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Ode1

Triunfal - Álvaro de Campos


À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
A maravilhosa beleza das corrupções poli=cas
Tenho febre e escrevo
Deliciosos escândalos financeiros e diplomá=cos
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto
Agressões polí=cas nas ruas
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos an=gos.
E de vez em quando o cometa dum regicídio Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!

Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus Deixai-me par=r a cabeça de encontro às vossas esquinas
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r- eterno!
Usuais e lúcidos da Civilização quo=diana! E ser levantado da rua cheio de sangue
Forte espasmo re=do dos maquinismos em fúria
Sem ninguém saber quem eu sou!
Em fúria fora e dentro de mim, Eia! Eia! Eia!
Noccias desmen=das dos jornais,
Por todos os meus nervos dissecados fora, Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Ar=gos polí=cos insinceramente sinceros,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Eia telegrafia-sem-fios, simpa=a metálica do Inconsciente!! Ó tramways, funiculares, metropolitanos
Noccias passe-à-la caisse, grandes crimes – Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Duas colunas deles passando para a segunda página! Hilla! Hilla! Hilla-hô!
De vos ouvir demasiadamente de perto, Eia todo o passado dentro de todo o presente!
O cheiro fresco a =nta da =pografia! Dai-me gargalhadas em plena cara,
E arde-me a cabeça de querer cantar com um excesso Eia todo o futuro já dentro de nós! Eia!
Os cartazes postos há pouco, molhados! Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
De expressão de todas as minhas sensações, Eia!eia!eia! eia!
Vient-de-paraitre amarelos com uma cinta branca! Ó mul=dões quo=dianas nem alegres nem tristes das ruas,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Frutos de ferro e ú=l da árvore-fábrica cosmopolita!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos, Rio mul=color anônimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Eia!eia!eia, eia-hô-ô-ô!
Como eu vos amo de todas as maneiras, Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força – Engatam-me em todos os comboios.
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim?)
As dissensões domés=cas, os deboches que não se suspeitam,
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, Içam-me em todos os cais
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro Giro dentro das hélices de todos os navios.
Ah como todos os meus sen=dos têm cio de vós! E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Eia! Eia-hô eia!
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão Eia! Sou o calor mecânico e a eletricidade!
Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta
Química agrícola, o e comércio quase uma ciência! Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem
Eia! E os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes, Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes

Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando, Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia! Nas ruas cheias de encontrões!
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!
Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó úl=mos figurinos!
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Ah! Poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ó ar=gos inúteis que toda a gente quer comprar! Cujos filhos roubam às portas das mercearias
Ser completo como uma máquina!
Olá grandes armazéns com várias secções! E cujas filhas aos oito anos – e eu acho isto belo e amo-o! –
Poder ir na vida triunfante como um automóvel úl=mo-modelo! Hup-lá, hup-lá. Hup-lá-hô, hup-lá!
Olá anúncios elétricos que vêm e estão e desaparecem!
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, Hé-lá! Hê-hô Ho-o-o-o-o!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Eh cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Progressos dos armamentos gloriosamente mmorcferos!
Maravilhosa gente humana que vive como os cães
Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável| Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!
Couraçaas, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Que está abaixo de todos os sistemas morais,

Para quem nenhuma religião foi feita
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera Nenhuma arte criada
Promíscua fúria de ser parte- agente
Amo-vos carnivoramente Nenhuma polí=ca des=nada para eles!
Do rodar férreo e cosmopolita
Perver=damente e enroscando a minha vista Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Dos comboios estrénuos
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Ó coisas todas modernas Intangíveis por todos os progressos,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
Do tumulto disciplinado das fábricas
Do sistema imediato do Univeso!
E dos quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

1ode - vocábulo de origem grega que significa um Cân=co laudatório (de louvor) de uma pessoa, de uma ins=tuição ou de um

acontecimento.
Ode1 Triunfal - Álvaro de Campos
Traços futuristas do poema
Reprodução de um ambiente moderno que reflete:
•  a força e turbulência das máquinas descritas e exaltadas;
•  as massas humanas representa=vas da agressividade dinâmica e vital dos tempos
contemporâneos.
•  U=lização de um es8lo caudaloso, torrencial e aparentemente caó8co, cons=tuindo, por
isso, uma rutura com a lírica tradicional

Assunto das quatro primeiras estrofes


•  O «eu» poé=co descreve a situação em que se encontra (“fábrica”) e a sua relação com a
realidade que o rodeia (“Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/Ser
completo como uma máquina”).

