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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCH)


Escola de Museologia

ENTRE MUSEUS E CIÊNCIA:


O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA VIAJANTE NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Anderson Pereira Antunes

Orientadora: Profª Drª Valéria Cristina Lopes Wilke

Rio de Janeiro
2011
Anderson Pereira Antunes

ENTRE MUSEUS E CIÊNCIA:


O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA VIAJANTE NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) como
requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Museologia.

Orientadora: Profª Drª Valéria Cristina Lopes Wilke

Rio de Janeiro
2011
Anderson Pereira Antunes

ENTRE MUSEUS E CIÊNCIA:


O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA VIAJANTE NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) como
requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Museologia.

Data de Aprovação: _____ de ____________ de 2011

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________
Profª. Drª. Avelina Addor
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

__________________________________________________
Prof. Dr. José Mauro Matheus Loureiro
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

__________________________________________________
Profª. Drª. Valéria Cristina Lopes Wilke
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Rio de Janeiro
2011
AGRADECIMENTO

Aos mestres que me acompanharam durante


minha jornada acadêmica pela graduação,
especialmente à profª drª Valéria Cristina
Lopes Wilke, que me orientou desde o
segundo ano de faculdade, primeiro como
bolsista monitor, depois como bolsista de
iniciação científica e, finalmente, nesta
monografia.

À família, que durante os quatro anos de


faculdade teve que compreender a minha
falta de tempo devido a imersão nos
estudos.

Aos amigos, que tornaram os anos de


faculdade mais descontraídos e agradáveis.

E, especialmente, à Ana Paula Oliveira


Sene, por ser a namorada mais amorosa,
compreensiva e carinhosa do mundo. Je
t’aime.
“Cada século tem a sua missão a cumprir como cada
indivíduo o seu papel a representar no theatro da vida
ou na comunhão social, a do século atual é
universalizar a sciencia e confraternizar os povos.” –
João Batista de Lacerda (diretor do Museu Nacional
do Rio de Janeiro entre 1895 e 1915), 1876.
RESUMO

A ciência foi um dos temas em voga durante todo o século XIX. O mundo inteiro viu
surgir homens de ciência, homens letrados interessados pelas questões e
descobertas científicas. Juntos, eles formavam as sociedades científicas e partiam
em expedições para desbravar territórios inexplorados, como muitas regiões do
interior do Brasil. Estas expedições muitas vezes eram subvencionadas pelo Estado,
tenha sido ele brasileiro – imperial ou republicano – ou estrangeiro. Durante estas
expedições foram formadas grandes coleções de fauna, flora, mineralogia e
etnografia, que foram levadas para os museus de história natural do mundo todo,
onde foram estudadas e colocadas em exposição. Neste trabalho, pretendo explorar
as relações de mutualismo entre a atividade científica e a atividade museológica no
século XIX, descobrindo paralelos e verificando a presença dos museus de história
natural no desenvolvimento da ciência no século XIX. Também discuto a importância
das coleções formadas pelos cientistas viajantes do Oitocentos, a necessidade de
sua preservação em tempos atuais e as possibilidades de uso destas coleções para
uma aproximação entre a ciência e a sociedade, dentro dos museus.

Palavras-chave: museus, ciência, Brasil, século XIX

ABSTRACT

Science was a common theme during the XIXth century. The whole world saw the rise
of men of science, educated men interested in scientific matters and discoveries.
Together, they formed scientific societies and went on expeditions to discover
uncharted territories, like many regions in the interior of Brazil. These expeditions
often had the subvention of the State, had it been Brazilian – imperial or republican -
or foreign. During these expeditions were formed great collections of fauna, flora,
mineralogy and ethnography, that were taken to natural history museums around the
world, where they were studied and exhibited. In this work I intend to explore the
relationship of mutualism between the scientific and the museological activity during
the XIXth century, discovering parallels and verifying the presence of natural history
museums in the development of science during the XIXth century. I also discuss the
importance of the collections formed by the traveler scientists of the Ottocento, the
need for preservation in modern times and the possibilities of use of these collections
to bring closer science and society, inside the museums.

Keywords: museums, science, Brazil, XIXth century


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

C&T – ciência e tecnologia


CT&I – ciência, tecnologia e inovação
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MinC – Ministério da Cultura
MN – Museu Nacional
MP – Museu Paulista
SAIN – Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional
SMRJ – Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro
Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

Introdução.......................................................................................................... pág. 08
Capítulo 1: Relações entre ciência e museus no Oitocentos............................ pág. 21
Capítulo 2: A ciência viajante............................................................................ pág. 41
Considerações finais: Valorização do patrimônio científico
brasileiro............................................................................................................ pág. 55
Anexo 1: Itinerários Aproximados das Excursões da Comissão Científica do
Império............................................................................................................... pág. 65
Anexo 2: Quadro: Rede de relações entre museus, ciência e
Estado............................................................................................................... pág. 67
Referências....................................................................................................... pág. 69
8

INTRODUÇÃO
Estado, ciência e museus no Brasil Oitocentista

“Na paisagem cultural do século XVIII, a difusão de um saber


já sistematizado por meio da escolarização vai se afirmando
como responsabilidade pública. Nesse período, aparecem
inúmeras instituições nas quais se tornam importantes a
discussão e a divulgação das descobertas da ciência.
Partindo dessa nova funcionalidade, o museu, por sua vez,
desponta enquanto veículo da nova estrutura hegemônica do
Estado laico.” – Piedade Filho, 2009.
9

A interdisciplinaridade é uma das características intrínsecas à Museologia e


uma das que contribuem para torná-la uma ciência singular no hall das ciências
sociais aplicadas. Através de relações com outras ciências humanas e sociais, a
Museologia constrói amplas e ricas redes de conhecimento, o que torna possível a
criação de uma pluralidade de perspectivas sobre os temas e objetos os quais se
propõe a estudar. Dentre as disciplinas com as quais a Museologia se relaciona a
História sempre se mostrou muito próxima, compartilhando de questões e unindo-se
para refletir acerca de temas como memória e identidade. A fertilidade desta união
incentivou incontáveis pesquisadores a adentrarem em questões histórico-
museológicas e levou, em 1994, o historiador e museólogo mexicano Morales
Moreno a cunhar o termo museohistória.
Para Moreno, a museohistória trata-se de uma historiografia aplicada à
Museologia, um esforço para compreender o museu “junto à historiografia da cultura,
à etno-história, à sociologia do conhecimento e à antropologia social” (LOPES;
MURRIELLO, 2005, p. 14). Nos últimos anos é possível notar um crescente
interesse acerca de uma historiografia dos museus, tema que vem sendo estudado
em âmbito internacional e que, no Brasil, já possui alguns trabalhos referenciais.
Dentro deste tema, o século XIX mostra-se como o período de maior interesse não
só para os pesquisadores nacionais, mas para aqueles envolvidos com a temática
dos museus por toda a América Latina, Europa e Estados Unidos.
O século XIX mostrou-se um século de grandes acontecimentos em todos os
quatro cantos do Globo. Foram cem anos marcados por transições, por reformas,
por revoluções, pelo apogeu e declínio de grandes impérios. Inúmeras expedições
exploratórias lançadas pelas grandes potências européias ampliaram o planisfério
com a descoberta de novos territórios. Com isto, descobriam-se novos grupos
humanos, novas culturas, novos espécimes de fauna e flora. O mundo tornava-se
maior e mais complexo. Foi também durante este século que a humanidade viu o
surgimento dos modernos Estados-nação, com a conseqüente criação de
identidades nacionais locais e o sentimento de pertencimento a um todo: a nação.
Surgiam novas formas de governo e se pensavam novas formas de organização
social. Idéias revolucionárias como o liberalismo e a abolição da escravidão
começavam a se espalhar. Novas idéias promoviam reformas políticas por todos os
lados. E estas reformas não ficavam confinadas aos seus locais de origem. O que
acontecia no Velho Continente gerava reflexos também no Novo Mundo. O colapso
10

dos impérios espanhol e português contribuiu para o surgimento de diversos novos


países na América do Sul, região anteriormente dividida pelo domínio ibérico. E
estas novas nações lutavam interna e externamente pela consolidação de seus
territórios e por sua representatividade política. Em outras palavras, lutavam por seu
lugar neste novo mundo.
Mas o turbilhão de novas idéias não se restringia somente ao campo da
política. Surgiam também novas descobertas técnicas, que possibilitaram a invenção
de novas tecnologias. Com a Revolução Industrial, a vida foi transformada num ritmo
acelerado antes inimaginável, acarretando em inúmeras mudanças socioeconômicas
e culturais. A vida tornava-se mais rápida e, o mundo, ainda mais complexo.
Neste cenário, a ciência mostrou-se como uma das grandes beneficiadas
pelas novidades que surgiam a todo o momento. As novidades técnicas
possibilitadas pela Revolução Industrial permitiram a criação de uma vasta gama de
novos equipamentos, permitindo aos cientistas realizarem pesquisas mais profundas
sobre seus objetos de estudo. Em troca, as novas descobertas científicas permitiam
uma melhor compreensão do mundo, o que, por sua vez, possibilitava a realização
de ainda mais descobertas.
A ciência estava na ordem do dia e através dela o homem Oitocentista
tentava compreender e dominar um mundo em constante transformação. A
importância do papel da ciência no século XIX foi explorada por BRAGA, GUERRA e
REIS1, que afirmam que “para o homem do século XIX, a ciência podia tudo, seria a
ferramenta de redenção” (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 14). Em seu livro
intitulado A belle-époque da ciência, os pesquisadores abordam o século XIX de
maneira abrangente, analisando as características socioculturais do mundo
Oitocentista e a influência do positivismo de Comte para o pensamento de uma nova
ciência. “O pensamento de Comte fazia uma análise da evolução da humanidade a
partir de um estado primitivo de desenvolvimento até o atual. Numa época em que
as classificações estavam na moda, o filósofo procurou ordenar o progresso da
humanidade em três estados: teológico, metafísico e positivo” (BRAGA; GUERRA;
REIS, 2008, p. 28).

1
Os pesquisadores Marco Braga, Andréia Guerra e José Claudio Reis formam o grupo conhecido por
Teknê. Formado por professores de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2003 o
grupo publica a série Breve história da ciência moderna. Com esta série, pretendem difundir, de
forma didática, a história e a filosofia das ciências como ferramenta de reflexão sobre o papel da
ciência no mundo moderno.
11

Para atingir este estado positivo, as ciências e as pesquisas ganhavam


grande ênfase, numa jornada incansável em busca de mais conhecimento. Por todo
o século XIX, ciência e positivismo andaram juntos. Para chegar ao ideal positivista
de “ordem e progresso”, a industrialização e o desenvolvimento científico tornaram-
se metas a serem alcançadas. E, para alcançar estas metas era preciso abandonar
as concepções teológicas e metafísicas e acreditar na ciência e no método científico
como únicas maneiras de se compreender o Universo. Ainda nas palavras do Grupo
Teknê: “Esse tempo de prosperidade, felicidade e fé nas conquistas do
conhecimento humano – e de suas aplicações ao cotidiano por meio da tecnologia –
bem poderia ser chamado de belle-époque da ciência” (BRAGA; GUERRA; REIS,
2008, p. 14). Havia um entendimento, à época, de que a ciência era algo útil, de
aplicação, e que estimular a prática científica poderia trazer retorno em forma de
desenvolvimento econômico e de benefícios para a sociedade.
E este clima de prosperidade científica não se manteve restrito somente às
metrópoles européias. Através da ocupação com a colonização, as idéias que
circulavam pelo solo europeu pouco a pouco chegavam também nas colônias,
mesmo que contrabandeadas por debaixo dos panos da censura, como foi o caso
da chegada das idéias iluministas francesas em solo brasileiro no século anterior.
Mas, não era somente através de meios escusos que as idéias progressistas
chegavam ao Brasil.

Os trabalhos de Figueirôa e de Lopes, por exemplo, mostraram como, nos


estertores do antigo sistema colonial, as reformas sócio-econômicas
modernizadoras empreendidas por Portugal, fundamentadas nos ideais da
Ilustração, adotaram o fomentismo estatal, e a valorização das ciências
naturais – sobretudo a Botânica, intimamente ligada à agricultura, a
Medicina e a Química, mas também a Mineralogia e a Metalurgia – se
tornou preocupação explícita do governo português. (FIGUREIRÔA, 1998,
p. 112)

Desde o início, portanto, a ciência sempre esteve atrelada aos interesses do


Estado. Maria Amélia Dantes argumenta que “os interesses metropolitanos de
manutenção e exploração mais racional da Colônia, incentivaram, no final do século
XVIII, variadas práticas científicas” (DANTES, 2005, p. 3). Por ser entendida como
uma ferramenta que auxiliava no caminho para o desenvolvimento, a ciência era
financiada pelo Estado, que objetivava a modernização e o progresso da Nação,
através da ciência. O fomentismo estatal tornou-se, portanto, parte inerente ao
modus faciendi da prática científica brasileira até, pelo menos, o início do século XX.
12

A chegada da Família Real ao Brasil em muito contribuiu para o


desenvolvimento da prática científica na Colônia e para o aumento do financiamento
de pesquisas e instituições. Dentre as primeiras instituições científicas criadas pelo
governo português, podemos citar: o Colégio Médico da Bahia (criado em 1808 e
transformado na Faculdade de Medicina da Bahia em 1832), a Escola Médica do Rio
de Janeiro (criada em 1808 e também transformada em Faculdade de Medicina em
1832), o Horto Real (de 1808, atual Jardim Botânico), a Tipografia Régia (criada em
1808 e atual Imprensa Nacional), a Biblioteca Nacional (criada em 1810), a
Academia Militar do Rio de Janeiro (criada em 1810, deu origem à Escola Central,
em 1855, sendo transformada em Escola Politécnica em 1874), o Museu Real
(criado em 1818, atual Museu Nacional), o Observatório Nacional (criado em 1827),
o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB, criado em 1838), dentre outras.
Notamos, portanto, que a primeira metade do século XIX foi um período de rápido
desenvolvimento. Para adequar a Colônia às necessidades da Família Real que
agora abrigava e para levantá-la ao status de Reino Unido, muitos foram os
investimentos do governo português em solo brasileiro.
Lilia Moritz Schwarcz, uma das maiores pesquisadoras do século XIX no
Brasil, afirma que a chegada da Família Real, em 1808, constituiu “um momento
singular da história nacional e um processo singular de emancipação” (SCHWARCZ,
1998, p. 35). Estudando a história da ciência brasileira, Carlos Figueiras interpreta o
impacto da chegada dos Bragança à colônia com a seguinte afirmação:

A nova ordem das coisas alterou quase da noite para o dia a situação do
país, ao qual tinha sido negada até então a existência de universidade, ou
escolas superiores, de quase todas as manufaturas, de escolas
profissionais, até mesmo de tipografias. Na breve escala de D. João em
Salvador, além de fundar o que veio a ser a primeira escola de medicina do
país, o príncipe regente também assinou o decreto de abertura dos portos
brasileiros, encerrando de vez o isolacionismo do Brasil. (FIGUEIRAS,
1990, p. 227)

Atestando a existência da ciência brasileira no século XIX, a revista


americana Science publicou, em 1883, um artigo intitulado The present state of
science in Brazil. Neste artigo, lia-se que

os últimos dez ou quinze anos testemunharam um acentuado despertar no


Brasil para a importância da pesquisa científica [...] os próprios brasileiros
estão talvez, em sua maioria, inconscientes da importância e do potencial
da atividade científica desenvolvida em seu meio por um grupo modesto de
aplicados pesquisadores [...] já se fez bastante para marcar a aurora de
13

uma nova era repleta de promessas para o futuro (FIGUEIRAS, 1990, p.


222).

E, em meio a esta aurora científica, estavam os museus, como precursores


da atividade científica brasileira. A ciência brasileira encontrou neles um refúgio para
seu desenvolvimento.

No Brasil, as instituições museológicas antecedem as universidades. Logo,


através de suas coleções, os museus foram de imensa importância para os
estudos das Ciências Naturais, onde exerceram um papel pioneiro na
institucionalização de certas áreas do conhecimento no país, como a
Paleontologia, Antropologia e Fisiologia Experimental. No caso específico
da Paleontologia, Rudwick (1987 apud Lopes, 2001) relacionou sua
construção ao estabelecimento da tradição de preservação dos museus,
pois o estudo dessa área, o estudo dos fósseis, está interligado às
atividades dos museus em virtude da natureza inerente do material
(MACHADO et all, 2007, p. 159).

Ao estudar a atuação do Museu Nacional do Rio de Janeiro no século XIX, a


pesquisadora Maria Margaret Lopes aponta que “nesses contextos, marcados pela
expansão das diferentes áreas disciplinas e instituições científicas e pelo incremento
da especialização e profissionalização dos técnicos e cientistas, os museus
brasileiros estiveram de sobremodo atuantes.” (LOPES, 1993, p. 168).
Dessa forma, com a pesquisa científica ligada aos institutos científicos e não
às universidades, o Brasil aproximava-se mais da realidade francesa. Fortemente
ligadas ao clero, as universidades francesas não tiveram um papel de grande
incentivadoras da prática científica, ficando esta tarefa relegada a outros espaços
institucionais, como as escolas técnicas e os institutos de pesquisa.

