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O problema e a questão

não são determinações subjetivas, privativas,


marcando um momento
de insuficiência no conhecimento.

A estrutura problemática
faz parte dos objetos
e permite apreendê-los
como signos,

assim como a instância questionante


ou problematizante
faz parte do conhecimento
e permite apreender-lhe a positividade,
a especificidade no ato de aprender.

Mais profundamente ainda,


é o Ser
(Platão dizia a Idéia)
que "corresponde"
à essência do problema ou da questão como tal.

Há como que uma "abertura",


uma "fenda",
uma "dobra" ontológica
que reporta o ser e a questão
um ao outro.

Nesta relação,
o ser é a própria Diferença.
O ser é também não-ser,
mas o não-ser
não é o ser do negativo,

é o ser do problemático,
o ser do problema e da questão.

A diferença não é o negativo;


ao contrário,
o não-ser é que é a Diferença:
􀂏☺􀂏􀂏􀂏􀂏, não 􀂏􀂏􀂏􀂏☺symbol 92 \f "WP Greek Courier".

Eis por que o não-ser


deveria antes ser escrito (não)- ser,
ou, melhor ainda, ?- ser.

Acontece, neste sentido,


que o infinitivo,
o esse,
designa menos uma proposição
que a interrogação que se supõe
esteja sendo respondida pela proposição.
Este (não)- ser
é o Elemento diferencial
em que a afirmação,
como afirmação múltipla,
encontra o princípio de sua gênese.

Quanto à negação,
ela é apenas a sombra
deste mais elevado princípio,
a sombra da diferença
ao lado da afirmação produzida.

Quando confundimos
o (não)- ser com o negativo,
é inevitável que a contradição seja levada ao ser;
mas a contradição é ainda a aparência
ou o epifenômeno,
a ilusão projetada pelo problema,
a sombra de uma questão que permanece aberta
e do ser que, como tal,
corresponde a esta questão
(antes de lhe dar uma resposta).

Já não é neste sentido


que a contradição caracteriza, em Platão,
o estado dos diálogos ditos aporéticos?

Para além da contradição, a diferença


para além do não-ser, o (não)- ser;
para além do negativo, o problema e a questão35.