Cenário em que se encontra


•  O «eu» poé=co encontra-se numa “fábrica” junto de todas as maquinarias modernas.

1ode - vocábulo de origem grega que significa um Cân=co laudatório (de louvor) de uma pessoa, de uma ins=tuição ou de um

acontecimento.
Metáfora (e adje9vação) u9lizada na quarta estrofe que serve para sinte9zar o local onde se
encontra
”Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável”:
•  Reforça o paralelo entre a vida mecânica e a natureza:
•  Assumindo a primeira como a mais verdadeira e pura, na medida em que
pertence aos tempos modernos.

Efeitos @sicos e psicológicos que o ambiente lhe provoca


•  Efeitos tsicos:
•  O sujeito poé=co tem “febre”, estado que agudiza a sua sensibilidade para
percecionar as diversas sensações;
•  Escreve “rangendo os dentes”, com “os lábios secos” e com “a cabeça” a “arder”,
denunciando o estado de fúria em que se encontra.
•  Efeitos psicológicos:
•  Sente “fúria fora e dentro de mim” o que revela a sua agitação interior que o leva a
querer “cantar com um excesso/De expressão de todas as minhas sensações”.
Marcas de sensacionismo na descrição da relação do sujeito poé9co com o espaço que o envolve
O sujeito poé=co apresenta o local de acordo com a sua perceção sensorial, sendo esta descrição
baseada no que os elementos envolventes lhe provocam:
•  Sensação visual (2 exemplos):
•  “À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas”;
•  “olhando os motores como a uma Natureza tropical”;
•  Sensação audi8va (2 exemplos):
•  “Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!”;
•  “ó grandes ruídos modernos”.
•  Sensação tá8l (2 exemplos):
•  “Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma”;
•  “Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto”.
•  Sensação olfa8va (1 exemplo):
•  “A todos os perfumes de óleos e calores e carvões”.

Marcas de sadomasoquismo
O sujeito poé=co chega a desejar fundir-se fisicamente com a realidade que exacerba, a fim de obter
um prazer mais intenso e imediato:
•  “Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,/Rasgar-me todo, abrir-me
completamente, tornar-me passento/A todos os perfumes de óleos e calores e carvões/
Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável”.
Conceção de tempo apresentada na terceira estrofe
•  O sujeito poé=co afirma “Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro”:
•  Defesa da fusão das três épocas num só momento, o atual, que, contudo, só poderá
fazer sen8do se es8ver apoiado no passado e for entrevisto em função do futuro.

Referências a Platão, Virgílio, Alexandre Magno e Ésquilo


Apologia de um tempo tríplice: passado, presente e futuro.
•  O sujeito não abdica das referências do passado, já que estas permi8ram a realidade
contemporânea e con8nuarão a impulsionar as inovações futuras, por isso afirma “E há
Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas”, “E pedaços do Alexandre
Magno do século talvez cinquenta/Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do
Ésquilo do século cem”;
•  A referência a estes vultos da An=guidade concorre para explicitar a relação entre as
diversas eras, valorizando em cada momento os grandes feitos.
Aliteração:
•  “Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!”;
•  “Grandes trópico humanos de ferro e fogo e força”;
•  “Rugindo, rangendo ciciando, estrugindo, ferreando”
•  Reforça o ambiente barulhento da fábrica e os ruídos das máquinas.

