Você está na página 1de 6

08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

Pesquisar...

MENU
Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista Colunistas
Frank Svensson
19/01/2013  Ambiente e
Nasci em Belo Horizonte, em 1934. Dezesseis anos depois tinha minha carteira de trabalho. De dia trabalhava como apon-
tador de obra numa pequena empresa de construção civil. À noite cursava o científico, preparando-me para ingressar Cidadania
nalgum curso superior. Natural ser-me-ia escolher engenharia civil. Na minha família não havia ninguém com formação su-
Amyra El Khalili
perior, e eu temia as disciplinas das “ciências exatas”. Como havia ouvido que cursar arquitetura era menos difícil, concorri
em 1957 ao exame vestibular na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Minas Gerais. Fui reprovado em
desenho artístico, o que me fez matricular-me numa Escola de Belas Artes. No ano seguinte fui admitido em arquitetura. Cassiano Terra
Antes eu havia acompanhado a construção dos edifícios do conjunto da Pampulha. Surpreendiam-me as formas curvas
das obras de Niemeyer. Contrastavam com a retilineidade das obras da empresa em que eu trabalhava. Soube que ele, no Rodrigues
início de sua carreira, trabalhara com Lúcio Costa. Sabia também que Bela Bartok fazia levantamentos de música popular
Consciência Negra
húngara para depois reinterpretá-las em composições modernas. Não seria o mesmo caso de Niemeyer?
Hoje percebo tratar-se de algo muito mais significativo. A geometria euclidiana surge do movimento das ferramentas: a
linha reta do ato de serrar, o círculo do ato de tornear etc. Aproxima-se da matemática permitindo o cálculo das formas. Dicionário da
Sou do tempo das máquinas de calcular. Permitiam-nos até três incógnitas, no máximo quatro. Que trabalheira... Com a
ajuda do sábio Joaquim Cardoso, Niemeyer movia uma luta intensa para aproximar o conhecimento das formas à assime- Cidadania
tria encontrada na natureza. É de se reconhecer o avanço que a geometria euclidiana teve para o domínio da natureza. Ni-
emeyer, no entanto, procurava uma geometria mais avançada que a euclidiana, permitindo uma melhor integração entre a Eduardo Gudynas
sensibilidade do arquiteto, no construído pelo homem, e a natureza. Com o surgimento da informática é que ocorreria um
salto maior em relação a tal aproximação.
No fim de 1958 aceitei ser responsável por uma das secretarias do Centro Acadêmico e no ano seguinte ingressei no Frei Betto
PCB. Sabíamos que Niemeyer vez por outra pernoitava em Belo Horizonte, a caminho de Brasília. Eu e mais três alunos
(todos comunistas) decidimos procurá-lo no hotel em que se hospedava. Sugeriu-nos passar as próximas férias de fim de
ano estagiando no escritório que dirigia em Brasília. Claro que aceitamos e passamos a nos preparar para isso. Uma vez
Fernando Silva
em Brasília fomos encaminhados ao arquiteto Gladson da Rocha, que voltara do México e participava da equipe de Nie-
meyer. Pela manhã examinávamos os desenhos de alguma edificação no Plano Piloto.
Gabriel Brito
Almoçávamos no Palace Hotel e à tarde íamos ao canteiro de obras relacionar a obra com os desenhos vistos pela
manhã. Disso resultaria um relatório para posterior consideração de Gladson da Rocha. Percorremos assim praticamente
tudo o que estava sendo construído a partir de projetos feitos pela equipe. Gabriel Perissé
Soubemos que o projeto do Teatro Nacional havia sido concebido em cinco dias. Que cada uma das “pétalas” que confi-
guram a catedral tem uma fôrma de madeira perdida em seu interior. Que para a catedral havia sido feito um projeto ante-
rior mais adequado à liturgia católica. Era o papado de João XXIII, propondo grandes mudanças na Igreja. Decidiu-se por Guilherme Delgado
um projeto ecumênico, permitindo distintos tipos de culto. Daí a forma atual. Para calcular a forma das fôrmas de concreto
armado recorreu-se a um padre alemão, professor de geometria descritiva. Aprendemos muito!
Como militante de um partido com um enfoque materialista dialético histórico, somos levados a sempre relacionar o espe- Joana Salém
cífico com o geral, a parte com o todo, o lógico com o histórico, o regional com o nacional e o nacional com o internacional.
Associando as obras específicas de um profissional como Oscar Niemeyer com categorias abrangentes como cultura bra-
Vasconcelos
sileira, democracia, riqueza, liberdade, espírito de partido etc., era natural que em face de seu engajamento político-parti-
Léo Lince
dário nos perguntássemos que relação isso poderia ter com sua produção arquitetônica.
A escola que eu cursara não me dera clareza quanto a isso. Meus estágios em Brasília limitaram-se à curiosidade quanto
aos edifícios em si, bem como à cidade quase como uma maquete. Foi meu trabalho na SUDENE (Superintendência de Luiz Eça
Desenvolvimento do Nordeste), em equipes interdisciplinares formadas para a solução de problemas concretos, que me
forçaram a esclarecer o que seria específico da arquitetura. O que é que faria com que fosse arquitetura, não outra coisa?
Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco conheci o professor Evaldo Coutinho. Marcelo Castañeda
Seus livros evidenciaram a importância da vivência da realidade, de como de expectadores e usuários sermos transfor-
mados em valor arquitetônico, em componentes espaciais. Isto era muito mais do que uma apreciação e um conhecimento
positivista dos lugares da vida. Sem sabê-lo, Evaldo Coutinho fez-me ainda mais marxista, enquanto a SUDENE con- Paulo Metri
venceu-me da existência de uma consciência coletiva que incorpora as motivações de relações sociais e de produção.
A partir de 1968, com o esvaziamento da SUDENE, fui convidado a trazer sua experiência para a Universidade de Brasília,
o que resultou num processo de conscientização de alunos quanto à realidade da região centro-oeste. Tornei-me incô-
Paulo Passarinho
modo ao regime militar e fui enquadrado na lei de exceção 477, do ato AI5, proibindo-me de lecionar e ser funcionário pú-
blico em todo o território nacional. Tive de deixar o país.

