo a terra com a enxada, corrijam a sua improbidade,
lavem
com O suor honesto a anterior infâmia e
não se tornem molestos à
República, mas úteis”6
| O incentivo do Estad o ao envio de degredados para o Brasil
“7 mostrou-se| concomitant
e,portanto, à montagem do próprio siste-
| ma colonial, /Em 1549 se iniciava a oc
upação sistemática da colônia
americana, e data de dois anos antes
a decisão de não mais deixar
ptih RAvIOLOS S de Li| sboa e “sem O fazerem sa
casa do Cível, para lhe orde
b e r a o Governador da
levar"? nar os degredados que cada navio devia
Passando a degr
edar um número
portuguesa se nsinese ra maior de réus, à Inquisição
portant O NUM
co
ntexto mais amplo,
no qual
90
=.
h a d o s no va st o pr oc es so de
s a p a r e l h o s de p o d e r e m p en
do r -
m às s o c i e d a d e s oc id en ta is m o d e
€ N O r m a t i z a ção comu
exclusão r a d a ç õ e s di ve rs as : a su pr es sã o das
8 Tal processo comportou g
p a r t i c u l a r i d a d e s — u m Re i, u m a Fé ,
sal das heterodoxias, das m
em pl ar , o ex íl io ri tu al . T a m b é
a a o suplício € punição ex d e se r
oa s, O qu e, pa ra Po rt ug al , p o
se cu la r d e g r e d a v a pe ss
n4705 oa N o s pa ís es em
e n a ç õ e s do Re in o.
- io com a leitura das Ord
S a n t o Of íc io , su a aç ão se s omou às prá-
que existiram Tribunais do u-
lu ti st a; no sé cu lo XV II po rt
le va da s à ca bo pe lo E s t a d o abso
ticas E s t a d o e da I n q u i s i ç ã o
aç ão do
guês, nota-se assim a confluência da , ao mes-
e de su as ma ze la s, p o v o a n d o
no sentido de purgar à metrópol m i n a -se O de-
il ei ra . N o pr es en te es tu do , e x a
mo tempo, à colônia bras Of íc io .
ã o ap li ca da ao s ré us do S a n t o
gredo apenas enquanto puniç

T U R E Z A DA S I N F R A Ç Õ E S
INCIDÊNCIA E NA
se co mo bas e dez ess eis cas os de fei tiç ari a pu ni do s pel a
Tomem-
içã o de Lis boa co m O de gr ed o par a o Bra sil . Nel es, ent re os
Inquis
ed om in ân ci a ma rc an te de mu lh er es (tr eze cas os em dez es-
réus há pr
seis). As práticas dos acusados dizem respeito basicamente à vida
afetiva e amorosa, às tensões e conflitos integrantes do universo so-
cial, à previsão do futuro, aos anseios de comunicação com o sobre-
natural. São constituídas por orações de conjuro de demônios, ora-
ções que invocam passagens das vidas dos santos, orações que se
reportam a plantas e animais dotados de significado simbólico, ben-
zeduras e curas de animais e pessoas doentes, visões, porte de bolsas
que propiciam sorte no jogo e nas pelejas, pacto demoniaco, com-
parecimento a conventículos de feiticeiros, ou sabás. O período de
maior incidência dessas práticas é a década de 60 do século xviI,
quando ocorrem cinco casos. A pena de degredo mais comumente
aplicada é a de cinco anos (dez casos). As culpas que mais aparecem
são as de conjuro de demônios, orações e sortilégios, mas a culpa
mais duramente punida é a de Francisca Cotta, jovem filha de um
capitão d'el-rei na Praça de Mazagão e acusada pelo Santo Oficio
de comunicação com almas, cópula e pacto com o diabo, num pro-
ces so cur ios o em que o div ino e o de mo ní ac o se alt ern am o te mp o
todo. Em onze dos processos, a abjuração é de levi, sendo assim a
mais comum de todas. Não se nota uniformidade na aplicação da
pena conforme o grau da culpa. Como exemplo, em 1620 temos dez
anos de degredo, abjuração de levi e açoites para Suzana Jorge, e,
91
em 1624, quatro anos de degredo, abjuração em for que
mais grave —, cárcere, hábito pearina perpétuo e AÇO ites ms
mão Ribeiro c Ana Antonia. | Si.
Enfocando-se simultaneamente as práticas dos feiticeiros ;
tugueses degredados para o Brasil no século xvil & as Práticas si
logas exercidas em terras brasileiras durante os três séculos da ai
nização (XVI, XVII e XVII), detectam-se permanências e alterações
Nas práticas destes degredados, há traços que Continuam in
aos encontrados na Primeira Visitação do Santo Ofício da qui:
ção às Partes do Brasil (1591-5), sugerindo permanência de um subs:
trato europeu comum, ainda medieval, e traços que Paulatinamente
se alteram e assumem coloração específica e mais moderna.
Nas práticas dos feiticeiros brasileiros ou portugueses
Tesiden-
tes no Brasil, nota-se a presença de matriz européia mais abrangen-
te; de matriz européia mais especificamente portuguesa e, por fim,
de sínteses. Estas são mais tipicamente setecentistas, e se constroem
com o entrelaçamento das aludidas matrizes e ainda dos substratos
ameríndio e africano. Assim sendo, partindo-se da hipótese de que
o degredo funcionou como transmissor cultural, é possível sugerir
que sua intensificação no século xviI tenha contribuído de forma
acentuada para o engendramento de práticas mágicas especificamente
coloniais mas dotadas de marcante substrato europeu.
Dentre as práticas destes feiticeiros degredados que apontam para
o nível das permanências, temos sortilégios, fervedouros e orações
em tudo semelhantes aos perseguidos no Brasil durante a Primeira
Visitação do Santo Ofício. São eles dotados de caráter acentuada-
mente europeu e medieval. Alguns exemplos: a oração da tesoura €
do balaio, comum também à Inglaterra elisabetana é vulgaríssima no

| Grão-Pará do século xvim; o conjuro de demônios em que estes são


sujeitados como cães; as orações de conjuro com invocação de ervas
ou bichos — como o touro de são Marcos —
que, no século XVIII,
serão vertidas para a língua indígena e dotadas de animais
caros ao
sistema mitológico dos ameríndios (como o jabuti pequeno cágado

ção de demônios com os cabelos soltos às cost


as, “desguedelhados”,
co ia
doirso nu; os contratos
fáusticos escritos com sangue humano ou
xaa Esta ão século xvi quanto ao século xvrtt.!º
(é às práticas dos feitic
o Brasil notam-se tambá eir os portugueses degredad
os p ara
aceleram ou mudam den
a
Ts

Ta Ee A
É RR 1 TO
ado
=.
s bo ls as le va da s po r al gu ns do s ré us
É, por EX emplo,
o caso da
, pa ra o Br as il no sé cu lo xv tt . Co nt en do pe da ço s de pe -
es ta s bo ls as ti nh am o ob je ti vo de de fe nd er qu em as ca rre-
j
€ ap ar ec em si mp le sm en te co mo bof l-
dra É do É rimentos com ferro,
gasse a à qu de corporais. Revestiam-se do caráter dos amuletos,
el o me no s de sd e a Al ta [d ad e Mé di a, e se at relavam à
“e o
pe dr as má gi ca s e de vi rt ud e. Di fu nd id as pe lo s me ca ni s-
ns
tra
za çã o, es ta s bo ls as se mu lt ip li ca ra m no
do degredo € da coloni
O te rr it ór io br as il ei ro , de No rt e a Su l, do Grão-
e por todo
ais. Ar ti cu la nd o- se a prá tic as má gi ca s e de fei tiç a-
e n te afr ica nas , to rn ar am -s e bol sas de ma nd in ga .
ria e s p e c i f i c a m ?
já um a fo rm a es pe ci fi ca me nt e col oni al. Mandin-
* Aqui tem-se ç u l -
h a b i t a v a m u m do s re in os m u
as ou malinkês eram povos que re in o de M a h ,
lt a do s é c u l o xi rr : o
E do vale do Niger por vo set ece n-
que, entre nós , pas sou à Ser des ign ado por Mal é. No Bra sil
rista, os malês (em principio, habitantes deste reino) eram tidos co-
zen do ao pes coç o amu let os com sig-
mo mestres da magia negra, tra
Sa lo mã o e ver síc ulo s do Cor ão. !
nos de
Portanto, por mecanismos vários, entre os quais o degredo e o
tráfico, € que re me ti am em últ ima ins tân cia ao sis tem a col oni al, a
bol sa de ma nd in ga set ece nti sta des ign a um a for ma esp ecí fic a de ta-
lis mã, cap az de con gre gar prá tic as eur opé ias e afr ica nas . Tri but ári a
de três continentes, ganhando vida na articulação triangular entre
Europa, América do Sul e África, constituindo-se no seio do siste-
ma colonial, esta prática, por motivos óbvios, acabaria se prolon-
gando na metrópole: no século XVIII, os escravos negros que habi-
tavam Lisboa — seja por terem nascido lá, seja por lá terem chegado
com seus senhores, antigos funcionários da burocracia colonial que
retornavam à sede do Império Ultramarino — conheciam e difun-
diam a bolsa de mandinga, expressão incorporada inclusive pelos in-
quisidores.!2
Dentre as práticas mágicas e de feitiçaria que transmigraram para
terras coloniais e conheceram alterações significativas, cabe por fim
aludir às orações que invocavam Maria Padilha. Há quatro casos de
orações deste tipo entre os processos de que ora se trata, e há notícia
de dezenas deles no Brasil setecentista, associados sempre a outros
elementos das orações de conjuro. Ainda hoje, Maria Padilha encon-
tra-se entre nós, brasileiros. Na umbanda, forma sincrética de religio-
Idade popular que incorpora o catolicismo, as religiões africanas,
às religiões indígenas e o kardecismo, Maria Padilha é Pombagira,
ou seja, um dos espíritos incorporados pelas pessoas que freguen-

93
tam esses rituais, À Pombagira é figura associada a
Mulhere
da fácil; Maria Padilha, invocada sempre junto com 4a s de o Vi.vi
drilha”, é grande alcoviteira de amores ilícitos.1 Oda a sua qua

PUNIDOR E PUNIDOS:
IDENTIDADE DE ESTRUTURAS MENTAIS

Dos onze casos que passo a


examinar, todos se referem
q mu
lheres que desembarcaram no Nordest
e brasileiro, Cinco dizem re
peito ao ano de 1647, q uando era intensa a Bucrra contra o insia
holandês, três se espalham pelos quatro primeiros anos da
década
de 60 e um diz respeito ao ano de 1683,
Como ficou dito acima, o Brasil ocupava
no imaginário do eu-
ropeu colonizador seiscentista uma função purgató
ria nítida. Para
o Santo Oficio, enviar réus à Colônia das Américas significav em
a,
termos gerais, permitir que concluíssem aqui um longo processo pu-
rificador iniciado ainda nos cárceres, com a tortura, e que tivera se-
quência no Auto Público da Fé, terminando, em terras lusitanas, com
a entrada dos degredados nos navios que partiam para Além
-Mar,
cadeias e grilhões nos pescoços ou nos pés, fossem eles peões ou pes-
soas de maior qualidade.!* Em 1664, por exemplo, Maria da Silva
sofrera o tormento da polé por um quarto de hora, “estando gritan-
do ec chamando pela Virgem das Necessidades e pedindo misericór-
dia”. A seguir, a mesa examinou os Autos: “E pareceu a todos os
votos que sem embargo do que nele purgou pelos indícios que ainda
contra ela resultam de sentir mal de nossa Santa Fé Católica [...) ela
vá na forma costumada ao Auto Público [...]”,!S Em 1683, as súpli-
cas de Maria de Souza livraram-na dos açoites mas não conseguiram
impedir que sofresse o degredo; “que ela fosse degredada por seis anos
para o Estado do Brasil; porque assim se ficava dando bastante satis-
tação ao escândalo que com seus embustes tinha causado”.!º Como
santo Isidoro, esperava-se desta forma — diziam OS inquisidores —
que “pela mudança do lugar se mudem os costume 17
s”.
A idéia que os habitantes do Reino tinham sobre a posses
são
americana não diferia da manifestada pelo Santo Ofício, suger
indo
uniformidade de estruturas mentais em segmentos distinto da so
s -
ciedade.'* Boa parte dos réus condenados ao degredo para o Brasil
procuraram escapar alegando questões de saúde, vínculos familiar
ou ainda motivos menos concretos, tais como peri es
gos para a alma
e para a honra. Pouco importa que fossem reais ou imagi
nários 08

94
s. Eles ajudam a apreender a forma pela qual o
U S levantado po rt an te col ôni a: distan-
mo t i v
comum enxergava
1 a sua ma is im
mar , se pa ra da da Me tr óp ol e por uma
|Me ses de viagem por
(C vários da riscos, doenças e piratas, insalubre e infestada do vício
A de cnd s t
imprópria, por fim, à vida em família e em
o -
e dos ma
u s
ca tó li ca .” Par a 0 me do da tra
a con for
o t
ram e «às reg ras da rel igi ão
à po pu la ri za çã o de cer ta lit era tur a de nau-
nada co ter contribuído
Portug al . No mar , a im ag em da mo rt e as so m-
posso dizer, por não saber pintar tantas
tão dif ere nte s no nú me ro e tão se me lh an-
- medonhas tormentas, ta tragé-
di dm ra € imagem da morte, que em todos os atos des
pr in ci pa l fig ura , fa la nd o co m gr an de es pa n-
Neo os ne sempre pela
mo se o tea tro fos se to do seu ... ”, dir ia
na o senhora de todos co em
o da nau Sã o Fr an ci sc o
fon so, so br ev iv en te do naufrági
aa sb oa : em 156 5, quando
cat ást rof es ap or ta va m em Li
1596. Os eco s das re bo ca ra m-
Jorge de Albu qu er qu e Co el ho na uf ra go u vi nd o do Bra sil ,
ra m- no s, por de te rm in aç ão do reg en-
se os destroços da nau € expuse es pa ço
nte da igreja de Sã o Pau lo, “e por
te cardeal d. Henrique, à fre e era coi sa
ia tan ta gen te vê- la qu
de um mês ou mais que ali esteve ro ço ”' .?
va m ad mi ra do s ve nd o seu de st
espantosa, e todos fica ;
en ta r tra ves sia tão ter rív el, hav ia qu e se ter sa úd e boa
Para enfr
qu e a fal ta del a po de ri a liv rá- las da pe na ,
as rés logo perceberam
ili zar os juí zes no se nt id o de co mu ta re m o de-
ou pelo menos sensib
se fra ca, Lu zi a de Jes us al eg av a que , por est a raz ão,
gredo. Dizendo-
tin ha “f or ça s e ne m su bs tâ nc ia al gu ma [... ] e as si m par a passar
não
as águas do ma r cor re mu it o pe ri go sua vid a e nã o é pos sív el ch eg ar
lá.. "21 A go ta -c or al — de no mi na çã o da da na ép oc a à epi lep sia —
era o mal mais frequentemente invocado. Foi com base nele que, em
1624, Luiza Maria procurou se furtar à pena, conseguindo-o: os aci-
dentes da doença sobrevinham “*notáveis e vehementes”, durando
“orande espaço, e para a sossegarem aos violentos movimentos do
mal a não podem aquietar quatro e cinco pessoas, como é notório
e o testemunharam as pessoas que tratavam no cárcere, e assistiam
no Auto de Fé, aonde padeceu um notável acidente”'.22 Alegando es-
tar “entrevada e cega, passando muitas misérias sem ter com que
as poder remediar, e ter de idade muito dilatada”, Paula de Moura
Conseguiu cumprir pena no Algarve e deixar para trás o fantasma
do Brasil.?? Na mesma época, em 1683, Maria de Souza alegou
doenças e “muitos e grandes achaques”” para fugir aos açoites pú-
blicos e, a seguir, ao degredo para a colônia americana.” O pai no-
bre de Francisca Cotta descreveu a doença da filha na vã tentativa

95
j ão
acodem a eles se despedaçara E S
fala muitos desatinos””.25 Mui fortes
Fc

quência dos açoites r


ecebidos
não podendo se mover
“para
ta de uma cama, e par
a poder
ir às Caldas
|

Maria da Cruz conteúda


na petição junta foi
para o estado do Brasil

riores das dores de que


fingidas. Parece à Mesa que
não merece o favor que pret
ende.26
Em 1682, Úrsula Maria |

to com notável extremeceção [sic]


das partes sólidas”, necessitando
o tratamento de “muitos, e frequent
es remédios”. O parecer do mé-
dico, lacônico, dizia que, uma vez
feito o exame, nada se achara que
a impediss e de ir cumprir degredo no Brasil.?
” |
Algumas das rés aqui examinadas proc
uraram alegar que o Brasil
não era local indicado para se purg
arem pecados, pois lá eles viceja-
vam em vez de se consumirem. Condenada em 1647 a dez anos de
degredo para o Brasil, a “ilusa”” Luzia de Jesus pediu comutação
da pena alegando grande risco “de dar com maiores abu
sos achando-
se no Brasil, donde a gente é mais
simples e não poderá haver facil-
- mente quem a atalhe””. Sua mãe, a
persistentíssima Maria Francisca,
insistiu na mesma tecla: “ se a dita filha
sua no meio de Portugal
e entre tantos homens do
caiu em erros tão graves,
dade se pode achar que m à encaminhe”. Se o Santo Ofício visava
reconciliar O réu ao grê mio da Igreja e, desta forma, poss
ibilitar-lhe
96
PO

jo. que lhe deixasse a filha cumprir pena cm algum lugar |


ida concluía ela.2º Mãe e filha partilhavam de opinião cor-
do Reino. a: cerca de quarenta anos antes, d. Constantino Barra-
Brasil, escrevia ao Santo Ofício dando seu parecer so-
ia: “[...] esta terra, onde há muita gente nova na fé, « outra
“ra. e uns piores que aqueles de que se espera mais exemplo,
eram à terra a ajuntar dinheiro, e não a fazer justiça”?
Em 1624, O Santo Ofício comungava da mesma opinião: ao comu-
tar o degredo de Ana Antonia do Boco para 0 Brasil, determinava
que fosse desterrada para sempre do arcebispado de Braga para que |
erros, manti nha que se enunc iasse publi camen te |
não reinci disse nos
se à ré fosse partir para além- mar, mas conclu ía:
a sentença como
“que em efeito não tenha o dito degredo pelo po que há vivendo
naquelas partes de a tornar a enganar o diabo”.
Atravessar o oceano representava um temor confesso: além da
perda da saúde, podia significar a supressão da honra e dos dotes
físicos, diziam ainda as degredadas, abraçando sem saber as idéias
| de ilustres detratores da América.” Em 1647, a bigama Ana Lou-
rença pediu suspensão do degredo em nome do grande perigo que
corria sua vida e sua alma. O primeiro marido acorreu em seu so-
corro, prometendo ao Santo Ofício voltar a fazer vida com ela: “com
o que se fica evitando o estragar-se a dita Ana Lourença por ser mo-
ca, e pobre, o que não tem dúvida sucederá se for ao Brasil””.?
Uma questão assombrava a todas elas: o que faz no Brasil uma
mulher sozinha? Torna-se prostituta, presa fácil de piratas, mendi-
ga? O pai da jovem Francisca Cotta, que era capitão do rei na Praça
de Mazagão, “teme que indo a dita sua filha ao Brasil só desampa-
rada, por ele suplicante não poder ir com ela por ser um cavaleiro
pobre e achacoso das pernas, seja causa de maior desonra sua por
ser moça e bem parecida””.?? Luiza Coelha, que ao que tudo indica
embarcou junto com Francisca Cotta para o Nordeste brasileiro, ten-
tou sustar o degredo com uma petição que alegava o seguinte: “e
porquanto é mulher moça, e andando em embarcações em tempo
de guerras poderá ter muitos perigos na vida e na honra, e outros-
sim tem seu pai e sua mãe muito velhos, e ambos quase entrevados,
é quer esperar neste reino ao dito seu marido, pois consta que é vivo,
e indo ao Brasil poderá perecer e padecer grandes infortúnios...
De Salvador, Joana da Cruz escreveu uma carta truncada e confusa,
difícil de ler pelos erros ortográficos mas clara o suficiente para in-
formar que seu navio fora assaltado por piratas que lhe tiraram tu-
do, deixando-lhe apenas uma saia velha; na travessia, continua ela,

97
toi humilhada pela pente do navio
e
vinha por bruxa e feiticeira”, quei " dissera
x U=VA- Se;
da a visões e tinha sonhos de salv af na Verda
Portugal e d e, Her
za da época dos descobrimentos, lhe Testit
Após dois uj pa
em| que | tomara conf Meses na Bah:
ntessor “ nos pés deste Santo Antônio” ah5i»
na queixou-se de inúmeros “ “ tempo
trabalhos” e disse em cart
selhavam a ir para São Paulo, “q ISloná.
ue não ser à Que q
rendo talvez com isto aludir
degreda ; ed “AÇÃO Que recebia qr,
da pel
o Santo Ofício.3 Tendo T e
À r
sete anos — provavelmente
em Olind
sua entrada no Brasil —,
Maria da
recolhendo esmolas para ref
Oi

ormar o Recol
so

da Hungria, em Lisboa.) A mãe


Toro

de Luzia
Pe

lha não tivesse iniciativa su


ficiente para prover com di
pria subs gni
istência: escreveu

os achaques”.3?
Portanto, se no século xviI à In
quisição via o degredo para o
Brasil como a última etapa de um
processo purgatório, as peniten-
ciadas que procuravam fugir dele
ressaltavam da mesma forma o ca-
ráter negativo da terra para a qual se
guiam e acentuavam a impossi-
bilidade de nela se regenerarem. Com
fregiiência, invocavam laços
familiares: mães e pais velhos e sozinhos
, necessitados do amparo
filial (como os de Luiza Coelha), ou me
smo maridos abandonados
que subitamente passavam para primeiro plano
no afeto das rés bí-
gamas. O caso de Ana Lourença não é o ún
ico, e nesse episódio tu-
do indica ter sido o próprio Tribunal quem de
u a pista de como con-
seguir a comutação do degredo, pois antes me
smo que o marido
ap arecesse reclamando a esposa desgarra
da, o Santo Ofício Julgara
que a ré “tinha idade bastante para não correr perigo sua ho
nesti-
dade [...] e se seu primeiro marido quis
er atalhar a isto a poderá
acompanhar no degredo [...]'38. Talvez fosse este o pior dos cast
gos. Também em 1647 — no mesmo an i-
o em que o antigo cônjuge
de Ana Lourença resolveu voltar a
de Catarina Lope fazer vida com ela —, o marido
!
tícias da ex-mulher: “vindo-lhe a notícia que a dita su
a mulher esta-
SR Para Se embarcar velo a esta cidade com o intento de viver com
a dita sua
ã mulher” | entretanto, “a achou
ratar de que torne para já embarcada, e ora quer
Sua companhia”, Pediu
à Inquisição que

98
0.
“zasse a volta de Catarina Lopes; não há registro de seu retor-
a as sabe-se que o Santo Ofício lhe perdoou o degredo.*
no, bi da purgação, a que visava o Santo Ofício quando degre-
us réus no séc ulo XVI I? O saneamento do corpo social pelo
dava Sé
| urgo dos maus fiéis? Se assim era, como explicar que não se in-
| piiá odasse de com eles seguir maculando o corpo social da Colô-
ds sobre o qual também incidiam suas investidas? Contrariamente
| aos réus, acreditava O Santo Ofício que no Brasil se emendariam pe-
cadores? Não parece plausível, pois O mesmo Tribunal costumava
'nvocar os maus costumes vigentes na Colônia e que, a seus olhos,
| a desqualificavam. Numa época de guerra € de retomada do territó-
| rio, talvez a Inquisição cedesse às pressões do Estado e concordasse
| em despejar sobre O solo colonial boa parte de seus penitenciados
| — entre eles, mulheres de conduta duvidosa ou entendimento fraco,
| dadas a visões e a acidentes de gota-coral, indesejáveis na Metrópo-
le mas passíveis, na Colônia, de gerarem filhos de soldados mestiços
e de hereges convertidos. Se assim fosse, a Inquisição teria dois pe-
| sos e duas medidas, preocupando-se mais com o controle social no
centro do sistema do que na sua periferia.
Muitos dos processos permitem reconstituir etapas na história
de degredo destas mulheres, acusando um percurso solitário e apa-
| vorado. Em três dos casos, sabemos no que deu tanto sofrimento.
| Em 1660, passados dez anos da condenação, a tenacidade da velha
-—
E

mãe de Luzia de Jesus — visionária imaginosa — venceu os inquisi-


T—

dores: beirando os sessenta anos, a ré voltou do Brasil e teve suspen-


———

so o seu degredo perpétuo para fora de Leiria, a cidade natal. Em


1668, a beata Maria da Cruz, condenada por visões, voltava a Lis-
e
e

boa e se apresentava com seus papéis ao Santo Ofício, após cumprir


E

resignadamente o degredo. Pediu que lhe suspendessem a proibição


SE

de ficar fora de Lisboa, porque achava que devia zelar pelo Recolhi-
e
o

mento de Santa Isabel da Hungria, do qual era regente na époça em


o

que fora presa. Quando partiu, o Recolhimento estava em obras. No


Brasil, como se disse acima, conseguiu muitas esmolas para terminá-
lo, e queria se empenhar nesta empresa porque, na sua ausência, o
pedreiro encarregado das obras andara alugando os cômodos do Re-
| colhimento: “estava como estalagem, com tenda pública de cousas
que nele se vendiam, tendo-o alugado o pedreiro a quem quer que
queria morar nele para pagamento das obras que tinha feito””.*!
Acusada de bruxa, Luiza Maria fora degredada para a Bahia
* aos 24 anos deixara para trás o marido. Quatro anos depois, em
1668, conseguira comutação da pena e retornara a Portugal. Em 1694,

| 99

|
Com cinquenta anos, dirigi
me & u-se voluntariamente ao Tribun
a a
al
Uticio para confessar. Disse que vivera pobre o Miseráve d Oda

l a a um
| ETONSAT do Brasil, € que, procurada pelas POSSOAS,
tas, voltara à praticar certas orações a fim de preverPorcoisa
inst
Maãd] aa E
s E à de.
Sintomaticamente, sua confissão termina
o de chofre, se qua NR
qualquer pronunciamento do M Tou

Tribunal acerca da matéria & que hai


haja

| O REVERSO DO DEGREDO
O degredo determinado pelo Santo
Ofício era Parte integrante
de um processo em que exvusdo e in
a WrpPoOração se alternavam. Pren-
dendo o réu, o Tribunal o excluia momentan camente
do corpo so-
cal, continuando desta forma um movimento de exclusão iniciado
| no seio da própria sociedade, que, por meio da denúncia, rejeitava
| parte de si mesma, No transcorrer do processo, eram dadas ao réu
condições para que se reintegrasse ao corpo do qual acabara de se
ver excluído, Uma vez condenado, a exclusão podia ser levada ao li-
mute pelo estigma da apostasia e da excomunhão. Imediatamente,
porem, a abjuração pública no auto-de-fé (grande solenidade que
exclui e integra simultânea e alternadamente) propiciava a reintegra-
ção do réu ao grêmio da Igreja. O passo seguinte era uma nova ex-
elusão, simbólica e física: o cárcere, o hábito penitencial, as galés,
| o degredo. Neste último caso, que é o que ora interessa, o indivíduo,
e
ii
ia

duplamente estigmatizado como réu da Inquisição e como degreda-


=
=

do, via-se compelido a purgar suas culpas no grande purgatório que,


a

como observou o jesuíta Andreoni, cra o Brasil: em 1711, escrevia


O

mo

ele que esta Colônia era o inferno dos negros, purgatório dos bran-
na,
a

cos e paraiso dos mulatos,*


RE.

O degredo era uma das penas do Santo Ofício, mas era também
=

um mecanismo de exclusão cujo significado ultrapassava o âmbito


do Eribunale se engastava nos meandros das relações entre a Metró-
pole e sua Colônia, tendo como contexto histórico o Antigo Regime,
do

Enquanto mecanismo de exclusão, purificava a metrópole de suas ma»

|
zelas, descarregando-as na colônia e se aproximando de outros meca-
ae

nismos comuns à época, como por exemplo as workhouses. Permis


tindo que para as colônias fluissem elementos que, em outro contexto,
eram indesejáveis, perpetuava nelas os comportamentos tidos como
desviantes, Ao fazê-lo, recriava na colônia o universo metropolitano
e, simultaneamente, trabalhava no sentido de moldar o seu contrário; di
atinal)Jo degredo era também a face negra do processo colonizatório.

100
Com o degredo, portanto, vinham para terras coloniais elemen-
c disp osto s a repr oduz ir nos trópi-
tos punidos por crimes irTISÓTIOS
Mas vinham também hereges, teiticei-
Os O mundo metropolitano.
femo s, visi onár ios que, uma vez na colô nia, min ari am as
vá plas
n de sustentas ão da ordem estabelecida, tornando-se agentes de
s
base
im processo originador de novas sínteses, | |
Durante o século XVII, OS colonos habitantes das terras brasi-
leiras construtram paulatinamente a percepção do que Luís dos San-
tos Vilhena chamou “o viver em colônias e Vivia-se em colônia
própria ou por torça de circunstâncias ArAS, CNE clas
101 opção
o degredo. Mecanismo pumitivo corrente no Antigo Regime, o de-
gredo serviu para garantir a perpetuação de formas culturais portu-
opéi as) no seio da soc ied ade colo nial . Alg uma s se cris ta-
guesas (eur
lizaram e permaneceram inalteradas atraves dos tempos. Mas muitas
ee
eee

se recombinaram e se refundiram em modalidades especificamente


coloniais de feitiçaria, magia e religiosidade popular, No século xvi,
=

portanto, consolidaram-se dois aspectos distintos de um mesmo pro-


cesso: à constituição simultânea da consciência colonial e de formas
culturais peculiares.
Funcionando como via de purgação da metrópole, o degredo —
ao mesmo tempo desterro e degradação — trabalhava no sentido de
infernalizar a colônia, realimentando o que o olhar metropolitano
via cada vez mais como Aumanidade inviável: olhar bem partilhado,
comum a juízes do Santo Ofício e a réus modestos. Porém, contradi-
ção das contradições, o mecanismo de exclusão não se encerrava em
terras coloniais. Muitos dos feiticeiros metropolitanos reincidiram na
Colônia, sendo enviados para Lisboa e sofrendo novos processos cujo
lecho era o degredo num couto de Portugal, das ilhas atlânticas ou
da Alrica, Outros, já no século xvrirt, nascidos no Brasil e tributá-
ros de uma tradição mágica e demoníaca que o degredo ajudara a
perpetuar — mostrando, aqui, sua face de transmissor cultural —,
eram também processados na Metrópole e degredados para seus cou-
tos Ou suas galés. Acabavam, assim, por infernalizar a Metrópole,
criando novos problemas para a Inquisição portuguesa, Infernalizar
“Colônia significava muitas vezes ter, de volta, a Metrópole inferna-
lizada: no | mpério Português, as contradições do sistema colonial im-
Pregnavam também o universo dos símbolos e das imagens.

[01
Segunda parte
MICRODEMONOLOGIA
O diabo e as tensões cotidianas

Os inimiigos da alma são HH, scilicet, o


mundo, a carne
e ho diabo.
Cartinha para ensinar a Leer com as
Doctrinas da
Prudência, 1534

|
5
RELIGIÃO POPULAR E POLÍTICA
Do extase ao combate

Ecce in caelo est testis tuus judex tuus qui te justificat;


qui est qui te condemnet? (En el cielo está tu testigo, y
tu juez que te justifica: quién habrá que te condene?)
São João de Ávila

INVASÃO MÍSTICA

Em meados do século xvit, mais precisamente entre 1647 e 1664,


2 inquisição portuguesa prendeu e processou algumas mulheres sus-
peitas de crime contra a fé. Eram originárias de diferentes regiões:
da Galícia, de Braga, Leiria, Torres Vedras, Lisboa e até de Maza-
são. Jodas solteiras, na sua maioria filiadas a Ordens Terceiras (quatro
casos em seis), tinham nascido em famílias pobres, os pais sendo la-
vradores, oleiros, barbeiros, gente que sobrevivia com dificuldade.
Apenas uma delas vinha de meio mais abastado, a pequena nobreza
que se dedicava às armas « velava pela conservação do combalido
império Português, para tal servindo no Brasil, na Índia, na África.
Chamavam-se Luzia de Jesus, Francisca Cotta, Maria do Espírito
Santo, Maria da Cruz, Maria Antunes e Joana da Cruz, e em puni-
são de seus erros foram degredadas pelo Santo Ofício para o Esta
do
ão Brasil, a Única exceção sendo Maria do Espírito
Santo, que cum-
priu em Evora os quatro anos da pena que lhe coube.!
| Nessa époça, após sessenta anos, Portugal acabava de libertar-
6 da dominação espanhola, e ainda se encontrava às voltas com a
“va da Restauração, Em 1578, na batalha de El-Ksar-el-Kebir (Al-
a Quibir), perdera um rei doentio e mentalmente perturbado, a
da aristocracia e do exército (cerca de 7 mil soldados), mais de

105
——

| meio milhão de cruzados — ou seja, a metade das receitas anuais


| do país — e à autonomia política. Escaparam cerca de cem Pessoas
|| vivas € um mito messiânico: O sebastianismo. O jugo espanhol apro-
fundara o processo de castelhanização em curso no pequeno reino

| luso desde os tempos do rei d. Manuel, que contraíra matrimônio


| sucessivamente com três princesas da Espanha. Espanhola também
era d. Joana, a irmã de Filipe Il que O principe d. João, herdeiro
do trono na linha de sucessão de d. João tl, desposara em 1552. Por-
tanto, fal ava -se esp anh ol na cort e por tug ues a — que gra vit ava em
| torno das rainhas —, € reverenciavam-se Os autores do “Século de
| Ouro”. cultuados aliás em toda a Europa da época. Desde o final
do século xv, até os portugueses, como Gil Vicente, escreviam na
| | | língua do país vizinho.”
E) Além das rainhas e dos escritores, vinha da Espanha uma ver-
| dadeira “invasão mística”. No primeiro quartel do século xvi, lá
| vicejava a seita dos “'alumbrados, forma interiorizada de cristia-
“do tad a de um fort e sen tim ent o da gra ça” e que teve como
| nis mo
de seu s pri nci pai s exp oen tes o fra de fra nci sca no Mel chi or de Bur-
| um
egr ess o de um a fam íli a de jud eus con ver tid os e dot ado de acen-
| | | gos ,
dor pro fét ico ." Ho uv e no mo vi me nt o pr ed om in ân ci a fe-
| | tuado pen
ten dên cia ao vis ion ari smo . Mul her es co mo a Bea ta de
| minina e
a, sor Fra nci sca , mad re Ma rt a de Tol edo , Mar ia de San to
| | Piedrahit
tin gui am- se pel as rev ela çõe s, mi st ur an do mís tic a e pro -
Dad

Doming o dis
Esp anh a viv ia ent ão um cli ma dev oci ona l ass ent ado no
fecia. A
ame nto e na fug a ao mu nd o. Os hu ma ni st as cri stã os vol ta-
despoj
à Bíb lia — pre fer enc ial men te ao No vo Te st am en to —, tra du-
vam
emp enh and o-s e na sua dif usã o em lin gua vul gar . Cui dav a-s e
zindo-a e
da pub lic açã o de obr as dev oci ona is: a Imi taç ão de Cri sto ,
também
and ês Tom ás Em er ke n de Kem pis , os Luc ero s de la vid a chr is-
do hol
tiana, de Ped ro Xim ene s, o Exe rta tor io de la vid a esp iri tua l, de Gar cia
de Cisner os, os esc rit os de são Jer ôni mo, san to Ag os ti nh o e vár ios
livros e tratados que versavam sobre a vida espiritual de místicos me-
dievais, como santa Angela de Foligno, são Vicente Ferrer e santa
Matilde, estes dois últimos de pronunciado caráter profético.” Fru-
tificava assim na Espanha a tradição mística da Idade Média,
trazendo- se o rel igi oso par a o dom íni o da sen sib ili dad e e da exp e-
riência indivi dua l.” Mís tic os co mo são Joã o da Cru z e Ter esa de
«A
nes ta tra diç ão, abs orv end o o Pse udo -Di oní sio , Oc-
RE Ávila beberiam
E cam, Eckart, são Boaventura, Bernardo de Claraval, e fazendo do
| século xv1 espanhol “o bom momento da literatura mística””.º
Mas voltando às humildes solteironas das Ordens Terceiras por-

106
=... ti
juguesas: por que foram clas processadas pela Inquisição? Tinham
as de Deu s e de Jes us, ins inu ava m
revelações, diziam-se muito querid por cri me de fal sas
tas, mas o Santo Ofí cio as con den ou
cerem san
crenças, O que significava heresia e, nesta qualidade, até mesmo bru-
que sua s vis ões se apa rta vam do “us o co mu m dos
saria. Considerou
s fin gim ent os ““s em uti lid ade al-
católicos cristãos”, constituindo vão ia e sob erb a lu-
ind íci os de “ar rog ânc
guma pública ou particular”, comuni-
re si con trá ria s”? O fato de
cif eri na” , coi sas “fa lsa s e ent
pes soa s a nat ure za de sua s exp eri ênc ias extáticas
carem a várias
O eve ntu al car áte r mís tic o e des mas car ava -lh es a face
esvazi ava-lhes e esc ond ê-l as se
ven do enc obr i-l as
de impostura € charlatanice, “de rá te r de -
m as pe ss oa s de es pí ri to ”. 1º O ca
foram de De us , c o m o fa ze -as
vi sõ es , po r fi m, ap ro xi ma va
sordenado, caótico e irre gular das
af as ta va da s “r eg ra s da s ver-
m e n t e do Pa i da M e n t i r a e as
perigo s a os “' es -
”, pr óprias de sa nt os ve rd ad ei ro s,
da de ir as re ve la çõ es € vi sõ es
s u m a pe rf ei çã o” , en tr eg av am -s e à “exer-
colhidos de Deus” que, “em am or € se rv iço
ni tê nc ia e ou tr os at os de
cícios espirituais de oração, pe o ca rá te r de sa n-
is iç ão re cu so u- lh es
de Deus”.!! Desta forma, à Inqu me nt os pr in ci pa is :
-s e em tr ês ar gu
tidade que reclamavam, baseando lu ci fe ri na ”) , su as
ân ci a e so be rb a
não tinham humildade (a “arrog s ve rd ad ei ra s re ve-
do (a s ““ re gr as da
visões eram desprovidas de méto co s é am bí gu os
em el em en to s gr ot es
lações e visões”), € abundantes
al sa s e en tr e si co nt rá ri as ”” ). !
(eram “f

SOBERBA VERSUS HUMILDADE

nt av a- se no ra ci on al is mo €s -
a r g u m e n t a ç ã o in qu is it or ia l asse
A xt os mí st ic os so b
e e n t e n d i m e n t o dos pr óp ri os te
colást ic o, na le it ur a rt i-
do s sant os se ex pr es sa va na s mo
ic a er ud it a. A h u m i l d a d e
uma ót s, na au flagelação,
to
n g a d a s , no s to rm en to
ficações contínuas e prolo ca ri da de , re cu sa de si mes-
en tr eg a co nt id o no exer cí ci o da
no at o de ag ar os pe ca do s:
r ó x i m o ma s in su fi ci en te pa ra ap
mo em nom e do p la s, Se ig -
de s g rãce s de Di eu .. . Hé
n é e s q u e j ' a b u s e
“Tl y a tant d'an a pas d ' a m e n d e m e n t en
op lo ng te mp s pa rc e qu “MjI n' y
neur, je vis tr av ec le no mb re de me s an -
e me s pé ch ês se mu lt ip li en t
ma vie et qu de Jesus mostrava-se
e de Pa ul o. B* Te re sa
nées”, diria são Vicent
. S e n h o r , i n f e l izmente O
qu e ab us o da s gr a ça s de Deus..
(*) “Há tantos anos ha vi da , e m e u s pecados
po rq ue nã o há em en da poss ível em min
que vivo é de ma is ,
os.”
se multiplicam com o número de meus an

107
| espantada com os favores € mercês divinos, tã

o desproporcionados
||| ante sua própria a fragilidade e pequenez: '*No pong+áis, Cr' iador mio
tan precio so licor en vaso tan quebrado, pues havéis ya visto '
de Otras
| veces que le torno a derramar. [...] Cómo dais la fuerza de esta ciu.
dad v Ilaves de la fortaleza de ella a tan covarde alcaide, que a] Primer
=
pr
e
—.—
o

combate de los enemigos los deja entrar dentro?”".!4 Mas manifes.


tava júbilo e gratidão ante a graça concedida, sempre reconhecendo

sua miserabilidade: ''Bendito seáis, Senior mio, que ansí haçéis de


e

pecina tan sucia como yo, água tan clara que sea para vuestra mesa!

Seáis alabado, oh regalo de los ángeles, que ansí queréis levantar un


di
om
=

gusano tan vil!”.!


ma
q

A vivência mística das rés do Santo Ofício se nutria na eferves-


cência religiosa que revolvia a península Ibérica naquele “século de
e re

santidade". lé Algumas sabiam ler, e, como os inquisidores, devem |


ee
e

ter tido acesso aos livros místicos que se publicavam em Portugal


TD
a

1 desde o fim do século xv, quando, sob iniciativa da rainha d. Leo-


| | , nor, veio à luz a Vita Christi (1495) “em lingua materna e portugue-
| | sa linguagem [...] com muita despesa da sua fazenda”, conforme afir-

a
s | mou Valentim Fernandes na ““Epístola”” que serviu de proêmio à
Ot obra.” Em 1582, o arcebispo d. Teotônio de Bragança mandava im-

qm
e
Bi 1 primir em Évora, na casa tipográfica da viúva de André Burgos, o

a

1 Caminho da perfeição da santa de Ávila. Entre 1616 e 1654, verifi-

gr

od caram-se várias reedições de Los libros de la B. Madre Teresa de Je-

e
| || sus. 8 Em 1630 publicou-se o poema de frei Manoel das Chagas, Te- |
1 resa Militante, onde se cantavam os feitos extraordinários da santa.!º
Estas publicações destinavam-se predominantemente aos conventos;
| [| neles, sabe-se com certeza que contavam entre as obras lidas por fra-
' | des e freiras, ou narradas em voz alta às beatas analfabetas. Foi pro-
vavelmente desta forma que as irmãs terceiras de que se trata aqui
— muitas delas residentes em conventos — travaram conhecimento
oe

com os arroubos místicos de santa Teresa, para não falar de outros


| místicos europeus. O entendimento que tiveram destas obras diferiu
E

| | do havido pelos inquisidores e pelos eruditos em geral.2º O aspecto


28 mais intelectualizado, abstrato e filosófico, tributário da escolásti-
| | ca, tornava-se ininteligível para elas. Apreendendo o lado mais sen-
| sível, que a vida religiosa moderna trouxera para o cotidiano,
as bea-
E tas vivenciavam-no à sua maneira, dando-lhe quase sempre
os
contornos mais SODCIbIQs próprios às categorias do pensamento €
da cultura popular.?! Não poderiam dar conta, por exemplo, do mo-
vimento sutil écomplexo entre a consciência da miserabilidade
mana e obsessão pelo pecado, por um lado, e 0 im hu-
a
pulso místico, O
by sea l08

s
0 0 0 .
te mpla çã o, O co nf or to por me io do exe rcí cio da car i-
o n a c o n
refúgi do ca te qu ét ic o que , por eu a pa ut av a o co m-
dade e do ap os to la
ortame nt o des ses “a ve nt ur ei ro s do ab so lu to .
qu e sai u no au to -d e- fé de 15 de
; , Luzia de Jesus, penitenciada
sb oa , ouv ira de são Si mã o que est e a con si-
dezembro de 1647, em Li
ia à Igr eja qu an to ele ; são Jo ão Bat ist a e Deus
derava tão necessár
co ns id er an do que a bea ta val ia tan to qua n-
também a elogiavam, este de-
Cri sto , é que , em sua ho me na ge m, um co nv en to
to o sangue de

E
que nas cer a. Jes us, por sua vez ,
o no local em
veria ser edificad
que lhe mi ni st ra va en si na me nt os des de o te mp o em
“nformara-lhe
ven tre ma te rn o. ?? Ma ri a da Cru z, con -
que ela ainda se achava no “que
em 166 0 aos 43 ano s de ida de, af ir ma va
denada pela Inquisição todos,
as se ão mu nd o a vis ta del a Ré, pa sm ar ia m
ce Deus manifest ro, e ela Ré
ia m por um ca mi nh o mu it o ras tei
que os servos de Deus
a, e qu e ne m aos anj os er am ma ni fe st os os
ja por vocação mui alt
am av a, e lhe in fu nd ir a a gra ça em mai s
caminhos por onde Deus a ch o-
Jo ão Bat ist a”, 24 Jo an a da Cru z, por tei ra do Rec
altura que a são
s às Ch ag as e pre sa pel o Sa nt o Ofí cio em
lhimento das Converti da
ta € mi mo sa de De us ”' .2 Ma ri a do Esp íri to
1659, fazia-se “de san
165 8, co st um av a sai r de si e, em êxt ase s, ir à
Santo, condenada em
Su as vis ões ref let em cer ta pr od ig al id ad e cat óli ca em faz er
Glória.
ir no me s div ers os à Vi rg em , nu ma ép oc a de ine gáv el
santos e atribu
cul to ma ri ol óg ic o: nas sua s est ada s cel est iai s, a sen ho-
expansão do
ra da Boa Morte a chamava sua mana, a da Penha de França sua
prima, a dos Mártires sua madrinha; * 'quando chegasse a ser bema-
venturada, havia de ser advogada contra os demônios e ânsias do
coração e das castanhas, motivo por que lhe haviam de chamar San-
ta Maria das Castanhas”. Por outro lado, privando da familiarida-
de dos santos, as visionárias reforçavam a tradição popular que de-
les fazia intermediários entre o fiel e um Deus quase sempre distante
4 7

e intangível.
Para os inquisidores, tais delírios eram totalmente alheios ao uni-
AE

verso característico da santidade; em seus pronunciamentos e opi-


E

niões ressaltam a ausência de humildade e excesso de soberba das


a

rés, que proclamavam certezas tanto mais suspeitas por excluírem


mem

“todo movimento de dúvida”. Ante a afirmação de uma delas de


que por muitos anos não se inclinara ao pecado, lembraram que san-
qe

tos e apóstolos não conheciam tal ausência de inclinação.?! Cristãos


não viviam assim, diziam os juízes, com tanta estimação própria...
Procuravam mostrar os enganos provocados pela soberba com base
numa leitura estrita dos textos religiosos. Quando Joana da Cruz se

109
jactava de ter encontrado o caminho para certa casa graças
a
ho que, nesta busca, lhe fora dado pelo arc
anjo são Miguel, a O Inauxí.
sição argumentava que “'Deus Nosso Senhor não serve [sic] in o:
canjos senão para anunciarem os mistérios mais altos, e levantados
e aquela ação era tão leve
que não necessitava de instru
| no, porque qualquer pessoa humana o podia fazer". Invali ment
dano di
do viI-
| revelações que afirmava ter tido de Deus, segundo a qual
o Cria ma
lhe dizia que as dores de que padece
ra em certa circunstância se
as mesmas sentidas por são João Evangelista, “porque lhe havia
conceder tudo que a ele concedera”,
de
afirmava o Santo Ofício que
em tal revelação “se contém uma temc
ridade grande, qual é igua-
lar-se em merecimentos com os Sagrados Apósto
los, e não pode pro-
ceder de Deus revelação que contenha temeridade”,28 O próxim
o
passo nesta linha de raciocínio seria
aproximar as visões das beatas
soberbas do Diabo, o Pai da Mentira.
e

se”

DESORDEM VERSUS ORGANIZAÇÃO


ça

.-

TT
e

Ecit

No século de ouro da santidade, tanto a vida


TS

mística e contem-
plativa quanto o exercício da caridade e do apostolado
achavam-se
ge

enformados pelo método, pelo “espírito de Organização po


sto a ser-
sm

| viço do amor” que, para Delumeau, caracterizaria a ação de são Vi.


ão

| cente de Paulo.” Neste afã organizacional, nada suplanta os Exer.


