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Rio de Janeiro
2011
Anderson Pereira Antunes
Rio de Janeiro
2011
Anderson Pereira Antunes
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Profª. Drª. Avelina Addor
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
__________________________________________________
Prof. Dr. José Mauro Matheus Loureiro
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
__________________________________________________
Profª. Drª. Valéria Cristina Lopes Wilke
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Rio de Janeiro
2011
AGRADECIMENTO
A ciência foi um dos temas em voga durante todo o século XIX. O mundo inteiro viu
surgir homens de ciência, homens letrados interessados pelas questões e
descobertas científicas. Juntos, eles formavam as sociedades científicas e partiam
em expedições para desbravar territórios inexplorados, como muitas regiões do
interior do Brasil. Estas expedições muitas vezes eram subvencionadas pelo Estado,
tenha sido ele brasileiro – imperial ou republicano – ou estrangeiro. Durante estas
expedições foram formadas grandes coleções de fauna, flora, mineralogia e
etnografia, que foram levadas para os museus de história natural do mundo todo,
onde foram estudadas e colocadas em exposição. Neste trabalho, pretendo explorar
as relações de mutualismo entre a atividade científica e a atividade museológica no
século XIX, descobrindo paralelos e verificando a presença dos museus de história
natural no desenvolvimento da ciência no século XIX. Também discuto a importância
das coleções formadas pelos cientistas viajantes do Oitocentos, a necessidade de
sua preservação em tempos atuais e as possibilidades de uso destas coleções para
uma aproximação entre a ciência e a sociedade, dentro dos museus.
ABSTRACT
Science was a common theme during the XIXth century. The whole world saw the rise
of men of science, educated men interested in scientific matters and discoveries.
Together, they formed scientific societies and went on expeditions to discover
uncharted territories, like many regions in the interior of Brazil. These expeditions
often had the subvention of the State, had it been Brazilian – imperial or republican -
or foreign. During these expeditions were formed great collections of fauna, flora,
mineralogy and ethnography, that were taken to natural history museums around the
world, where they were studied and exhibited. In this work I intend to explore the
relationship of mutualism between the scientific and the museological activity during
the XIXth century, discovering parallels and verifying the presence of natural history
museums in the development of science during the XIXth century. I also discuss the
importance of the collections formed by the traveler scientists of the Ottocento, the
need for preservation in modern times and the possibilities of use of these collections
to bring closer science and society, inside the museums.
Introdução.......................................................................................................... pág. 08
Capítulo 1: Relações entre ciência e museus no Oitocentos............................ pág. 21
Capítulo 2: A ciência viajante............................................................................ pág. 41
Considerações finais: Valorização do patrimônio científico
brasileiro............................................................................................................ pág. 55
Anexo 1: Itinerários Aproximados das Excursões da Comissão Científica do
Império............................................................................................................... pág. 65
Anexo 2: Quadro: Rede de relações entre museus, ciência e
Estado............................................................................................................... pág. 67
Referências....................................................................................................... pág. 69
8
INTRODUÇÃO
Estado, ciência e museus no Brasil Oitocentista
1
Os pesquisadores Marco Braga, Andréia Guerra e José Claudio Reis formam o grupo conhecido por
Teknê. Formado por professores de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2003 o
grupo publica a série Breve história da ciência moderna. Com esta série, pretendem difundir, de
forma didática, a história e a filosofia das ciências como ferramenta de reflexão sobre o papel da
ciência no mundo moderno.