Na França, nem a indústria nem as universidades tiveram papel


preponderante na produção científica ao longo do século, ficando essa
tarefa a critério de institutos independentes financiados pelo estado. Ao
contrário do projeto universitário alemão, no qual ensino e pesquisa se
encontravam entrelaçados, as universidades francesas constituíam um
espaço voltado apenas ao ensino. Essa era uma herança do período
revolucionário, em que as universidades ainda sofriam grande influência
eclesiástica, acarretando a fundação de escolas científicas e institutos
independentes a quem cabia desenvolver a pesquisa e a produção de
conhecimentos técnico-científicos. O Brasil, que não possuía universidades,
inspirou-se no modelo científico francês ao longo de seu primeiro século
como nação independente (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 167).

Os museus tornaram-se, portanto, redutos da ciência e, de certa forma,


estavam associados à toda a prática científica. A começar pelos seus diretores e
técnicos, homens letrados, engajados nas práticas científicas, envolvidos com as
expedições que adentravam o território brasileiro a procura de novos espécimes
14

minerais, de fauna e de flora. Uma vez coletados, estes espécimes eram enviados
para serem estudados e conservados. Fósseis, amostras mineralógicas, espécimes
botânicos, animais empalhados. Todo este material era processado e preservado
nas reservas dos museus, que também os expunham. Através das exposições, os
museus levavam a ciência para um público mais abrangente, difundindo as novas
pesquisas e descobertas, e educando os leigos sobre a prática científica. Podemos
afirmar que museus e ciência estavam intimamente ligados durante o século XIX.
A forte presença destas instituições, nesta época, é um tema bem conhecido
e já pesquisado no Brasil e no mundo. Os museus públicos são, aliás, uma invenção
do Oitocentos. De acordo com a museóloga portuguesa Alice Semedo, “a fundação
do museu público tem sido compreendida como parte da emergência das idéias
modernas relacionadas com a Ordem e o Progresso e com as experiências que se
lhe relacionam de tempo e espaço, associadas aos processos de industrialização e
urbanização que o ocidente viveu no século XIX” (2004, p. 130).
O desenvolvimento dos museus neste período parece ter sido um fenômeno
global, levando os pesquisadores da área a cunharem a expressão “movimento de
museus” para designar o crescimento do campo museológico, especialmente a partir
da segunda metade do século. Na realidade, o primeiro artigo formalmente
publicado sobre historiografia de museus de que se tem conhecimento data de 1888
e foi apresentado no 3rd Annual Meeting da American Historical Association, por seu
autor George Brown Goode. O artigo abria o caminho para que se pensasse sobre a
história dos museus e, logo, “seus seguidores se multiplicaram pelos museus de
todo o mundo e não faltaram ecos de concepções semelhantes na América Latina,
onde as últimas décadas do século XIX também assistiram a uma revitalização das
instituições museológicas” (LOPES; MURRIELLO, 2005, p. 15).
As autoras supracitadas explicam a sincronia deste movimento global de
museus devido à existência de um “conjunto de proprietários e diretores de museus
[que] já tinha estabelecido sólidas redes de comunicação entre si, ‘simultaneamente
influenciados pelos mesmos fatores culturais e resultava que estavam fazendo as
mesmas coisas, no mesmo momento, pelos mesmos motivos’ (OROZ, 1990, p. 3)”
(idem, p. 15). Juntos, estes proprietários e diretores de museus discutiam o papel
dos museus na construção da nação e “a importância que essas instituições tiveram
na educação do público e na investigação científica, diante da consolidação das
classes médias urbanas e da emergência da profissionalização” (idem, p. 15).
15

Algumas décadas mais tarde, em 1939, Laurence Vail Coleman, diretor da


American Association of Museums, descreveu “a expansão sem precedentes dos
museus de todos os tipos, por todos os continentes, como um verdadeiro movimento
social, marcado pelo estabelecimento de amplas redes de intercâmbios, que
puseram em contato, de diferentes modos e em diferentes circunstâncias, os
museus de todo o mundo” (idem, p. 17), demarcando, assim, este período de
apogeu classificado como “movimento de museus” “entre as últimas décadas do
século XIX e as primeiras do século XX” (idem, p. 17). É interessante notar a
confluência do apogeu dos museus com o apogeu da ciência, percebendo a relação
estreita entre ambos neste período, fazendo com que Maria Margaret Lopes tenha
afirmado que este foi o “período de apogeu dos museus enquanto instituições
privilegiadas de pesquisa em ciências naturais.” (LOPES, 2000, p. 228). A autora vai
além, dizendo que

onde conjunturas sociais favoráveis permitiram, governos empenhados em


processos modernizadores de suas economias incentivaram investigações
e ensino de ciências naturais, contratando naturalistas estrangeiros,
organizando expedições científicas escrutinizadoras dos territórios,
construindo museus, comprando coleções (LOPES, 2000, p. 229).

O “movimento de museus” “expandiu redes de intercâmbio, ampliou coleções,


criou catálogos, difundiu mais rapidamente conceitos e informações, e ajudou a
fortalecer ainda mais essas instituições” (LOPES apud CID; WAIZBORT, 2006, p.
216). Não só a ciência, mas também o museu, era visto como ferramenta de
modernização e desenvolvimento para a nação e, portanto, figuravam nas políticas
progressistas dos governos de diversos países. No Brasil, sem universidades com
laboratórios para produzirem pesquisas de ponta, o papel dos museus – em
particular, dos museus de ciências naturais – como produtores de conhecimento
científico foi ainda mais marcante.
A ênfase na prática científica levou a diversas mudanças paradigmáticas nas
áreas da ciência e a múltiplos desenvolvimentos técnicos. Datam dos Oitocentos
invenções como a locomotiva a vapor, o telégrafo, o motor de combustão, a vacina
contra a raiva, e a lâmpada. Todas estas novidades tecnológicas transformaram a
sociedade, mas não devemos relevar o impacto das grandes teorizações que,
embora não tenham tido um impacto no dia-a-dia do homem, certamente fizeram
nascer novos modos de pensar e entender o Universo. Dentre as teorias científicas
16

que surgiram no século XIX, nenhuma é mais célebre do que a teoria da seleção
natural de Charles Darwin.
Sobre o impacto do darwinismo nas ciências e, conseqüentemente, nos
museus, Lopes e Murriello afirmam que “de fato, o darwinismo não só revigorou os
museus da época como levou à criação de muitos outros [...] a história natural, de
disciplina abrangente que era, passou a ser, no fim do século, apenas uma das
várias orientações que um biólogo poderia seguir. Na verdade, exatamente quando
a historiografia considerou que a biologia saía do museu, afastando-se da
sistemática e da história natural, voltando-se para pesquisas de laboratório, os
museus experimentaram um crescimento explosivo por todo o mundo.” (LOPES;
MURRIELO, 2005, p. 23).
Ademais, o século XIX é também reconhecido por ser o século da
especialização do conhecimento e da profissionalização. No campo das ciências, é
um período de institucionalização da prática científica e de reconhecimento da
existência de uma comunidade científica, isto é, de um grupo de profissionais
dedicados à ciência que assim são reconhecidos por outros grupos intelectuais e
profissionais. “A institucionalização da ciência se desenrolou ao longo do século XIX
e visava a profissionalização dos cientistas e a garantia de sua autonomia e auto-
regulamentação, frente ao Estado e à sociedade [...] Outra característica desse
processo foi a distinção entre as disciplinas acadêmicas, e, não por acaso, este é o
momento em que a palavra ‘cientista’ é cunhada por William Whewell, em 1834.”
(VERGARA, 2008, p. 142). Anterior a este período, o cientista era conhecido pelo
epíteto de “filósofo natural”, pois o que existia era “algo chamado ‘filosofia natural’,
que pretendia descrever e explicar o sistema do mundo em sua totalidade” (HENRY,
1998, p. 16).
Analisando o caso brasileiro, percebemos como este processo aconteceu
dentro dos museus e de outros espaços institucionais ligados à políticas
governamentais. Enquanto em países como a Alemanha a institucionalização da
ciência aconteceu dentro das universidades, no Brasil, este processo ocorreu dentro
de espaços como o Observatório Nacional, o Museu Nacional, o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, a Comissão Geológica do Império, e o Jardim Botânico.
Nestas instituições, podemos notar não apenas a presença da ciência, mas
também a presença forte do Estado. E o papel do Estado não se limitava apenas ao
financiamento destas instituições e das atividades científicas que propunham, pois
17

os interesses da máquina estatal também se relacionavam, diretamente, com a


temática das pesquisas realizadas.
E muito desta forte presença estatal relaciona-se ao surgimento da idéia
moderna de Estado-nação e do conseqüente nacionalismo que esta suscitou. “No
entender de Stuart Hall este Estado-nação não é simplesmente uma entidade
política, mas é igualmente uma concepção simbólica – um sistema de representação
que produziu uma ‘idéia’ de nação como ‘comunidade imaginada’ (re)produzindo
significados em relação aos quais os seus membros se podiam identificar e através
dos quais (através da identificação imaginada) constituía os seus cidadãos como
‘sujeitos’ (em ambos os sentidos de sujeição utilizados por Foucault: sujeitos de e
sujeito à nação)” (SEMEDO, 2004, p. 132).
Neste contexto, buscava-se definir o que era particularmente nacional e o que
caracterizava a Nação e os seus habitantes. E a ciência foi parte fundamental desta
tarefa. Nas ciências naturais, procurava-se entender a origem do Homem e
determinar elementos comuns que permitiriam a classificação de um homem como
europeu ou como brasileiro, por exemplo. Foi o auge do que conhecemos como
craniometria ou craniologia, isto é, o estudo das medidas do crânio para
classificação dos seres humanos. Por outro lado, a cultura também era um elemento
a ser estudado, a fim de definir o que caracterizaria a cultura de cada país e o que
constituiria o patrimônio de cada país a ser resguardado para gerações futuras.

Na virada do século XIX para o XX, a noção de progresso alimentava a


perspectiva de que o futuro da humanidade se daria de forma promissora e
com sentido de evolução para um mundo melhor. Essa perspectiva era
marcada pelo sentimento nacional: nações emergiam e ao mesmo tempo
concorriam em exibições universais [...]. Construíam-se histórias nacionais
que se materializavam em ‘patrimônios nacionais’ a serem protegidos da
destruição, como legado de um outro tempo – passado – às gerações
futuras (CHUVA, 2009, p. 43).

Nas colônias, as lutas por independência também contribuíram para a história


dos museus, como afirma Lopes: “dirigidos por naturalistas estrangeiros ou
nacionais, sempre subvencionados pelos governos locais, com decretos de criação
precedendo em anos sua efetiva abertura ao público, esses museus sobreviveram
ou não, foram incentivados ou não, muito em função dos processos prolongados de
lutas pela independência, em cada um desses países” (2000, p. 228).
Na busca pelo nacional e pela excelência da Nação, as ciências eram
utilizadas como ferramentas que trariam o progresso. As expedições científicas
18

tinham por fim a exploração dos territórios e a descoberta de riquezas naturais. O


estudo das tribos indígenas permitiria uma maior compreensão da origem do homem
americano. Na busca pelo progresso, a ciência era a ferramenta do Estado e, os
museus, locais de ciência.

A ciência, na transição do século XIX para o XX, ajudaria a inventar nações,


seja pelas pesquisas de raça que interessa aos cientistas da época, seja
pelas pesquisas sobre o passado geológico e cultural dos territórios. A este
movimento, os museus participaram contribuindo com o aval científico e a
“atribuição de valores de raros, ‘únicos’ que os esqueletos, crânios e objetos
comuns da vida cotidiana das nações indígenas ganharam ao serem
transformados, como em um ritual, pelas mãos dos colecionistas, nos
objetos científicos das mais preciosas coleções arqueológicas e
etnográficas. (LOPES, 2001, p. 68).

Neste cenário, os cientistas procuravam apontar a relevância de estudos


sobre a natureza e a potencialidades das terras americanas, numa manifestação do
nativismo que se manifestou nesta época em diversos campos da atividade humana,
como as artes e a literatura. Muito se falava em forjar uma “ciência nacional”, que
era entendida como a ciência realizada por brasileiros, sobre temas brasileiros. “A
utilização dos conhecimentos produzidos aqui por cientistas preocupados com os
problemas nacionais seria uma forma criteriosa de atingir a civilização e a
modernidade desejada por nossos indivíduos educados e homens de ciência” (CID;
WAIZBORT, 2006, p. 225).
Podemos argumentar que a ciência fazia parte de um projeto de Nação,
dentro do Estado-Nação brasileiro. Esta idéia toma força ao analisarmos o período
do Segundo Reinado. A atuação do imperador D. Pedro II como principal financiador
da atividade científica foi estudada pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz em As
barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. Nesta publicação,
afirma que:

seguindo o exemplo passado de Luís XIV, o monarca formava a sua corte


ao mesmo tempo que elegia historiadores para cuidar da memória, pintores
para guardar e enaltecer a nacionalidade, literatos para imprimir tipos que a
simbolizasse. Era uma situação de consolidação do projeto monárquico, a
criação de uma determinada memória passa a ser uma questão quase
estratégica. [...] Era d. Pedro II quem patrocinava, particularmente, projetos
de pesquisa de documentos relevantes à história do Brasil, no país e no
estrangeiro. Ele também se interessou pelas pesquisas de etnografia e
lingüística americana. Ajudou, de diferentes maneiras, o trabalho de
cientistas como Martius, as pesquisas de Lund, de Gorceix, dos naturalistas
Couty, Goeldi e Agassiz, dos geólogos O. Derby, Charles Frederick Hartt,
do botânico Glaziou, do cartógrafo Seybold, além de vários outros
naturalistas que estiveram no país. D. Pedro financiou ainda profissionais de
19

áreas diversas, como advogados, agrônomos, arquitetos, um aviador,


professores de escolas primárias e secundárias, engenheiros,
farmacêuticos, médicos, militares, músicos, padres e muitos pintores. Não é
à toa que nessa época tenha ficado famosa a frase proferida pelo jovem
monarca brasileiro nos recintos do IHGB: ‘A ciência sou eu’. Sem dúvida,
uma clara alusão ao dito de Luís XIV; uma referência ao momento em que
d. Pedro passa a ser artífice de um projeto que visava, por meio da cultura,
alcançar todo o Império (SCHWARCZ, 1998, p. 128-131).

Logo, podemos perceber como, no século XIX, se entrelaçavam Estado,


ciência e museus. Com este trabalho pretendi, portanto, problematizar o papel dos
museus de história natural, na condição de ferramentas do Estado na construção e
consolidação de narrativas de um Brasil “moderno”. Este tema vem sendo estudado
de forma ampla nos últimos anos, já existindo uma rica bibliografia especializada,
sobre a qual me baseei para esta análise. A coleta desta bibliografia foi feita entre
agosto de 2010 e julho de 2011, período no qual fui bolsista de iniciação científica
com apoio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Com o
projeto Instituições científicas e museus no Brasil: história e memória da ciência
brasileira, sob orientação da professora doutora Valéria Cristina Lopes Wilke, me
propus a discutir a importância das instituições científicas e dos museus de história
natural como elementos contribuintes para a formação para a ciência no Estado-
Nação brasileiro durante o século XIX, enfocando: a) a conexão entre instituições
científicas e museus de história natural e a história da ciência no Brasil; b) a ciência
como um elemento participativo do projeto de nação (monárquico e republicano) e
suas conseqüências.
Durante o período de pesquisa, levantei vasta bibliografia que versava sobre
os temas interessantes ao projeto, tendo realizado uma leitura crítica e uma série de
fichamentos sobre cada texto lido, utilizando-os para formar uma base de dados que
serviu de suporte para a redação do atual trabalho. A presente monografia pretende
dar continuidade à pesquisa da iniciação científica e nela procurei analisar, através
de fontes históricas, o papel dos museus de história natural brasileiros para o
desenvolvimento da ciência no Brasil do século XIX, focando tanto no aspecto
científico da própria instituição museológica, como também no seu papel de
divulgadora e educadora para a ciência. Assim, a principal pergunta feita para as
fontes investigadas foi: até que ponto os museus de história natural estiveram
envolvidos com o desenvolvimento das ciências no Brasil Oitocentista?
Para tentar responder esta pergunta, dividi minhas considerações em três
capítulos. No capítulo 1, Relações entre ciência e museus no Oitocentos, analisei a
20

influência do Estado na criação das primeiras instituições científicas brasileiras,


dentre as quais nossos primeiros museus. Para analisar a criação dos museus foi
preciso, também, avaliar o surgimento das primeiras sociedades científicas
brasileiras, entendidas aqui como um primeiro sinal da formação de uma
comunidade científica brasileira, que se mostrava intimamente ligada à atividade dos
museus. Para estas análises foi necessário apresentar alguns personagens de
destaque, como o imperador D. Pedro II, cientistas de renome como Charles
Frederick Hartt, Orville Derby e Francisco Freire Alemão de Cisneiros, assim como
nossos principais diretores de museus, como Ladislau Netto, Emílio Goeldi e
Hermann Von Ihering. Estes personagens estiveram diretamente ligados à atividade
científica, à atividade museológica e às comissões de exploração.
No segundo capítulo, A ciência viajante, analisei o papel das comissões
científicas de exploração para a formação de coleções, citando alguns exemplos,
como a Comissão Científica do Império, a primeira comissão exploratória brasileira,
financiada pelo Estado e da qual participaram muitos funcionários de nossos
museus. O modo de se fazer ciência de uma comissão científica de exploração, de
uma “ciência viajante”, é apresentado, enfocando o papel do Estado e dos museus
nestas iniciativas. Estas comissões foram responsáveis pela formação de grandes
coleções científicas, as quais foram levadas para os museus e onde, até hoje, se
encontram. Também é problematizada a quantidade de coleções que foram levadas
para fora do Brasil por cientistas viajantes europeus e o atual estado destas
coleções nos nossos próprios museus.
Por fim, o capítulo Valorização das coleções científicas brasileiras, aprofunda
sobre a importância das coleções formadas pelas expedições científicas e o papel
dos museus e seus técnicos para a preservação das mesmas. Uma preservação
que não tem apenas um propósito científico, mas também busca preservar os
objetos como elementos constituintes de uma memória da ciência brasileira e de um
fazer científico do passado. São estes os motivos que me levaram a concluir, ao fim
deste trabalho, que há a necessidade de uma maior valorização do patrimônio
técnico-científico brasileiro.
21