Enumeração
•  “Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,/Ó coisas todas modernas/Ó minhas
contemporâneas, forma atual e próxima/Do sistema imediato do Universo!”
•  Reforça a mul8plicidade, em termos de importância, de elementos que merecem a
admiração do sujeito poé8co.

Comparação
•  “(Um orçamento é tão natural como uma árvore/E um parlamento tão belo como uma
borboleta.)”
•  Apresenta um novo conceito de arte, assente na supremacia do moderno sobre o
natural, reforçando a importância daquele.
Gradação
• “Eh-lá grandes desastres de comboios!/Eh-lá desabamentos de galerias de minas!/Eh-lá naufrágios
deliciosos dos grandes transatlân=cos!/Eh-la hô revoluções aqui, ali, acolá,/
Alterações de cons=tuições, guerras, tratados, invasões,/Ruído, injus=ças, violências e talvez para
breve o fim,/A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,/E outro Sol no novo Horizonte!/
“Grandes trópico humanos de ferro e fogo e força”;
•  Enfa8za, elogiando, o progresso, inclusivamente a sua vertente trágica e por meios
progressivamente mais nega=vos.

Anáfora
•  “O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,/O Momento estridentemente ruidoso e
mecânico,/O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes ”
•  Intensifica o valor do tempo presente.
Estrofe nove – estrofe parenté9ca de nove versos - conteúdo
•  O furor do «eu» que grita o seu amor pela civilização muda bruscamente de tom:
•  Quebra no ritmo frené=co do texto.
•  A estrofe de nove versos que, significa=vamente, surge entre parênteses e que começa com o
verso «(Na nora do quintal da minha casa…» marca uma mudança de tom no discurso do
sujeito poé=co, uma vez que traduz uma reminiscência ao seu eu interior, uma evocação
nostálgica da infância.
•  Dis8ngue-se das outras estrofes quanto ao seu assunto.
•  Nesta estrofe, o sujeito poé=co reflete sobre o mistério do mundo, a fatalidade da morte e a
ternura perdida da infância.
•  Recorda o espaço e algumas figuras da sua “infância”, um tempo em que “era outra
coisa” diferente da atualidade.

Estrofe nove – estrofe parenté9ca de nove versos - importância
•  Nota dissonante em toda a Ode:
•  Chamada de atenção para a inconstância do sujeito poé=co.
•  Reflexão pessoal que revela a saudade e a nostalgia face ao tempo da infância
•  Apesar da apologia impetuosa da força e da modernidade, esta reflexão
denuncia a sua incapacidade de se integrar plenamente no tempo que exalta.
•  O “eu” introduz observações de carácter pessimista que antecipam a sua
fase mais in=mista e abúlica (3ªfase)

Monós9co final
•  “Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”
•  Emoções contraditórias:
•  Fascício – a=tude de deslumbramento face às realidades exaltadas e com as quais
se pretende fundir.
•  Frustração – reconhece a impossibilidade da concre8zação do seu desejo:
•  É, afinal, apenas um observador e cantor épico de uma realidade que lhe é
exterior.

Onomatopeias - importância
•  Trazem a realidade audi8va para o poema;
•  Inclusão de reproduções dos sons que envolvem o sujeito e que se associam ao ambiente
que merece o seu elogio.

Influências:
•  Futurismo de Marinew:
•  Subs=tuição da esté=ca aristotélica do Belo (conseguida através da imitação da
Natureza) pela exaltação da energia, da velocidade, do dinamismo, da agressividade e da
força da civilização mecânica do futuro.
•  Sensacionismo de Walt Whitman:
•  Expressão de todas as sensações experimentadas pelo arrebatamento cosmopolita e
pela apologia da civilização mecânica. Pessoa define-o, referindo que “a única realidade
da vida é a sensação. A única realidade da arte é a consciência da sensação”.