http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 1/6
08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

Em 1975 recebi convite para integrar a equipe de Oscar Niemeyer em Argel. Minha convivência pessoal com obras de Nie-
meyer limitou-se a um período de trabalho na Argélia e a conhecer in loco suas obras em Paris e Milão. Cheguei à Argélia Ramez Philippe
vindo da França, onde obtivera trabalho como professor convidado das escolas de arquitetura em Estrasburgo e Nancy.
Passando pela Itália, procurei meu amigo Glauco Campelo, em Milão, e tive oportunidade de conhecer a construção da Maalouf
nova sede da empresa editorial Mondadori.
Telma Monteiro

Virgílio Arraes

Wladimir Pomar

Ex colunistas

Fábio Luís

Henrique Júdice

Jorge Almeida

Luiz Antonio Magalhães

Mateus Alves

Osiris Lopes Filho

Waldemar Rossi

Achille Lollo

Sede da “Mondadori”, Milão - projeto à mão livre de Oscar Niemeyer


O Palácio Mondadori
O senhor Mondadori, patriarca e fundador da empresa, estivera em Brasília. Conhecera ali os edifícios projetados por Nie-
meyer. Encantara-se especialmente pelo prédio principal do Ministério das Relações Exteriores. Manifestou que gostaria
de conhecer seu arquiteto. Queria deixar algo assim como marco de sua atividade empresarial. Daí resultou o projeto e a
construção da nova sede da Mondadori. Confesso ser, das obras de Oscar Niemeyer, a que mais me encanta. Constitui
um exemplo tardio da arquitetura filantrópica do período industrial da sociedade moderna.
Quando os arquitetos, os usuários e os empreendedores da arquitetura são oriundos de uma mesma classe social, gosto,
visão de mundo e modo de vida, também é comum resultar o melhor conteúdo artístico. Problemas quanto a isso surgem
quando os interlocutores advêm de classes sociais distintas. O sindicato dos gráficos não deixou de observar sua estra-
nheza para com a arquitetura palaciana que lhes foi destinada. Por outro lado, trata-se de uma obra que expressa a sín-
tese perfeita entre as principais categorias da estética da arquitetura: “escala humana, proporcionalidade e fluidez espa-
cial”, que quando atendidas subjugam ao máximo a tendência de “coisificação” da arquitetura.