CAPÍTULO 1
Relações entre ciência e museus no Oitocentos

“É preciso que o museu cesse de ser uma repartição pública


e se torne uma officina scientífica.” – Emílio Augusto Goeldi
(diretor do Museu Paraense entre 1894 e 1914), no Boletim
do Museu Paraense, em 1894.
22

No período anterior à excepcional data de 22 de janeiro de 1808, o Brasil –


até então mera colônia portuguesa no continente americano – não teve papel
diferente de suas irmãs latino-americanas e de muitas outras terras espalhadas pelo
planisfério, também colonizadas pelas grandes potências européias dos séculos XVI
e XVII, como o eram os reinos de Portugal e Espanha. Embora já reconhecido por
suas riquezas naturais, as terras brasileiras eram vistas apenas como um depósito
de bens de exploração, não havendo considerações sobre uma especulação mais
criteriosa do território. “Só no século dezenove, depois da transferência da corte
portuguesa, começaram a surgir alguns institutos técnicos e certas atividades de
pesquisa mais sistemáticas” (SCHWARTZMAN, 2001, p. 54).
Com rédeas curtas, a metrópole portuguesa dominava a colônia através de
diversas proibições. Proibia-se, por exemplo, o comércio com outras nações, o que
trazia a impossibilidade de intercâmbio – econômico ou cultural – com qualquer
outra região do Globo. Também se proibia a maioria das manufaturas, o que tornava
a colônia dependente dos manufaturados portugueses. Este conjunto de leis,
conhecidas por Pacto Colonial, garantiam o exclusivismo econômico das metrópoles
sobre suas colônias. As proibições, no entanto, se estendiam para além do campo
econômico.
Para garantir seu domínio, a metrópole portuguesa também não permitia a
criação de escolas de ensino superior e de tipografias em terras brasileiras. Estas
medidas pretendiam garantir a hegemonia portuguesa, evitando a competição com a
própria colônia e mantendo seus colonos em posição desfavorecida, facilitando
assim a sua subjugação. Assim se traçava o cenário comum à época das Grandes
Navegações, onde colonizar era o modus operandi das metrópoles frente às terras
recém descobertas.
A relação entre metrópole e colônia só se alteraria, de forma excepcional, a
partir de 1808. Embora o motivo da vinda da Família Real portuguesa para a colônia
brasileira seja tema de discussão, ora se argumentando em favor de um golpe
político, ora sendo entendida como motivada pela presença das tropas do general
francês Junot, um aspecto é inquestionável: o papel sem precedentes na mudança
de relações entre uma metrópole e sua colônia.
Este momento foi singular não apenas na história de Portugal e do Brasil, mas
na história mundial, por seu ineditismo. A transferência da corte portuguesa trouxe
consigo o fim de uma série de proibições e o início de um período transformador na
23

história do Brasil, que deixava seu posto de colônia de exploração e transformava-


se, agora, em lar da Família Real portuguesa.
As conseqüências acarretadas por esta mudança de status foram sentidas
imediatamente. Aportando em Salvador, na Bahia, e lá ficando por um breve
período, antes da viagem para o Rio de Janeiro, o príncipe regente Dom João de
Bragança – D. João VI de Portugal – logo assinou o Decreto de Abertura dos Portos
às Nações Amigas. Com o fim do isolacionismo, as influências – econômicas e
culturais – de diversas nações européias puderam começar a ser sentidas na
colônia.
Dentre as outras iniciativas do príncipe regente estiveram inclusas a criação
de diversas instituições que visavam tornar a colônia apta a servir de lar à Família
Real e sua corte, medidas que visavam a sua modernização e capacitavam-na à sua
própria proteção e desenvolvimento. Já é possível notar, portanto, a presença do
Estado – ainda português – na criação e financiamento de instituições de diversas
naturezas, como o Banco do Brasil (1808), a Tipografia Régia (1808), a Biblioteca
Nacional (1810), o Museu Real (1818) e o Observatório Nacional (1827).
As novas instituições trouxeram a demanda por profissionais especializados e
as recém fundadas escolas começaram a formar alguns destes profissionais no
próprio Brasil, eliminando a necessidade de se viajar para Portugal para adquirir
uma formação superior. Dessa forma, começavam a surgir os primeiros “homens de
letra” e intelectuais brasileiros. Essa elite cultural tinha por prática juntar-se em
sociedades ou associações. As sociedades científicas eram grupos formados por
figuras de eminência, que compartilhavam do interesse comum pela atividade
científica. Eram geralmente homens letrados, de boa posição social, que tinham na
leitura e discussão de manuais científicos uma forma de lazer e de obtenção de
status.
A presença de sociedades científicas que contribuíam para o financiamento
de museus era comum à época, assim como a nomeação de seus diretores como
sócios honorários e correspondentes. Por um lado, esta associação conferia “mérito
e reconhecimento a esses sócios e à sociedade que exibia seus nomes em suas
publicações” (LOPES, 2001, p. 62), enquanto ajudava na difusão das coleções
destes museus, “através de sessões, atas e publicações associadas à sociedade”
(idem, p. 61). Ainda segundo Lopes,
24

o fato de existirem sociedades que suportaram financeira e cientificamente


museus pode ser tomado como indicador de maior ou menor apoio das
comunidades locais a essas iniciativas, que completavam o quadro das
instituições necessárias ao desenvolvimento das Ciências Naturais, ao lado
das sociedades científicas (2000, p. 229).

Foram diversas as sociedades científicas atuantes no Brasil Oitocentista, nas


mais diversas áreas. Em 1829, nascia no cerne da Academia de Medicina do Rio de
Janeiro, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ). Visando o
desenvolvimento do ensino da medicina no Brasil e o fim do monopólio português
sobre a prática médica, a SMRJ focou seus esforços na publicação de revistas
médico-científicas. Estas publicações tinham por propósito divulgar os últimos
desenvolvimentos da medicina e familiarizar o público leigo com a sua prática.
Dá-se o nome de “vulgarização científica” a esta prática de instrução de um
público leigo acerca dos métodos e meios da ciência. O termo “vulgarização
científica” foi amplamente utilizado durante o século XIX, significando o mesmo que
“divulgação científica”, ou seja, especificamente a prática de difusão da ciência para
um público não familiarizado. Este termo “começou a ser mais frequentemente
utilizado no momento da institucionalização da ciência, que promoveu uma
mundialização dos valores e procedimentos científicos, constituindo-se num
processo de circulação transnacional e transcultural de difusão de novas idéias”
(VERGARA, 2008, p. 138). Seu uso, no Brasil, veio por influência dos livros
franceses, onde o vocábulo vulgarisation é utilizado até hoje.
No caso da SMRJ, o primeiro periódico vulgarizador publicado foi o jornal
Propagador das ciências médicas (1827-1828), seguido pelo Semanário de Saúde
Pública: pela sociedade de medicina do Rio de Janeiro (1831-1835). Transformada
em Academia Imperial de Medicina, a antiga SMRJ começa a publicar a Revista
Médica Fluminense (1835-1841), que mais tarde foi batizada de Revista Médica
Brasileira (1841-1845). Em 1845, a Academia passou a publicar nos Anais de
medicina Brasiliense: jornal da academia imperial de medicina do Rio de Janeiro
(1845-1849).
Além destas, existiram muitas outras publicações vulgarizadoras nas quais os
cientistas e homens letrados do Brasil Oitocentista publicaram. Em um rico trabalho
sobre o tema, Maria Margaret Lopes destaca algumas das publicações de maior
notoriedade no país, como: O Patriota, a revista Niterói, a terceira fase da Revista
Brasileira, a revista Guanabara, a Biblioteca Guanabarense, a Gazeta Médica, o
25

Arquivo Médico Brasileiro, Minerva Brasiliense, O Auxiliador, e a Revista do Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro. Podemos adicionar a este conjunto o periódico O
vulgarizador: jornal dos conhecimentos úteis, editado por Augusto Emílio Zaluar
entre os anos de 1877 e 1880. Zaluar, tido como o autor da primeira obra de ficção
científica brasileira, intitulada Dr. Benignus, foi um dos grandes vulgarizadores da
época, com sua publicação que pretendia “estar ao alcance de todas as
inteligências” (idem, p. 141). Nesta publicação, o foco era a modernização nacional
através da “formação de um pensamento genuinamente brasileiro” (VERGARA,
2007, p. 1), no qual se priorizava a publicação de obras literárias de autores
brasileiros e obras científicas de renomados cientistas brasileiros como João Batista
de Lacerda e João Barbosa Rodrigues. Outros cientistas que colaboraram com a
revista foram Charles Frederick Hartt e Orville Derby, ambos do Museu Nacional. O
médico Luiz Couty, que trabalhava no Laboratório de Fisiologia Experimental do
Museu Nacional, foi autor de um dos mais importantes trabalhos de vulgarização
científica no Brasil do século XIX quando, em 1879, publicou Os estudos
experimentais no Brasil, na Revista Brasileira. “Nesse artigo, Couty defendia a
necessidade de desenvolver uma ciência nacional para cuidar dos problemas do
país, como também sustentava a idéia de que, para obter apoio da sociedade para
suas atividades, o cientista deveria comunicar os seus avanços ao público em geral”
(idem, p. 141). As preocupações de Couty refletem, em âmbito brasileiro, a força da
prática de vulgarização que já circulava na Europa e nos Estados Unidos.
Durante todo o século XIX, encontramos uma relação de mutualismo entre as
camadas de intelectuais que formavam as sociedades científicas, os museus e as
publicações científicas de cunho vulgarizador. A comunidade científica brasileira que
se formava e se associava em sociedades científicas era composta por indivíduos
que, muitas vezes, estavam ligados aos museus de história natural. Eram estes
indivíduos interessados por ciência que partiam em expedições científicas, que
coletavam e analisavam espécimes e que depois os estudavam e conservavam nas
reservas técnicas. Interessados na divulgação de suas descobertas e na de seus
pares, publicavam em periódicos que circulavam pelo grande público e nos anais
dos museus onde trabalhavam. E entendiam o próprio museu como uma ferramenta
de vulgarização, utilizando seu espaço para as reuniões das sociedades e para a
montagem de exposições.
26

A Sociedade Auxiliadora de Indústria Nacional, criada em 1828 e


principalmente ligada à engenharia, foi outra associação de destaque que teve uma
relação muito próxima aos museus e ao Museu Nacional, em particular. Sobre o MN,
Maria Margaret Lopes comenta que “o museu manteve vínculos estreitos com
algumas das mais significativas instituições culturais e científicas do país, tais como:
a Academia de Belas-Artes, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, as Escolas Militar e de Medicina” (LOPES
apud GODOI, 2009, p. 3). Em parte, esta associação deve-se ao fato de que dois de
seus diretores foram membros associados à SAIN. Leopoldo César Burlamaque,
diretor do MN entre os anos de 1847 e 1866, ano de sua morte, não era apenas
sócio, mas secretário perpétuo da sociedade. Tendo assumido o cargo de diretor
após a morte de Burlamaque, Francisco Freire Alemão de Cisneiros, renomado
botânico brasileiro e um dos nossos maiores cientistas do século XIX, era membro
associado à Sociedade Auxiliadora e a diversas outras sociedades de intelectuais,
como a Academia de Medicina e a Academia Filomática do Rio de Janeiro, dentre
outras.
Em 1850, Freire Alemão foi um dos membros fundadores e presidente da
Sociedade Velosiana, que tinha como objetivos principais os estudos de botânica,
zoologia e mineralogia. Embora tenha durado apenas cinco anos, a sociedade teve
seu impacto no cenário científico brasileiro. Com suas reuniões nas dependências
do Museu Nacional e a publicação do periódico Biblioteca Guanabarense,
divulgavam não só novidades associadas às disciplinas as quais se propunha
estudar, mas também “tornariam público seus estudos sobre as coleções ali
existentes no Museu, bem como a história do próprio museu” (LOPES, 2001, p. 61).
A proximidade entre museus e sociedades científicas era tamanha que notamos a
atuação destas sociedades na criação de alguns dos museus Oitocentistas
brasileiros.
Em São Paulo, a Associação Auxiliadora do Progresso de São Paulo juntou
objetos visando formar uma coleção para o seu próprio museu. Embora pequena,
esta coleção juntou-se a outras, anos mais tarde, para dar origem ao Museu
Paulista. A coleção do Museu Paulista iniciou-se a partir de uma coleção particular.
O coronel Joaquim Sertório possuía um reconhecido gabinete onde, de acordo com
o geólogo norte-americano Orville Derby, podia-se colher “alguns fatos importantes
sobre a geologia da Província” (LOPES; FIGUEIRÔA, 2003, p. 27). Em 1890, o
27

prédio construído pelo Cel. Sertório e sua coleção foram comprados pelo
conselheiro Francisco de Paula Mayrink que, sem interesse na coleção, doou-a à
Comissão Geográfica e Geológica do Governo do Estado de São Paulo em 23 de
dezembro de 1890. Acrescidas dos objetos da coleção do Museu Provincial da
Associação Auxiliadora do Progresso de São Paulo e de outro acervo particular, de
um colecionador conhecido simplesmente como Pessanha, além de objetos do
naturalista Hermann Von Ihering, que viria a dirigir o museu, foi formada a primeira
coleção do Museu Paulista.
Mas, a princípio, o que se tornaria mais tarde o Museu Paulista começou
como uma coleção encostada à seção zoológica da Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo, onde trabalhava o geólogo estadunidense naturalizado
brasileiro Orville Derby. Segundo correspondência de Derby analisada por Maria
Margaret Lopes e Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa em A criação do Museu
Paulista na correspondência de Hermann Von Ihering (1850-1930):

o governo de São Paulo não está especialmente interessado nem em


estudos zoológicos nem no museu, considerando este último mais bem
como uma espécie de elefante branco [...] uma opinião com a qual eu
intimamente concordo. Ele consiste de uma coleção privada feita por um
‘curioso’ e vendida por ele junto com a casa para um rico especulador
durante o ‘boom’ [do café], o qual fez presente da coleção ao governo e
ficou com a casa. O governo não sabendo o que fazer com ela e não
desejando incorrer em despesa, ‘encostou’ o museu na Comissão, e eu
muito relutantemente aceitei o encargo a fim de preservar o que havia de
valor nas coleções e para manter viva a idéia de um museu, que no futuro
poderá se transformar em algo melhor (idem, p. 30).

Após um ano trabalhando como zoólogo da Comissão, Hermann Von Ihering,


naturalista teuto-brasileiro, conseguiu a mudança do estatuto da coleção para a de
Museu Paulista, o qual muito lhe agradava, pois ambicionava ser diretor de um
museu. E não apenas de qualquer museu, mas de um museu de proporções sul-
americanas, como indicado no regulamento de fundação do MP:

O caráter do Museu em geral será o de um Museu Sul-Americano,


destinado ao estudo do reino animal, de sua história Zoológica e da História
Natural e cultural do homem. Serve o Museu de meio de instrução pública e
também de instrumento científico para o estudo da natureza do Brasil e do
Estado de São Paulo, em particular (idem, p. 32).