E

cícios espirituais de santo Inácio de Loyola; minuciosos e detalhados,


| insistiam nos pequenos aspectos práticos que pontuam a vida espi-
Gt ritual, chegando a propor o ajuste entre o ritmo da prece e o da res-
| piração. A Fórmula do Instituto, que normatizava a ação da Com-
If panhia de Jesus, fazia, por sua vez, com que a prática apostóli
ca
! dos missionários os transformasse em ““soldados de Cristo' , bem
adestrados € dóceis à disciplina da ordem.3º Mas também a mística
teresiana foi metódica: da oração ao êxtase, há um percurso penoso
que a santa dividiu em quatro degraus, comparando-os com as dife-
rentes ctapas do trabalho de um hortelão, sempre atento em separar
as boas plantas das ervas daninhas e a prover o seu cultivo com a
água necessária, A imagem não é gratuita: o ofício de lavrar a terra
distingue justamente o homem ajustado, tornado sedentário, daquele
que ainda vaga nômade vivendo de coleta, caça, pesca, enfim, de
atividades assistemáticas,*
Santo Inácio e Teresa de Jesus talvez representem modelarmen-
te as duas principais vertentes da religiosidade moderna: o apostola-

HO
r a d a ç õ e s , e m u m a e ou tr a
es g
ontemplativa. Em diferent Fr an ci sc o Xa -
gi os os co mo sã o
º nerfilaram-se santos € reli -
Le ll is , sã o Vi ce nt e de Pa ul o e as Da ma s de Ca ri
tendência P to de
ge

vier, SãO Cami + da Cruz, Molinos, Bérulle, madame Guyon. O


o es ti ve ss e pr es en te em am ba s as vi vê nc ia s
dade, ou E iii étod

ese,, nas preces, na prática das mortifi-


fi

impGsortal enetrando na ascese


E;
E LÊ ê que O me
TT —

OU da ca ri da de . Sã o Pe dr o Cl a-
ç m como na da catequese
pe s” ” — no ca so , os es cr av os ne gr os da co -
il to dos Etío
va Gr an ad a —, te ri a de se nv ol vi do um a
Ve O ea de No
rm en to s. “A o co nt ín uo je ju m ac re sc en -
UE
Sdade met o “d ic a do s to o a
ira de longas e sangrentas disci-
o um “grande morticínio” cotidiano
tav fe rv or . bo tr e a
ex er ci ta da s co m “e xc es si vo
plinas, implacavelmente ma ex ig en ci a mi nu ci os a, c e is ia
corpo já dila ce ra do ” Nu
at os ma is si mp le s s ca ns o o barbear-se
de forma a transformar OS
de in in te rr up ta ca rn if ic in a” . go r)
— em “momentos -s e
en ad as pe la In qu is iç ão ab at eu
Também sobre as beatas cond
qu e co ns um iu os sa nt os re co nh ec id os como tal.
a “fome de Deus””
çõ es co m à vi vê nc ia da re li gi os id ad e sã o sur-
Muitas de suas preocupa
me lh an te s às do s gr an de s vu lt os da qu el e sé cu lo
preendentemente se
ra do s en tr e a re nú nc ia do mu nd o — co mo sã o
de santidade, dilace
a ne ce ss id ad e da s aç õe s — co mo Lo yo la , os je su í-
João da Cruz — e
ou Vi ce nt e de Pa ul o. Po ré m, co mo no ca so do s fa-
tas, são Camilo
s ac im a ex am in ad o, se us an se io s re ve la m qu e a ex pe ri ên ci a
vores divino
os a era se nt id a e ex pr es sa de fo rm a mu it o ma is to sc a e cr ua .
religi
Jo an a da Cr uz , ca mp on es a de To rr es Ve dr as qu e gu ar da ra ca rn ei ro s
na infância, “mais queria na casa de Deus ser servidora que no mun-
do ser rainha”, e tinha grandes desejos de “viver em deserto para
tratar somente de quietação espiritual". No seu sonho de vida con-
templativa enxergara um grande deserto onde se destacava a ima-
gem de Cristo crucificado. Ajoelhando-se a seus pés e dando-lhe gra-
ças, “sentiu em seu interior que da mesma imagem saíra uma voz
que disse as palavras seguintes: “Não sabes o que pedes, mais te vale
andar aos baldões das criaturas no mundo, que cinquenta anos de
deserto a meus pés” ”. A perplexidade entre uma vida de orações no
convento e uma prática mais efetiva que a inserisse no mundo cir-
cundante parece ser nela legítima, mesmo se restrita a devaneios. Mui-
tas de suas visões lhe indicavam que haveria de ser fundadora de um
Recolhimento de Convertidas na Bahia, para lá levando muitas das
recolhidas da casa de Lisboa, onde tudo indica que servia como por-
teira,*? Outras eram visões mais genéricas, mas nem por isso des-
providas de interesse; uma delas reforça a idéia acima expressa de

!1

que havia conhecimento dos escritos teresianos por


parte dessas mu.
lheres, seja pela transmissão oral, seja — talvez
mais Provavelmente
— pela via escrita: Joana assinava O nome
c, apesar de muitos trope-.
ços «e erros ortográficos, sabia escrever, como
indica documento do
próprio punho anexado a seu processo,“ A imagin
ação e o ANSCIO re.
ligioso popular, fecundados simultancamente
pelo Novo Testamento
— q referência ao fundador do cristianismo instituciona
lizado —. e
por algumas noções, vagas talvez, acerca das Moradas dei
castillo in-
terior — a referência à fundadora do Carmelo — levaram-na a
vVCr
um “carro feito de pedra c um castelo muito forte, que chegav
a ao
Ctu””, Pedindo a Deus que lhe esclarecesse o significado da imag
em,

Ele dissera que o carro cra ela, “porque assim como o mesmo Se
O

nhor

| |

dissera a São Pedro, tu es Petrus, et super hanc petram


edificabo ec-
| | clesium meam, assim o dizia por ela Ré, porque sobr
e cla c seus mere-
1 cimentos cdificava e fundava a sua igreja, e que o castelo era ta
mbém
cla Ré, porque tão forte c purificada a tinha, como aquele
castelo! É
| Naquela época, religião significava também ordem religiosa, O que
| justificaria a identificação entre Pedro e Teresa: o fundador da
réli-
gião c a fundadora de uma ordem confundiam-se na term
inologia e
na concepção popular, atraindo Joana para a militância religiosa,
Por
| amá-la demais, Nosso Senhor determinara que cla deveria fundar
cinco
| ordens, ou cinco religiões: vivendo num período em que imp
ortantes
| l ordens e congregações novas se multiplicavam, a cx-pastora nad
a via
de errado em ser simultancamente a fundadora de cinco
delas, mas
antes um motivo para melhor expressar seu amor a
Deus, seu empe-
nho na difusão da fé católica. Dessacralizando 4 mensagem
teresia-
na, transfoor casma
telo-a
va lma em si própria, missionária fundado-
ra de religiões. Traduzia na sua linguagem de camponesa a tensão
entre
mística e obra, expressa, entre tantos outros, por Fléchi
er no Dialo-
gue second sur le quiétisme: “Travaillez un peu moins
à devenir tran-
quillcs,/ Soyez moins ploríeux, ef soyez plus
utiles"?,35+
Impasse semelhante, mais especificamente referido,
no plano das
obras, à valorização da caridade c do assist
encialismo, encontra-se
na bela formulação de são Vicente de Paulo: “Qua
nd vous quitterez
Voraison pour soigner un malade, vous quitterez Dieu pour Dieu.
Í ! e ” “

Soigner un malade, c'est faire oraison”,30%4


”, di a

K ) Empenhai-vos um pouco menos na tranquilidade. Sede menos


ce mais úteis” vaidosos,
(**) ' “Quando deixardes a ora
Deus. Cuidar de um doente é o ção para cuidar deu
m doente, deixareis
! ]
Deus eus po r
rar)”

[12
para 08 inquisidores, entretanto, O rústico invólucro popular que
« anecios religiosos das beatas cra suficientemente perni-
revestia 05 ARDER : E ; penmt
nes, tonniar
encia ie da no ano
; de
cioso para torná-los nulos . Mari a Antu
1658, susci tava dúvi das sobre a aute ntic idad e de suas aspir ações a
um comportamento santo por não ter POOR SEIA EA público, agindo

frequentemente de forma ridícula, desordenada: “quando ouvia mis-


estav a em oraçã o, fazia abalo s desc ompo stos com o corpo ,
sa, ou
chegando com ele ao chão”; “falava algumas vezes formando a voz
que pela oraçã o a punh a Deus no esta-
de criança pequena, dizendo
em certa ocasi ão, ao mesm o temp o em que incjta -
do da inocência”;
va um homem a ir pelo mundo fazer vida santa, deu-lhe “um gran-
€ derr iban do-o no chão, O tinha tão aferr ado pelo pescoço
de abraç o,
que com muito trabalho sc desembaraçou da Ré, ação que escanda-
lizou pelo pouco que tinha de honesta”, Além disso, Maria Antunes
dizia coisas estranhas, incompreensíveis para os juízes: “*Dizia que
quando fosse a pregar pelo mundo, se haviam todos de fazer amare-
los”, Estaria ela fazendo menção, de forma invertida e descoor-
denada, à ação dos apóstolos do Oriente, como são Francisco Xa-
vier? Por fim; a descomposta beata Maria da Cruz, discípula €
admiradora confessa de santa Catarina e de santa Teresa, dizia ter
tido as entranhas feridas por três setas, e citava a referência mística,
gritando nos êxtases pela santa de Ávila e “dizendo que só a santa
sabia o que aquilo era”. As influências carmelitas pontuam sua nar-
rativa: “Bendito sejas, esposo celeste, quão grande é a tua luz, e quão
grande m'a deste”, dizia ainda, sem entretanto ter conseguido pas-
sar por santa aos olhos dos inquisidores. Foi degredada para o Bra-
sil, chegando a Olinda no ano de 1663.%º O êxtase escandaloso € ba-
rulhento, a forma deselegante com que se referia à boda mística
afastavam-na irreversivelmente da requintada união de Teresa com
Deus. Este, por exemplo, teria dito à reformadora do Carmelo: “Des-
hácese toda, hija, para ponerse más en Mí; ya no es ella la que vive,
sino Yo, Como no puede comprehender lo que entiende, es no en-
tender entendiendo”.?? Na poesia “Mi amado para mi”, a santa tra-
tara do tema da seta que a ferira de forma lírica e encantadora:

Hirióme con una flecha


Enherbolada de amor
Y mi alma quedó hecha
Una con su Criador;
Ya yo no quiero otro amor,
Pues a mi Dios me he entregado,

113

ma
=
Y mi Amado para mi
Y yo soy para mi Amado.“
Apesar de existir um campo comum entr
e a reli giosidade
tas “verdadeiras”" e santas “falsas”, entre o de san.
misti Cismo e
por obras edificantes de Teresa q ANscio
de Ávila e o das ] danas d
Marias Antunes que pululavam em Portugal à é a Cruz ou
poça da Res
ção, havia diferenças significativas. Para os inquisj do taura.
res, elas se M
travam mais dificeis de precisar no que dizia res p os-
eito ao Cont
à essência da espiritualidade:Num século em qu € eúdo,
OS santos e b
| constituiam legião, verdadeira “via láctea"* “! as| he eatos
terodoxias e de
vios nem sempre eram facilmente identificáv e s.
is, e nesta M
atéria o
Santo Ofício procurava antes pecar
r

por excesso do que por falta. A


ia

própria Teresa ficou anos sob a suspeita da In


quisição espanhola
em,

que só não a prendeu em virtude da extrema obed


um

iência que sempre


pf

mostrou; mesmo assim, sua obra foi cons


iderada perigosa e só se
E

publicou na Espanha postumamente, graças à


=

intervenção de frei Luís


de León.º? Santo Inácio, fundador da or
dem religiosa que talvez
sm

|
Ta

mais se tenha identificado com a Reform


a católica, foi inicialmente
suspeito de adesão ao movimento dos “alumbrado
s”, permanecen-
| do prisioneiro do Santo Ofício espanhol po
r mais de dois meses 43

São João de Ávila, que sempre esteve próximo de Ter esa, de


e

são João
ii

= da Cruz, de santo Inácio, tendo ainda influe


nciado decisivamente
a opção religiosa de são João de Deus, também esteve
preso por um
mês, o Santo Ofício desconfiando de que abraçara o lute
ranismo.“4
Assim, foi contra a forma assumida pelos êxtases e concep
ções das
beatas portuguesas em questão que o Tribunal luso se volt
ou de ime-
diato, ressaltando-lhes a desordem, a crueza, a falta de eleg
ância.
Como muito bem mostrou Jacques Le Goff, a preocupaçã
o estética
com a forma “é a marca profunda da passagem de um univer
so de
sensibilidade e de cultura a um outro”.4S

GROTESCO VERSUS SOBRIEDADE

Era tanto a forma quanto o conteúdo que desconcertav


a os in-
quisidores quando, nos depoimentos das beatas, surgiam el
ementos
grotescos, por eles fregientemente qualificados de “rid
ículos”. Ma-
ria Antunes estava certo dia em oração
quando,
vendo um homem os abalos e mene
ios que nela fazia, se pusera a cho-
rar com grandes gritos, e ela Ré com a força do espírito se levantara


da oração € chegando-se ao dito homem lhe dissera: “Abraça-te comi-
so, homem”. E que fazendo-o ele assim, lhe tornara a dizer: “Aperta-
me muito”. E acudindo gente aos gritos, e perguntando a causa, res-
pondeu ela que por haver declarado ao dito homem que havia de ser
santo, se pusera a gritar; o que tudo fizera forçada do espírito e sem
tenção de o fazer.*
A introdução do grotesco e do absurdo revelava a presença dos
códigos próprios à cultura popular, embebida, conforme viu Mik-
hail Bakhtin, de comicidade e do espírito da praça pública.” Os gri-
tos é os abraços da beata, que se lançava do transe à expansão de
impulsos eróticos, sugeriam um universo em que maneiras descom-
postas, riso e até mesmo brincadeiras licenciosas podiam conviver
com religiosidade. Atrelando-se a tradição muito antiga na Europa,
os padres permitiam-se toda espécie de histórias e brincadeiras quan-
do, do alto do púlpito, pregavam por ocasião da Páscoa ou do
Natal.“
Mas há passagens dos processos das beatas que sugerem ade-
são a outros aspectos das tradições e cultura populares. Francisca
Cotta — a única dentre as mulheres aqui estudadas que vinha de
uma casa nobre — vivia na África com o pai militar e era dada a
acidentes de gota-coral. Caia em êxtases e se comunicava também
com as almas do outro mundo, € certa vez ouvira de um sacerdote
“que Deus Nosso Senhor estava muito irado contra o povo daquela
vila de Mazagão (onde ela morava) e que a Virgem Nossa Senhora
andava de joelhos com os peitos de fora, pedindo a seu sacratissimo
filho lhe perdoasse, e que ele lhe respondeu que lhe não havia de
perdoar'.*? Há neste delírio uma mistura curiosa da concepção gro-
tesca do corpo, em geral positiva e regeneradora, com a idéia de per-
dição coletiva. Ainda segundo Bakhtin, o corpo grotesco ““ultrapassa-
se a si mesmo, franqueia seus próprios limites. Coloca-se ênfase nas
partes do corpo em que ele se abre ao mundo exterior, isto é, onde
o mundo penetra nele ou dele sai ou ele mesmo sai para o mundo,
através de orifícios, protuberâncias, ramificações e excrescências, tais
como a boca aberta, os órgãos genitais, seios, falo, barriga e na-
riz". A alusão aos seios de Nossa Senhora destaca-lhe os atribu-
tos maternos, de genitora do “*'sacratíssimo filho” e, portanto, res-
ponsável pela sua vida. Mas há um aspecto negativo, pois a mãe que
=

lhe dera a vida pede inutilmente perdão, como se fosse pecadora;


seria de tal monta a perdição reinante na cidade africana — contra
a qual se voltara a ira de Deus — que nem a Virgem se salvaria. Os
seios expostos passam assim a ressaltar o caráter pecador — numa

115
———

alusão, talvez, às santas-prostitutas ou de comportamento duvido.


so: Margarida de Cortona, Maria Egipciaca, Maria Madalena. por
| detrás da blasfêmia pura e simples — aspecto evidente e inteligível
à leitura dos inquisidores — abrigava-se o hábito popular de confe-
rir atributos
ainda humanos aos santos,
| residia a importante tradiçãotornando-os mais próximos do f lel:
blasfematória da praça pública,
| onde, numa provável sobrevivência de fórmulas sacras muito anti.
gas, lançava-se mão de objetos ou pesso sagradas, Jurando-se “pelo
É | corpo de Deus”, “pelo sangue de Cristo”, pelas tripas e tutanos de
| Jesus, e, assim, promovendo-se o despedaçamento do corpo,
| Nossa já muito conhecida Joana da Cruz entremeava as visões
Rd
ii

, beatíficas com um relato fescenino: quando vivia ainda no seu Re.


mc

colhimento, “indo um dia para o coro, tivera uma necessidade cor.


=

poral, a qual satisfizera na varanda do mesmo coro, e que vendo a


| dita Dona Mariana que então era vigária a varanda com as imundí.
| | cies, as limpara, e que Deus Nosso Senhor revelara à dita Joana da
| Cruz que havia de ter no céu uma coroa de glória pela necessidade
que satisfizera na forma referida”.** A proposição certamente cons-
tituía blasfêmia aos olhos do Santo Ofício, revelando ainda, por parte
da beata, excesso de auto-estima e vanglória. Entretanto, sob a lógi-
ca da cultura popular, o episódio que Joana despudoradamente ex-
pusera à Inquisição tinha significado totalmente diverso — caso con-
trário, não o desvendaria assim aos terríveis c ameaçadores juízes,
procurando antes omiti-lo. Ele remete à importância do baixo cor-
poral no universo popular europeu, os excrementos não tendo a sig-
nificação banal ou estritamente fisiológica que neles vemos hoje:
“Eram, ao contrário, considerados como um elemento essencial na
vida do corpo e da terra, na luta entre a vida e a morte, contribuíam
para a sensação aguda que o homem tinha da sua materialidade, da
sua corporalidade, indissoluvelmente ligadas à vida da terra”'.54 A
visão blasfematória de Joana carnavalizava a graça divina para, em
seguida, descarnavalizá-la. Voltando mais uma vez à iluminadora
análise de Bakhtin sobre Rabelais, tem-se no banquete de Epistemon
nos infernos inúmeros elementos de inversão carnavalizadora: quem
não teve sífilis na terra, certamente a terá no outro mundo; os que
tinham sido grandes senhores neste mundo, ganhavam, no inferno,
pobre, má € indecente vida; indigentes e f lósofos, por sua vez, que
tanto tinham penado na estadia terrestre, tornavam-se grandes se-
nhores quando nos domínios Ínferos.'S A beata identifica sua ne-
cessidade corporal a esse código popular, colocando-a num espaço
totalmente alheio a ela — q coro do Recolhimento, onde as
vozes

!I6
«o elevavam para Deus. Mas, em seguida, desfaz o percurso anterior:
o excremento, que nO realismo grotesco do povo era motivo de ale-
gria € de fecundidade, seria reconhecido como tal pelo Criador, €
a necessidade satisfeita valeria no céu uma coroa de glória,
Mais talvez do que O repúdio à imodéstia das visões ou a seu ca-
rátcr desordenado, a recusa dos conteúdos grotescos revela a existên-
cia de um desnível profundo entre a cultura erudita dos inquisidores
3

e o universo da cultura popular que permeava a religiosidade deliran-


ECd

te das beatas portuguesas. Ante a vitalidade da presença corporal,


ante à importância dos excrementos, ficava evidente que juiz e réu
não poderiam travar senão uma relação dialógica, assentada na total
compreensão mútua dos significados que se enunciavam.6

MISSÃO SALVACIONISTA

Uma das inúmeras visões de Joana da Cruz retratava a vida que


lhe caberia após a morte. “Sua imagem se havia de por sobre uma
peanha com o diabo aos pés com uma espada na mão direita com
a ponta na cabeça do demônio e na esquerda um coração, e dentro
dele uma custódia, e um letreiro na peanha que dissesse: “Joana de
Deus reformadora de sua igreja e protetora de Portugal'”'*” Não há
dúvida que, a inspirar esta visão, estava a imaginária e a arquitetura
tridentinas: custódias, letreiros, peanhas multiplicavam-se pelas igre-
jas católicas da Europa, o mundo da cultura erudita alimentando
devaneios populares.”* Uma vez morta, Joana se identificava, pelos
traços iconográficos, com Nossa Senhora da Conceição; mas a ce-
na que descreve introduz um elemento novo: a preocupação com a
ordem política e o desejo de nela interferir por meio da religião. Cor-
ria o ano de 1660; após a Restauração sob os Bragança, Portugal
emergia de um longo processo de luta que compreendera a guerra
contra a Espanha pela afirmação da nacionalidade. Do sonho de Joa-
na pode-se desentranhar não apenas a figura de Nossa Senhora ven-
cendo o Maligno ou, no plano do conto maravilhoso, a da princesa
pisoteando o dragão, mas também a de Joana d'Arc levando a pá-
tria à vitória contra o invasor estrangeiro.
Que o modelo desta Joana, camponesa e guardadora de ove-
lhas na infância, fosse a outra, pastora também, mas na distante Lo-
rena, ou fosse o arquétipo milenar da donzela guerreira — ao qual
aliás pertence igualmente a santa francesa — é difícil dizer no mo-
mento. Incontestável, entretanto, é que o desejo de santidade de

117
r

toana da Cru PRISSAVA pela redenção de seu pis atraves de se


e pela identificação com Us qtos,
os simbolos da nacionalidade.
Sempre em
visões, Deus lhe declarara que “havia de ser religiosa, POr ser assim
à vontade divina, e se havia de chamar Joana de Deus, porque
d cri
dos trabalhos [Oruz era scu sobrenome)
bada, e porque o maior santo d Mpo aca.
havia de ser esto to
os portugueses cra São João d
e Deus,
e como ela havia de SCV A maio! santa, quei la que tivesse o Mesmo
nome. Em outra ocasião, soubera pelo mesmo Senhor aque Ele criara
em Castela uma Teresa e em Portugal uma Joana, que cra cla,
É| Penitenciada treze anos antes, em 1647, quando q
| |
Restauração
vinda era muito recente, Luzia de Jesus ap
resenta nas visões traços
| muito semelhantes aos de Joana. “O
id

Anjo da Guarda deste reino


mostrara as muitas cousas que ela tinha re
io

mediado no mesmo Rei-


ns

msg

ar no com à lembrança que dele tinha”; o Senh


E

or, por sua vez, “lhe


| mostrara à Santo Antonio com grande
Ê
cuidado deste Reino, e lhe
dissera que o Céu tinha um português,
e q terra uma portuguesa,
que faziam tanta força que não tinha lupar
a divina Justiça, ainda
que muito se merecesse. E que Santo Anto
nio dizia à cla Ré que a
portug uesa que vivia na terra o ajudava, e lhe dava
torç à para com
o Senhor, e que ela ré entendera de si ser a dit
à portuguesa, que
depois lho esclarecera o mesmo santo"? São
João de Deus, num
causo, santo Antônio de Lisboa (ou de Pá
dua), no outro, eram os gran-
des santos nacionais portugueses, motivo
de orgulho num momento
difícil em que a identidade nacional
precisava ser afirmada: parece
bastante plausível que, entre O povo,
tal afirmação se fizesse predo-
minantemente com base em elemento
s religiosos, Santo Antônio fo-
ra canonizado em 1232, apenas onze
meses após sua morte — q que
atesta o grande prestígio que ti
nha, “a fama inequívoca de santida-
de; já são João de Deus, morto
em 1550, seria canonizado em 1691.
mas consideraram-no beato de
sde 1630; as visões de Joana de
portanto, traduzir a acolhida que vem,
o santo tinha nos meios populare
no periodo intermediário entre su s
a beatificação c a canonização,
forçada, sem dúvida, pelos serm re-
ões freqiientes em que se invo
o auxílio do santo nas bata cava
lhas.
Sobre santo Antônio, há um curios
o poema que, editado em fo-
lheto, deveria correr entre o povo,
verdadeiro espelho tanto do senti-
mento profundo de devoção ao
santo quanto do orgulho nacional
pela independência reconquistada: as De
cimas ao Serenissimo Re
D. Alfonso VI. Quando mandou y
alistar por soldado «o glorioso San
to Antonio de Lisboa, de autoria de Jerôni
mo Vahia. Nos versos sim-
[18

les, fica dito que santo Antômio , alistado , livrará à pátria do domí-
p es, q

no castelhano:
I Pois que? Com tal valentia
Ndo vencerd Portugal,
Quando tem soldado tal,
E mais em tal companhia?
Castela de medo fria
tema tdo grunde invasdo,

Que ndo pode escapar, não,


Empenhando Antonio o braço,
Nem praça do seu cordão.

Fard cousas nunca ouvidas


Em favor dos Lusitanos,
Ndo sendo dos castelhanos
Com ser das Cousas perdidas;
) Pingirá, cortando vidas,
De vermelho o burel pardo,
É com impeto galhardo
Triunfando em todo o risco,
Posto que é frade Francisco
Brigard como um Bernardo.
Com hábito, e fidalguia
Serd de Castela açoite,
Se como frade de noite,
Como fidalgo de dia:
Cante a Lusa Monarquia,
Chore a contrária nação,
Pois ambas nele terão
Para glória, e para dor
Huma nas mangas favor,
Outra nas bragas prisão.
Muito se tem dito sobre o papel desempenhado pelo milenaris-
mo nos séculos xvI e xvil portugueses, Antes de Alcácer Quibir, as
trovas do sapateiro Bandarra, influenciadas pelo messianismo judai-
co, previam a chegada de um rei justo que, sob um único Deus, esten-»
| deria seu reinado regenerador por sobre todo o mundo. Logo após
O desastre africano, d. João de Castro interpretara as Trovas — que,
apesar de sucessivas proibições, circulavam livremente entre o povo
— “começara a pregar a volta de d. Sebastião, tornando-se para o se-
bastianismo O que, segundo alguns autores, fora são Paulo para o cris-
4anismo, Por fim, quando da morte de d. João Iv, o primeiro rei da

[19
Ni af e ... 3 fra E pa]
MI nRasia oragantiima, = rr ”
ão
e
tw M Dastianismo “pa
AM RX 1a por homens
Antônio Viesra, que com
não reconhec a morte roo ente do rei e
iam
navam que naveria de ressuscitar para encabeç ar vatiici."
O Quinto Im
Entre à elite letrada, as sucessivas publicações
A k qua d Périoé: Sa : = ' " a"

dé Mo
cunho Macio
naissta ou mais acentuadamente mitenansta
.
diestam o “SiOnari
:
KR CHidu
à.
Masrar
=
tal.
Ê Ê
ro
4
toda PRC
a
Mmarnquia iusitana em smo
visão do campo de Ourique,
=
GH Se Drovo
de Pero de Sousa Pereira, pu ha,

em Lisboa no ano de 1649 e que trata do Império Portuguas blicadadaa


»

Dara
a glória de Deus; Ressurreição de
Portugal, de Fernão Homem de
Figueredo (o dominicano Manucl Homem). que diz
no Proêmio ao
restor “Se tores castelhano, dou
-te o pês ame, se Português q para.
Dem do novo império, que Deus dumente é prospere Por largos anos”.
Restauração de Portugal prodigiosa,
publicada sob o pseudônimo
E! do dr. Gregório de Almeida, para
João Lúcio de Azevedo “o mais
1 notável desses livros”; Lusitania liberata, de An
tônio de Sousa Ma.
| cedo, publicada em Londres em 1645, que, com
base na enumeração
de prodigios, profecias e maravilhas,
defende a legitimidade da nova
4 | monarquia bragantina.“ Muitos folhetos se pu
+ Ê á

sugerindo alcance popular maior:


” blicaram na época
a glosa dos Lusíadas feita por An
s
p - E E '

dré Rodrigues de Mattos sobre o Triunfo das armas Portuguezas e


-
| publicada em 1663; o Panegyvrico em a coroação
de Sua Magestade
o Serenissimo Senor Dom Joam IV folheto patriótico em
que os por-
tugueses são “aradores do campo de Netuno”, que, após
sofrerem
perigos e tiranias, vêem-se redimidos por d. João 1v, “gozo de Por-
tugal, glória do mundo"; os Applausos Lusitanos da vitor
ia de
Montes Claros que tiveram os Portugueses contra os Cast
elhanos.
de autoria do cônego Leonardo de São José. Este religioso era
pre-
gador de Sua Majestade, conforme atesta a página de rosto do fo-
lheto, O que sugere o papel de proa que deveriam ter os sermões na
veiculação de idéias e imagens, simultaneamente se nutrindo das con-
cepções populares e, em forma mais polida, reforçando-as mediante
à Oratória persuasiva,
Desta forma, sendo para certos autores eminentemente popu-
lar nas suas raízes, o sebastianismo ganhou as elites cultas, que
0
transformaram em doutrina de salvação nacional. Por volta dos anos
60, abandonado pela “gente sensata”, viu-se novamente dev
olvido
ao povo. Contra ele se batia, incansável, a Inquisição; em 4 de
abril de 1666, saía em auto-de-fé Maria de Macedo, a filha de um
violeiro que morava no Chiado e que, indo à noite às Hhas Encober-
tas, falava com d, Sebastião, via o rei Artur e os profetas Enoch,
Elias e são João Evangelista, O grande Antônio Vieira também co-

[20
lo s ci nc o an os de ca ti -
a in qu is it or ia l, r e s p o n s á v el pe
: nh
eu q asa
nho jargou.
veiro que atês Vieira permaneceu preso ão milenarismo sebastian's-
o em que dele já havia desertado a elite culta. Nas
ta num mê qua vo z so av a “' co mo à de um mo rt o es qu ec id o, qu e do
pa a dizer aos vivos coisas do seu tempo antiquadas””.*

an sc re ve r um tr ec ho mu it o si gn if ic at iv o da Hi st ór ia
rtante tr à p r o f e c i a d e D a n i e l :
u r o q u a n d o se r e f e r e
do fut
í '

is to há -d e ha ve r no Mu nd o um só Im pe -
no tempo deste Império de Cr Mu nd o, o
dos os rei s e to da s as na çõ es do
rador, a que obedeçam to
ri o de Cr is to no te mp or al, assim como o Suzno Pon
qual há de ser Vi gá
ri o es pi ri tu al en tã o há -d e ser pe rfeito
tifice no espiritual; O qual Impé
no vo es ta do da Ig re ja há -d e du ra r DO S
e consumado, e que todo esse ser Lisboa.
e a ca be ça de st e Im pé ri o te mp or al há -d e
muitos anos, e qu
os Im pe ra do re s su pr em os , e qu e ne st e te mpo ha-
e os reis de Portugal
lm en te a ju st iç a, in oc ên ci a e sa nt id ad e em to do s
de florescer universa
se hã o- de sa lv ar , qu as e pe la ma io r pa rt e, to do s os ho-
os estados, e
-d e en ch er en tã o o nú me ro do s pr ed es ti na do s, o qu al é
mens, é se há
ndo-se também
muito maior do que comumente se cuida, conjectura
ta s co us as hã o- de su ce de r, e mo st ra nd o- se Os me io s
o tempo em que es
e instrumentos por que se hão de conseguir.”
Em 1665, as Trovas do Bandarra voltavam a ser proibidas, o que
atesta a penetração que conheciam. As mulheres do povo que tinham
visões e se diziam queridas de Deus apresentam formulações impres-
sionantemente análogas às constantes nestes versos, ou nos Sermões
de Vieira, ou ainda nos livros dos adeptos cultos do milenarisma,
sugerindo a circularidade entre os níveis culturais popular e erudito.
É ainda Joana da Cruz quem expressa a presença do bandarris-
mo e do sebastianismo nos meios populares, Dizia que Deus Nosso
Senhor lhe mostrava e manifestava na oração “'que a alma de Sua
Magestade que Deus tem andava neste mundo em figura de porco”,
sendo salva por intercessão da Virgem. O rei em questão parece ser
d. João 1v, morto quatro anos antes, e a figura do porco remete, de
forma confusa e distorcida, às Trovas: nelas, a alegoria do Leão e
do Porco representam, respectivamente, Portugal e Marrocos, D. foão
penando na figura de porco talvez indique a impureza em que se on-
contrava sua alma antes da salvação, ou talvez ateste a incorporação
equivocada, distorcida pela transmissão oral, do conteúdo dos ver
sos do Bandarra,”
Também a alma de d, Sebastião penava sem descanso pela jor
nada da África, e “assim havia de andar até o Reino se restituir ao

tal
—T——

estado em que se encontrava naquele tempo”. Vez


ma humana, encostava a cabeça sobre o colo

near”? O rei-pai era também rei-filho: purgava as penas da


1 a . r : .
E er

4 ei DO-
vo, mas às vezes leltava: em seu regaço, procurando contorto,
Da
|] mesma forma que afetivizava a religião, a mentalidade popular
| tabelecia liames estreitos com o monarca desaparecido, Mostrando
como o sebastianismo cra vivido nas relações cotidianas, o monar q
se apresentando tão piolhento como os homens pobres que io
vam seu reino. No nível cotidiano, podia ainda ocorrer a SUPErDOi,
ção entre o destino coletivo e o individual: “ouvindo um sermão xi
que se disse que os portugueses cram coluna de fogo”, Luzia de Je-
sus se representara “em seu interior que Os portugueses eram coluna
de fogo porque sua mãe o era, e se lhe fizera então lembrança, que
em outra ocasião havia entendido que ecra ela ré chama de fogo que
havia de abrasar o mundo”?
3 Muitas das visões de Joana da Cruz reúnem sonhos de supre-
macia religiosa e política, mostrando que, na época das guerras da
Restauração, o clima de milenarismo reinante podia embasar o an-
seio de libertação nacional.” Em 1657, a visionária teve para si que
os castelhanos não haviam de tomar Olivença e, no ano seguinte,
viu que “se fizeram grandes festas no céu alegrando-se os anjos pela
vitória de Badajós, no tempo em que o nosso exército a tinha sitia-
da”. Em outra revelação, os anjos se juntaram no Céu e, apresen-
tando-se diante do Tribunal Divino e da Santíssima Trindade, leva-
ram cada um a sua província €e reino para saber qual havia de ser
cabeça do Império: “saíra que ainda que Castela tinha mais santos
canonizados, Portugal tinha mais justos na Terra, e que assim havia
de ser cabeça do Império”. A obsessão pelo julgamento reúne o ima-
ginário do Juízo Final à esperança de intervenção divina na conten-
da temporal entre os dois reinos ibéricos. A exacerbação atinge os
seus limites quando Deus e os santos resolvem que a qualidade das
forças e da fé lusas haveria de prevalecer sobre a quantidade repre-
sentada pelas demais potências européias, num confronto à Davi €
Golias: é sempre Joana quem prevê “que Roma se há de abrasar,
e que um clérigo que ela conheçe há de ser papa, e há de canonizar
El-Rei Dom Sebastião. E que os santos de Castela, França e Itália,
e todos os mais da Igreja que estão no Céu se ajuntarão de uma par-
te, e os de Portugal da outra, e que estes sendo muito inferiores em
número vencerão os mais em certas matérias””.'é

122
st ic os ao s so nh os de in de pe nd ên cia política,
Dos arroub os mí
s 20 tu mu lt o da s ba ta lh as , as vi sõ es de
Ja quietação dos convento -
vi ve ra m em Po rt ug al no s an os an te
as mulheres comuns que a
e à ela se se gu ir am , il us tr am de fo rm
pers s à Restauração, ou qu
do s ní ve is cu lt ur ai s. Di la ce ra da s en-
ease » circularidade a se u mo do
e as aç õe s no sé cu lo , vi vi am
é renúncia ao mundo bsurda”
rm a ce ri dí cu la ”, “d es co nc er ta da ”, “contrária”, “a
— de fo
en te na vi da do s in úm er os sa nt os qu e, en tr e o sé cu -
— o dilema pres
va s or de ns re li gi os as , re in ve nt ar am a ca-
lo xvi e o XVI, criaram no
as te rr as di st an te s em no me da Fé e da Sa lv a-
«dade, palmilharam
õe s do mi ni ca is ; ob se rv an do os ma lu co s que,
ção. Assistindo a serm en to s
do Ba nd ar ra ; ou vi nd o no s co nv
pelas ruas, recitavam as Trovas
s os re la to s de vi da s de sa nt os e os ma nu ai s de
e nos recolhimento —
vo z alt a no re fe it ór io ou no s se rõ es de inverno
devoção lidos em
be ti za da s, le nd o- os ela s me sm as ; pa rt il ha nd o, en -
ou, quando alfa
se me lh an te s, O un iv er so da tr ad iç ão e da cu lt ur a po-
Fim, com seus
qu e tr at av a De us e os sa nt os co m fa mi li ar id ad e, cu lt ua va d. Se-
pular,
o, mi ti fi ca va a ca mp an ha da Af ri ca , od ia va o ca st el hano e
bastiã
re in o de De us po r Po rt ug al ”, es sa s mu lh er es es fu -
sonhava com ““o
maçavam as fronteiras entre o Bem e o Mal, O Sagrado e o Profano,
o Puro e o Impuro (Nossa Senhora de joelhos, os peitos de fora...),
o Popular e o Erudito. Como no caso do dragão estudado por Jac-
ques Le Goff, suas formulações eram ambíguas e multifacetadas.”
A leitura que delas fez a Inquisição foi unilateral; coerente na lógica
escolástica, fiel aos textos dogmáticos, atenta à qualificação de he-
resia, afinada com o saber erudito. Daí o desfecho trágico de todos
ess es pr oc es so s, qu e id en ti fi ca ra m as be at as às br ux as pe rs eg ui da s
em massa por toda a Europa da época. Dai, portanto, a predomi-
nância de uma demonização que acabava na fogueira, e não no
Carnaval.
E no entanto as mulheres beatas usavam de linguagem que, um
dia, havia sido familiar também aos inquisidores. Para elas, concep-
ções populares e eruditas se amalgamavam, se negavam para depois
se recombinarem: eram, quase sempre, indissociáveis € indistinguí-
veis. Para eles, investidos do papel de juízes de idéias e de sonhos,
era necessário separar o que muitas vezes era inseparável: o Santo
Ofício desempenhou nos países católicos um extraordinário papel
aculturador, para tal lançando mão da violência na sua acepção mais
larga. Nã o ha vi a na aç ão in qu is it or ia l es pa ço pa ra à to le râ nc ia , qu as e

123

a
sempre presente nos
anseios populares; V
nocchio, o moleiro friulano est eja-se o tri
udado por Carlo Ginzbure” de
santas não poderiam se Me.
r confundi
apartadas por meio da f
orça e do

124
6
D A D E A M O R O S A
AMB I G U I
m u l a s - s e m - c a b e ç a
De s a n t a s à

an d ba d: as a g a r d e n th at
od
The Church consists of go ha s w h e a t
an d as a fi el d th at
has weeds as well as flowers, .. Fl er e
at ta ke th g o o d an d ba d.
as well as tares..., a net th he re
d — ye a, th e ve ry be st ; an d
are good men to de foun
un d — ye a, th e ve ry wo rs t. Su ch as
are bad men to be fo
t se at in gl or y, an d su ch al so as shall
shall have the high es
th e lo we st an d fi er ce st fl am es of mi ser).
be cast into
692
Samuel Parris, Sermão em Salem, 27/3/1

es ent re am or div ino e am or de mo ní ac o co ns ti tu em


As relaçõ
íss imo ma s pr at ic am en te de ix ad o de lad o pel os his to-
objeto curios
riadores da rel igi ão e da rel igi osi dad e po pu la r. Ac re di ta nd o qu e a
análise do imaginário e das sensibilidades do passado pode contri-
buir de forma significativa para a compreensão da história das so-
ciedades, procurarei examinar o assunto partindo de representações
iconográficas, passando, a seguir, para sua presença pontual na his-
toriografia e, por fim, recorrendo a casos documentados por fontes
inquisitoriais e eclesiásticas.
O periodo que se abre com o Renascimento italiano, ainda no
século xv, e se encerra com a Revolução Francesa, é um dos mo-
mentos mais fascinantes da história ocidental, época rica e contra-
ditória, como têm ressaltado muitos de seus historiadores. Ao anal-
sar O Renascimento, por exemplo, Jean Delumeau falou de uma
as e e de outra, negativa mas igualmente importante, que
ira aviveu e que muitas vezes a fecundou.! O tema de que
d
qui só pode ser compreendido à luz desta ambiguidade mo-
. E
Será pois remete à onipresença de Deus e do Diabo no universo
idiano e afetivo das populações de então.

125
i
k
1

|
k
!
Ê
I
Ê
b
h

versão para o mesmo êxtase escu


lni
nor do quadro, à direita, encontra
m-se o livro aberto e o crucifixo,
instrumentos da mística e da meditaçã
o. Logo acima, a santa levita
cm extase, carregada por três anjos e
tendo os olhos cerrados como
na escultura de Santa Maria della Vittoria
. Na parte superior do qua-
dro, na diagonal esquerda, um anjo adult o
se encontra prestes a es-
petar uma seta incandescente em seu coração. A ponta bem verme-
lha da seta faz com que ela pareça um pincel, e dá um tom
meio
ingênuo que atenua o clima místico do todo.
Mas há a vertente demoníaca, evidentemente menos difundida
do que a beatífica, desde cedo encampada pela Contra-Reforma. De-
la, talvez a representação mais impressionante sejam as gravuras de
Hans Baldung Grien, o mestre alemão da técnica do chiaroscuro que
viveu na passagem do século xv para o xvi, de 1480 a 1545. Entre
1512 e 1516, num tratamento já maneirista, retratou bruxas às voltas
com a preparação do sabá, o conventículo constituindo assunto pr-
vilegiado para uma abordagem mais livre da sexualidade.? O erotis-
mo desta série é mais variado e cru do que o das representações €X-

126
u ex pl ic it an do si tu aç õe s de ma st ur ba çã o,
a e be st ia li da de . Em am bo s os ca so s, º
táticas E ein
ab o — nã o ap ar ec e, su a pi
E arnal — Deus OU O Di
= O eo , O ra çã o, a E
sinu ad a po r in te rm ed ia do re s
gurá sen do in eq ui vo ca co no ta çã o tá
«e. os espetos e va ss ou ra s de in
a a De us é at en ua da pe lo êx ta se , no
E eo ao a entreg
o di ab o é at en ua da pe lo es ta do de ir e-
e ab pa cópula com
se en co nt ra m, pe la su ge st ão de so nh o e ilusão
de a
s al uc in óg en os . Em am bo s, o af lo ra -
E ii uso de ungúento
ne ut ra li za do pe la pe rd a da co ns ci ên ci a.
da sexualidade é
su bj ac en te às un io es mí st ic o- di ab ól ic as fa -
O conteúdo erótico
to ma is am pl o, em qu e am or € so fr i me nt o, go-
zia parte de um contex
rt ur a se co mp le ta va m ou se re la ci on av am de
zo e punição, êxtase e to erso
do -s e do mu nd o re li gi os o pa ra O un iv
forma imbricada, espraian
an do ao pr im ei ro . Cu ri os am en te , co nt ra st an do
secular, e deste retorn
an de vo ga da s ob ra s so br e fe it iç ar ia il us tr ad as po r gr av ur as ,
com a gr
poucos foram os grandes artistas que se dedicaram ao tema: há a sé-
rie de Baldung Grien, há uma gravura de Diirer em que a bruxa ca-
valga um cabrão, há Teniers, há, por fim, já sob o impacto do [Humi-
nismo, os Caprichos e os sabás de Goya. Mas estes se inserem em
contexto diverso, quando a feitiçaria não mais atemorizava as popu-
lações, sendo motivo de caçoada, de ironia, crença de gente ignoran-
te e supersticiosa.? Por outro lado, muitos foram os artistas de reno-
me que se dedicaram ao tema da oposição entre Deus e o Diabo,
estendendo-se ainda sobre a erotização do universo religioso, o des-
pedaçamento do corpo, o suplício. Fica desta forma sugerido que a
temática da bruxa, assim como a das uniões místico-diabólicas, eram
manifestações específicas de um universo mental mais amplo, mar-
cado pelo medo, pela iminência do desastre, pela catástrofe cotidia-
na e, sobretudo, por uma sensibilidade diversa da contemporânea,
manifestada na linguagem crua, nas maneiras bruscas e rudes, no apre-
ço por espetáculos violentos e sensacionais. Afinal, como bem viu
Philippe Ariês, desde o século xv — e com certeza a partir do
século
XVI, Quando mais se perseguiram e queimaram bruxas —,
os temas
da morte tinham se revestido de forte sentido erótico.*
oa meeaçÕes esnosiiLicas são pródigas no tratamento do
nal ii ação, € q quem veja no maneirismo Açor
a guras irreais e distorcidas de Pontormo, Beccafumi, El
É O — um registro veemente do sadismo reinante, reminiscência
membros destronçados nos suplícios:

“127
A teologia apostinia
na do pecado cri 4
uma obsessão Então, na e
origin al pela lux
úria, pelo a)
dez; neste museu ima
ginário, em que e
nizadas, a crótica é
r anREha, Graças a ela :
à , à
SOnlapdpen
ers
transforma em obr c O n t emplaçã
a pia, já que se tratava da O da
felizes ou vãs tentadoras, ou mesmo a
:
carne de «
da Virgem
e de s;“*CPendidas
drTe á

estas, quantas Ágatas, como no célebre quad


ro de Zurbarán ti
pelher, oferecendo gent
| ilmente os sei
Finas sobre a roda ou Marparid| as ANdeja, quantas cre.
s ion tal) Cata.
De Mantegna a Caravaggio, suce
dem-se os Davis co
las, os são Sebastiões crivados m a cabeça de Go-
de flechas e portador es de expressão
Cheia de dor, Judites serena
s c cortesás exibem cabeça
Holofernes, que se ramific s amputadas de
am no emaranhado das
tas expostas em primeiro veias sANguinolen-
plano ao espectador, como
quadro de Lucas Cranach num magnífico
no Kunsthistorische Muscum
(fig. 6, entre as pp. 68 € 69). de Viena
Golias, Holofernes e são João
Batista aludem ao tema da deca-
Pitação; são Sebastião, santa Úrsula, sant
a Ágata, santa Margarida,
por sua vez, representam a proble
mática mais lata do suplício, Seja
para reforçar o poder dos reis absoluto
s, seja para consolidar um
novo tipo de justiça, seja para enfrenta
r à turbulência decorrente de
credos religiosos diversos, o Antipo Regime é o te
mpo dos suplícios
(fig. 1). No espetáculo sangrento dos corpos qu
e pendiam das árvo-
res, se espalhavam, desmembrados, no cadafalso das exec
uções, apo-
dreciam sob a gula das aves de rapina, a violência se mostra
va (ão
cotidiana e frequente que corria o risco de banalizar-se (fig. 2). Mes-
mo se indício de mutação do poder, os suplícios acabaram ema
bendo o imaginário moderno, colorindo-o de tons sombrios.
Não € pois de estranhar que a obsessão com o suplício, Bia
as execuções, com o dilaceramento entre Luz e Trevas RR Rd
torma impressionante a iconografia moderna: templos de Jerusa É
coalhados de cadáveres, que os soldados passaram pelo fio A Ed
da; cristãos arremessados de penedos por soldados romanos; Td
gens em que as cruzes e forcas se erguem contra o horizonte AT
isso retrata menos o mundo antigo e bem mais as aldeias sad
pelas tropas que combati|am na terrívívelel gu guerra dos Trnin
ictaa Ando
os, LANeDstOe
contexto, Os monstros mortos também assumem signi ac ANE
tante: dragões atravessados por lanças contorcem-se sob a ' AR
princesa e de são Jorge, ou a horrível Medusa EUR : o (fi 9,
vendo, com pavor, as serpentes dos cabelos fugindo NS O ca
Mesmo os animais surgem sacrificados aos magotes: Lucas

128
|
|
]

s e x t r a o r d i n á r i a s
pintaram dua
|

ch. s o Moço ,
pra d o , p e l o v a u d o
rana
a r v o r e d o , p e l o
pelo a r c o s d o s
hifres de u n s € o s
o

se da va ta nt o 05 gr an de s an
d o s u p íc io ob ra
O) i m a g i n á r i o n t o mí st ic o de co mp
célebre tr íp ti co C a s a m e
menores. Nomling (1433-94), O painel da esquerda re
- Me de
O pe sc oç o do sa nt o tr at ad o
=. no Batista, sendo Gérard
ív el J u l g a m e n t o de Ca mb is es , de
a decapitação , E 9 () terr ig ua l-
cerca de um sé cu lo e me io a
det o an te ci pa em
ia , de R e m b r a n d t (1 60 6- 69 )
doidos Fan Lição de anatom relava se at
ta lh ar ca dá ve re s
meignts.e 3 in r”de E certEamente oa
su» poon to de re D a e E destitia
(f € 4) ro me Ô Ga
.! º Na te la de Da vi o
a outro un iv er so me nt al à e g:
ve st e, de ix an do em er gi r
de sua pele como se fosse uma do be Íssimo
st iã o nã o fo i ob je to ap en as
ra sang ui no le nt a. Sã o Se ba
he M u s c u m (f ig . 7) , ma s t a m b é m do mui-
Mantegna do Kunsthistori sc
Ja n va n H e m e s s e n (c . 15 04 -c . 66) em
to menos conhecido quadro de Ru be ns,
do Pe ti t Pa la is . Di sc íp ul o de
exposição na Galerie Dutuit sa n-
59 3- 16 78 ) pi nt ou um Ma rt ír io de
o flamengo Jacob Jordaens (1
e as to rt ur as in fl ig id as ao ro st o da sa nt a ap ar e-
ta Apolônia em qu
por David, Massys e Diirer, Jan Pro-
cem com nitidez.!! Marcado
voost (1465-1529) evidenciava o suplício em suas obras de tema
o: a Cr uc if ix ão é te rr ív el , o pl an o do fu nd o es qu ar te ja do
religios su
por lanças em riste, o primeiro plano dominado por velhos com €x-
pressão de alegria sádiça; o Julgamento final impressiona pelo cui-
dado que o pintor dispensa ao inferno bruegheliano e charivariesco
da parte direita inferior; por fim, num tríptico aparentemente pláci-
do em que os patronos se fazem ladear por são Nicolau e santa Go-
delina, perde-se no plano do fundo a cena de uma mulher sendo en-
forcada por dois homens com um lençol torcido.!” A atestar o vigor
a E UE do MUpUIO no Renascimento estão até os objetos

éaexlisiteántses em A m e e pis c
oa de Rintados TiainGu
m x pecurlo uçio
Et ã a E do sé XVI, Tal imag ário se
E que, Aces ri = 1 pat quer Ga biblica: O que interessa
ES E p i r a de st ac as se ju st am en te os te -
mas ligados ao suplici O Ri ha da s p a sO-
E » d o fl ec
bre um rochedo, !º ME e
fícil não ficar dio ça c oram o sobre os filhos mortos," Di-
duas colheradas de so ab ê a mental de homens que, entre
pa, compraziam-se em divisar, no fundo do
Prato ,fernO esjorr1ºo sangui guinolento que que es escapava do pescoço decepado de
Holo

129
tica da onipre
sença de
ções do Juizo
Final

todos pertencent
es à coleçãFã do
Quadro sobre o f já menciona
undador a ordem Jes
d o Museu viene
desvairado de misticis uítica exibe
mo u pao
loep, O santo se
? Srgue no ce
Jos; no alto, à esquerda, fogem demônios | ENVoc; lto na revoada d
Os an-
a
—Ra
fi
o
—— e

ão. Ônios em fuga


A qm

"Sé, COnstituindo o lado d


| emo-
s, à luminosidade vibrante
do santo e dos anjos que o
rodeiam. Céu e Inferno, Deus
e o Diabo
também se polarizam na obra de Luca Giordano
com enormes asas : vestido de azul,
brancas e uma espada na mão, o ar
canjo tem atrás
de si anjos e querubinzinhos envoltos em nuvens, e é circunda
uma intens do por
a luz amarela que contrasta com a parte
inferior do qua-
dro. É aí, nesse espaço negro e sombrio, que se acotovelam e se amon-
toam os anjos decaídos, orelhas pontiagudas e chifrezinhos emol-
DO

durando-lhes a cabeça. Com o pé esquerdo, Miguel pisa de leve um


RE

desses anjos, enquanto os demais berram de pavor.


Os pintores menores abraçavam padrões iconográficos análo-
gos. De Pieter Pourbus (1523-84) é um Julgamento final (p. 144) em
que, enquanto a corte celeste se compraz na contemplação divina
e os justos vão galgando o reino dos Céus, as almas danadas se vêem
arrastadas por diabos e sufocadas por serpentes. !º
Por fim, as naturezas-mortas flamengas também sugerem a Té-
lação entre erotismo e suplício (p. 145): mesas, banquetas, bande-
jas, travessas regurgitam de aves mortas semidepenadas, de peixes
molengos com as guelras entreabertas, de ostras úmidas, de caças
parcialmente retalhadas por facas e facões. Do espaço etéreo dapr
tica e da religião ao mundo concreto dos alimentos e da subsiste
cia, dor e prazer se opunham e se atraíam, compondo um pais vasto
e sugestivo das sensibilidades e da mentalidade de então.

o 130
v e r t i d a , O S U I-
e m c h a v e 1 n
stissem ,
a n i m a i s (145) de que fa-
P .
lo s t o s f í s i -
ç ã o d o s to r m e n
a s o ks , a c i t a
algun s c f l á c i d o s d e
.18 Em c o m o n o s gá l o s
úblicas é inequivoca, a n g r a n d o, O c u p a m t o d a
as cri s t a s s
-se N o d e s d o b r a m e Tl-

9 E m o u t r o s , f a z
d e s e r e s j n a n i ma-
o r m a s m u ú I t i p l as
o

de f i m a N a t u r e z a -
e r e s s a nt í s s
=

iais (fig. 8 ) . À n t
C l a e s z
o, aos olho” ( 1 6 2 7 ) ( f i g . 9 ) , d e P i e t e r
o d e s t a e x p o s i ç ã o
ener o , é u m e x e m p l
e s c o r t a d o s e m fa ti as ,
20 fimas descascadas, pã e a -
d a ç o s , os tr as e n t r
bagos de uvas, nozes em pe Eid
num convívio tranqúilo
gomos e v a
O
v e l m e n t e , a t u o u ne st a r e t a l h a ç ã o
ão; ; nnoo s egg u a
n d o
bertas d dpmiuito pro
o já i n d i s t i n t o , N O
m i d e s f e i t a e x i b e O rec; hei sa
E torta se +
r e i n a u m a ?
berana, Vez , i n v e r t e - s e a o r d e m gira
h o s € t u d o . M a i s u m a
gi a bico, ol n i c o se r i n t e g r a
ú
a

o
=”

, € €
E

v i v o
1

h o m o r t o p a r e c e
as coisas: o bic
:

| |
a n h a d o de d e s t r o ç o s .
num mundo mal am e t e m a a n a l o g i a s c u r i o -
s ve ze s, as n a t u r e z a s - m o r t a s rem
Qutra
«as. Inteiros mas recobertos de lanhuras provocadas por instrumen-
pos tas san gui nol ent as, OS pei xes mor T-
tos cortantes; retalhados e em
xan der Adr iae nss en (15 87- 166 1) são gu ar da do s por um gat o
tos de Ale 9),
Toei

dro lem bra A arr aia , de J.- B. Ch ar di n (16 99- 177


vivo! Este qua
tod o dil ace rad o ob se rv ad o por um gat o em sen -
que retrata o animal
de 172 8, qu an do as dis sec çõe s hu ma na s se
TT

tinela.2 Apesar de dat ar


generalizavam e o conhecimento da anatomia animal avançava já em
perspectiva científica, não parece arbitrário reconhecer na obra do
E

pintor françês ecos do imaginário atormentado dos supliícios.


-

Mistura entre o tratamento dos temas bíblicos e o de natureza-


morta — indício provável do momento transitório em que este últi-
mo ainda não se firmara com autonomia — é o curioso Cristo na
casa de Marta e Maria, de Joachim Bueckelaer (c. 1530-73).** As
prioridades temáticas aparecem invertidas: ao fundo, Jesus prega en-
tre os de Betânia, como num detalhe; na verdade, o quadro todo é
dominado pelas atividades domésticas de Maria e de Marta — esta,
como se sabe, representada sempre com os atributos da dona de ca-
=".

