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ORIENTALISMO – O Oriente como invenção do Ocidente (Edward W.

Said)

Samantha Borges

O texto “Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente”, de Edward W.


Said, traz ao leitor questões importantes, que giram em torno das relações de alteridade
entre Oriente e Ocidente, e que ajudaram a constituir a identidade do mundo oriental,
frente aos ocidentais. Em primeiro lugar, o autor coloca a questão do Oriente como uma
problemática muito viva, já que não se fala apenas de um passado de guerras sangrentas
e de uma rivalidade que coloca Oriente versus Ocidente, assim, como se um realmente
estivesse contra o outro, mas se coloca em debate combates que estão ocorrendo nesse
exato momento e que mantém aberta uma ferida que parece difícil de curar. Em segundo
lugar, e que se liga diretamente ao título da obra, é justamente a dominância histórica do
Ocidente que ao longo do tempo construiu, segundo sua própria visão, o que é o
Oriente. Fica claro para o autor, que o mundo ocidental conhece o oriental através de
lentes que subjugam – e, principalmente, julgam – a identidade do povo do oriente.
A meu ver, através de uma visão bastante crítica, Said descreve o massacre
cultural a que é submetido o mundo islâmico, por exemplo, mundo esse distribuído em
regiões consideradas econômica e politicamente atrasadas, segundo o poderio
hegemônico norte americano e europeu. Nesse jogo de interesses, o Oriente é
geralmente visto como um boneco, o qual pode ser controlado de acordo com as
“necessidades” daqueles que se julgam superiores e em estágio “democraticamente”
avançado. E nesse contexto, o resultado que se observa, é um movimento de violenta
opressão e de desrespeito à identidade oriental, quando essa é defendida a partir daquele
que é do oriente. Para o ocidental, é seu direito intervir perante aquilo que julga como
diferente e errado, construindo um cenário de completa intolerância nas relações de
alteridade do Ocidente para com o Oriente.
Um forte e recente exemplo do poder que norte-americanos não temem impor,
foi a ocupação do Iraque, momento em que, em nome de uma suposta defesa da
liberdade, se invadiu um país e fincou-se em suas terras o mastro da bandeira
estadunidense. Nada disso, no entanto, foi feito de maneira gentil. E muito menos o
interesse era que se tivesse um país livre. O acontecimento, nada mais foi do que uma
modernizada versão das atitudes imperialistas que reinavam contra os povos
colonizados ainda nos séculos XIX e XX. Uma atitude de aversão a qualquer ideia que
se oponha à ideologia dominante, ditada pelo capital, e que como preço, cobra a vida de
milhares de civis inocentes, em campos de guerra constituídos em pleno –
avançadíssimo – século XXI. Said, no entanto, não se esquece de destacar a outra face
de um contexto em que o Ocidente repele o Oriente: também os orientais acabam sendo
vítimas de uma política em que somente o ódio é instigado quando se fala em
ocidentais. O “antiamericanismo” se torna uma arma de líderes muçulmanos, que se
valem de uma sociedade muitas vezes carente de conhecimento sobre quem realmente é
o americano ou o europeu, e mesmo sobre todo o processo de interesse e poderes que
estão em jogo. Dessa forma, uma corrente de não aceitação do outro é alimentada de
ambos os lados.
Como proposta para tentar modificar um quadro de relações de alteridade tão
intolerantes, de um mundo globalizado, Said coloca a necessidade de se tratar as
questões da humanidade através de sua qualidade mais primária: o humanismo. Que se
tenha a humanidade de compreender que rótulos como “mundo islâmico”, “Ocidente”,
“América”, são demasiadamente generalizantes, já que, dentro dessas ditas “sociedades”
há um sem número de indivíduos diferentes entre si.

Sobre o Orientalismo
Após um prefácio que insere o assunto em um contexto econômico e polítco e
que localiza o leitor dentro da amplitude da importância e das preocupações sobre o
tema relacionado ao Oriente, convém compreender afinal o que é o Orientalismo. Said
oferece primeiramente uma explicação até mesmo simplista sobre o assunto: aquele que
estuda ou pesquisa sobre o Oriente é um orientalista e aquilo que ele estuda/ pesquisa é
Orientalismo. Após essa primeira colocação, o autor destaca o Orientalismo como um
estudo em que se coloca a ideia de certa oposição entre Oriente e Ocidente. E como
terceira alternativa – e a mais passível de problematização – coloca o Orientalismo
como uma espécie de forma de descrever e determinar o Oriente, de acordo com a visão
do Ocidente, justamente como maneira de o Ocidente dominar a construção da imagem
que se deve fazer do Oriente.
É essa última proposta que coloca o Orientalismo como um “empreendimento
cultural britânico e francês” (SAID, 2007, p.30) e poderia ser acrescentado como sendo
hoje, um empreendimento norte-americano. Mas, Said destaca que, mesmo com essa
ideia de que o Oriente é uma imagem – talvez não tão verídica – edificada pelo
Ocidente, é preciso compreender que o Orientalismo funciona, há muito tempo, como
um sistema de conhecimento sobre o Oriente, que é transmitido em instituições de
ensino, congressos, livros, enfim, através de veículos e locais considerados oficiais e
respeitáveis, desde o século XIX, até os dias de hoje. Logo, existe um pensamento
instituído, legitimado e sólido que envolve: uma distribuição de consciência geopolítica
e mesmo de distinção geográfica básica do mundo; a união de interesses e descrições de
toda ordem – paisagística, sociológica, etc. – que o Oriente aceita que se mantenha;
enfim, é um discurso não diretamente político, mas que está enredado com as diferentes
esferas do poder – político, econômico, social, intelectual, cultural, etc. E toda essa
gama de interesses e correlações pode ser encontrada no interior da produção cultural,
inclusive na literatura.
Said apresenta sua metodologia, através da qual define seu escopo, delimita
seu objeto de estudo (excluindo o extremo Oriente, não porque não deva ser estudado,
mas porque nesse trabalho específico faz um recorte que abrange o Oriente Médio) e
descreve suas linhas de pensamento. Porém, talvez o aspecto mais interessante não seja
a forma metódica e empenhada com que o autor se coloca para se lançar ao estudo do
Orientalismo. Talvez mais interessante seja o seu caráter questionador, que não objetiva
levantar bandeiras ou determinar pretensas verdades, mas sobretudo questionar, para
compreender, sob a luz dos mais variados pontos de vista, um Oriente que se constitui
também no momento em que se relaciona com o Ocidente, e vice-versa.

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