Com a criação de seu pequeno museu provincial, a Sociedade Auxiliadora do


Progresso de São Paulo buscava um mecanismo institucional que permitisse ampliar
suas possibilidades de atuação, guardar e preservar sua coleção e exibi-la ao
28

público. O museu, portanto, era uma importante ferramenta para as sociedades


científicas que precisavam de um local para salvaguardar suas coleções, para
realizarem suas reuniões e para exibirem ao público suas pesquisas. Funcionava,
também, como amparo institucional que legitimava a prática destas sociedades.
Também é possível notar, a partir das correspondências de Orville Derby e
Hermann Von Ihering, a importância que estes cientistas davam às coleções e aos
museus. Apesar da falta de interesse do Estado de São Paulo, Derby aceitou a
responsabilidade de administrar a recém adquirida coleção, imaginando que esta
poderia fazer parte de um museu, que no futuro poderia “se transformar em algo
melhor”. Von Ihering também reconhecia a importância dos museus e, mais ainda,
ambicionava dirigir um. Assim, percebemos como os naturalistas Oitocentistas
estavam ligados aos museus e como havia uma relação de troca: criavam e dirigiam
museus que, por sua vez, funcionavam como o espaço necessário para que
praticassem suas pesquisas e desenvolvessem suas carreiras.
Outra sociedade ligada à criação de um museu foi a Sociedade Filomática de
Belém do Pará, criada em 1866. Neste caso, o próprio nome já esclarece sua
relação com as ciências. Significando “amigo das ciências”, o adjetivo filomático foi
amplamente utilizado durante o século XIX para batizar sociedades científicas pelo
mundo todo. A de maior destaque e, talvez, a primeira, foi a Societé Philomatique de
Paris, criada na França em 1788 e da qual participaram renomados cientistas como
Lavoisier, Fresnel e Pasteur. No Brasil, a sociedade filomática de maior destaque foi
a de Belém, criada pelo naturalista Domingos Soares Ferreira Penna. Natural de
Minas Gerais, Domingos Soares focava seu interesse científico no estudo da história
natural da região amazônica, assim como o fizeram diversos outros naturalistas
brasileiros e estrangeiros. A Sociedade Filomática de Belém foi o embrião do que,
em 1871, tornou-se o Museu Paraense, tendo Domingos Soares como seu primeiro
diretor. Os museus estavam fortemente associados à pesquisa científica, como
afirma Schwarcz, ao dizer que “no período que vai de 1870 a 1930, os museus
nacionais – o Museu Paulista, o Museu Nacional e o Museu Paraense de História
Natural – desempenharam importante papel como estabelecimentos dedicados à
pesquisa etnográfica e ao estudo das assim chamadas ciências naturais” (1993, p.
67).
Dentre as atividades realizadas por estes museus, a publicação de periódicos
vulgarizadores, que divulgavam as pesquisas sobre suas coleções, era uma das
29

mais freqüentes. O Museu Paulista, em 1895, lançou a sua publicação intitulada


Revista do Museu Paulista, onde o tema predominante eram as ciências naturais. A
partir da nomeação do naturalista e zoólogo suíço-alemão Emílio Augusto Goeldi
para a direção do Museu Paraense, em 1893, uma grande reforma foi feita e o
museu se voltou de forma ainda mais atuante para as ciências. Goeldi criou duas
revistas: a Memória do Museu Paraense e o Boletim do Museu Paraense, onde
“divulgou de forma ininterrupta, em mais de cem artigos científicos, principalmente a
produção de seus diretores sobre a Zoologia e a Botânica da região amazônica, mas
também, em menores proporções: as pesquisas sobre Geologia, Paleontologia,
Etnografia e Arqueologia” (LOPES, 2010, p. 63). Em 1894, a fim de argumentar a
favor de sua reforma que propunha uma atuação mais científica do museu, Goeldi
publicou um artigo no Boletim do Museu Paraense onde afirmava que “é preciso que
o museu cesse de ser uma repartição pública e se torne uma officina scientífica.”
(LOPES apud SCHWARCZ, 1993, p. 87).
Já no Museu Nacional do Rio de Janeiro, o grande responsável pela reforma
que tornou a instituição um local mais ativamente dedicado à ciência foi seu diretor
Ladislau Netto. Em 1870, Netto foi nomeado diretor-substituto do Museu Nacional,
sendo efetivado no cargo em 1876, pelo imperador D. Pedro II. Durante sua direção,
o museu passou por diversas reformas, sempre visando uma maior atuação
científica. Ele contratou os mais destacados naturalistas para trabalharem no museu
onde, na época, estava instalado o mais avançado laboratório científico do país.

Durante a gestão de Ladislau Netto, a instituição passou a contar com sua


publicação científica periódica, Archivos do Museu Nacional, primeira revista
científica duradoura no país, voltada exclusivamente às ciências naturais.
Tratava-se de uma estratégia clássica, usada ainda hoje pelas instituições
de pesquisa, para fazer intercâmbios com publicações internacionais.
(LOPES, 2010, p. 60).

Nesta publicação, o museu pretendia

dar conta de todas as investigações e trabalhos realizados no


estabelecimento, das notícias nacionais ou estrangeiras que interessarem
as ciências de que se ocupa o Museu, do catálogo de coleções mais
importantes, dos donativos feitos ao estabelecimento, e dos nomes dos
membros correspondentes [publicando] de preferência os trabalhos originais
do pessoal docente. (LOPES, 1993, p. 195).

A partir de extensa pesquisa para sua tese de doutorado, intitulada O que


nossos cientistas escreviam: algumas das publicações em ciências no Brasil do
30

século XIX, Rachel Pinheiro chegou à conclusão de que entre 1800 e 1900 houve
um aumento exponencial no número de publicações científicas na Europa. O Brasil
acompanhou esta tendência e

as publicações científicas no Brasil no segundo reinado eram valorizadas


como essenciais no fazer ciência pelos próprios naturalistas. [...] Em nada
alheios a esse movimento, aqueles que se dedicaram a implantar as
Ciências Naturais entre nós também se preocuparam com a divulgação
científica de seus trabalhos quer nos jornais diários, como era o costume,
quer em tentativas mais ou menos bem sucedidas de organização de
periódicos específicos vinculados às instituições de pesquisa do país.
(PINHEIRO, 2009, p. 1).

Ainda segundo a autora, “com um ponto todos concordavam, publicar era


preciso, e foram feitos grandes esforços para viabilizar a existência de revistas que
trouxessem em suas páginas a produção científica dos naturalistas da corte do
século XIX.” (idem, p. 26).
O término da proibição que não permitia ao Brasil ter tipografias
indubitavelmente facilitou o início da produção literário-científica na colônia. O século
XIX viu surgir diversas publicações, sobre as mais variadas temáticas, em todo o
território brasileiro. Através das publicações científicas, era possível aos nossos
naturalistas encontrarem outro espaço institucional de legitimação de suas práticas:
nas páginas dos periódicos com os quais colaboravam. Assim, não só legitimavam a
ciência que faziam, mas divulgavam-na para um público mais amplo. E não apenas
o público leigo poderia ter acesso a estes periódicos, mas também o público
internacional. A facilidade de se enviar estas revistas e periódicos para outros países
facilitou o intercâmbio internacional no campo das ciências e tornou-se prática
comum no século XIX. Era uma maneira de conectar cientistas de diferentes partes
do mundo que compartilhavam dos mesmos interesses de pesquisa e de se adentrar
na comunidade científica internacional, sendo possível, assim, cruzar os limites
físicos das instituições onde se trabalhava.
Os museus, caminhando pari passu com a prática científica, também fizeram
parte deste processo e produziram suas próprias publicações. A produção de anais,
nos quais seus funcionários publicavam sobre a história das instituições, suas
coleções e suas pesquisas mais recentes, e a produção de catálogos dos acervos e
das exposições tornou-se uma prática comum. Sobre a publicação de catálogos,
Lopes comenta que
31

vêm sendo os objetos mais importantes produzidos a partir das coleções


desde o século XVI. Nos catálogos, as coleções através de suas imagens e
descrições viajavam por territórios bem mais amplos que os salões
apertados dos museus. Assim impressas, as coleções alcançavam públicos
muito mais amplos do que aqueles que visitavam o museu, e ampliavam a
possibilidade de coletar, organizar e comparar. (LOPES, 2001, p. 60).

A comparação era especialmente importante em ciências como a Zoologia, a


Botânica e a Paleontologia, que se baseavam em métodos comparativos. Já sobre
os anais, a autora afirma que

para o final do século, a maioria dos museus latino-americanos em atividade


publicou regularmente seus Anales, mesmo que por vezes, para desgosto
de seus diretores, estes sofressem atrasos por conta de falta de verbas,
dificuldades de impressão de desenhos, fotografias, quando não mudanças
políticas na instituição ou no país. (LOPES, 2001, p. 61).

A prática da publicação integrava a comunidade científica internacional e os


diretores de museus, eles mesmos naturalistas e pesquisadores, estavam à frente
deste movimento. O envio e a troca constante de publicações era uma prática
comum, já que beneficiava a instituição que enviava suas publicações através da
divulgação de suas pesquisas, ao mesmo tempo em que enriquecia a biblioteca
daquela instituição que as estivesse recebendo. Além disso, os diretores e
funcionários de museus também costumavam publicar suas pesquisas nos
periódicos de outros museus, estreitando ainda mais os laços entre instituições que
tinham as mesmas preocupações científicas. Outra forma de intercâmbio entre estes
diretores de museu se dava através das constantes viagens que faziam para visitar
museus ou participar de reuniões científicas, exposições e pesquisas de campo.
Como explica Lopes,

Na verdade, esses intercâmbios foram em muitos casos determinados pelas


próprias relações que se estabeleciam entre os pesquisadores europeus
que viviam na América Latina; pelos ambientes naturais de estudos que as
fronteiras políticas entre os países não dividiam, bem como, pelos
interesses científicos que partilhavam. Os alemães de São Paulo, Buenos
Aires, Santiago mantiveram-se em contato constante. A flora, a fauna e a
mineralogia andinas uniram pesquisas no Equador, Peru e Chile. A
paleontologia das antigas conexões faunísticas fortaleceu os laços entre os
museus Paulista, de Montevidéu, Buenos Aires e Santiago. (LOPES, 2000,
p. 232).

O intercâmbio entre museus era, portanto, fundamental para o crescimento


das instituições. Em um artigo intitulado Cooperação científica na América Latina no
final do século XIX: os intercâmbios dos museus de ciências naturais, Maria
32

Margaret Lopes investiga os laços de amizades entre os diretores de museus latino-


americanos e os benefícios que estas redes de cooperação traziam para suas
instituições. A autora destaca que, em toda a América Latina, os diretores de
museus formavam redes de troca de informações e objetos. A troca de coleções era
importante, pois permitia aos museus preencherem espaços vazios em suas vitrines,
enriquecerem suas mostras e completarem a montagem de ossadas. “Longas
séries, peças e esqueletos completos foram fundamentais para atrair o público que
se supunha incapaz de compreender o todo de um animal ou de uma cultura,
apenas pela observação dos fragmentos, que bastavam aos especialistas
(Podgorny, 1995).” (LOPES, 2000, p. 230). É célebre o caso em que Hermann
Burmeister, zoólogo e entomólogo alemão que dirigiu o Museu de La Plata, na
Argentina, veio ao Brasil unicamente para acompanhar a montagem de um
esqueleto fóssil de Scelidotherium, que doara ao seu amigo Ladislau Netto, diretor
do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Sobre a doação do diretor argentino, Lopes
(2001, p. 65) comenta que “o esqueleto bem armado foi admirado repetidas vezes
pelo imperador brasileiro D. Pedro II, que visitou o museu acompanhado de todo a
Família Imperial, inclusive de seus netos”. Igualmente, “do Rio de Janeiro, foram
borboletas para Buenos Aires. Abelhas e insetos de todo o tipo ‘voavam’ desde São
José da Costa Rica até São Paulo, Buenos Aires, Valparaíso e Montevidéu.”
(LOPES, 2000, p. 230).
Alguns especialistas nestes museus tornavam-se conhecidos por
pesquisarem determinado tipo de acervo, o que fazia com que os museus latino-
americanos em rede enviassem para classificação todo o tipo de acervo que fizesse
parte da especialidade de um determinado naturalista. Assim, estudos de
arqueologia americana focavam-se no Museu do México, enquanto os estudos sobre
as origens da “raça” americana concentravam-se nas mãos de Florentino Ameghino,
paleontólogo argentino. No Brasil, Hermann Von Ihering, do Museu de São Paulo,
era um conhecido especialista na classificação de conchas de moluscos fósseis ou
viventes. Para permitir toda esta troca de coleções e informações, estes diretores e
especialistas de museus costumavam trocar inúmeras correspondências. De acordo
com Lopes e Figueirôa (2002, p.24),

As cartas eram um importante veículo do qual interessados de


diferentes ordens abriam seu caminho no mundo das ciências e das
relações internacionais, seja buscando emprego para si, ou para algum
33

conhecido; conquistando status diante de um colega e/ou eventual


colaborador, checando informações antes de suas publicações, etc.
Tratava-se de estratégias de afirmação pessoal e institucional, constituindo
uma privilegiada forma de sociabilidade e de consagração na comunidade
científica.

Mas as publicações constituíam apenas uma das facetas da atividade


científica praticada pelos museus de história natural. No Museu Nacional, além das
publicações, também eram ministradas conferências públicas com o propósito de
instruir o público leigo sobre o que se havia descoberto de mais recente no campo
científico internacional. Inicialmente batizado como Museu Real, quando de sua
criação por D. João VI em 6 de junho de 1818, o museu começou a partir da junção
de diversas coleções. A primeira destas coleções veio da Academia Militar do Rio de
Janeiro, que contribuiu com uma coleção mineralógica, antes pertencente ao
mineralogista alemão Abraham Werner. A Casa dos Pássaros, um dos primeiros
gabinetes de curiosidades do país, fundado pelo vice-rei Dom Luís de Vasconcelos,
contribuiu com sua coleção de aves empalhadas. O próprio rei D. João VI contribuiu
com objetos de madeira, mármore, prata, marfim e coral, além de uma coleção de
pinturas a óleo. Juntando-se estas coleções e algumas outras provindas de
instituições menores, formou-se a primeira coleção do MN.
Schwartzman (2001, p. 55) afirma que

À medida que o século progredia, o Museu Nacional se tornou um centro


científico, onde os naturalistas europeus se reuniam ao chegar ao Brasil.
Ludwig Riedel, que veio em 1820 para juntar-se à expedição científica de G.
I. Langsdorff, serviu durante algum tempo como chefe da seção botânica do
Museu; Friedrich Sellow, que viajou também ao Brasil por sugestão de
Langsdorff, percorreu o interior comissionado pelo Museu. Fritz Müller, cuja
obra Für Darwin é considerada uma contribuição à teoria da evolução, foi
durante muitos anos um naturalista viajante do Museu. Outros nomes
memoráveis associados ao Museu Nacional incluem Hermann Von Ihering e
Émil Göldi. Servindo como naturalista viajante para o Museu depois de
chegar da Alemanha, Von Ihering tornou-se o fundador e primeiro diretor do
Museu Paulista, em 1894. Göldi juntou-se ao Museu Imperial como
assistente da seção zoológica e mais tarde foi convidado a organizar o
Museu do Pará, que hoje traz o seu nome.

Foi criado, assim, um museu de caráter enciclopédico, seguindo o modelo de


grandes museus europeus, como o Museu de História Natural de Paris, símbolo da
modernização e do progresso.
A importância do Museu Nacional para a implantação, institucionalização e
desenvolvimento das Ciências Naturais no Brasil é irrefutável, já tendo sido objeto
de ampla pesquisa. Desta vasta bibliografia, podemos destacar alguns textos
34

referenciais que muito esclarecem sobre o papel desta instituição, como a tese de
doutorado de Maria Margaret Lopes, intitulada As ciências naturais e os museus no
Brasil no século XIX, o artigo O Museu Nacional e o ensino das ciências naturais no
Brasil do século XIX, de Magali Romero Sá e Heloísa Maria Bertol Domingues e o
livro O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil.
1870-1930, de Lilia Moritz Schwarcz, só para citar alguns exemplos.
O MN tinha papel de destaque não apenas em âmbito nacional, mas era
também reconhecido internacionalmente e sua extensa e variada coleção continha,
segundo Lopes (2010, p. 60)

mais de 300 aves, 1.200 minerais, medalhas, moedas e maquinário da


Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Reunia antiguidades egípcias
e greco-romanas. Possuía um laboratório de Química, coleções
mineralógicas internacionais de referência para investigação e coleções de
todo o Império português. [...] O Museu Nacional funcionou ao longo do
século XIX como um órgão consultor dos governos para pesquisa em
Geologia, mineração e recursos naturais. Em suas seções e laboratórios
eram analisadas inúmeras amostras que chegavam de todas as regiões do
país, como carvão, minerais, plantas, animais, esqueletos humanos de
indígenas ou escravos de diferentes nações para estudo das raças, bem
como ossadas fósseis de enormes mamíferos desconhecidos.