35 NOTA SOBRE A FILOSOFIA DA DIFERENÇA DE HEIDEGGER. Parece que os principais malentendidos


que Heidegger denunciou como contra-sensos sobre sua filosofia, após Ser e Tempo e Que é
metafísica?, incidiam sobre o seguinte: o NÃO heideggeriano remetia, não ao negativo no ser, mas ao ser
como diferença; e não à negação, mas à questão. Quando Sartre, no inicio de O ser e o nada, analisava a
interrogação, ele fazia disto uma preliminar para a descoberta do negativo e da negatividade. De certo
modo, era o contrário do procedimento de Heidegger. É verdade que não havia nisto qualquer malentendido,
visto que Sartre não se propunha a comentar Heidegger. Mas Merleau-Ponty, sem dúvida, tinha
uma inspiração heideggeriana mais real, quando falava de "dobra" ou de "franzido", desde a
Fenomenologia da percepção (em oposição aos "buracos" e "lagos de não-ser" sartrianos) - e quando
voltava a uma ontologia da diferença e da questão em seu livro póstumo. o visível e o invisível.
As teses de Heidegger podem ser assim resumidas: 1.°, o não não exprime o negativo, mas a
diferença entre o ser e o ente. Cf. prefácio de Vom Wesen des Grundes. 3" éd., 1949: "A diferença
ontológica é o não entre o ente e o ser" (e posfácio de Was ist Metaphysik?, 4e éd,, 1943: "O que nunca é
em parte alguma um ente não se desvela como o Se-diferenciante de todo ente? " (p. 25); 2.", esta diferença
não é " entre... ", no sentido ordinário da palavra. Ela é a Dobra, Zwiefalt. Ela é constitutiva do ser e da
maneira pela qual o ser constitui o ente no duplo movimento da "clareira" e do "velamento". O ser é
verdadeiramente o diferenciante da diferença. Dai a expressão: diferença ontológica. Cf. Dépassement de
la métaphysique, tradução francesa, in Essais et conférences, pp. 89 sq.; 3.°, a diferença ontológica está em
correspondência com a questão. Ela é o ser da questão que se desenvolve em problemas, balizando campos
coração, aos músculos, aos nervos, às
células, mas uma alma contemplativa cujo papel é contrair o hábito. Não há nisto
qualquer hipótese bárbara ou mística: o hábito aí manifesta, ao contrário, sua plena
generalidade, que não só concentre aos hábitos sensórios-motores que temos
(psicologicamente), mas, em primeiro lugar, aos hábitos primários que somos, às
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milhares de sínteses passivas que nos compõem organicamente. É contraindo que somos
hábitos, mas é pela contemplação que contraímos. Somos contemplações, somos
imaginações, somos generalidades, somos pretensões, somos satisfações. Com efeito, o
fenômeno da pretensão é somente ainda a contemplação contraente, pela qual afirmamos
nosso direito e nossa expectativa sobre o que contraímos, pela qual afirmamos nossa
própria satisfação enquanto contemplamos. Não nos contemplamos, mas só existimos
contemplando, isto é, contraindo aquilo de que procedemos. A questão de saber se o
prazer é uma contração, uma tensão, ou se está sempre ligado a um processo de
descontração, não é uma questão bem formulada; serão encontrados elementos de prazer
na sucessão ativa das descontrações e das contrações de excitantes. Mas trata-se de uma
questão totalmente distinta perguntar por que o prazer não é simplesmente um elemento
ou um caso em nossa vida psíquica, mas um princípio que rege soberanamente esta vida
em todos os casos. O prazer é um princípio, na medida em que ele é a comoção de uma
contemplação transbordante que contrai em si mesma os casos de descontração e de
contração. Há uma beatitude da síntese passiva; e todos somos Narcisos, pelo prazer que
sentimos ao contemplar (auto-satisfação), se bem que contemplemos outra coisa que não
nós mesmos. Somos sempre Acteon pelo que contemplamos, se bem que sejamos
Narcisos pelo prazer que tiramos disto. Contemplar é transvasar. É sempre outra coisa, é
a água, Diana ou os bosques que é preciso contemplar primeiramente para preencher uma
imagem de si mesmo.
Todavia, introduzir o tempo no pensamento como tal
é a prestigiosa contribuição de Kant?

A pergunta deve ser feita,


pois parecia que a reminiscência platônica
já tinha este sentido.

O inatismo é um mito,
assim como a reminiscência;
mas é um mito do instantâneo,
razão pela qual ele convém a Descartes.

Quando Platão opõe expressamente


a reminiscência ao inatismo,
ele quer dizer que este
apenas representa a imagem abstrata do saber,
mas que o movimento real de aprender
implica, na alma,
a distinção de um "antes" e de um "depois",
isto é, a introdução de um tempo primeiro
para esquecer o que soubemos;

visto que, num tempo segundo,


acontece-nos redescobrir o que esquecemos48.

Mas toda a questão é a seguinte:


sob que forma a reminiscência introduz o tempo?

Mesmo para a alma,


trata-se de um tempo físico,
de um tempo da Physis,
periódico ou circular,
subordinado aos acontecimentos
que se passam nele
ou aos movimentos
que ele mede,
aos avatares que o escandem. S

em dúvida, este tempo


encontra seu fundamento num em-si,
isto é, no passado puro da Idéia,
que organiza em círculo a ordem dos presentes,
segundo suas semelhanças decrescentes e crescentes com o ideal,
mas que, do mesmo modo,
faz com que a alma saia do círculo
que ela soube conservar para si mesma
ou com que redescubra o país do em-si.
159 Oitavo postulado: o resultado do saber
Os problemas e suas simbólicas
estão em relação com os signos.

São os signos que "dão problema"


e que se desenvolvem
num campo simbólico.

O uso paradoxal das faculdades


é, primeiramente,
o da sensibilidade no signo
remete, pois, às Idéias
que percorrem todas as faculdades
e, por sua vez, as despertam.

Inversamente, a Idéia
remete ao uso paradoxal de cada faculdade
e oferece o sentido à linguagem.

Dá na mesma explorar a Idéia


e elevar cada uma das faculdades
a seu exercício transcendente.

São estes os dois aspectos de um aprender,


de uma aprendiagem.

Com efeito, de um lado, o aprendiz


é aquele que constitui e inventa
problemas práticos ou especulativos como tais.

