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As máscaras

O poeta estava em Estocolmo. Tudo branco ao seu redor, dos olhos dos suecos
aos tetos das casas. A solidão do poeta naquela cidade distante também o branquejava
por dentro. Ele observa numa vitrine duas máscaras de demônios africanos. Eram de tal
desordem na ordeira Estocolmo aquela abruptas faces, com as agudas maçãs-do-rosto, a
testa alta e os olhos vazios, olhos que levavam para dentro das máscaras uma escuridão
maior. Tais artefatos não poderiam estar ali como se fossem peças de artesanato para
satisfazer o desejo de exotismo de uma madame sueca. Era preciso levá-las embora. E
assim fez o poeta, comprou as máscaras de demônios africanos.
A saber: o poeta andava por Estocolmo sozinho, mas aqui, nessas terras de baixo
trópico, ele não é sozinho, tem esposa que o recebeu festiva no aeroporto. A empolgação
do poeta em Estocolmo esqueceu que sua mulher odiaria as máscaras. De qualquer
forma, iria tentar, quem sabe a esposa não as aceitaria naquele espaço vazio na parede,
que há muito aguarda algo especial. O poeta com todo o tato e poesia que lhe coube
nessa vida, falou para a esposa das tarde branca de Estocolmo, se sua solidão e
saudades brancas, de como viu as máscaras que pareciam querer ser libertadas daquele
frio todo, que imaginou-as misteriando a casa, que o ideal seria devolvê-las à Africa, mas
isso não sendo possível, elas poderiam ficar por ali, sobre suas cabeças. O poeta até
pediu à esposa que as olhasse mais de perto, que percebesse um inédito ar de
agradecimento nas máscaras. Ela apenas ouviu, acenou positivamente pois sabia que
não adiantaria dizer que não tinha gostado daquela coisa horrorosa, e nem era por
superstição, mas porque aquilo não combinava com nada dentro da casa, além disso a
esposa sempre gostava das desculpas poéticas do marido, principalmente, quando ele
inventava verbos novos, como esse misteriar.
Deixou que as máscaras ficassem. Antes não tivesse deixado, pois cada vez que
passava pela sala, levava um susto com aqueles quatro olhos vazios esvaziando a sua
calma. Passou a atravessar a sala com os olhos fechados, pouco adiantou, as máscaras
fantasmavam a sua memória. Era preciso se livrar daquilo, mas como fazer ser ser uma
lesa-poesia? Uma lesa-ilusão? Fez alguns telefonemas, cobrou dois ou três favores e
numa tarde de quinta-feira falou da novidade ao poeta: as máscaras estavam finalmente
livres, retornariam à Africa, mais precisamente Uganda. Tinha um amigo que tinha um
amigo que levaria as máscaras. Elas retornariam ao seu lar. O poeta ainda tentou
argumentar de que talvez Uganda não fosse a terra das máscaras, de que elas fossem
nigerianas ou moçambicanas. Talvez, respondeu a esposa, mas o fato é que elas
chegarão à Africa e lá elas conseguirão ser felizes seja em que país for. O poeta não teve
muita escolha, despediu-se das máscaras e começou a pensar no que colocar no lugar.
Talvez duas gravuras góticas da Romênia. “Não me venha com vampiros” alertou a
esposa, no outro canto da sala.

Rubens da Cunha

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