Já no decreto de sua criação, a missão do museu estava estabelecida como


“propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil.”
(SÁ; DOMINGUES, 1996, p. 79). Desde sua gênese, portanto, o MN foi pensado
como um espaço gerador e divulgador da prática científica e assim atuou e
contribuiu para a atuação de outras instituições científicas. O museu permitia, por
exemplo, que escolas e faculdades utilizassem seu espaço para a realização de
aulas, onde o uso das coleções, equipamentos e laboratório do museu certamente
contribuía para a formação para a ciência. A Academia Militar e a Academia de
Medicina, por exemplo, ministravam suas aulas no amplo auditório do museu, com
capacidade para 121 cadeiras. A partir de 1875, o Museu Nacional iniciou uma
prévia do que se transformou em seu próprio programa de aulas, conhecidas como
os “Cursos Públicos do Museu Nacional”. Nestes cursos gratuitos, ministrados pelos
diretores, vice-diretores e chefes das seções do museu, versava-se sobre os mais
diversos temas científicos. “Neste sentido parece importante registrar a participação
do Museu Nacional no processo de divulgação científica e instrução popular que
ocorreu no final do século XIX e que, apesar de sua curta duração, marcou um
significativo momento não só no estudo da história natural no Brasil, como também
35

para a própria história do Museu Nacional.” (idem, p. 80). O Museu Nacional


permitia, também, o acesso de mulheres aos seus cursos públicos. Esta atitude, por
si só, expressa o caráter vanguardista do museu, já que, às mulheres, só foi
permitida a entrada em programas de ensino superior a partir de 1879.
Embora os cursos públicos já estivessem previstos no regulamento do museu
desde 1842, só começaram a ser implantados em 1875. Quando Ladislau Netto
assumiu a direção do museu e tentou reativar o antigo laboratório de química
através de verbas do Ministério da Agricultura – ao qual o museu estava
subordinado – recebeu a cobrança, pelo ministro, de que os cursos fossem
implantados. Preocupado com a formação para a ciência, Ladislau Netto há muito
vinha tentando sensibilizar a classe política para a relevância da atuação do Museu
Nacional como instituição geradora de conhecimentos científicos em nível nacional e
internacional. A partir da cobrança do ministro, Netto iniciou o programa de cursos
públicos, lecionando ele mesmo um curso em botânica. Entre 06 de julho e 07 de
outubro daquele ano, foram ministradas “4 palestras sobre botânica, 4 sobre
zoologia, 2 sobre arqueologia e etnografia e 1 sobre mineralogia. [...] A repercussão
junto ao público e à imprensa foi extremamente favorável, tendo deixado Ladislau
Netto entusiasmado com essa nova função do museu.” (SÁ; DOMINGUES, 1996, p.
82). Os cursos públicos passaram, então, a ser uma das principais preocupações do
diretor do museu e abrangiam disciplinas como botânica, agricultura, geologia,
biologia, mineralogia, antropologia e zoologia. Sua repercussão junto à imprensa da
época foi tão favorável que, em uma nota no Jornal do Commercio de 10 de março
de 1876, reproduzida por Magali Romero Sá e Heloísa Maria Bertol Domingues
(1996, p. 82), lê-se:

estes cursos, de que já houve um ensaio no ano passado, são destinados à instrução
das classes estranhas ao estudo da história natural, das senhoras, dos homens de
letras, dos empregados públicos, do povo, enfim, que poderá utilizar deste modo uma
hora desocupada da noite em proveito de sua instrução.
[...]
os nomes do pessoal encarregado do ensino do museu dispensam-nos de dizer o
que esperamos de tão importante instituição, em favor do público e da instrução
superior do país

Um dos objetivos dos cursos era, portanto, estar ao alcance do grande


público não familiarizado com a ciência. Para isso, as aulas contavam com material
didático variado, aproveitando-se dos espécimes do museu e, segundo aponta o
36

Jornal do Commercio de 27 de outubro de 1876, até mesmo um projetor de imagens


foi utilizado em uma das preleções do naturalista Charles Frederick Hartt. O Museu
Nacional foi, portanto, pioneiro na alfabetização científica da sociedade em seus
cursos que procuravam sempre trazer ao público os mais avançados conceitos das
diversas disciplinas científicas. Seus palestrantes tinham a oportunidade única de
expor e defender novas teorias, como a teoria evolucionista de Charles Darwin,
apresentada ao público pelo Dr. João Joaquim Pizarro (que foi dirigente do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro entre 1902 e 1903). Em suas aulas sobre o
evolucionismo, Pizarro, “como excelente orador que era, costumava escandalizar o
auditório durante as suas preleções sobre a ‘Teoria da Evolução’, enfatizando as
semelhanças entre o homem e o macaco.” (idem, p. 84).
A popularidade dos cursos fazia com que membros das mais altas classes
sociais se interessassem por comparecer. Professores, deputados, senadores,
damas da alta sociedade e até mesmo o Imperador D. Pedro II costumava
freqüentar as aulas para ouvir sobre os diferentes ramos das ciências naturais. A
presença do Imperador, sempre interessado em acompanhar o desenvolvimento dos
estudos científicos na Corte, ajudava a incitar a curiosidade do público e muitos
compareciam às aulas apenas para verem o Imperador pessoalmente. Para
Schwartzman (2001, p. 58),

O apogeu da ciência imperial foi marcado pela presença ativa do próprio


Imperador em todos os assuntos relacionados com a ciência, a tecnologia e
a educação. Fazendo papel de mecenas, o interesse de Dom Pedro II pelas
ciências o levou a buscar a companhia de cientistas, tanto no Brasil como
no exterior, e a participar de todos os acontecimentos culturais e científicos
mais importantes do país.

O Imperador Dom Pedro II teve um papel de grande importância para o


financiamento de atividades científicas no Brasil. Após atingir a maioridade e ocupar,
de fato, seu papel na política brasileira, D. Pedro II dá início a criação de uma
política cultural no país, procurando buscar o que poderia ser reconhecido como
cultura brasileira e pretendendo forjar uma memória desta nação. Suas ligações com
as instituições culturais e científicas brasileiras são bem reconhecidas, sendo
notável o fato de que esteve presente em um total de 506 sessões do IHGB, de
onde só se ausentava por motivo de viagem. Em comparação, D. Pedro II
compareceu a mais reuniões do IHGB do que às sessões da Câmara, onde só
costumava estar presente duas vezes ao ano, para iniciar e encerrar os trabalhos.
37

Estudando a participação do imperador nas instituições culturais, Lilia Moritz


Schwarcz afirma que:

O Museu Nacional, por exemplo, além de ter sua origem ligada à política de
um monarca português no Brasil, que lidava com as vicissitudes de um
Império que se transferia para a colônia, até o último quartel do século XIX
se sustentava enquanto um projeto bastante associado ao Estado Nacional
e, em especial, à figura do Imperador. (SCHWARCZ, 1993, p. 90).

Foi assim que Pedro II estabeleceu sua imagem de mecenas das ciências,
tendo mesmo proferido, em uma das sessões do IHGB, a seguinte máxima: “A
ciência sou eu”, em alusão ao dito de Luís XIV. Com esta afirmação, o Imperador
tomava seu posto como patrono da atividade científica brasileira.
Os cursos públicos do MN, no entanto, tomavam muito do tempo dos
diretores e vice-diretores da instituição, que também tinham de cumprir suas
obrigações de pesquisadores. Por esta razão, o caráter regular dos cursos não
durou muito tempo. Logo, Ladislau Netto promoveu outra reforma em que destituía a
regularidade dos cursos e alterava o status das preleções para o de “conferências
extraordinárias”. Os cursos só foram novamente retomados de forma regular em
1911, já durante o período republicano, pelo então diretor João Batista de Lacerda.
A função educativa dos museus era tomada como de grande importância, tendo
Lacerda escrito, já em 1905, em seu livro sobre a história do Museu Nacional, que:

os museus não são unicamente destinados a exibir coleções, mais ou


menos bem coordenadas e classificadas. Eles visam também instruir o
público com o auxílio dessas coleções, e a maneira de tornar efetiva essa
instrução, baseada no conhecimento prático dos objetos, é dá-la mediante
conferências públicas. (LACERDA apud SÁ; DOMINGUES, 1996, p. 86).

Com os cursos tendo bom andamento, o ministro da agricultura concedeu,


portanto, ao MN a revitalização de seu laboratório. Fundado em 1880, o Laboratório
de Physiologia Experimental foi o primeiro laboratório deste tipo no país e lá foram
realizados os primeiros estudos com venenos de animais, de plantas, do álcool da
cana de açúcar, do café, das doenças dos homens e dos animais, de fisiologia
cerebral e do clima. Sobre o seu laboratório, o Jornal do Commercio registrou, em 2
de março de 1880:

Desde que o Museu Nacional deixou de ser mero repositório de coleções para tornar-
se, na forma do seu regulamento, propagador doutrinal das Ciências Naturais, era lhe
indispensável um laboratório. Tratando de o estabelecer o Sr. Ministro da Agricultura
presta distinto serviço a um ramo de estudos a que é de todo o ponto necessário dar
38

entre nós o máximo desenvolvimento. Com os seus cursos orais, com a sua revista e
dentro em pouco com o auxílio de seu laboratório, o Museu Nacional pode constituir-
se em um foco de ativa propaganda das Ciências Naturais. Os bons resultados desta
impulsão não precisam em nosso tempo ser encarecidos, mormente em um país,
como o nosso em que tão vasto e inexplorado campo se depara a investigação
científica. (Jornal do Commercio apud LOPES, 1993, p. 178).

Sob a direção de Louis Couty e, posteriormente, de João Batista de Lacerda,


o laboratório do MN foi berço de diversos desenvolvimentos científicos e de aulas da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Já no início do período republicano, o
laboratório foi desanexado do museu e rebatizado como Laboratório de Biologia do
Ministério da Agricultura, passando a realizar pesquisas mais relacionadas aos
interesses econômicos do governo, como o estudo das doenças que atacavam os
animais pastoris.
O Museu Nacional também esteve envolvido com as grandes exposições
realizadas durante o século XIX. Foi a partir do século XVIII que países como França
e Inglaterra começaram a realizar espetaculares feiras, onde o objetivo era mostrar o
que se produzia de melhor, em uma exibição de progresso e modernidade. A partir
de 1851, estas feiras tornaram-se grandes exposições internacionais, contando com
a participação de representantes de todos os continentes. Na primeira exibição
internacional foram estabelecidas quatro categorias que perdurariam durante as
próximas mostras. Os produtos eram divididos em: manufaturas, maquinário,
matéria-prima e belas-artes.

A partir da terceira exposição universal – Londres, 1862 – o Brasil foi


presença cativa. [...] Na verdade, para a concepção do estande que iria
representar o Brasil nos certames estrangeiros, havia toda uma sistemática
interna que garantia a qualidade do pavilhão nacional. Em primeiro lugar,
cada província realizada suas feiras prévias e os produtos então escolhidos
eram enviados para uma mostra nacional, onde seriam selecionados para a
feira mundial. Só então é que o Brasil estava pronto para apresentar uma
exibição fora de seu território. (SCHWARCZ, 1998, p. 393).

Utilizando-as como uma ferramenta para projeção política, o imperador D.


Pedro II patrocinava diretamente estas mostras, distribuindo prêmios para os
produtores de maior destaque. Segundo Schwarcz, “a presença constante do Brasil
diz muito do esforço do imperador e das elites da corte para veicular uma imagem
diversa desse país distante, agrícola, monárquico e escravocrata, mas que queria se
ver representado como uma nação moderna e cosmopolita.” (idem, p. 397). Os
museus, por sua vez, também estavam ligados à prática das exposições. O Museu
Nacional, por exemplo, se envolveu na preparação da Primeira Exposição Nacional,
39

preparatória para a Exposição Universal de Londres, de 1862. Contando com


objetos levados para o museu por membros de expedições científicas, o museu foi o
responsável pela organização da exposição. Aproveitando-se de sua vasta coleção
e de seus profissionais qualificados, o MN esteve envolvido com diversas destas
exposições. Em 1876, para a Exposição Universal da Filadélfia, Charles Frederick
Hartt foi o encarregado do museu para organizar a coleção de minerais que
representaria o Brasil. Além de organizar as coleções, os membros do museu
também viajavam para os locais das exibições, onde atuavam como representantes
do Brasil, como fez o diretor Ladislau Netto na Exposição Universal de Chicago, em
1892.
Não foi apenas com as Exposições Internacionais que o Museu Nacional
ganhou destaque. Em 1882, Ladislau Netto juntou recursos e organizou a Exposição
Antropológica Brasileira, primeira do gênero na América do Sul, uma das mais
importantes exposições montadas no Brasil da época e que constituiu um marco
para o MN e para a carreira de Netto, cujo esforço foi reconhecido com a
condecoração da Ordem da Rosa, concedida pelo Imperador D. Pedro II. Sobre esta
exposição, Netto veio a dizer:

Estava no interesse intelectual do Brasil e era de seu estrito dever colocar-


se na primeira linha das nações americanas que mais a peito
empreenderam o estudo das gerações, a quem antes de Colombo fora por
séculos sem conta, avassalado este vasto continente. E o Museu Nacional,
paladino das Ciências Naturais no Império Brasileiro, devia caber tamanha
glória. (NETTO apud LOPES, 1993, p. 188).

Analisando a importância desta exposição, Lopes argumenta que nela

foi exibida a singularidade nacional com que Netto esperava inserir o Brasil
no mundo científico internacional. O que se pretendia expor e o que unia os
conteúdos das diversas vitrinas era o papel original que cabia ao Museu
Nacional do Rio de Janeiro cumprir na construção do imaginário do Império
brasileiro e no panorama das ciências universais. A Exposição
Antropológica Brasileira destacava as investigações da particularidade local,
ainda não completamente estudada – as origens da ‘raça’ brasileira.
(LOPES, 2001, p. 64).

Com mais de 1.000 visitantes durante os três meses em que esteve aberta ao
público, esta exposição foi um dos grandes orgulhos de Ladislau Netto, que tinha
planos para realizar uma segunda exposição antropológica, que nunca chegou a ser
realizada.
40

Em todas estas atividades – publicações, exposições, cursos públicos – os


museus estavam contribuindo com a educação pública sobre questões científicas,
marcando seu papel no panorama científico internacional. O médico e zoólogo
William Henry Flower, que dirigiu o Natural History Museum, na Inglaterra, publicou
um artigo intitulado The museums of natural history em que
“inicia seu discurso fazendo uma revisão da origem e da evolução dos
museus e assinalando a importância de sua transformação em espaços
públicos vinculados ao Estado, o que lhes conferiria um novo papel no fim
do século XIX: colaborar com a educação e com a investigação científica. A
importância dada a essa dupla função dos museus é central no discurso de
Flower. [...] ...pesquisa científica e educação constituíram de fato a
articulação [...] que marcou o mundo dos museus de ciências naturais na
transição para o século XX (Sheets-Pyenson, 1988; Lopes, 2003).” (LOPES;
MURRIELLO, 2005, p. 21).

Para Lopes e Murrielo, o artigo de Flower é demonstrativo de uma verdadeira


tendência na ação museológica Oitocentista. As autoras concluem que

os comentários sobre as concepções de ciências e educação dos


construtores de museus da transição para o século XX evidenciam o quanto
a pesquisa científica, os rumos que tomavam a história natural e as
exigências em torno da necessidade de ampliar o alcance na educação
popular foram dimensões inseparáveis das funções que se atribuíam aos
museus no novo século (idem, 2005, p. 28).

A ciência Oitocentista, por sua vez, era uma ciência que extrapolava os limites
físicos dos museus, dos gabinetes científicos e dos laboratórios e percorria
livremente o território brasileiro, ainda inexplorado, em busca dos seus objetos de
estudo. Durante o século XIX, a ciência era uma ciência viajante.
41

CAPÍTULO 2
A ciência viajante

“Homem de ciência, é só de ciência, nada o consterna fora da


ciência.” – Machado de Assis, através de Simão Bacamarte,
personagem da novela O Alienista, 1882.
42

Diferente da ciência contemporânea – alocada em grandes laboratórios


esterilizados por cientistas com grandes jalecos brancos –, a ciência Oitocentista
pode ser adjetivada de ciência viajante. Isto porque a prática da ciência não se
limitava apenas às salas das instituições científicas. Havia, sim, uma ciência de
gabinete, onde homens de ciência analisavam os espécimes que recebiam e os
comparavam com o que já fora descrito anteriormente em livros e enciclopédias. No
entanto, para que o cientista de gabinete tivesse material com o qual trabalhar, era
necessário, primeiro, que alguém se aventurasse até áreas inexploradas do território
para a coleta de amostras. E este papel cabia ao cientista viajante, aquele bravo e
indômito naturalista que formava, com os recursos que conseguia reunir, as
comissões de exploração que saiam para desbravar novos territórios. Para o
cientista de gabinete, o viajante era visto como um coletor, cujas coleções eram
essenciais para a história natural e as viagens eram uma etapa essencial para a
transformação da natureza em ciência.
O século XIX foi, portanto, um período fértil para expedições de exploração,
de onde podemos citar exemplos como a expedição do capitão James Cook e do
botânico Joseph Banks, patrocinadas pela Royal Society de Londres; as expedições
de Lewis e Clark com a índia Sacajawea pelo território norte-americano; ou a famosa
expedição da qual participou Charles Darwin a bordo do navio HMS Beagle.
Considerava-se a viagem para desbravar e conhecer como uma empreitada de valor
único, tanto que a partir de 1833 começa a ser publicado o Bibliothèque Universelle
des Voyages, que se pretendia uma enciclopédia sobre todas as viagens realizadas
ao longo da história. Nesta publicação, seu editor afirma:

As viagens são a escola do homem, ele não dá um passo sem aumentar os seus
conhecimentos e ver recuar diante de si o horizonte. À medida que avança, seja
através de observações próprias, seja lendo os relatos de outros, ele perde um
preconceito, desenvolve o espírito, apura o gosto, aumenta a sua razão,
acostumando-se ao altruísmo. E tanto por necessidade quanto por justiça em relação
à humanidade, sente-se cada vez impelido a se tornar melhor, dizendo a si mesmo
segundo o filósofo inglês Tolland: o mundo é a minha pátria, e os homens são meus
irmãos. (apud GUIMARÃES, 2000, p. 389).