à cin ta. ” As irm ãs tra tam da ref ei-


aa a An e chaves
A iádro pi e e e sa com um espeto. No centro
les a É aa ado direito domina uma profusão de frutas
ras assemelhadas a genitálias —, animais mor-

131
E1 4 o AARREITOR :
“4 dOR Pedaços
MUSA" “(Eamad “velho
Ala
s te gontura | Olhar vs
TA JA sem
“, ANOS Pena ma àmSa PelosAROp,á un
4 penas, n
Peri] Col
Assim CÓITO a
4 iCOnOsr
gimidamente,| a ia | à bruxaria nã
m 48 DO Conj
unto a o Pode
Muxa d 4S Fepres sE er [

é Hequenten ent ições de Utada ie
e Me fepresent a
da
SUR épos Ui
alegórica. | à Mandi BORA com US A
é i s r i b u t o s d a A v a r
SACA = "
ad Nor svsagr"a
A M G P
u a l a M a r i a M a d l ena ou à
e .
do e ' q Próta: no Mari tem
XÕES UR MNRO Se 4 p odem S€ benefi
Parenteme c i ar de in
HUM sentido mais ln nte Ueatória
s — Do O eh cur.
to, pelo imagin Univers
ário do SUpli
cio e

ONIPRESENÇA DE DEUS
E DO DIABO
Nada melhor, pois, do que as representações artíst
i
Xar a sensibilidade de uma epoca:
meio de
c
por as para fi.
qualquer outro documento, las, mais do qu
e com
é possível ttenr-se as
das da alma humana e do camadas profun-
inconsciente. Mas OS textos
bém remetem a esta sensibilidade escritos tam.
peculiar da sociedade moderna,
que teatralizava sentimentos de torm
a até então inédita. Escritos mis.
ticos, relatos de vidas de SANtos e pr
ocessos inquisitoriais, por exem-
plo, permitem-nos rastrear igualmen
te os caminhos tortuosos do
amor divino e do amor demoníaco.
O século xvi português conhecera alguns mí
sticos de peso, co-
mo o monge arrábido frei Agostinho da Cruz, d, Hilari
ão Brandão,
frei Sebastião Toscano ou o célebre frei Tomé de Jesus (1529-
82), que
seguira com d, Sebastião para a África e, sobrevivendo a Alcácer Qui-
bir, tora preso pelos mouros. Nos Thrbalhos de Jesus, obra de místi-
ca cristológica, tratara da entrega total do místico ao Amado: “6
amor divino, possui-me todo e de ti possuído arroja-me por onde
quiseres, alaga-me em quantos mares quiseres; espedaça-me via
quantos tormentos quiseres; porque em ti e contigo não poderei ser
perdido. Ouve-me, amor divino, e pois estais mais faminto de das
do que eu sei desejar, come-me, digere-me, muda-me em ti, não ve]
em mim em toda a criatura senão a ti".26 | Epi TR
O apelo violento e apaixonado do frade aludia Ri E
ao suplício, desvendando mentalidade que rimava amor com É o
zer com sofrer, e coloria o todo com uma certa concepção an
ági aixão, ni
o e episódio da monja italiana Benedetta pa
estudado por Judith Brown, erotismo, sacrifício e suplício ap

132
o mistico, sobre atol
4 asament
respeito HO
p a i x ã o , p e l a , fi
o s n o q u e di: a s d a m i n h a
r e l a ç ã a que as Mal e
c h a g as
en t e s us! “Quero q u e p u e d a N o t v a t e n h a
a ] putos
va, dig d o q u e
o e s t a v a n A
a C ruz,
j e puatoTes I v e q| u d
an O cê
quem h o c a b e ç a , c o m o eu º |
s não s e n a q u e s inta f e l i c i d a d e
a s n a s p a i a
abert e l a sinta dor, ma s a m b a l e res
p u t a q u e e g r a u s d a oraç ã o ,
não da v ida, DO cratar d
os d
a e spanho
L I V I O n t e d a p n i s t i c
No z , O g r a n d e expoe
d e J o ão da C r u
m e t a f ó r i c a , Os dois
ao l a d o
t i c a , s e bem q u e
n guage m e r ó e n a s p o r
N t e ç i r a h r e m v i v i d o s a p
| = CO eiro e o qu
a
ro, passíviez:is de sc
|

S. Ú terc
i r o n í v e l , d
ÚIUImO
N O t e r c e
n s e l e i t o s .
algu , A q u i q u e r r i a el al -
c o m i e n z a n a d a r olor s .
a b r e m | as fl or es , ya
a ba n z a s d e D i o
Ya, va s e
e s e n g l o r i a p a r a a l
ma qu e to do s la vi es en y e ntendi s u p uede
de su g o z o , p o r q u e no
n à el la , y da rl es pa rt e
v que ja ayudase un a l m a c u a n d o es tá an-
Oh ! V á l a m e Di os ! C u d l está
panto 202 ar. |...
) r . D i c e mil de-
s para a l a b a r à el S e n o
er ri a fu es e le ng ua
sd! Toda ella qu a qu ie n la ti en e an sf . [. .. ]
em pr e a co ntentar

satinos sant os , at in an do st
o ca pa z de fa ze r ve rs os se nti»
er a no entant
———

[S em se r po ct a, di z a sa nt a,
as e go zo sa s: ] T o d o su cu er -
m e n te doid
———

e su as pe na s, s i m u l t a n c a
dos sobr g o z o qu e co n esta
a z a s e pa ra m o s t r a r el
po y alma querria se desped
mem

pena siente.?
e

se ap od er av a da al ma co mo às nu -
No quarto nível, o Senhor
rt as
£

da ter ra, el ev an do -a in te ir a e lhe mo st ra nd o ce


vens dos vapores
do rei no qu e Ele lhe pr ep ar ar a; à al ma de st al ec e co mo em des-
coisas
a a re sp ir aç ão to rn an do -s e dif íci l e o co rp o to lh id o de mo vi -
mentos:
Estando ansi el alma buscando a Dios, siente con un deleite grandísi-
a dy casi desfallecer toda con una manera de desmayo que le
E rã O y todas las fuerzas corporales, de manera que,
NT U pena; no puede aun mencar las manos; los ojos
Fies a a quererlos cerrar, u si los tiene abiertos, no ve casi nada
oye. Ansí que de los sentid os no se
MPIQVOCHÁ PRN lo que
no la acabar de dejar a su placer, y ansi
antes la daúan Hablar Era
ni hay fuerza, o ? a e Bor demás, que no atina a formar palabra,
poderl a pronun ciar; porque toda
mM inase, para
la fuerza esteri or se pierde mij
y se aumenta en las de el alma para mijor
pode r goza r de a, El deleite esterior que siente es grande y muy
” , à

convola a dO
su gloria, E cm» : »
ah

Durante algu
gum m tempo, pairaram sérias dúvidas quanto ao cará-
ler divino d as bodas de T
sa do demônio30 tresa:a: seus escritos foram considerados coi-

133
Com b; lo et vidas
PE orest
- ; aa de “it
tece “4 análisos eliganteAsM,Os,ar
$ =” e o historl;
5, Acerca da Huidez de frontelr;
A tor aliam, Plero e:
1

dis cutível
Acses c alde
des talianos
tempo de “P cl
era, numa a
prodígio, o M tmo
ilagre, O insóli
cotidiano: a to per
samnt aca bruxa T a d o pos »
diferente) rel lo C u r a s uma us ;
Lam as duas f n
na tendência
A C E s | e quivoc 44, O d
neurótica ad afa ireito Co)
s t a r e da calidad
a ve
imaginário e ao - s
e, 4 vinga
merpulha no mu "
trico mago do Gx n d o V i s i onário”, O santo
l ane do corpo ma o de
teria, como às c erado por cilício
bruxas dos sabás s e priva ai
voltas cof ten , poderes x; UM ÂnICOs:
tações à santo Antã 03 mis e a |
o ou com tentati
9 FUMO pecaminoso de vas de coGrriipir
“mulheres de corpo bel
“a mesma cultura da invers issimo” pertenceriam
ão, 1) 4 qual o sagrado esc indi
face, a do sacrílepo, que co a a outra
ntundia construção com des
com o nada, o possível com o i FUIÇÃO, O tudo
mpossível”. Pureza e porcaria, inde
céncia e sublim .
idade tinhari limites tênues e incert
os: “Dir-se-a qua-
“e que 4 ambiguidade estrutural da cultura folcló
rica, com sua Ólica
bidimensional e sua utensilag em mental de gume duplo, Invadisse
com seu animismo demoníaco os espaços em que à cu' lturaa +
“supe-ê
nor" tentava elaborar sistemas
E
diferentes
+ . pr
de à
conhecimento
b ' ú + 3]

Com base em relatos de casos de a O O RC


“ea di + al Rr 1! | F ( | "

Hugh Irevor-Roper percebeu bem a proximi ne S


a 2 Ó
neo e o sab, entre a beata ou van b , as dos sé
texto cm que s€ engastou se caça às bruxas culos XVI CE XVII,
. losas, que se votavam a Deus, se
oia aa ART Que: virgens phos b » 4 menos piedosas, tendo»
onNSsi
CO LAde
CTravam noivas de Cristo, e as bruxuaas concubirdeia
r s a ?! 92
ne ligado a Saattã
á,, se consideravam as 5
: lhante, mas mais arququivístico
Po
l ancorado em material a ci ai XVI síécle, Roo
que, em Mag
»
is tr ats et neso
l rc ie
in
o
rs
qu €
“+ rp e
|
ie ta nte dos convento 4 fr an ce se s '
ú ; “e 4

androu traçou o paine 4


ve 1610
des coletivas em
ae le chamadas de “processos escandá cuntos, as freiras
ESG pa Em como Deus e o Diabo o rópria figura do
O es ando presas do Maligno atras uvicrs, nos convenr
RRsaRA DA HORA | m Ai x, Lo ud un € 1.044 ivas de Cris
Suce ssivamente € devotas, NO ra
it piel
tos de ursulinas e prho spitalárias, mulheres
esa da lubricidade do Diabbo, que desejava COP
to" tornaram-se onizado de Loudun, protar
tas. O caso mais céle bre foi o
lar com clas. €
[34
ora Ursulina , ma dr e Jo an a do s An jo s, e po r vá ri as de su as
pela ou E ele convento, o Diabo teria sc encarnado na pessoa do
freiras. ta o Gr an di er , um ho me m cu lt o se re-
c inteligente que
contentor
m vár ios intelectuais de destaque na época. Grandier foi
açionava 00
mado, é Joana dos Anjos vi ajou França afora por alguns anos,
lo es ca nd al os o at ra vé s de ex or ci sm os pú bl ic os ,
ac y espetácu
co mo as mu lh er es ba rb ad as ou
nope
s à curiosidade popular
te mp os .
E »

el es
2

na qu
é É

Eu ro pa
q

a
.

am
E

om nlfópagos que também percorri


à

A S A S U N I Õ E S D I A B Ó L I C A S
DAS BODAS MÍSTIC
Fontes escritas de natureza inquisitorial confirmam esta ambi-
glidade entre divino € demoníaco, Vou começar por um caso espa-
nho! do séc ulo Xv, Tra ta- se da his tór ia de Ma da le na de la Cru z, re-
ligiosa de um convento cordobês que toda a Espanha reputava por
anta, Repentinamente, em 1553, descobriu-se que a santidade cra
falsa aparência e encobria a natureza demoníaca da freira: presa,
“confesó espontáncamente que habia llevado a cabo todas sus ac-
clones bajo la influencia de Satan a cuyo gobierno se habia entrega-
do en su infancia, arnadiendo que tenia trato intimo con é desde ha-
cla más de cuarenta afos",4 Tinha apenas cinco anos de idade
quando lhe aparecera pela primeira vez certa visão, tomando-a por
um anjo de luz que, às vezes, aparecia-lhe também como Cristo crus
cificado, incitando-a à santidade; mas, aos doze anos = tempo de
puberdade —, a tal visão lhe declarou ser o diabo, Madalena pac
tuou com ele, que em troca prometeu “sustentaria por gran tiempo
en grandes onrras”, trazendo-lhe um negro nu que a convidou para
“deleites carnales”, de que a mocinha fugiu por achar o parceiro
“tan feo", O diabo zangou-se, mas logo fizeram as pazes, € no mes»
mo dia tiveram deleites carnais, que se prolongaram por vários anos,
até O lempo em que foi descoberta e confessou,*
Um outro caso espanhol, ocorrido no convento das Madalenas
de Sevilha no ano de 1576, sugere que algumas dessas projeções ima-
ginárias tinham raízes no universo real. Vívia no tal convento desde
à idade de nove anos a jovem Teresa de la Concepeiór, linda e dis
reta, “de carácter retraído y no muy dada a ser la primera, más bien
lendo seguldora que acólita en lo tocante a la vida del convento”.
Certo dia, à madre superiora notou que Teresa, então com dezenete
anos, “Ievaba bulto de prefiez o semejaba cossa assi, e Inquiriendo
de la rea rescebió por respuesta que Dios se lo habta mandado, que

135
y mujeres,
bia que Signi
ficaba
RO Imaginaba

é VOZ estranha, lev


antou
que então pediram à ma
que se encerrasse numa cela dre su eriora
| com a professa. '“Hallóse,
de todos, que con espanto
la dicha mon ja no posseya atr
ibuto de mujer y más
aum, que era varón firme y bien caba
l, que daba espan to verlo entre
tanta c oncurrencia de mujeres?” A monja-ho
mem foi presa, mas aca-
bou fugindo das garras da Inquisição. Quanto a Teresa
, negou qual-
quer relação até o fim, até ser esclarecida pela madre superiora so-
bre ““las cossas de la pencración”': só aí aventou a possibilidade de
ter a gravidez advindo de uma sesta que fizera ao lado de Catalin,
que tivera '“'convulsiones y plazeres"'; ela mesma nada percebera en
lo tocante a las partes de la gencración por estar en suchos y dormir
en proximidad por mor del frio”, Mais do que devassidão, Epi
se de pura ignorância quanto ao próprio corpo: enamorada de
como dis ser a seu con fes sor , a jov em mon j
jaa acre
acr edidita
tar r:
a O tin o t odo
que, de fato, realizara bodas místicas com o Salvador.
No século xvil, em Portugal, a Inquisição degredou | .
Ee
O Bra-

sil vá ri as mu lh er es , ac us ad as de fal sa sa nt id ad e. Ela s se 3


la s O sE a o P A N E o vi u
santas e proclamavam sua virtude, mas ne
, re ve la nd o qu e a di fe re nç a na u s a n d o
sMecnHãOoS brdeuxviasa muito à diferença dos níveis fig pre a
se Ea au ia pp
volvidos nessa relação
m la do ; do ou tr o, o sa nt o Olic
« de u
136
ta nt o, es sa s m u l h e r e s po -
da re li gi os id ad e. ” No en
cerca agr
-.m na tradição mística erudita, impregnada de Esmnnia
ilu str es, co mo ate sta m os casos de
pres on E manifestações mai s
oa a Jesus e de santa Teresa. Mulheres simples que eram,
rorma curiosa e peculiar O amálgama de anseios mis-
tic os. Um a das rés, Ma ri a An tu ne s, via ei s
e ent rar em no ceu Ero çra as ent ran has q; Es
m do purgatório

duas a mais que santa Teresa — a versão popular
Nos êxt ase s
erada.do Carmelo, “dizendomís tic os que a ac om et ia m, ch am av a
sempre aa que só a santa sabia o que
EEN O fundo de sua crença é inegavelmente calcado na vida
revelam as palavras que proferia quando
iatá ê Ávila, como
“Be ndi to sej as, esp oso cel est e, quã o gra nde é a tua
estava fora de si:
gra nde m'a dest e””. Nes tas oca siõ es, tud o era in un da do
luz, é quão
por luz cel est ial : “nã o pod ia ver as cri atu ras pel a mui ta luz que tra -
sia de Deus”; quando olhava para a hóstia consagrada ou para O
cálice, deles saíam três resplendores que a ofuscavam e obrigavam
a desviar a vista.'* Nas suas visões, a linguagem erótica é mais ex-
intou
plícita: “estando na oração, sentira interiormente que Cristo Senhor
TiOra Nosso se lançara em sua alma, e ouvira interiormente que lhe dizia
panto que ela era o seu leito; ao que respondera, também interiormente:
y más 'É possível, Senhor, que vindes a quem vos fez estas chagas?” E que
entre o mesmo Senhor lhe tornara: “Aí verás quem sou eu” "3
$ aca. Degredada: para Evora já no século xvii (1758), Maria do Es-
qual- pírito Santo, outra ré do Santo Ofício acusada de crime de feitiça-
ra so- ria, também teria devaneios eróticos com Jesus. Furiosa por querer
ide de se sangrar e não ter a aquiescência do sangrador, praguejou “que
alina, importava pouco que o sangrador lhe não fizesse a sangria, porque
ra “en o menino Jesus a sangrara interiormente aparando-lhe o sangue em
ormir uma bacia, e lançando-lhe sobre a cama uma colcha guarnecida
de
atava-
diamantes". Difícil não ver no sangue e na colcha rutilante alu-
Deus, s6es ao defloramento ou à perda da virgindade: é conhecido
de to-
o todo dos o hábito mediterrânico de O noivo, após o casamento, mostrar
ãos convivas das núpcias o lenço! conjugal manchado de sangue —
o Bra- prova da honra da noiva e da união consumada.
gavam
as Ea sei ápiiho ao ava ainda asas à imaginação para vi-
ão viu pla as m tico, co ocando-o na encruzilhada da religião
s fenó- popular, com a tradição do maravilhoso:
(es Ch-
ae ali se achava o noivo presente, seus pare
jo bres, ntes já defuntos, e toda
náticas corte do Céu, incensando-a alguns anjos, pondo-lhe outros nos om-

137
n os

que na ação de
se darem

Petição, e para
É maior segura
“Mm tinteiro, lho prometera por
letra, “SPacho, mandan

esse estado de coisas.


a
re

No mês de agosto de 1734


Maria apresentou-se volunta
r:
=
A e
e

EE

» CONStantemente hu-
E q

| | jo
=

tosa a : hos. Desesperada, chegara a clamar


| | | pelo demônio, que, misteriosamente, sem aparecer, passara a ajud
| | | á-
a pe E RR
=

Mordida pela curiosidade e sempre atenta


,

É:
e

: ontissões de pacto demoníaco, a Inquisi-


-

| são pergunta se havia chegado a se entregar ao


diabo, ou se pensara
| no assunto; só por um dia, responde Marcelina,
E

quando saíra à pro-



md

|
a

cura do maligno de noite e dera com um “vulto


|

muito alto, e lhe


mi
=

parecia que tinha mais altura do que ela, na figura


pe

de um bode, não
—a

sabe dizer de que cor, porque tanto que viu o corpo se lhe arrepiou,
À

mu

e o lume lhe fugiu dos olhos, e ouviu ao dito vulto articular estas
ii
ii
SC

| palavras = Aonde vaz = ese levantou logo um pé de vento tão gran-


i
m

o e

|] de que ela cuidava a deitava por terra... O curioso de seu depoi-


=— —
=

=
di iashi

| mento espontâneo é que sugere crença então dif undida, reveladora


:

re
oado

E
E

oi

|
de aspecto curioso do imaginário feminino: “e sabendo ela que o
e

!
| | demônio torpe tem cópula com algumas mulheres, e que toma a fi-
) gura de homens conhecidos, ela em toda a ocasião que consumou
o pecado de cópula carnal fosse com qualquer homem que fosse sem-
pre se benzeu primeiro, para que não sucedesse ser a cópula com O
demônio, na forma que ouve a costuma ter com mulheres, o que ou-
via dizer comumente... Há certa lógica na fantasia, pois relações

138
rorni cação simpl es ou quali ficad a, como consi derav a o
sexuais —
peca do grave , pr es a nesta quali -
santo Ofício — constituíam
dade, ao reino de Satã, sempre pronto e apto à ocultar-se por detrás
mesm o Os conhe cidos . Além disso , tica suger ido no de-
de homens,
poimento de Marcelina Maria o temor ante o universo masculino,
« alter idade toma ndo, porta nto, cono taçã o infer nal.
Um ano antes, na mesma cidade de Lisboa, uma outra escrava
negra, anãzinha, é acusada de bruxa Junto à Inquisição. Chamava-
se Catarina Maria, tinha quinze anos € não aparentava mais que tre-
ze; nascera nos matos de Angola, fora batizada no Rio de Janeiro
« afinal dera em Lisboa, levada por um soldado que a vendera. Na
época de sua prisão, servia na casa de José Machado, beneficiado
na igreja de Azambuja e cantor na igreja patriarcal da cidade; o pró-
prio senhor a denuncia, pois a casa toda a odiava e tinha medo dos
feitiços e malefícios de que era capaz. Semelhante em tantos pontos
ao caso de Marcelina, este dele difere na confissão de cópula demo-
níaça e na profusão de detalhes com que é narrada. A escrava anã
endossa e repete todos os estereótipos demoníacos correntes na épo-
ca, conhecidos da população e presentes na literatura demonológica
em que os inquisidores se apoiavam para seus interrogatórios. Desta
forma, referenda que o ato sexual era penoso — “'lhe fez grande dor,
e deitou sangue do seu vaso natural” — e, apesar disso, longo; que
o corpo do diabo era frio e áspero; que o Maligno só aparecia à nol-
te, “e sempre a cópula de noite na cama, e quando ela se deitava
nela, e era das dez horas para diante”, como verdadeiro Príncipe das
Trevas. Era ainda negro, fato que reforça certas versões européias acer-
ca do Diabo mas que, seguramente, encontraria eco no imaginário
de Catarina Maria por ser elá negra também. Apesar do defeito físico
e da cor, o diabo a valorizava: da crueza desagradável de sua confis-
são, ressalta um certo tom delicado quando diz que, ocorrendo-lhe
que devia se casar com algum preto como ela, “o Diabo lhe disse
que bastava só ele para marido, e não havia mister outro, nem hou-
ve preto nem branco e nenhum homem nunca teve, nem procurou
ter cópula com ela, só o demônio é que a tinha, e sempre na figura
de preto...44
E de 1727 um caso muito interessante, que engloba elementos
presentes nas histórias de Marcelina e Catarina Maria — o trato do-
lorido, prolongado e desagradável com o diabo; seu corpo frio, as-
sim como o membro viril; sua exclusividade como amante, sempre
exigente da fidelidade das concubinas; a solicitude com que ajudava
nos afazeres domésticos, uma vez saciados os torpes apetites — €

139
» € Não negra:

qual era a verdadeira


|
diversas vezes, diz
ela, o demônio se
mostrava
na forma de Cristo S
enhor Nosso na Cruz
ele procurava esconder, com os pés de cabra,
e encobri-los, e lhe apar que
às costas com pés de ecia também com a cruz
gente mas à cabeça com
curava encobrir com um dois COrnOSsItos, que pro-
a cabel eira; também lhe
Nossa Senhora, que vin aparecia na figura de
ha com seu capelo vestida
e também lhe via uns corn de seda vermelhada,
itos na cabeça que ela proc
com o capelo, e no braç urava encobrir
o trazi a à forma de um menino
via a cara: e também lhe aparec , mas não lhe
ia na forma de sacerdote quando
revestido para o altar, com pês de vai
cabra, para os quais muitas vezes
olhava, procurando encobri-los,
e suposto trazia mãos. de gente, as un
não lhe pareciam serem de has
forma humana, porque eram muito gran-
des e descompostas...
O quarto caso, entretan
to, Telativiza a idéia-de que teria havido
“ausência de ambigiiidade n O século xvi
lI, comprovando, uma vez
mais, que os fenômenos de mentalidade perdem-se, qua
se sempre,
na longa duração. Além disso, apresenta-se
como verdadeiro reposi-
tório de crenças po pulares acerca da natureza do divino e do de
mo-
niaco. Refere-se à sentença de soror Maria do Ro
sário, chamada no
século de Maria Teresa Inácia, religiosa domini
cana que, devido à
vida pouco edificante que levava, viu-se expulsa do conv
ento do Sa-
cramento de Alcântara de Lisboa por seu provincial
. Deus lhe dera
chagas, Nossa Senhora lhe ofertara o Menino Je
sus por esposo, que,

ne | a liga
140
colo., “lhe fizera [...] mil carícias, pondo-lhe | a mãoE
m colo
vez em seu
e dizendo-lhe que ela era a sua amada e querida esposa”.
o nca lhe dera uma alia nça espo salí cia, e gos tav a de se
pao
A E nd nús “Basta já de mãos postas”, queixava-se, “pois
ro recostar em teus braços, enchendo-te de doçura e alegria
Já é todo meu. .. 7
esse coração, que
ima gen s cele stia is nos dev ane ios de Maria
Mas nem tudo eram
ão com O supl ício , tão típi ca dess e imag i-
do Rosário. Havia a obsess
cha gas que lhe apa rec iam na ilha rga por det erminação
nário. Nas
diviná, pululavam bichos, que ela não podia tirar. Quando entrava
» noite em sua cela , “se lhe abri a um boq uei rão mui to fund o, ca
a de fogo , sem fica r livr e mai s luga r que o em que tinh a o
via chei
corpo”; aco rri am entã o vári os dem ôni os, arr ast and o-a para uma casa
escura e a moe ndo de pan cad as: arr anh ava m-l he o rost o, “e lhe apa-
recia muita diversidade de bichos e monstros horrorosos”. Ao se abor-
recer com ela, Satanás lhe mostrava ““uma grande roda de navalhas
com muita gente despedaçada, ameaçando-a e dizendo-lhe que o mes-
mo que via lhe haviam de fazer a ela”.
Por fim, fecho inequívoco da união demoníaca, Maria do Ro-
sário, como Catarina Fernandes, concebera e parira sete vezes do de-
mônio: três cachorros, monstros, gatos. As gestações duraram três
meses, é os frutos delas, “'os levava o demônio, não sabe para que
parte'.4?

AMORES SACRÍLEGOS

Amores de padres também eram pecaminosos; de certa forma,


somavam o divino e o demoníaco, tornando-se como que um em-
blema desta junção. Padres namorados houve-os aos montes, sobre-
tudo na colônia brasileira, onde as disposições do Concílio de Tren-
to se implantaram tarde, sendo de 1707 as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia.* Em Salvador, na década de 30 do sé-
culo xvilr, andou um certo frei Luís de Nazaré, frade curandeiro e
exorcista que aproveitava das sessões privadas com suas fiéis e pa-
cientes para delas obter favores amorosos, declarando que tais práti-
cas eram essenciais às curas.*
Em Minas, na época da Inconfidência, o comportamento do
clero nada tinha de exemplar. Os bispos ordenavam visitas pastorais
ão interior, fundaram o Seminário de Mariana, escreviam a Roma
relatórios decenais que falavam de seu esforço mas insinuavam que

[41
uno a históri
a. pelo menos
Os telhetinhos am POr Enquanto. O
orosos curioso
raia que o padre
n
sa € lh e p o d e s of er ec er o que quise-
«im ser COM mais pr es
r, e sa be qu e és s e n h o r a de mim e de
o ado «e há de faze
or a na tu a m ã o , € a d e u s m i n h a adoração,
pe “está ag
u só e ca ti vo , m u t o ca ti vo ”.
rudo. Te
o c o m p o r t a m e n t o da m o ç a :
pe lo de se jo , in si st e € di ta
Mondido
lei em qu e ha ve mo de
s viv er, sé qu er ser
se me mande dizer à
O qu e diz te m, cu as si m O es ti mo , e
ae não ter susto, e Gar-mt
Vo ss a Me rc ê de se ja r; fi co e s p e rà a
su n
a d
re o
sp os -
cer O mais cedo que ser tua €
lg o se rá as si m qu e me ma nd ar ás di ze r: cu quero
ta. que ju
se r o me u mo le qu e, eu te nh o gr an de go st o de te da r O que
ru hás de
qu e só à ti ac ho me re ce do r de le , < há de se r lo go , € já ...
eq tenho,
di fi cu ld ad es po st as pe la mo ça :
Há momentos de raiva ante as
Bra vo, meu bem , cu mor ren do de sau dad es e Vos sa Mer cê vem à vit a
e não vem à minha casa, e agora manda cá o crioulo, e escreve e não
(ala em nad a; eu já vivo cer to no qua nto lhe dev o, eu julgo ser cer-
me
o O meu pensamento, que cedo espero; e não a quero enfadar mais.
Adeus, regale-se.
Há instantes de abandono, quando antevê os momentos que pas-
carão juntos: “eu lhe quero muito, amo-a sem segunda, e desejo es-
tar nos seus braços para gosar da formosura e para que assim melhor
sejas senhora, não só de mim como de tudo o que é meu, e adeus”,
Há ainda a exigência da decisão:
Meu amor, é chegado o tempo de ver e conhecer se me queres bem
e me tens amor, fico esperando ver o que obras com quem tanto te
quer, ama e deseja servir-te; manda-me dizer se tua mãe foi ou quando
vai fazer a jornada, e de tudo quero ter as notícias e tuas ordens, e
juntamente saber sc necessitas de alguma coisa, porque sabes tudo fi-
ca às tuas determinaç ões,
e adeus. Teu só € só.
Não fosse a violência do desfecho, o padre galante se transfor-
mando num estuprador brutal, o episódio seria engraçado e desmis-
tificador. Padres também namoravam, teciam fantasias, pregavam
mentiras para conquistar amores, apesar de serem os sacerdotes de
Deus, os oficiantes do culto, os intermediários que ligavam os ho-
mens ao campo religioso. Mas no século xvrit, nas vésperas da Re-
volução Francesa, quando mesmo em Minas outros padres já fala-
vam de independ e deênci
liberdaa
de, lendo os filósofos ilustrados,
— Como o cônego Luis Vieira da Silva, de Mariana —, amores de
padres cram amores de homens, e concubinas de padres nunca se
diriam santas ou bruxas. Lament pela ari
violência am
sofrida, pela
honra que rolava por terra, pelo bom partido que, eventualmente,

143
o mm

| ee
Lirl ide i Dress pise ss O Lego sp Bres ' smfhtess.
És Cesta dg rutes
Cat ps a” Les espelo ls APédrie fre
Juce cr fas 4 eleitess sertrero
3 nes
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mo Infernais
A
À

144
fm.
a
=
A
o
ai

E.
e
— ES
Ti
gas e
2z

| 4 dimensão pelo despedaçamento do corpo atinge as representações de animais.

[45 |

— NE co dd
batia asas. Pod
i am, talvez,
reminiscência ter med O
de Virar
d O tempo em Ula-s
vam Monstros AUC amores il
, como íc; animo
Maria do Ros os Paridos po Abeça —
ário, r-Catar:
dO Universo indício de tr pe
aços de lon
da ão, be
cavam mais a r e das Mentalida
os des. mac
dres, ou, deflo eiálicas, f
rad as, Proce upia Mistifi. à
ssavam-nos
.
ae a
a
Ni ie

a e

146
7
MENTES E CORPOS
Os assaltos do diabo

mer
H vient comme un vent matlin, à attaquer le cerveau, com-

o
me principe des sentiments, et siêge de la raison, et tem-

e
pestant, et troublant par le dedans les humeurs, obstruant

A
les organes, picquant les meninges, oppilant les nerfs, et
ses esprits, et ainsi le corps tombe en convulsion gênêra-
le, et palpitante, et demeurent les possedez tous esvanouys,
et troublez.
Jean Taxil, 1602
sin
e

Le plus souvent je remarquais três bien que j"étais la cause


mm

premiére de mes troubles et que le démon n'agissait que


selon les entrées que je lui donnais,
-

Joana dos Anjos, c. 1634

AVENTURAS EXORCÍSTICAS DE UM FRADE BAIANO


e

ads

NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVIII


E

——o—
o

Durante a década de 30 do século xvirr, vivia em Salvador frei


Luis de Nazaré, carmelita calçado que beirava os sessenta anos. Tudo
indica que gozava de certa estima social; seu pai era o capitão Miguel
Rebello Machado, cavaleiro do Hábito de Cristo e capitão de infan-
taria que viera de Tânger, de onde procediam também os avós pater-
nos, para morar na Bahia; a mãe era meio portuguesa, meio baiana;
Nm

tendo aprendido latim, moral e filosofia, o frade era “'ordenado de


-

todas as ordens”: subdiácono, diácono, presbítero. Na juvent


——

ude, an-
-—

dara pelos sertões como missionário; na época em que caiu nas ma-
*
E

lhas do Santo Ofício, era pregador renomado, comissário dos tercei-


ma

[47
a

Ma
ros da Urdem do “mo e tin
E
tando-o, para ha pe Emiss
tal, Vários m ão p ar
secul ares, e mbros do
como Antôn clero « Ser
io Fu "ado opolitan
“4 O presbíte
ro fulano Gr
, M anuel pj “Olici.
Par. O sey pre am acho: f
lado, frei Man
bia, então Jd uel À
, Luis Alva
re s de Figuc
l d-se anda iredo 2 Entr
uma v ásta g
ama de indivi e Seus clie
“dpateiros
, carpinteiros
í |
, Ourives — | a
ciais de várias p aos homens
atentes - de
| |
Respeitado, portanto, por “r< | Is e um
tres | uis exercia
uma curio sa Modalid
doentes ade
do sexo minino, tinha
fe ia (cal
radoras da cassa, a c ó p ulas com clas
pedindo muito ou com
indispensáve 's par segredo e alegan
a que as enferma do que tais atos
s r e c ram
-

que o remédio c obrassem a saúde.


is

Ist
=

salvador tinha
a Mansão

do moças para origem NOS próp


rios coitos: Cha
sia

assistirem aos pr m a n.
mm

ou à doente, e lh o c e d i mentos curativos,


es ordenava “que violava-as,
———

limpassem à maté
ma

ditas cópulas com u ria seminal] das


CT

m paninho e a pass
Rd

ma, € que todas lava assem na barriga da e


Mim

ssem em todas aquelas nfer.


ça

vezes as Partes venérea


me

So

com água, e a guar s


dassem em uma pane
e

la para irem banhan


e

dita enferma", Quando do a


as vitimas se amedront
avam ante as conse-
EE”

quências morais daqu


eles atos, frei Luís as tr
ci

tivessem escrúpulo nen anguilizava: que não


a

hum, “ que não era nada, por


ne

lo que fazia era cousa da que tudo aqui-


Igrej)Ja, € que o fazia pelo
nas mãos”. Muitas vezes, el livro que tinha
e mesmo se encarregava de li
téria seminal das moças, mpar a ma-
Processado pela In quisição em
1740, negou que acreditasse nos
poderes médicos destas práticas:
utilizava-as “para facilitar mais o
ter cópula com as ditas mulheres, que
era o seu intento, e tirar-lhes
toda a repugnância, que elas podiam ter da
sua parte”. Justificou
o êxito alcançado pelo fato de “serem mulher
es rudes, e simples, !
que naquelas terras do Brasil facilimamente
se enganam com a
quer cousa que lhes dizem, principalmente se
ndo pessoas de a
formam algum conceito”, A seu favor trabalhava a
propensão co S
nial à luxúria, “que naquelas partes do Brasil em
que se achava te
a grande força, e predomínio”4
HH
à
a 0 episódio pode ser tomado como mera ma
landragem de ne
x

frade devasso. Nem por isso deixa de revelar aspe


ctos pm
o
É|

imaginário da época, no qual se mesclavam


concepções popu by
e eruditas acerca da religião, da cura e da sexual
idade. O elixir cu

148
Frade s€ originava da matéria seminal produzida durante as
tivo do o que as tornava necessárias, mesmo se obviamente ilícitas
or se verificarem de forma desordenada e externa
e pec aminosas : Se tal justificativa encontrava respaldo na menta-
à união con E f ta a filtros de origem orgânica, havia ainda uma
lidade a legitimação dos coitos: o livro (dos exorcismos),
iene ia reverenciada numa terra de iletrados, a palavra dos
acultura aire doutores da Igreja. Rudes e simples, as mulheres lu-
tolos a escravas, na maioria — reverenciavam o frade porque,
dibriadas nm Rê da bom conceito: suas palavras neutralizavam a
om
o ——

mou No decorrer de quase quinze anos, frei Luis exer-


a mania curativa centenas de vezes. Por detrás da malandra-
e

gem consciente, manifestava-se, subterrânea e arraigada, a reverên-


E

cia arcaica às propriedades sagradas das secreções masculina e


feminina: pulsava, portanto, todo um substrato próprio a cultura po-
E

pular.* Mas era no mundo da cultura erudita que o hábito ganhava


E
rm

legitimidade: escudava-se na condição de eclesiástico do sujeito, de


leitor de escritos exorcísticos e afeito — mesmo que de oitiva — ao
ideário da Igreja. Era a vertente culta que intimidava os humildes:
ante seus olhos, aquela estava mais próxima da verdade de Deus.º
Curioso, ainda, nesse episódio é o entrelaçamento dos campos
médico-religiosos. A maioria esmagadora dos 26 casos atendidos pelo
carmelita diz respeito a doenças vagas, atribuídas a feitiços e malefi-
cios: “doença, que diziam ser feitiços, por não obrarem nela os re-
médios dos médicos, e cirurgiões”; “enfermidade extravagante, e des-
conhecida, que não obedecia aos remédios da medicina”; “achaque
que os médicos não entendiam”; enfermidade dos “'três ventos, um
de fogo, outro de água, outro de vento”: “queixa de que padecia””.
O máximo de especificidade que se encontra é a referência a doença
“de um quadril da parte direita”, ou a “uma grande dor na barriga
que costumava dar-lhe todas as luas”, ou a doença “*por feitiços que
lhe havia dado uma concubina de seu marido”. Os pacientes eram
igualmente referidos de forma imprecisa: uma se achava “doente em
uma cama”; outra “tinha feitiços, e havia quinze anos estava enfer-
Ba havia a que estava “fora do seu juízo, e [...] gravemente doen-
te”; a que “estava doente, e dizia achar-se maleficiada””, ou simples-
mente à que “padecia uns acidentes”. Antes de passar pelas
mãos
de frei Luís, grande parte desses pacientes recorrera aos médicos; não
encontrando alívio com as práticas do exorcista, muitos acabaram
Se entregando aos negros calundureiros.” Tais atitudes
sugerem, por-
tanto, a existência de considerável circularidade horizontal entre os

149
caçã
cação social e cultural. » Segundo Critérios complex
8
Se não serviam para
tira **

exorcizar, frei Luís abriga


va, na verda-
omínio do corpo e de seus
riaturas inferas, que dele
» Preferia a manip gava aos negros
ulação de fluidos corpor
complexas aventur ais associada a
as eróticas. Por qu
ticas estariam, n e curiosos mecanismos tais prá-
a mentalidade d
do exorcismo de O homem setecentista, associadas
demônios? Dific
Il saber, Mais evidente, entretan
to,
rade exorcista parecia sentir com
lação a Seus conterrâneos:
branço,
re-
letrado, conhecedor
de suas ori-
gens, filho de um cavaleiro
do Hábito de Cristo e de uma
à quem chamavam senhora
don a, frei Luís us
desconsiderando, conf; ava e abusava dessas distinções,
OTme se viu acima, as negras rude
betas da terra que também era a sua. Usav
s e analfa-
a e abusava igualmente
reista, instrumentalizando-as
e lendo-as de
de mundo cristão que era a Bahia da
primei-
150
rade do céculo. Os livros que usava eram prosas pes Ramo
ra me continha fórmulas exorcistICAS PrO-
“cio: UM deles, em particular,
otica ne os moribundos, € inadequadas a outras circunstâncias.
s faz ia Os exo rei smo s “s em pr e do me sm o mo-
iss frei Luí
conhecimento do
par De de pessoas, sem reflexão, nem
sua prá tic a se pau tav a pel a de sordem
E em ni ce achavam”:
Uan o imp róp ria s, obs cen as, ind e-
CDA de método, agregando TeG co ns eg ui r fin s tor pis sim os . x
tes e sup ers tic ios as par a
en prá ti-
ent re o exo rci smo , às doe nça s cas

Voltemos à associação
A exp eri ênc ia e in fo rm aç õe s de ter cei ros
cas sexuais do carmelita.
na vir tud e cur ati va das erv as que receitava
levaram-no à acreditar
tra zen do par a as fór mul as est ere oti pa-
nos fervedouros e lavatórios, pop ula r.
pr oc ed im en to s pró pri os à cul tur a ora l e
das do exorcismo
tad e, a “ce ga e tão ve he me nt e pai xão da las civ ia
A fraqueza da von
jogara -o no ca mp o de atu açã o do Ini mig o: “de tal sor te end ure ce
o coraçã o, e per ver te o juí zo daq uel es que sem tem or de Deu s se en-
tregam a ela que muitas vezes tem feito cair nos maiores abismos
de maldade e até apostatar da Fé e do conhecimento o culto do ver-
dadeiro Deus, e dar adoração ao demônio”. Deus e o desejo eram
incompatíveis: sendo eclesiástico, a sua **miséria humana” só pode-
ria ser negada, voltando, tortuosamente, por meio de práticas de exor-
cismo, ou seja, de desentranhamento de demônios. Num curiosissi-
mo mecanismo inconsciente, eram os próprios demônios internos que,
simbolicamente, frei Luís de Nazaré exorcizara durante quase qua-
renta anos por todo o território da Bahia.!º
Apesar de pena relativamente branda — abjurar de leve, ouvir sen-
tença na sala do Tribunal, ser privado dos poderes de exorcista mas
não do hábito de carmelita, e degredado por cinco anos para o con-
vento mais remoto de sua província —, o velho frade, que contava en-
tão 63 anos, conheceu os rigores do Santo Ofício, sendo torturado e
intimidado pelos inquisidores. O processo não deixa saber em que canto
do Império terminou seus dias, ou mesmo se, uma vez purgada a cul-
pa, pôde voltar para a cidade da Bahia. Valendo-se da prática exorcis-
tica como instrumento de poder, amalgamando tradições de filiação
diversa num mundo culturalmente complexo, no qual o deslizamento
do campo religioso para o mágico se fazia sem maiores impactos, este
baiano nato, afeito aos vícios do escravismo e da condição colonial,
não abandonou totalmente as raízes portuguesas e européias. Com-
passivo talvez ante os demônios da carne, desistente quanto a demô-
nios mais ferozes, frei Luís de Nazaré não perdia ocasião de, nas
missoes sertanejas ou nas festividades da Quaresma, pregar “com

151
————

desengano, e abominação dos maus costumes, e cantigas


4
me intro Profan as,
novas duz a cada pass
q ue o diabo por modas Passo neste país»

E] | O EXORCISMO DE UMA ENERGUMENA LISBOETA


NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO XVII

Por volta de 1695, o futuro bispo do Maranhão d. frei


José Del.
garte, então padre vigário da Ordem da Santíssima Trindade, parti.
cipara dos exorcismos de uma jovem possessa conhecida em Lisboa
pela dimensão espantosa de seus ataques demoníacos.!! Mais tarde
registrou a experiência, dando igualmente conta de informações que
: corriam sobre o caso.!? Chamava-se Mariana; tivera visões obsce.
| nas desde menina, e, a partir de certa época, começou a lhe aparecer
E: um jovem mancebo vestido de forma inusitada, “à francesa, com
ai soil

cabeleira branca, toda polvilhada, sendo que naquele tempo ainda


| | se não usava mais, que nos velhos”.» O jovem a incitava ao peca-
41

do e lhe pedia que o adorasse. Desde então, viveu possuída pelo dia-
coa a

| |
-
io
Sa

bo, atirando o rosário de contas em Nossa Senhora, desacatando os


oo o

——
is,

sucessivos exorcistas, quase todos trinitários, que tentaram salvá-la,


E

|
Mo
E

Por arte do demo, desafiava a ordem natural das coisas: uivava co-
ca
e

Gai

ga

e
mo cão, estraçalhava objetos como um leão, vomitava fogo azul
=

E.
a

fazia surgirem serpentes, arremess ava 05 religiosos pelo ar,


I A espuma,
tormentas , dava a ilusão de que O telhado ruía. Che-
| desencadeava
horas embaixo d'água sem se afogar, atravessan -
gara a permanecer
o

A certa al-
e.

do ainda um fogaréu sem que as chamas a queimass em.


) à suportara m no
dote para ser religiosa, mas não
71 | tura, recebeu um
na Inquisiçã o, onde os exorcismo s dos
| | convento. Por fim, foi parar
padres a fizeram ficar livre do demo por um mês. Mas os pp
E |
retornaram, e foi nas escolas gerais do Santo Ofício que o bispo
y
Maranhão a conheceu. Nada pôde fazer por ela, que acabou pasto
rendo no interior do Reino; deixou entretanto um registro qi
a que submeteu à infeliz, onde estão RS
sionante dos exorcismos
vezes explícitas — questões importan tes de natu
citas — e às
metafísica e cognitiva. á
Mariana é a personag em menos importan te do relato, DR
da apenas nas seis primeiras páginas. A partir de então, co sab
do a a AUS
nio (ou os demônios) que ocupa o centro das atenções
em diálogos curiosíss imos, ora espectad or aten
seu oponente
arrazoados do Inimigo.!* A
m uns
Em uma ou outra passagem , afloram, é claro, pontos €

152
t i d o c o m o
e o q u e era
ania c o t i d i a n o
d o d i a b o n o
mportância e seis O nadoQ U e p a d e -
:
68069) e n t ã o a i n d a
É tes, poi s
s e i n t r o -
p o u c o s anos
i a b ó l i c a h á , m a is
este d , € c o m é d i a s
e s ã o b a i l e s
m é d i a s ; q u a r e m O A l -
ce r á a m a l d i ço
do almas pa s le m b r a v a m n ã o
r o p o s i ç õ e
tais n m o t a m b é m
p r o f a n a s c o
ntigas e m e t e n d o ,
u e s P e r e i r a , r
no Marq d e o c i d e n t a l
n a s o c i e d a
t ã o c o r r ent e h i s -
a , à id é i a e n a t o r : i n v e n ç ã o
n c i ã o d o
última instã d i a b o s e a s s e m e l h a va
alh o d o
, e x i b i ç ã o . p o s s e s s ã o j u -
c h a r l a t a nice t r e o s t r a ç o s da
“Oni de comum e
M
c o n t i n e n -
tros paí s e s d o
d e m ô n i o s q u e
JOS, OS
d e u , S a t a n á s ,
Asmo
eruditos € mais
nomes talvez menos s
n t a r a m à s f r e i r a
q u e o s q u e a t o rme
diano do e s , d e s t i n a d o s à
, p o r é m , c o m o est
i n q u e n t a a n o s ante s n e u tro
“de Loudun c ç o s no “ a n o n i m a t o
ncia e r e c o r t a r e s p a
ia r p o n t o s d e r e f e r ê O p i o r d e t o d o s:
cr
u x ú r i a , A s m o deu e r a
O d a l
do diabólico”.'º Por ser r c i s t a s t inh a m q u e v o l t a r o r o s t o
r e c i a , O S e x o
quando sua face apa “tã o a s q u e r o s a , e tã o fe ia ”.1?
nã o s u p o r t a n d o o l h á - l a ,
para o lado, a v a m l í n g u a s e s t r a n h a s , OU-
da e n e r g u m e n a , OS d i a b o s fal
Pela boca a r a e x p e r i m e n t a r 05 d o n s
o m u m da p o s s e s s ã o d e m o nía c a ; p
tro l u g a r - c x o r c i s m o na
nc i s c a n o “ l h e f e z - o e
lingiiísticos de Mariana, um fra o n d e s s e na m e s m a li n-
n i o n ã o r e s p
língua mourisca; suposto o demô er
contudo nas ações que fazia bem dava a entend
gua ao religioso, o , à
t i c a d i a b ó l i c a da p o s s e s s ã
DOS A pa na gramá
po is se tr at a de u m s i s t e m a
ERR e Re = as a

te. Quando ERAS de it aràiadR ioo depegaMariana s |-


o,oo demôni
r a a s f i x i á - l o ã em
tava sobre o o p o n e n t e p a
to também análogo ao do que ao tiavi oo ” ” c a r e t a s ,
m itava madr e J o a n a :
v u l s õ e s e x
s,rno,con como o latim, o hp r i m i a
cnioacnto,orçõexete Ereu a p eo cas
s o o
de M a r i a n a ,
cansei pru ei iso eb — ou , n
ps o n h e c i d o c o m o
o s d o N u m , b a r r o c o e d e s c
os territórios longínqu d e s c o b e r t o . ”
M ad ted ov o M u n d o r e c é m -
os traço s p r ó p r i o s à r e l a ç ã o e n t r e e x o r -
cismo e po sse ssão
ão é é justamente
| r e nas festas
aquele que, no teatro

153

nin ES
WNTO frei Luis c
omo O diabo de
blico e SPetacula Mari:
r, Se as
detratadas pelos
exorcistas , apr
to COrFpo human oveitava Se
dos Uss “Y Via
o O ASpecto exe altos
conduzidos, prof mplar, Petsuas . mM
i ndamente Pe ório e
obrava Mariana. dagógico. Cie
O embaixador
toi com toda sua d al França “Se Feso
tamília às Escolas lvem A A
de, com que pod la Gerais Com
dr ver uma coméd a me
i a , CUriosida.
Feitiços, vãos not O U uns touro
s"
urna 3, assembléias
demoniacas
= a

Caráter secreto, « t

oi este im dos princip dPresenta


ciação secul “E Que ais respons A vam
tiveram com seitas VCIS pela
quanto tosse identifi h e r é t i c US, SUbversiv
ASSO.
cável à amtissociedad “S € tudo
vez, tinha que ocorrer a e 2 À possess
ber AMente, a do, por sua
táculo, a piedade se to s p o ssessas sedSand
rnando publicidade. O o em espe.
diente que Sublinhava e NOTCISMO C
o caráter público d 4 ao CXpe-
em capelas, igrejas, pra Possessão, Exorc
ças q céu aberto — izava-so
deviam fazer em public “aqueles CXÓFC
o no Te rreiro do Paç ISMOS se
SOS Que examinaram Mari o”, dizia um dos relig
ana: jamais num qua io.
do dos olhares da platéia rto isolado, protepj-
.* | “scolhiam-s cu
ponentes do cenário: cor e idadosament os Com
d “s para Os pés e mão e :
para a cabeça agitada, cru s rebelde S, travesseiro
cifixos, água benta, esto] 4,
Se Com igual apuro a assem livro.%S Atraia-
bléia: letrados, religios
núncio apostólico, o emba os sem conta, o
ixador da Prança acorrer
tormentos de Mariana, agu am ao palco dos
ardando o techo de longas ses
e até quatro horas. Fenômenos co sõe s de três
mple mentares, a possessão € o
cismo eclodem no contexto de exor-
uma sensibilidade marcada pel
mado do visual: “fui a tempo qu o pri-
e se lhe fazia o exorcismo” , diz d.
José Delgarte ao iniciar sua narr frei
ativa, “e confesso que vi muitas coi-
sas admirá veis mais co mpreensíveis pelos olhos qu
e pelos ou vidos”,
O mundo barroco se impunha ao long
o reinado da audição, quando
ouvir dizer era mais importante do que pre
senciar,26
Fenômenos sob medida para o olhar: hosp
edando-se certa noi-
te em casa de Mariana, frei João Pinhei
ro “ vendo-a com os imagi-
nados acidentes, e vista feroz, com que nele fitava os olhos,
conhe-
ceu e declarou que estava certamente possuída do inimigo”.
Ro os
olhos podiam perscrutar os indícios da presença demoníaca: fica-
va com o semblante feroz e uma cor de fogo azul. e rugia os den
tes,
estendia os braços, abria os dedos, e continuando uivo à maneira
de cão, esgrimia uma mão com outra”.2? Por meio do olhar, es
pliava-se o campo dos sentidos, abrindo-se q possibilidade depi :
percepções: “*Quando lhe rezava alguma oração em a cabeça da Ma
g

154
Cu os demónios, que latejavam debaixo
lho sentia
O '
th ou Evange como se palparam os ratos
“e
debaixo
hatv
de '
um coro,
' tj
pitica:
tar! le,
ão proprias
s V O Z C S + +
11 2W
e Isto mui t a
n a d a s ga nh av am forma verbal atravéà s co de metáto-
Cenas ima g i contra os Fe:
implícitas: Pk uutava
s
encenaçõe
| rais teat
pas ' VI SA
:
U
l o e a v a m a o s s e c u l a r e s , d i -
d
t
p u
Us,
o m q
s
pelo péssim exe :
Ata
Jigioso
tOS
descjara correr uma cortina do inferno,
aus, , dai
para
a ca
nos mostrar nd mr

sendo que tisas. vos sos pai s pat riarcas,


? em que ard iam :; oth ai, diz ia, par a
us suas, oh, se visseis no Interno, dizia,
? NE E A vida, com
o A acudiram a sua obriga-
ve Eraldo das religiões, por
os i afe
ção, Epelaqu tos E
se descortina outro plano a rtráanetá
impo te des e
lessse tea o int
teatrtro er-
infer:
y exemplo t pedagogia. Mostrando as penas C padecimentos
|
0 te , en Ra
pd
roóres que espreitam Os
alerta contra Os ho!
kd la df essa
poss di O EXOTCISMO

ir ma as vi rt ud es de De us :
caídos, e reaf
m os da-
Tocava-se no exorcismo os tormentos, que no inferno padece
deles, € co-
nados, mandou-se do demônio, que formasse o semblante
mo todos éramos religiosos, lez à efígie dos condenados, pelos três pe-
cados opostos às três virtudes, obediência, pobreza, e castidade, que
proveitosos e próprios retratos para Os Nossos desenganos, e para emen-
dar os nossos defeitos repentinamente inchou com grande deformida-
de o rosto da criatura!

Desfigurando o rosto de Mariana em caretas horríveis, o diabo diz


estar imitando o semblante de Lutero e de Calvino: repete no “'tea-
tro” de Lisboa o que já havia feito em Coimbra, “de que resultou
à conversão de alguns hereges ingleses”.*! Muitos outros podem se
mirar no suplício de Mariana: “Ele permita, que estes brados da Di-
vina Justiça despertem a tantos pecadores, que descansadamente dor-
mem no sono da culpa, e considerem a nobreza de suas almas, cria-
das para louvarem a Deus..'.)2 Mariana trouxera para a esfera
pública a mais horrenda dimensão do seu íntimo a fim de que ou-
tros pudessem fazer o caminho inverso: fora instrumento dos avisos
e da piedade de Deus.
Parte desses exemplos se dirige ao clero. Ironizando os maus pre-
gadores, afeitos a modismos retóricos e a sermões vazios, o dia
bo
acabava agindo contra Seus interesses:

ó idiota ridículo, e ignorante, cuidas que estás no púlpito pregando ra-


melhetes? Para este fim foram Os teus estudos, para te achares na hora
da morte cheio de horror, e conf usão, os teus sermões não servem para
O mundo, nem para Deus, e só servem para mim: mas que digo, desa-

155
es tã O TU E
Gir

aq ui
à

o,
a dk

rn
-

s do In fe
ja

to do s O s to rm en to
decendo ias. à razina; o enxofre, aqui as blaste-
ites,ses.» as cadelas, à líssim
dos dentes, os açoitto aqaui crudelis4 a apree
à) ão da certeza da
nsão e
as, as desesperaçõe» vor eterno”.** E levantava a voz, ll
gs
eternidade, O e it Ó, ameve, O PO ori 48
guerra, desor 7 dem,. desor dem, pes confu
pedi são,
Sos
; é
conformado ernidade” Era a dimensão metafísica a Q do des
eternidade, eterr os suplícios representados pela iconografia, |
o orevoltas e as jterári
irios.
os, invocados em sermões e, todos eles, tri-
critos em a visões populares que haviam florescido na Ida |
in s das so
butário fe tão ito à à espec
tã p ouco afeito
f
de Média. Num pais esp ulaçããoo filosó
filosóffica
ica c como
Portugal,|, o demônio erudito
RN que habitava essa moça simples é mui-
to mais do que enigmatico.