http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 2/6
08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

É Hegel quem primeiro afirma ser o espaço a categoria que diferencia a arquitetura dos demais ramos artísticos. Seguindo
o pensamento de Baumgarten, escreve uma obra classificando as artes por ramos. Faz ver que a arquitetura distingue-se
da escultura por propor espaços “necessários e ocupados”. Busca um conhecimento das relações entre a vida e seus ce-
nários. Alcançar a plenitude do conhecimento arquitetônico implica considerar a conquista da realidade pelo sujeito social
também da condição de sujeito desta. Para tanto é preciso conhecer o corpo teórico de Marx e, segundo Lênin, para co-
nhecer Marx é preciso conhecer Hegel. Hegel afirmava que um templo só atingia sua plenitude arquitetônica com a missa,
com o culto. Marx e Engels é que afirmaram serem espaço e tempo categorias objetivas da matéria, permitindo ao
usuário e ao observador conquistarem a condição de valor arquitetônico.
O prédio principal considera o programa usual para atividades burocráticas num conjunto de quatro andares, com andar
térreo livre e terraço ajardinado para momentos de descontração dos usuários. Faz parte do conjunto uma praça em torno
da qual se situam restaurantes e outros serviços destinados às necessidades dos empregados da empresa. Niemeyer quis
fazer este conjunto lembrar uma aldeia italiana, com sua praça central.
É marcante em suas obras a presença da imagem primeira do pensamento, e como tal, sempre, de grande plenitude. Não
se trata de imagem fotográfica. É mais uma atividade do que uma imagem. Tem raízes naquilo que o arquiteto absorveu
vivenciando a realidade, conhecimento obtido por seus sentidos e por distintas formas de informação a respeito. No Pa-
lácio da Alvorada lembra-se da casa do senhor de terras do Brasil Colônia, com sua capela. Na Catedral de Brasília re-
corre a imagens do cristianismo primitivo etc. Uma primeira necessidade é tornar a imagem diretora clara para si mesmo, e
Niemeyer o faz valendo-se do desenho à mão livre. Só assim consegue comunicá-la também a outrem. Seus desenhos
em apresentações públicas são disputadíssimos como souvenirs de suas palestras. A partir desses desenhos recorre a re-
presentações em escala. Essas representações vão formando sucessivos projetos. Um projeto p.1 confrontado com novos
desafios por resolver vai permitir um projeto p.2 e este um p.3, e assim sucessivamente, até poder considerar a previsão a
mais completa possível. Considera, assim como Lênin, que a verdade absoluta não existe, mas deve ser incessantemente
procurada.
Lucáks, pensador húngaro marxista, em seu livro sobre estética considera que a emoção ante soluções estruturais au-
dazes é aparentada com a emoção suscitada por obras de arte. Lembro-me, por exemplo, da intensa emoção de quando
pela primeira vez vi pinturas de Van Gogh ou dos muralistas mexicanos, bem como quando entrei no Museu Guggenheim,
de Frank Lloyd Wright, ou no aeroporto de TWA, de Eero Saarinen, ambos em Nova Iorque. Um aspecto bem presente no
palácio milanês é sua solução estrutural: uma sucessão de pórticos dos quais pende o conjunto de quatro andares. Uma
solução já usada por Eduardo Reidy no projeto do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.
O Palácio Mondadori está situado numa área destinada a empresas gráficas. Foi-me informado que a IBM também deveria
localizar sua nova sede ali. Em função disso havia procurado Niemeyer para elaborar um projeto, ao que ele teria feito ver
que não trabalhava para empresas multinacionais. Uma vez conversando com ele sobre trabalhar para a burguesia, fez-
me ver a importância dos projetos saírem do papel, concretizá-los. Seus projetos são fundamentalmente ‘nacionalistas’,
para edifícios de utilidade pública, independentemente da filiação político-partidária de seus promotores.
Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista
Niemeyer ingressou no Partido Comunista Brasileiro em 1945. Vivia-se intensamente o término da segunda guerra mun-
dial. O exército vermelho tomara Berlim e expulsara os exércitos nazi-fascistas dos países do leste europeu. Os EUA, que
só enviaram suas tropas (150 mil soldados) no fim da guerra, dedicavam-se com os soldados britânicos a impedir que
países como Finlândia, França, Grécia e Dinamarca aderissem ao modelo socialista. Dresden foi submetida a intenso e
destruidor bombardeio após a tomada de Berlim, por tratar-se de reconhecido reduto comunista.
No Brasil o PCB tornar-se-ia legal, participando das eleições presidenciais com candidato próprio, o engenheiro sanitarista
Iedo Fiúza, que obteve 14% da totalidade de votos. Luís Carlos Prestes seria libertado e recebido por Pablo Neruda no Es-
tádio do Pacaembu. O poeta Vinícius de Morais publicaria uma biografia do camarada Joseph Stalin; Graciliano Ramos es-
creveria “Memórias do Cárcere”, no qual menciona a participação de um jovem arquiteto que ainda não consegui identi-
ficar. Jorge Amado levaria ao prelo “O Cavaleiro da Esperança”, e Carlos Drummond de Andrade faria parte da direção do
jornal “Novos Rumos”, divulgador da política cultural do PCB, pouco antes de publicar “A Rosa do Povo”.
Niemeyer continua a ser figura de destaque na galeria dos profissionais, artistas e intelectuais militantes do Partido Comu-
nista Brasileiro, personalidades da nossa história que expressam dualidade ao percorrer todo o período da sociedade in-
dustrial capitalista. A dualidade de quem dá de si o melhor de seu conhecimento profissional, buscando a práxis social
ainda possível na sociedade capitalista e concomitantemente milita no PCB, organização de luta por uma sociedade sem
contradições antagônicas.
Só ingressei no PCB em 1959. Lembro-me muito bem da primeira tarefa de que fui incumbido. Dirigir uma reunião no Sin-
dicato dos Bancários de Belo Horizonte, minha cidade natal. O advogado trabalhista Mário Alves, homem fino e culto, dis-
correria sobre a política sindical do PCB. Finda a reunião, eu deveria conduzi-lo ao hotel em que estava hospedado. No
caminho ele procurou saber quem eu era e o que eu fazia. Informei-lhe ser estudante de arquitetura, militante na base do
PCB na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. Jamais esqueci uma recomendação
dele: “Jovem, para ser um bom comunista é muito importante ser um bom profissional, tornar-se indispensável à socie-
dade pelo conhecimento do saber-fazer”.
http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 3/6
08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