Exaltação existente em «Ode Triunfal»


O «eu» exalta:
•  a máquina;
•  a vida mecânica e industrial;
•  a civilização moderna;
•  o quo=diano das gentes, ou melhor, as sensações fortes que defluem do amor à vida
moderna em toda a sua variedade.
Ambiente moderno, mecânico, dominado pela técnica e pela evolução industrial.
•  «grandes lâmpadas eléctricas da fábrica»;
•  «Ó rodas, ó engrenagens»;
•  «andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes»;
•  «flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável»;
•  «ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, / ó couraçados, ó pontes, ó docas
flutuantes»

Conceito de Belo associado à força, à energia, à violência e à velocidade das máquinas.


•  «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/Ser completo como uma
máquina!/Poder ir na vida triunfante como um automóvel úl8mo-modelo!/Poder ao
menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,/ Rasgar-me todo, abrir-me completamente,
tornar-me passento/A todos os perfumes de óleos e calores e carvões»;
•  «Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. /Amo-vos carnivoramente, /Perver=damente e
enroscando a minha vista /Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,/Ó coisas todas
modernas,/Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima /Do sistema imediato do
Universo! /Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!»
Estado de alma que subjaz à exaltação que atravessa o poema «Ode Triunfal»
O «eu» poé8co revela-se possuído pela febre da modernidade («Tenho febre e escrevo […] a
beleza disto […] desconhecida dos an=gos»; «E arde-me a cabeça»; «excesso de contemporâneo»;
«Em febre e olhando os motores»; «Ó coisas todas modernas/Ó minhas contemporâneas»; «Na
minha mente turbulenta e encandescida»; «rubro ruído contemporâneo»; «ruído cruel e delicioso
da civilização de hoje»), que exalta com um furor crescente indisfarçável («Em fúria fora e dentro
de mim»; «Promíscua fúria de ser parte-agente»; «ó raiva/Que como uma febre e um cio e uma
fome»), conver8do à violência do sen8r, e à paixão desmedida e sem preconceitos pelo excesso
(«um excesso de carícias ao corpo»; «Rasgar-me todo»; «Amo-vos a todos, a tudo como uma fera/
Amo-vos carnivoramente, perver=damente»; «Possuo-vos como a uma mulher bela»). Um sen8r
externo que não exclui o sadomasoquismo (estrofe que inicia com o verso «Eu podia morrer
triturado») e a desvalorização das grandes catástrofes (a par=r de «Eh-lá grandes desastres de
comboios») diante da grandeza do «ruído cruel e delicioso da civilização». O que importa é que o
«eu» tudo integre em si («Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto»; «tornar-me
passento/A todos os perfumes de óleos e calores e carvões».), sem respeitar limites.
Relação entre o estado de alma, o \tulo e o úl9mo verso do poema
•  Todas as sensações desenfreadas do «eu» resultam do seu desejo de iden8ficação com o
mundo e com a humanidade inteira («estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os
comboios/De todas as partes do mundo»; «Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!»), como
forma de viver triunfalmente a vida no seu todo.

Recurso à comparação inesperada. (alguns exemplos)


•  «olhando os motores como a uma Natureza tropical»;
•  «Possuo-vos [couraçados, pontes, docas…] como a uma mulher bela»;
•  «(Um orçamento é tão natural como uma árvore/E um parlamento tão belo como uma
borboleta.)».

Perceção do real baseado num excesso de sensações (visuais, audi9vas, olfa9vas,
gusta9vas e táteis)
•  Sensações visuais - «luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica»;
•  Sensações audi=vas – «ó grandes ruídos modernos, / de vos ouvir demasiadamente de
perto»; «quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão»; «ruído cruel
e delicioso da civilização de hoje»
•  Sensações olfa=vas – «perfumes de óleos»
•  Sensações gusta=vas – «por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto»;
•  Sensações táteis - «tenho os lábios secos»; «fazendo-me um excesso de carícias ao corpo
numa só carícia à alma»; «Ah, como todos os meus sen8dos têm cio de vós!»