11
A nova ordem das coisas alterou quase da noite para o dia a situação do
país, ao qual tinha sido negada até então a existência de universidade, ou
escolas superiores, de quase todas as manufaturas, de escolas
profissionais, até mesmo de tipografias. Na breve escala de D. João em
Salvador, além de fundar o que veio a ser a primeira escola de medicina do
país, o príncipe regente também assinou o decreto de abertura dos portos
brasileiros, encerrando de vez o isolacionismo do Brasil. (FIGUEIRAS,
1990, p. 227)
minerais, de fauna e de flora. Uma vez coletados, estes espécimes eram enviados
para serem estudados e conservados. Fósseis, amostras mineralógicas, espécimes
botânicos, animais empalhados. Todo este material era processado e preservado
nas reservas dos museus, que também os expunham. Através das exposições, os
museus levavam a ciência para um público mais abrangente, difundindo as novas
pesquisas e descobertas, e educando os leigos sobre a prática científica. Podemos
afirmar que museus e ciência estavam intimamente ligados durante o século XIX.
A forte presença destas instituições, nesta época, é um tema bem conhecido
e já pesquisado no Brasil e no mundo. Os museus públicos são, aliás, uma invenção
do Oitocentos. De acordo com a museóloga portuguesa Alice Semedo, “a fundação
do museu público tem sido compreendida como parte da emergência das idéias
modernas relacionadas com a Ordem e o Progresso e com as experiências que se
lhe relacionam de tempo e espaço, associadas aos processos de industrialização e
urbanização que o ocidente viveu no século XIX” (2004, p. 130).
O desenvolvimento dos museus neste período parece ter sido um fenômeno
global, levando os pesquisadores da área a cunharem a expressão “movimento de
museus” para designar o crescimento do campo museológico, especialmente a partir
da segunda metade do século. Na realidade, o primeiro artigo formalmente
publicado sobre historiografia de museus de que se tem conhecimento data de 1888
e foi apresentado no 3rd Annual Meeting da American Historical Association, por seu
autor George Brown Goode. O artigo abria o caminho para que se pensasse sobre a
história dos museus e, logo, “seus seguidores se multiplicaram pelos museus de
todo o mundo e não faltaram ecos de concepções semelhantes na América Latina,
onde as últimas décadas do século XIX também assistiram a uma revitalização das
instituições museológicas” (LOPES; MURRIELLO, 2005, p. 15).
As autoras supracitadas explicam a sincronia deste movimento global de
museus devido à existência de um “conjunto de proprietários e diretores de museus
[que] já tinha estabelecido sólidas redes de comunicação entre si, ‘simultaneamente
influenciados pelos mesmos fatores culturais e resultava que estavam fazendo as
mesmas coisas, no mesmo momento, pelos mesmos motivos’ (OROZ, 1990, p. 3)”
(idem, p. 15). Juntos, estes proprietários e diretores de museus discutiam o papel
dos museus na construção da nação e “a importância que essas instituições tiveram
na educação do público e na investigação científica, diante da consolidação das
classes médias urbanas e da emergência da profissionalização” (idem, p. 15).
15
que surgiram no século XIX, nenhuma é mais célebre do que a teoria da seleção
natural de Charles Darwin.
Sobre o impacto do darwinismo nas ciências e, conseqüentemente, nos
museus, Lopes e Murriello afirmam que “de fato, o darwinismo não só revigorou os
museus da época como levou à criação de muitos outros [...] a história natural, de
disciplina abrangente que era, passou a ser, no fim do século, apenas uma das
várias orientações que um biólogo poderia seguir. Na verdade, exatamente quando
a historiografia considerou que a biologia saía do museu, afastando-se da
sistemática e da história natural, voltando-se para pesquisas de laboratório, os
museus experimentaram um crescimento explosivo por todo o mundo.” (LOPES;
MURRIELO, 2005, p. 23).
Ademais, o século XIX é também reconhecido por ser o século da
especialização do conhecimento e da profissionalização. No campo das ciências, é
um período de institucionalização da prática científica e de reconhecimento da
existência de uma comunidade científica, isto é, de um grupo de profissionais
dedicados à ciência que assim são reconhecidos por outros grupos intelectuais e
profissionais. “A institucionalização da ciência se desenrolou ao longo do século XIX
e visava a profissionalização dos cientistas e a garantia de sua autonomia e auto-
regulamentação, frente ao Estado e à sociedade [...] Outra característica desse
processo foi a distinção entre as disciplinas acadêmicas, e, não por acaso, este é o
momento em que a palavra ‘cientista’ é cunhada por William Whewell, em 1834.”
