existencial dos seres que integram o universo […] o que implica uma desvalorização da individua- lidade e da ideia de que o Homem pode controlar a sua existência, ao contrário dos animais irra- cionais, por exemplo, ou das árvores e das pedras. É a constatação desta verdade que leva Ri- 5 cardo Reis a defender a ataraxia, o estado de não perturbação, a inércia como única possibilidade perante o reconhecimento da inevitabilidade do destino e da morte. É, pois, de reter que, apesar das estruturas estróficas e métricas, da latinização da sintaxe, do léxico erudito e arcaico, à maneira clássica, a poesia de Ricardo Reis deixa sempre perpassar a angústia metafísica do próprio Fernando Pessoa face ao enigma da existência. 10 Ricardo Reis foi aquele que melhor traduziu a evidência da tragédia humana. Existir é nada ter, nada poder. Este poeta não acredita na obtenção de verdades e a sua única certeza é que não fugiremos ao nosso fado, ao nosso destino que culminará, inevitavelmente, na morte. Então, propõe a anu- lação da vontade, a aceitação passiva de todas as coisas, a recusa da emoção e do prazer exage- 15 rado. Para Ricardo Reis, o homem é um ser que está preso na sua própria condição. […] A renúncia é a única coisa que nos resta perante uma vontade divina que nos transcende, perante Cronos (o Tempo), que devora os seus próprios filhos. Assim, Reis propõe o gozo do mo- mento, o carpe diem, pois o futuro é incógnito e a vida é efémera. O poeta prefere vier numa aurea mediocritas, com a tranquilidade que se adquire através da recusa dos prazeres violentos e das 20 emoções fortes. […] Ricardo Reis cultiva o individualismo, o que o leva a afastar-se dos outros. Seguindo as lições filosóficas do epicurismo e do estoicismo, abdica dos prazeres violentos a favor da tranquilidade, renuncia a qualquer ação inútil e evita a dor. Para este heterónimo, a liberdade (que os próprios deuses não detêm, pois acima deles existe uma entidade superior, uma Lei, um Fado) e a felici- 25 dade (apagada pela consciência da morte inevitável) são ilusórias. […] Esta consciência perpassa na poesia de Ricardo Reis, marcada pela ideia de que a vida não é mais do que a condenação à morte, uma espera mais ou menos longa do nada.
JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2013. Fernando Pessoa – Ortónimo e Heterónimos.