Expressão do excesso de sensações, por vezes contraditórias, provocadas pela beleza /


fascínio pelas máquinas.
•  «Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, / De vos ouvir demasiadamente de
perto, / E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso / De expressão de
todas as minhas sensações, / Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!»
A máquina, irracional e exterior, como lugar onde se projetam os sonhos e os desejos do poeta.
•  «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/Ser completo como uma
máquina!/Poder ir na vida triunfante como um automóvel úl=mo-modelo! /Poder ao menos
penetrar-me fisicamente de tudo isto, /Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me
passento /A todos os perfumes de óleos e calores e carvões /Desta flora estupenda, negra,
ar=ficial e insaciável!»;
•  «Giro, rodeio, engenho-me. /Engatam-me em todos os comboios./Içam-me em todos os cais./
Giro dentro das hélices de todos os navios./Eia! eia-hô eia! /Eia! sou o calor mecânico e a
electricidade!»

Presença de um certo masoquismo sádico na necessidade de experimentar sensações novas e


violentas.
•  «Eu podia morrer triturado por um motor /Com o sen8mento de deliciosa entrega duma
mulher possuída./A=rem-me para dentro das fornalhas! /Metam-me debaixo dos
comboios! /Espanquem-me a bordo de navios! /Masoquismo através de maquinismos! /
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!»
Fusão do passado e do presente num tempo único (ao contrário do que foi preconizado por
Marine`).
•  «canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, / porque o presente é todo o
passado e todo o futuro / e há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas /
só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão»

Visão irónica da sociedade industrial, ao apresentar o lado nega9vo e escandaloso da época: a


desumanização, a hipocrisia, a corrupção, a miséria, a pilhagem, os falhanços da técnica
(desastres, naufrágios), a imoralidade, a pros9tuição de menores, etc.
•  «A maravilhosa beleza das corrupções polí8cas, /Deliciosos escândalos financeiros e
diplomá8cos, / Agressões polí8cas nas ruas,/E de vez em quando o cometa dum regicídio»;
•  «Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,/Que emprega palavrões como
palavras usuais,/Cujos filhos roubam às portas das mercearias /E cujas filhas aos oito anos - e
eu acho isto belo e amo-o!/Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada./A
gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa /Por vielas quase irreais de estreiteza e
podridão. /Maravilhosa gente humana que vive como os cães, /Que está abaixo de todos os
sistemas morais»;
•  «Eh-lá grandes desastres de comboios!/Eh-lá desabamentos de galerias de minas!/Eh-lá
naufrágios deliciosos dos grandes transatlân=cos!»
CARACTERÍSTICAS ESTÉTICO-ESTILÍSTICAS
Es=lo caudaloso, torrencial e aparentemente caó=co, cons=tuindo, por isso,
uma rutura com a lírica tradicional

Recursos formais que reforçam o «excesso de expressão»


•  Uso recorrente de (alguns exemplos):
•  Interjeições e onomatopeias – As interjeições confirmam o louvor do sujeito poé=co à
civilização mecânica e a sua concnua agitação. As onomatopeias sugerem a tenta=va do
sujeito poé=co de imitar os sons ruidosos das máquinas, exprimindo assim o barulho e a
velocidade estonteantes da vida moderna:
•  «Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!/Eh-lá-lô elevadores dos grandes editcios!»;
•  «r-r-r-r-r-r-r-eterno!»;
•  «Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá,!/Hé-lá! He-hô! H-o-o-o-o-o! Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-
z!»;
•  Apóstrofes - confirmam o es=lo laudatório do poema e a exaltação da civilização
industrial, tal como as exclamações.
•  «Ó fazendas das montras! Ó manequins! Ó úl=mos figurinos!»;
•  «Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!/Ó cais, ó portos, ó
comboios, ó guindastes, ó rebocadores!»;
•  «Ó rodas, ó engrenagens...».
•  Enumerações - traduzem o frené=co desejo do sujeito poé=co de sen=r tudo de todas as
maneiras, registando de forma aparentemente caó=ca as sensações que experimenta:
•  «Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável!»;
•  «Eh, cimento armado, betão de cimento, novos processos!».
•  «Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!»;
•  «guerras, tratados, invasões,/Ruído, injus=ças, violências».