Mantido isolado do mundo pelas políticas protecionistas da coroa portuguesa,


o Brasil ainda possuía muito a ser explorado. A importância dada à ciência e ao
estudo das culturas primitivas motivou um sem número de viagens pelo mundo. “A
natureza das novas terras criava um surto de expedições e descrições da flora, da
43

fauna, da geologia, da mineralogia, da antropologia e de vários outros temas que


aguçavam a sede de conhecimento dos europeus da era da revolução científica.”
(FIGUEIRAS, 1990, p. 223). E não foram poucos os naturalistas estrangeiros que,
encantados pelos mistérios da terra brasilis, se aventuraram desde além-mar para
aqui fazerem suas pesquisas. Não é exagero afirmar que no Brasil, até meados do
século XIX, a maior parte da ciência era feita por naturalistas viajantes, que para cá
vinham com o intuito de coletar espécimes e enviá-los à Europa para estudo.
Quando Figueiras analisa as origens da ciência no Brasil, afirma veementemente
que:

Dezenas de naturalistas estrangeiros acorreram ao país após a chegada do


Regente. Isto se intensificou após o casamento do herdeiro com a
Arquiduquesa austríaca Leopoldina, em 1817. A futura imperatriz era uma
devotada naturalista e encorajava as mais variadas expedições por toda a
extensão do Brasil. Entre estas expedições, podem-se citar as de
Maximilian, Príncipe de Wied-neuwied, que publicou em 1820 sua ‘Viagem
ao Brasil’, seguida de uma grande obra sobre a ‘História Natural do Brasil’, a
de Auguste de Sainte-Hilaire (1816-22), que escreveu vários livros sobre as
suas observações, a do cônsul russo Barão Langsdorff, e acima de todas a
expedição de Carl Friedrich Von Martius e Johann Baptist Von Spix, que
cruzaram extensamente o país entre 1817 e 1820, publicando
posteriormente vários relatos. Martius passou o resto da vida dedicado a
publicar sua gigantesca ‘Flora Brasiliensis’, em 40 volumes, só terminada
em 1906, 38 anos depois de sua morte. (FIGUEIRAS, 1990, p. 228).

Um dos maiores proponentes da ciência viajante foi o naturalista alemão


Alexander Von Humboldt, que defendia que mesmo “impressões estéticas
experimentadas pelo viajante em cada região fazem parte da própria atividade
científica e não podem ser substituídas por descrições ou amostras destacadas dos
lugares onde foram coletados.” (KURY, 2001, p. 865). Para assegurar o registro
destas impressões estéticas, era de praxe que cada comissão exploradora contasse,
além de seus naturalistas, com um artista. Os artistas viajantes que acompanhavam
as viagens de exploração tinham por objetivo registrar as paisagens encontradas, os
espécimes vistos e ilustrar, sempre que possível, os relatos e descrições feitos pelos
naturalistas. Durante o século XIX, este trabalho iconográfico fazia parte da atividade
científica, onde imagem e texto se articulavam para garantir a apreensão da
totalidade dos lugares visitados e dos espécimes vistos. Estas imagens, produzidas
por pintores como Debret, Rugendas, Louis de Choris, Thomas Ender ou Adrien
Taunay, compõem um conjunto imagético sobre o Brasil onde é possível
compreender o olhar do naturalista sobre a natureza, do homem europeu sobre o
44

indígena. Ao analisar a iconografia produzida por estes artistas, Lorelai Kury afirma
que
a iconografia resultante das viagens científicas do século XIX costuma
representar cenas consideradas típicas da vida nos trópicos, onde a
natureza e os indígenas têm papel preponderante. O pintor Louis de Choris,
que passou pelo Sul do Brasil em 1815, procurou retratar traços naturais e
humanos no interior de um mesmo conjunto. Em uma das poucas
ilustrações que fez sobre o Brasil, insere em uma paisagem de Santa
Catarina, pássaros, répteis, plantas, relevo local e o que seria um brasileiro
típico. Diversos naturalistas incluem em suas obras cenas que retratam a
relação dos homens com a natureza. [...] Os momentos retratados são
especiais, únicos e típicos ao mesmo tempo. Únicos, porque foram vividos e
observados pelo próprio viajante ao longo de suas andanças. Típicos,
porque os fenômenos descritos ocorrem ali sempre sob as mesmas
circunstâncias. [...] A iconografia e os relatos de viagem buscam, assim,
descrever de modo exaustivo e profundo os diversos elementos que
compõem cada lugar. (idem, p. 869).

Além dos artistas, as comissões de exploração também contavam com uma


gama de outros especialistas. Aos cartógrafos cabia a descrição e produção de
mapas sobre as regiões que estavam sendo exploradas; aos taxidermistas, a
conservação dos espécimes coletados durante a viagem; aos botânicos, a coleta e
descrição dos espécimes de flora; aos antropólogos ficava relegada a tarefa de
realizar estudos sobre a língua e cultura das diferentes etnias indígenas com as
quais se costumava deparar. Juntos, estes viajantes – cada um com a sua tarefa –
desbravaram o território do interior do Brasil a procura de novas descobertas
científicas. Segundo Maria Margaret Lopes, “seguindo o modelo humboldtiano, em
meados do século XIX, as viagens científicas foram reinventadas como
empreendimentos transdisciplinares de coleta de dados e de novos desenhos de
conhecimentos e desenvolvimento político e econômico dos estados nacionais.”
(LOPES, 2009, p. 51). A autora analisa também a importância destas viagens para
as carreiras dos naturalistas e afirma que a expedição científica constituía-se em
uma parte intrínseca à formação destes homens de ciência Oitocentistas, em parte
integrante da consolidação de diversas disciplinas e, também, constituíam parte das
missões dos museus. “Ritos de passagem para aqueles que almejavam a
consolidação de suas carreiras, as viagens foram também missões precípuas dos
museus de história natural.” (idem, p. 52).
Dentre as expedições mais notórias que cruzaram o território brasileiro
durante o século XIX, podemos citar a expedição patrocinada pelo czar russo
Alexandre I e por autoridades do governo brasileiro e comandada pelo cônsul
alemão, o barão Georg Heinrich Von Langsdorff. Ela contava com quatorze
45

exploradores: o botânico Ludwig Riedel, o zoólogo Edouard Ménétriès, o astrônomo


Néster Rubtsov, os artistas Johann Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e
Hercules Florence, os caçadores Bento Caetano, João Caetano e Roberto Vieira, os
guias Antonio Lopes Ribeiro e Gabriel Ribeiro, o piloto José Pereira da Silva, o
empregado João, negro liberto e um escravo de nome Alexandre. Durante a
expedição, outras pessoas foram contratadas quando se via a necessidade de mais
trabalhadores como carregadores ou remadores e mesmo a esposa de Langsdorff,
Wihelmine Von Langsdorff, juntou-se à expedição por algum tempo, até descobrir
que estava grávida.
Partindo da Fazenda da Mandioca, em Magé, no Rio de Janeiro, a expedição
alemã passou oito anos percorrendo extensivamente o território brasileiro passando
por locais como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Pará. Durante este
período, os artistas da expedição produziram um total de mil aquarelas e desenhos
retratando espécimes coletados e aspectos da paisagem brasileira. Foram também
produzidos cerca de 36 mapas e plantas das cidades percorridas, coletados cerca
de mil aves empalhadas, quase cem mil exemplares botânicos, uma coleção
dendrológica (estudo de madeiras de plantas lenhosas) com cerca de cinco mil
objetos, cerca de cem objetos coletados de tribos indígenas, além de mais de quatro
mil páginas de manuscritos com dados sobre geografia, botânica, zoologia,
medicina, economia, etnografia e lingüística. De todo este rico acervo, nada
permaneceu no Brasil, tendo sido todas as coleções encaminhadas à Rússia, onde
ficaram desaparecidas até 1930, quando foram encontradas nos porões do Museu
do Jardim Botânico de São Petersburgo. Atualmente, as coleções formadas pela
expedição encontram-se espalhadas pelos diversos institutos da Academia de
Ciências de São Petersburgo e pelo Arquivo Naval Russo.
Com este exemplo, observamos uma característica muito comum às
expedições estrangeiras que vinham ao Brasil: as coleções formadas por estes
naturalistas viajantes eram comumente enviadas à Europa e jamais retornavam ao
solo brasileiro. Muitos foram os governos de países europeus que mandaram para
as terras brasileiras os seus melhores naturalistas, com a intenção de coletar
espécimes representativos da mineralogia, fauna e flora aqui presentes, para que
fossem estudados em solo europeu. O interesse destes governos, naturalmente, não
se limitava somente ao escopo da ciência, pois, especialmente no caso de novos
achados mineralógicos, não apenas a ciência seria privilegiada, mas também a
46

economia. Novas terras significavam, também, possibilidades para novas riquezas a


serem exploradas e convertidas em bens econômicos. Neste processo, muitas foram
as coleções formadas com espécimes tipicamente brasileiros, que uma vez enviadas
para outros países, nunca mais voltaram aos seus territórios de origem. Por um lado,
podemos argumentar que estas viagens permitiam estudos mais aprofundados
destas coleções, já que muitos naturalistas estrangeiros renomados tinham acesso a
elas. Os bens naturais brasileiros ganhavam notoriedade internacional não apenas
quando eram enviados ao exterior nas Grandes Exposições Internacionais, mas
também quando lá chegavam a bordo dos navios que levavam os espólios das
expedições. Por outro lado, é preciso pensar que muitos destes espécimes
possuíam grande valor científico por sua raridade e, constituindo o que hoje
consideramos patrimônio natural, foram permanentemente desapropriados de
nossas terras, estando até hoje espalhados por museus, arquivos e institutos
científicos europeus. Como no caso das coleções formadas pela expedição
Langsdorff, estas valiosas e representativas coleções nem sempre recebem todo o
cuidado e estudo que merecem. Foi necessário muito tempo para que a coleção
Langsdorff voltasse a ser valorizada e também apresentada ao público brasileiro em
suntuosa exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, entre 23 de
fevereiro e 25 de abril em São Paulo, entre 11 de maio e 18 de julho em Brasília e
entre 3 de agosto e 26 de setembro de 2010 no Rio de Janeiro.
Outra expedição científica que merece destaque foi a do naturalista Carl
Friedrich Philipp Von Martius, que veio ao Brasil como parte da comitiva da grã-
duquesa austríaca Leopoldina. Junto com o alemão Johann Baptiste Von Spix, Von
Martius percorreu o território brasileiro ostensivamente entre os anos de 1817 e
1820. O resultado desta viagem foi a redação da obra Reise in Brasilien, cuja
primeira tradução foi patrocinada pelo IHGB, instituição da qual Von Martius tornou-
se sócio correspondente. Na ocasião do lançamento do concurso para selecionar o
melhor trabalho acerca de “Como se deve escrever a História do Brasil”, o IHGB
condecorou o naturalista bávaro ao eleger a sua monografia como vencedora do
concurso, em 1845. Em seu trabalho, Von Martius propunha a idéia de um passado
nacional que haveria tido início com o surgimento do Brasil independente. Seu texto
influenciou diversos contemporâneos que também se propuseram a escrever a
história do país, buscando nos índios e na independência da nação as origens do
povo brasileiro.
47

Notamos, portanto, que o interesse do viajante naturalista muitas vezes


também se encontrava com os interesses políticos do Estado. Segundo Guimarães
(2000, p. 400),
a tal ponto o interesse pelas viagens científicas se tornara também uma
questão de Estado, que em 1824, apenas quatro anos após a conclusão da
viagem de Spix e Martius, o Ministério da Marinha e das Colônias da França
patrocina a publicação de um texto referência para todo aquele viajante que
se dirigisse para fora do continente europeu. Curioso observar que,
idealizado para um público de viajantes leigos, o texto recorre
explicitamente aos conhecimentos da botânica, da geologia, da etnologia
como forma de orientar o viajante nas tarefas de recolher e preparar os
materiais e amostras, seu acondicionamento e embalagem adequados para
envio à França. Até mesmo a redação dos diários de viagem a serem
posteriormente trabalhados pelos cientistas quando do retorno ao
continente europeu, não escapa aos cuidados e à vigilância do Estado
interessado nos resultados destes empreendimentos científicos. O
documento hierarquiza ainda os objetos mais desejados, segundo cada
região do globo, para compor uma coleção nas instituições européias.

Outro naturalista viajante importante na história do Brasil Oitocentista foi o


geólogo canadense Charles Frederick Hartt. Ao todo, Hartt fez cinco viagens pelo
Brasil: como membro da Expedição Thayer (1865-1866) organizada pelo geólogo
suíço Louis Agassiz, em uma expedição independente (1867), duas vezes como
participante da Expedição Morgan (em 1870 e 1871) e como membro da Comissão
Geológica do Império (1875-1878). Como resultado de suas observações nestas
expedições, Hartt redigiu um dos maiores tratados sobre a geologia e geografia
brasileira, intitulado Geology and physical geography of Brazil. Sendo,
possivelmente, o maior especialista nesta área, Hartt foi contratado pelo Museu
Nacional do Rio de Janeiro, onde assumiu a seção de geologia. Em Charles
Frederick Hartt e a institucionalização das ciências naturais no Brasil, o autor Nelson
Sanjad analisa duas publicações de Marcus Vinícius de Freitas sobre o referido
naturalista viajante e analisa, também, o relato de viagem como narrativa
estruturante do pensamento científico. Sanjad procura na obra de Marcius Vinícius
afirmações que comprovem esta tese e afirma que:

o discurso dos naturalistas, segundo o autor, também participa da


construção de um conceito de nação, uma vez que a natureza aparece aí
como elemento constitutivo do território. É nesse quadro, portanto, que
Marcus Vinícius insere seu personagem, partindo do princípio de que os
intelectuais encontraram um lugar privilegiado no Império de dom Pedro II e
que as ciências naturais, ao serem incentivadas pelo governo, cumpriam a
missão de reinventar o “mito do paraíso tropical” (SANJAD, 2004, p. 452).
48

Os museus, por sua vez, estão inseridos neste contexto como “lugar do
discurso científico no processo de formação da nacionalidade brasileira na segunda
metade do século XIX.” (idem, p. 455).
A relação de interesses, no entanto, era recíproca. Enquanto o Estado
procurava utilizar da ciência como uma ferramenta para o progresso e modernidade
da nação, procurando demarcar seu território e nele procurar por riquezas, a ciência
também aproveitava da sua proximidade com o Estado para conseguir
financiamento para suas expedições e pesquisas. É notável o caso do naturalista
francês Armand de Quatrefages de Bréau que, durante vinte anos, manteve
correspondência com o imperador D. Pedro II. Contrário à teoria evolucionista e não
acreditando na origem comum das espécies, Quatrefages orientava o imperador
sobre quais expedições poderia financiar, a fim de que pudesse levantar fatos
contrários à tese darwinista. O Estado, por sua vez, também se aproveitava das
coleções e as utilizava como semióforos2 representantes das riquezas e qualidades
naturais de seus territórios, uma garantia de exploração para bem econômico e
forma de demonstração de soberania frente à outras nações.
Os interesses do Estado na exploração da terra e na construção de uma
história nacional também estavam implícitos na primeira expedição científica
brasileira. Conhecida por diversos nomes, como: Comissão Científica do Império,
Comissão Científica de Exploração das Províncias do Norte, Comissão do Ceará,
Imperial Comissão Científica ou, pelo apelido jocoso de Comissão das Borboletas, a
expedição brasileira constituiu um marco de consolidação das ciências naturais
neste período no Brasil. Com o apoio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
patrocínio do governo Imperial de D. Pedro II, foi formada uma comissão de
cientistas brasileiros com o objetivo de explorar algumas das províncias menos
conhecidas do país e formar coleções mineralógicas, de fauna, flora e “tudo quanto
possa servir de prova do estado de civilização, indústria, usos e costumes dos
nossos indígenas” (KURY, 2009, p. 38). A idéia da expedição surgiu com o
naturalista e secretário do IHGB, Manuel Ferreira Lagos, que conclamava seus
colegas a fazerem uma ciência brasileira, que pusesse um fim ao que acreditava
serem erros difundidos por naturalistas estrangeiros. Assim, perguntava:

2
Segundo Chauí (2000), o semióforo é “um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo
que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força
simbólica [...] Um semióforo é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação”
(CHAUÍ, 2000, p. 9)
49

e não vos parece, senhores, que já era tempo de entrarmos, sem auxílio
estranho, no exame e investigação deste solo virgem, onde tudo é
maravilhoso? De desmentirmos esses viajantes de má fé ou levianos que
nos têm ludibriado e caluniado? De mostrarmos, finalmente, ao mundo, que
não nos faltam talentos e as habilitações necessárias para as pesquisas
científicas? (idem, p. 38).

Aprovada a idéia e conseguido o financiamento do governo, começaram os


preparativos para a viagem. O poeta Antônio Gonçalves Dias, que ficaria
encarregado de coordenar a seção etnográfica da comissão e o matemático de
ascendência italiana Giacomo Raja Gabaglia, que ficaria encarregado da seção
astronômica e geográfica, partiram em viagem para a Europa, a fim de comprar os
instrumentos mais modernos e confiáveis para se fazer as medições científicas
necessárias, como microscópios, telescópios, termômetros, barômetros e até
mesmo uma câmera fotográfica.

Compraram também uma biblioteca científica, encomendada ao livreiro


Brockhaus, de Leipzig, com uns 2.000 volumes de livros e periódicos, em
grande parte ilustrados, escolhidos a dedo. Esta fabulosa coleção foi
incorporada a partir de 1863 à Biblioteca do Museu Nacional, onde, fora as
perdas, se encontra até hoje. Tamanha despesa só pôde ser feita por causa
do interesse pessoal do Imperador pela expedição. (ibidem, p. 23).