(VERGARA, 2008, p. 142). Anterior a este período, o cientista era conhecido pelo
epíteto de “filósofo natural”, pois o que existia era “algo chamado ‘filosofia natural’,
que pretendia descrever e explicar o sistema do mundo em sua totalidade” (HENRY,
1998, p. 16).
Analisando o caso brasileiro, percebemos como este processo aconteceu
dentro dos museus e de outros espaços institucionais ligados à políticas
governamentais. Enquanto em países como a Alemanha a institucionalização da
ciência aconteceu dentro das universidades, no Brasil, este processo ocorreu dentro
de espaços como o Observatório Nacional, o Museu Nacional, o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, a Comissão Geológica do Império, e o Jardim Botânico.
Nestas instituições, podemos notar não apenas a presença da ciência, mas
também a presença forte do Estado. E o papel do Estado não se limitava apenas ao
financiamento destas instituições e das atividades científicas que propunham, pois
17
CAPÍTULO 1
Relações entre ciência e museus no Oitocentos
prédio construído pelo Cel. Sertório e sua coleção foram comprados pelo
conselheiro Francisco de Paula Mayrink que, sem interesse na coleção, doou-a à
Comissão Geográfica e Geológica do Governo do Estado de São Paulo em 23 de
dezembro de 1890. Acrescidas dos objetos da coleção do Museu Provincial da
Associação Auxiliadora do Progresso de São Paulo e de outro acervo particular, de
um colecionador conhecido simplesmente como Pessanha, além de objetos do
naturalista Hermann Von Ihering, que viria a dirigir o museu, foi formada a primeira
coleção do Museu Paulista.
Mas, a princípio, o que se tornaria mais tarde o Museu Paulista começou
como uma coleção encostada à seção zoológica da Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo, onde trabalhava o geólogo estadunidense naturalizado
brasileiro Orville Derby. Segundo correspondência de Derby analisada por Maria
Margaret Lopes e Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa em A criação do Museu
Paulista na correspondência de Hermann Von Ihering (1850-1930):
século XIX, Rachel Pinheiro chegou à conclusão de que entre 1800 e 1900 houve
um aumento exponencial no número de publicações científicas na Europa. O Brasil
acompanhou esta tendência e
referenciais que muito esclarecem sobre o papel desta instituição, como a tese de
doutorado de Maria Margaret Lopes, intitulada As ciências naturais e os museus no
Brasil no século XIX, o artigo O Museu Nacional e o ensino das ciências naturais no
Brasil do século XIX, de Magali Romero Sá e Heloísa Maria Bertol Domingues e o
livro O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil.
1870-1930, de Lilia Moritz Schwarcz, só para citar alguns exemplos.
O MN tinha papel de destaque não apenas em âmbito nacional, mas era
também reconhecido internacionalmente e sua extensa e variada coleção continha,
segundo Lopes (2010, p. 60)
estes cursos, de que já houve um ensaio no ano passado, são destinados à instrução
das classes estranhas ao estudo da história natural, das senhoras, dos homens de
letras, dos empregados públicos, do povo, enfim, que poderá utilizar deste modo uma
hora desocupada da noite em proveito de sua instrução.
[...]
os nomes do pessoal encarregado do ensino do museu dispensam-nos de dizer o
que esperamos de tão importante instituição, em favor do público e da instrução
superior do país
O Museu Nacional, por exemplo, além de ter sua origem ligada à política de
um monarca português no Brasil, que lidava com as vicissitudes de um
Império que se transferia para a colônia, até o último quartel do século XIX
se sustentava enquanto um projeto bastante associado ao Estado Nacional
e, em especial, à figura do Imperador. (SCHWARCZ, 1993, p. 90).