CONCLUSÃO

Em nenhum momento se cogitou que Mariana ou


frei Luís fos-
sem feiticeiros; sobre o carmelita pesou, quando
muito, a suspeita
de pacto, e a energúmena foi vista, o tempo to
do, como um corpo
infeliz assaltado pelo Maligno.2º
O relato dos exorcismos de Mari
ana em Lisboa oferece múlt
elementos para a análise. Lá iplos
estão o problema do pact
cia selvagem do desejo”, da o, da “*violên-
inserção cotidiana do
prestes a desmontar cavale demônio, sempre
iros, destelhar casas,
“emear a discórdia. Lá enfurecer criaturas,
está a dimensão psi
à possuída não tem cológica do fenômen
von o:
Outro “ey”

ambito dos doi


s campos
da a ação dos rep
resentantes do cam
tezas, não há verdad po mágico-
curso moral como o es, é inc
que fecha o relato do
OsA padecimentos de Ma bispo do Maranhão sobr
| riana. No mundo e
recorrendo mais uma vez da Colônia (pode-se dizer
a Lévi-Strauss), os diferentes
ram, O ooutro é n se entredevo-
eutralizado pela incorpo ração: um
a sociedade an.
tropotágica em que, europeu de or
igem, o frade carmelita, impoten-
te ante o malefício, recomenda o recurs
o aos negros calundureiros
que trouxeram da Africa suas práticas curativas.
Esboçada a tentativa de tipologia, cabe nuançá-la. Parece te-
rem sido pouco frequentes os exorcismos em Portugal: nada que se
compare aos casos espetaculares que sacudiram os conventos fran-
ceses no tempo de Henrique 1v e de Luís xr11, onde constituíram ri-
ca alegoria social e política do dilaceramento provocado pelas lutas
religiosas.” Nada parecido, tampouco, ao episódio de Salem, em
rido em 1692 na Nova Inglaterra, quando a comunidade e gán
às voltas com casos de possessão,** Por isso, O episódio sa age
tão intriga nte, sobretu do na discuss ão meta o al
na sc mostra
em Portuga l: indício, talvez, dos traços de o E
da comum
vam o pequen o reino atlântic o ao con)
i
históri ca que amarra
eu. Pa
q inariam
atá frei Luís é um exemplo extraordinariam entee caracter ístic
são no Brasil até os dias de hoje. =
|
ma como é vista a posses imo, o ecletis-
afúrdias , a maneira de praticar O exorc :
o :
práticas estap
158
cajundu
dos Ti AN aC
im
a a c e i t a ç ã o
eu |
:f stautlo pelaa
CL ampo
pa" COnSstde
l al
*
, «hiida
d e de da
a n t e s à pr es s nç a
ão linear, sugerindo
s
| maniiero |
or out pel sotia
mescla4 = *
Cl
a
riologia
que
%

de etiologia
i

icausal as CAUSAS SU
a:
)
méd i c o +
SdIC com

t e p a r a i n t e g t
a o suficien
gua ura
“a o nat | eme Opel:
“4
'
iraria| m sá
demônios di
normalmente |
sta & na
mo 1º
c o m o e ste, i v o d o u n i v e r so
c o n t e x t o constitut
Nu m
ibigúidade — eler Mana Padi
P e l i n t r as, as
Sacis, O S Z é
A e m os
s n a t u r a l € s e
corados, PO v i d a d e t o r m a mai
M a l a s a r t e s — é vi s u p o e u m
E a P e d i p o r t a n to , p r e s
i c o d e M a r i a n a ,
d e m ô n i o m e t a f í s i c o s : € e s s a tl C
gs O i r r e d u t i v e i s € ant a g ô n
u e B e m e Mals ã o p arec e ser,
mund o e m q nhece d o r , c o m o
T e v o lta € a n g u s t A . c o
i d a d e q u e O h o m ens.
dutibil i a c a no seio d e c a d a u m d o s
n ç a d e m o n co:
da fatal prese m m u nd o de dilaceramentos religiosos
n o o m u m n u
Fenôme c
,
o & p o s s es sã o a s s u m i a , en tr et an to , fa -
i d e n t e m o d e r n
mo era o do Oc d a e
d em qu e s e m a n if es ta va . Ta l es pe ci -
í f i c a r e f e r i d a à s o c i e
ce espec a s t â n c i a , à s r e l s en tr e sistemas
a d e i z i a r e s p e i t o, em últ i m i n aç õe
s m
f i c i d d a em Lis b o a e o d e f r e i L u i e
i s ó d i o d e M a r i a n
de crencas. O ep a m e n t e com O intuit o de m ostrar tal
o r r a m t o m a d os ju s t
Salv a d f o
m po r iss o sã o mo de lo s: po r ba ix o da es quema-
diversidade. Mas ne
cei aq ui , pu ls a um mu nd o de si gn if ic ad os mi údos €
tização que tra
de mô ni os qu e as sa lt av am os co rp os do s po ss es so s
variáveis, como os

as

Hu

as
|S-

159
an
Eai
mais aind a
Ca como um

nãoevoam
E em Vassouras, nem são passíveis de meta morfose, di
Ziziam
de E reilãe oras ,
Tata reação à capacidade
nas descrições desses
demoníaca
ajuntamentos
prova evidente de ações heréticas e profanatórias, tributárias do con-
texto que gerou joaquinistas, cátaros, albigenses e tantos outros des-
viantes do cristianismo. Hoje, as interpretações mais vigorosas vêem
no sabá das bruxas uma construção mítica complexa e multifaceta-
da, novelo em que se embaraçam diversas meadas culturais, a maior
parte delas remontando a épocas muito remotas: a crença na meta-
morfose, na cavalgada noturna do exército furioso ou de mulheres
seguidoras de Diana, Abúndia, Holda, ou, ainda, a familiaridade
com formas extáticas, peculiares aos xamãs da Europa Centro-
Oriental e de certas regiões da Ásia.
Com esta designação, entretanto, e com to dos os traços acima
volta do cé cu lo Xv , ma ni fe s-
referidos, O sabá surgiu na Europa por

160
e
e

Ami s característica em algumas regiões da França


tando-Se e O nomes diversos e com variações múltiplas,
e

o da a peninsula Itálica à Escócia, da Espanha à Dina-


e fucia a Portugal. Muitas pessoas foram então executa-
para tica civil ou nelos tribunais religiosos, acusadas de prali-
a ain e comparecerem às ais eumiões profanatórias, Da
acusações, O sabá e O pacto com p diabo era am lugai central;
é preciso não esquecer que, desde santo a ( C dá Ro, todo um
corpo doutrinal começara a ganhar lorça na Europa, sendo, poste-
iormente, denominado de demonologia.
O sabá não foi criação de demonólogos, pesadelo de uma elite
apavorada: a interpretação de cunho mais cultural e antropológico,
voltada para a análise do mito, mostra, ao contrário, que ele se cons-
tituiu a partir de trocas intensas entre universos culturais diversos
e socialmente distintos. Mas houve regiões, como a Inglaterra, em
que a alusão a esses encontros noturnos mostrou-se quase inexisten-
te: acreditava-se em bruxas e na sua capacidade de fazer malefícios,
invocar diabos, nutrir demônios familiares. Entretanto, nada além
disso.!
Qual teria sido o significado do mito do sabá e da presença dia-
bólica no imaginário luso-brasileiro do Antigo Regime? Homens
cul-
tos teriam partilhado as mesmas concepções do povo no
tocante à
bruxa e às assembléias noturnas? Num contexto culturalmente
tão
diverso quanto o do Império Português, como se manif
estaria este
outro amálgama cultural? Tentando responder estas pe
rguntas, ou
pelo menos avançar um pouco na com pre
ensão do fenômeno, re-
correrei, aqui, a uns poucos escritos franceses
sobre o Brasil quinhen-
tista, passando depois ao estudo da produção je
suítica e das con-
cepções inquisitoriais acerca da ação do demônio
entre os homens,
destacando igualmente o registro das práticas po
pulares — efetivas
Ou imaginárias — realizado pelo Santo Ofício
. A idéia central é que
O universo luso-brasileiro deve ser entend
ido de forma inter-relacio-
nada: o imaginário português
no tocante à demonologia e ao mito
do sabá é muito específico no
co ntexto curopeu, e tal especificida-
de, ao mesmo tempo que se perp ectuou na colônia bras
ileira, nutriu-
5€, par a se manter, de traços próprios ao universo colonial. Neste
sentido, o imaginário sabá
tico e demonológico é compreendido nos
quadros do antigo sistema colonial
—-

, sendo uma de suas faces: afi-


nal, desde sua desc
a

ob erta, em 1500, até a independência, em 1822,


a

o Brasil integrou o Império


Português.

16]
) EIRO
olhar dem
ms
Io COM Onológic
p
“|

po
5
+
)
f
= piídi
icas
mar
a

As
O jesuíta Manuel da Nó
brega de Serevera
religiosos dos índios chama os costumes
ndo-os de feitiçari a. Viu
SutrO CUropeu, o capuchi -se ainda que um
nho francê S Yves d'Evr
alusões aos feiticeiros tupis eux, detivera-se em
e suas relações com os
vendo em meados do século diabos? Escre-
XVI, c mostrando em muita
uma visão positiva do amerindio, s passagens
André Thevet não deixa, entret
de os considerar como bárbaros, anto,
assustando-se, significativamente,
com a expressão de seu olhar, que ele
reputa de **fort espouuanta-
Dle"”; “les yeux toutefois mal faits, c'est
à sçauoir noirs, lousches et
leur regard presque comme celuy d'une beste sauuage”
.** Alude ao
diabo na forma de espírito maligno:

C'est chose admirable que ces pauvres gens encores qu'ils ne soient rai-
sonnables, pour estre privez de I'usage de vraye raison, et de la cog-
noissance de Dicu, sont subiets à plusieurs illusions phantastiques, é:
persecutiós de Vesprit malin. Nous auons dit. que par deça eso
cas semblable auant "auenement de nostre Seigneur: car Vesprit malin

(*) “muito assustador”: “os olhos todavia malfeitos, ou seja negros,


à “ E E 4 vesgos ê

O olhar quase como o de um animal selvagem”,

[62
re ature, qui est hors de la
ta €
l. i hor q E

qu'à séduire
=p ” & debaucher
ne Es tudie
s es a 3*
agnoissance de Dieu | o ps
Al ud e ao di ab o ta mb ém ex-
aO espinit =
ro no , aq
o ui , é An
ma ha
E n. . 4

Ds
camente.
ou tr e les pe rs ec ut os qu || reçoil
Pé insi elongné de la vérité
de ses so ng es , est en co re s si ho rs de rat-
o Sd = et les erreurs en s ministres, ap-
le mo ve
mo. n d' au cu ns si
du madA"t adore le Diable par te
son, qu'il à Char ai be s so nt ge ns de ma uv ai se vie , qu i
Pa es... Ces Pages | ou a
-
au di ab le po ur re ce uo ir le ur s vo is in s. Te ls im
Jipe E à seruir
fai re ho no re r n. en tr e ne au-
les
se io lo rer leur mech an ce té , et| se E R
po eu rs po ur co er-
leu. Ains: sont vagabonds,
E
três, ne de me un re nt ordinairement
| Si
en un
i s et a u t r e s l i e u x . . . . 2 * *
a n t çã et tá p a r le s b o
O di ab o, so ma -s e ou tr o de fe it o ex ec ra -
Aqui, ao consórcio com
oc a: a va gâ nc ia , a it in er ân ci a.
do pelos europeus da ép
Em “O conjunto: América diabólica” mostrou-se, por fim, que,
como
mesmo sem aludir ao sabá, era ele que, com certeza, subjazia
adi gma em vár ias das des cri çõe s eur opé ias das prá tic as amerin-
par
dias: no século XvtI, ao enunciar O inferno, era o sabá que se achava
retratado pelo jesuíta Azpilcueta Navarro: “*Vi seis o siete viejas que
apenas podían tener en pie dançando por el deredor de panella y
atizando la oguera que parecian demonios en el infierno””. -

Sintomaticamente, não é portuguesa a única associação expli-


cita entre rituais tupis e o sabá europeu, detectada com argúcia por
Michel de Certeau.” Tendo pernoitado em Cotina com Jacques
Rouffeau (Rifault?), Jean de Léry viu no dia seguinte grande movi-
mento de selvagens, que chegavam dos locais próximos e se junta-
vam com os de lá, somando, numa espécie de grande praça, cerca
de quinhentos ou seiscentos. Quando os franceses iam perguntar o

(*) “E coisa admirável que esta pobre gente, ainda que não seja racional, por
nar NR verdadeira razão, e do conhecimento de Deus, esteja sujeita
dcoinidEs cas, € perseguições do espírito maligno, Dissemos que por aqui
casos semelhantes antes do advento de Nosso Senhor: pois o espírito
lg no
ma-
: à nã O se esforça. senão em seduzir e corromper a criatura, qu
e se encontra priva-
O conhecimento de Deus”
a, uva ! E

do a Esse povo, assim afastado da verdade, além das perseguições que sofre
SRS EaD e dos erros de seus sonhos, acha-se ainda tão fora de juízo, que
Caraíbas a Por meto de alguns ministros seus, chamados Pajés... Esses Pajés ou
cera estos ri rdco vida, que se entregaram ao serviço do Diabo para receber
:impostores em: geral n orir sua maldade e se fazer reverenciar entre os demais,; esses
ão perm anecem num só lu gar. São assim vagabundos, errando
“AU! € ali pelos bosques e outros lugares... :
a

|
|
|

163

ei Sd
três gru befria “SSembléia,
POS: ““ tous le Viram
une dutre, et les enf
s iomm d Si ndi
Se juntad O laison : SS en u
à0s hon !Cns: ddeu mesme”s Dez ou q PI le
Se SCpara
BO extraordinár; vidand “Z Ou +s f g
f e m AM em
tod | 9 Q u e f o ss € car
“dibas n. "Mes
O, Léry Pediu
OS ali para ver “ aos co “M ca Zes
tinNpaom
e impedidos pélos Ce Mystere”* O Panheiro de
caraíb ONfinados na aca erA
Ê faz
ST al.
à Ouvir um b TAM Cesse
arulho surdoas qduee Sairem dela Os f “à das
VOUS diriez le Murm * “8 Í T a n c e s e s lh Cres
ure d Vinha da casa
e dos ho
“6 “Saram
te
ise tse ajunt
Rr umas ceracoa ldaedoduzdeasntaos, Se levant Mes ia Ag
utras tor SUbitamen.
à COntígua, as voz fa
P; etindo a iN , CS Masculin f um m
terjeição de eCNCo 4S foram se ONtículo
e, he, he. rajamento
Para

CSvanouyes, ie ne Cro
y p às autrement
leur entrast dans le corps, & qu' que le diab
elles

as a barulheira
passou
música tão bela que, contrar
i
e do intérprete, Léry
se dirigir para a dos homens, de onde
vinha a melodia. O inté rprete
€OS companheiros tentaram dissuadi- lo, mas ele foi mesmo
assim,
e, movido pela “vertigem da curiosid ade”” de que
fala Certeau, fez
um buraco no teto da cabana dos homens, que acabaram convidand
o-
o à entrar no recinto. O que viu pareceu-lhe comparável à idolatria
que campeava na Europa em torno das relíquias de santo Antônio
ou são Bernardo, habilmente manipulada por charlatães:

(*) “todos os homens em uma casa separada,Daraas mulheres


res em€ um a outra, e da
ER NSR A
mesma forma as crianças, qo se
(**) “como diríeis do murmúrio dos que balbuciam suas oh Stan
(***) “E, de fato, como clas não apenas urravam mas, » nr
m € escuma
q varm
grand violên cia, faziam com que os seios e ra
»

ar com e
=

tando no
e , sa dt 188

pela boca, e algumas até (como as que, entre nós, têm o grande
F

se
avendo com que,
te desmaiadas, não duvido que o diabo lhes entrasse no corpo,
; fazen
Ema dA
bitamente, se É tornassem enlouquecidas.

[64
la m a i ni n ni ni sa m s a n s se b?ou-
'autre, sans se temir|
pa r
n d , c o u r b e z su r le d e v a n t ,
gez en ro
droit,
lement la iambe & le pied
fesses, & le bras & la mam
en t de ce st e fa ço n. Et au su rp lu s,
hantoyent & dansoy
ud e il y av oi t tr oi s ro nd ea ux , y ayant au
Sen d ja multit
qu'a cause trois ou quatre de ces Caraibes, richement parez
milieu d'un o bracelets, faits de belles plumes naturelles, neu-
re st e en ch ac un e de le ur s ma in s
di O Conlents renant au
ves & de NA Mire soheltês faites d'un fruit plus gros que oeul
é ai ll eu rs , à fi n, di so ye nt -i ls , qu e Pe sp ni t pa rlast
pr o a vai parl
s po ur les de di er à ce st usage..*
RD dans icelle
re em cí rc ul os , os ca ra íb as sa l-
Enquanto os índi os ficavam semp qu e tr az ia na ex -
di nd o um pa u
tavam para à frente c para trás, bran a Fu ra
€ ac es a, as so pr an do su
tremidade uma erva de Petun seca ra .Por duas
e ti ve ss em co ra ge m na gu er
sobre os circunstantes para qu am de da n-
se lv ag en s nã o ce ss ar
horas, os quinhentos ou seiscentos to s co n-
nu m Lé ry de sc on ce rt ad o se nt im en
car e de cantar, suscitando
a at ra ção
SS e

do e re pu ls a se al te rn av am co m um
traditórios em que me
Ee

e um fascínio indisfarçáveis.
Et de faict, au lieu que du commencement de ce sabbat (estant comme
mg

i'ay dit en la maison des femmes), "avois eu quelque crainte, 1ºeus lors
en recompense une telle ioie, que non seulement oyans les accords si
bien mesurez d'une telle multitude, & surtout por la cadence & le re-
frein de la balade, à chascun couplet tous en traisnant leurs voix, di-
ava € sans: heu, heuaure, heura, heuraure, heura, heura, oueh, Ven demeu-
prete ray tout ravi: mais aussi toutes les fois qu'il m'en ressouvient, le coeur
ssIm, m'en tressaillant, il me semble que ie les aye encore aux oreilles”',?**
1, fez
— () Bem perto um do outro, sem se segurar pela mão nem sair do lugar, mas
ando- dispostos em círculo, curvados para diante, inclinando um pouco o corpo, movendo
latria apenas a perna c o pé direito, cada um mantendo a mão direita sobre as nádegas,
tônio e deixando pender o braço e a mão esquerda, cantavam e dançavam desta forma. E
ademais, como devido à multidão havia três círculos, e permanecendo no meio de
cada um deles três ou quatro desses caraíbas, ricamente paramentados com roupas,
RAE € braceletes feitos de belas plumas naturais, novas e de cores diversas: segu-
a uma das mãos um maracá, ou seja chocalhos feitos de um fru-
a, e da
falasse oi RE o de que falei acima, a fim de que, diziam, o espírito
“o 2 5 A C55C fim...
(**
mulheres) ) tive É,; de fato, se no início desse sabá (estando eu, como disse, na casa das
0, Sã]-
mavam refrão da balada, esa cada bem medi
e dos de tal multidão, masmas sobre
5 tudo pelaaccadênciaja e€ o
strofe todos, arrastando as vozes,
2es. dizendo:
dizendo: heu. heu, h heuare,
aimen- heura, A
jue, SU a va eua aero piel, fiquei de todo encantado: mas da mesma forma,
vêm aos ouvidos” or e
1550, ; O COraçção me estremece e parece-me que atmAo
ainda me

165
aa Têm
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Do MO RRBIA
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À bas pa tus H
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“olha CuUroópen aprox
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N bacanals “ Macaquices a
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DC O francês Lór onhecidas:
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Hindios os inib
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mens, à presença d 4 do melo | Mt
o Diabo, deixan ural à vida
cl 18 lo
próprio nome de B d o d e lad: »rade SUA
S Assecias, ()
rasil toMa surgido por Hs] Nr
ele, portanto, à prande ação do Demo
, poi
ve dete dos e seritos quinh
tas sobre a colônia entistas e solaceriti
lusitana ta América. s

SABAS 1 ORTUQUESES DO SEISCENTOS E SETEC ENTOS


Num estudo notável sobre a teit
içaria e a a REA
século xvi, Francisco Bethencourt
afirm ou que, em| E Sab ca
plexo sabático raras vezes aparece articulado, ENE anTAR ra
noturno, quanto a metamorfose animal
, a A RR RR Nó
diabo, O ajuntamento de
seguidores No
entanto, como também já ressaltei em outr ERG muitos desses
o tra der E ora
| ntos se fazem presentes de
forma avulsa,go vão 8
Cada mais curioso talvez seja a insistênci a má
a RR a desta for
gico, capaz de transportar
a ae SI '

ma, reduzir, no imaginário, as dimensõese do Império Por-


tuguês — indício de que elementos to) podem muda r de feição
E de contingências cotidianas.

166
porto! É bb/16
id l no
cut E A FT
Moths [1
|
non cnaloao,a AMh OTAvA
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en desetrdilóias fesbtárinas c4 sl)


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| Eoho th
Hapuelos, | tações o sortió
Praticiva adivin g
Lógios, Lot
und, no teto de
do pol eles sido dentinciada à Inequisição, Elma vez prosa o intienidadoa,

confessou, como em tantos cases análogos de quo so tem noticia,


a tea assembléia notui na o adoção do diabo!
comparecimento
Ama do Hoco se eniconltatoa VÁRIAS vezes
Segundo a confissão,
sortos, Erstada por te ore cha
com o demónio a fim do lançar
mado Manuel Fertandes, foi certa moite, por volta de nove horas,
a uma encruzilhada, onde estavam várias tmulheres suas conhecidas,
+ todas pertencentes, como ela, a tim tniverso predominantegmente ph
ral, A conselho de uma delas, que funcionava como espécie de “mes
tra, untot-se com certa Agua O vitiesse transportada para outro Ju
gar, São Martinho dos Carvalhos, achando-se então em camisa é
À descabelada.” A mestra, de nome Cecília, coOmeçõã a invocar os de
mônios, fazendo um ruldo com os dedos coro quem cha
ma gali
nhas, e dizendo “pilos, pilos'* Logo apareceram
vários demônios
em Figuras de bodes; tm deles coloco
ti-se, de pé, no meio dos cit
cunstantes, que o adoraram dizendo:
te, meu Deus Barra “Adoro
vás”, Depois, todos dançaram, e cada
um dos de mônios tove ajun
lamento carnal com cada uia da
s pe ssoas, estando as ditas pessoas
de costas, e os demônios em ci
ma delas, F depois de assim estareri
desapareceram os ditos de
ue mônios, e a Hé com a dita companhia
tornaram a achar da se
primeira parte donde tinham saldo! €)
dS
io b
duraradoicerca d episó.
e duas horas. Curiosamente , havia entre às parti
supostos cristãos-novos:
UNICO homem, Martel Fer. o
nandes, e uma moça
que andava amasiada com u
— UM Outro, portanto m clérigo da região
, rerepr
nto, presesentando os indivi sá á
q “ du : da

tes dominantes, ad |
bem ordenada, e que desafiavam valo:

[67
O inquisidor
não fez
nem do ungu
e
|

a tornar a enganar o diabo”, !8


O outro processo seiscentista é de 1691, sendo a ré, Le
onor Fer
nandes, natural do Algarve.!? Ficando amiga de certa mulher “lhe
dissera esta que se ela queria ser bruxa e feiticeira, e por este meio
ter muitos bens, ela a ensinaria”. Leonor começou a se encontrar
com a mestra, instada, primeiramente, a oferecer ao diabo um bolo
confeccionado com seu sangue. Depois, sucederam-se encontros no-
turnos, sempre às sextas-feiras, das oito para as nove da noite, deles
participando ou tr as du as mu lh er es . Ne st as re un iõ es , un ta va m- se com
“c ad a um a po r ba ix o dos bra ços , pei tos
um unguento amarelado,
se tr an sf or ma em rat o, a me st ra em gat o, as
e pescoço”. Le onor va
mu lh er es to ma va m re sp ec ti va me nt e a fei ção de gal inh a
duas outras
e de almotolia redonda.
ju nt o da qu al es ta va um
a sa ír am to da s pe la po rt a fo ra,
E nesta form egro e c o m r a b o m u i t o com»
de c o r p o h u m a n o , n
demônio em figura m g r a n d e v eloc i d a d e , e as p u s e r a
pe lo s ar es c o
prido, O qual as levava de z lé gu as , on d e a j á e s t a v a m m a is
o d i s t a n t e da li m a i s de u a s às
e m u m c a m p di t a v a m n
a n ã o c o n h e c i a , pa vam
a t r o m u l h e r e s , q u e el e al i e s t a
qu m os se te de
ia m, e vi ra t a m b é de n egridos,
] , ro st os fe io s e
o r p ó r e a de hom e n s
ma Spa e c
ne A mes r a b o s c o m p r i d o s .
o s s o s € t o d o s c o m
a dá g r a z u l a d a s qu
ca n d e i a s
Ee
” d e L e o -
a v e n t u r as Ap t ?

a c t í c i a s / as c r n ç as
-
j u s i t ano, d e
é Iva ,
no p o v o t o d a
r
R

f e s t a v|
e p oÉ

'eT- ea se mani d e
e t a d a s p e l o s
lhe d o E
a s € c o l
-«temunhad
. ivas

t r a d i t o r t ã -
cio , e q u e , con
pen e perseguia m
m q u |
e r e r
rar q u e à s p e t u a ç ã o. S e
monól o g o s pela su a p e r e -
a m Te v e i s
d o |O e n o r m e I n | t
Dolo
men t e , s e t o
) r n a r a s r e c o n h e c e n
i f u s i o n i s t a , M g e m S t o -
10- s s ã o d Gi n z b u r
entrar em discu i c o d e e stu d o s c o m o O d e
r
les e ó r i c o e m e t o d o l ó g e n c o n t r a d o s p o
resse t q ue o s p a s s a r õ e s n e g ros
jm t t u r n a , c a b e r e s s a l t a r o d e l o d o v ô o
ia n o
t i s t a s d i f e r e m d o m
e m p r o c e s s o s quin h e n m as
Os
Beth e n ç o u r t um e m l o b o e g a t o ,
t a m o r f o s e m a i s c o m
as
em vassoura ou da me C o r v o s d e s c r i t o s p o r Jean
ha s i m i l i t u d e i n t r i g a n t e c o m Os
apresentam n t e do qu e B o d i n , De l
to r se is ce nt is ta m e n o s emin e
de Nynaul d, au
Rio, De Lancre, Boguet.> s po r so b
Im
ro pé ia s m o s t r av a m - s e u n i f o r m e
saPe i po pu la re s cu
aç õe s lo ca is , i n t e g r a n d o as si m Po r-
ra poda pa superficial das vari
s inqu is id or es a p r e s e n t a v a
Is
ro pa , a le it ur a do
S- coloração retro Eu ani m a l p r e o c u p a v a m - n o s
ár Vô os e m e t a m o r f o s e
m podeuqanuíssimo alertas que esri tavam aos conventículos e, pasobes
» ãO pacto demoníaco. Na maio oraia d dos processos, era a prpreeoocupa ”
ção co m o eci
pacto ou com o reconh ecimento de Satanás por Deus que

tesEa de tudo, ' a )


ad
eh Diabo. O mito do sabá, com sua multi
Plicidade de De
Ss, parecia alheio ao universo dos iai RN
umma

“mM tentação
, Leonor

E
eep
a,
E

Suntuários de d
Manuel da Piedade João v ne
n a s c e r a no Brasil, na ci pi
rara em muitos dade da Bah
lugares da Colônia e do
acompanhar seu s Reino pr
enho

Os outros dois negros, Jo


sé Francisco Pereira é José
Pedroso, eram Francisco
naturais de Judá, Costa da Mina
no Brasil durante algum temp , e tinham morado
o, lá rece bendo o batismo e à crisma.
Em Portugal, haviam também se
envolvido no comércio de bolsas
de mandinga, preparando-as ritu
alisticamente, enterrando-as de noite,
em encruzilhadas, para terem mais po
der. Ambos foram torturados,
confessando comparecimento a ass
embléias noturnas e adoração do
demôni o, Mas suas confissões diferiram, variando
os elementos da
demonologia que incorporaram.
Francisco Pedroso an dava em
corre rias com o demo pelos cam-
pos, e com ele aprendia a preparar a mandinga.
Das suas confissões,
ressalta o demônio na for ma de súcub
o, “'mulher bem vestida e bem

[70
-l nesta forma que compareceu nã assembléia noturna que
bizarra”. FO
descreve
noite de
são João do ano passado, nos olivais de São Bento, foi
na
to José Francisco € pela meia-noite aonde acharam o demô-
com O Pl” de mulher, e tanto ele como o José Francisco se abraça-
nio em Da com o demônio; e lhe [sic] prometeu entregar-lhe a sua
di com efeito lhe entregou na mesma noite do São João,
apesrsda ha Deus € como tal o adorou pondo-se de joelhos diante do
| rã demônio, batendo nos peitos, beijando o chão...

Na imaginaç ão po pu la r eur opé ia, hav ia di me ns ão sab áti ca na


noi te de São Joã o, “pr ofe ta vít ima da lib ido cru el e inc est uos a de
Herodíade”.” Por outro lado, a noite de 23 de junho continha for-
te carga mágica: era solstício de verão, quando o céu mais se abria

Tm»
e mais se aproximava dos mortais.

=
LD
Francisco Pereira, que inicialmente confessara as mesmas prá-

TE
mm
io
ticas que o companheiro, entrou num delírio de loquacidade após

o
prováveis sessões de tortura, confessando relações homossexuais com

re
|

e
e
o demônio íncubo, que o sodomizava, e relações com o demônio sú-

nl
cubo, sempre insatisfatórias dada a frialdade do coito.” No seu ima-

ões
ginário, o demônio era o mago da metamorfose: aparecia-lhe na fi-

DT
gura de homem branco e preto, mas com pés de pata ou de lebre;
na figura de mulher, mas com os pés revirados; na figura de bode
preto, na de burrinho, na de galinhas com pintinhos, na de lagarto,
cágado, sapinho, gato pintado. Presidia assembléias concorridas em
Val de Cavalinhos, o mesmo lugar registrado duzentos anos antes
nos processos analisados por Bethencourt, e onde todos se posta-
vam de joelhos para adorá-lo.?? Convocava seus asseclas para os en-
contros fazendo com que o galo cantasse às dez horas da noite, €
neles se apresentava na figura de homem, mas “de instante a instan-
te mudava de cores, tanto no rosto como no vestido”; servia passas
e vinho de sabor insosso, e copulava com todos os presentes, exigindo-
lhes adoração.3º
Apesar de negro e africano, José Francisco Pereira mostra ím-
pressionante familiaridade com o imaginário europeu do sabá, Es-
tdo presentes na sua confissão a assembléia noturna, o coito insatis-
tatório e frio, sodomítico em grande parte das vezes, seguido de dores
€ até de derramamento de sangue; as comidas insípidas; a metamor-
fose constante do demônio, que, em certa passagem, quando muda
também de cor, sugere até proximidade com o diabo de De Lancre,
igualmente cambiante, iluminando o sabá com seu corno. Sob a

171
pressão inquisitorial, a crença na virtu
de das bolsas de
de certas raízes brasileira
s cede lugar a ma
europeu, com o quaEal talvez adquiroisse UM IMaginário baço,Sic Rã
' 5 P nd;

familiari
a dridade no próprio Ut
cere do Santo Ofício.
TO cár.
O quarto processo deste bl
oco teve lugar em 1735. A ré
ria de Jesus, negra de Luanda que fora cativa m
as Se achava Cra Ma.
le momento, livre e recolhida no Hospital de São Fran
cisco PP
boa. Tivera trato com o demônio desde os doze anos
, M Lis.
aprendendo feitiços e malefíc
ios e, em troca, adorando-o de
Certa feita, o diabo joelh
lhe dera uma ti gelinha com 05 ,
E :e
um vidrinho de óleo, ensinanddo-
i d r i n h o d 5] - |
u n g i i e n t o b
o-a Tanço
e em camisa, passou então a
sair com o companheiro |
a levava para “além do mar”* na
Mouta, onde, numas
contravam com outros demônios
e com mulheres, “
nham a bailar com castanholas”
'

, abraçando-se, bei)
eA

fim, tendo cópula sexual.2 Além


E

da companhia no *
pus”

diabólic o do sítio da Mouta”,


e

Maria de Jesus contava com


a
=

nos afazeres domésticos mais le o diabo


cão a

ves: ajudava-a a varrer e lavar à


=e

casa
ES

e o hospital, mas nunca aparec


TP

ia nos serviços “de maior trab


em
q

como era amassar, peneirar e joeira alho,


ei

tp aj
e

r'33
?
ei
=.

Por que curiosos mecanismos acul


de
-
ate

turadores teria o imaginário


as

desses negros afri


pp

canos, alguns com passagem pe


=.

lo Brasil, se mos-
Dn


Eni

trado mais permeável à concepçõ


Tic

es européias milenares do que o de


a

un
=.

Outros réus portugueses do Santo Of


e

ício? Seria porque, ao fim e ao


mis

cabo, o sabá era então um discur


so banalizado, um estereótipo des-
E

provido de conteúdo, ridicularizado


ri
ii

img

pelas elites ilustradas da Europa


Ep

— passível, nesta qualidade, de ser de


METRai

slocado para outros contex-


.—

tos?** Qu a adesão de José Francisco a


elementos do mito sabático
E
E]

dd

se deveria antes à crescente familiaridade que


Ê

Ee
»

-—

adquirira com o diabo


ms
=

dos colonizadores — o diabo onipresent


E
costa,

e, inspirador das práticas má-


E

gicas de africanos e ameríndios, pintado se


mpre de cores aterrado-
-
to
E.

ras para melhor intimidar os colo


a
led

nizados?
O
e
qe
E
E

IMPASSES DA INQUISIÇÃO ENTRE SATÁ


E SEUS AGENTES
gg
E

e
mm

ni
E
E

Durante o século XVIII, aprofundaram-se,


diga.

eõ—

no mundo luso-
n
E

brasileiro, as trocas culturais entre os


universos distintos que com-
=

punham o Império Lusitano, dos quai


É |

s, aqui, interessam a colônia


brasileira, a costa atlântica da África e a
metrópole européia. É des-
ta época, ao que tudo indica, a ma
ioria dos casos de feitiçaria origl-

e a 172
»rplex|idade,
«ntônias É
Be. dores O tolerância,
do-
um

das c.olo àni ea


nar«ri«os o
c me e
s inqui” e r p l e x i d a d e
a E a l i m P * os
c u l o . p
d o u m i d o s f e i -
b r e t u d o mari men t o s d e p r e s
drrít r i o r e s , p r e
p e r í o d o s ante
b ém em d e t r i m e n to
«ncia mant m o t a m c o e m
olerân c k c o
mas, pacto demonia
er ortuguese os a g e n t e s da In -

d re , n ã v e r d a -
he i r a s . O p a
u t r a s c o m p a n i n c r i m i -
s o c o n f i s s ã o à s
n e g a n d o
O d e m ô n i o , c om
ra falar com m m é -
r que “ s a í a
a m , ainda m a t a v a
à c h a c o n t e n t e s
nadas por ei t o p a c t o , € q u e , não
do r , i r r i t a d o c o m
h a v i a m f a s . O i n q u i s i
quem a s a n d a n ç a s n otur n
j u l g a m e n t o,
en o s n e t e a n o s p o r
au e esp e r o u s a r a
d e J o s e f a —
d o q u e c o n f e s s
as hesitações o c es s o , d e m u i t o
º d e c o r r e r d o p r a c o m p a n h i a
esquecendo-se, N m e n t o s a p e n a s n
r é“i a 1 a a o s a j u n t a
e r e q u e p e n s a v a
a s a b e r S e & o , a q u i , s u g
— que r i
s e s a i a e m b a ndo. O coletiv
do diabo ou
m i t o , ou
no mito sabático. f o r a m c r e n ç a s c o n st i t u t i v a s d o
q u e J o s e t a c o n f e s sou s e d e f o r m a
O n á r i o , a p r e s e nta v a m -
a s , q u e , n o s e u i m a g i a m
a ele pe r i f é r i c mul h e r e s , q u e à v i n h
h i a d e o u t r a s c i n c o
desconexa. EM compan i l a s c o m u m un g u e n t o m a l c h e i r o s o
n a r a às a x
buscar em casa, friccio s a r e s , in d o te r a u m c a m p o o n d e
i t e s v o a n d o p e l o
e saíra por doze no a c o m O S d e m ô n i o s . P o r o u t r a s
i l a d o s e se c o p u l a v
se realizavam ba s a ndo a t r a v é s d e p o r t a s € j a n e -
s ó c o m o d e m ô n i o , p a s
vezes, andara i n h o s — s e m p r e e l e — €
u m a n d o p a r a V a l d e Ca v a l
las fec h a d a s , r m l a d o ,
n c i n h a s .) Avi z i n h a n d o - s e , p o r u
chupa n d o o s a n g u e d e c r i a
, o s d o z e c i s n e s s e l v a g e n s d e A n -
E O R I O p o p u l a r — as d o z e n o i tes
E p a t o s e m f r e n é t i c o s
a a seus s a
a n
E

i v o a a o H o
rismo, constitut da
a a
i d a d e s pró pri 36 T a
de autonomiae especific
m R i n s E t Re a R s
to Joseta alude ao
e E - a i i i s t i n o
t a s .S d p a t a
crença bem n repae rt i d a n
e E t r s o ciais
E

ama t a r j a n e l a s — s e j a n a f o r m a
ta a p a c i d a d e d e a t r a v e s s
ig

Ronan ndss r e -
e

u i n d o d e t a m a n h o — t a m b é m a p a
ja na animal, dimin
me
——

173
ais
Ste om feili OS, J
IVA Tulzes e pos COI ,
brancos, queima | “nho.
Os lervedouros A
ga
que fazia, punha das;
que se “ONSUmassem penas SOb sun
SUS Atos vinte ado
has para, anlogicamente, sexuais, Perfurava * COM
Provocar-lhes bonee;
doenças. This Me so Pedi
presentes na culi
UPA popular Curopéia "Um tu.
Ximadas q prát
icas de +

origem tricana! :
| : 1
confessou Fess

utras dueTA
Q, q 1
altam sem dúvi Mas de O
mentados do co da à lação Az in
mplexo sabático cur Opéi
. T o d
a € og ec os
do diabo, que o s os sOrtilép
costumava lhe ios tinham a
de bode, a nepra aparecer nas en Ajuda
o chamando de cruzilhadas
“ M + CM vulto
do “Cr sua. Mata e u rei barbado”
ra uma criança, € lhe prometen
da Janela, transf entrando SM Seu
ormada em borbole quarto pela aii
lo nariz; depois, de ta, e chupando-lhe
senterrara seu cadáv o Sangue pe.
nas e miolos para co er, tomando-lhe os b
nfeccionar feiticos « raços, per.
Ainda no Brasil, c poções,
omo se disse, Luzia
senhores, Foram e fora torturada POr
les que, durante a seus
fazia mingaus com tortura, insistiram
miolos de crianças d em que ela
livre do suplício, a es efuntas; para tentar S
crava concordara com e ver
tudo quanto se lhe p q Sugestão, confessan
erguntava, Num de se do
confessara ter feito pa us relatos desesperad
cto com o diabo quand os,
po, “lhe aparecer o, estando num cam.
a umas luzes que lhe and
do que lhe falou o demô avam à ronda, depois
nio, e perguntou se queria se
são de Exame, já nos cárc r sua”! Na ses.
eres do Santo Ofício lisboe
alude ao sabá, o que era mui ta, o inquisidor
to pouco comum nos interro
daquele tribunal, Mesmo ass gatórios
im, O que ressalta da pergunt sob
assembléia é, como sempr a re a
e, o rastreamento do pacto demo
da adoração ao diabo: “perg níaco C
untada se se achou elá ré em alguns ajun-
tamentos donde visse, e conhe
cesse pessoas, que com ações, ou pa-
lavras invocassem o demô
nio, e lhe pedissem ajuda para a
e por algum modo o adorass lgum tm,
em..' + Aqui como em outros episódios
análogo s, não h
á recurso à palavra sabba. A cla pref
eria-se conven-
tículos ou ajuntamentos: tanto o mito quanto o
vocábulo eram as-
sim pouco familiares ao contexto português,
q =

Ea

174
=

[|
b r a s i l e i r a s , LAZIA
s L e s t e m u n h as
irição da
apos a reno
O f í c i o , nela viu Um vitima
q u e
fim as jo Santo A cre
1 inocente
& pe

a vos d a C o l ô n i a ,
tras s e n h o r e s d e e s c r
E vada dos
m ô n i o . D e q u a l
foi ni

adorara O de
a f i z e r a p a c t o , n o m n c e p ç õ
| e s | d i v e r-:
c e l a n u n c o d o s p e l o s qui i s c o
da cn 8980 f u s t r a O S m
itou que a s vez e s , 8€ f u n d i a m . ”
e r p u n h a m €, a l g u m
quer forma ca co sup ô n i a p r a t i c a va
o u t r a negra da € o l
m a m é p o c a , u a Né de cn açmo
bre 4 m e s m a Es as v o l t a s c o
ent gmennte te na r e s € 05 c o loc a r a m
i a m 0% i nqui s i d o a c u sada
23 cu n f u n d i r L u z i a P i n t a c r a
l t u rais d i s t i n t o s ,
de U n i v e r s o s c u c o i s a s f u t u r a s.
ae r a c u r a r € preve r
p a
njões noturnas s i á s t i c o d e ciou-a do
n u n
; e o Juízo E c l e
a ra O R e i n o . L u z i a c o -
s u a r e m o ç ã o p
u e p r o v i d e nciou q u e t i n h a O
Sant o O f í c i o , q
d e 1 7 4 3 . C o n f e s s o u
d a c m m a r ç o
|meçou qs e i n t e r r o g a
s l h e d e r a , e h e r a n ç a de
d e s t i n o ” q u e D eu
i v i n h a rr p o r “ p o f i c a v a c a í d o
dom d e a d
t a s 0 € a s i õ es , s e u c o r
c e r

=
a l r i c a n o s : e m r e s . 19
seus ances ra
i s
r i t o , e l a a a v á r i o s lug a
, e m e s p í

ni e =
t o , e n g u a n t o
c h ã o , f e i mor
t o i a , e q u e n a s u a l i n-
no o s a q u e p r esid

O
d e D eus 0 5 r i t t t t -

o
Con s i d e r a v a o b r a
cu r a n d e i r a d e f e

ee
s . G r a n j e a r a f a m a d e
v a m c a l u n d u

————
qua se c h a m a p e que-

Eee
da nu m a e s p é c i c d e

TT
r o c u r a v a m s e n t a
à p em
COS, e atendia os que em in s t r u m e n t o s e c a n t a r

me
o j u d a n t e s s e u s t o c a r
n d a nd a -

cn
n o a l t a r. m a d a j u d a v a o e x t a s e

=
p o . A m ú s i c a s i n co p a a
t e m

Ed
por largo espa co de ju íz o” , en trando -l he pe la ca be ça “O s
fo ra de se u
Luzia ficava “como

ARE
n h a r € lh e s u g e r i n d o os remédios adequados para
ventos de adivi

=
cada achaque.* , m a s 50 »

z
do s c a lund u s er a c o n t a g i o s a
Para Lu zi a, à “ d o e n ç a ”
e s m a fa mí li a: cl a p r o v a vlmente à ““ne-
e
bretudo entre membros da m r i m e i r a m a n i f e s t a -
en t e , t e n d o a p
gara” de uma tia, involuntariam ss a n u m di a sa nt o,
aba r á , ou vi a mi
ção quando, em Minas, na vila de S d o lh e m es-
v e
r e n a t u r a l , “ p o r q u e q u a n
Calundu era ainda coisa sob r a l g u m €s-
a d a c o m os ol ho s no cé u po
ta”, dizia a negra, “fica par rt es ia ,
al ab ai xa a c a b e ç a f a z e n d o co
paço de tempo, no fim do qu vi ve r
c o n h e c e , en tã o, os qu e hã o de
e logo olha para os doentes, € ai s
, e t a m b é m os qu e nã o te m ao s qu
e tem remédio na sua queixa
o ac ei ta po r se us e n f e r m o s , € os m a n d a ou tra vez
por cesta razão nã
levar pelas pessoas que os trouxeram.”
r e n a t u r a l qu e de ix av a a p e s s o a fo ra de se u ju í-
Uma doença sob
ta nd o- a a cu ra r é pr ev er o fu tu ro , só p o d i a se m a n i f e s t ar,
70, habili
qu is it or ia l, po r aç ão d e m o n i a c a , c o n s t i t u i n d o fo rt e
segundo a ótica in
indício de pacto com o diabo, Luzia não confessou nem mesmo apos
to , e sa iu p e n i t e n c i a d a e m a u t o - d e - f e , e n c a r o c h a -
a sessão de tormen
it ic ei ra . A s e p a r a ç ã o en tr e o c o r p o qu e fi ca va ca íd o no c h ã o
da por fe

175
Co CSDirito
qu| e vapav U
blema polê d talvez CO
Úco das

|
| ep
Rio, dev ido inclica
E COncluíd do de
“em lhes d o
ar Mu
EE
es =— a

Natural do b
ee

ispado d:
oe

Com o demô
nio dl
e

recera Juntamentos “UNOS, € por


divorca.
r e a l AGIR. dade
de lestejos i z a do: di
Eso

com tambores mona


=

e v i o l a s iões* DOui
Senta, entre , inúmeras Pess meio
elas dois padr oas — 17)
e s —. ajustavam
No”

entornar o vi ais de SEs.


-

nho das adepas os malefícios


, chupar o Dor fazer:
Catarina con f sangue de crian
essando ter Pro ç a s, à Própria
delas, Mas nada v o c a d o a morte de
disso impression cer ca de treze
deraram que tinh ou OS Juízes d ntas
a “prande falta à Inquisição:
E

de juízo” — UM consi-
não merccia cré a embusteira
dito — e determ que
denação,4 i n a r a m que fosse solta
sem con.
Vinte e cinco “nos
antes, um homem
O

supliciado em au t acusado de feiti çar


o-de-fé no Convent ia fora
q

o de São Domingos

Chamava-se Franci e m Lisboa.


=

sco Barbosa, tinha


pedreiro de profissão. cerca de sessenta ANOS
E era

>o

A condenação deste
homem em 1735, com
e

pena capital, é mui-


E

to estranha, Seus crime


s envolviam o curandei
c práticas libidinosas de rismo, a adivinhação
at-ise

abuso sexual com mulhere


ros com infusões de ervas, s. Fazia lavató-
jactava-se de descobrir teso
uros ocultos
E

guardados por mouras encant


adas, dizia saber o que se passava
em
ap

terras distantes, no caso o Bras


il. Não há nenhuma alusão a 406;
a

ng

apenas a confissão de pacto e a


doração do demôni

o, Da ia
época, ou de períodos anteriores são
k,

dezenas de processos aná pr


ow

que não conheceram desfecho tão trág


ico, Francisco Barbosa, O E
PA Pa

de Massarelos, foi o único homem que r


ecebeu da doi
a

aE a
capital por feitiçaria em todo o século Xv
im, € talvez da de ia is
ríodo de funcionamento do Tribunal. Nove anos d
epois dele,

176
m i n g o s , M I A v e lha
n t o d e S ã o Do
v e
ocal, DO con a H o r r a c h o a , m o radorai
mécia da Onia,
o hamada não vom nitá
) Co * tAti o Li
plici artiAclipação cà m sabi
j
o d e m o D a l
s a v a r i - n a d e a d orar
cu
O f i c i o m u r i c a Frio
b o r t u g a l , O Santo
i n d i c a q u e , e à P
S U A C XOCU
lo çaria, Me s m o a s s i ,
c r i m e+ te f eiti
“m por | mas d a E u r o p a , e n t ã o já
U M A d a s ú l t i
ênero,
no g
bem unidornoe,
le mancira

C L U S Õ E S
CON
e s e u s a s s | e c h a s n o
e r a p r e s e n ç a d e Satã
o r c o m p reend m o n t a c a ,
Para me l h
o € s o s e p a r ar a o b s e s s ã o d e t e s ,
s o - b r a s i l e i r p r e c i m e n t e «a l n c l d e n
n á r i o j u a t o r i a
mar j á , E l e s n ã o s ã o o br i g
s € o s a b
os malefício o , m o strand o - s e b a s t a n t e c o m p lexos,
, N e s t e s e n t i d
os arranjos ç a o dia bo , i m p r e s s i o n a n t e m e nte
Pr i m e i r a m e n t e , h á a p r e s e n d
c a m p o s e d a s c i d a d e s
sc f a z i a n o t a r n o c o t i d i ano dos
destaca da. Ela o s s p e r a n d o s e l a r p ac
m
a e m p a l h e i r e
portuguesas: diabos que dormi , a g a v a m
, N a e s p re i t a d e n o v o s a d e p t o s v
m o s m o r t a i s , O U q u e

E quai
to s c o .
s fr e q u e n t a n d o l o c a i s c o n h e c i d o s
nelos arrabaldes das grandes cidade

= ES
o s , a m p o s d a C o t o v i a , M o u t a , N o e s
por todos: Val de Cavalinh C

ST
s s a r O p ã o o u a v a r r e r a c a s a, un No m
paço privado, ajudavam à a m a
p o r a n -

q
m b ve r t e r a n a t u r e z a , i n c o r

aee
d o u l t r a m a r i n o , t r a b a l h a v a p a r a s u
s l v a g e n s , E r a m a i n s p i r a ç ã o
do-se nas feras estranhas e nos homen se g i o s a s
r i a s , s e j a , d a s p r á t i c a s m á g i c o - r e l i d os tu-
maior das idol a t o u
v o s af r i c a n o s . E m p l e n o s é c u l o x v t t , d e m ô -
pis e, depois, dos escra o s
d o s o l o n o s r e b e l d e s , c o n v e n t í c u l à s t e n t a t l l -
nios eram chama os c
vas de rebelião.
i e m p r e o m e s m o n e s s e m u n d o c o m p l e x o € plu-
O diabo não fo s
e r o g ê n e o p e l a s e t n i a s e p e l a s c u l t u r a s q u e a b r i g a v a . À icono-
ral, het
a o p é i a o s t r a q u e , c o m o d e s c o b r i m e n t o da América e, cer-
grafi cur m
a m e n t e , c o m a c o l o n i z a ç ã o , g a n h o u c o c a r e s d e p e n a s e t o r n o u - s e
t
cada vez mais negro: O Inferno, quadro de um anônimo português
e i r a t a d e o
d s é c u l o x v i , a t e s t a b e m ta l i n f l u ê n c i a . ” Pa-
da prim me
rece mesmo correto afirmar com Certeau que o mundo das práticas
a
mágicas americanas influenciou no fortalecimento da demonologi
curopéia, chegando a alimentar a construção da feitiçaria sabática.
s a d o u m , v a r i a r a m o s p r o d u t o s dai
a g
s e s p e c i i c i d a d e s c u l t u r a i s . O f r a n c ê s L é r y v i u
VÃ AR é a
juestrado pelos caraíbas um equivalente do sabá. Os

177
página 178 está faltando
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PAR
SA)
A Ê.
|
de

“+ . | ki Ê
E

Dera caaé o
A bruxa subjaz a outras representações, colorindo, no imaginário europeu, toda uma
gama de terrores difusos.

mas vários outros, sobretudo de mulheres, relatam com impressio-


nante uniformidade os encontros demoníacos em vales ou monta-
nhas, coloridos por danças, refeições insossas e coroados pela orgia
sexual. Tais narrativas populares não chegaram, porém, a impres-
sionar de forma mais viva os juízes do Santo Ofício. Empirismo ou
pobreza imaginadora?*! Difícil responder. Talvez parte do aparente
ceticismo lusitano possa ser creditada à secular experiência com cul-
turas diversas e com ritos estranhos: o convívio com diferentes po-
pulações da África, da Índia, do Brasil relativizaria ou deslocaria
O pavor ante o outro, indubitavelmente cristalizado, por grande par-
te da Europa, no mito do sabá.
|
|
Epilogo |

P E R S I S T Ê N C I A S I N F E R A S
Bernard o G u i m a r d e s e O i m a g i n á r i o
demonológico |

O Diabo está desmoralizado. Só os poetas — as eternas


crianças — ainda acreditam, ou fingem acreditar nele.
Olavo Bilac | [

=
ta

às
Em bo ra fos se poe ta de al gu m val or até por vol ta dos qua ren

=
ar do Gu im ar ãe s (18 25- 82) é le mb ra do so br et ud o
anos de idade, Bern

=
e
es de cu nh o soc ial € reg ion al. Da épo ca em que ain da
por romanc

gi
fe-
produzia bons versos data “A orgia dos duendes”, que, na con

a
vo Bil ac co ns id er ou “*p oes ia eng raç a-

Sms
rência sob re “O Dia bo” , Ola

=
díssima”, creditando-lhe o registro sertanejo de tradições sabáticas

ão
ou, em outras palavras, de “cerimônias da demonologia brasileira””.
Sm
vd o agua
s tra nsc rev er pas sag ens do po em a, acr esc ent a: “to das ess as per -
a
Apó
sonagens de que fala o poeta, e cuja tradição ainda hoje anda tão
espalhada pelo interior do Brasil — o lobisomem, O galo preto, O
e
——

sapo inchado —, são figuras da demonologia antiga”.


eqa
5

De certa forma, Bilac atirou no que viu e acertou no que não


=
E gm

viu. A primeira afirmação é ambígua e sujeita a equívocos: como


se as lendas do nosso sertão tivessem tradição sabática própria. A

segunda ajusta a primeira: tais personagens, disseminadas no ima-


e

va m da de mo no lo gi a ant iga , por tan to, eur o-


e

ginári o bra sil eir o, de ri


péia; são indícios da longa duração de tais crenças, e de seu vigor.
É sabido que “Orgia dos duendes” circulou em regiões de Mi-
nas Gerais na forma de cantiga, os versos iniciais sendo entoados
arrastada e monotonamente até pelo menos o começo deste século.
Eu mesma conheci essa versão, que minha avó paterna aprendeu em
Barbacena com os mais velhos, e cantava para os netos pequenos
que ouviam, se lembro bem, sem medo nenhum.
as

cms
E
a

fio

i
EE

-
=

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FT
=

Fe =
=

FE.
vo
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=

omg, -

tura. Resolvi, entretanto,


há mais de dez a
nos, des
a
nao
[
mnthcd
É

E
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-— pyd

TO —
E
=

a
eee

aim
a

Os terrores atávicos da
cultura qu
mia

seita

e destruição.“
as
“a

Vejamos o poema:
A

rep
E
cs
o ado

A ORGIA DOS DUENDES


o

Bernardo Guimarães
ipi

ane Rn
o
TT

= E

I
RES

Meia-noite soou na floresta


o

No relógio de sino de pau;


É a velhinha, rainha da festa,
Se assentou sobre o grande jirau,

Lobisome apanhava os pravetos


É a fogueira no chão acendia
Revirando os compridos espetos,
Para a ceia de grande folia.

182
pd ta

t o de le u m v e l h i n h o d i a bo
Jun
Que saíra do antro das focas,
n d u r a d o n u m p a u pe lo ra bo ,
Pe
N o b o r r a l h o t o r r a v a p i p o c a s .

Tuturana, uma bruxa amarela,


Resmungando com ar carrancudo,
Se ocupava em frigir na panela
Um menino com tripas e tudo.

Getirana com todo o sossego


A caldeira da sopa adubava
Com sangue de um velho morcego,
Que ali mesmo co'as unhas sangrava.

Mamangava frigia nas banhas


Que tirou do cachaço de um frade
Adubado com pernas de aranhas,
Fresco lombo de um frei dom abade.

Vento sul sobiou na cumbuca,


Galo-preto na cinza espojou;
Por três vezes zumbiu a mutuca,
No cupim o macuco piou.

E a rainha co'as mãos ressequidas


O sinal por três vezes foi dando,
À coorte das almas perdidas
Desta sorte ao batuque chamando:

“Vinde, ó filhas do oco do pau,


Lagartixas do rabo vermelho,
Vinde, vinde tocar marimbau,
Que hoje é festa de grande aparelho.

Raparigas do monte das cobras,


Que fazeis lá no fundo da brenha?
Do sepulcro trazei-me as abobras,
E do inferno os meus feixes de lenha.

183
ni
ar

Ide *4já
am O

PrPorcoucrur
ar-me
Xa b um
QEe ue mTeO dedm u ”
RS

minh| a lia en
E dUe dos M“arselha,
ventos da Ú
ad di

og

endurada no Ote sussurr


q CO -da-velha,
E

bi
AE
sa

Onde estás,
ac

oi rali que inda aqui nã


Esquel to gamenho dO te ve
ã

Eu dusera ac e gentil?
=

nda
ordar-te Cum
mo
o
-

Lá no teu ten beijo


=

ebroso covil
-—-
EE

Galo-preto da
dr e

torre da mo
Que te aninh à rte,
s em leito d
na

Vem agora e Sq e brasas,


uecer tua sort
Vem-me e mM tôr e,
no d rrastar tuas asas
Sapo-inchado, que moras na cov
Onde a mão a
do defunto enterrei,
Tu não| sabe7 s que
hoje é lu a nova,
Que é o dia das d
anças da lei?
ai
E

Tu também, ó gentil Cr
ocodilo,
Não deplores o suco
das uvas:
Vem beber excelente rest
ilo
Que eu do pranto extraí da
s viúvas,
Lobisome, que lazes, meu bem,
Que não vens ao sagrado batuque?
Como tratas com tanto desdém,
Quem a c'roa te deu de grão-duque?”

HH

Mil duendes dos antros saíram


Batucando e batendo matracas,
E mil bruxas uivando surgiram,
Cavalgando em compridas estacas.

Três diabos vestidos de roxo


Se assentaram aos pés da rainha,
E um deles, que tinha o pé coxo,
Começou a tocar campainha.