O “partidão” solicitava a todos os seus membros a melhor habilitação profissional possível. Isso explica a galeria de cien-
tistas e intelectuais que sua história pode ostentar. Não bastava saber ganhar eleições. Era fundamental saber-fazer. O
PCB é aquele partido que por mais tempo – 56 anos – no mundo inteiro resta forçadamente clandestino. Muitos de seus
membros foram assassinados, perseguidos, presos. Como exemplo, basta citar os oito membros desaparecidos de seu
comitê central. Gregório Bezerra, somados os diferentes períodos, passou 26 anos em prisões. Prestes esteve 10 anos
preso no Brasil e foi depois forçado a exílio.
Entre os perseguidos podemos destacar Josué de Castro, o médico que despertou o mundo para a questão da fome,
propôs a criação da FAO/ONU e foi seu primeiro presidente. Foi cassado e impedido de voltar ao Brasil ainda em vida.
Mario Schemberg, físico, também pernambucano, tornou-se internacionalmente reconhecido como tal. Graciliano Ramos,
Jorge Amado e Raquel de Queiroz foram grandes nomes no campo da literatura. Caio Prado, por seus escritos filosóficos
e históricos. João Saldanha, na área do esporte, e muitos artistas da antiga Rádio Nacional, isso sem enumerar militantes
artesãos e operários a cuja memória a história do Brasil um dia fará justiça.
Entre arquitetos posso testemunhar que em cada uma das sete primeiras escolas de arquitetura no país funcionou – entre
1950 e 1964 – um departamento do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) e uma célula-base do PCB, composta de arqui-
tetos e alunos de arquitetura. A destacar estão Demétrio Ribeiro, renomado urbanista autor dos planos diretores das prin-
cipais cidades do Rio Grande do Sul, João Vilanova Artigas, em São Paulo, e Jorge Cury em Minas Gerais, entre outros.
A “Editora Revan”, que publicava revistas sobre a União Soviética, e a revista “Módulo”, artigos sobre a nova arquitetura
brasileira, tiveram em Niemeyer, no Rio de Janeiro, sólido ponto de apoio. Entre os militantes que se dedicaram ao tra-
balho editorial no Brasil podemos citar Caio Prado, com a “Brasiliense”, Ênio da Silveira – “Civilização Brasileira” e Mário
Zahar – “Zahar Editores”. Todos do PCB, dedicando-se à difusão da literatura progressista no Brasil. Niemeyer foi candi-
dato a senador pelo PCB e presidente de associações de amizade com países socialistas. Recebeu o prêmio Lênin, aco-
lheu Prestes em sua residência na Gávea, quando este voltou ao Brasil e evoluiu na militância política.
Do PCB como tronco inicial cresceram muitos “ramos furtivos”, principalmente por discordância com o caráter leninista.
Numa entrevista dada em 9/11/98 a Anabela Paiva, da Revista Época – “A Intimidade Comovente” – Niemeyer declarou:
“Voto na esquerda. Saí do Partido Comunista quando tiraram a foice e o martelo e virou PPS. Criamos outro partido comu-
nista. Mas também sou ligado ao PC do B. Não acredito no que dizem sobre Stalin. É lógico que, na briga, a pessoa tem
de tomar uma posição, guardar a unidade que a luta exige”. Era desde 1992 presidente de honra do PCB, que sobrevive e
renasce das cinzas por necessidade histórica.