Foi assim que Pedro II estabeleceu sua imagem de mecenas das ciências,
tendo mesmo proferido, em uma das sessões do IHGB, a seguinte máxima: “A
ciência sou eu”, em alusão ao dito de Luís XIV. Com esta afirmação, o Imperador
tomava seu posto como patrono da atividade científica brasileira.
Os cursos públicos do MN, no entanto, tomavam muito do tempo dos
diretores e vice-diretores da instituição, que também tinham de cumprir suas
obrigações de pesquisadores. Por esta razão, o caráter regular dos cursos não
durou muito tempo. Logo, Ladislau Netto promoveu outra reforma em que destituía a
regularidade dos cursos e alterava o status das preleções para o de “conferências
extraordinárias”. Os cursos só foram novamente retomados de forma regular em
1911, já durante o período republicano, pelo então diretor João Batista de Lacerda.
A função educativa dos museus era tomada como de grande importância, tendo
Lacerda escrito, já em 1905, em seu livro sobre a história do Museu Nacional, que:
Desde que o Museu Nacional deixou de ser mero repositório de coleções para tornar-
se, na forma do seu regulamento, propagador doutrinal das Ciências Naturais, era lhe
indispensável um laboratório. Tratando de o estabelecer o Sr. Ministro da Agricultura
presta distinto serviço a um ramo de estudos a que é de todo o ponto necessário dar
38
entre nós o máximo desenvolvimento. Com os seus cursos orais, com a sua revista e
dentro em pouco com o auxílio de seu laboratório, o Museu Nacional pode constituir-
se em um foco de ativa propaganda das Ciências Naturais. Os bons resultados desta
impulsão não precisam em nosso tempo ser encarecidos, mormente em um país,
como o nosso em que tão vasto e inexplorado campo se depara a investigação
científica. (Jornal do Commercio apud LOPES, 1993, p. 178).
foi exibida a singularidade nacional com que Netto esperava inserir o Brasil
no mundo científico internacional. O que se pretendia expor e o que unia os
conteúdos das diversas vitrinas era o papel original que cabia ao Museu
Nacional do Rio de Janeiro cumprir na construção do imaginário do Império
brasileiro e no panorama das ciências universais. A Exposição
Antropológica Brasileira destacava as investigações da particularidade local,
ainda não completamente estudada – as origens da ‘raça’ brasileira.
(LOPES, 2001, p. 64).
Com mais de 1.000 visitantes durante os três meses em que esteve aberta ao
público, esta exposição foi um dos grandes orgulhos de Ladislau Netto, que tinha
planos para realizar uma segunda exposição antropológica, que nunca chegou a ser
realizada.
40
A ciência Oitocentista, por sua vez, era uma ciência que extrapolava os limites
físicos dos museus, dos gabinetes científicos e dos laboratórios e percorria
livremente o território brasileiro, ainda inexplorado, em busca dos seus objetos de
estudo. Durante o século XIX, a ciência era uma ciência viajante.
41
CAPÍTULO 2
A ciência viajante
As viagens são a escola do homem, ele não dá um passo sem aumentar os seus
conhecimentos e ver recuar diante de si o horizonte. À medida que avança, seja
através de observações próprias, seja lendo os relatos de outros, ele perde um
preconceito, desenvolve o espírito, apura o gosto, aumenta a sua razão,
acostumando-se ao altruísmo. E tanto por necessidade quanto por justiça em relação
à humanidade, sente-se cada vez impelido a se tornar melhor, dizendo a si mesmo
segundo o filósofo inglês Tolland: o mundo é a minha pátria, e os homens são meus
irmãos. (apud GUIMARÃES, 2000, p. 389).