184
t o c a , é c a v e i r a
, que
Campainha c o d e b u r r o,
a d a l o de c a s
Com b a
da s e l v a aA g
g oou u
r r e l t
e n o 1 n e i o
Qu u s s u rro.
med o n h o s
Vai fazendo

e p a d o s n o s g a l h o s
Capetinhas tr p a u ,
r o l a d o n o
Com o rabo en o s ,
o n o r o s c h o c a l h
Uns agitam s b a u .
e à t o c a r m a r i m
Outros póem-s

d i l o r o n c a v a n o p apo
Croco
u í d o d e g r a n d e f r a g o r ;
Com r
barriga de um sapo
E na inchada
r.
Esqueleto tocava tambo

ca rc aç a de um se co de fu nt o
Da
E das tripas de um velho barão,
to
De uma bruxa engenhosa o bestun
Armou logo feroz rabecão.

Assentado nos pés da rainha


Lobisome batia a batuta
Co'a canela de um frade, que tinha
Inda um pouco de carne corruta.

Já ressoam timbales e rufos,


Ferve a dança do catereté;
Taturana, batendo os adufos,
Sapateia cantando — o le rê!

Getirana, bruxinha tarasca,


Arranhando fanhosa bandurra,
Com tremenda embigada descasca
A barriga do velho Caturra.

O Caturra era um sapo papudo


Com dous chifres vermelhos na testa,
E era ele, a despeito de tudo,
O rapaz mais patusco da festa.

185
e

o al
o
="

a
ço
+
A

ms
E

LT
=“

ção 2
am
ms
ilhas
E

ee ia
am

Mas se minha fraqueza foi tanta,


De um convento
fui freira professa
Onde morte morri :
de uma santa:
Vejam lá, que tal e
sta peça.

GETIRANA
Por conselhos de um côn
ego abade
Dous maridos na cova so
gquei;
E depois por amores de um
frade
Ão suplício o abade arrastei.

Os amantes, a quem despojei,


Conduzi das desgraças ao cúmulo,
E alguns filhos, por artes que sei,
Me caíram do ventre no túmulo.

GALO-PRETO
Como frade de um santo convento
Este gordo toutiço criei;
E de lindas donzelas um cento
No altar da luxúria imolei.

166
a b e a t a d e a s c é t iço
Mas nã v
id Pa
I, Je ju ei , o
Mui co nt ri to Te Z&
«a de at aq ue apoplético
| que um d

do i n f e r n o es to urel.
Nos abismos

ESQUELETO
Por fazer aos mortais crua guerra
Mil fogueiras no mundo ateééi;
Quantos vivos queimei sobre a terra,
14 eu mesmo contá-los não sei.

Das severas virtudes monásticas


Dei no entanto piedosos exemplos;
E por isso cabeças fantásticas
Inda me erguem altares e templos.

MULA-SEM-CABEÇA
Por um bispo eu morria de amores,
Que afinal meus extremos pagou;
Meu marido, fervendo em furores
De ciúmes, o bispo matou.

Do consórcio enjoei-me dos laços,


E ansiosa quis vê-los quebrados,
Meu marido piquei em pedaços,
E depois o comi aos bocados.

Entre galas, veludo e damasco


Eu vivi, bela e nobre condessa:
E por fim entre as mãos do carrasco
Sobre um cepo perdi a cabeça.

CROCODILO
Eu fui papa; e aos meus Inimigos
Para o inferno mandei c'um aceno:
E também por servir aos amigos
Té nas hóstias botava veneno.

| 187

ima
LOBISOME
Eu fui rei e
dOS vassalos
Por Chalaça m f iéis
andava enforc
ar:
É sabia Por mo
dos cruéis
As esposas e fil
has roubar

Do meu reino e de minhas cidades


O talento é à virtud
e enxotei:
De michelas, carrascos
e frades,
De meu trono os degrau
s rodeei.

Com sangue e suor de meus povos


Diverti-me e criei esta pança,
Para enfim, urros dando e COrcovos,
Vir ao demo servir de pitança.

RAINILA
Já no ventre materno fui boa;
Minha mãe, ao nascer, eu matei;
E a meu pai por herdar-lhe a coroa
Em seu leito co'as mãos esganei.

Um irmão mais idoso que ceu,


C'uma pedra amarrada ao pescoço,
Atirado às ocultas morreu
Afogado no fundo de um poço.

188
a c h e j e i t os
1 e n h u m
Em marido t i n h a c I U I M m E S ,
a s d o l e i to
o g ' a s c o l ch
Uma nolte € e i x u m e s-
q u
e i p a r á s e m p re os
Apaf
o r r e d o p a ç o
u n d o , d a t
AO seg s e r d e s l e a l ;
e i p o r m e
nespenh f i m n u m a b r a ço
c e i r o p o f
Ao ter i -lh e u m p u n h al.
s c r a v e
Pelas costa

me u s s e r v i d o r e s
a u r b a d e
Entre e u m d i a ;
u s a m a n tes d
Recrut e i m e
r é g i o s f a v o r es
m g o z a v a m e u s
Que umia.
do mar se s
Nos abismos

i n f e r n a l d a j u x úria
No banquete g a v a,
0 5 l á b i o s c h e
Quantos vasos
2 0 5 d e s e j o s a f ú r ia,
satisfeita
d e p o i s o s q u e b r a v a.
Sem piedade

pr at ic a p r o c z a s t a m a n h as
Quem
r fr ac a € m e s q u i n h a ,
Cá não veio po
E merece por suas façanhas
m e s m o en tr e vó s se r r a i n h a .
Inda

IV

Do batuque infernal, que não finda,


Turbilhona o fatal rodopio;
Mais veloz, mais veloz, mais ainda
Ferve a dança como um corrupio,

Mas eis que no mais quente da festa


Um rebenque estalando se ouviu,
Galopando através da floresta
Magro espectro sinistro surgiu,

Hediondo esqueleto aos arrancos


Chocoalhava nas abas da sela;
no a Morte, que vinha de tranco
montada numa égua amarela.

189
E nos ramos saltavam as aves
orjeando Canoros q
ueixumes,
E brincavam as auras suaves
Entre as flores colhendo perfumes.

E na sombra daquele arvore


do,
Que inda há pouco viu tantos ho
rrores,
Passeando sozinha e sem medo
Linda virgem cismava de amores.

Sem ser mencionado, é o sabá das bruxas a personagem central


do poema de Bernardo Guimarães — da mesma forma que o cotejo
com outras obras de Goya, das representações dos aquelarres à série
dos Caprichos, torna óbvia a filiação dos velhos que comem sopas
à antropofagia e às feiticeiras. Numa clareira da floresta, à meia-noite,
personagens sobrenaturais — homens e mulheres — se reúnem, às
vários diabos. Prepara m alimento s asqueroso s, dan-
sessorados por
discorre m sobre toda a sorte de vícios, desa-
çam desenfreadamente,

190

»
s i m m a i s u m e l o n a
d o s d u e n d e s ” é as
- «Orgia
a z u m a e l i p s e d o s abá:> no poema, €s-
+ana que f
parece” e do mit o q u a n t o O s d o ri to.
o o m o r f i s m o , e l e -
e n t e s m í t i c o s . O z
ro OS compon m e s d a s b r u x a s .
n o
sabá, mostra-se Nos C r o-
, S a p o - I n c h a d o ,
a ra, Galo-Preto
n g a s
Ge t i r a n a , M a m o f u r i o s o , a n a l i s a d a
t r a d i ç ã o m i l e n a r do e xé r c i t
co .
me. A na s “m al
bi so me nc on tr a- se re tr at ad a
a n d o e m c o m p r i d a s es ta -
» “cavalg
es sa Ná l i n g u a g e m te ns a do s
bruxas el a in ve rs ão se ex pr E ada - la que
"60 apreço p
qu e,
,
' ou nã a m b i g u i d a d e ma is am pl ia que,
a batu de eleitor unas, és
contrários, O sagrado batuque, en ! pa gã os ,
m a g i s m o e de ci
imaginário impregnado de ad o e d e m o n i a c o :
as en tr e sa gr
o co m frequência, as fronteir À Ze )
fumaçã
de pe ca do s ho rr en do s, T a t u r a n a foi freira pro
ARO sob o peso en -
fr ad e de u m sa nt o co nv
«e u mo rt e de santa; “como: ét i
fessa, € MOT ta at é es to ur ar , de at aq ue ap op ie éti-
to
ro” Galo-Pre vi ve u c o m o as ce
s; qu el et o e s p a l h o u m o r t e € de va st aç ão ,
co, nos abismos infernai Es
re s € te mp lo s; C r o c o d i l o fo i pa pa :
» mesmo assim lhe ergueram alta u- se , c om
da , po rt ad or da ch av e do s cé us , vi
Cristo em vi
vigário de
o s in fe rn os . Po r fi m, ai nd a no un iv er so do
a morte, arremessad ao
rr or es pr at ic ad os pe la as se mb lé ia n o t u r n a ex i-
mito, a galeria dos ho
fo rm a in si st en te € re pe ti ti va , a qu eb ra do s ta bu s. A p ós se en-
be, de
tregar a amores sacrílegos e ver o amante-bispo assassinado pelo ma-
rido ciumento, Mula-sem-Cabeça matou o marido, picou-o e o comeu
“aos bocados": por artes ocultas que dominava, Getirana dava ca-
bo dos rebentos gerados ainda no ventre; Taturana se iniciou nos pra-
zeres do amor com o próprio pai, dele tendo um filho. A rainha do
conventículo terrível relata, com irônicas inflexões de linguagem (“Já
no ventre materno fui boa;/ Minha mãe, ao nascer, eu matei..”).,
como se tornou matricida, parricida, fratricida e assassina dos vá-
a maridos que, barba-azul de saias, foi acumulando numa vida
aos Bernardo Guimarães esgravata, portanto, os recônditos
. alia
ais tenebrosos . da cultura, pondo a nu a antropofagia. , o in
ql
fantici-
dio, o incesto,
O , 3
s
ae ir e pedaços do corpo dos cadávere — a mão do defunto
ga de a o “seco defunto”, a canela de frade ““que tinha/
d tá ” à

E * POUCO de carne corruta”” — integravam as práticas rituais


à magia européia, sendo | im as gi
inná
árri
io tecido em
to o do sabá dae
rnE parte importante do imag
R a as bruxas. As alusões a tais fragmentos são recor-
Ma, assim como à sopa adubada com sangue de mor-

191]
cego, ao lombo de abade ou ao ''menino com tripas e tudo”
se frigiam na pancla, à “caveira/ com badalo de
casco de by ge
| que servia de campainha. A dança frenética,
o rodopio fatal e e
4 ginoso é alusão explícita à dança sabática, invocada num
is
Ê mero de tratados demonológicos e processos movidos cont
ra as ni
sumidas bruxas. Como a atestar o enraizamento,
intuído por Bilac
| do imaginário demonológico milenar em sertões brasileiros,
Bernardo
Guimarães acrescenta elementos dos ritos indígenas à sua
assembléia:
a fogueira c a bandurra, ou cabaça, centrais nas cerimônias tupis
ce exaustivamente registradas pelos cronistas e viajantes estrangeiros
1 desde o século xvi;º ““a dança do catereté”, praticada nas
regiões ru-
rais do Sudeste brasileiro, de origem duvidosa — africana para uns,
E indigena e lusitana para outros — mas, de qualquer forma, alheia
| | ao universo em que se constituiu o sabá;? a embigada, ou umbiga-
4 | da, quase sempre identificada às danças de roda africanas apesar de
| | presente também em manifestações portuguesas como o fandango
ind

e o lundu.!” No poemas curiosamente, umbigada e cateretê desip-


mom

nam o corrupio sabático, ilustrando, sem dúvida, essa preocupação


em

| em mostrar a acomodação local do fenômeno. Tal intuito é reforça-


do pelos objetos específicos ao contexto brasileiro: o jirau sobre que
o ei

| se assenta a “velhinha, rainha da festa”; a cumbuca na qual assobia


o vento sul; o marimbau tocado ora pelas lagartixas de rabo verme-
SS

lho, ora pelos “capetinhas trepados nos galhos”!


| As duas primeiras partes do poema contêm, na verdade, elemen-
tos de ironia que ajudam a entender a leitura que dele fez Bilac. E
quando o poeta descreve o rito, qualificando-o de “festa de grande
aparelho”, “grande folia” ou apenas “festa”; entretanto, conforme
desentranha as personagens de regiões profundas, vai assinalando
sua filiação infernal e tenebrosa: é do “antro das focas” que sai O
vermelho diabo, do “tenebroso covil”” o Esqueleto, da “cova” o Sapo
Inchado, do “fundo das brenhas” as “raparigas do monte das co
bras”, encarregadas de trazer ao narrador abóboras do “sepulcro
e, do “inferno”, feixes de lenha. Na segunda parte já se pode cons
tatar certa mudança de tom: há mau agouro nos sussurros da selva
e nas estrofes entoadas, “ruído de grande fragor"” no ronco do Cro-
codilo, A alusão à dança, ao sapateado, aos rodopios imprimem ão
poema um ritmo vertiginoso; a terceira parte é O frenesi a
dessa farra, quando cada uma das personagens narra atos mano
as camadas profundas do universo mítico 3
veis e arrasta o leitor para
po
É neste nível que o poema adquire tonalidade tenebrosa
voca. Terminado o relato sinistro, o batuque se torna, No início

192
a à c h e g a d a d a
e x ã o q u e p r e p a r
findo: infl a ca n a l h a , a s a l-
à “ n o j e n t
obrigando n d e n t e à e n x o f r e
“ a** rece
| deveria ter sai-
d e o n d e n u n c a
inoas e s s a s a l m a s
adiado «17 Para o infe r n o
|
|

o i n c o n s c i e n t e ,
pr
d a c u l t u r a e d
a d o s O S p e s a d e l os d í g i o s ,
a vez re c a l c d e h |
o r r end o| s p r o
o l i aa;/ d e s s a n o i t e
asquer o s a f “
o € i m u n e a o s f a n-
E c a l d e p u r e z a , | etere
fície o sonho 1d e s e m me do/ L i n d a
aflora à super v í c i o : “ P a s s e a ndo sozinha
ra sm as da c a r n e e do
m a v a d e a m o r e s”.
virgem cis

o m O m u n d o f a n t á s t ico
a n a l o g i a m ai s e v i d e nte c
Apresentando i tiçar i a fo i re p r e s e n t a d a c o m
i m o B o s c h , o n d e a f e
e místico de Jerôn sal qu e, c a v a l g a n d o u m p e l x e -
mb re -s e, po r e x e m p l o , o ca
frequência — le T e n t a ç õ e s dto Antão
e s a n
a b á n u m a d a s
voador, se desloca para O s i r o n i a e t r a g é d i a pr e-
t e n s ã o e n t r e
existentes no Museu do Prado —, à i n d a o t r a t a m e n to
i m a r ã e s l e m b r a a
sente no poema de Bernardo Gu B o s c h p i n -
o C a r o B a r o j a a s s i n a l a q u e “
dado ao tema por Goya. Juli d o r u e F i l i pe |
c o m o b j e t i v o pi o € m o r a l i z a q
tava para censurar, € foi
p r o u su as te la s; m a i s ta rd e, a c o n t e m p l a ç ã o d a s f a n t a s i a s d o
Il c o m
t a r i a a n t e s s a r c a s m o s fr io s e í m p i o s ” . G o y a v i v eu
artista genial susci í r i t o |
quando o h u m o r se t o r n a r a a r m a d o e s p
sea dos, caçoar |
D N A c o m o t a n t o s i l u s t r a
dica em — |
a e i x a n d o u m a o b r a p o d e r o s a q u e “ I mS-
RÉ nÃO o tiso. e À Do d A a a a
a
volt c o m + A n a p o n e a n u i g R N
CRE
as oitenta águas-fortes que int TEA a sdedo 1 s.
e g r a m a sé ri e d o s C a p r i c h o (f ig
é 12 entre as pp. 68 e 69), e s e n ç a n í t i d a da
ia
feitiçar em vi nt e de l A ar o B a r o j a d e t e c t o u a p r

G o y a é s e m d ú v i d a Hi - d a cr ít ic a i l u s t r a d a às t r a d i ç õ es dE
populares, Desde O a
UE
LR

e s é c u l o xv it , fí si co s e m a t e m á t i c o s d e -
monstraram, graças ao S a d e
e r i m e n t a l , a i r r e a l i d a d e d o s * f a s
05” da bruxaria, expli método exp s ão ER
buídos à esfera sobrenat, uraalnd:o sumbusittiotusiu-dsoes, fnea nbôemleanofórmatuléa endte Robeedrt |
Mandro
4, UMa “oni ça so br en at ur al de De us e do Di ab o po r |
UM a vis ão ma is rac i cipr
on esenda existência”, restituiu-se ao Home pe
al
Natureza “ym
l à a u t o n o m i a qu e a c o n f u s ã o a n t e r i o r m e n t e admiti 1a.
Chtre natura
iva i m p o s s í v e l ” . ! 4 O d i s c u r s o m é
Tansfo
rma t a i s ,
| “a
abrindo
e m d o e n t e s m e n
àvia para q uca tea ca possessa
,
intelectuais como Herder e os Irmãos Grimm se em
peração do universo popular europeu, encontra-se
igualment
os ilustrados a tendência a ridicularizar as tradições popul € Entre
as bruxas, como disse Lynn Thorndike, não tinham bibliotes OTais.
que persistem nesse tipo de crença são chamados de ns | Os
“incultos”, ou referidos como “essas pobres pessoas” ES
Um marco na ndicularização burlesca da bruxari
a e dos ma.
nuais demonológicos é o livro do abade Bordelon, Histoire des
ima
de Leo)
ginations extravagantes de monsieur Oufle (anagrama
publicado em 1710 e que, segundo Baroja, estaria para a demonol
e

gia assim como o Dom


Se

Quixote de Cervantes está para as nBvelE


de cavalaria. '* Cerca de meio século depois, detecta-se num texto de
Voltaire movimento complementar: a tendência a transformar a fei.
tiçaria em ficção, inscrevendo-a num tempo encantado e idílico, pró-
prio aos contos de fadas: tempo de mistério, a nobreza curando 0
tédio dos longos serões de inverno com histórias de fantasmas, bru.
xas e aparições, como as da Fada Melusina no castelo de Lusignan:
“todas as damas queriam tirar a sorte; os possessos corriam pelos
campos, todo mundo tinha visto o Diabo, ou esperava vê-lo”, “Ho-
je”, conclui o ilustrado, ““joga-se insipidamente o baralho, e é uma
pena' que sejamos descrentes”!
O texto de Voltaire acusa uma inflexão: entre o tempo de Luís
XIII — que adormecia ouvindo os Contos de Mamãe Ganso — e O
de Luís xvI, as histórias de fadas se viram banidas do universo adul-
to, refugiando-se no mundo dos simples e das crianças.!* A bruxa-
ria se tornara assunto de médicos, motivo de chacota, argumento
para ficção, derivativo para crianças: medicalizado, ridicularizado,
ficcionalizado, infantilizado, o discurso sobre a feitiçaria acabara pri-
sioneiro de vários cárceres — maneira compensatória, talvez, com
que os mecanismos da cultura estancaram a ferida profunda das per-
—ig e

seguições em massa.
Durante o século xIx, passados duzentos anos do pico de per-
seguição às bruxas, quando o terror que por tanto tempo paralisara
as populações européias refluíra para o universo infantil, o sabá se
tornou tema constante da literatura. Victor Hugo numa balada fa-
mosa da década de 1820 — a Balada xrv —, Théophile Gautier em
““Albertus ou "'âme et le péché”” marcam a primeira e a segunda meta-
de do Oitocentos, seguindo a seara aberta pela “Noite de Walpurgis”
de Goethe e modulando, em tons diversos, a negatividade comum àâ0s
românticos.!? Juntamente com outros membros do romantismo pau-
listano, Bernardo Guimarães se atrela, portanto, a uma tradição; cà-

194
a r a m à F a -
g
- u
ent
ovens que fre p e l o s
.

2 6 0 , o p p e n d o r
e 1 5 0 4 ;
qaaue, pêl, lo ea
ntre 184 0
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nto le
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g r e i t o r d e e h
r r o r d a v e l h i c e
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i; cos Sé h o m e p a s t o s a b a t“ t i c o ,
é E a s s t â n c a d a b r u x a , d o r
Se € D o s o r á f i
a o r e t r a E
r g i a d o s d u e n d e s ” ,
r ê n c i a 1 i s a ; « O a d a , SO DI
com a T é e , d e f o r m a c i f r
i c e i r a s , d i s c o r r c a r o à
D i d a s r e i t s t o , i g u a l me n t e
nimalidaç e a, de r e
:
O S e s t e r e ó t i p o s
em revista
s profunde-
t a l v e z , t a l c e -
xas, deplorando,
o m u m
———

fam i l i a r i d a d e c
d o s d u e n -
em

“ A o r g i a
de fadas. Em
a a m b i g u i d a d e e n t r e
jador é

profundas que, sob ân-


n g o d e s t e li vr o. E l a s e s t ã o
u r o u - s e d e t e c t a r dO l o
gulos diversos, proc v e r d a d e é o r g i a de b r u x a s .
i a do s d u e n d e s ” , q u e na
todas na “Org i n s i s t ê n c i a e m r e c o r r e r à
e, ma is u m a ve z, à el ip se ? S e r ia a
Por qu ?
n t a l i d a d e l u s o - b r a s i l e i r a
ela característica da me a , fo r-
x a s d e s c r i t a n o p o e m a h a r m o n i z de
A assembléia de bru -
e , ç õ e s e u r o p é i a s € b r a s i l e i r a s — e n t e n d e n d o
ma impressionant tradi
se, por tal, o cruzamento complicado das diversas culturas que, de
um lado e de outro do Atlântico, se entreteceram durante séculos
Bernardo Guimarães atesta, na longa duração, a persistência snes
AE E EES imaginárias, e sobretudo o fascínio pelos ele-
e qse quando se deseja falar do outro, externo ou
LET de SR os europeus desterravam seus demônios pa-
aims antico, travestindo-os em astecas, incas ou tu-
e + Mas, ao mêsmo tempo, fazendo com
rados na tradição demonológica do Vi o
emanci - Eno Continente. Na segun-
da metaadme do século xix.
cismav em demônios een+ Mas rea a m ig
Por | c o r r i a o s m e s m o s velhos
.
estereótipos - FOT ISSO, Creio Cimo
» N O S S O opo et a e s u a “ O r g i a d e d u e n d e s ”
Serve m de bom fecho a este a b a l

195
NOTAS

A:
Primeira parte — MAC RODEMONOLOGT
ME
O DIABO NAS MALHAS DO ANTIGO REGI

1 O CONJUNTO: AMÉRICA DIABÓLICA (pp. 21-46)

Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada na Reunião Anual da So-
ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência (sspc), São Paulo, 17/ 7/92. Uma se-
cunda versão, bem diferente da primeira, foi publicada pela revista Tempo Brasileiro,
nº 110, 1992. Estão aqui incorporadas partes de um artigo escrito em 1988, apresen-
tado inicialmente como conferência na Universidade de Southampton em dezembro
desse ano e posteriormente publicado em Portuguese Studies, vol. 6, 1990, pp. 85-93.
O presente estudo, na forma como se encontra, é bem mais amplo do que as versões
anteriores, e inédito; para esta versão definitiva, foram imprescindíveis a leitura e su-
gestões feitas por Ronaldo Vainfas e Maria Manuela Carneiro da Cunha.

Par a Gil Vic ent e, ver “Au to das fad as” , in Obr as, ed. Men des dos Remé-
(1)
a Coimbra, França Amado, 1912, t. 11, pp. 293-5. Luís de Camões, Os lusíadas,
anto v, Belo Horizonte, Itatiaia/Edusp, 1980, pp. 192-3.
miados a Zurara, ver Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, ed.
“grs eres, Porto, Portucalense Editora, 1967, 4 vols., p. 368. Para João de Bar-
PE primeira década, 4º ed. rev. e pref. Antonio Baião, Lisboa, Imprensa
asa da Moeda, reimpr. 1988, Livro 1, cap. 2, p. 14.
gi Pero de Góis, ver Raimundo Faoro, Os donos do poder, 2º ed., Porto
Mente e aa vol. b p. 143. Para a citação de d. João 111, referente ao Regi-
(or g.) , Car tas dos pri mei ros jes uít as do Bras il,
São Paulo, Co ver Serafim Leite, 8. |. Paulo, 1954, t. 1, p. 5.
(4) Ver a do 1v Centenário da Cidade de São
in Brian des Stuart Clark, “The scientific status of demonology” :
University “a co Occult & scientific mentalities in the Renaissance, Cambridge
ais 984 , pp. 351- 74. Nas pág ina s 352 -3: ““[. ..] tho se ind ivi dual scien-
tists who c
with dem ono log y wit hou t any sense of incongruity
Of Of the com a Nifo, Gio
vanni dAtiania pç of their criteria of rational inquiry: from Agostino
in six tee nth -ce ntu ry Ital y to Hen ry Mor e, Jo-
Seph Glanvill é dp Andrea Cesalpino
and Robert Boyle in later seventeenth-century England. Others noi

197
Primarilx
“Oncerr "
lopv w Cd with
Si Without int llectual “ÉtUral philosophy
the Dutchman Aid embarrassmen: a Nevertheless Combined
Wwer ci
lan many Physicians rea a O
pethard (Hyperius)
ed 1
n Jean B E It With demono
Hovanni Bai «
Who made SPeci N perha Ps the |
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:
+ and the m
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artigo extremamente
ção nas universidades erEa
udito co ii
a sobre demonologia prot
ton, and society (c. 1520-c 16
Modern Eu= ropean :wite NDe =30)"se+ nmn“ pm
se faca
engt Ãpersa
nkarloo e Gustav Hennin. gsen, Early
1990, pp. 48-81. peripheries, Oxford, Clarendon Press,
(5) Para as implic ti
lhante ensaio de riEa re
a ,a vi and ; ra
witche aftr
”, in Wit
ama retigion, the politics of popular belief, Oxford, Basil Blackwell, 1985. Es
Stuart Clar k, “King James's Daemonologie: witcheraft and king
ship”, in Sidney Anglo
(ed.), Fhe damned art: essays in the literature of witchc
raft, Londres, 1977, pp. 156-81.
Para Bodin, ver Jean Bodin. Atas do Colóquio Interdisci
plinar de Angers (24-27 maio
19584), Angers, 1985. Ver também Christopher Baxter, “Jean Bodin's De la Démono-
manie des sorciers: the logic of persecution”, in Sidney Anglo, op. cit., pp. 76-105.
Na página 102: **In political and religious theory alike, Bodin sought for a synthesi-
sing principle above the conflicts which had torn his country apart. He found it, in
the République, in the concept of sovereignty. He found it, in the Démonomanie and
in the FHreptaplomeres, in the strict monotheism of his system of daemonic Judaism”
ica quan to na relig iosa, Bodin busco u um princ ípio unifi cador
[Tanto na teoria polít
confl itos que tinh am destr oçado seu país. Ele O encontrou,
que pairasse aci ma dos si
no conce ito de sober ania. Ele 0 encon trou, na DR
na République, uso
estri to do seu siste ma de e
Heptaplomeres, no monoteísmo
a Démo noma nie, o E cf cas ato |
ra Nicole Jacques-Chaquin, g ticas «
n t e b e m n a l i n h a
INSCTEV itame a le i s o b r e Os E
| s o l u t o , i m p õ e a seu ar b í t r i o
nte e ab en ce so
“Le desDieumiradeclesla
o m a n i e es t bi
] Démono
dp
sem aentanto
no
dispõe
se sujeitar à ela . Or a: son
ul
t
gu
po
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ib le
Ce
, mai
que
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nou
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s
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no n se ul em en t tou s = om
verain abso lu , à qui i q u ' i l a
n g e r la lo |
à tout i, nstant de cha
s s i d i v i n q u e J ' o r d r e.
| do ne tout au ns |' in st ru me
monsadésordre
d es
inai s, il| nen'en n reste pas crmo an !o absoluto, & quem não apenas
voirs extraordinaire
mor omanie é exatamente
198
es como é cabível alterar, a cada momento, a lei que ele próprio
o s O S m ilagr o a ordem . Satã
veis r o d
hamamos desordem é porta nto tão divino quant
qu. O que e sem deixar de ser, Com 1Sso, O ins-
spo r de poder es extra ordin ários
i t o b e m d i
pode mu q], Nicole Jacques-Chaquin, “Nynauld, Bodin et les autres: les en-
rumento de au , hose textuelle”, in De /a lycanthropie — transformation et exta-
jeux d une a édition critique augmentée d'études sur les Iycanthropes et
se des sorcie «aa Frénésie Éditions, 1990, p. 22. Pensando ainda na ambigiil-
les loups-garo to teóric o do Estad o e da economia na) politica, Trevor-Roper
in, demonólogo,
dade de Bod a frase: “In those years of apparent ilumination there was at least
escreveu uma bel t”
of the sky in which darkness was positively gaining at the expense of ligh
E o de aparente iluminação, as trevas estavam à ganhar terreno sobre a luz
um quar to do céu] , H. Tre vor -Ro per , The Eur ope an witch-craze of
ia Ta
Sev ent een th Cent urie s, Lond res, Pen gui n, 1988, p. 8 [trad. port.:
the Sixteenth and
Religião, reforma e transformação social, Lisboa, Presença/Martins Fontes, 1972, p.
73]. Para Hélene Merlin, a posição singular de Bodin se devia ao fato de ahar, para-
doxalmente, duas perspectivas em uma: à visão voluntarista de Deus e do Diabo: “Aussi
peut-il à la fois élaborer, sur le modêle divin, la théorie de la souveraineté et de I'ab-
solutisme royal, et attribuer à Satan un pouvoir exorbitant"” (p. 70) [Com base no
modelo divino, ele pôde elaborar, simultaneamente, a teoria da soberania e do abso-
lutismo real, e atribuir a Satã um poder exorbitante]. Hélêne Merlin afirma ainda
que a política impõe sua existência, ao lado do direito e da teologia, a partir das guerras
de Religião, e “nasce sob o signo do demoníaco" (p. 71), “Le devenir démoniaque
du corps politique sous les guerres de Religion", Frénésie, Sorcellenes, nº 9, 1990,
pp. 57-75.
(6) Baseio-me aqui no estudo de Maria Tausiet Carlés, “Le sabbat dans les trai-
tés espagnols sur la superstition et la sorcellerie aux xvi* et xvnº siêcles”, Colóquio
Internacional Le sabbat des sorciers en Europe, Saint-Cloud, 4-7/11/92, texto mimeo.
esperando a publicação das atas. A autora considera como mais diretamente ligados
à problemática demonológica os seguintes tratados: Martín de Andosilla, De Supers-
titionibus, Lyon, 1510; Martin de Castafiega, Tratado muy sotil y bien fundado de
las superstitiones y hechicerias Y vanos conjuros y abusiones y otras cosas al caso
toc anies y de la possibilidad y remedio dellas, Logrono, 1529; Alonso de Castro, De
Sortilegiis ei maleficiis et eorumque punitione, Lyon, 1558; Pedro Ciruelo, Reprov
a-
mi de las supersticiones Y hechicerias, Salamanca, 1538; Martín
del Rio, Disquisi-
Eng pi ig 1599; Benito Perer, Adversus fallaces et superstitiosas
aii HS 5 E Ra de observatione somniorum et de divinatione astrologica, In-
iai o E a aa ae Lanuza, Combate de demonios y patrocinio de angeles, San
odiar se : TR Navarro, Tribunal de supersticion ladina, Huesca, 1632;
sig a e ? Ibera y Andrada, Magia natural v artificial, 1632 (obra da qual
quibiisia tuto); Francisco Torreblanca Villalpando, Epitomes delictorum in
Perta, vel oculta invocatio daemonis interventi, con su Defensa en favor de
los libros catolicos de la Magia,
Sevilla, 1618.
(7) Maria Tausiet Carlés, op. cit., p.
3.
sã E Certeau, “Travel narratives of the French to Brazil; Sixteenth to
(9) Gini cs , Representations, “The New World”, nº 33, 1991, pp. 221-6€e 225.
mas cultura; E nciani, O maravilhoso como critério de diferenciação entre siste-
1, nº 21, 19*90-» Revista Brasileira de História, São Paulo, ANpuH/Marco Zero, vol. |
1, p. 22,

199
. Pin
re de Lan cre' A Fr én ésio E ii des Mauvais d s
anges et des a ESjê
A 1990, pp. 23-31. — ESychiatr le — P Sychanalyse Sorcelór E 7

Ambivalent conquests — Ma
ISI7-ASTO, Cambridge Univer ya and Spaniards in Yucatan,
sity Press, 1991, pp. 24 ss. Nelas, a
Os espanhóis viram no Yucatán apenas autora mostra como
os aspectos da vida nativa que lhes interessa-
vam, deixando de registrar ou captar a porção
menos visível ou evidente das relações
de autoridade.
(15) “The European experience profoundly influenced its Andean counterpart:
the ideology of the demon hunters in Europe shaped the ideology of the extirpators
in the New World; and, as in Europe, the trials to eliminate idol worshippers had re
effect on the social and religious life of those groups caught in the E e
europé ia influe nciou profun dament e o seu ae ivo pio bro E
[A experiência
logia dos caçadores de demônios na Europa moldou a ideologia ts | a AEE
Novo Mundo; e, como na Europa, os processos voltados para a eliminaç Ividos na
fundos sobre a vida religiosa e social dos grupos envo
latras teve efeitos pro d witches — gender ideologies
a às bruxas], Irene Silverblatt, Moon, sun an 59. Serge
man ia! Peru, Princeton University Press, 1987, p. | ia!
and class in Inca and colonia !“ trd à ação
relação entre ido
SER e
lat demonol
ria
savnit ogia:
fait sque “Mais
tradui-
tn clei mostrou sensível
idolátrie puis celle-ci en sorcellerie a
VEglisesen serait encore tenue 4 Ev ae
ce les croyances et les pique do diabolique récupére obsun
poa gmum
fur et à mesure que exp dr stianisa tion à son tour suscite
monia; que.e Au Festations traditionelles, la christ coidentale.
plupart des mam es

200
ge ne s p r é c ê d e m e e n t év oq uécs,
+ avec les expériences indi tr am e” ” [ M a s a Igreja
consti tu e en co re la
ja divinité en cr en ças €
ss e a p e n a s tr ad uz id o as
Dad zo defensiva caso tive e m o n í a c a. Á
ma em fe it iç ar ia d
nd e a seguir, esta últi rt e da s ma -
d a m e n t e , à ma io r pa
ias ses bólica recupera, obstina go ria inédita
aç ão , po r su a VE Z, su sc it a um a ca te
“ cristianiz
a explicaçã
medida aque Eae ea g i a en ta l. El as nã o té m relação
nifestaç õe s tr ad id o et e s q u e m a s da d e m o n o l o oc id
a d a s an te ri or me nt e, m e s m o q u a n d o a tr am a co n-
de aparições Cê a Apenas evoc
di vi nd ad e) . Ve r “ V i s i o n s et ch ri s-
p e a ai a f r o n t a m e nto com à
com às a n n , Vi si on s in di en nes, vi-
ch el S a l l m
u r a mexicaine”, «n Jean Mi . 117-49 e 123.
tianisation: / pj de Vinc on sc ie nt , Pa ri s, pu r, 19 92 , pp
h a r o q u es: l e s
go de Pi er re R a g o n , “ D é m o n o l átrie et
sio n s
me no interessantíssimo arti si êc le ”, Revue
li sa ti on m e x i c a i n e au xv i*
es sç e recherches sur la civi
n t e m p o r a i n e , t. XX XY , abr.-jun . 1988, pp. 163-81, particu-
démono 08” pe et C o
éi as do au to r so br e as re la çõ es en tre de-
a a “Cudiozasméite muitas das id ra ta nt o, ver
n c i d e m c o m as mi nh as . Pa
ricanas coi
gas Sê ap práticas religiosas ame
ab o e a te rr a de Sa nt a Cr uz € ai nd a ““The devil in Brazilian history”,
olá qudido O di
3.
Portuguese Studies, vol. 6, 1990, pp. 85-9 | |
. |
(17) Pierre Ragon, op. Cit., P. 175 a” , in
“T he di ff us io n of ma gi c in co lo ni al Am er ic
(18) Ver Gustav Henningsen, V. Jo-
ess ays in ho no ur of Nie ls St ee ns ga ar d, ed. Jens Christian
Clashes of culture: ss, 1992,
g Pet ers en e He nr ik St ev ns bo rg , Od en se Un iv er si ty Pre
hansen, Erling Ladewi
. Ser ge Gr uz in sk i ta mb ém faz a rel açã o ent re Ol mo s e Cas tafiega: “il est
pp. 160-78
osition d'un traité
significatif que "ouvrage de Olmos ait été la pure et simple transp
de Fray Martín de Castaega consacré à la sorcellerie espagnole. Un livre auquel le
missionaire apporta peut-être sa collaboration quand en 1527 1l participait à la chasse
aux sorciers en Pays basque"” [é significativo que a obra de Olmos não tenha sido se-
não a transposição pura e simples de um tratado de fray Martín de Castafiega dedica-
do à feitiçaria espanhola, livro com o qual o missionário talvez tenha colaborado quando
participava, em 1527, da caça às bruxas no País Basco]. Ver ““Visions et christianisa-
ton: Vexpérience mexicaine””, in Jean-Michel Sallmann, op. cit., p. 123.
Ee a qi Odegardo, Los errores y supersticiones de los indios, in Co-
Gado iris id Ro Pure referentes a la historia del Perú, 2º sér., vol. 3, Lima,
e peito abine MacCormack, ''Demons, imagination and the In-
» Aepresentations, “The New World”, 1991, pp. 121-46, particularmente p. 136
(20) Jean de e Lé Lery, Histoi
in reima?d'un voyage faict dans la terre du Brésil, ed. Paul
Gaff
dia Alphonse Lemerre Éditeur, 1880, 2 vols., vol. 2, p. 71. Examino mais A
21) E EA relação no capítulo 8 deste trabalho. di
Jean-Mich Pud in
Gruzinski, “Visions et christianisation: lexpérience mexicaine”, E Aa
(chel Salimann, op. cit., p. 132 e
(22) PierreRagon, op. ci És D 170) a w CDA A
23 E!
ção era sobre a conversão do gentio, ed. Serafim Leite, Lisboa, Edi-
TE
(24) Yves dPEvr Iv Centenário da Fundação de São Paulo, 1954, p. 16. pat o E Sia
nl»
lé- Clastres, Paris Pa cux, Voyage au Nord du Brésil fait en 1613 et 1614, ed. Hélêne
Ja
fausses Prophéties já 1985, cap. “Comme le diable parle aux sorciers du Br sil, leur :
(25) Idem. » Idoles et sacrifices”, pp. 221 ss. - a Au EA RS
: E . = -
mn

LE
autres cérémonies diaboliques a : quées
Ibidem,
par les Sorciers du Brésil” po
l E aa =ip Sad o
E ” Pa TE

le.
o LIL “As
ae am Ds aee
ai O
à
: pt
E; tm -
[ii qm E E

201
(26) Carta do padre Azpiúcueta Navarro aos
Jesuítas de Coi
in padre Serafim Lente, Momumenta Brasiliae, Roma,
E Mbra, 287 3/
cietatis Jesu, 1956, vols. | a 4, p. 178.
(27) Apud 3. T. Toríbio Medi
na, Historia del Tribuna!
Inquisición de Lima (1569-1820), Sa del Santo Oficio
tedio expedido contra ntiago, Imprenta Gutemberg, 1887
astrólogos, judiciários , tm, de la
e feiticeiros),
(28) Miguel de Estete, “ Relación "Po
de la
bros y documentos referentes a la historia deiconq uista del Perú”, in Colección de
Perú, 2º sér., vol. 8, Lima, 1928 j.
3-9, Ver a respeito Sabine MacCo
Presentatíons, “The Nem World”,rmack, “Demons, imagination and Lhe Incas” E
1991, pp, 121-46, especialmente pp
(29) João de Barros, Ásia — do
s feitos que os Portugueses fize
. 129:30.
mento * conquista dos mare ram no descobri.
s e terras do Oriente — Prim
pref. Amonio Baião conforme eira década, 4º cd. rey, e
ed. princeps, Lisboa, Imprensa
da, I98E, Livro vw, “C Nacional/Casa da Moe.
| um temporal na paragem do Ca.
e terra a que comument
e chama.
- Robert Southey estranha
-

mais que de costume, é ma


JUE cra razodvel; em vez de atri
buí-la ao triun fo de Satã, O hist
is do
'a à mudança ao fato de o nome oriador inglês credi.
de Brasil en contrar-se em voga en
cd

desde o último quartel do século xv. tre os geógrafos


A

Lembra também a existência, en


DO

vos, da trad ição relativa a uma ilha encant tre vários po-
ad a chamada Brasil, defend
nha tese de um nome em busca de endo a estra-
um lugar: “Era pois natural que
um pais à que se pudesse aplicar, se apenas aparecesse
fixasse n ele este nome, que até entã
* INSETIO, E daqui provavelmente o andava vago
veio o ter ele prevalecido sobre a deno
cial, e até samiificada pela sanção minação ofi-
religiosa”, Robert Southey, Histór
Belo Horizonte. Hatizia; São Pa ia do Brasil, trad.,
ulo, Edus P, 1981, vol. 1, pp. 878,
(30) “A historiografia brasileira nota 27,
se im cia realmente com a obra de Pero de
galhães Gândavo”, José Honóri Ma-
o Rodri gues, História da história do Bras
pare — Historiografia colonial, il, Primeira
São Paulo, Nacional, 1979, p. 426
,
(31) Pero de Magalhães Gândavo, História da provín
cia Santa Cruz, Rio de Ja-
netro, Edição do Anuário do Bra
sil, s. d., pp. 79-R0,
(32) Frei Vicente do Salvador, História do Bra
sil — 1500-1627, 3º ed, rev. Ca-
pistrano de Abreu e Rodolfo Uarcia, São Paulo, s. d,, p. 15,
Gândavo € frei Vicente
parecem ser os únicos “historiadores” dos
primeiros tempos coloniais a abraçarem
à tradição. Gabriel Soares de Souza, tão afeito
ao maravilhoso nas descrições da flo-
ra, dos bichos, dos monstros, mostra-se, ao tra
tar do descobrimento do Brasil, emi-
nentemente pragmático, Ver Notícia do Brasil
, introd., coment. e notas prof. Pirajá
da Silva, São Paulo, Martins, 5. d., PD: 65: "Esta terra
se descobriu aos 25 [sic] dias
do mês de abril de 1500 anos por Pedro Álv
ares Cabral, que neste tempo ia por capitã
mor para a Índia por mandado de El-Rei D, Manuel, o»
em cujo nome tomou posse
desta província , onde agora é a capitania do Por
to Seguro, no lugar onde já esteve
a vila de Santa Cruz, que ass im se chamou por se aqui arvorar uma muito gra
Por mandado de Pedro Álvares Cabral, ao pé da qual nde,
3 de maio, uma solene missa com muita festa, pelo mandou dizer, em seu dia, à
qual respeito se chama a vila do
mesmo nome, e a província por muitos anos
foi nomeada por de Santa Cruz [...]".
Mero registro de fatos, nenhum
a alusão ao pau-brasil infernal.
(33) Rocha Pita é lacônico, mas atesta conhecimento da
te foi o primeiro descobrimento, este o pri referida tradição: “Es-
meiro nome desta região, que depois esq
ue-

202
e —— |
e s p ú c i o , € u l t i m a men-
Amer ico V |
Tica, por
Ameri
i c a por-
Sc chamou H i s t ó r i a d a A m é r
ti
ítulo (ão
supe r i o r ,
de br as as , q u e p r oduz”,
a, 1880,
o

lv
á
d d
au v e r m e l h o, ou co
Franci s c o A r t u r da Si
ai sa Tio t a P r o-
a a S a s t á C r u z n e s
a rev. c anot.
é mais
J
enfático: “Não foi -
menos ve nerad
gu e
do pelo capitão Pedro Álvares Cab ral foi descoberto este Esta-
O Peregrino
do Bra sil , quando pe acompanhado de muitos Portugueses saltaram em
víncia
do no ano 1500. “atoSeguro, por recon
demaram hecer ali o abrigo de seus pagiores traba-
(a qual cha Porto Seg es do mar) aos três dias do mês de Maio,
lhos, depois

como afirma uve pregação, a a


de alegria, 5€ celebrou a Missa, € ho
tração de gran ma da ; e pu se ra m por nome a terra tão formosa, Dicvincia
de artilharia da Ar depois converteu a cobiça, € os interesses do mundo em
que P r o v i n c i
“+ título,
êndio
A entra dE lgarmente hoje se chama”, Nuno Marques Pereira, Comp
ia
O nao América, 6º ed., Rio de Janeiro, Publicação da Academ
aasi,
do nBr rs E 90. Sobre a idéia de inferno, purgatório c paraíso na obra eo
a AMADA de ne
autor, ver Patrícia Albano Maia, “Do paraiso ao purgatório: ér ic a” , co mu nicação
na rr at iv o do Pe re gr in o da Am
Marques Pereira no Compêndio 92.
apresentada ao Congresso América 92: Raizes € Trajetórias, São Paulo, ago. 19
ue s Per eir a po de ter lid o Jo ão de Ba rr os , cl ás si co da lí ng ua po rt ug ue sa , € Gá n-
Marq
sboa.
davo, que teve sua História da província Santa Cruz publicada em 1576, em Li
já frei Vicente permaneceu inédito por mais de dois séculos, apesar de conhecido e
noticiado por intelectuais setecentistas como Barbosa Machado ou Jaboatão. Ver a
respeito José Honório Rodrigues, História da história do Brasil, op. cit., pp. 493-4.
(34) Padre Jerônimo Rodrigues, “A missão dos carijós””, in Serafim Leite (org.),
Novas cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira), São Paulo, Nacional, 1940, p. 123,
(35) In Serafim Leite, op. cit., p. 174.
(36) Para a referência a Alfredo Bosi, ver História concisa da literatura brasilei-
ra, São Paulo, Cultrix, 1970, p. 26. Para todo o resto, valho-me do belo artgo
de

“O aferidRoT o
Décio de Almeida Prado, “O teatro como instrumento de catequese””, Nossa Améri-

conciliábulo — o concílio do Mal. Não é aa


e
o que quatro diabos, reunidos em
E
mais, dando-lhes a palavra coma a certo ORE RS
nhores intercséndos , momento todos sece am,RRparecendo se-
sentRE
| em resolver problemas práticos através da livre di ã
Pos que O ato de sentar, quando a persona PI NO
freah ge m na da te m a diz er, de ve nd o contudo
requente em tal tipo de peça, re
solvendo, para o autor, o

âmicas, de tanta
vivaci
em POSIÇÃO tão Ss provenientes do Inferno,
estática —
Na do teatro Oc bos sentados de toda a histó-
idental”.
(37) Alonso de
Zorita, Hi
nº t- 59, fis. 245-60,
Apud
de las cosas de Nueva Espana, ed. Angel Maria Garibay K Méxi 0, Porria S.A
"hj
(40) : '
Up. Cit, Pp 166.
Pº ara tal infleao
xão no discurso
jesuítico, ver Adriana Romeiro, “Ty ,
caminhos levam ao céu”, dissertação de mestrado,
irem-Unicamp, 1991 (8 05
cavadores de almas”, passim, ; + Ap À, “Os

e
(41) Ragon, op. cit., pp. 170 ss. Stuart Clark, Inversion, must
ning of mitcheraft?, pp. 98127. ule and the mea
(42) Diego DurTAM, án, His
é toria de las Indias de Nuevova Esp
E ana e isla 1
me, ed, Angel Maria Garibay K., México, Porrúa S. A., 1967,2
4tum toda esta parte reterente àE inversão e à desordem, v ols,, vol, a
|
vali-me da análise | + De 236,
de Ragon, op. cit., p. 174. inteligente
(45) Para à carta de Luís da Grã, ver padre Serafim Leit
e (org), Nov
jesuíticas, p. 163. Padre Fernão Cardim, Tratados da terra e gente do
Brasil, e
dão Paulo, Nacional/mec, 1978, pp. 185-6. A simbol
ogia do fogo ocupa a | É,
trai na feitiçaria: ver Nicole Jacques-Chaquin, ““F
eux sorciers — quelanes véia
sur Vimaginaire démonologique (xvº-xvn* siêcies)", Terrain,
nº 19, out, 1992, pp aê
+

(44) Para à linguagem dos contrários, valho-me aqu


—"—=

i da análise de Stuart Clark


acima mencionada,
ET

(45) Robert Ricard, La conquête spirituelle du Mexique. Essai sur


| apostolat
et tes méthodes missionaires des ordres mendiants en Nouvelle Espagne de 1523-1524
E

à 1572, Paris, Institut d'Ethnologie, 1933, pp. 100-1, nota 75.


(46) Dentre os historiadores, é Serge Gruzinski quem dá a mais sofisticada e
completa definição de idolatria, “dimensão secreta [...] que invade o essencial da exis-
tência indígena”, sistema integrado, verdadeira cosmovisão. A idolatria, por um la-
do, se manifesta no âmbito restrito da domesticidade; por outro, se generaliza e dis-
semina por toda a vida cotidiana. A ênfase em tal bifrontalidade imprime à idolatria
caráter vasto e abrangente: o fenômeno é analisado no âmbito multifacetado da cul-
tura, acentuando-se-lhe o caráter simbólico em detrimento do mecânico (práticas má-
gicas). Para Gruzinski, as práticas mágicas passam a se destacar no contexto da ido-
latria quando esta, atraída pela magia curopéia, soçobra nela, se mecaniza, perde a
dimensão cósmica. La colonisation de "imaginaire — sociétés indigênes et occiden-
talisation dans le Méxique espagnol — XVF-XVIIF sitcle, Paris, Gallimard, 1988,
sobretudo pp. 189-238, e pp. 239-61. Muito interessante também é a tipologia criada
por Ronaldo Vainfas, que vê nas Américas idolatrias ajustadas e idolatrias insurgen-
tes. Ver “Idolatrias e milenarismos: a resistência indígena nas Américas”, Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 9, 1992, pp. 29-43.
(47) André Thevet, Les singularitez de la France Antarctique, ed. Paul Gaffa-
rel, Paris, Maisonneuve & Cie, 1878, p. 168.
(48) Notar como esta afirmação de Acosta se aproxima à de Pierre de Lancre,
que interessa
que será desenvolvida na conclusão deste trabalho. A obra de Acosta
para a sua definição final de idolatria é a Historia natural moral de las Indias (1590).
Ver Pierre Duviols, Op. cit.
(49) “Colóquios de 1524, colecionados por Bernardino de Sahagún em 1564,
e sábios, sobre-
nos quais os doze franciscanos expõem aos líderes político-religiosos
A conquista
viventes da conquista do México, a nova ordem cristã”, in Paulo Suess,
Vo-
espiritual da América espanhola — 200 documentos — século XVI, Petrópolis,
se e : É
zes, 1992, pp. 429-75, especialmente cap. x1, “Onde se diz como
encarregaram os diabos de andar sempre enganando os homens na terra PP. pe a
aborrecedo
e cap. xiv, “Onde se diz como os diabos são muito invejosos, muito
das pessoas”, pp. 4715.

204
n e M a c C o r m a c k , Op : cit,
go n, O P ai t..! é Sab i
Os-m e e m Ra alhos de Ruiz
(50) Base io ci t, Pp . 19 1. 2. Os tr ab
ci to Se rg e G r uzinski, op. m
(51) Ver & r e s p
p e c t i v i am en te Tr at ad o de las su pe rsticiones Y cos
i n t o d e l a S e r na, res
ó nc J a r € a n u a l d e m i n i s t r os de
de Alare u e n t r e l o s i n d i o s . ( 1629) e M
r o s R é m tlicas q h o y viven e rp ac ió n de el as (1 65 6) , não foram
qun b
en to de sus idolatrias Y ex ti
€ 4 co no ci mi he z de Agui-
o s p a r a me no s im po rt an te s de Sa nc
md i éc ul o xv H; Já 05 trabalhos
os
publicados n re € Ricardo Villavicencio
fo ra m ma is Fe li ze s: re sp ectivamente
o de Ba ls al ob de ta s id ol at rí as...
jar, G O N A
ri, 1619), Rela ct ón au té nt ic a
ri do lo ru m cu lt or es (M ad
ntr as .. . (Pue-
Informe co L u z Y método de confesar id ól at ra s y de st ie rr o de id ol at ri
6 5 6 ) ,
(México, 1
bla, 2) Relação etnográfica de Bernardino de Sahagún sobre a degeneração dain
pe la de st ru iç ão de su as id ol at ri as ”,
ectplina € dos € ystumes indígenas causada .
discipa” ( o r g . ) , OP. ClL, “pp. 217-24, citações à página 218. |
Paul o S u U e s s
R i c a r d , Op . ch t. , P. 105.
(53) a t á n , a p u d I n g a C l e n d i n n en,
de L a n d a , R e l a c i ó n de la s c o sas de Yuc
(54) Diego s the se books which were
fato, a au to ra co me nt a: “f. .J it wa
op. cit., PD. 70. Sobre o of va nd al is m wh ic h mu st have been
friars: an act
later systematically destroyed by the the essential horror of
h is I suppose
monstruously unintelligible to its victims, whic en te des -
ros qu e de po is fo ra m si st em at ic am
vandalism”, p. 134 [ [...] são esses 05 liv mente inin=
ato de va nd al is mo que dev e ter sido monstruosa
(ruídos pelos frades; um ial do vandalismo).
qu e é, a me u ver , O ho rr or ess enc
telipível para suas vítimas, o
(55) Ver Gruzinski, Op. Cit., Pp. 235.
(56) Inga Clendinnen, op. cit., p. 80.
) Re me to mai s um a vez ao est udo bri lha nte e sut il de Ing a Clendinnen, op.
(57
cit., p. 77 e passim.
(58) Apud Duviols, op. cit., p. 35.
(59) Ricard, op. cit., p. 359.
(60) Serge Gruzinski, op. cit.
(61) Nancy Farris, Maya society under colonial rule — the collective enterprise
of survival, Princeton University Press, 1984, p. 286.
(62) Serge Gruzinski, op. cit., p. 241.
(63) Irene Silverblatt, op. cit., p. 195. A citação anterior se encontra à página 173.
(64) Serge Gruzinski, Op. cit., p. 215.
| (65) “Soustraite en partie au contrôle des autorités ecclésiastiques, la fabrica-
tion d'images chrétiennes, de peintures, de statuettes, d'ex-voto remplit Iunivers in-
digêne de représentations qui scandalisêrent fréquemment le clergé. En 1585 des voix
demandêrent au nº Concile mexicain d'interdire la figuration des démons et des ani-
maux au côté des saints car les Indiens les adoraient 'comme auparavant”. En 1616
un prêtre s'en prit aux 'statues du Christ, aux images peintes sur bois ou sur papier
Sen; les factures étaient si laides et d'allure si vilaine qu'elles rassemblaient davanta-
E sb pantins, à des gribouillages ou à une autre chose ridicule'* [Parcialmente sub-
ga ao controle das autoridades eclesiásticas, a fabricação de imagens cristãs, de
a Ro E ig de ex-votos preenche o universo indígena de representações
cid pn o clero. Em 1585 ergueram-se vozes pedindo ao mt Con-
doidas q se cê a representação eutatisa de demônios e de animais ao
COLE RR x a n e os adoravam como outrora”. Em 1616, um padre
Ccucda Eana as e Cristo, imagens pintadas em madeira ou papel cuja
ntujas dorqie sui aspecto tão desagradável, que mais pareciam títeres ou ga-
oisa], Serge Gruzinski, op. cit., p. 243.