Também se juntaram à comissão o botânico Francisco Freire Alemão, do


Museu Nacional, que atuaria como líder da expedição e chefe da seção de botânica,
Guilherme Schüch de Capanema, adjunto da Divisão de Geologia e Mineralogia do
Museu Nacional, para chefiar a seção geológica e mineralógica. O próprio Manuel
Ferreira Lagos, adjunto da seção de anatomia comparada e zoologia do Museu
Nacional, como chefe da seção de zoologia. E José dos Reis Carvalho, professor de
desenho da Escola da Marinha e ex-aluno de Debret.
Reunidos e organizados, o grupo partiu a bordo do barco a vapor Tocantins,
deixando o Rio de Janeiro em 4 de fevereiro de 1859, com destino à Fortaleza, no
Ceará. Haviam boatos, na época, de que a província ainda pouco explorada possuía
uma abundância mineral tão farta que costumavam compará-la a um El Dorado
brasileiro. Tanto se falava na riqueza da província cearense, que as instruções eram
para que todo o material encontrado fosse coletado em quantidade suficiente para
ser distribuído pelos museus nacionais e também estrangeiros. A conservação dos
espécimes coletados também era uma preocupação e Manuel Ferreira Lagos
enfatizou, nas instruções para a seção de zoologia que um mau acondicionamento
50

ou a má preparação dos espécimes coletados poderia dificultar ou mesmo


impossibilitar a sua classificação. Para garantir o melhor acondicionamento possível,
recomendava a utilização das instruções elaboradas pelo botânico e agrônomo
André Thouin que, em 1818, publicou um manual de acondicionamento “para os
viajantes e empregados nas colônias sobre a maneira de colher, conservar e
remeter os produtos naturais” (SÁ, 2009, p. 157) para o Museu de História Natural
de Paris. Ainda nas instruções, estavam assinalados os objetivos da expedição.

O objetivo primeiro, claramente explicitado em cada uma das Instruções de


cada seção, é o mapeamento botânico, geológico e mineralógico,
astronômico e geográfico, das condições meteorológicas diárias e da
distribuição das populações indígenas. O incremento da agricultura por
meio do levantamento das condições climáticas e dos solos, do uso de
adubos e fertilizantes, da topografia dos terrenos, de pragas de insetos, da
potencialidade da vegetação e da disponibilidade de água subterrânea,
marcava todas as instruções. [...] O traço comum das Instruções é a
atenção especial a toda e qualquer possibilidade de aproveitamento para a
indústria emergente, de qualquer recurso, sejam as rendas e couros dos
cearenses, a indústria indígena, o mel das abelhas ou a madeira das
árvores. (LOPES, 2009, p. 58).

No Ceará, a comissão se instalou no Liceu Cearense, antes de se separarem


e partirem território adentro3. Dividida em três grupos, sendo um formado pelas
seções de botânica e zoologia, outro pela seção geológica e um terceiro pela seção
astronômica, a comissão passou seus primeiros meses de exploração em direção ao
Icó e ao Crato, deixando para adentrar mais profundamente no território no ano
seguinte, chegando próximo aos limites com o Piauí e cruzando até Pernambuco,
Paraíba e Rio Grande do Norte. Ao todo, foram dois anos e cinco meses de
exploração por todo o sertão cearense e arredores. A comissão só retornou ao Rio
de Janeiro em 13 de julho de 1861, onde o trabalho científico continuou.
A Comissão Científica do Império foi altamente produtiva em suas coletas,
tendo trazido ao Rio de Janeiro milhares de espécimes. Cerca de 100 animais,
segundo Lagos, foram trazidos vivos e, por falta de um espaço adequado para
mantê-los no Museu Nacional, foram entregues ao banqueiro Antônio José Alves
Souto, dono de uma grande chácara onde abrigava um zoológico particular com
espécimes brasileiros e importados da Europa, Ásia e África. O zoológico de Souto
já possuía uma relação com o MN, uma vez que enviava para o museu os animais
3
Ver Anexo 1 para um mapa com o itinerário da Comissão Científica do Império. Para maiores
informações sobre o itinerário da Comissão, ver as obras: BRAGA, Renato. História da Comissão
Científica de Exploração. Imprensa Universitária do Ceará. 1962. e KURY, Lorelai (org). Comissão
Científica do Império. 1859 – 1861. Rio de Janeiro. Andrea Jakobsson Estúdio Editorial 2009.
51

que morriam, para que pudessem ser preservados e expostos. Lagos também
trouxe para o Museu Nacional uma vasta coleção de insetos, com mais de doze mil
exemplares, além de quatro mil exemplares de aves, 80 espécies de répteis,
mamíferos e outros animais, um conjunto de anotações sobre lendas, folclores e
atividades zooextrativistas, amostras de artefatos artesanais, enfeites, vestuários,
assim como doou para o museu todos os livros comprados para a expedição. “O
Museu Nacional, que lutava desde sua origem por verbas para aquisição de
coleções (...) e enfrentava todo tipo de dificuldades para realizar suas explorações
cotidianas lucrou enormemente com a Comissão.” (LOPES apud SÁ, 2009, p. 167).
As expedições de exploração em muito contribuíam para o fomento das coleções
dos museus. Estima-se que, devido ao trabalho dos naturalistas do Museu em 1876,
foram adicionados às coleções do MN, cerca de 1.500 espécies, “às coletas de
Schwacke, Glaziou, Netto e Jobert entre 1873-1891, cerca de 5.000; devidas à
Lindmann em 1893-1894, 200 espécies e 3.500 a Spencer Moore que viajou com
John Evans pelo Mato Grosso em 1892.” (LOPES, 1993, p. 183).
Além das contribuições para o acervo do museu, Lagos organizou nas
dependências da instituição uma exposição com produtos originários do Ceará,
inaugurada em 9 de setembro de 1861. Muito elogiada, a exposição ganhou
menções no Jornal do Commercio, no Diário do Rio de Janeiro e no periódico local
O Cearense. Segundo a notícia no Jornal do Commercio, foram expostos produtos
de grande importância econômica, como diversas qualidades de mel, ceras e
produtos extraídos de madeiras como a Carnaúba. Conta-se mesmo que o próprio
Imperador teria ido visitar a exposição, onde passou duas horas “examinando
cuidadosamente os objetos e inquirindo com minuciosidade acerca de cada um”
(KURY, 2009, p. 32). Os melhores produtos desta exposição foram enviados, junto
com objetos indígenas selecionados por Gonçalves Dias, para a Exposição Nacional
de 1861, onde, graças à Comissão de exploração, o Ceará foi a província mais bem
representada. Destes produtos expostos, “um ‘quadro’ com 24 espécies de abelhas
montadas e 23 vidros com abelhas do Ceará em meio líquido foram posteriormente
remetidos para a Exposição Universal de Londres, material que foi premiado com
menção honrosa.” (SÁ, 2009, p. 167).
Apesar da grande riqueza e variedade de objetos coletados, é importante
destacar que muitas dessas coleções foram depositadas no Museu Nacional, porém,
lá ficaram sem serem estudadas ou divulgadas. A coleção de aves, por exemplo, em
52

função de problemas de acondicionamento, tempo excessivo de exposição pública e


falta de catalogação, teve uma parcela considerável perdida.
Os resultados zoológicos da expedição jamais foram divulgados. Lagos não
chegou a produzir qualquer estudo sobre a fauna coletada, tendo se
limitado a proferir palestra no IHGB sobre suas observações relativas à
linguagem e aos costumes populares do Ceará, assim como a monitorar a
confecção das pranchas de aves. Envolveu-se, a partir de 1863, com os
afazeres de seu novo cargo de bibliotecário do Museu Nacional, quando
organizou e produziu um catálogo dos livros doados pela Comissão
juntamente com o ainda limitado acervo bibliográfico da Instituição. Nem
mesmo a chefia da Seção de Zoologia do Museu Nacional, que assumiu em
1866, motivou-o para os estudos zoológicos. As coleções que trouxe para o
Museu nunca foram estudadas. Criticado e desacreditado nas suas funções
de zoólogo, morreu em 1871 deixando para o Museu Nacional o que mais
valorizava: seus livros. (idem, p. 168).

Além das coleções formadas, cujos objetos figuravam em grandes


exposições, os naturalistas destas viagens também promoviam a ciência através da
publicação dos resultados de suas expedições, nos periódicos científicos da época,
nas revistas das sociedades científicas e nos anais dos museus. A divulgação dos
resultados das expedições era uma parte importante do trabalho científico, pois
legitimava a pesquisa e os achados realizados perante os governos que financiavam
as expedições, à comunidade científica internacional e ao grande público. A
vulgarização era, portanto, uma preocupação destes naturalistas viajantes. Como
exemplo, podemos observar o caso de Guilherme Schüch de Capanema que, ao
regressar ao Rio de Janeiro com a Comissão Científica, publicou uma série de 32
artigos no Diário do Rio de Janeiro, sob o pseudônimo de Manoel Francisco de
Carvalho, onde descreve suas observações na região Nordeste. Nestes artigos,
descreve de maneira minuciosa e clara o meio físico cearense e os fenômenos
encontrados, formando um texto inteligível pelo grande público, pois acreditava que
“para promover os interesses do povo é preciso tomar conta dele, falar-lhe a
linguagem que ele entende: quando quiserdes falar-lhe em sol e lua, usai dos termos
simples e chãos de todo mundo, e deixai-vos de dizer: astro do dia e satélite da
Terra.” (FIGUEIRÔA, 2009, p. 94).
Atualmente, as coleções formadas pela Comissão Científica do Império
encontram-se espalhadas por diferentes instituições, dentre as quais podemos citar:
o Museu Histórico Nacional e o Museu D. João VI, detentores de diversos desenhos
e aquarelas do artista José dos Reis Carvalho; a Biblioteca Nacional, detentora de
anotações, diários e pranchas de Freire Alemão; o Museu Nacional, que possui
53

livros marcados com o ex-libris da “Comissão de Exploração”, além do herbário de


Freire Alemão.

Os pássaros coletados por Lagos e Vila Real também ficaram no Museu,


mas é praticamente impossível reconhecê-los, pois foram incorporados sem
nenhuma etiqueta às séries já existentes. O mesmo aconteceu com o
material etnográfico de Gonçalves Dias. Apenas algumas peças podem ser
atribuídas sem reservas à Comissão. Parte do material ‘folclórico’ coletado
por Lagos ficou exposto durante décadas nas vitrines do Museu e se
encontra muito deteriorado. Ainda existem por lá rendas, barcos de
madeira, trajes de couro e outras peças típicas, a maioria em mau estado
de conservação. (KURY, 2009, p. 44),

As expedições científicas foram responsáveis por prover ricas e variadas


coleções para os museus de história natural, não só brasileiros, mas do mundo
inteiro. A variedade, a singularidade e a quantidade de objetos que compõem estas
coleções as configuram como fontes inestimáveis para a investigação científica
mesmo nos dias de hoje. Estas coleções formam um quadro não apenas da
natureza brasileira, mas de um modo de fazer ciência Oitocentista, possibilitando
investigações não apenas para as Ciências Naturais, mas também para a História
da Ciência e, mesmo, História dos Museus. Quantos mistérios estas coleções ainda
não estão por revelar, quanto conhecimento científico novo não podem nos trazer e
quantas histórias estes objetos, guardados por séculos nas reservas desses
museus, ainda não contaram. Tendo em vista estas questões, logo se torna clara a
necessidade imperativa de que estas coleções sejam preservadas de forma
adequada, visando garantir a sua longevidade e as possibilidades de conhecimento
nelas ainda guardadas.
Maria Margaret Lopes, analisando o papel da Comissão Científica, resume
sua importância: “aglutinando alguns dos mais destacados naturalistas do Império,
vinculada às principais instituições científicas do país e fazendo parte da ‘expansão
para dentro’ do projeto imperial – mesmo que essa não fosse um todo homogêneo
perfeitamente delimitado –, a Comissão sem dúvida marcou sua época.” (2009, p.
81). E não apenas a Comissão do Império, mas todas as outras expedições
científicas exploradoras do território brasileiro deixaram sua marca e esta marca
pode ser observada na História da Ciência Oitocentista tanto quanto na História dos
Museus e, também, na História do Brasil, mais uma vez refletindo o quanto as
atividades científicas estavam associadas tanto ao Estado, quanto aos museus.
54

E é esta onipresença da ciência brasileira durante o século XIX que nos faz
pensar na importância da preservação das coleções que hoje estão distribuídas por
nossos museus, bibliotecas e arquivos, aspecto que exploramos mais
profundamente no próximo capítulo.
55

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Valorização do patrimônio científico brasileiro

“A construção e a preservação de coleções no interior dos


museus contribuíram para o projeto de uma taxonomia
universal, e a sua exposição pública serviu por outro lado
como instrumento do projeto educacional do iluminismo.”
(LOUREIRO, 2002)
56

Os museus de história natural do século XIX em muito se beneficiaram com


as expedições científicas de exploração. As coletas feitas pelos naturalistas
viajantes que partiam nestas expedições formaram amplas e ricas coleções
botânicas, zoológicas, paleontológicas, mineralógicas, arqueológicas e
antropológicas que conformaram as bases desses museus. A realização de viagens
de exploração, a coleta de espécimes, a classificação das coleções, a publicação de
catálogos e anais e a montagem de grandes exposições constituíram a essência da
prática da história natural dentro dos museus. Por todo o mundo, estas viagens
científicas estiveram atreladas às atividades dos museus, uma vez que eram seus
próprios diretores, vice-diretores, chefes de seções e técnicos, os naturalistas que
partiam para descobrir as riquezas de territórios ainda inexplorados. Imbuídos da
certeza de que a prática científica era um sinônimo para progresso e modernização,
reis, czares e imperadores patrocinaram expedições, confiantes de que estas
viagens trariam resultados que alavancariam suas nações, trariam melhorias para as
vidas de seus cidadãos e riquezas para seus países. O Estado se interessava pela
ciência como um meio, uma ferramenta, uma forma de se alcançar o tão almejado
progresso que, segundo a filosofia positivista do francês Auguste Comte, seria o
estágio mais avançado de civilização.
Esta mentalidade colocou a ciência na agenda de todos aqueles que
desejavam serem reconhecidos como homens eruditos e letrados. Conhecer o
funcionamento das diversas disciplinas científicas que começavam a se
individualizar e se separar do grande grupo “História Natural” era uma necessidade
para qualquer um que desejasse figurar parte desta elite cultural. Assim, para se
manterem à par das últimas novidades científicas, discutirem suas teorias e terem o
reconhecimento que tanto queriam, estes homens formaram as sociedades
científicas. Durante o século XIX, esteve em voga a formação destas sociedades,
que financiavam e apoiavam a atividade científica das expedições de exploração,
que patrocinavam e mesmo criavam museus de história natural e que publicavam
periódicos científicos, onde uma das maiores preocupações era a divulgação da
ciência para um público ainda não familiarizado. A “alfabetização científica” ou
“vulgarização”, como se chamava à época, era uma preocupação desta elite
científica e, através destas publicações, conseguiam educar o leigo sobre as suas
práticas, divulgar as suas pesquisas para pesquisadores que estivessem em terras
57

longínquas e, também, conseguir a legitimação das suas atividades entre o público e


entre seus pares concorrentes.
O papel do museu de ciência na prática da vulgarização científica também
deve ser ressaltado, uma vez que, enquanto um espaço não-formal de educação, o
museu traz diferentes meios de abordagem e tratamento de conteúdos. “Além disso,
o museu dispõe de maior proximidade da relação ciência-cultura e apresenta
processos de transposição didáticos que devem ser considerados na adequação
entre ensino formal e ciência-tecnologia-sociedade” (PIEDADE FILHO, 2009, p. 3).
Através das suas exposições, os museus possuem uma maneira diferenciada de
divulgar a ciência para o público, aderindo um novo papel às coleções formadas
pelas expedições científicas dos naturalistas viajantes. As mudanças de paradigma
nas ciências em fins do século XIX refletiram mudanças de conceitos nos museus da
época. Uma delas, como discutido por William Flower, diretor do Museu Britânico,
em artigo reproduzido no I tomo da Revista Del Museu de La Plata ainda no século
XIX, foi “o arranjo diferenciado das coleções de ‘investigaciones’ para os
especialistas e de ‘instruccion’ para o público” (LOPES, 2001, p. 71).
Este novo conceito de organização das coleções ficou conhecido pelo termo,
em inglês, new museum idea, como proposto pelo próprio Flower. Em seu artigo,
Flower procura identificar as questões centrais para que os museus cumprissem
seus objetivos científicos e educacionais, estabelecendo que as coleções de
pesquisa deveriam ser separadas daquelas destinadas à exibição pública. O valor
das instituições museológicas como agentes dentro do grande movimento
educacional que via acontecer em sua época era evidente para o naturalista inglês.
“Esta função, uma vez que os museus se vincularam ao Estado, remetia diretamente
às propostas de construção de identidades nacionais apoiadas em políticas de
preservação e valorização de patrimônios naturais e culturais... (PODGORNY,
2000).” (LOPES; MURRIELLO, 2005, p. 25). A influência desta idéia se espalhou
pelo mundo, se tornando um referencial para os museus até meados do século XX.
Ainda em 1939, Bertha Lutz, zoóloga do Museu Nacional do Rio de Janeiro,
escreveu um relatório sobre sua viagem aos Estados Unidos onde menciona o artigo
Essays on museums, de Flower. Neste, o autor afirmava ser missão do museu
“difundir a instituição e contribuir para o recreio intelectual da massa do povo, e
proporcionar ao pesquisador científico o ensejo de examinar e estudar detidamente
todos os espécimes que constituíam as coleções do museu. (Lutz, 1939).” (idem, p.
58