indígena. Ao analisar a iconografia produzida por estes artistas, Lorelai Kury afirma
que
a iconografia resultante das viagens científicas do século XIX costuma
representar cenas consideradas típicas da vida nos trópicos, onde a
natureza e os indígenas têm papel preponderante. O pintor Louis de Choris,
que passou pelo Sul do Brasil em 1815, procurou retratar traços naturais e
humanos no interior de um mesmo conjunto. Em uma das poucas
ilustrações que fez sobre o Brasil, insere em uma paisagem de Santa
Catarina, pássaros, répteis, plantas, relevo local e o que seria um brasileiro
típico. Diversos naturalistas incluem em suas obras cenas que retratam a
relação dos homens com a natureza. [...] Os momentos retratados são
especiais, únicos e típicos ao mesmo tempo. Únicos, porque foram vividos e
observados pelo próprio viajante ao longo de suas andanças. Típicos,
porque os fenômenos descritos ocorrem ali sempre sob as mesmas
circunstâncias. [...] A iconografia e os relatos de viagem buscam, assim,
descrever de modo exaustivo e profundo os diversos elementos que
compõem cada lugar. (idem, p. 869).
Os museus, por sua vez, estão inseridos neste contexto como “lugar do
discurso científico no processo de formação da nacionalidade brasileira na segunda
metade do século XIX.” (idem, p. 455).
A relação de interesses, no entanto, era recíproca. Enquanto o Estado
procurava utilizar da ciência como uma ferramenta para o progresso e modernidade
da nação, procurando demarcar seu território e nele procurar por riquezas, a ciência
também aproveitava da sua proximidade com o Estado para conseguir
financiamento para suas expedições e pesquisas. É notável o caso do naturalista
francês Armand de Quatrefages de Bréau que, durante vinte anos, manteve
correspondência com o imperador D. Pedro II. Contrário à teoria evolucionista e não
acreditando na origem comum das espécies, Quatrefages orientava o imperador
sobre quais expedições poderia financiar, a fim de que pudesse levantar fatos
contrários à tese darwinista. O Estado, por sua vez, também se aproveitava das
coleções e as utilizava como semióforos2 representantes das riquezas e qualidades
naturais de seus territórios, uma garantia de exploração para bem econômico e
forma de demonstração de soberania frente à outras nações.
Os interesses do Estado na exploração da terra e na construção de uma
história nacional também estavam implícitos na primeira expedição científica
brasileira. Conhecida por diversos nomes, como: Comissão Científica do Império,
Comissão Científica de Exploração das Províncias do Norte, Comissão do Ceará,
Imperial Comissão Científica ou, pelo apelido jocoso de Comissão das Borboletas, a
expedição brasileira constituiu um marco de consolidação das ciências naturais
neste período no Brasil. Com o apoio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
patrocínio do governo Imperial de D. Pedro II, foi formada uma comissão de
cientistas brasileiros com o objetivo de explorar algumas das províncias menos
conhecidas do país e formar coleções mineralógicas, de fauna, flora e “tudo quanto
possa servir de prova do estado de civilização, indústria, usos e costumes dos
nossos indígenas” (KURY, 2009, p. 38). A idéia da expedição surgiu com o
naturalista e secretário do IHGB, Manuel Ferreira Lagos, que conclamava seus
colegas a fazerem uma ciência brasileira, que pusesse um fim ao que acreditava
serem erros difundidos por naturalistas estrangeiros. Assim, perguntava:
2
Segundo Chauí (2000), o semióforo é “um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo
que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força
simbólica [...] Um semióforo é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação”
(CHAUÍ, 2000, p. 9)
49
e não vos parece, senhores, que já era tempo de entrarmos, sem auxílio
estranho, no exame e investigação deste solo virgem, onde tudo é
maravilhoso? De desmentirmos esses viajantes de má fé ou levianos que
nos têm ludibriado e caluniado? De mostrarmos, finalmente, ao mundo, que
não nos faltam talentos e as habilitações necessárias para as pesquisas
científicas? (idem, p. 38).