205


(66) Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraiso, 2º
cd., São Pa |
nal, 1969. Guberto Freyre, Casa-grande& sentala, 9º ed., Rio de Jane Wo, Nacio.
pio, 1958, Para a polêmica | à
do jusnaturalismo, ver Lewis Hanke The ç TO, Jo
E Olym.
for justice tn the conquest Stru Í
of America, 2º ed,, Boston

a
/T or
1965. 3. 5. Silva Dias, “A revolução dos mitos e dos conc onto, Little Brown O
eitos"! ; Õ,

ci
+ Im Og des rimen.
T, Coimbra, Universidade de Coimbrcob
tos e a problemática cultural do século XV

E
pp. 1977-276. a, 1971
(664) Valho-me aqui da análise de Sophie Houdard, “ ronti
ére et altéritá
le Tableau de Vinconstance”, op. cit., p. 24. Ver também, dam es dans
ma autora, Les s
du diable — quatre discours sur la sorcellerie, Paris, Cerf, 1 99 ciences
2, cap. IY, Pp,
“Pierre de Lancre et le diable Protée”, 161216,
(67) Prerre de Lancre, Tableau de !inconstance des mauvai aus
anges et des dé.
mons ou 1d est amplement traité des s
orciers et de la sorcelterie, introd. crit e
Nicole Jacques-Chaquin, Paris, Aubier, 1982, Livro |, dis . notas
curso 11, “Qu'il ne se fau
etonner puisqu'il y a un si grand nombre de mauvai
s Anges, qu'il y ait tant de Magi.
ctens Devins et Sorciers, et pourquoi ceux du pay
s de Labourd ont tant d"inclination,
et courent si fort à cette abomination”, pp.
69-88 e 79. A associação entre os selva.
gens e os bruxos do Labourd me foi suge
rida pela leitura de Sophie Houdard, op.
CHt., p. 27: “On comprend micux aussi 'i
nterprétation sémantique que le conseiller
donne alors à "espace basque: les labourdins son
t comme les sauvages de |'ile espag-
nole; comparés, traduits en termes de sauvagerie
, ils forment un espace nettement au-
tre” [Compreende-se melhor também a interpreta
ção semântica que o conselheiro faz
então do espaço basco: os laburdinos são como os selvag
ens da ilha espanhola: com.
parados, traduzidos em termos de selvageria, form
am um espaço cuja natureza é cla.
oo MR

ramente outra).
(65) Utilizo propositalmente concepções diversas
que discorrem sobre um mes-
mo fenômeno, a constituição do sistema colonial
e das relações entre Europa e Amé-
a

nea. Para a colonização como sistema — formulaçã


——

o de Jean-Paul Sartre —, ver Fer-


a

nando A. Novais, Portugal e Brasil nos quadros do


antigo sistena colonial, 1777-1808,
São Paulo, Hucitec, 1979: para 0 processo de oçiden
talização, ver Serge Gruzinski,
Op. cit.
(69) Penso aqui no capítulo de Marx intitulado ““T
eoria moderna da coloniza-
ção”, in O capital, trad., Rio de J aneiro, Civili
zação Brasileira, s. d., vol. 1, p. 883.
(70) De Lancre, Tableau,.., discurso 1,
p. 80.
(71) Tal afirmação foi feita por Michel Meurger no Colóqu
io Internacional Le
sabbat des sorciers en Europe, Saint-Cloud, 4-7
/11/92: no momento, não tenho con-
dições de precisar em que fontes se ba
seia.
(72) Carlo Ginzburg, Storia notturna — una de
cifrazione del sabba, Turim, Ei-
naudi, 1988 (trad. História noturna — de
cifrando o sabá, São Paulo, Companhia
Letras, 1990). Ver também sua comunicação das
“Sur les origines du sabbat”, Colóquio
Internacional Le sabbat des sorciers en Europe, Saint-Cloud, 4-
esperando a publicação das atas. 7/11/92, texto mimeo.
(73) Charles Zika, “Body parts, Saturn an
d cannibalism: visual representations
ot witches” assemblies in the Sixteenth Ce
ntury”, comuni cação apresentada no Coló-
quio Internacional Le sabbat des sorciers
en Europe, Saint-Cloud, 4-7/11/92, texto
mimeo. esperando a publicação das ata
s, p. 15. A análise brilhante de Zika
que, malgrado referências textuais mediev mostra
ais ao canibalismo das bruxas, este só
meça à ser representado pela iconografi co-
a na segunda metade do século xvi, o
su gere descompasso entre q figuração escrit que
a e a visual no tratamento do tema. “Thi
s

206
o n s o f A m e r i idnidians
n
O Í v i s u a l d e pictii
t y
fter » the begin-
By !
the 1550s.would
especially a! “st EUFODE have rea-
430s and

cas. and especially nar dp


the Tupinamba ha
1y identífie nen n's illustrated account.
dily (der ith such deeds. 1 itions of Hans ger cannibalistic imagery
he main elements O
Ge 4
f Brazilian ians
Indians from the early
ha i . tin the depiction O : seemuller,

a es, Simon Grace o uorks by André Thevet and others from


wfc ; and of ers.
“oful bastian Munster m

[ LC ii were also
E Brar
d a
: in the E widely dicafnde. SE Há and his
ate 15505, a0 ther and illustrate
d by
b cod O -

qe aaa to America put o fisto soderia ter sido facilitado pela popularidade
pes ; and 1620s' * canibais por volta de 1530
sons betwesã dação
3 “« dos ameríndios como selvagens cânive és d e toda
das represen Laç
do século xvi, leitoresCan cultos
Sá gorraios ? de 1550. No início
da 3 nati vas é E
a
das Américas, e especi at-

e. sobretudo, àP prontamente as populaçõesO canibalis


je
dentificartam rasil, com tais práticas.
a Europa iden
mente Os ! vá ri as ed iç
l õe s do re la to il ustrado de
ic ul ar me nt e f a m o s o com as rári
poa- qpa i rt un ir am os pri nci pai s pp a ço ao
bás tornar n. As ilustrações des te tra bal ho re
Hans Stade E pçs havia se tornado elemento básico na representaçã
cena 1 rimeiros anos do século e tinham sido amplamente retrata-
dios be a Waldseemuller, Lorenz Fries, Simon Grynaeus, Sebastian
dos nos rpsinto O canibalismo dos tupis foi também representado graficamente em
dr é The vet e out ros no fin al da dé ca da de 155 0, e al ca nç ou
re nda os de An
meme a nas narrativas européias de viagem à América emplemente Gi a
na coletânea ilustrada de Theodore de Bry e seus filhos entre as décadas 1590 e IR
it., p. 15 (grifo meu).
r “89 Espa temas ligados a Saturno, ver, entre outros, R. Klibansky, E. Pa-
nofsky e E. Saxl, Saturne et la mélancolie, trad., Paris, Gallimard, 1992.
(75) Nuno Marques Pereira, op. cit. No prefácio da obra, Nuno Marques Perei-
ra diz que resolveu escrever o livro para ““avisar e denunciar”” vícios e pecados que
ocorriam no Brasil, “levado pelo zelo e amor de Deus e da caridade do próximo,
e por ver e ouvir contar da geral ruína e feitiçama e calundus nos escravos e gente
vagabunda, no estado do Brasil, além dos pecados, superstições e abusos [...]”. Re-
meto novamente à comunicação de Patrícia Albano Maia, “Do paraiso ao purgató-
Ho...”. Discurso Histórico e Político sobre a sublevação que nas Minas
houve no ano
de 1720 — No fim do qual se explicam as razões que o
excelentíssimo senhor conde
general teve para proceder sumariamente ao castigo, publ. J. P. Xavier
revolta de 1720 em Vila Rica, Ouro Preto, da Veiga, 4
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898.

D
É CULTURAS E CRENÇAS — BRASIL,
é

1543-1618 (pp. 47-57)


vo, n$ 1, 1993, pp. IS ligeiramente diferente em Historica — Revista do Arqui-
(1) Capistrano de Abreu
SOS e povoamento do Brasil, ei “«Ar : as | + in Caminhos anti-
pen eR dem , don
- da Sociedade Capistranoajá tic
de Abreu, Rio de Janeiro,

207
| ivraria Hriguiet, 1930, pp, 35-50: à citação
está na página 45. e n
publica-se, em grafia modernizada, O interrogatório de E de Tube Páginas 46.50
o imterrogatório global, ver “Inquyrycam que ho vigairo desta via de 1550, Pary
vrou jumtamente com ho padre Manuell Collaço c Pero Anes Vcs
TOM VeBUro
sobre as heresias e blasfemeas que Pero do Campo Tourinho Governad Sh Ma EO
o Tt
õ

tanya dyzya e fazya contra Deus noso Sniior", Arquivo Nacional da or dh Capy.
Inquisição de Lisboa, proc,
di

nº 8821, apud Carlos Malheiro Dias (org). Jr


a

voor
colonização portuguesa à do Brasil, Porto, Litografia Nacional
OTbo
-

q—

I9ZA, v vel
21-65. Falam ainda de Tourinho os
——

autores seguintes: E A, Varnhagen a


Et

e
ral do Brasil antes de sua separação
e

e independência de Portugal 4º é ed, fev. a


' . a Hs
ini Garcia, São
Paulo, Melhoramentos, 1948, Lt, pp. 22041.
3, FE, de Almelda
tado, A Bahia e as capitentas do Centro do Brasil ( 1530-1620), São Paulo, Nacioi |
o e

1945, 11, pp. 204-T8. Sérgio Buarque de Holanda (org,), História geral da luiz
e

ção brastigira, f A epoca colonial — [o Do descobrimento à expansão territo


ral, São Paulo, Difel, 1960, caps, “O regime das capitanias! e MA instituição do po
verno geral”, pp. 102 e 12), Na História da colonização portuguesa, ver ainda vol,
m, cap. v Pedro Azevedo, "Os primeiros donatários”, pp. 203.5,
(4) Peter Burko, Popular culture in Early Modern Europe, Londres, Temple Sith,
ITA, po MA cultura popular na época moderna, trad,, São Paulo, Companhia das
Letras, 1988), Para um ótimo estudo da cultura o religiosidade populares o Hrasil
quinhentista, ver Adriana Romeiro, “Todos os caminhos levam ao cóu”, dissertação
de questrado apresentada ao jrenUnicamp, Campinas, 199,
=
Te

(1 Eúlágio Franco Jr, Peregeinos, monges é guerreiros — feudo-elericalimo


ie
o

e relisiosidade em Castela medieval, São Paulo, Hucitec, 1990, p. 614, A blasfêmia


-—
o

ema citada vo lado do homicídio, do adultério, da prostituição, do furto, da avareza


e de outros pecados. A própria besta do apocalipse é descrita como tendo "sete cabe
ças, dez chifres e nomes de Ilasfomia”. Cal idoso para com pobres e doentes, não Luls
mandou “queimar com ferro em brasa os lábios de um burguês parislense que havia
blastemado contra Cristo", Franco dr, dem, Ibidem,
14) CHI Vicente, Obras completas, pre, e notas prol, Marquesa Hraga, Lisbon,

Livraria S4 da Costa Editora, 1942, vol, 1, pp. 195245,


(9 Primeira Visitação do Santo Gficio de partos do Brasil. Confissões de Per

nambuco, ed. 1 A. Gonsalves de Mello, Recife, Universidade Pederal de Pernambi


co STO, po JAM Ver também José Antonio Gonsalves de Mello, Ciente da nação —
cristãos novos e Judeus em Pernambuco < [5421654 Recife, Fundação Joaquim Na:
puro e Editora Massangana, 10N9, po xvi, onde se reproduz a gravura cm questão.
da Ba
(4) Sevunda Visltação do Santo Ofrio ds partes de Brasil Contissdes
hu, inteod. Eduardo d'Olivelra França e Sonia Siqueira, qão Paulo, Anais do Museu
Paulista, mv qu 170,
(idem, po V/A, pero
Visi taçã o do Sant o Ofic io dx part es do Basi l Denu nclações da
(49 Primeira
intr o, Cap ist ran o de Abr eu, São Paul o, ed. Pau lo Pra do, 1945, pi 10 od,
Hei,
do San to Ofic io às part es do Bra si 1hon unc iaç ões da Bahia,
(9) Segunda Visitação do Rio de Ja:
lioteva Nacional
inirod. Rodolto Garcia, Rio de Janeiro, Anali da Wib
neiro, 1927, vol. 49, po 100,
e :
(10) Idem, po tada, nf is sõ es da Be
Sa nt o Oft elo ds par tes do Bra sil . Co
O Primeioa Visitação do 3h
l, Cap ist ran o de Abr eu, Rio de Jan eir o, 1h jgud ot, 1945, pps
nia o IAOIASOS, pro
185.0,
e 2 Primeiro Visitação. Denunetaçães eta Baba, Pr
e m o H e n a s cimene
n a I d a d e Média
ula r
A cultura pop
eai! í ' t. 126.
q u a , c h r onologis aveuant
1987, F
ú
Hucites
a
rgar
Ver M
ris,
12)
( d u g r a n d C a l o u s , P a
l l
p vie tres horrificqu e
q u e aníves pou
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et l e x i P

a introduction Crargantua pa ya sa bl en E
ve nt e os Pa-
t
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90 -H : C o m m e n
-L, Saulnic68, PP: de V e g l i s o N o s t r e pame
ao o es cloches s a l u d a d o res
= f e l i c e i r a s ,
e n c o u r t , c A b e r t a , 1987.
O peth | d e s tas
L i s b o a , a c u s a d a s
ai d XVI, 45 mais
+
e Gulonar P P 4 9 € 6),
des da H a h t a ,
a H a h i d , po 59 .
c onfissões d v o l t , P P
ei ra Vi si ta çã o
s , Obras « o m p l e t a s ,
m a da a u t o d u s f a d a
1 V i c e n t e p u r s a c h a n a s [B O- L, Ne
i(Umd) Ro e n t e ha p á g i
' r e sp e c t i v a m , p p . 299. MM).
õ e a H a h i a
d . Citaç t a ç ã o . D e n u n c i ações d
o p a p e l d a fel-
q V i s i po Bh P a r a
(18) printeíra in á r i o d a m a g i a ,
d a ris
n r t , o i m a g t r e m e t t e u s o
(19) francisco pe
the n c o
" p a s o r c i ó r e cl Ven
Ve l m a r i a J o s é Palla, n a l d e s S o c i ó t é s S a v a r n t o s, Auto
a t r o v i c entino, jo 1 1 5 º C ongrés Nati o
' ” ; t e s é u . M e o g en-
A l a r ot auj o u r d h
f o C o ll Vicente”, héatr e o f a p e c t a c l e s I i e
je thóati M s o u s t e t i t r e e e
04 8/4/1990, paE
ce ", 1991, PP: 165075. de Li sb oa , r e s poe
Cl H e n a t r na T o m b o , a v r r In qu isição
ional da Torre do
Ag e
(20) Arquivo Nac 7020,
givamente proc. no HI4 E no
por Francisco Hetheneonr!
u e s e s encontrados
(41) Mem dos porco
s sabá s p o r t u g
€ de sv io s c o m rela
al iá s, vá ri as p eculiaridades c o m
a p r e s e n t a n d o , t a m e n t e c o m ou tr as
para O séculoloXV!I = €0 de Margarida Lourenço, que, jun 1 007
cão no mode in ho s, O imaginá r i o da ma gi a, pp .
abo em Va l de € av al da
pantielras, ha Ler vom o di in ár io s da s Il has atlânt ic as , da co st a or ie nt al
gr os or ig
No século xvith, alguns Ne Cav a l i n
emh o s pa
Val de
ra cu lt ua r o diabo,
cambém se ceundam mpanhia
África e do Hail a de Santa € ru e, Sã o Pa ul o, € ' o
A, O di ab o e à te rr
Laura de Mello € SOUZ ad a O ca pí tu lo H de st e trabalho,
P +4 9, So br e es te local, ver at
das Letras, 19 80 ,
r a m b é m L e o n o r M a r t i n s , a Nóbrega e
s Cajada,
(22) Além de Maria Gonçalve çã o. .. D e n u n c l a ç ã e s de P e r nam»
a te ri am fa mi li ar es . Ve r P r i meira visita P r i m e tra
sua Filha Joan n u n e l a ções da Ba hl a, pp . 4 2 3 - 4 , €
a Vi si ta çã o. .. D e
Duo pp. TORO, Prlenetr pe ci fi ci da de da fe tt iç ar ia inglesa,
. 012. Para à es
Visitação. é onfissões da Halta, Pp p o p u l ar beliefs in
de ct ine of m a g i c — st ud ie s in
Hh om as , Re li gi on & th e ; R o b e r t
E Kalth a Wald n a o an d N i c h o l s o n , 19 80
ad ja d m mo ro d A o
t- Vrgi si o MInodc omnpaEruaro-
doHi : hCOUBE p ego (o ), Early e r
ve áperspectivare"! Hoen
mnph e t gl
i cna Da
p o n Pr es s, 19 93 , pp : 16 19 0,
ê À; e et eg ; xford, C l a r e n d
(33) Pr im ei ra i i
de P e r n a m b u c o , pp . 23 :0.
m a n d o de R ) | ! Ra lações traglcomedia de Calisto y Melibea, cd.
mia (2t4)udPoor Dana x o í ( Rn 80 , Gi l Vi ce nt e, O ve lh o
TR gba Ea , Edic io ne s Cá te dr a, 19
aid
s R O D R B I U A Ç Ã O de Je lt ic ei ra .m e-
DA S N A O f a da Ra s el le ur
diterrânic a e da d Ju lio Ca r o Na ro ja , Le s so rc iê re
Ga ll im an d. 19 72 po , ve r
monde, trad. Paris. 20 , Pa ra O es te re ót ip o do sa bá
e m a r d , pp. 116-
19 72 , ver OR: E Jav
man Cs oh, Los dem o n i o s fa mi li ar es de Bu
1978)
Burojpo trad MAE, AAUÍNAES BETA Ea
Robert Muchembled, “Lautre cô é | é a ré al it és cu lt ur el le s
: t an a q u
AMX vit eU vit sibeles"!, Ann : a Eonrodrs m nº 2, mar-abr, 1985; Carlo Ginz-
o es — E S C , an o dO ,
o un a de ci fr ag io ne de l s a b b a , T u r i m , Ei na ud i, ' 19 89 [t ra [trad Eis»
E Le tr as , 19 91 ].
de tr a n d o o sa ba , trad,
deito
São Pa
ul o, C o m p a n h i a da s

209


(25) No primeiro caso, trata-se do
s anseios de certa dona Lianor:
uma mulher de alcunha a Boca To n
rta, Primeira Visitação... Denunc
pp. 343 e 412. iaçõ
(26) Primeira Visitação... Denunc
iações da Bahia, p. 295.
(27) antT, Inquisição de Lisboa, proc
. nº 3382 (“
mulher parda casada com João da Cruz
Ourives nat
ra na da Bahia de todos os santos pa
rtes
desta cidade de Lisboa"),
(28) Segunda Visitação... Confissõ
es da Bahia, Pp. 447 e 448,
(29) “Imquyrycam que ho vigairo..'
, pp. 281 e 283 respectivame
(30) ant, Inquisição de Lisb nte.
oa, proc. nº 12 231. Apud
quisição portuguesa e a sociedade Sonia Siqueira, A In.
colonial, São Paulo, Ática, 1978,
p. 223,
a

(31) Primeira Visitação... Co


nfissões da Bahia, respecti
E

(32) Primeira Visitação... Confissões da Ba vamente PP. 282 e 331.


o rã ii is

hia, Pp. 79. A melhor fo


da para o estudo da Santidade do Ja nte conheci-
guaripe é 0 proc esso do senhor
não Cabral de Taíde, antTT. In de engenho Fer-
quisição de Lisboa, proc. nº 17
mais sistematicamente tem estu 065. Quem melhor e
dado este movimento é Ronald
tras € milenarismos: a resistência in o Vainfas. Ver “Tdola-
dígena nas Américas”, Estudos Histór
de Janeiro, vol. 5, nº 9, 1992, PP. 29-43, icos, Rio
e sobretudo ““Idolatrias luso-brasileiras
dades" e milenarismos indígenas” : “san-
, in Ronaldo Vainfas (org.), Améric
de conquista, Rio de Janeiro, Jorge a em tempo
Zahar, 1992, pp. 176-97. Cabe regist
lho pioneiro de José Calasans, Fernão rar o traba-
Cabral de Ataíde e a Santidade do Jagu
Bahia, 1952. A problemática das font aripe,
es sobre a Santidade será retomada no
seguinte, “*Por fora do Império: Gi capítulo
ovanni Botero e o Brasil”
(33) Baseio-me aqui no Prefácio de Capi
strano de Abreu à Primeira Visitação...
Confissões da Bahia, PP. I-xxix. Ver tamb
ém Ronald Raminelli, “Tempo de Visitaçõe
— cultura e sociedade em Pernambuco e Ba s
hia — 1591-1620”, dissertação de mestrado
apresentada ao Departamento de História da
FFLCH-USP, São Paulo, 1990, pp. 206 ss.
(34) Para a quantificação das transgressões
c uma abordagem sociológica das
delações e confissões, ver Ronald Raminelli,
op. cit., pp. 69-101,
(35) Primeira Visitação... Confissões da Bahia,
p. 89.
(36) Idem, p. 167. Foram frequentes na América os casos
de “mestiçagem cul-
tural" — que podia ou não coincidir com a étnica
— do tipo da de Tomacaúna. Quando
Fernando Cortés desembarcou em Cozumel, na costa
da península de Yucatán, teve
conhecimento da existência de dois náuf; ragos esp
anhóis, Gerónimo de Aguilar e Gon-
zalo Guerrero, sobreviventes de um naufrágio
ocorrido em 1ISII. Aguilar conservara
a identidade espanhola, mas Guerrero decidiu
permanecer como nativo, casado com
india, andando tatuado com brincos de guer
reiro nas orelhas. Sobre O episódio, ob-
serva Inga Clendinnen: “What it was that held Aguilar to his Span
ish and Christian
sense of self, yet allowed Guerrero to identify with native
ways, is mysterious” [São
misteriosos os motivos que levaram Aguilar a permanecer iden
tificado com o seu self
de espanhol e cristão, enquanto Guerrero se identificava com
os costumes dos nati-
vos], Ambivalent conquests = Maya and Spaniards in Yucatan,
1517-1570, Cambrid-
ge University Press, 1991, p. 18.
(37) Por volta de 1606, intensifica-se a prática inquisitorial de enviar degreda-
dos para o Brasil. Ela atinge seu ápice em meados do século, « declina no primeiro |
quartel do século xvur, quando as ilhas atlânticas passam a ser
o local preferido pa-
ra o degredo. Consultar anrr, Inquisição de Lisboa, Manuscritos da Livraria
, nº 959,
Trato do degredo no capítulo 4 deste trabalho.

210
e
o q u e d e c o n -
m a i s d e m a t i z d
tos

ri
'ima-
sation de l

mai
c olo ni

E
Gruzins ki, La j

-
gre carr le Mexique espagnago! — X poa
ds
d e n t a l i z ação em
d e staque à o c i
em q u e s e d á
Clendinnen,

-88
58-88)
BOTERO E O BRASIL (pp-
;MPÉRIO: GIOVANNI
+ POR FORA DO
(o Rowland - go
sem o concurso de Robert
poderia ser escri s. Rowland colocou-me em contato com ;
Este capítulo não de ofício e amigo
naldo Vainfas, colegas prasil; Vainfas auxiliou-me no a
shi
to às fontes utilizadas por Botero no tocante à a = aRs
parte das Relazion” a
a
nhamento da po ia da carta ânua de 1585. Cabe destacar ainda o aux LO
ferênci Iniciação Científica de um Projeto do tipo Laboratório
a iunto dO CNPq, coordenado por Ronaldo Vainf as odio: qua iai
Ap
Integrado de Pesquibsaminha 5 l u para disqu ete a parte das Re-
orientação, Rodrigo passou P del
relativa ao Brasil e auxili ou no cotejo entre as passa gens de Boter o aqui Ego
“ini
e Os jesuít as quinh entis tas. Apesa r, porta nto, deste capít ulo ser fruto da
Esc em res-
grupo, sou inteiramente
o do traba lho
enciouiNdá bolsa e de ter se beneficiad
es pelas idéias € pelo desenvolvimento da argumentação. Ê
cardeal Borro-
(1) “Minhas obrigações para com à benignidade do ilustrissimo
meu, meu senhor, são infinitas; mas entre as demais, não é de pequena importância
esta, que tendo-me Sua Senhoria Ilustríssima (movido pela piedade e zelo que tem
da glória e serviço de Deus) imposto que eu descrevesse o estado em que se encontra
hoje a religião cristã pelo mundo, proporcionou-me ocasião, para fazê-lo, de lançar
quase uma visão geral sobre a Europa, Ásia, África e o novo mundo, e às ilhas espa-
lhadas pelo Oceano «e pelo Mare Nostrum””, apud Federico Chabod, “Giovanni Bote-
ro”, in Escritos sobre el Renacimiento, trad., México, Fondo de Cultura Económica,
1990, p. 268, nota 179. A estadia romana parece ter sido fundamental para que Bote-
ro acumulasse informações acerca do Novo Mundo. Como procurarei mostrar, creio
ter sido então que leu as cartas jesuíticas enviadas do Brasil; mas é preciso lembrar

pra viagemVer Numa Bt La gdogranhe de Renas


ro dg desempenhado pela Itália em geral, e por Roma em particular, na vei-

: u crHS, 1986, p. 33.


(2) Enciclopedia cattolica. Vati
(GH. Trevor-Roper “Rejiciao rr OTença, Sansoni, 8, d., vol. 11, Ép.-1965,
Pia iransforma
a
ção social, trad., LisboaEP
Religião, reforma etra Call)
aaa e
idrim

Presença/Martins Fontes bi
er a ; 1972 » PD. 39-40.
literaria"' de la aa a a
635.80. Ver também de Véloquence —
Ti cut de F'époque classique, Genebra,rhétDroroziq, ue1980
et “res
, pp.
Controriforma: contributo alla

Cultural histo
e secularizati pe 1934, p. 61, apud William 3
On OÍ society”, in 4 usab! j
€ 121, autor Es Berkeley/Los Angeles » University of ºCali Past — essays in European
às Observações sobre secularização. a opa Dans 990, pp. 112-28

21!
| (6) “Venice and the political
politi educatio 5».
op. cit., pp. 266-91 é 273, n of Europe”, in William J. Bouws
cd Enciclopedia cattolica, p. 1965 A
) Em
o Botero,
ETO, Chabod nota “ reconhecimento
| i do val
pq, inclusive perante às doutrinas consagradas pelos si do caperiênçia dos
oria”, Ver Federico Chabod, “Giovanni Botero”, op. cit eFra e StrES da sabe.
DE a p. 249 ,r tringant
dizE q quex no oceano, coincidem a experiência concreta do navegado e e Les
ue
ic a, na sua Co sm og ra ph ie un iv er se ll e, Th ev et , por ex em pl o, não se Cor ia cosmo-
graf
representa co-
= commóigraro diante de seu mapa, mas no seio dele: “Tout ce que
point és escoles de Paris, ou de quelle Je vous discours
recite, ne s'apprend ce soit des universi-
Europe, ains en la chaize d'un navire soubz'la le a
tez de 1
vor CSA Venho, ella Dinda
en est le Cadran et Bussole, tenans ordinairement VAs trolabe
Euclá feio ros io god E devant le cler du Soleil"!
não se aprende nas escolas de Paris, ou
outra unive do j d asa
em qualquer
o rsidade da uropa, mas na cátedra de um navio, na aula dos
; pena são o quadrante e a bússola, observando-se o astrolábio à luz do
sol], Frank Lestringant, Vatelier du cosmographe, Paris, Albin Michel, 1991, p, 31
Cosmografia e experiência andariam juntas, no século xvi: veja-se a própria defini-
ção de Leonardo Fioravanti, bolonhês, em 1564: “A cosmografia é uma ciência que
jamais homem nenhum pôde aprender ou conhecer senão por meio da experiência...”
spechio di scienza universale, Veneza, 1564, apud Frank Lestringant, op. cit., p. 35.
Lo
(9) C. Gioda, La vita e le opere di Giovanni Botero, Milão, 1894; este trabalho
e citado com f requência por Chabod, mas infelizmente não tive,
é muito importante
de consultá-lo; digo o mesmo acerca do trabalho de A.
até o momento, condições
universali” di G. Botero e te origine della statistiche e delta
Magnaghi, Le “Relazioni considerações de Cha-
no qual se baseiam muitas das
anthropogeografia, Turim, 1906, as sucessivas edições vindas
por Botero entre
bod. Para as modificações introduzidas de Giovanni Botero”, Op. Cil.,
“Apéndices
4 luz entre 1591 e 1596, ver F. Chabod,
pp. 329-30, nota 2. P- 277. “Também sucedia que, 30
Op. Cit.
(10) F. Chabod, “Giovanni Botero”, também o tom de seu discurso,
os caracteres das distintas fontes, variava
variarem sentido econômico e geográfico, ojá,
por Ludovico Guicciardini, pleno de cá-
ora, guiado aparição do demônio, pretendia
de Acosta, em cores diversas pela
seguindo J osé
A mesma admiração fã E
com laços os pobres índios da América. e eci ps:
car conceitos de barb
que o havia induzido a conferir outro valor aos E Da
retorno das doutrinas tradicionais,
freg ijência a um
dava lugar com muitas Vezes, & VOCAU O
por causo das quais,
cias literárias e eruditas, c a d o e x c l u s i v a m e n t e re ligio
a q u e s tão
ir do s i g n i f i 2 9 8 - 9 . E s t
voltava a se revest “ G i o v an n i B o t e r o , op . ci t. , pp.
t e r o , ver
édia" , C h a b o d , da o b r a d e B o
desde a Idade M t e . Ainda s o b r e o d e f e i t u o s o
r e t o m a d a a d i a n
da barbárie será nese divise in quatro par-
Be
Chabod, pp. 300-1. ” di G i o v a n n i B o tero
is ta mp at e, € co rrette, in Ve-
(11) Le “Relazioni universaliime Tavole, novamente os RD
gu re , & du e co piosisst n l i c e n z a d e S u pt
ti, con le Fi
n g e l i e r i , M p C v I I , co
, A p r e s s o A g o s tino A
netia o p . Cl l; ; P. “774 e n a v i d a t r a n q uila,
12) Gijovanni B
j o t e r o ,
v a n ã p r u d ênci a
u d e ” se a s s e n t a f e r a d e q u i e t i s-
P a r a B o t e r o , à «virt i a ç ã o d e u m a “atmo s
a s a s s u a s o b r a s, à cr
e n d o a f e i t o , e m toda
o autor s à a ç ã o q u e encon
l e de renúinncci a or ter à
mo mora r o s o b r e t u d o p
a d m i r a d o p o r Bote
reino tão
p r o s s e g u i r , a muros
ra
8 5 , S o b r e
2
ginda P- J u s t r a ção p re
a, da [
ote r o s e a
E u r o p ã , p ai
etidos ná [ e o , a r l -
d ' u n e p art,
intention: e s s o ) - d i s ant
je d |
n Vextrême Di morale

i d a d e s d e s ão
à r é : d a í as ativ
e d e c o n h e cer d e H o l a nda
ib i l i d a d «o Buar q u e
N o v o M un-

a
ização d o

DES
104-25. AS ajudidas

e
+ PP.

com
u s n a t u r a l i s m o , da
o P a r a í s o , cap- :,
d e r n a s o bre O j
“cão d
êmic e n d i d o s p o r B a r-
a m e r i c a n o s — def
índios d e L e w i s H a n k e,
o s . V e r O S c l á s sicos
m a i s con hecid B o s t o n / T o r o n to,
— é um d o s
o f À m e r i c a , 2 º ed.,
t i c e i n t h e c o n q u est q u i s t a , M é x i c o,
jus , F i l o s o f i a d e la Co n
l a
, e de Sílvio Zava o Picón- S a l a s , D e la C o nquis-
a i n d a M a r i a n dis-
ó m i c a , ] 9 4 7 ; ver 1 9 4 4 , c a p . 2, “ L a
Fondo de Cultur
a Eco n
e C u l t u r a E c o n ó m ica,
i a , M é x i c o , F ondo d
c
aala Independen P . 3 5-52. o r B o tero,
n q u i s t a ” , P gens, a l a r d e a d a s p
cussión de la co o i mpact o d e p o s s í v e i s v i a
f a lava de
a b o d r e l a t i v i z a r l o s M a n o e l 1,
(19) Ch na dedicatória a Ca
õ e s : “ T a m b é m B otero, t a s p e r e g r i n ações
sobre suas d e s c r i ç c e r t eza que s u a s v a s
as', € sa b e m o s c o m e el
s p e r e g r i n a ç õ e s pr óp ri o ” , in E s c r i t o s s o b r
«vasta
n d i c e s de G i o v a n n i Boter
li vr os a l h e i os!”, “A p é s , c o l o c a v a - s e em
fo ra m so br e m ó g r a f os qui n h e n t i s t a
40 . E n t r e os c o s r sua
Renacimiento, p. 376, nota r i a ou n ã o ja
viajar] p a r a m e l h o r e s c r e v e
ç a d e v e n gol-
Ee
te rmeos ispoalêmi PA > orest, por e x e m p l o , se v i r a m e
ERES e E E e François de Bellef r o c h e r à s o n ri va l de ne
r e p
Ena polêmica, “Outre le plagiat, Thevet semble dans sã cham-
n t e n t a n t de vo ir 'fi ler
il er 1les araignées
qu it té so n paTys c
,vetse pao c a te r dei-
ir do pl ág io , h e va l o fa to de n u n
bre” * [Além p a r e c e c e n surar em seu ri N u -
co c e r e m e m se u q ua
u art
r o”
t o']
" .
) . V Ve r
anhas te
1º ntentando-se em ver “'as ar
Br oc , op . ci t. , p. 90 .
ma
o Botero, Op. cit., p. 69
, 6 8 . B o t e r o er u m a d u i n d o r f a p o n h á
i m
a 2DCidRemE,R tii is do que à portuguesa” di nota 185
(21) Idem, ib
, ri a na q u i n t a p a r t e d a s R e l a z i on!
a)
r o ” , op . ci t. , p. 28 1, a r t ã o - s o m e nte
N o qu e dRapE B o t e r i c a , C h a b od li m i t o u - s e “a a n a l i s
(2 2)
cara S a i o à A m é
in -
m e x e m p l o t í p i c o da
e n o s p r o porciona u
fluência que, de vez Ea quando, exerciam sobre Botero os distintos SA escri
agi -
se remeti a” . No c a s or é o je su í o m a nã as concep
es científicas o, O es cr it je íta Acosta.
su religiosas, “ D e l e t : o a p e n a s
l e n d a s pé da le tr a o u Fé su -
como notícias e osas, gi “transcritas ao

213

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neda Barros (Joã B
tesad da Cor “ac ion ado aITOs), de Osóri
-Ompanhia de Jesus”. E Ch
. . abod, “Gi
| tento meu).

Piero Maffei, famili


25) José de Anchieta, “Informação do Brusho c de a romeu em Roma”,

Cartas, informações, fra ementos his = suas capitanias (1584)", in


E
pp. 320-1. tóricos e sermões, São Paulo, Itatiaia/Edusp, L98S,
4 .

o RE) Haver ia em Nóbrega dois momentos distintos na percepção do sel


imcialmente, vê o índio como papel branco, Ted
fácil de moldar e de escrever nele; numa
segunda fa q
PARAR se, entretanto, é a antropofagia que ressalta de seus escritos. Ver Adriana
Romeiro, “Todos
os caminhos levam ao céu"; Maria da Gloria Porto Kok. “Os vi-
vos e os mortos no Brasil colonial”, dissertação de mestrado apresentada ao Depar-
tamento de História da rricH-usp, São Paulo, 1993, cap. 2, “Entre a cruz c a água
do batismo”. Segundo Gloria, “a esperança de cristianização limitava-se a partir de
ISSO ao círculo dos meninos, pois os adultos eram, na ótica jesuítica, muito incons-
apegados aos costu-
tantes em relação à doutrina cristã ao mesmo tempo que muito
parao in-
mes tribais”, p. 7 (numeração provisória). A pedagogia jesuítica, voltada
devendo-se também considerar algumas cartas do padre
diozinho, tem igual inspiração,
del Priore, “O papel branco, à infância e os jesuítas na Coló-
Anchieta. Ver Mary Brasil, São Paulo, Contexto,
in Mary del Priore (org.), História da criança no
nia””,
1991, pp. 10-27. é) rodo
. |
7) Botero, op. cit., p. 72 55 7) ”, in Ca rt as do Br as il, SãO
N ó b r e g a , “C ar ta do Brasil (1
nuel da
is Maia/Ed se es... ps 49.
Hatia usp, 1988, p. 159.

cada “Carta de Piratiningaa 15(1554 ), 1n de ass ape informar


029) de março 1
“Carta de São Vicente,
(30) Idem, a
ni À
ÇÕES «es P- B9. Clt., P:
n
tero, op. l (1549 ) , O P : ci t p. 95.
“C a r t a d o B r a s i
pos an
i PP.
75-6. ente (15 60) , OP: Cite, pp:
(33) Botero , OP- Gil. »
ua a ia s nos vel hos háb ito s € ao
(34) Anchieta, “Carla pla — 2 s€ d o c u mentado em car Botero”,
ao s e x e m i OP:
o ““Giovann
as
(35) O re cu rs bo d,
n
tra
me di ev.
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| . Ver + Ca e md gina 04%
a 4 de julhoentrdee 15as84pas en
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Ss ca pita n t a s ( 1 5 8
Braabsil e de sus
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a . Ç “hab t e r o , o p . Cl,
a M o s c ó v i iovann i B o
ga “Apéndices de G

ci t. pp . 3 2 2 8 € 335-41.
G i o v a n n i | Botero”, OP.
d i c e s d e z r e s i d i s s e , p a r a C ha-
«A pén m é r i t o de Botero talve
P - 1 7 5 . O maio! n t e s u m i a € d i v u l g a v a OS Te-
ibidem, u e s i m u l t a neame r| e
ompilador, q l a r i z a d a s * o f serecen4 do
t i c u
u s c a s € relações par
e vi a g e n s , b
nã te rr a “ e ntim,
c o m o e r a m às coisas
c o d e s e j o s o de caber se s a b i a acerca da
Y am “públ i p ê n dio de tudo O q u e
m
A 4 onstituil um b o m c o
G i o v a n n i B o t e r o”, OP.
u l o XV I” , “ a A p é n d ices de
o s no fi nal do séc | di
p eágog Seus a “ - | |
rerr
v e t e Lé ry , €. ainda,
4 180 e 38 . s te xtos de T h e
e Mo n t a i g n e do 1 5 8 0 ) ”, in
fl uê nc ia so br n n i b a l e s " (
ua (4- um a in q
t a i g n e : |' es sa i 'Des Ca
“ l e Br és il de Mo n
da cosmogra f i a , Ve r . já3-de
s a u v a g e , pp
t , L ' h u g u e n o t ef te | |

em
Frank Lestringa n i c onclusões.
a d i a b ó l i c a u grande

o—e—
o n j u n t o : A m é r i c p e q u e n o o
(43) “O c e x p e d i ç õ es guerreiras, Se ja de
e t i v o d a s ) O cat -

—.
(44) “O principal obj m p r a ç ã p ú b l i c a . | .
r e m e x e c u t a d o s e c o midos e
er a fa ze r c a t i v o s p a r a se e x e c u ç ã o do p r i s i oneiro
porte, s r e l a ç õ e s i n t e r a ldeãs. [...] A
entra l n a conjuntos mul-
vo [...) tinha um papel c lo ca is em unid a d e s m a i o r e s — “
an to , OS g r u p o s ss o, de
permitia articular, port nç a ou à inimizade. Tr at av a- se , a l é m di
r m a n d o a al ia
ticomunitários —, reafi só mo rt e su pe rp ro du tiva: uma espe-
mo à vi ngança, tornando uma
so ci al iz ar ao má xi
um in im ig o er a o ev en to central da
lh o ri tu al . Ma ta r publicamente
cie de so br et ra ba
to s de hi st ór ia e cu lt ur a tu pinambá
soc ial Tu pi na mb á” , Ca rl os Fa us to, “Fragmen
vida im en to et no -h is tó rico”, in Ma-
o crítico de co nh ec
— da etnologia como instrument Br as il , Sã o Pa ul o, FA PEsSP/CoOM-
ória dos ín di os no
nuela Carneiro da Cunha (org.), Hist , pp . 38 1- 96 , citações à p. 391.
pa l de Cu lt ur a, 19 92
panhia das Letras/Secretaria Munici ta ph or s fo r things
in si st en t ca rn al it y of Ma ya me
(45) “I have already noted the
n bl oo d of my da ug ht er " Fo r th e sa cr ed ba lc he , fo r example. Cer-
vegetable — the gree
wa rr io r vi ct im s, we re lo ck ed in to th e ag ri cu ltural cycle,
tainly Maya killings, even of
me an in g fr om ir [J á ch am ei a at en çã o so br e a in sistente carnalidade
pr rm
ia s pa ra ve ge ta is — o “s an gu e ve rd e de mi nh a fi lh a” pa ra o blache
ma cam oras ma
Algumas das execuções maias, mesmo quando as vítimas eram
ea exemplo.
gr m no ci cl o ag rí co la , e de le ex tr af am se u si gn if ic ado], Inga Clen-
dada re pi
bi va le nt co nq ue st s — Ma ya an d Sp an ia rd s in Yu ca ta n, 15 17 -1 57 0, Cam-
Ei , Am | ter
ge Univer si ty Pr es s, 199 1, p. 180 . D;
, ve r também Az te cs : an in
1 8 0 . Da me sm a au to ra
pretation, Cambrid U 91, p. e ca p. 10, “R itual: the
, pa rt ic ul ar me nt
world tr ansformed, gethe Un iversity Press, " 1991
wo rl d re veca al
le edd”, pp. 236-63.
(46) Di sb oa , Ed iç ão
) Di ál og o so br e a co nv ; er sã o d do ge nt io , ed , Se ra fi m Le it e, Li
Comemorativa do ivo
dd q entenário da Fundação de São Paulo, 1954, p. 54,
Of íc io às pa rt es isitaçã
do Br as il , Co nf is sõ es da
; Ba r
hia, 1891-1892, pref Cais da ves a ig ui et , 1935, p. 108.
pa ii d i ç e Ab re u, Ri o de Ja ne ir o, F. Br
Parece-me na iá
ir tal ingestão, à comeeuu carne humana, a menção à de porco servin-
O para encobr
kingdom of the! Franciscanofs the New World,
(48) John k: Ph
ial
2.
ed. Berkeley/Los Angele
: s, 1millen
Phelam, The rios

215

TE
ler le “baroque géopra
Su monstruosos, índi

O “barroco geográfico")
ase em tra bal ho
. 40-1. exausti
Com b
títulos :sobre a América surgidos na França entre os séculos ei de levantamento dos
e relativiza raa influência do Novo Mundo no imaginário eur xvit, Mary del Prio-
e '
r o ã E

opeu: “O humani

os e eo rm
pareçe ter rejcitado o Novo Mundo, e desde a inspiradora obra de tino:

comum dizer que o século xt apaionouse pel os tur cos , els br


ciça-

o oeste; hipótese que aliás endosso". Mais preocupados


com seus “selvagens internos” e com a consolidação do terrível Estado absolutista,
os franceses se preocupariam pouco com o que era estrangeiro, transformando-o em
figuração nos balés e operetas de corte — os tupinambás enfeitando o Carroussel de
Luís xiv em Versalhes etc. Tendo a pensar diferente: que à América foi de grande im-
de certos aspectos do imaginário guropeu,
portância para O reequacionamento vo do Or ie nt e co nt in uaria imbatível, pai
nt e, qu e o atr ati
considerando-se, evidenteme es na França
ca : lei tur as € lei tor
le na r. Ve r Ma ry del Pri ore, “Améri
porque mi s
mp o Br as il ei ro , nº 10 , 1 Cam iten
na”, Te
;
s3) Ver Francisco Iglésias, Prefácio à — E
re u, Ap en so , in pa dr e Fe rn ão Cart
ção, ; foda de Ab RSA

aN c 19%, pm
d o B r a s i l , 3* ed ., in trod.
onte ja do Brasil. Primeira pari

R o d
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o r i o g r a f i a c o l o os por espaço de ágio e a
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(55) Gabriel So gra


i
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Corte em este d des cri tiv o do Bra sit em


no Est ado d o * limpo nes ta o t r e s . Op. C i t o s Pº 438.
residi so lugar” in Tra tad o
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il.lusion — 2 Ih —i STo n
IMGI oe Sat s o m i g h a n za al vero”,

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m i t i de ll a
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ana, Ar4€ as remeten

e
fa to t ran

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i , a e m i t i d o = 42 “Nem mes À Rr
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rim, Einau. Veja-se, PO! meme CE mo aqui à su a d i s p o s içãoo .à
36-111 e r mos próprio s ao s m e i o s
q p o d e a ân si -l o DO S t as
ia er o qu e vê, só
&
TE L do s
pp . 19 1- 2. Le ry ex al ta
5
Hi st oi re d' un vo ya se -., vol. 1,
fá (62) Carta d£ Lérv in i s uma ve z, d e n e g r i r A n d r é T h e vel: à
| d o r de S i a d e n pa ra , m a
k ualidades de observa tir a do OUIO
=. «e 2 E men
S S O
1 v dade de um, opõe-sea & om 78
(63) Botero, op- EL, D- “—-

me
,
E
| |
5 (64) Botera, op. E. D- é. . S e r a f i m Le it e, L i s boa, Edi-
ersão do ge nt io , ed
; (65) Apud Didiogo cobre q conv Sã o P a u l o , 19 54, p. 16.
á r i o da F u n d a ç ã o ge
o ção Comemorativa do rw Centen ag me nt os hi st ór ic os e sermões,
, in fo rm aç õe s, fr
[= (66) José de Ancineta, Cartas
o Pau lo, Ira tia iz. Ed us p, 198 8, p. 339.
Belo Horizonte/Sã
jesuíticas à Santidade:
|-

(67) É preciso ressaltar que são numerosas as referências


s Vale, João Azpilcueta, Diogo Jácome.
as de Anchieta, Pero Correia, Leonardo do
1, e milenarismos indi-
Ver Ronaldo Vainfas, “Idolatrias luso-brasileiras: “santidades"
n
Rio de Janeiro,
le genas”, in Ronaldo Vainfas (org.), América em tempo de conquista,
+ Jorge Zahar, 1992, p. 151.
3, (68) Para os processos dos incrirminados, ver mais uma vez Ronaldo Vainfas,
O op. cit., passim.
un, Lis
- , (62) Serafim Lete S. 1. História da Companhia de Jesus no Brasil, t.
nota
à ser Livraria Portugália /Civilização Brasileira, 1938, pp. 23-4,
; Ditos a ER des choses plus memorables advenues tant en Indes
Ê Cdiide seda e ta nao des Portugais. Bordéus, 5. Millanges, Im-
, cotar das fuma: devo o q , 2º parte, lívro us, pp. 319-23, Esta referência,
s cábiiido E saldo Vaintas, que tanto colaborou na realização deste

(70) Sezafi : meta


, End sao 44) € 49),
(71) RE
df
Southey porque a À ic: À ditos o Brasil, vo. E, po 253, Optel pela paráfrase de
Je
já se encontrava em provas. o « jota, cem Vatisa, só me chegou hs mãos quando o livro
O sum inserção, Para wm tratamento
je mais aprofundado da ndás que icporssibiitou
7, a Santidade do Jaguari E ao se futuro teabralho de Bomaldo Vainfas sabre
j Roma, Collegio | ». sã a fria de VSHS, ver Annude Litera Novlonatio tos,
Jouaztos, 15H71, Pr. 133.4,

217

Ed cais
a a F
DR
capítulo reún
Luso| -BrasileRE iro sobre €, Inanic;alteranddo
o--as, duas comuni
cações

ep e AO NE h uisição no sécu " EE


XVII”, A primeira
cada pelas atas do Congresso: 1º Congresso Luso BrasO ilei fo publi.
boa, 1989 ro sobre | Lis.
Gini e PP, a 56. A segunda foi publicada em Histó ria: Qu a a
"a da Associação Paranaense de História), ano7, nº
13 dez. 198 dass

à pe a cen
atual versão é inédita, ; Do Abs Dee 1986;/Dp 2528, À

di y Conselho Geral do Santo Ofício, 436. É muito po-


bre a bibliografia sobre degredo no Brasil, Sem falar nas observações esparsas em
obras como a de Gilberto Freyre (Casa-grande & senzala), Paulo Prado (Retrato do
Brasil), Thales de Azevedo (Povoamento da cidade do Salvador), só existem dois tra-
balhos que tratam mais especificamente do degredo: Emília Viotti da Costa, “Os pri-
do Brasil”, Revista de História, ano vit, vol. xi, jul-set. 1956,
meiros povoadores
“Vadios, heréticos e bruxas — 08 degredados portugueses no Brasil-
Geraldo Pieroni, Sociais da
apresentad a ao Mestrado em Ciências
Colônia”, dissertação de mestrado e pesquisa
apresenta um meritório esforço de sistematizaç ão
urna, 1991, Este último
documental digna de relevo. edo nas co lô ni as , Po rt ug al ma nd av a seus
ia r u m si st em a de de gr
(3) Antes de cr zios, te
21 05 rr as j
jm un cs En e e O rei renun-
o
pa ra 05 co ut os de ho mi
elementos indesejáveis ju dicial se nd o mu it as o E det
ib ut os , à a u t o r i d a d e
ciava a cobrar tr ré gi os nã o po di am 1ã2 t OP: C] it, po Sl,
po rt an to , OS ag en te s
to. Nessas terras o resto do territ
á h
i t ó r ór io na ci on al. Gerald | o Pieront, al no século
|
r à a

da so ci ed ad e em Portus
a Co st a Lo bo , Hist ór ia
( a : aa
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Ê lv a
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, R i o d e J a n e i ro,
lo XVUI
e d o p a r a O B r a s i
i n c e n t i v a r O d egr
C o r o a p a s s a r ia à
a O q ua
J o ã o 1 ,
pelo rei D. bém para O
minologido
Bras
il e, Geemrald154o 9,Pieque tam
r BILIP Op: a
;
nai dos Institutos de Crim H
para o
E
do príncipe”,
r a a s r e l a ç õ e s e n tre de-
b o a , cs. d . , p . 13. Pa
r i a d e Li s W i l l i a m s , C a pita-
e n c i á ve r Er ic
deia penit na
iro,
1975. cap. 1. Para a “funda-
comp: ir o porária e montagem Do
“n de Ja ne ir o, EO d o s , ve r R o b e r t H u g h e s , Th e
ervid? ad . Ri o a ol ôn ia pe na l de d egreda pf, 1987.
gredo, a vidão, tr Cor me . N o v a Yo rk , Al fr ed A. K n o
lismo € lia inicialmente

an ge , ap ud Ga sp ar Ba rl éu , Hi st ór ia dos
— the ep! ro de Or
as il e no ut ra s pa rt es so b o £g0-
bl ic ad os du ra nt e oi to anos no Br
(6) Cartê do a | tr ad ., Ri o de Ja ne ir o,
C o n d e de N a s s a u , etc.,
n t e m e n ' é E Jo ão M aurício
feitos rece
na vi os pa ra O Br as il sem
de 15 4 7: *“ Qu e nã o partam
MEC, ; x - de agosto do Pi er on i, op. Clt., P. 76.
l". Apud Ger
vel” al o A
a casa do Cive à [ Ag e Cl as sique,
: Hi stoire de la fo lt e
ms pico ci ta r Fo uc au lt Gallimard,
e de ta pr is on , Pa ri s,
nir — naissanc im ard, 1976;
vo lo nt é de sa vo lr , Pa ri s, Ga ll
Paris, Gallimar , 1 seu Titê = T = fa tu ra çã o
vi do a te se da ac ul
s di ve rs os , te m desenvol Ea
1975; HistoNê ne trabalho de rn e — se ns ib il ités, moeurs
"h om me mo do ih -
Robert M uchembled, mod em erno: L'i] nventioon de 8; Sor cie re, Jus
cien Rég ime , Par is, Fay ard , 198
encetada pelo pe Hlectifs sous V'An a alho s pio- |
et 17º siê cle s, Par is, Im ag o, 198 7. Ver | ai nd a Os trab
et comportements 16º | e v y , 1973;
oc ié té a u x ad., P a r i s , C a l m a n n - L
Í
v i| l i s a t i o n d e s m/ oeurs, tr
a ci
vineiros: de Norbert Elias, , L l a m m a r i o n , 1985.
ad s,
., Pari F en co n-
La so ci ét é de co ur , tr
iram de ba se a es ta s co ns id er aç õe s
(9) Os pr oc es so s de de gr ed o qu e se rv
se gu in te s co ta s (t od as iii
TT , EM Li sb oa : cl as si fi ca do s sob as
tram-se no AN 2; 83 4; 11 35 8; 47 44 ; 55 7; 76 11 ; 70 20; 12616; ;
Inquisição de Lisboa): nº 1579; 1124 de gr ed ad os pa ra O Brasil
Em pr in cí pi o, 05
74: 7095; 4912; 7840; 6308: 6005; 5723. es Fi li pinas, Li-
o an os , se gu nd o as Or de na çõ
não o seriam por tempo inferior a cinc nh am es ti pu la do es ta cláusu-
çõ es Fi li pi na s te
vro w, Título cxL. “Embora as Ordena mpo de três
co ns ta ta r vá ri os de gr ed os pa ra O Brasil pelo te
ja, na realidade pode-se
anos”, Geraldo Pieroni, op. cit., p. 106. rr a de Sa nta Cruz,
ur a de Me ll o e So uz a, O di ab o e a Te
(10) Ver a respeito La
são Paulo, Companhia das Letras, 1986, passim.
st id e, Le s ré li gi on s af ri ca in es au Br és il , Pa ri s, PU F, 19 60 , pp. 199
(11) Roger Ba
e 210.
(12) Ver O diabo e a terra de Santa Cruz, pp. 194 ss.
(13) Ver Marlyse Meyer, Maria Padilha e toda a sua quadrilha, São Paulo, Duas
Cidades, 1993,
€ (14) Ordenações Filipinas, Livro v, título exL, 8 8º. Ver a respeito Geraldo Pie-
rom, op. cit,, p. 107.
(15) anrT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 7020.
(16) anrT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 6308,
47) anrT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 4565.
à e aqui na discussão sobre certos aspectos ambíguos da
ibid na E pias apontados pelo Prólogo de Carlo Ginzburg a
pátte desuas:críticas ae o o Companhia das Letras, 1987). Acato grande

reconheço que, em caia nie anticlassista do conceito de mentalidade, mas


Vicaménte, ialcaráter eque cd Ra as mentalidades apresentam, inequi-
i-
dão muito maior — Pa q e sã mudam com velocidade diferente — uma lent
mentálités — une histoire ambi som! ecida por outras estruturas. Ver Le Goff, “Les
loi re — II — No uv ea ux ob i gu e, in Ja cq ue s Le Go ff e Pi er re No ra , Fa ir e de [" hi s-
Jets, Paris, Gallimard, 1974, pp. 76-94. Philippe Aries,

219
Tee
ss

Sae
ice é doutorado ap
inas, 1
- Fara a literatura d
e di fdÀ.

excelentes edições críticas Sa cretaria 7 de Estado di


ufrágio, Li h

1983, e N n t a m e r i c a n e d i nais
da vs

Goliardica, 1984 Erina z i o


nso, Milão, , Cisal pino/La |
4
iç ção de Lisboa, proc. nº 4564
.
(21) I
ANTT.
n q u i
+ s In

(22) tre Tal


; Inquisição de Lisboa o
i s i ç ã Oo P I D E A S
u
(23) anTT, Inq ição de Lisboa, ' proc TIS IAS . nº
Inquisi ã
(24) ANTI,
L i s b o a , p r o c . n º 6 308
ç ã o de isb º
2
(25) antT, Inqu i s i ç ã o d e L o a , proc nº 1 1 3 5 8 .
a
s i ç ã o d e L i s b o a , p r o c . n º 4 3 72
26) anT
(a T , I n q u i
ANTT, isi
E R d D l t a m b é m , p a r a à s e n eas
(28) ANTT fá ra e L i sboa , p r o c . n º 4 5 6 4 . V er
s i d o c o m u n s 9º p e d i dos
e c a b i r d D T
1 6 , n º 4 9 . P a r e cem te r
Bi b l i o t
= e L i s b o a , cx . 2 n o . “ P o r c o r r o m p e r alguns
de ““asubs:tiittuuiiççãão - do degredo externo por degred o i n t e r
à
h e s “ r o g o s ara que levassem recados
€ p e i t a s ' p
q u i s i ç ã o , o f e r e c e n do-l e s o € c o n d e n a d o , e m 2)
oficiais da In s do Sa n t o O f í c i o , M i g u e l Luis fo i p r
u t a d a , pois,
um p r e s o n o s c á r c e r e
Brasil, S u a p e n a fo i c o m
s d e d e g r e d o p a r a O o M arim,
1 5 8 3 , a t r ê s a n o r o a n o s e m C a s t r
de janeiro de d e g r e d a d o p o r quat
ç ã o , M i g u e l p r e f eriu s e r id o n o se u d e g r edo
através de peti m a i s s e g u r o ter
, m u i t o m e lho r € u m a c o lônia
Pa r a e l e i n o q u e part i r p a r a
d entro d o R e
mas c o n t i n u a r
P: 3 5 , C a s o j nusitad
P i e r o n i , O p » Cit.
ta”, Geraldo S a r a m b e que
A m a r a l , O “ à 1
Leit e d o p ara 1 p u r g a r
iam , p e d i u
que O conhec
mais nad c a t a d o
io t e r a
Santo Ofíc
(29) ANTT, P MN
A N T T , tub o t e,
(3 0 ) e r , a d i a n
a p í t u l o 8 : v
l h a d a , N º c
ta
Fondo
vo Mundo, pracho, Méniuo
“Ta disputa del Nue
perdi, He
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& 31) Ver ant ' i ", nº J Nou
Ed
o conómica
, 160,
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r o s n º | p o r b i g a t n s ,
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Culto AV] h
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(33) ANO tao A a d a à c i n c o anos d
| sIÇe n h a fo ! c o n d e n UU as CtR
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seor n m 2 . A p u d O a
de Coimbra Lisboa, MA proc. no 473 oc 2 pr 447
u i i
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ccaionoc”ante
,ANT Inu qn uisição de 1 ad. A .
45) ANTE, Inq 4 | di
64
proC. tl
Ta | sbods,
pal
ção ds ' , 4504.