22). Assim, o museu deveria ser um espaço, ao mesmo tempo, para leigos e
pesquisadores. “O poder de atração dos objetos deveria ser um critério a se priorizar
na seleção do material a ser exposto, e sua disposição nas salas deveria realizar-se
de forma a poderem ser apreciados pelo público.” (idem, p. 25). Para isso, era
preciso que as novas galerias abandonassem as velhas concepções de gabinetes
de curiosidades. Todas estas observações levaram à percepção do museu como um
organismo vivo. Foi Flower quem lançou a máxima “un museo se asemeja á un
organismo viviente; exije atentos y constantes cuidados” (idem, p. 27), repetida por
João Batista de Lacerda, enquanto na direção do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
O papel educacional dos museus como agentes de alfabetização científica
era, portanto, de suma importância. Enquanto analisou o museu como espaço de
difusão e divulgação científica, o historiador Lúcio de Franciscis dos Reis Piedade
Filho escolheu um exemplo notável da importância do museu como incentivador da
ciência. Embora seu exemplo trate de um personagem do século XX, a validade e
interesse deste exemplo permanecem e, por isso, vale a pena reproduzi-lo:

“Em O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan relata a importância central
das exposições em sua vivência. Quando jovem, em 1939, Sagan foi levado por seus
pais à Feira Mundial de Nova York, em que lhe foi oferecida a visão de um futuro
perfeito que a ciência e a alta tecnologia tornavam possível. ‘Estava claro que o
mundo continha maravilhas que eu jamais imaginara’ (SAGAN, 2006. p. 13-14). Seus
pais não eram cientistas e não sabiam quase nada sobre ciência, mas ao
apresentarem o filho simultaneamente ao ceticismo e à admiração, ensinaram a ele
duas formas de pensar, ambas centrais para o método científico.” (PIEDADE FILHO,
2009, p. 4).
A partir deste exemplo, Piedade Filho percebe o papel do museu como um
local privilegiado de aprendizagem, “uma vez que dentro dele é possível aprender
ciência por meio do toque (experiência concreta), pela visão do que ocorre
(observação reflexiva), pela compreensão conceitual e pela experimentação de
maneira ativa e instigante.” (idem. p. 5). Assim como, no século XX, a influência dos
museus como locais de educação científica foi capaz de incentivar Carl Sagan a se
tornar um dos maiores astrônomos que os Estados Unidos já conheceu, também no
século XIX os museus estavam cumprindo seu papel de incentivadores e
divulgadores da atividade científica.
Com o que foi exposto até aqui é possível perceber, indubitavelmente, que os
museus de história natural Oitocentistas conformaram-se, por excelência, como
locais de ciência. A ciência viajante do século XIX, as expedições científicas de
exploração, a prática comum da vulgarização científica e os naturalistas viajantes
59

estavam, todos eles, ligados às atividades dos museus de história natural 4. O


Estado, por sua vez, também aparece nesta rede de relações ao financiar, para seus
interesses, a atividade dos museus e de seus naturalistas.
Com a grande quantidade de expedições realizadas, muitas foram as
coleções formadas pelos naturalistas Oitocentistas que ainda se encontram, hoje em
dia, acondicionadas nas reservas técnicas de nossos museus. No entanto, muitas
destas coleções de animais, plantas, cerâmicas, fósseis, iconografia e
documentação ainda não foram exploradas e ainda podem contribuir, em muito, para
ampliar a compreensão sobre a cultura científica do século XIX no Brasil. Mesmo as
coleções formadas pela Comissão Científica do Império ainda carecem de estudos.
Ao analisar esta questão, a antropóloga Maria Sylvia Porto Alegre afirma que tanto a
coleção zoológica formada por Manuel Ferreira Lagos, assim como a coleção
iconográfica produzida pelo artista José dos Reis Carvalho nunca foram avaliadas. É
importante pensar, portanto, na necessidade de uma valorização destas coleções, já
que elas ainda constituem ricas fontes para estudos.
Atualmente, no entanto, é possível perceber uma subutilização do patrimônio
científico como fonte de pesquisa. Segundo a museóloga e historiadora da ciência
Marta C. Lourenço, este patrimônio constitui excelentes fontes para pesquisas em
história da ciência. Porém, diz que não é exagero afirmar que até cerca de dez anos
atrás,
o papel das coleções (e dos museus) na história da ciência e da tecnologia
era próximo de zero. As coleções setecentistas e oitocentistas de
instrumentos eram quase irrelevantes para a história da física. O mesmo se
passava com o contributo das coleções de química para a história da
química, com as coleções de medicina para a história da medicina,
inclusivamente com as coleções de história natural para a história das
ciências da vida e da terra. Neste aspecto, talvez a exceção fosse a história
da astronomia, onde os instrumentos, apesar de tudo, sempre ocuparam um
lugar – mesmo assim, escasso. (LOURENÇO, 2009, p. 48).

A autora advoga, portanto, para que haja

uma crescente sensibilização dos próprios museus para a importância das


suas coleções como fontes permitindo a sua melhor documentação. [...] Os
benefícios são mútuos. Os historiadores têm nas coleções e no patrimônio
um nicho com enorme potencial de crescimento. A história da ciência, em
geral, ganha novos insights, porventura até agora insuspeitados. Os
museus ficam com as coleções valorizadas e, não o esqueçamos, com
oportunidades de interpretar e expor ao público as histórias que os objetos
contam. Finalmente, o patrimônio científico pode adquirir, gradualmente,

4
No Anexo 2, proponho um gráfico que traduz visualmente esta rede de relações.
60

uma acrescida ‘raison d’être’ nas sociedades contemporâneas. (idem, p. 51-


52).

Observar o panorama da ciência e dos museus durante o século XIX e


compará-lo com os dias de hoje levanta a questão da necessidade de uma maior
valorização do patrimônio científico brasileiro e do papel do museu como agente de
alfabetização científica. Atualmente, um visitante que entra em um museu como o
Museu Nacional do Rio de Janeiro, o Museu Paulista ou o Museu Paraense Emílio
Goeldi, sequer imagina que está visitando um local que, séculos atrás, servia de
berço para a produção de pesquisas de ponta. Pesquisas que desbravaram o
território brasileiro, trouxeram benefícios econômicos para a sociedade e que
construíram um passado para uma nação que acabara de nascer e buscava
hegemonia. Este movimento de valorização torna-se ainda mais necessário quando
percebemos que “o patrimônio da ciência continua a ser largamente ignorado pelas
políticas nacionais dos diferentes países e pelas cartas internacionais relacionadas
com o patrimônio.” (LOURENÇO, 2009, p. 47).
Ao realizar uma leitura das cartas patrimoniais disponibilizadas virtualmente
no endereço eletrônico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), é possível perceber que, em nenhuma das cartas, há uma conceituação
sólida do que se entende por patrimônio científico. Embora as expressões “bens de
valor científico” e “bens de interesse científico” sejam encontradas algumas vezes,
há a carência por uma definição do que se entende por estes termos. Percebendo
esta carência e refletindo sobre o patrimônio cultural da ciência e tecnologia na
atualidade, Marta C. Lourenço e Marcus Granato definem aquilo que preferem
chamar de “objetos de ciência e tecnologia” como:

o conhecimento científico e tecnológico produzido pelo homem, além de


todos aqueles objetos (inclusive documentos em suporte papel), utilizados
em laboratórios, as coleções arqueológicas, etnográficas e espécimes das
coleções biológicas e da terra, que são testemunhos dos processos
científicos e do desenvolvimento tecnológico. Também se incluem nesse
grande conjunto as construções arquitetônicas produzidas com a
funcionalidade de atender às necessidades desses processos e
desenvolvimentos, por exemplo laboratórios, grandes equipamentos,
observatórios, etc. (GRANATO; LOURENÇO, 2010/2011, p. 90).

No mesmo texto, os autores definem também o que entendem como ciência e


tecnologia, definindo a primeira como: “o conjunto de conhecimentos e de
investigações com um suficiente grau de generalidade para resultar em convenções
61

concordantes e relações objetivas baseadas em fatos comprováveis” (idem, p. 89) e


a segunda como: “o estudo dos processos técnicos, naquilo que eles têm de geral e
nas suas relações com o desenvolvimento da civilização” (idem, idem.). Já o
conceito de patrimônio é entendido pelos autores como o “conjunto de produções
tangíveis e intangíveis do ser humano e seus contextos sociais e naturais que
constituem um objeto de interesse a ser preservado para as futuras gerações.”
(idem, idem.). Uma definição sólida e consistente destes termos é da maior
importância, já que a indefinição do que se quer dizer quando se pronuncia estes
conceitos constitui-se no primeiro entrave para a valorização e preservação do
patrimônio científico brasileiro. Por tudo o que representa para a história da ciência,
dos museus e da própria sociedade, a preservação das coleções científicas é da
mais absoluta necessidade, tendo sido prevista já em 1964, pela Recomendação de
Paris, que considera as coleções científicas como bens culturais.
Da mesma forma, a continuidade da relação entre os museus e a ciência
também é prevista pelas cartas patrimoniais. Segundo a Declaração de Santiago do
Chile, de 1972, os museus deverão agir, através de suas exposições, como
estimuladores e divulgadores de desenvolvimentos científicos e técnicos e assim
deverão ser tratados pelos ministérios da Educação e Cultura e órgãos
encarregados pelos desenvolvimentos científico, técnico e cultural. Da mesma
forma, a divulgação da atividade científica continua, ainda hoje, a ser uma
preocupação relacionada ao progresso dos povos. Na Declaração do México, de
1985, lê-se na página 4 que: “o ensino da ciência e da tecnologia deve ser
concebido principalmente como um processo cultural de desenvolvimento do espírito
crítico”. A Declaração vai ainda além, ao considerar um direito do cidadão a
participação no progresso científico. Os museus, por sua vez, continuam inseridos
nesta dinâmica de divulgação da ciência, uma vez que são considerados pela
Declaração de Quebec, de 1984, como “um espaço de comunicação entre os seus
acervos e o público, e divulgador da educação científica em diversas áreas”.
Quando as universidades surgiram no Brasil, no século XX, trouxeram para
seus campi a pesquisa científica que, antes, localizava-se nos museus. As
universidades tomaram, portanto, o papel de centros condutores das ciências e do
progresso, que antes era cumprido pelos museus. No entanto, esta nova dinâmica
não excluiu os museus. Ao analisar o surgimento das instituições ligadas ao
patrimônio de ciência e tecnologia, Granato e Lourenço afirmam que “é no seio das
62

universidades, no caso brasileiro, que encontramos a grande maioria dos museus de


ciência e técnica” (2001, p. 11) e citam como exemplos: o Museu de Ciência e
Técnica e o Museu de Farmácia, da Universidade Federal de Ouro Preto; o Museu
Dinâmico de Ciência e Tecnologia e Museu de Farmácia Lucas Marques do Amaral,
da Universidade Federal de Juiz de Fora; e o Museu da Escola Politécnica, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. No entanto, não foram em todos os casos
que as universidades geraram museus. Lourenço cita como uma das dificuldades de
preservação do acervo de C&T o fato de, em grande parte ele encontra-se
concentrado em “instituições que não possuem nem vocação, nem missão, nem
orçamento, nem pessoal qualificado, nem, muitas vezes, sensibilidade para a sua
preservação e divulgação [...] [como] universidades, politécnicos, antigos liceus e
escolas técnicas, institutos e laboratórios de investigação, hospitais, sociedades
científicas.” (2009, p. 47). Mesmo assim, ainda é possível perceber que, em muitos
casos, mesmo quando a ciência vai para as universidades, o museu continua a ser
entendido não apenas como um espaço adequado para o acondicionamento das
coleções, mas como uma ferramenta importante de divulgação científica.
Porém, também vimos que, muitas vezes, o patrimônio resguardado nestes
museus não está sendo utilizado em toda sua potencialidade e, muitas vezes, nunca
o foi. Sua própria preservação física já constitui uma questão complexa e que
demanda estudos onde participem de especialistas de diferentes áreas. A
responsabilidade da preservação do patrimônio de C&T, segundo Granato e
Lourenço, é uma atribuição do Ministério da Cultura (MinC), pois se trata de
patrimônio cultural brasileiro. No entanto, “são raríssimas as iniciativas de proteção
efetuadas nessa área.” (2010/2011. p. 95). O Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT), responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de
Ciência e Tecnologia firmou uma parceria com o MinC em 28 de outubro de 2008,
estabelecendo políticas de integração entre as atividades de ambos os ministérios.
O documento gerado por esta parceria estabelece 18 objetivos relacionados ao
patrimônio científico, dentre os quais podemos destacar o objetivo de número seis:
“promover estudos e ações voltadas para a proteção, preservação e recuperação do
patrimônio cultural e científico brasileiro.” (idem, idem.).
Foi percebendo a necessidade de preservação destas coleções, muitas delas
formadas durante o Oitocentos, que o Museu de Astronomia e Ciências Afins, do Rio
de Janeiro, desenvolve, desde 2009, o projeto de pesquisa Valorização do
63

Patrimônio Científico e Tecnológico Brasileiro. Este projeto teve sua gênese nas
reflexões desenvolvidas pelo núcleo de preservação das coleções de instrumentos
científicos do MAST e nos estudos desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-
Graduação em Museologia e Patrimônio, uma parceria do MAST com a
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Este projeto se justifica,
em primeiro lugar, pelo valor documental e histórico desse patrimônio; em segundo
lugar, por quase nada desse tema ser estudado no país; e em terceiro lugar, por
estar muito ameaçado, necessitando ser descoberto e preservado” (idem, p. 99). O
objetivo desta iniciativa é elaborar um panorama mais claro sobre o patrimônio da
ciência e tecnologia no Brasil, procurando defini-lo, inventariá-lo e analisar
estratégias para sua preservação5. Um dos primeiros resultados deste projeto foi a
publicação intitulada Coleções científicas luso-brasileiras: patrimônio a ser
descoberto, onde são levantadas questões relacionadas às origens, estado e
preservação das coleções científicas brasileiras e, também, portuguesas.
Outro movimento importante em prol da preservação do patrimônio de ciência
e tecnologia são as conferências nacionais de CT&I. Na 4ª Conferência Nacional de
CT&I, realizada entre 26 e 28 de maio de 2010, o professor da Universidade Federal
Fluminense e diretor do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Knauss,
relatou o seguinte:

“O debate realizado com o público reforçou o ponto de vista da importância da


colaboração entre Cultura e CT&I. A discussão ressaltou, igualmente, a importância
de se garantir investimentos que valorizem a relação entre cultura e ciência, cujo
potencial poderia ser incrementado pela colaboração orçamentária entre MINC e
MCT&I, ou entre o Fundo Nacional de Cultura e o Fundo Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação. Em seu desdobramento, isso significaria aprofundar a
integração do sistema nacional de cultuar e sistema nacional de CT&I, formular
políticas em conjunto.“ (apud GRANATO; LOURENÇO, 2010-11, p. 98).
Analisando estas iniciativas, Granato e Lourenço percebem “que está em
curso um movimento para resgatar o patrimônio cultural relacionado à Ciência e à
Tecnologia e torná-lo mais visível para a sociedade.” (idem, p. 99). No entanto, este
movimento está apenas iniciando e é preciso que haja uma maior conscientização
pública da importância da salvaguarda das coleções Oitocentistas, não só pelo valor
de seus raros espécimes e instrumentos, mas por representarem a memória de um
fazer científico do passado, da época das grandes expedições de exploração e
desbravamento do território brasileiro. Para isso, é preciso que os nossos museus

5
Para mais informações sobre o Projeto de Valorização do Patrimônio Científico e Tecnológico
Brasileiro, ver no endereço eletrônico do MAST: http://www.mast.br/projetovalorizacao/inicio.html
64

de ciência contemporâneos tenham consciência do inestimável valor das coleções


que estão guardadas em suas reservas técnicas. É preciso que estes museus
tomem a frente na luta por uma maior atuação do Estado para a preservação destas
coleções e, para que isto aconteça, nenhuma estratégia é melhor do que mostrar o
que estas coleções representam. Para isso, os museus podem montar exposições
onde desperte, no público, um maior interesse pela ciência e pela valorização do
patrimônio científico brasileiro. É preciso, mais do que nunca, que os museus
resgatem, em seu passado, as qualidades de produtores e divulgadores de ciência.
Desta forma, não só valorizarão e garantirão a preservação de seu patrimônio
científico, mas também contribuirão para uma maior educação científica da
sociedade o que, até os dias de hoje, continua a ser associado ao progresso e ao
desenvolvimento.
65

ANEXO 1
Itinerários Aproximados das Excursões da Comissão Científica do
Império
66

Imagem modificada a partir do original


encontrado na página 83 da publicação
KURY, Lorelai (org). Comissão
científica do Império. 1859 – 1861. Rio
de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio
Editorial Ltda. 2009.
67

ANEXO 2
Quadro: Rede de relações entre museus, ciência e Estado
68

EXPEDIÇÕES COLEÇÕES

CIENTISTAS SOCIEDADES MUSEUS


CIENTÍFICAS

PUBLICAÇÕES VULGARIZAÇÃO

Quadro: Rede de relações entre museus, ciência e Estado.


Fonte: ANTUNES, Anderson, 2011
69

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