que morriam, para que pudessem ser preservados e expostos. Lagos também
trouxe para o Museu Nacional uma vasta coleção de insetos, com mais de doze mil
exemplares, além de quatro mil exemplares de aves, 80 espécies de répteis,
mamíferos e outros animais, um conjunto de anotações sobre lendas, folclores e
atividades zooextrativistas, amostras de artefatos artesanais, enfeites, vestuários,
assim como doou para o museu todos os livros comprados para a expedição. “O
Museu Nacional, que lutava desde sua origem por verbas para aquisição de
coleções (...) e enfrentava todo tipo de dificuldades para realizar suas explorações
cotidianas lucrou enormemente com a Comissão.” (LOPES apud SÁ, 2009, p. 167).
As expedições de exploração em muito contribuíam para o fomento das coleções
dos museus. Estima-se que, devido ao trabalho dos naturalistas do Museu em 1876,
foram adicionados às coleções do MN, cerca de 1.500 espécies, “às coletas de
Schwacke, Glaziou, Netto e Jobert entre 1873-1891, cerca de 5.000; devidas à
Lindmann em 1893-1894, 200 espécies e 3.500 a Spencer Moore que viajou com
John Evans pelo Mato Grosso em 1892.” (LOPES, 1993, p. 183).
Além das contribuições para o acervo do museu, Lagos organizou nas
dependências da instituição uma exposição com produtos originários do Ceará,
inaugurada em 9 de setembro de 1861. Muito elogiada, a exposição ganhou
menções no Jornal do Commercio, no Diário do Rio de Janeiro e no periódico local
O Cearense. Segundo a notícia no Jornal do Commercio, foram expostos produtos
de grande importância econômica, como diversas qualidades de mel, ceras e
produtos extraídos de madeiras como a Carnaúba. Conta-se mesmo que o próprio
Imperador teria ido visitar a exposição, onde passou duas horas “examinando
cuidadosamente os objetos e inquirindo com minuciosidade acerca de cada um”
(KURY, 2009, p. 32). Os melhores produtos desta exposição foram enviados, junto
com objetos indígenas selecionados por Gonçalves Dias, para a Exposição Nacional
de 1861, onde, graças à Comissão de exploração, o Ceará foi a província mais bem
representada. Destes produtos expostos, “um ‘quadro’ com 24 espécies de abelhas
montadas e 23 vidros com abelhas do Ceará em meio líquido foram posteriormente
remetidos para a Exposição Universal de Londres, material que foi premiado com
menção honrosa.” (SÁ, 2009, p. 167).
Apesar da grande riqueza e variedade de objetos coletados, é importante
destacar que muitas dessas coleções foram depositadas no Museu Nacional, porém,
lá ficaram sem serem estudadas ou divulgadas. A coleção de aves, por exemplo, em
52
E é esta onipresença da ciência brasileira durante o século XIX que nos faz
pensar na importância da preservação das coleções que hoje estão distribuídas por
nossos museus, bibliotecas e arquivos, aspecto que exploramos mais
profundamente no próximo capítulo.