(3y 6) ANTI InquisE i


( R i ) o

o a , p ros mi
L i s b
(37) ANT É In quisição de Pros nº 4809,
o 178)
o de | igbod,
(38) ANTI Inq uisciiçcãão
+
1 5 4 , p r oc A |fBo.
sbo a , M e Prerotil, (1 CEM
Inquisição de Li o s n º 4 5 6 4 , oCgUTA lo é veraldo
(39) AN Dl,
Lisboa, pr
ç ã o d e i c u l d a d e do ret orno
a n t T t , I N QU isi d e t i u i t i vo duda du d i f
(40) p o d i a s e | Or o p o s s u l nso algu
d a pe r n a e dado, cu s o n ã
p o r á r i o p a l ã o d e g r
pále f tem C r a m u i t o dificil n d o m a n d a d o da me
a C o lônia ,
e m d e v olta, Qu a
“Lima v e z n
á r ia P ara à v i a g e g ava-se
a n e c e s s Br as il ; e n c a r r
o n s e g u i ! a som o n a v i o q u e a p o r um E no
bem, c
n t e c olocm lo n c u m p r i d a a p e n a, era
ó p o l e , e m a utom i c a m e
da v i a g e m , m a s uma vez
tr
p a s ar as d e s pes: es ” , O P . c l t . , Po 255,
S a n t o O f í c io de ja r s u a v i a g e m de vol t a
o e a r - s e e finan c e
eri a i n t e r s s
o réu qu j dev a , p r o s . n º 4372.
, I n q u i s i ç ã o de Lisbo
(41) ANTT a , p r o s . n º 7840, € mile
i s i ç ã o d e Li s b o
p o r s u a s d r o g a s
q u il
opulência do Bras
(42) ANTT, I n
A n t o n i l , C u l t u r a €
(43) André Jodo P a u l o , N a c i o n a l , s. d.
e pi ff er C a n a b r a v a , São € br as tli-
nas, introd. e no ta s Al ic n o t í cias sot e r o p o l i t a n a s
e c o p i l a ç ã o de
Lu is do s S a n t o s V i lhena, R Ve r a re speito
(44) cial do Estado , 19 22 ,
, I m p r e n sa Ofi rl-
cas, notas Brás do am
ar a l , B a h i a
o v a ç ã o no Br as il — 1789-1801, Lisboa, Ho
, Atitude s de i n
Carlos Guilherme Motta pp. 28-37.
vi ve r em co lô ni as ”,
“onte. 1970, cap. 11, “O

DO EX TA SE AQ C O M B A T E (pp. 105-24)
$. RELIGIÃO POPULAR E POL ÍTICA:

na € ntia É
Este capítulo baseia-se
rea a cas Re
ça mp
Brasileiro dna
k 4 af pa pc
tuguesas do século xvu: O sagrado e à TON a aa
Go o
ros críticos e sugestões então feitos por Marlyse Meyer,
a em / 4 pes E sã RARA
c uma primeira vers ão do te xt o fo i pu bl ic ad
n q u
ça i so br e me nt ali-
ar te , or g. A. No vi ns ky ema d são
dade, heresi a e y eM. L. Tucc i Ca rn ei ro , Sã o Pa ul o, Ex pr es
e Cu lt ur a/ Ed us p, 19 92 , À o , a
co nh ec im en to . Ba rt ol om é Be nn as sa r, ta m-
hétiiiesenta Ra E os eles, meu re
“V oc ê ac ha qu e es sa s mu lh er es
sã o a e s a g a Ra aç o a perganua Após
cas sa nt as
a raca não, mas sem fundamentar.
. Respondi que
refletir por cinco is ta lm en te re fe it a, re sp on der à questã
a com esta versão to
do grande E ;
(1) Ver Biblioteca Na E Luzia
O

Li sb oa , sm s, cx . 21 6, nº 49 , “S en te nç a de
e Jesus, Terceira de certa A is iç ão de Li sb oa , pr oc . -
nº 4564, “Pro
: AN TT , In qu
e de Luzia de Jesus ess a m a l ho natural
ra
€ morado na ci da de de Le ir i e ce rt a or de m fi lh a de Ga sp ar Di as R
es a no s cá rc er es da In qu is iç ão de Li sboa”; ANTT,
ja pr

221
vestons baroques »alimann |
ques: les métiss
crent, Paris, PUF 1992 H lennes,
Ma ques, Históri
a de Portugal — |
' Ê p, 74.
E
e

Editora, 1947
O

Sob etstó
ne ari de RR Lis! boa, Livraria Sá da Costa, 1968,
RP
lo

pp. 255.9], Es
profunda ligação econômica entre Portug
mt ui

al e Es Ra
mesmo antes da União das Coroas, era dio
ripinhada À tina ão E
nhola no pequeno reino luso, ocorrendo bilingúis
mo nas Had dom Ai
as camadas populares, entretanto, considera que vicejava “declarada host lid
ade” ante
a Espanha. Acredito que, se havia tal hostilidade, não significa, todavia, que não hou:
vesse sobre o povo influência cultural da Espanha. Ver p. 258.
(3) A expressão é de H. Brémond. Apud Jean Delumeau, Le catholicisme entre
Luther et Voltaire, Paris, pur, 1971, p. 95.
p. 748.
(4) Marcel Bataillon, Erasme et FEspagne, Paris, Droz, 1937,
Costa , Mósti cos port ugue ses do sécul o XVI, Porto, Lel-
1
| (5) Dalila L. Pereira da
| lo & Irmão, 1986, p. 350. Pi et ro Ro ss an o, Di zionario dei san-
op . ci t. ;
(6) Ver Dalila L. Perei ra da Costa,
Dr

ar i Te a, 19 89 . e can
nt

ti, Milão , | Di zi on li dã o, ca la r
Ai

ra zí ve l é sent ar -s e na so
ço

q u ã o gr at o é ap storicos”,
“Judão saudável, e s t o s hi
ad]

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A m é r i c o Castro, “ S
»* diria K e m p i s . A p u d
ve rs ar i
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| | ' 1982, , 50,

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cn. nº 4372, n. 4744.


Lisboa 557, idem, proc
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e : “ . tis
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, 14) Idem, ibidem, D OA. cap tir, ! ai
DeÉ lumedadu%% a op. Ci.,
op. cito, po 329.
| 6) V CI
(1
e r e i r a d a C o s ta,
(17) Apud Dalila 1, P 33755. | o
OP. ci. » pp.
Pereira da Costã, a es ta gl or io sa san-
(18) Dalila É. emp r e ti ve
ém O TRINTA o motivo o amor que s
(19) “To! tamb peque-
fez já fazer-lhe o seu ofíc
io
ntes de sei beatificada. Este me
EPT
ss o co nv en to de To rr es Novas, lhe
a s . E: se nd o eu prior em O No
a u e c o r r e há an o a el e co m uma solene
no , q em O altar maior, tr az id a
ag e m , Ú q u e se pô s
mandei fazer suma in Es pí ri to Santo de Re li gi os as do Pa tr ia rc a Sã o Fran:
sa iu do co nv en to do
procissão ql je mã o" , Te re sa Mi li ta nt e do Padre Frey
d o a n t e s so le ni ss im as vésperas € sei
cisco, haven na tu ra l de Li sb oa , dO iu strissimo,
4 da s Ch ag as Ca rm el it a da observância,
Mano
de Me ll o Ar ce bi sp o de Ev or a Metropolitano,
or D om Joseph
e reverendissimo Senh Pi nh ei ro , 1630.
Li sb oa , po r Ma th eu s
com todas as licenças necessárias, ff pa ra o mo steiro como
e de Ja cq ue s Le Go
(20) Inspiro-me aqui na bela anális € erudit o da cul-
ac io na me nt o en tr e os ní ve is po pu la r
espaço privilegiado de inter- rel n-Age”, in
tura; “Aspects savants et popu laires des voyages dans Vau-delã au Moye
is , Pa ri s, Ga ll im ar d, 19 85 , pp . 10 3- 19 . “O n a in voqueé
Limaginaire médiéval — Essa
ou t la pl ac e pu bl iq ue , co mm e de s li cu x de so ci ab il it é et d'échanges
la taverne et surt
lt ur el s au Mo ye n- Ag e. 1 fa ut in si st er su r le rô le jo ué à ce t ég ar d par les monastéres.
cu
em en t les ra pp or ts en tr e mo in es “e tt ré s' d' un e pa rt , me mb re s 'i ll et ir és” de
Non seul
re, mais surtout sans
la familia monastique et hôtes également “rustiques" du monasteé
doute les relations entre |"“élite” des moines appartenant socialement et culturelement
aux couches dominantes (et exerçant les fonctions d'autorité dans le monastére) et
simples" moines à demi illettrés ont dã fournir un terrain exceptionnellement favora-
N 15 [L em br ou -s e da ta ve rn a € so br etudo da pra-
R
ár io ins ist ir, ne ss e o i l a ç o j á r u n ún de Mé dia. É ne-
cess ae pac e sobre o si desem penhado pelos ErORATE: HO apenas
má red
espraçs , membros iletrados”” da familia
monástica e hóspedes igual sebos o!icos" do mosteiro, mas, sem dúvida, sobretu-
dó strdacsar ent E ed y E rúst
primoeirçe: social e GU aenE às Ch:
nadas dôminanites (e exercendo bo
a

es de autoridade no mosteiro) e “simples


mi o

monges semiletrados devem ter ai nç


rmecido terreno excepcionalmente favorável a essas
Em

formas de acul E
cu lt ur aç ão ). So br e a pe ne tr aç ão da cu lt ur a re li gi os a er ud it a no s co nv en-
tos, Je; an-Michel
» *t Sallmann diz que taal!is mulhe eres eram analfabetas, mas não ignoran-

223
OS rituais adequad
Poca Moderna, São Paulo es velha negra) (trad E
mpanhia das
Letras 1989)
o ANTT, Inquisi
ção de Lisboa,
ANTT, Inquisiç
ão de Lissbboa, mb
(26) ANTT, Inquis
ição de Lisboa LA

Les réformateuis et la superstition”, in Un chemin d"histoire,


Paris, Fayard, 198]. p,67
(27) ant, Inquisição de Lisboa, proc, nº 4564, OA
(28) ant, Inquisição de Lisboa, mç. 52, proc. nº 557,
(29) Le carholicisme entre Luther et Voltaire, Paris, run, 197], p. 108.
(30) “Inácio de Loyola reúne em si o gosto pela especulação mística e a ciência
da organização prática em sua luta contra a heresia”, observa Pierre Francastel ao
analisar o Barroco como tensão entre ação e contemplação, “A Contra-Reforma e
na Iália no fim do sécul o xvi”, in A realid ade figura tiva, São Paulo, Pers-
as artes
iv a/ Ed us p, 197 3, pp. 371 -42 1 € 40 9. A A
pect |
Li br o de ta vid a, cap s. 11 a 19, pp. 0108.
31) Le ofi cin e dei sensi, Mi-
mol le e fle ssi bil e”, in
o Piero Camporesi, “Sugoso, A
|
nti, 1985, pp. 180-2. stâ nci as tot alm ent e 6!
e ela fos se ter ao Bra sil em cir cun
a geo de st in o qui s qu
b r u x a r i a e d e s t i t u í d a d
versas, degredada por a multip licida :
ai 557 a
, mg.' 52, proc nºleitur de livros, ou melhor, Ed oie
app Avisar e m a
crito, inspiro-me et l e c t e urs 0a
s u r e s
p o p u l a i r e s :— 1530-1660",4 in Lec
e
N s
lecmteur, aris, Seul
É a
Cdi a
“SSttroraeattééggpiies de VAncien Régi P

, Le ca r holicisme-»
d De lu me au
gésgin(e3s5) Apu
(36) Idem, | E
NTE, d e L i s b o a , P
I n q u i s i ção
Fi ri o p ois
i b r o d e l a
(39) L
L i r i c a s , 18 O
(40)
c i s m e p . 95.
Le cathol i
en ír it o sãEo diq fíceois
E in te ri or es do m aia
a n f E S S Or QU «ng s e ntendaNm »
a
) À e x p r e s s a s d i
a do m e s t a
(4 1 -l o de f o r ma que Us
000 is difiaricl cil é fa zê
u l o Br as il iense, 1987, P- INES
can ta Te—reisánda ma «to P a
pisia sa te na f rontetra entre
)., SãO ce s fr
1
eq uentemen»

pos impuros multiplicando


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judith Browh, f dá «nô de


APESAr da ex te ns ão do
pá boa s pág e ni sm o.
; + não sdo n bina
en México — 15 opo
o ai ición y sociedad
| :
ant ólico do
e a E dai aid
490-530, "Tres
4 “ e onÓICS, 1988, pp.
e Angus Mackay, Visionar
México,
o de Cultura e u McKendrick
nd
México, o a € ce nt ur y” , in Ma ry El iz ab et h
ar Ea:
s sapnahnê
p h
me se o á hal f of the sixteent h of the In qu is it ti on 1H
p a y e CO UN te rS s — the im pa ct
piri t u a b t dede Be ri HI
|
afectivo s e s | Ca li fo rn ia Pr es s, 1988,
e J. Cruz o e y / L o S A pel les, University
nge Of
i d , B e r l
ke ando a p r o f u n d ando
t h e N e w o r
w sil, ultrapass 0 5 J j i mite « do visionaris mo €
n d
a m a104. Par O B a r a
l a M e z an Al-
u d o p ioneir o d e L e i
a , V e r O € t
o c i o n a l f e m inin di Ç do
f E-

m a q u e s t ão dev estudo sj o b r e ç “4 c o n
(an bé nm ulheres d
a CY o l ô n i aa — um
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C devotas: [822,
+

Honradas Sudest 1750


=

rimentos do U + e

gra fi Bs|
és dos conventos
€ recol!
; S ã o o d d ,
utrav
i s t ó r i a da FFLCH-US F
punir
Departamen t o de H
nt ad a do i o n de s pen
torado aprese n quisit i o n el la d é v a l u a t
(4 2) Cl ai re G u i l h e m , “ L ' I | 9, p. | E
s, H a c h e t t e ,
, L ' I n q u i s i t t o n e s p a gnole, Pari
(org.) eggink,
in partolomé Bennassar M a d r e de Dios, O. €. D. e O t g e r S t
é m E f r e n de la
A este respeito, ver tamb s c o m p l e t as, p. 11.
fica ”, in O b r a
O. Carm., “Rescha biográ
p. 212.
(43) Dizionario dei santi,
(44) Idem, p. 169. des voyages dans I!'au-delã
savan ts €l popul aires
(45) Jacques Le Gof f, “Aspects
au Moyen-Age”, in L'imaginaire médiéval, p. 119.
(46) antT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 10 198.
l Bak hti n, A cul tur a po pu la r na Id ad e Mé di a e no Renascimento,
(47) Mikhai
Pau lo, Huc ite c, 198 7. Ver so br et ud o cap s. 1, ““ Ra be la is e a história do ri-
trad., São
-
so": 2, “O vocabulário da praça pública na obra de Rabelais": e 5, “A imagem gro
tesca do corpo em Rabelais e suas fontes”,
(48) Idem, p. 68.
(49) ant, Inquisição de Lisboa, proc. nº 11 358.
(50) Bakhtin, op. cit, p. 23,
a o o Fã pes aids dictionary of Saints, 2º ed., Oxford, Ox-
de 1590 Heitor a Ea E E : e ET Uma blasfêmia denunciada por volta
OE hs ici xa ai na Visitação de Pernambuco associa mulheres
DERA be caes | Aos o oma andavam as mulheres com os peitos desco-
santos concediam indulpênc À
issem carnalmente, por respei : Desa aos vomens que com cupidor
, speito de com isso divertir aos homens de fazer o pecado
nefando”, Primeiraeira ViVis
sitaitaçã
cã o do Santo Ofício às partes do Brasil. Confissõ
es de Per-
co, uco, ped,3) J, A. Gonsalve
namb1970, ionsalves de Mello, Recife, Universidade Federal de Pernambu-
tiin, Op. Cit.,
khht
(52) ) Baak pp. 163-9. Ve
de Pe
j
r também Primeira Visitação... Confissões
rmambuco, + p. P. 24. 24. S 50
a afetivo da religião, ver Gilberto Freyre, Casa-
grande & Senzala — UIRIO
Iriarcal, 93 ed. or a família brasileira sob o regime de economia
Rio “* Janeiro, José pa-
Olympio, 1958, vol, | 343
(53) ANTT, Ing !
uisição de Lisboa, mç. 2, proc. nº
557 e T

225
ani

+ “A tutela do sagrado:
adroe i í do da Restauração”
padroeiros no perío a prot eção dos santos
Curto (org.), 4 É , in Francisco Bethencourt e Di
E-), Fund
realizado na açãória da nação, Colóquio
À mem ; do Gabinete de Estudos de Sinii
Editora, 1991, pp. era,O a ReR 79/10 106) Tib,Liraiabi
(60) Lucrécia de Leon, profeta e visionária espanhola que atuou nos anos 80
do século xvt, também se comparava a Joana d'Arc, jactando-se de defender a Es-
panha contra os inimigos. A santa francesa era então conhecida na Espanha como
lla de Franc ia” graça s à obra de Allon so de Villega s, Flos sancto rum, adi-
“sta Ponze
ciones a la tercera parte, Toledo, 1588, vida 198. A imagem da donzela guerreiraé
como
típico do Renascimento, aparecendo em obras muito conhecidas
um motivo
Jorge de Monte mayor (15992 ). Ver à ra Pi
Los siete libros de Diana, de a da o
dreams — politics and proph ecy in dei
L. Kagan, Lucrecia's 1990, pp. 74 e 192, ne A ade
of Calif ornia Press,
keley, University Cf : iliense, 1979,
+ Walni ce Nogue ira
: Galvã o,de “Fre quen
Ensaio , São Paulo, Brasili en
zela guerreira, ver — €
Cadernos de Literatura
«nr Almanaque

O
Botelho gs exi 1662. Sobre IStO, Re Ra ara João Fran o Marg

ae do mar alistar P9
imaginário da Resta
1642, e mi
286-8. D. Affonso VI. Quan " vmo Vabia, Lisboa;
Antônio EM feitas por Jero
o Serenissimo Rey : boa
sagrado. , PP-

t o A n t o n i o de F A S E
EE D e ilor os
san
d o a o g 226
solda
tel Rey nos
a, IMpIOS
“veira,
de Oliveir d rasileia iros
ado:it sorjuso-b SE expulsaram
& OS

mito do santo “ “mo de 18 de março de 1711:


carta de 13 de
as vésperas do
=” as-

a fé ente a Vossa Majestade, comopovon em la nta confu-


ele
«()
“O Pr
provedo assado
faz presente 4. d se achava aqu Sd er
la cidade, fora necessário recorr
répido, com d! emo f -
F = Je

dh assentar praça de capitão, lena E


| | ão se mandara Majestade
+

ejo das armas sendo certo que DD relato


l [

oficial no m an . id“ eu pos O. : Àeec) +


us filhos às obrigações
mum deentre os homens, passa-se 40
co-
a humanidade voltaondo a ser Te
do do so Idado, , ta me nt o: “A O C o n s e l h o
afas
E da i : agora com um certo o d e ve
reconhecimem .
uito vener a d o , e es te R e i n
te do mundo é m em tod as se lhe dão
as e no Bra sil qua se
jo. em que muitas pras ha ja Vossa Ma-
proteção, º
ca pi tã o, qu e ne st a at en çã o
“a à logra de | om declara-
da do , e na Ba hia à 105 le o me sm o no Ri o de Ja ne ir o, €
praças de SO bem, de qu e se ob se rv e ço m € S Anto-
ci da de st es so ld os se ap li ca rá pa ra a fe st a do gl or io so Sa nt o :
: | tancia
hã o de ser Os me sm os or qu e se pa ga m a di nh ei ro í
io, re
ai e ornato de su cap
Ea cap ela , cu jo s so ld os
to Histórico e Geográfico Brasileiro, ArquIVO do Conse
. Instituto 124. “O prove-
aos mais capitães p
Rio de Janeiro de 1711 a 1717, arq. 1.1.24,
do
5

ntado praça de|


pi nda Real do Rio ade Janeiro dá conta de se h haver ap rese
dor da Faze
ião do assalto que os franceses deram aquela
capitão ao glorioso Santo Antonio na ocas
o se at re la à tr ad iç ão de sa nt os qu e aj ud ar am os lu-
cidade”, fls. 19-19v. São Sebastiã fo r-
de ri o im pe ri al , te nd o at ua do , co nf or me os re la to s, de
sitanos a afirmarem seu po
isi va na ex pu ls ão do s fr an ce se s da ba ía de Gu an ab ar a ai nd a no século xvi:
ma dec
o, €
“Ficaram os nossos desassombrados, atribuindo o caso a favor de São Sebastiã
muito mais quando depois viram que os Tamoios perguntavam: “Quem era aquele
soldado tão gentil-homem, que andava armado no tempo do conflito, e saltava intré-
pido em suas canoas, e lhe meteu tal temor que foi a maior causa de fugirem?” ””,
in D. Manuel de Meneses, “Crônica do muito alto e muito esclarecido Príncipe D. Se-
bastião décimo SEXtO Rei de Portugal que contém os sucessos deste Reino e conquis-
ai sua menoridade' , apud Jacinto do Prado Coelho (org.), O Rio de Janeiro na
; Rat re Lisboa, Edição da Comissão Nacional de Comemorações do
Va cm en |
de Janeiro, 1965, p. 39. Devo estas duas últimas indicações a
E) ” . u se

Ri E a a Bicalho, que, sob minha orientação, desenvolve tese de dou-


a cidade do Rio de Janeiro no período colonial.
65 er
FO hand mçci de Azevedo, 4 evoluçã-o do sebastianismo, passim;
Eduardo
a Portugal na época da Restauração, São Paulo, 1951, pp. 223 ss.
são européia do sebastianismo, Yves-Marie Bercé, Le roi
caché — sau-
thes politiques , ,
yard,
Cole 1990, “Principalmen te cap. L
sis “Sébie
astien de Portugalte, le roioderna
perdu”, pp. 17-81. RT
Sirtcenth am » “Me
dissianic t hemes in Portuguese and Braz
NI Tho d Sevente nth Centuries” ilian literature in the
, Luso-Brazilian Review, xxv
mas Cohen, » “Mi Millenarian t rir, 1, 199] pp
pri o
razilian Review, *xvur, ti «em Via
1, 1991, pp ER Ge ad do bb siri
(66 ) João Lúci
ic o de Azevedo, eo
Op. cit., pp. 71 ss

227
Í
as; DES. À vusta
- po q da * | MOR] o Ulpy Vas
"
os 1 à + Lonia ce Lourenço di | ças WCessari | vm
t ai à bot tr 1 COR E HS EAS í HSlanMoOs É N ' Queirás Li ni As Ha ul

Os (Mies ORE PA das ( ustelh RO a Vito 1a de Mo - Hero da Uasa |


* “PREÇO repu de" Sar O EM |7 de Junho d
“Ma i
tetas IS » Ho ] Er / es
44 Claros
: Que tiy th =
lto nças Ki HEOStinho, Pregador de ç 003 Por Leonardo de A
*vesSsarias E , Ha À ; eta
(OS) Jo * POT Domingos E Arn tagestade, e
4 OP. Cit, pp, e i r o , mo 16
98. « VeVarr i.
O 65
ASUANISMO
ambém OlivE t
Crença exi n eira E uma
“ CNCONtrou e n t emente Popul
dia incerto “MN n e le à cONsa ar, Foi c
que tuima fro ? lação é aa es es pl
do momento d à re t a embandeirada chegasse ai Projetando
denção” *» 12. deEDAstlão, 1 4q dlisias-
(69) João | Udo l
a
anci:
de Azevedo OP.
Cit., p. t
99.
(70) idem, ibidem, p. 8º.

Luís isa ge ço seo Juturo, in Obras escolhidas, vim, p. 79. Apud


"o a cobiça”, tese de doutorado apresentada
to de História da FFLCH=USP São Paul ao Depa ' rtamen.
E sus o | dão Faulo, 1988.

vas, ver(74 NEM Lúcio


João inquisdeição de o,
Azeved Lisboa mç. pp.
Op., cit., $2, proc.
17 ss. nº 557, Para a análise das tro.
(73) anTT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 4564.
(74) Para Joana da Cruz, antT, Inquisição de Lisboa, mç. 52, proc. nº 557; para
Luzia de Jesus, ANTT, 1. L., proc. nº 4564, e ainda Biblioteca Nacional de Lisboa,
sms, cx. 216, nº 49, “A previsão dos destinos individuais, naturalmente, não estava
mobi-
desligada da previsão dos destinos coletivos, sobretudo numa época de grande
desempe-
lidade social e geográfica, onde a expansão comercial-marítima º a guerra
nhavam um papel fundamental na organização da vicia cotdiana : images
court, O imaginário da magia — feiticeiras, saludadores e nigromam |
la
"

Lind

Lisboa, Projeto Universidade Aberta pa f seno houve, na mesma época, mãa-


e

a rotini á e Kagan, “Politic s, prophecy and


PR pn
Eq

nifestações milenaristas € proféticas. Ver si


=
e a

fio

-ZÁ. descrição deta lhada


q:

: ncounters, PP. 105


J. Cruz (cd.), Cultural a de Lisboa, me 52, proc. nº 557. der Leonardo de São
pu

(76) anTE, InqUiSIS ita pelo cônego à. de tapina


q

ie
E

ieta da batalha de Mo s, enquanto aves ortugueses


O
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l e m dl 4 é n c i a s q u e a o d

c l a i m , v o lced al S a
i t e h m e n t + [Ocorr p a s s a r a m + sort
rical s a t t o ns O | bew t i c a c o m Deus
o d u c e | a g o u
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n s q u e p i n ham
craz e , p r
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o s d
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M s a l e g a
forma, a
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culo XVU for
am vi s t a s C
e o . D e s t a c a r r e i r a d e Joana
s s o s « d o demom ã c
i o é t o s é c u l o NM à
das como ex
p r e
i Z i r a m , n o In í c
. r e t a n t o , a l ega
s o b r e n a t u rais cond L
C G i r e a l A w a k ening En t
qguvido + oz e s
r a d s é c u l o XVI, ao O S j u g a r e s p r oduzi-
n a N o v a I n glater o
e e m m u i tos OUE r
d'Are &
S a l e m e m 16 9 2
K l a i i s , t h e s et
t l ê n t i c a s EXpTCãs adas e
m
n f e i t i ç a m e n t | , Joseph
ções
r u x a s , a c u s a ções de e a n a U n i v e r s i t y Press,
ram, na era da c
açã às b
s, Bloomingto
n, Indi
hune
— the a ge of the wirch-
vermis of Satan
“Baldung and
1985, p. 108. n g , Ve r Linda Hults,
s d e B a l d u
S o b r e es te ci cl o de gravura
a l o f I n t e r d i s c i p l inar)y Eis»
(3)
e v i d e n c e of i m a g es”, Journ
vi li ch es 01 F r e i b u r g ; th e :
s d e p g a l d u n g G r ien tes
the 4 0 7TA
6 . O
pr ól i
O protoupo dos sa
ot b á
1987,
os pp . 2 4 9 - do Lou-
toryv, XvuI: 2, QUuItOono e n c e n t e d o a c e r v o
de al td or te r, d e s e n h ad o em 1506 e pert
ria sido o Sabbat c l e r e g , y v p o l o g i e d e s s Céres
86 7 4. Ve r, a re sp ei to , Ja cq ue li ne Kadaner-Le “ T
vre (nº nv. 8 se d u n e ev ol ut io n” , in Vários
Ág e el ata Renaissance. Es qu is
c au Mo ve n-
de so rc el le ri
gi e Éd it io ns de |! Un iv er si té de Br uxelles, 1954,
autores, Magie, sorcel terie, parapsycholo

R A o l i t o r t e v e q u i n z e ediçõeEs,
itado de feitiçaria de U. M e CaIçÇÕ
,

n
39.59
PP,

4 8 7 e 1 5 %
5 9 0 , o t ra a
(4) Entre 1 e 1
i l u s t r a ç õ e s s o b r e d i ferentes € i d a d e s d a s b r u-
a a a
s é r i e d e es cenas da s a t i v
o:cont ao com um g e l fo i ed i t a d o m a i s de O
entre 1509 e 1527; à Histo-
n e v e L a i e n s p e v e z e s
e er ais dRae p o n
ç
z e vezes entre ai
E
d e g e na t i s e p t e n t r i o n a l ibus, de
a g n u s , c o n h e c e
m í n i m o n o ve cdi-
ri
ho a de gé a a m m é E n h e c eu no o u t ros
des e n t r e 1 5 5 5 e l i v r o s e r d o q u e o s
e 1 5 7 0 . A l g u n s desdsoes que duas vinh enos ocbrreenteo tema;
u n o 1 5 5 5 e n t a v a m m e n o s as e t a s s , ;
msais ui apres '
o te

a que uma tiragem 1 ] ss


xv , e n
csoémcpurleo peida d i a 1 f nam ,é d rla
i a
io n
d e quatro-
i n a l d o s é c u l o o
í

xem laaarreessf eé que, iniciando


à

s a-

t o s / q u i n h e n t o e a Ta b
ú m e r o p r a t i c à

n n
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ce pod
4 Cx
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Xe
s e i n f l u ência ta l é

mente dobrou, s ã o d a
n

o idéia da e x t e n +
| li-
o r
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i i i n á r i r c i d a p o e s t e s
e

d x e
+

ros sóbie o e
mo
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s l e itores. Ver J, | K; Kadaner-Lec c i e n FebvrTee


e HT iMariMairtin, Lappariti e,r 1958, p. o p . ci t. 3 2L9u, P
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brando ainda os clássicos D e l u m e au, La peur en ndo
de Occid ent, lem-

tono de la vida”
a
» Revista de Occid
| de la vida”,te pp. 11-43: La civil
isat
E ion des moeurs. » tr tradd,, Pari
cidente Argentina, 1947, princi
1947, principalmente cap. 1, “p|
a,

s, Calmann-Léy
a Stuart Clark, ver “French historians and y
culture”, Past and Present, nº 100, ago Mai rn popular
. 1983 pp. 62-99
(6)
a “Ainsi dans les d anses macabres | anci
touchait le vif Pp pour V'averti boi
avertir et le désigner. Dans nouvelle ic c'est à peine si la m siê-
és plusla anciennes, ort
[Na e iconographie du xviº
elle le viole” [Nas
cle, EM danças macabras mais antigas, visando a io
Na nova iconografia do adverti-lo e
desi gná-lo, a morte mal tocava o vivo.
la], Essais sur Phistoire de la mort en Occident du Moyen-Age Pepe ad j 15,
E
Seuil, 1975, PP- 46-7. Para um equacionamento geral da problemática, ver ainda Al-
a

berto Tenenti, dl senso della morte e "amore della vita nel Rinascimento (Francia e
Halia), 2º ed., Turim, Einaudi, 1989, principalmente cap. v, “La sensibilitã macabra”,
pp. 121-47.
Solêé, Lamour en Occident à "Epoque Moderne, Paris, Albin Mi-
(7) Jacques
tem interpretação análoga para as relações entre
chel, 1976, p. 128. Kadaner-Leclereq
erotismo e sadismo, Op. cit., p. 58.
maneirismo e macabro, supplices — de 'obéissance sous les
Le temps des
(8) Ver Robert Muchembled, li n, 19 92 , pa ss im . Ap esar de su-
si êc le , Pa ris, Arma n d Co
rois absolus. X V - X VI IF pr oc ur ar ler, em perspec-Sais
autor tem O mé ri to de
tá ve l, O tr ab al ho do - ; im o qu e O £
pe rf ic ia l € co nt es : fenômeno im po rt an tí ss
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(2) Baer
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(10) O quad
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sem número de inventário.
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(11) Galeri e Du tu it 40 sinv. “ruit 108]
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inge , Br ug
fio es :
de M. 6. An dreoli, ce rc a de 15
(12) Mu s e u Cr os mn ns 08]
xanto Avelh, 1538, INV: 1084.
3 Petit Palais, prato do atélitUrbino 1530, 1nY. Dutuit
ié de nr an re eo
i t Pa la is prato do atel :
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(16) Musem e stsest
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(17) Estas i ' “APES
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a u l o , B r a s ilien
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s c o m p t as,
trad., Sã
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27) apud J ud t
ith h BrowDs :
l f k. O. Carm., 8-
O. €. D. ; € O tger Ste g e
L i b r o Ê
28) Santa Teresa de Jesus; 93-4- ri
d. e noi as Efren de “ de
na nos, 1986, pp:
anna a
Madri, Bibliotebi ca a áfica”, in
E
d . 101-4.
s Ro

“Resena Rio
1,
R
de Di os e O t g e r s t eggink,
a ess de N Mulino, 1980, PP: 1:
O b r a s c o mpletas, Pp. 3.
ta Teresa de Je s ú s ,
l v a g g i o , B o l o nha, S e v e n -
esi, 1 p a n e s e
the sixt e e n t h a n d
(31) Piero Campor e E u r opean w i t c h - c r a z e o f
r - R o p e r , T h
329 H.R. Trevo : . 50-1.
ce au XV IF siê cle , Par is, Plon,
jeenth Centur iesa,ndrLon dre s, He n& s eff.
P
so rc Eie rs en F ran | ;
ou, Magistr a i m a s , DO entan
(33) R. M d o c umental m a i s a c a d ê m i c a
a c o m à p e s q u i s a t uais:
1968. Descomprometid so br e O período da s po ss es sõ es c o n v e n
ch el C a r m o n a 88.
LO, útil, é a síntese de Mi ti que sous Ri ch el ie u, Pa ri s, Fa ya rd , 19
— sorcellerie et po li
Les diables de Loudun fa ls o mi st icismo”, in Jesus Imirl-
(34) Francisco de Encinas, “Un ejemplo de ci on al , 19 77, p. 38.
Mad ri, Ed it or a Na
zaldu (org.), Monjas y beatas embaucadoras,
(35) “Carta dando relación sobre Madalena de la
Cruz ”, op. cit., p. 47; “Sen-
tencia de Magdalena de la Cruz”, op. cit.,/p-. 53:
(36) “Relación sobre Teresa de la Concepción”, op. cit., pp. 268-72.
(37) A esse respeito, ver meu artigo “Do êxtase ao combate: visionárias portu-
ns do século XVII”, in Inquisição — ensaios sobre mentalidade, heresta e arte,
oa RENTE e Cultura/ Edusp, 1992, pp. 162-84, que ampliado e reescrito
en pítulo anterior deste trabalho. Para uma tipologia das visões e sua filia-
çi ois sistemas básicos de taxionomia — o de Ricardo de São Vitor e o de santo| ir

ree lab ora do por san to To má s e por Jea n Ge rs on , ver Jea n - S R


lae r
na r a “Tadi
cor tes et pra tiq ues du dis cer nem ent des esp rit s”, in Je an -M ic he l “AS R ea
es de Vi E E
De a », Vistons indiennes, visions baroques: les métissa

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(38) anrT, : Inquisição de e Li
certa ordem.” : Lisboa, proc. nº 10 198. “Maria Antunes, Terceira. JASON

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» 4H
(40) ANTI reg Ge Lisboa,
Proc, nº |
do Espírito Santo mm
ce Lisbo mç 134, pa
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e Fera ando1?VelhoProc,de nºLi 1525, » «p Ocesso M
(41) ANTT, Inquis; à O fo bar dra
(42) “« ré ção de Lisboa mç.
ad 134 pro Natura]
aire: son climat Nou
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4 PrOC. nº 631. “Processo de Marcelina Maria


à pretos escravos, natural do Rio de Janeiro
moradora nesta cidade em casa de seu e
senhor João Eufrásio de Figueiredo”
(44) antTT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 628. ““Proces
so de Catarina Maria mu-
lher preta, escrava do Beneficiado J osé Mac
hado, natural dos matos do Reino de An-
gola, e moradora na cidade de Lisboa Oriental”
(45) anTT, Inquisição de Coimbra, proc. nº 7235. “Processo de Catarina
Fer-
nandes solteira filha de Pedro Fernandes Severo de alcunha Lavrador natural do lu-
gar de Mairos termo da Vila de Monforte bispado de Miranda ”” Curiosamente, a sen-
tença deste processo se encontra em outro aa o de Lisboa, sob a form de outr
ao
rocesso: Inquisição de Lisboa, nº 16 516. )
E (46) Sobre os efeitos da devassidão materna sobre os rebentos, e sobre bebés
; iore.
Ao sul do corpo — condição feminina,
mnpastaaano cri prisd, ver MapBrasil E,col oni al, j
Rio o de Ja ne José ir
Olympio,
o, 1953,
maternid ad es e me nt al id ad es no
. Ê Cá Ci
“Pesadelos do úter o”
Lis boa , sus , Col eçã o Mor eir a, Se mn ça CS SET
te 47) Biblioteca Nacional de o es a Moré
on ne Cu nh a Reg o (or g.) , Fei tic eir
ição, 1. 2, fls. 295-309 - Apud Yv :
Esios?
go s po rt ug ue se , Lis boa , Im pr en sa “S A see
pi — textos anti
nas páginas 106, NÉ,
E
» pp. 103-37. As
isição
cit açõ es do
de
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T e s o u r o Enc
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fe r i n d o - s € ,
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pab r i d e t o u t ju g e m e n t s t r
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a s q u i l e u r sont a l o r m o r a l o s
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“ n a d r e s c ujo alto v f o r m a r u m J uizo
r e n t a r O d e m ô n i t o , s ã o c a p a zes de
arefa de enf snria e discern
im e n
uart, s I e x o r c i s t e devant|
F. x . M a q
metido s ] , e s C a r m e li-
que lhes são cub r e s , S a t an, 5. 1.1 . L e s E t u d |
Vári o s a u L o g r i f o m e u ).
diabol i q u e s ” , n
a s p áginas 3 2 8 - 9 (
manifestations 8 - 4 8 , c i t a ç ã o n
B r o u we r, 1 9 4 8 , PP- 12 e b i s p o à 17 d e s e tem-
«ines chez Desclêe
d e
o t o m o u p o s se c o mo arc
u í s Á l v a r e s d e F i g u eired m o n t e i r o da Vide,
(2) D. L o i s . S u c e d e u à d. Sebas t i ã o
, f a l e c e n d o de z anos d e p
h i a € o r g a n i z a d o r do pri
bro de 17 25
A r c e b i s p a do da B a
i t u i ç õ e s P rim e i r a s do B r a s i l a ntes
o autor da s C o n s t a g e n, Histór i a ge ra l d o
co lo ni ai s. V a r n h
meiro sinodo havido em
terras
ã o P a u l o , M e l h o r a m e ntos,
d ê n c i a de Po rt ug al , 3º ed., S
de sua separação e inde
p e n
t e m p o r â n e o s co nt rã O cl ero colo-
er as as qu ei xa s de con
sd. t.w p. 378. Sã o in úm
s C o n s t i t u i ç õ e s , é u m di vi-
17 07 , co m à co ns eg úe nt e publicação da
nial, e o sínodo de im ei ro gr an de pa ss o da Ig re ja no
s ne si e se nt id o, co rr es po nde ndo 20 pr
sor de| ág ua
Bo sc hi , “A s vi si ta s diocesanas €
naliza çã o- ve r Ca io
sentido de firmar sua institucio , l. 7, nº 4, m a r - a g o . 1987.
ileira de Hi st ór ia vo
a Inquisição nz Colônia”, Revista Bras o — Iggrreej ; a e concubi-
do To rr es Lo nd of io , “P úb li co € es ca nd al os
nrnan
Ver também oFe
u t o r a do & esentada ao Depar
sp
nato no antigo bi ad o do Ri o de Ja ne ir o” , te se de d o
AR sp à
tamentCso de Hicias stór d da Ra
caia São Paulo, 1992, pp. o de € 185.frei
17 6- 7
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37 23 . Nã o ci ta re i a a i d ca da tr a S e nte EpE o r q u e este
quisição de Lisboa, proc. nº ad eg
Ou tr os , nã o tem as páginas
processo, COMO mu it os
37 23 u a d a m e n t e n u m e radas.
| 4) por Inquisição de Lisboa, proc. nº
iate ; À
5) Examan is relarões p. 182. Para
: EPE e a Terra de Santa Cruz, Pã ”
pode r da s se cr a o
a h e Jcan De lumezu, Le catholicisme entre L u t h e r €1
E re, París,a l
Foltai vos 1971, p. 24 8
(6 )lã Há bastante semelh Jança | entre O caso à Laí
ima
mercedário de origem portuguesa que se psscascaens APERTE naD
PNa Raro
do M a r a n h ã o . Q u a n d o
ci za r, pr oc ur av a manter có ad esotamdoas pacíenies, < a uma de-
ka pa ra ex or
ammeadndoara que abrisse “cinco frangões”
chco c
: re - os puse ss e, ai nd a vi
VIVOS, sodrse =
re. Em outra ocasião, exorciCCOZando já Ea
Joaquina, “em meio a seus costumei-
Certa Maria

233
a a

ros tocamentos, disse que cla “padecia


tantas queixas porque não casava ne
M tinha
ajuntamento carnal com homem" e que 'queria ter có
pula com ela”. Diunte do espan- |
to da moça, tranquilizou-a dizendo que “assim fazia a todas as benzidas, qUe ass
im
lhe ensinavam os seus livros" “. Apud Lana
Lage da Gama Lima, “A confissão pelo
avesso — o crime da solicitação no Brasil colonial |
”, tese de doutorado aprese Ma
ao Departamento de História da rrcm-usr, d a
São Paulo, 1990, pp. 616-B8.
(1) Nos casos de Santena, no Piemonte, anal
isados por Giovanni Levi, re Corria-s
muitas vezes ao médico para, depois, recorrer ao exor e
cist Os próprio + médicos acon.-
selhavam que se procurasse O exorcista, Uma vez impotentes na cura do mal: “Não
| houve guerra entre medicina « exorcismo pelo men
, os na prátic a cotidiana do mundo
campones e citadino, mas uma fort s
e olidariedade de
|
autojustificação”, Ver q traba.
lho modelar de Levi, marco na micro-his
tória, e que me inspirou na concepção de
varias passagens deste capítulo; Le pouv
oir au village — histoire d'un exorciste dans
te Piémont du NXVIF siécle, trad, Paris, Ga
llimard, 1985, p. 46 (em italiano: Vere.
| ditá immateriale. Carriera di un esorcista nel Piemonte del set
cento, Turim, Einaudi,
19N5).
| (8) Enspiro-me nas considerações de Gilberto
Velho em “Indivíduo e religião
| na cultura brasileira — sistemas cognitivos
e sistemas de crenças”, Novos Estudos
Cebrap, nº 3, out, 1991, pp. 121-9, Na pág
ina 125: [...] não se trata de defender
a tese da existência de uma ,
vasta € indiferenciada “religião popular” onde a crença
em espíritos constituíria a base é cixo detinidor
es, fazendo com que as particularida-
des se diluissem, Pelo contrário, as diferentes to
rmas de definir, classificar, represcn-
tar eadentificar as relações com o mundo dos espíri
tos, guias, santos, orixás EXpres»
sum fronteiras cuja importância é enfatizada pel
os grupos em pauta"; E mais adiante:
“Lodo transe, a possessão, q mediunidade criaram
um espaço social com valores cul-
turais de conotação específica. Obviumente não surgem
do nada, de um vácuo abso- (
iuto, Estão coladas a outras experiências que pode
m se articular ao que chamamos
de sistema cultural,
(9) Certeau usa à expressão referindo-se À proble
mática bastante particular da
inística: a “violência selvagem do descio” é O que
se imiscui, em meados do século
Xvn, na já existente distinção entre os motivos c q ação, por si sÓ tradicional no campo
da espiritualidade: “Les bonnes actions cl Fobser
vance des régles se décollent, com-
me une apparence”, d'une 'réalité” intéricure qu'une
attention miguisée découvre avec
horreur et inquiétude: la violence suuvage du désir"
" [As boas ações e à observância
das regras se despreendem, como “aparências”, de uma
“realidade” interior que uma
atenção aguçada descobre com horror e inquie
tação: a violência selvagem do dese.
jo). Michel de Certeau (org, e coment), La pos
sesston de Loudun, 2º ed. Paris. À
GallimardSulliard, 1990, p. 147,
40) Estudando a incidência do crime de sol
1

icitação no Brasil colonial, Lana


E

Lage da Gama Lima viu que, entre o clero regular, O segu


ndo posto era ocupado pe-
los frades carmelitas (26,40%), que só perdiam
para os franciscanos (19,800), En-
e

tretanto, mais do que os membros das ordens, for


am os padres seculares os grandes
| solicitadores de mulheres no ato da confissão
(58,199). Ver “A confissão pelo aves-
| so", pp. 490 e 492, ;
(UM D. frei José Delgarte chegou ao Maranhão
em 1717. Iulecendo em 1724,
Varmhagen, op. cit. p. 386.
(12) Biblioteca da Ajuda (ma), “Notícia
que dá o Iustrissimo Bispo do Mara-
nhão Dom Prei José Delgarte Padre Vigá ,
rio da Ordem da Santíssima Hrindade, de
uma célebre energúmena a que assistiu na
Inquisição da Corte de Lisboa”, “Tesouro

234
Encuberto”, vol. 1, 51-11-29, fls. 266-7. O Sínodo Nacional de
| Reims de 1583 ajuda
a compreender por que frei Delgarte gozava de posição
privilegiada para contar a
história de Mariana: “De| vant que le Prétre entre prenne
d'exorciser, il doit diligem-
ment s'enquérir de la vie du possédé, de sa condition, de sa reno
mmée, de sa santé
et autres circonstances; et en doit communiquer avec quelques gens sages, prud
ents
et bien avisés, car souventes fois les trop crédules sont
trompés et souvent des mélan-
coliques, lunatiques et ensorcelés trompent |'exorciste [...]""
[Antes de começar a exor-
cizar, o padre deve diligentemente informar-se acerca da vida do possesso, de sua con-
dição, de sua fama, de sua saúde e de outras circunstâncias: e tudo comunicar a alguma
s
pessoas sábias, prudentes e bem avisadas, pois muitas vezes os demasiadamente cré.
dulos são enganados e amiúde os melancólicos, Junáticos e en feitiçados levam o exor-
cista a se enganar), E X. Maquart, “Vexorciste devant les manifestations diaboliques"
,
op. cit, po 330,
(13) A juventude de Mariana vai contra a visão popular da brux
a velha, des.
mistificada por De Lancre, por exemplo; “C'est un conte de dire que toutes les sor-
citres soient vicilles,.” [E balela dizer que todas as feiticeiras sejam velhas,..|], Pierre
de Lancre, Lincrédulité et Mescréance du sortilêge plainement convalncue.., Paris,
1622, p. dl.
(14) na, “Tesouro Encuberto”, fls, 251-6,
(15) Compêndio narrativo do Peregrino da América (1728), 6º cd. Rio de Ja-
neiro, Publicação da Academia Brasileira, 1929, Sobre a relação entre diabo é ator,
Piero Camporesi, “Calcagnantes, trufatores et malagentes,
La famiglia di Margut-
te”, am HH paese della fame, Bolonha, || Mulino, 1985, pp. 52-4, Para à condenação
jesuítica ao teatro, G, D, Ottonelli, Della christiana moderatione del theatro, Floren-
ça, Alle Scale di Badia, 1652, 1v, pp. 438-9; “il primo che trovô Parte del ciarlatáno
tu dl diavolo, quando nel paradiso terrestre fece cinque cose; la prima si mascheró,
prendendo la forma del serpente; la seconda sal sullarbore: la terza disse gran bugia
Nequaquam mortemini la quarta ingannô à primi genitori nostri con quelPavviso Eritis
steut Di, e la quinta tende loro il pomo da Dio victato, E queste cinque condizioni
esprimono | ciarlatani tristi, come seguaci del diavolo, poiché si mascherano, salgono
in banco, dicono bugie, ingannano | semplici e vendono mercanzia” [o primeiro que
descobriu a arte do charlatão foi o diabo, quando no paraíso terrestre fez cinco col-
sas; a primeira, se mascarou, tomando a forma da serpente; a segunda, subiu na úr-
vore; à terceira, disse grande patranha Nequaquam moriemini; a quarta, enganou nossos
primeiros pais com aquele aviso Eritis sicul Diije a quinta, deu-lhes o pomo por Deus
proibido. E estas cinco condições revelam os charlatães tristes, como sequazes do diabo,
pois se mascaram, sobem no banco, dizem patranhas, enganam os simples e vendem
mercadoria],
(16) “Des noms propres créent des repéres et decoupent des régions dans Hanony-
mat neutre du diabolique”” [Os nomes próprios criam referências e delimitam regiões
no seio do anonimato neutro do diabólico], Michel de Certeau, op. cit., p. 62. Sendo
sempre sete, os demônios de madre Joana dos Anjos, a superiora do convento de Lou-
dun acossado pelo Inimigo entre 1632 e 1634, variaram no tempo; em um documen-
to, aparecem os seguintes nomes; Astaroth, Zabulon, Cham, Nephtalon, Achas, Al:
lix e Uriel; já nas “Listas” sobre as possessas — que Certeau chama de “Atas
diabólico” — são diversas as designações: Leviatã, Amã, Isacaron, Balam, Asmo-
deu, Behemoth (o sétimo demônio não consta da lista). Nas aludidas Listas, são inu-
meros os nomes dados aos demônios, sendo poucos os que aparecem mais de uma