Durante certo tempo, o PCB valeu-se de “bolsões” no sistema capitalista brasileiro para apoiar avanços progressistas, in-
clusive no que diz respeito à arquitetura e urbanismo. Apoiamos distintas tendências políticas em todo o mundo, desde
que apontassem para avanços em relação a situações vigentes. Fomos vítimas, muitas vezes, de posições social-darwi-
nistas. Tínhamos o desenvolvimento como unidirecional. Custou-nos chegar à convicção de que uma sociedade mais
justa, igualitária e fraterna constitui uma possibilidade, não uma fatalidade histórica. Terá de ser conquistada. Exige de
cada um uma postura revolucionária. Não bastam meras reformas. É por isso que o PCB insiste em não ser um partido re-
formista, mas marxista e leninista. Marxista por reconhecer ser necessário considerar o corpo teórico deixado por Marx
para o conhecimento da mudança e da transformação da sociedade. Leninista por considerar o legado de Lênin funda-
mental para compreender as implicações da construção de um Estado proletário. Não se trata de copiar particularidades
de situações havidas. Trata-se de não perder de vista aspectos essenciais já esclarecidos em experiências historicamente
significativas.
O planejamento ordenador de situações é a “tábua de salvação” dos reformistas. Desde sua descoberta o Brasil foi objeto
de planos: os da metrópole portuguesa, loteando o Brasil em capitanias hereditárias, com sete cidades administrativas ini-
ciais; os do Marquês de Pombal, introduzindo a retilineidade de 37 novas cidades; os do Brasil Império, implantando novas
capitais provinciais; a política de planejamento regional liderada por Celso Furtado etc. Pôr em ordem o existente não
deixa de implicar progresso, mas sem garantia de transformação da sociedade colonial ou da capitalista. Igualmente,
buscar o diferente pelo diferente, não passando do inusitado, do exótico do cosmopolitismo extravagante, também não
leva à mudança das atuais categorias de totalidade. Ser revolucionário é ser transformador, colocar-se em sintonia com o
movimento histórico de fazer com que o objeto social da história adquira também a condição de sujeito de si mesmo. Além
de profissional competente, é indispensável militar político-partidariamente. É o exemplo dado por Oscar Niemeyer.
Edifício-Sede do Partido Comunista Francês
Em Paris, sua obra mais significativa é a sede do Partido Comunista Francês. Transcrevo um artigo de Luís Felipe Alen-
castro, professor titular de História do Brasil à época, na Sorbonne, sobre Niemeyer em Paris:
'Nos anos 70, na época em que morou em Paris, escorraçado pela ditadura brasileira, Oscar Niemeyer concebeu várias
obras importantes, entre as quais a sede do Partido Comunista Francês. Disse-me um amigo francês, muito bem infor-
mado sobre o assunto, que ele jamais quis ser pago pelo trabalho feito para os companheiros do PCF, nem mesmo
quando o PCF quis oferecer-lhe um pequeno apartamento onde ele pudesse morar enquanto estivesse em Paris. Sempre
foi amigo e solidário com quem estava exilado aqui. Uma vez marcou um encontro comigo num café dos Champs-Elysées.
Saía de uma comissão que julgava projetos arquitetônicos destinados a serem construídos em Paris.