55
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Valorização do patrimônio científico brasileiro
22). Assim, o museu deveria ser um espaço, ao mesmo tempo, para leigos e
pesquisadores. “O poder de atração dos objetos deveria ser um critério a se priorizar
na seleção do material a ser exposto, e sua disposição nas salas deveria realizar-se
de forma a poderem ser apreciados pelo público.” (idem, p. 25). Para isso, era
preciso que as novas galerias abandonassem as velhas concepções de gabinetes
de curiosidades. Todas estas observações levaram à percepção do museu como um
organismo vivo. Foi Flower quem lançou a máxima “un museo se asemeja á un
organismo viviente; exije atentos y constantes cuidados” (idem, p. 27), repetida por
João Batista de Lacerda, enquanto na direção do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
O papel educacional dos museus como agentes de alfabetização científica
era, portanto, de suma importância. Enquanto analisou o museu como espaço de
difusão e divulgação científica, o historiador Lúcio de Franciscis dos Reis Piedade
Filho escolheu um exemplo notável da importância do museu como incentivador da
ciência. Embora seu exemplo trate de um personagem do século XX, a validade e
interesse deste exemplo permanecem e, por isso, vale a pena reproduzi-lo:
“Em O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan relata a importância central
das exposições em sua vivência. Quando jovem, em 1939, Sagan foi levado por seus
pais à Feira Mundial de Nova York, em que lhe foi oferecida a visão de um futuro
perfeito que a ciência e a alta tecnologia tornavam possível. ‘Estava claro que o
mundo continha maravilhas que eu jamais imaginara’ (SAGAN, 2006. p. 13-14). Seus
pais não eram cientistas e não sabiam quase nada sobre ciência, mas ao
apresentarem o filho simultaneamente ao ceticismo e à admiração, ensinaram a ele
duas formas de pensar, ambas centrais para o método científico.” (PIEDADE FILHO,
2009, p. 4).
A partir deste exemplo, Piedade Filho percebe o papel do museu como um
local privilegiado de aprendizagem, “uma vez que dentro dele é possível aprender
ciência por meio do toque (experiência concreta), pela visão do que ocorre
(observação reflexiva), pela compreensão conceitual e pela experimentação de
maneira ativa e instigante.” (idem. p. 5). Assim como, no século XX, a influência dos
museus como locais de educação científica foi capaz de incentivar Carl Sagan a se
tornar um dos maiores astrônomos que os Estados Unidos já conheceu, também no
século XIX os museus estavam cumprindo seu papel de incentivadores e
divulgadores da atividade científica.
Com o que foi exposto até aqui é possível perceber, indubitavelmente, que os
museus de história natural Oitocentistas conformaram-se, por excelência, como
locais de ciência. A ciência viajante do século XIX, as expedições científicas de
exploração, a prática comum da vulgarização científica e os naturalistas viajantes
59
4
No Anexo 2, proponho um gráfico que traduz visualmente esta rede de relações.
60
Patrimônio Científico e Tecnológico Brasileiro. Este projeto teve sua gênese nas
reflexões desenvolvidas pelo núcleo de preservação das coleções de instrumentos
científicos do MAST e nos estudos desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-
Graduação em Museologia e Patrimônio, uma parceria do MAST com a
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Este projeto se justifica,
em primeiro lugar, pelo valor documental e histórico desse patrimônio; em segundo
lugar, por quase nada desse tema ser estudado no país; e em terceiro lugar, por
estar muito ameaçado, necessitando ser descoberto e preservado” (idem, p. 99). O
objetivo desta iniciativa é elaborar um panorama mais claro sobre o patrimônio da
ciência e tecnologia no Brasil, procurando defini-lo, inventariá-lo e analisar
estratégias para sua preservação5. Um dos primeiros resultados deste projeto foi a
publicação intitulada Coleções científicas luso-brasileiras: patrimônio a ser
descoberto, onde são levantadas questões relacionadas às origens, estado e
preservação das coleções científicas brasileiras e, também, portuguesas.
Outro movimento importante em prol da preservação do patrimônio de ciência
e tecnologia são as conferências nacionais de CT&I. Na 4ª Conferência Nacional de
CT&I, realizada entre 26 e 28 de maio de 2010, o professor da Universidade Federal
Fluminense e diretor do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Knauss,
relatou o seguinte:
5
Para mais informações sobre o Projeto de Valorização do Patrimônio Científico e Tecnológico
Brasileiro, ver no endereço eletrônico do MAST: http://www.mast.br/projetovalorizacao/inicio.html
64
ANEXO 1
Itinerários Aproximados das Excursões da Comissão Científica do
Império
66
ANEXO 2
Quadro: Rede de relações entre museus, ciência e Estado
68
EXPEDIÇÕES COLEÇÕES
PUBLICAÇÕES VULGARIZAÇÃO
REFERÊNCIAS
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