235
“o

VCL. Behemorh, Cérbero, Asmodeu. Para os nomes de diabos, ver Certeau, op. cit.
pp. 34-5; 61-2; 136-40.
(17) ma. “Tesouro Encuberto””, fl. 265.
(18) na, “Tesouro Encuberto”, fis. 256-7. 4
(19) “La langue du diable est une autre langue, ou Ion ne s'introduit pas grãce
à un apprentissage. De ces mois, on doit être “posséde”, sans les entendre'” [A língua
ão diabo é uma outra lingua, na qual não é possível ser iniciado por meio de um
aprendizado. Por essas palavras, deve-se ser “possuído”, sem compreendê-las]. Ver
Certeau, op. cit., p. 64. As possessas de Loudun chegam a falar tupi! “Elles ont aussj
épondu en langage topinambou que leur paria Monsieur de Launay Razilly..”” [Elas
responderam também em lingua tupinambá, na qual se dirigiu a elas Monsieur de

ni
Launay Raziliv...). Apud p. 179, Lettre du docteur Seguin à M. Quentin, 14/10/1634;
a carta foi publicada no Mercure françois, 1634. Durante os exorcismos, diz Certeau,
a linguagem é ao mesmo tempo o lugar e o objeto do combate. Acreditava-se que
os melancólicos tinham especial aptidão em falarem línguas desconhecidas. Ver Jean
Céard, “Foliz et démonologie au xvr” siêcle”, in Folie et déraison à la Renaissance,
Colloque international tenu en novembre 1973 sous les auspices de la Fédération In-
ternationale des Instituts et Sociétés pour |'Étude de la Renaissance, Bruxelas, Édi-
tions de "Université de Bruxelles, 1976, pp. 129-47. Na página 141, cita L. Lemnius, ,
Les secrets miracles de nature, trad. de A. Du Pinet, Lyon, Jean Frellon, 1566: “Que
les mélancoliques, maniaques, phrenetiques, et qui par quelque autre cause sont es-
pris de fureur, parlent quelquefois un language estrange qu'ils n'ont jamais aprins,
et toutefois ne sont poinct demoniaques”' [Que os melancólicos, maníacos, frenéti-
cos, € quem quer que por outro motivo estando tomado de furor, fale às vezes uma
língua estranha que eles nunca tenham aprendido, e apesar disso não são demonia-
cos]. A relação entre melancolia, doença mental e bruxaria era fundamental na épo- Í
ca: ver, a respeito, Sidney Anglo, “Witchcraft and melancholia: the debate between
Wier, Bodin and Scott”, in Folie et déraison à la Renaissance, pp. 209-28.
(20) “Et lorsqu'on lui fit dire: 'Mon Dieu, prenez possession de mon âme et
de mon corps', le diable par trois fois la prit à la gorge, lorsqu'elle voulut dire; *De
mon corps”, la faisant hurler, grincer les dents, tirer la langue” [E quando fizeram-na
dizer: “Meu Deus, tomai possessão de minha alma e de meu corpo”, o diabo por
três vezes a tomou pela garganta, quando ela quis dizer: “De meu corpo”, fazendo-a
urrar, ranger os dentes, botar a língua]. Apud Certeau, op. cit., p. 30.
(21) “En un sens, c'est aussi un un dehors du language commun, tout comme
le latin ou "hébreu. Il s'inscrh dans le courant plus large qui oppose à Vintellectualité
reçue linventaire d'un nouveau monde, “baroque' si 'on veut, celui des sens, celui ;
des frémissements et des sueurs, des surfaces changcantes de la peau et des mouve-
ments contradictoires du geste. Cette géographie reçoit, dans la littérature et Vexpé-
rience, le même róle que celle des continents inconnus décrits par les explorateurs.
Les cartes du corps ou les “théatres” de "Amérique s'opposent également aux cosmo-
logies ou aux 'gtographies' traditionnelles. Un savoir nait de la pratique, contestatai-
re, exploratoire mais codifié, lui aussi” [Num certo sentido, é também uma exteriori- |
dade ante a linguagem comum, exatamente como o latim ou o hebraico. Inscreve-se À
na corrente mais ampla que opõe, à intelectualidade recebida, o inventário de um mundo
novo, “barroco” se quisermos chamá-lo assim, o dos sentidos, dos frêmitos e dos
suores, das superfícies cambiantes da pele e dos movimentos contraditórios do gesto.
Esta geografia assume, na literatura e na experiência, o mesmo papel que a dos conti-
pentes desconhecidos descritos pelos exploradores. Os mapas do corpo ou os “tea-

236
tros”” da América se opõem igualmente às cosmologias e às “geografias" tradicio-
nais. Um saber nasce da prática, contestadora, exploratória mas, ela também,
codificada]. Certeau, op. cit., p. 68.
(22) Ba, “Tesouro Encuberto””, fl. 273.
(23) Ver, entre outros, Norman Cohn, Los demónios familiares de Europa, trad.,
Madri, Alianza Editorial, 1975.
(24) Ba, “Tesouro Encuberto”, fls. 259. O problema da platéia é central na so-
ciedade de Antigo Regime, constitutivo do “homem público” que as ““tiranias da in-
timidade”” baniram no século xix, com o advento da sociedade e da cultura indus- .
trial. Ver o trabalho sugestivo de Richard Sennet, O declínio do homem público —
as tiranias da intimidade, trad., São Paulo, Companhia das Letras, 1988, sobretudo
“O mundo público antes do Antigo Regime”, pp. 65-155.
(25) “La tragédie démoniaque n'atteint que la religion publique”, Certeau, op.
cit., p. 131. Para relação entre piedade e publicidade, ver p. 311. Para uma bela análi-
se das relações complexas e complementares entre a possessa e a assistência, ver O
caso de Elizabeth Knapp, desencadeado em 1672 na Nova Inglaterra: a possessa que-
ria ir para Boston, “o maior palco que a Nova Inglaterra lhe podia oferecer”. John
Putnam Demos, Entertaining Satan — witchcraft and the culture of Early New En-
gland, Oxford University Press, s. d., cap. 4, “A diabolical distemper”, pp. 97-131.
(26) pa, “Tesouro Encuberto”, fl. 251. Para a hierarquia dos sentidos na Épo-
ca Moderna, ver Lucien Febvre, Le problême de l'incroyance au XVI siecle — La
religion de Rabelais, Paris, Albin Michel, 1947, pp. 471-3. Para Febvre, há um “atra-
so” da visão no século xvi, O principal sentido sendo a audição. Robert Mandrou
endossa a posição de Febvre: Introduction à la France Moderne— 1500-1640, Paris,
Albin Michel, 1974, pp. 76-82.
(27) Ba, “Tesouro Encuberto”, citações respectivamente nas folhas 254 e 261.
É o olhar atento quem capta as mudanças fisionômicas da possessa: “Ce qui est en-
core surprenant et fait voir que ce changement provient d'une cause intérieure de pos-
session, c'est que, durant qu'il dure, la possédée ne fait aucune grimace, mais son vi-
sage demeurant en son état naturel semble néanmoins tout autre, par le moyen des
veux dont la couleur et la lumiêre sont changées en un instant" [O que é ainda sur-
preendente e permite ver que tal mudança advém de uma causa interior de possessão
é que, enquanto dura, a possessa não faz nenhuma careta, mas seu rosto, conservan-
do sua expressão natural, parece todavia diferente devido aos olhos cuja cor e cujo
luzir mudaram num átimo). Carta de 26 de julho de 1634; Paris, Bibliothêque de ['Ar-
senal, ms. 4824, fl. 17, apud Certeau, op. cit., p. 141.
(28) na, “Tesouro Encuberto”, fl. 264,
(29) Idem, ibidem, fl. 278.
(30) Idem, ibidem, fls. 264-5.
(31) Idem, ibidem, fl. 277.
(32) Idem, ibidem, fls. 288-9.
(33) Idem, ibidem, fl. 270.
(34) Para a relação entre demonologia e reflexão sobre a causalidade, ver Stuart
Clark, “The scientific status of demonology”, in Brian Vickers (org.), Occult & scientific
mentalities in the Renaissance, Cambridge University Press, 1984, pp. 351-74.
(35) “Le tentateur subtil, qui multiplie les ruses et les habiletés de sa dialectique
pour séduire un Faust diffêre du diable des possédés autant que le Lucifer orgueilleux
qui entreprend avec ses démons la lutte contre Dieu. Les diables des possédés sont
puls familiers et plus vulgaires. IIs restent à la mesure de "homme”” [O tentador sutil,

237
«e as habilidades de eua dialética para seduzir um Fausto,
que multuphea-a os estratagema tanto quanto 0 Lúcifer orgulhoso que, com seus dema.
d i a b o d o s p ostse ec
Os diabos dos possessos são mais comezinhos
difere do
uta contra Deus
nios, empreende Em manecem na medida do homem], Jean Vinchon, “Les as.
c mais vulgares | E tos dive “gts de possesston”, In Satan, pp. 464-71,
pects = aa : ni n aberto “vol. 1, 51-1-29, fls. 266-7.
(MI
ato BA, Ra di id e concílio de Constantinopla em 543 e 553, a eter.
a foi
foi ear pelo Concílio de Latrão, em 1215; mas foi com
nidade das pe n a s rea! ue, ao colocar um ponto final na claboração
o q
teológica do
Õe Aq ui Th
Iornas
samio ( rorpes Minais, Histoire des enfers, Paris, Fa-
As
ja) quesaÃo ganhou desta
sd =” agnuuíe
|
inferno,
a . tÓ 0 207. o | |

DE 199, É f
vard, 44 P

(1%) Teresa de Ávila representa um marco na história dos infernos, sua visão

sobriedade e enfa| se no tor| men, to interno, | e não


despojamento,
ns
Li srac
I Asi man o ) Deo
terizand Ad E, Ê

fisico. “l'enfer there sien nest pas un spectacle; il est intéricur à "âme, le moi éclate
ea sans un instant éternel; comme si la conscience Ctail figée pour toujours
a moment de ta dernitre fraction de seconde avant la noyade ou Vécrasement. Per.
conne n'tra plus loin dans le sens de Fhorreur absolue"” [O inferno terestano não é
um espetáculo, ch está no interior da alma, o eu explode e sufoca num instante eter-
ao: como se 4 consciência se imobilizasse para sempre no momento da última fração
de segundo que antecede 0 afogamento ou o aniquilamento, Ninguém irá mais longe
no sentido do horror absoluto), Georges Minois, Histoire des enfers, p. 237.
(19) Na lália, a superposição entre suspeitos de feitiçaria e de possessão diabó-
lica (91 característica da atuação inquisitorial c eclesiástica na época da Reforma ca-
iohica. Ver Giovanni Romeo, Inquisitori, esorcisti e streghe nel" Halia della Controri-
forma, Ihorença, Sansom, 1990,
(45) Para a microfísica do poder, ver Michel Foucault, Mtcrofísica do poder,
trad. org. cintrod. Roberto Machado, 2º ed,, Rio de Janciro, Graal, 1981; 4 verdade
cas formas jurídicas, trad., Rio de Janeiro, Cadernos da puc, 1974. Para a pedago-
gia do medo, ver Bartolomé Bennassar, “VInquisition ou la pédagopie de la peur”,
in Bartolomé Bennassar (org.), Elnquisition Espagnole — XV-XIX* siécle, Paris,
Hachette, 1979, pp. 105-41,
| (41) "[...] on serait tenté d'opposer deux types de sociétés: celles qui pratiquent
Fanthropofagie, c'est à dire, qui voient dans Vabsorption de certains indivídus déten-
leurs de forces redoutables, le scul moyen de neutraliser celles-ci et

pd a mo Pr e
même de les met-
e.

la soultion invite esti a li


a ii Gr dá ai sero ces
| un a
êtres rédoutables em e
hors du corps social
Ara

daris des e aa en e eh mo PLA Fumante,


MM

sociedades: as que praticam a antropof: r | ria Pensador opor dons Eponas


a

mic ié
indivíduos, antropofagia, ou seja, que vcem na absorção de certos
detentores. de forças temíveis o único
aproveitá-las; e as que, como à nosss = | mico meio e: a :
de neutralizá-las é
e inclusive
poemia (do grego spread, ne a o que poderíamos chamar de antro-
ram a solução inversa. consisáinão det a isa do mesmo problema, escolhe-
=q medpils

DO social é mantê-los Lemporária ou feftiivare


——

as E berniveis para forw/do'cur


humanidade, em es tabelecime nte isolados, sem contato com à
-

ntos destj :
fes tropiques, Paris, Plon, 1955, p praia a este fim], Claude Lévi-Strauss, Tris-
ai

(42) ANTT Incuisi ;


' ' proc 0, nº
:
Nição de Lisbo a
(43) Ver Rober Mandrou, Magistrais 172 ERRA re
e

ei so
Feers en Confi ssão”, 11, 26,
France qu XVIF siêcle, Pa-
o
E css min
a
a

238
ris. Plon, 1968, sobretudo à segunda parte, “La crise du satanisme: les procês sean-
aaleux”, pp. 193-363. Michel Carmona, Les diables de Loudun — sorcelierie et poli-
de
rique sous Richelieu, Paris, Fayard, 1988; Michel de Certeau (org.), La possession

pi,
Loudun.

gi
(44) Paul Boyer e Stephen Nissenbaum, Salem possessed — the social origins

gi
of witcheraft, Harvard University Press, 1974. Chadwick Hansen, Witchcraft at Sa-

asse
tem, Londres, Arrow Books, 1928, Enders A. Robinson, The devil discovered — Sa-

is
tem witehcraft, 1692, Nova York, Hippocrene Books, 199].
(45) Remeto mais uma vez à análise de Gilberto Velho: “Transe, possessão €
mediunidade são fenômenos relígiosos recorrentes na sociedade brasileira”, op, cit.,
p. 124. Fu ndamentais na construção da identidade e da noção de indivíduo, esses fe-

o a
nômenos são igualmente responsáveis pela construção do que Clifford Geertz cha-
mou de “'rede de significados”, Velho, op. cit., p. 126. Para Geertz, ver À interpreta-
ção das culturas, trad., Rio de Janeiro, Guanabara, 1989,
(46) Endosso aqui a argumentação de Giovanni Levi, op. cit., pp. 46-7. Nos
sistemas naturalistas, explica-se a doença em termos impessoais, como se os elemen-
vos físicos que compõem o corpo se encontrassem em situação de desordem, de equi
líbrio perturbado, e como se a causa de tal situação fosse totalmente explicável em
termos naturais. Nos sistemas personalistas, a doença pode ser o efeito da interven-
ção, mais ou menos ativa ou intencional, de um agente dotado de sentido (seja divi-
no, sobrenatural ou humano), a pessoa doente sendo vista como objeto de uma agressão
(e às vezes de auto-agressão) e de uma punição que a consideram como pessoa cspe-
cífica: estes sistemas se ocupam do doente e do porquê, « não apenas do como (p. 42).
As formulações do autor são muito interessantes, indo em sentido diverso ao de Keith
Thomas em Religion and the decline of magic — studies in popular beliefs in Six-
teenth and Seventeenth Century England, 4º ed., Londres, Weidenfeld and Nichol-
son, 1980 (trad. Religião e o declínio da magia, São Paulo, Companhia das Letras,
1991) o declínio do elemento mágico na explicação das doenças não foi consegiên-
cia da difusão das práticas e conhecimentos médicos; teria antes havido um longo
período de coexistência « reforço recíprocos explícitos, ao menos no plano ideológi-
co, entre cuidados naturais e cuidados sobrenaturais. '“Tal coexistência não se deu
apenas numa fase inicial confusa, mas também ao longo do período em que se isola-
vam as explicações de tipo naturalista da nova cosmologia médica produzida pelo
racionalismo" (p. 45) — caso curioso de evolução lenta « não conflituosa da inova-
ção, diferente das rupturas bruscas que seriam características, posteriormente, às trans-
formações técnicas (p. 46).

8. EM TORNO DE UM MITO: A ELIPSE DO SABÁ (pp. 160-80)

Parte deste capítulo foi apresentada no Congresso Internacional Le sabhat des


sorciers en Europe, Saint-Cloud, 4-7/11/92; na forma final, entretanto, é inédito.
(1) São incontáveis os trabalhos sobre feitiçaria na Época Moderna, portanto
destacarei apenas os que julgo maís significativos para o estudo do sabá c suas varia-
ções. O mais recente e sofisticado del es
é o de Carlo Ginzburg, Storia notturna —
una decifrazione del sabba, Turim, Binaudi, 1989. Fez época o livro de Margareth
Murray, defensora da filiação do sabá aos cultos de fertilidade: The witch-cultin Wes.
tern Europe, Londres e Oxford, 1921, Balz
vos encontram-se em Robert M led,
sorcitres ct ses causes”, in Marie-Sylvie Dupont-Bouch
at et alii, Prophêtes ei Sorciers
dans les Pays-Bas — XVI -XVIIF siecles, Paris, Hachette, 1978,
pp. 1-38, e também
em Gustav Henningsen, The witches' advocate — Basque witchc
raft and the Spanish
Inquesition (1609-1614), Reno, University of Nevada Press, 1990, estudo ale
ntado que
fornece ainda elementos importantes para a análise do sabá. Uma vis
ão mais geral
do fenômeno sabático se encontra em Julio Caro Baroja, Les sorcieres et
leur monde,
trad.. Paris, Gallimard. 1972. De Norman Cohn é o belo Los demónios familiares
de Europa, irad., Madri, Alianza Editorial, 1975. Para diversas interpret
ações insti-
gantes, numa vasta arca geográfica, ver os seguintes trabalhos: Eva Pócs, “Po
pular
toundarions of the devil's pact and sabbath in South Eastern
Europe”, comunicação
apresentada no Congresso Witch beliefs and witch huntin
g in Central and Eastern
Europe, org. pelo Erhnographical Institute of the Hu
ngarian Academy of Sciences
e Eotvos Loránd University, Budapeste, 69/9/1988: Mar
gareth M. McGowan, “Pierre
à Lancre's Tableaou de linconsiance des mauvais anges et
des démons: the sabba!
ensattonalised”, in Sidney Anglo (ed.), The damn
ed art: essays in the literature of
witcheraft, Londres, 1977, pp. 122-201: Stuan Cla
rk, “Inversion, misrule and the mea-
mng of witchcraft”, Past & Present, nº 87, maio
1980, pp. 98-127: Gustav Henning-
sen, “The ladies from outside: the sicilian fairy cul
t as a prototype of the witches”
Sabbath", ex. datilografado. Para a idéia da perseg
uição e do sabá como produto da
demonologia e do pavor das elites letradas, ver
Robert Muchembled, ““Lautre coté
cu mirorr: mythes sataniques et réalités culturelles aux
a ga

xvif et xvif siécles”, Anna:


e res

les, ESC, ano 40, nº 2, mar.-abr. 1985. Para a com


preensão das peculiaridades da
jensçaria inglesa, ver o trabalho incom parável de Kei
th Thomas, Religion and the de-
cline of magic — studies in popular beliefs in Six
teenth and Seventeenth Century En-
giand, 4* ed., Londres, Weidenfeld and Nichol
son, 1980. Para a especificidade das
assembléias de bruxas na Escócia, Christina Larner
, Enemies of God — The witch-
hunt in Scotland, Londres. Basil Blackwell,
1983; da mesma autora, ver a instigante
codeânea Witchc raft and religion — the politics of
popular belief, Londres, Basil Black-
well, 1985, notadamente os artigos “Crimen exce
ptum: the crime of witchcraft in Eu-
rop”, pp. 35-67, “Witch beliefs and accusations
in England and Scotland", pp. 70-8
E Wiichcraft past and present", pp. 79-9].
Para O fenômeno no contexto italiano,
ves Coovanni Romeo, Inquisitori esorcisti e
streghe nell"Halia della Controriforma,
Finença, Samsoni, 1999, sobretudo o capítulo
1, “1588: un addio al sabba”?””, pp. 3-24.
(2) Ver “O conjunto: América diabólica
» Sob o título “A aproximação com
o modelo sabático” .
(3) André Thever, Les sngularitez de la France Antarcti
Paris, Maisonneuve & que, ed. Paul Gaffarel,
Cie, 1878, p. 146.
(4) Idem, ibidem, p. 169.
(5) Idem, ibidem, pp. 172-3.
(6) Carta do padre Azpilcueta Nava
rro dos jesuítas de Coimbra, 28
padre Serafim Leste, Monumenta /3/1550. In
Bra sihiae, Roma, Ed. Monumenta
tuts Jesu, 1956, vols. 1 à 4, p. Historica Socie-
TE.
(7) Michel de Certeau, “Ehno-grap
hie- Poralsté, ou Vespaçe
Em Lécrisure de Fhistoire, Par de Vautre: Lérv”,
is, Cralimard. 15, pp. 21
*ez ota so, uz É ta itt 5-48 Ver sobretudo pp. 243
érature dy voyage m'a -4,
matiquemnes Suite comme malheureusement pas enc
ore Cté sysié-
vn immense complément e: dépl
oie. ne ano ructure acement dela démono-
| FrOUvEn pourtam"* (A litera
tura de viagem infeliz-
mente nda não fo VEemsiicamente
estudada como um imenso comple
mento €

240)
Do

deslocamento da demonologia. Apesar disso, as mesmas estrut


uras estão presentes |
em ambas).
(8) “Le haut mal”” é a designação dada à epilepsia: Léry será provavelment
e |
um dos primeiros a fazer a associação entre ritos amer
índios e manifestações epilépti-
cas. Mais um ponto de aproximação com a feitiçaria
e com o sabá: a partir do século
xvis, talassociação será feita com freqiiência pelos ilus
trados europeus. Ver R. Man-
drou, Magistrats et sorciers en France au XVIF siêcie, Paris, Plon, 1968.
(9) Jean de Lêry, Histoire d'un voyage faict
dans la terre du Brésil, ed. Paul
Gaffarel, Paris, Alphonse Lemerre Editeur, 1880, 2 vols., vol. 2, pp. 67-73.
(10) Michel Foucault, Histoire de la sexualité — 1 — La volonté de savoir,
Pa-
ris, Gallimard, 1976, pp. 78-83.
(11) A alusão à erva defumada e aspirada num contexto de demoni
zação dos
ritos indígenas reflete a repulsa e o pânico europeu ante as experiências americanas
com alucinógenos. Ao lado do canibalismo e dos sacrifícios humanos,
elas foram as
grandes responsáveis por uma interpretação demoníaca das culturas do Novo

o
Mun-
do. Ver, a respeito, as páginas brilhantes de Serge Gruzinski, “La capture du surnatu-
rel chrétien”', in La colonisation de l'imaginaire — sociétés Indizene

DO mo
s et occidentali-
sation dans le Méxique espagnol — XVE-XVIIF siêcle, Paris, Gallimar
d, 1988, pp.

rm 1
263-97. Na página 282, diz: ““TIs [os europeus) reprochaient aux hallucinogên

mma
es d'être

E
Vinstrument de Satan mais aussi de conduire à la déraison, à la folie
passagere ou
définitive, à Véquivalent de l'ivresse alcoolique et même à la luxure” feles [os
curo-

e
peus) condenavam os alucinógenos por serem instrumentos de Satã mas
igualmente
por conduzirem à desrazão, à loucura, passageira ou definitiva, ao equivale
nte da em-

e
briaguez alcoólica e até à luxúria).
(12) A edição de Léry usada por mim é a segunda, a de 1580, impressa

e
em Ge- |
nebra por Antoine Chuppin e tomada como base por Paul Gaffarel para
a sua edição |
de 1880. Ver Paul Gaffarel, “Notice Bibliographique”” a Histoire d'un vora
ze., |
p. xIv ss. Nas edições posteriores, como na terceira, de 1585, Léry tornaria
ainda mais
explicita a associação entre os ritos tupis e o sabá, incorporando a polêmi
ca demono- |
lógica ocorrida entre Jean Bodin — cuja obra, Démonomanie des sorciers,
se publi- |
cara em 15—80 e Jean Wier. Diz Léry: “*j'ai conclut, que le maistre des unes estoit
le maistre des autres: assavoir, que les femmes Bresiliennes et les Sorciere
s par-deçã
estoyent conduites d'un mesme esprit de Satan: sans que la distance des
lieux, ny te
long passage de la mer empesche ce pere de mensonge d'opperer ça ct lã en
ceux gui
luy sont livrez par le juste jugement de Dieu” [conclui que o senhor de uns era O
mesmo que o dos outros: ou seja, que as mulheres brasileiras e as feiticeiras daqui
!
conduziam-se segundo um mesmo espírito de Satã; sem que a distância dos lugares,
|
nem a longa travessia do mar impedisse tal pai da mentira de agir aqui e lá sobre
|
Os que lhe foram entregues pelo justo julgamento de Deus]. Apud Frank
Lestringant,
[huguenot et le sauvage, Paris, Aux amateurs de livres, 1990, p. 50, nota 21. Lestrim-
gant observa muito a propósito que o capítulo xw de Léry — onde se faz a analogia
entre ritos tupis e sabá — contrasta fortemcom
enote
tom do rest
da obra
o , Ver L'hu-
guenot et le sauvage, pp. 49-50.
(13) A respeito, ver o meu O diab
e a terr
o a de Santa Cruz, São Paulo, Compa-
nhia das Letras, 1986. Mais recentemoen capí
tetulo
, 1 deste trabalho.
(14) Francisco Bethencoun, O imaginário da magia — feiticeiras, saludadores
é nigromantes no século XVI, Lisboa, Projeso Universida
Aberde
ta, 1987, sobretudo
PP. 165 ss. Laura de Mello € Souza, «Witcheraft, sabbath and popu
lar belicfs in Co-
2 s

(15) Refiro-me aos casos de Simão Pinto e Margarida Lourenço, registrados


nós
processos nº 8206 da Inquisição de Évora e 1] 642 da | nquisição de Lisboa, ambos
no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, apud op, cit,, pp. 165.9. Ver também Fran.
cisco Beahencour, “Witchcrafi and Enguisition in Portugal”, ex, datilografado,
(16) Penso em particular no caso de Clara Signorini anal
isado por Ginzbura
em “Fertsçaria c predade popular: notas sobre um Processo modenense
de 1519"! in
Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e história, traG., São
Paulo, Companhia das Le;
tras, + rempr. 1990, pp. 15-99. Para Ana Antônia
1 b

do Boco, ver avr, Inquisição de


Lisboa, proc nº 31 242,
(17) À gestnalidade da ir cação desmonia
ca Jusitana era mar cada
mulheres, pela nudez e pelos cabelos sois. , DO caso das
Ms

ver, a respeito, o capity lo 2 dest


e trabalho,
Oo E

(16) aserr, Encquísição de Lisboa. proc. nº 13


O

242,
O

(19) ser, Inquisição de Lisboa, proc.


nº 35 29. Luis Mott utiliz
cm contexto diverso. Ver Escravidão, a este Process)
homosserualidade é demo
Ícone, 1988, po. 1324, nologia, São Paulo,
(23 A retertncia a velas é constante nos
Drocsos que sludem ay sabá, No “náy.
rats” (espécie de resumo) de interrogatório de Giles Cochet, em
rência: “Es apres on 2 presemé é chac 16, há esta reto.
un um chandeiie nojre allumée, e apre
com intra sa chandelic à cexe Deste s, cha.
fem cavalo), «x peis chacun s'en alio
eaticmcdes, 12, SG, 14 jul 164), Ap it”, Archives
ud Alfred Soman, “Le sabbat des
“e furidique”, comunicação apresentada sOTCiers: pres.
no Congresso Internacional Le sabias des
once en Esmoge rv Ts gy gate
s Saint Lens, 47/11/92, texso datilo
perasão « pufiicação das atas, p. grafado
17. Se no episódio de Leonor Fernan
540 axubladas e reendem cnzotre, ne des as velas
sta citação, como em gande parte
CruçÁDES, às velas são neyras Toi UA de qutras des
UÇÃãO, exi no à enxofre, remete
€ à inversão da camas — onde ve acen 20 Diabo,
dem velas 20x santos e 4 Deus,
CA Para mena tipologia do tabá, ver
Crsstav Henningsen, op. cit., cap. 5,
wicctonde"”, po. 66.54, “The

AGA, 62 cp Estaria senta iz forme du


e corbeas eles om volé, croack, sensto
Sum serpest, rasppé, e: gota fz form s la forme
e d'va chat vont entrées par des trou
eme proporcionnez 2 la grrenr s pesits et
du Corps Sum vray chat,.” (Quando
issticeiras dizer nas vuzs comissões pois as
GU + transformaram esm corvo, pega
PORCOS, GALO, TALO E serpentes, ou cutras arienás se s, iodo,
rmehiantes, € que estandna
o for-
nau de corvo dias vaca, gresmaram, na
focena de ver peme rastejaram, e na forma
de
Ge vem g286 verdades.À, Je de z
Nynae nid, De
se des sorciero — 615, tsibrys critiq
ue qugmentte 4 rudes sur les Iycant
oepa-garmas, Paris, Fréstiho Es
titicos, 95, p. 67.
ropes es tes
(23) num, Incuúsição de Lisboa, proc. nº
MRENTO Graças é qencrmidade 2559, Semença, Pude ler este docu-
de An s-hisoriador Lists Mo
arqunro particulas de docyment
os inauisice taí sl
e—
es campos de Champaignes próximo do T hloa, morand
o ENTÃO na casa de Nils
Godel 0 jovem, € lhe teria feito muito ma! , jaldade e
dores, como se lhe tivessem posto espinhos es
prannes
quinze dias doente] (A. D Me M B 2543 nº
por Robin Briggs c distribuída durante sesa Comunicaç
ão “Le sabias des sorcdiers en
Lorraine”, que teve Jugar no Congresso Internações! 16
pe (xvTC-prntTo mécies
sabbar des sorcíers en Euro.
), Saímt-Cloud, 47/11/99.
(24) Os réus dos seis processos 4 que aba
di sã
de, José Francisco Pedroso, José
Francisco Pereira, Joneta de Jesus,
c Jovla Maria, adequadamente citados mais adiante Catarina Dias
(25) astra, Inquisição de Lisboa, pro
c, nº 972.
(26) nsert, Inquisição de Lisboa, proc. nº 1) TIA.
(21) Piero Campores, “Carnerale 3 sabba””, in Fl paese delia fame,
Mul
1 ino, 198 5, pp. 185 6. Bej ert ua
(25) Em minha tese de doutorad
o, dediquei algumas páginas a
analisando-o, entretanto, de forma di este episódio,
versa e menos reaciornada é dereatfegã
diabo e u terra de Santa Cruz, pp. a. ()
25940) € NG9, Lsks Miss Lariréem
dio em “Etnodemonologia: aspecm dude ao pts
da vida sexual do dido no mundo ne
armericano (séculos 171 20 mv)", im Escrav ro
idão, homos serust e de
imod no
aogdia
e,
pp. 126 e 128-31.
(25) A persistência de Val de Cavalinhos
como local de s2bá é bastante curicns,
< dcmandaria um es udo específico, Em comentário à múnka CPTE
Geste texto no Cológuio de Saint Cloud, Claude RIR AÇÃO, De presta
Caiprees cugeriu anglogia exere 2
designação de Cavalínhos e o hábito carnavales
co de montar caralinios de eau em
pandegas. Caberia verificar se 14] hábito tem enraiz
amento português. Para a Fresça,
ver Jean laude Schmitt, * Jeunes' es danse des
chevauz de Dois — ie Loliiore sméri. I
Í
dional dans la lntérature des “exemplo (ant -xsvf ve
ces”, Cahiers de Farjeguys, q“
13, 5976, pp. 127-56. De qualquer forma, outros lugare
s, como Campos dz Coxeríva,
permanecem igualmente consiantes durante 1sês século
s como lc de cerréncia ds
sabá.
(30) aver, Inquisição de Lisboa, proc. nº H 767.
(31) Ver Pierre de Lancre, Tableau de Vinconstance des mau uam
vais unges ex des
démons, introd, crt. e notas Nicole Jacques Chaquin,
ae

Paris, Aedvier, 1962. Na págs


rege

na 142; “elle 1a vu souvent en forme dhomene, tam! rou


ge, temia mes”, Vez tem
a

bém Julio Caro Basoja, Les sorcíeres et leur monde, vtaô.,


Pasis, Calbeasã, VI72,
Ml

cap. 32, “Les grand procks du pays basque au debut du grs vicio”.
principalmente
4

D- 188: “Satan sous la forme d'un bouc es assis sur ps tróse


dorts À porte daa cor-
Pi
E

nes dont une est enflameinte«4 sert & allumer tous les fesx de la
q

résgion”.
Pd

(32) Danças € instrumentos musicais — os pandeirinhos de Leonor Fernandes


,
4» cananholas de Maria de Jesus — são uma constante nos process de Sei
siçaria
Da

que aludem ao sabá. Na Lorena estud


e

poa
rdRovain Brigas, AlidesMon
sici
ogne niz,
— ie

dc Badorviller, dizia em 156! que no salsá por ela freiicntado “1


avo it
é

des men
e

Fez aves pf tabourins e es-


'

instrument cui les Laisoiens dansser e quant elle retos -


Fcnem incomtinent se trouvoyens en leurs maisons”, A. D,
Vosges S 196 Yodbezu,
viúva de Nic olas Demenge Richard, de Ayócilies depunha, em 1615, “au audi soar
1OUS dansojen
t au som dus tambour et d'une fiuie cui estotent sonnez
par desx par-
ticulicrs d'entre cux,.”, Cho, mais uma vez, conforme transcrição feita pelo histcnria- Ap
dor britânico c distribuída durante sua comun
no i
supc
racita
adoçcon
ãgre
osso.
| (33) ANTT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 2279. Foi Luís Mott quem me permi.
uu a Jeitura deste documento. Há analogia curiosa entre os afazeres domésticos da
negra Maria de Jesus e os de outra escrava, Marcelina Maria, que em 1734 diz ter
contado com a ajuda do diabo para amassar '“dois alqueires de pão de trigo”, “e
em meia hora o tal pão se amassou e levedou [...) fazendo grande bulha, como que
era bem amassado... anTT, 1. L., proc. nº 631. Mas, branca e portuguesa, Catarina
Hernandes também se valia dos préstimos do diabo para serviços domésticos em ge-
ral: em trajes de donzela, “lhe ajudava a fazer o serviço da casa”, anti, Inquisição
de Coimbra, proc. nº 7235,
(34) E Alfred Soman quem, numa interpretação brilhante, vê o sabá como dis-
curso que se banaliza e que, no decorrer do século xvr1, acaba se tornando mera curio-
sidade. Conforme diminui a pena de morte para a feitiçaria — conforme ela se des-
crimina —, aumentam as descrições de sabá. Ver “Le sabbat des sorciers: preuve
juridique”, pp. 14, 15 e 16. Para o estudo da descriminação da feitiçaria francesa,
ver Alfred Soman, Sorcellerie et justice criminelle (16º-18º siêcles), Bath, Variorum,
1992.
(35) antrr, Inquisição de Lisboa, proc. nº 4964.
(36) Para analogias, em outro contexto, entre bruxaria e vampirismo, ver “The
decline of witches and the rise of vampires under the Eighteenth-century Habsburg
Monarchy””, in Gábor Klaniczay, The uses of supernatural! powers — the transforma-
ion of popular religion in Medieval and Early-Modern Europe, Princeton University
Press, 1990, pp. 168-88.
(37) Ver O diabo e a terra de Santa Cruz, passim. Ver, entre outros, Raoul Man-
selli, La religion populaire au Moyen-Age — problêmes de méthode et d"histoire,
Montréal-Paris, Publications de I' Institut d'Études Médiévales Albert le Grand, 1975;
lean Delumeau, Le catholicisme entre Luther et Voltaire, Paris, pur, 1971.
(38) antt, Inquisição de Lisboa, proc. nº 11 163.
(39) A crença de que o espírito se desprendia do corpo durante o sono é central
no caso dos henandanti estudados por Carlo Ginzburg, 1 benandanti — stregoneria
e culti agrari tra Cinquecento e Seicento, Turim, Einaudi, 1966. Encontra-se também
nos kresniks e táltos eslavos e húngaros. Ver Gábor Klaniczay, “Shamanistic elements
in European Witcheraft”, op. cit., pp. 129-50,
(40) Notar aqui a similitude do papel de instrumentos musicais, mais exatamente
de percussão, no desencadeamento dos êxtases tupis relatados por Léry € no dos de
Luzia, africanos na origem. Cabe ressaltar que, nos ritos de umbanda e candomblé
contemporâneos, tal papel ainda se conserva. Mário de Andrade chamou atenção para
o papel exorcizador dos instrumentos de percussão, diferentes, por exemplo, dos de
sopro, que são antes invocadores. Ver Música de feitiçaria no Brasil, São Paulo, Mar-
tins, s. d., pp. 36-8.
(41) antT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 252, mç. 26.
(42) A respeito das discussões sobre separação entre alma e corpo, ver Nicole
Jacques-Chaquin, “Nynauld, Bodin et les autres; les enjeux d'une métamorphose LeX-
tuelle”, in De /a tyeanthropie — transformation et extase des sorciers — 1615, pp. 1 ss.
(43) antt, Inquisição de Lisboa, proc. nº 1 974. Mais uma vez, devo a leitura
deste documento à generosidade de Luís Mott.
(44) antT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 4222.
(45) antK, Inquisição de Lisboa, Manuscritos da Livraria nº 959. Cabe dizer
aqui que ambos os executados eram reincidentes. A Inquisição costumava ser mais
dura com estes, mas conheço outros casos de reincidentes que não foram queimados,

244
e sim degredados: Domingos Álvares (axrt, Inquisição de Évora aiii |
7759), Maria Barbosa (antT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 289) a +» Proc, nº E
(ANTT, Inquisição de Lisboa, proc. nº 1377). ' 2362), Antônia Maria
(46) Tal quadro se encontra no Museu Nacional
das Janelas Verdes, em Lj boa:
alguns atribuem-no a Jorge Afonso, que o teria pintado por volta de a a oa;
Broc, La géographie de la Renaissance, Paris, Les Éditions du CTHS, 1986, p 208 Ei
autor afirma ter sido fraco o impacto da descoberta da América sobre a ; ii dê ea
tura”' eu ropéia, regist rando, entretanto, tecundações; dentre estas, destaça as verifi-
cadas em meio português: “On signale pourtant dês 1505, une Adoration des mages
de I'école portugaise dont un des protagonistes, coiffé de plumes et portant une flê-
che tupinamba, serait le premier Indien d'Amérique figurant sur une peinture euro-
péenn e..* (p. 208) [Registra-se uma Adoração dos magos da escola portuguesa, já
em 1505, onde um dos protagonistas, com cocar de plumas e trazendo flecha tupi-
nambá, seria o primeiro índio da América a figurar em um quadro europeu...]; “Fi-

O
nalement, le seul pays européen dont Part reflête partiellement "aventure d'outre-mer
est le petit Portugal qui pendant pres d'un siécle a eu le sentiment d'etre le centre
du monde” (p. 210) [Finalmente, o único país europeu cuja arte reflete parcialmente

h
5
a
a aventura ultramarina é o pequeno Portugal, que durante quase um século teve o
sentimento de ser o centro do mundo]. Os exemplos dados pelo autor são os painéis
de Nuno Gonçalves em São Vicente de Fora e o manuelino em geral, com destaque

E
1
º

.—
para a célebre janela do convento de Tomar (p. 210).
(47) Ver Stuart Clark, “Inversion, misrule and the meaning of witehcraft”, Past
|
& Present, nº 87, maio 1980, pp. 98-127.
(48) Francisco Bethencourt, “Witchcraft and Inquisition in Portugal”, ex, da-
tilografado. Maria Cristina A. S. Corrêa de Mello, “*Feiticeiras ou feiticeiros? Bruxos
Luiza
e feiticeiros processados pela Inquisição de Evora”, in Anita Novinsky e Maria
Carne iro (ores. ), Inqui sição : ensai os sobre menta lidad e, heresi as e arte, São Paulo,
Tucci
Edusp/Expressão e Cultura, 1992, pp. 750-61.
esta consi deraç ão, inter preto livre mente o estudo RgRRA VO %
(49) Para fazer
acerc a das duas vias da evang eliza ção na Améri ca: a “positiva
Gustav Henningsen |
os a
e a “negativa”, ou seja, a que transplanta para O Novo Continente 4
para ele, a idéia ocide ntal de Diabo . Henni ngsen mostra ainda
do Cristo e a que traz,
espec ifica mente 0 uso do o |
como certos hábit os amer ican os — mais
que psi no M pr ot |
te — acabaram penetrando no universo dos espanhóis E
of magi c in colon ial Ameri ca”, in Clash es of cultur e: essay s in o
diffusion
nsga ard, ed. Jens Chriscri
tian V. Johan sen, Erling B Ladew ig Peters en é Hen
Niels Stee
160-78.
Stevnsbore, Odense University Press, 1992, pp: : acto parecd e
s anti quís sima s, Que não cabe ic lia i
(50) Apes ar de raíze
ter maior parentesco com as formas eruditas de ver as quest àà terennomada foleIclori orisststa
lori t o Rs
u m es tu do d e t a l
| h a d o e er
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o, o,
ria do que o mito do sabá. N
mad o! er |
das crenças: obre DF + aoPa RE y f 7

|
E a

Póc s con sta tou que, alhe io ao univ erso pop ula relas
húngara Eva a por influêr cia ec udi-

mpncepees
Pia!

xas na Europa do Sudeste, o pacto acabou se misturando


|
| Jue of the
ta: “The notion of the devil's pact can be regarded pru a ns f é de EE º
Orthodox demonology and the legend literature + “S o ão dpresentada do con A
devil's pact and sabbath in South Eastern EuTóPC ar"SeMA purope, org. Elhnos
gresso Witch beliefs and sá ie comp ia NESTA
raphical Institute of the Hungarian Acao ando a publicação das alas.
Budapeste, 6-9/9/1988, Pp. Jó, ex. mimeo. esperando e as mes- caia
di
(51) Empirismo e pobreza image” pis ei
to Au
tras das interpretações de Joaquim Barradas de Carvalho em A ta recherche de la
specificiré de la Renaissance Portugaise — Le Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pa-
checo Pereira et la littérature des vovages à Vépoque des grandes découvertes; Contri-
bution à Vétude des origines de la pensée moderne, Paris, 1963, e Sérgio Buarque
de Holanda em Visão do Paraíso — os motivos edênicos no descobrimento e coloni-
seção do Brasil, 2º ed., São Paulo, Nacional, 1969. O problema do ceticismo pode
encobrir situação bastante complexa. À semelhança de outros europeus, talvez OS por-
tugueses não acreditassem no caráter concreto de ações das bruxas como o vôo e a
metamorfose, ainbuindo-as a ilusões demoniacas, e se aferrassem mais ao pacto, que
confusamente poderia aparecer, ora como concreto, ora como ilusório também. Inspiro-
me aqui na leitura da demonologia batava feita por Marcel Gielis, “The Netherlan-
dic theologians” views of witcheralt and the devil's pact”, in Marijke Gi) swijt-Hofstra
e Willem Frijhoff, Wischorqft in the Netherlands from the Fourteenth to the Twen-
rieth Century, s. 1., Universitaire Pers Rotterdam, 1991, pp. 37-52. Nos Países Baixos,
a demonologia filiada ao Malleus não encontrou seguidores, vigorando as concep-
ções agostinianas e tomistas no tocante às coisas do diabo, Seguidor do Malleus e
publicando seu Disquisironum Magicarum Libri Sex (1599-1600) na Holanda, Mar-
tin del Rio não convenceu neste país. Entretanto, é preciso não esquecer que, ao que
tudo indica, foi Del Rio o autor preferido dos inquisidores portugueses. No estágio
atual dos estudos, fica, portanto, suspensa esta questão: qual a crença efetiva dos
juízes do Santo Oficio no tocante ao caráter real ou ilusório dos atos mágicos e, so-
bretudo, do pacto?

Epilogo: PERSISTÊNCIAS INFERAS (pp. 181-95)

(1) Olavo Bilac, “O Diabo”, in Conferências literárias, Rio de Janeiro/ São Paulo/
Belo Horizonte, Francisco Alves, 1912, pp. 131-69, 150 e 152.
(2) Antonio Candido, Formação da literatura brasileira — momentos decisivos,
4º ed., São Paulo, Martins, s. d., 2 v., vol. 2, p. 237.
(3) Ver reprodução à p. 179.
(4) Ver Carlo Ginzbureg, Storia notturna — una decifrazione del sabba, Turim,
Einaudi, 1989, passim (trad. História noturna — decifrando o sabd, São Paulo, Com-
panhia das Letras, 1991).
(5) Ver a respeito o capítulo 8 deste trabalho, “Em torno de um mito: a elipse
do sabá””.
(6) Além da já citada Storia notturna, ver também [ benandanti — stregoneria
e cult agrari tra Cinquecento e Seicento, 3º ed., Turim, Einaudi, 1979, cap. n1, “Le
processioni dei morti”” (trad. Os andarilhos do bem — feitiçarias e cultos agrários
nos séculos XVI e XVII, São Paulo, Companhia das Letras, 1988).
(7) Para uma análise brilhante da linguagem dos contrários, ver Stuart Clark,
“Inversion, misrule and the meaning of witcheraft”, Past & Present, nº 87, maio 1980,
pp. 98-127,
(8) Ver, no capítulo 8 deste trabalho (“Em torno de um mito: à elipse do sa-
bá”), a descrição feita por Léry das cerimônias tupis. Para os significados da cabaça
na Santidade do Jaguaripe, ver Ronaldo Vainfas, “Idolatrias luso-brasileiras: “santi-
dades" e milenarismos indígenas”, in Ronaldo Vainfas (org), América em tempo de
conquista, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992, pp. 176-97.
(9) “Stradelli crê o cateretê indígena. Artur
Ramos, africano. Ezequiel, citado

246
E

por Teófilo Braga, deduziu-o como a dança do século xvi que se cham
sm Portugal”, Luís da Câmara Cascudo, Dicionário Ps No CT
Gs NL, 1954, p. 163. do folelore brasileiro, Rio de Ja-
(10) Luís da Câmara Cascudo, op. cit., pp. 627-8. Do mes; no au
tor, ver também
Made in Africa (pesquisas e notas), Rio de Janeiro, Civilizaçã
o Brasileira, 1965, pp.
132-44, onde diz ter a umbigada sido introduzida no Brasil p elos bant
os ocidentais,
sendo, no século xIx, incorporada até pelos índios; Cascudo ressalta ainda sua re
la-
ção com ritos propiciatórios,
(1 1) Essas palavras f oram utilizadas pelo autor devido ao caráter genuinamente
brasileiro, e delas anotou o significado, explicando-o: de jirau, por exemplo, disse:
“é uma palavra brasileira que significa um leito grosseiro de pau, armado entio a
ramos das árvores”. Ver Poesias completas de Bernardo Guimarães. Org., introd., cron
e notas Alphonsus de Guimaraens Filho, Rio de Janeiro, mec-int, 1959, p. 473. >
(12) Julho Caro BArOJA: Les sorciêres et leur monde, trad., Paris, Gallimard, 1972,
cap. “La sorcellerie dans V'art et la littérature”, pp. 241-51, citações nas páginas 243,
247 e 248.
(13) Ver a relação das águas-fortes em Caro Baroja, op. cit., p. 247, nota 4.
(14) Robert Mandrou, Magistrats et sorciers en France au XVIP siêele, Paris,
Plon, 1968, pp. 539-64.
(15) Para o interesse ilustrado pela cultura popular, ver a boa síntese de Peter
Burke, Popular culture in Early Modern Europe, Londres, Temple Smith, 1978, cap.
|, “The discovery of the people”, pp. 3-22. Para a formulação de Lynn Thorndike,
ver A history of magic and experimental science, Nova York, 1929-34, 4 vols.
(16) Ver Caro Baroja, op. cit., cap. xvi, “A grande crise”, e cap. xvir, “O sécu-
lo das Luzes”, onde, na página 235, se encontra a consideração sobre monsieur Oufle.
(17) Voltaire, Dictionaire philosophique, Paris, 1821, Iv, pp. 343-4, verbete
“Boue”.
(18) Para a mania da sociedade francesa pelos contos de fadas, ver Philippe Ariês,
CVenfant et la vie familiale sous VAncien Régime, Paris, Seuil, 1973, pp. 95-9. Na pá-
gina 99, diz o autor: “Ainsi les vieux contes que tous écoutaient à "époque de Col-
bert et de Mme. de Sévigné, ont été peu à peu abandonnés par les gens de qualité,
puis par la bourgeoisie, aux enfants et au peuple des campagnes. Celui-ci les délaissa
à son tour quand le Petit Journal remplaça la Bibliothêque Bleue; les enfants devin-
rent alors leur dernier public...” [Assim, os velhos contos que todos ouviam na época
de Colbert e de Mme. de Sévigné foram, aos poucos, abandonados pelos nobres, de-
pois pela burguesia, às crianças e à gente dos campos. Estes, por sua vez, os abando-
naram quando o Petit Journal substituiu a Bibliothêque Bleue, as crianças se torna-
ram então o seu último público...).
(19) Victor Hugo, Odes et ballades, Paris, 1862, Balada x1v, pp. 356-61 (a obra
é de 1823-8); Théophile Gautier, “Albertus”, in Poésies completes, Paris, 1896, 1, PP:
177-83, estrofes cvm-cxx. Caro Baroja, Op. cit., p. 249. J. W. Goethe, Ent trad.
Agostinho d'Ornellas, introd. Paulo Quintella, Lisboa, Clássicos Relógio d'Água, 5. à,
noite de Walpurgls OU ds gn
daho
“Noite de Walpurgis”, pp. 179-91, e “Son
cias de Oberon e Titânia”, pp. 193-9. Para uma tradução mais livre, mas sem d di
E meti Livraria Clássica Edi-
mais bela, Fausto, trad. Antonio Feliciano de Castilho, Lisboa, Livra ATberan €
tora, 1919, “Noite de Santa Valburga”, pp. 35787; “ Áureas núpcias de Alber
Titânia ou os Cincoenta anos de casados”, pp. 393-406.
+ in O discurso € a cidade,
(20) Ver Antonio Candido, “A poesia pantagruélica
* m o e s i a pantagruélica””
São Paulo, Duas Cidades, 1993. Neste ensaio, O autor vea

=
q
es
om
o HM

dos paulistanos de meados do século passado como manifestação do ““anfiguri”, ca-


racterizado, na definição utilizada, como “composição em prosa ou verso, de senti-
do absurdo ou disparatado”.
(21) Para os temas do erotismo e da sexualidade, ver o livro pioneiro de Mario
Praz, La carne, la morte e il diavolo nella letteratura romantica, 3º ed. aum., Floren-
ça, Sansoni, 1948,
3e4. Ao lado, o registro, talvez, de
mudança de mentalidade do supli-
cio para o exame meticuloso da dis-
secção cientifica, que + iição de
anatomia de Rembrandt, abaixo,
assinalaria cerca de um século e
meio depois.

E
tao
ti
ga do s a Ju di th s e S a l omés
to do co rp o ret ra ta do po r temas li
5. A decapitaç ão — despedaçamen xi sm o do horror.
mo ti vo mi to ló gico e at in ge O pa ro
— re cu pe ra , a qu i, um

|
|

p
us

6. Aind a dentro do universo


do suplício, esta bela
Judith neutr aliz 4o
horror da cabeça d
ecapitada.
=
E)

“os
E)

ai
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|
À

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O
ee
o

7. O suplício de são Sebastião é tema frequente nas representações da época.


e
CT

8 e 9. A obsessão pelo despedaçamento do corpo atinge as naturezas-mortas.


"al 5 r) à a "PA Eis TEL E
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A
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a
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10. A imagem do diabo mostra sua presença em Portugal.


Rigo DEAN
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| Lica
tá q au
4 Er " à

abaixo, O VOO.
1. A obsessão pelos suplícios impregna a icono-
grafia européia da época do Renascimento.


DO
a,

| 2. A retalhação dos corpos indiça a presença do suplício


no cotidiano e no imaginário moderno,
S E SR

| Taeé
sabá na cultura óricoa, él stone
laura de Mello e Souza é, sem Jtrn
a perecuição los cout
dúvida, pesquisadora de ponta
atro-brasileiros e dos td: dentricts
em nossa historiografia, e uma das
hispano ainetdiedtas,
primeiras a adotar a perspectiva das
mentalidades e da história cultural O conjunto da obra traz, Ho lundo,
pr ob le má li co s « e qr on de aledtes:
na investigação das religiosidades duas
tiadi po fofo, Ele)
r Om pes
coloniais luso-brasileiras. Demonstrou C] questão dc
CI le do |
Des inerte
isso em O diabo e a Terra de Santa Cruz do “oulri ni No
oa incora,
fl ex ão so br e à Hr on te it
(Companhia das letras, 1986), estudo e a re
dedicado às representações e vivências misteriosa e quase invisível, ento
do sagrado nos primeiros séculos o divino e o demoníaco na cultura
brasileiros, examinando sincretismos européia, irrigada, sem clúvides,
la re li gi os id : id e da s Am ér ic as .
que, aos olhos da Inquisição, pe
se transformariam em feiticaria Inferno Alléntico é, por tudo 550,
obra de gr an de Im po rt ân ci a em no s E]
e cultos diabólicos.
Em Inferno Atlântico a historiadora historiografia, livro capaz de Ilumina
aprofunda a problemática do livro áreas de sombra de nossas
anterior, adensando, por um lado, religiosidades a a originalid de
Fa análise das relações entre crenças de nossa cultura.
religiosas e colonialismo, Fonaldo Volntos
e verticalizando, de outro lado,
o estudo microscópico da religiosidade
cotidiana. Descortinando
representações populares e eruditas do
Diabo europeu, quer na colônia, quer
na metrópole, laura produz, uma vez
mais, um livro instigante, a provocar
a imaginação do leitor e a contribuir
para o conhecimento de nossas
raízes culturais.
Na primeira parte, a autora insere
as religiosidades no amplo quadro do
sistema colonial e das mudanças por
que passava a Europa no século XVI.
Nela se destacam o estudo comparativo
entre as imagens do diabo na América
Portuguesa e Hispânica, as
ressonâncias das crenças tupis na ltália,
g diversidade das práticas religiosas na
loura de Mello e Souza nasceu em
colônia e o notável estudo do degredo
São Paulo, em 1953, tendo leito toda
como mecanismo de difusão cultural a sua formação acadêmica,
no mundo ibérico. da graduação à livre-docência,
No segunda parte, lavra se dedica no Departamento de História da
q temas microscópicos: os aspecios Universidade de São Paulo, onde é
contestatórios da religiosidade popular professora de História Mo: lema desde
nos êxtases dos visionárias; as 1983. E autora de Desclassilicados do
“interpenetrações da linguagem sagrada ouro (Graal, 1982) e O diabo e à Terra
e da erótica na vivência religiosa; as de Santa Cruz (Companhia das Letras,
possessões e exorcismos; a elipse do 1986).
=
os 87] id :

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