http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 4/6
08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

Estava meio irritado. As discussões entre os membros do júri do qual ele fazia parte haviam-se prolongado além da me-
dida, e a decisão não lhe tinha agradado. Para ele, todos os projetos eram ruins. Contudo, os outros membros do júri for-
çaram a barra para aprovar um dos projetos, sob o argumento de que ele era bom “em certas partes”. Oscar absteve-se
sem dizer nada. No café, explicou-me o motivo com o seu certeiro sotaque carioca: ‘Pô, quando um projeto é ruim, ele é
todo ruim! Se tem partes boas, elas estão no lugar errado, então são ruins também; tudo é ruim!’.
Na Universidade também acontecem essas coisas. Às vezes, a gente lê teses, artigos ou livros nos quais não dá para
salvar nada. O trabalho foi mal concebido e está ruim do começo ao fim. Não tem conserto. Mas este é o tipo de reflexão
delicada, sobre a qual não se pode citar nomes ou títulos, sob pena de atingir reputações’.
Considerações gerais
Na atividade de projetar de Oscar Niemeyer é constante a busca da melhor ação recíproca entre as partes e o todo, ou
seja, a aplicação de um método dialético de projetar. Já o vi, depois de várias tentativas, reformular o projeto inteiro para
encontrar o melhor resultado.

Sede do PCF (Partido Comunista Francês) em Paris. Projeto de Oscar Niemeyer.


Leia também:
A História da Universidade de Brasília será incompleta omitindo a significativa presença de Heron de Alencar
Frank Svensson é professor de arquitetura na Universidade de Brasília. O artigo é produto de depoimento de
Frank Svensson quando Oscar Niemayer completara 100 anos.
Blog: www.franksvensson.blogspot.com.br
Ant Próximo
Adicionar comentário
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.

Relacionados
República Farroupilha: a Gershon Knispel, artista e Só um Nordestino r
revolução dos latifundiários socialista, morre aos 86... ao fogo no museu..
senhores de...

http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 5/6
08/01/2019 Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista

Boletim Diário Expediente Siga-nos


Editorial Fale Conosco
Vídeos Quem Somos Para assinar o boletim de notícias diário do Cor-
Resenha Links
reio da Cidadania preencha o formulário abaixo:
A Ordem na Mídia Nome:
Especiais
Podcasts Email: Enviar
Charge
Memória Plínio
Plinio em Imagens
Arquivos

http://www.correiocidadania.com.br/cultura-esporte/8014-19-01-2013-oscar-niemeyer-um-arquiteto-comunista 6/6

Você também pode gostar