•  Anáforas - expressam a sucessão caó=ca dos fenómenos da civilização industrial, permi=ndo
ao sujeito poé=co acompanhar o seu ritmo alucinante e vigoroso:
•  «Olá grandes armazéns…/Olá anúncios eléctricos…/Olá tudo»;
•  «Eh-lá-hô fachadas…!/Eh-lá-hô elevadores…/Eh-lá-hô recomposições ministeriais!»
•  «Por todos os meus nervos (...) Por todas as papilas...»;
•  «Poder ir na vida triunfante (...) Poder ao menos penetrar-me...»;
•  «Ó coisas todas modernas, / Ó minhas contemporâneas...»;

•  Irregularidade estrófica, métrica e rimá8ca, que resulta num ritmo irregular e nervoso.

•  Presença de alguns desvios sintá8cos:


•  «..fera para a beleza disto...»;
•  «Por todos os meus nervos dissecados fora...»;

•  Repe8ções, as enumerações e as onomatopeias que cons=tuem um processo retórico


aparentemente caó=co que se des=na a esgotar a expressão, num es=lo torrencial, em
catadupa. (As enumerações traduzem o frené=co desejo do sujeito poé=co de sen=r tudo de
todas as maneiras, registando de forma aparentemente caó=ca as sensações que experimenta):
•  «Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável!»;
•  «Eh, cimento armado, betão de cimento, novos processos!».

•  Palavras desprovidas de carga poé8ca e de índole técnica - «ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó


chapas de ferro ondulado!/Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!».

•  Metáforas e as imagens deste texto evidenciam a ín=ma relação do sujeito poé=co com o
mundo mecânico e industrial, permi=ndo até a sua plena integração na civilização moderna:
•  «E arde-me a cabeça...»;
•  «...Natureza tropical...»;
•  «Perver=damente enroscando a minha vista...»;
•  «Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força...»;
•  «E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas...»;

•  Neologismos e emprés8mos - traduzem a ligação do sujeito poé=co às inovações da
modernidade e à universalidade do progresso técnico, assim como o vocabulário de caráter
técnico:
•  «parte-agente»; «quase-silêncio»
•  «music-halls»; «Luna-Parks»; «rails»
•  «motores»; «fornalhas»; «guindastes»; «êmbolos»;
•  Aliterações:
•  «de ferro e fogo e força»; - aliteração em /f/ que reforça a força dos maquinismos em
fúria;
•  «Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando»; - aliteração em /r/, /g/ e /d/ que,
aliada à repe=ção do gerúndio, confere uma dinâmica estonteante e concnua aos
maquinismos da indústria.
•  «quase-silêncio ciciante» - aliteração em /s/ que reforça o som «monótono das correias
de transmissão» que ciciam.

•  Advérbios de modo evidenciam a atração eró=ca e carnal do sujeito pelas máquinas e pela
modernidade:
•  «demasiadamente»;
•  «carnivoramente»;
•  «perver=damente».

•  Exclamações - a frequência das expressões exclama8vas que sublinham a emoção do sujeito


perante os fenómenos da vida moderna.
•  Adje8vação - traduz o excesso de sensações que dominam o sujeito perante a modernidade;
•  Sequências com três ou mais adje8vos:
•  «Desta flora estupenda, negra, ar=ficial e insaciável!»;
•  «Em vós, ó grandes banais, úteis, inúteis»;
•  «Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus»;
•  «Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos».
•  Adje8vos e advérbios que melhor servem a exaltação do belo e do atroz.
•  «Maravilhosa gente humana que vive como cães.»;
•  «Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!»;
•  «Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlân=dos!»;
•  «ruído cruel e delicioso da civilização»;
•  «Progressos dos armamentos gloriosamente morcferos!»;
•  «Amo-vos carnivoramente, /perver=damente».

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