Aprender
é o nome que convém a
os atos subjetivos operados
em face da objetidade do problema (Idéia), ao passo que saber designa apenas a generalidade do
conceito ou a
calma posse de uma regra das soluções. Um célebre experimento em Psicologia coloca
em cena um macaco ao qual se propõe que encontre seu alimento em caixas de
determinada cor entre outras de cores diversas; advém um período paradoxal em que o
número de "erros" diminui, sem que, todavia, o macaco possua o "saber" ou a "verdade"
de uma solução para cada caso. Feliz é o momento em que o macaco-filósofo se abre à
verdade e produz o verdadeiro, mas somente na medida em que ele começa a penetrar na
espessura colorida de um problema. Vê-se, aqui, como a descontinuidade das respostas se
engendra sobre fundo de continuidade de uma aprendiagem ideal e como o verdadeiro e
o falso se distribuem conforme o que se compreende do problema, como a verdade final,
quando obtida, surge como o limite do problema inteiramente compreendido e
determinado, como o produto de séries genéticas que constituem o sentido ou como o
resultado de uma gênese que não se passa apenas na cabeça de um macaco. Aprender é
penetrar no universal das relações que constituem a Idéia e nas singularidades que lhes
correspondem. A Idéia de mar, por exemplo, como mostrava Leibniz, é um sistema de
ligações ou de relações diferenciais entre partículas e de singularidades correspondentes
aos graus de variação destas relações, o conjunto do sistema encarnando-se no
movimento real das ondas. Aprender a nadar é conjugar pontos relevantes de nosso corpo
com os pontos singulares da Idéia objetiva para formar um campo problemático. Esta
conjugação determina para nós um limiar de consciência ao nível do qual nossos atos
reais se ajustam as nossas percepções das correlações reais do objeto, fornecendo, então,
uma solução do problema. Mas, precisamente, as Idéias problemáticas são ao mesmo
tempo os elementos últimos da natureza e o objeto subliminar das pequenas percepções.
Deste modo, "aprender" passa sempre pelo inconsciente, passa-se sempre no
inconsciente, estabelecendo, entre a natureza e o espírito, o liame de uma cumplicidade
profunda.
Que significa "aprender"?
O aprendiz, por outro lado, eleva cada faculdade ao exercício transcendente. Ele
procura fazer com que nasça na sensibilidade esta segunda potência que apreende o que
só pode ser sentido. É esta a educação dos sentidos. E de uma faculdade à outra, a
violência se comunica, mas compreendendo sempre o Outro no incomparável de cada
uma. A partir de que signos da sensibilidade, por meio de que tesouros da memória, sob
torções determinadas pelas singularidades de que Idéia será o pensamento suscitado?
Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender - que amores tornam alguém bom
em Latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a
pensar. Os limites das faculdades se encaixam uns nos outros sob a forma quebrada
daquilo que traz e transmite a diferença. Não há método para encontrar tesouros nem para
aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou paidéia que percorre
inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce o ato de sentir na sensibilidade,
um afásico em que nasce a fala na linguagem, um acéfalo em que nasce pensar no
pensamento). O método é o meio de saber quem regula a colaboração de todas as
faculdades; além disso, ele é a manifestação de um senso comum ou a realização de uma
Cogitatio natura, pressupondo uma boa vontade como uma "decisão premeditada" do
pensador. Mas a cultura é o movimento de aprender, a aventura do involuntário,
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encadeando uma sensibilidade, uma memória, depois um pensamento, com todas as
violências e crueldades necessárias, dizia Nietzsche, justamente para "adestrar um povo
de pensadores", "adestrar o espírito".
Sem dúvida, reconhece-se freqüentemente a importância e a dignidade de aprender.
Mas é como uma homenagem às condições empíricas do Saber: vê-se nobreza neste
movimento preparatório, que, todavia, deve desaparecer no resultado. E mesmo se
insistimos na especificidade de aprender e no tempo implicado na aprendiagem, é para
apaziguar os escrúpulos de uma consciência psicológica que, certamente, não se permite
disputar com o saber o direito inato de representar todo o transcendental. Aprender vem a
ser tão-somente o intermediário entre não-saber e saber, a passagem viva de um ao outro.
Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma tarefa infinita, mas esta não deixa de
ser rejeitada para o lado das circunstâncias e da aquisição, posta para fora da essência
supostamente simples do saber como inatismo, elemento a priori ou mesmo Idéia
reguladora. E, finalmente, a aprendiagem está, antes de mais nada, do lado do rato no
labirinto, ao passo que o filósofo fora da caverna considera somente o resultado - o saber
- para dele extrair os princípios transcendentais. Mesmo em Hegel, a formidável
aprendiagem a que se assiste na Fenomenologia permanece subordinada, tanto em seu
resultado quanto em seu princípio, ao ideal do saber como saber absoluto. É verdade que
também neste caso Platão é uma exceção, pois, com ele, aprender é verdadeiramente o
movimento transcendental da alma, irredutível tanto ao saber quanto ao não-saber. É do
"aprender" e não do saber que as condições transcendentais do pensamento devem ser
extraídas. Eis por que as condições são determinadas por Platão sob a forma da
reminiscência e não do inatismo. Um tempo se introduz, assim, no pensamento, não
como o tempo empírico do pensador submetido a condições de fato, e para quem pensar
toma tempo, mas como tempo do pensamento puro ou condição de direito (o tempo se
apodera do pensamento). E a reminiscência encontra seu objeto próprio, seu memorando,
na matéria específica da aprendiagem, isto é, nas questões e problemas como tais, na
urgência dos problemas, independentemente de suas soluções, a Idéia. Por que é preciso
que tantos princípios fundamentais concernentes ao que significa pensar estejam
comprometidos pela própria reminiscência? Com efeito, como vimos, o tempo platônico
só introduz sua diferença no pensamento e na aprendiagem, só introduz sua
heterogeneidade para submetê-los ainda à forma mítica da semelhança e da identidade,
portanto, à imagem do próprio saber. Deste modo, toda a teoria platônica da
aprendiagem funciona como um arrependimento, esmagado pela imagem dogmática
nascente, e suscita um sem-fundo que ela permanece incapaz de explorar. Um novo
Menão diria: é o saber que nada mais é que uma figura empírica, simples resultado que
cai e torna a cair na experiência, mas o aprender é a verdadeira estrutura transcendental
que une, sem mediatizá-las, a diferença à diferença, a dessemelhança à dessemelhança, e
que introduz o tempo no pensamento, mas como forma pura do tempo vazio em geral e
não como tal passado mítico, tal antigo presente mítico. Reencontramos sempre a
necessidade de reverter as correlações ou as supostas repartições do empírico e do
transcendental. E devemos considerar, como um oitavo postulado na imagem dogmática,
o postulado do saber, postulado que apenas recapitula, que apenas recolhe todos os outros
num resultado supostamente simples.
Aprender-se-á que os falsos problemas estão ligados a um uso ilegítimo da Idéia. Disto
resulta que nem todo problema é falso: as Idéias, em conformidade com sua natureza
crítica bem compreendida, têm um uso perfeitamente legítimo, chamado "regulador",
segundo o qual elas constituem verdadeiros problemas ou colocam problemas bem
fundados. Eis por que regulador significa problemático. As Idéias, por si mesmas, são
problemáticas, problematizantes - e Kant, apesar de alguns textos em que assimila os
termos, esforça-se por mostrar a diferença entre "problemático", de um lado, e, por outro
lado, "hipotético", "fictício", "geral" ou "abstrato". Em que sentido, pois, a razão
kantiana, como faculdade das Idéias, coloca ou constitui problemas? É que só ela é capaz
de reunir num todo os passos do entendimento concernentes a um conjunto de objetos11
Id., Des Idées transcendantales, I, p. 306.
.
Inversamente, este não-saber já não é um negativo, uma insuficiência, mas uma
regra, um aprender ao qual corresponde uma dimensão fundamental no objeto. Novo
Menão: é toda a relação pedagógica que se acha transformada, mas, com ela, bem outras
coisas ainda, o conhecimento e a razão suficiente. A "discernibilidade progressiva" de
Galois reúne num mesmo movimento contínuo o processo da determinação recíproca e o
da determinação completa (pares de raízes e distinção das raízes num par). Ela constitui a
figura total da razão suficiente e nela introduz o tempo. É com Abel e Galois que a teoria
dos problemas está, matematicamente, à altura de preencher todas as suas exigências
propriamente dialéticas e de quebrar o círculo que a afetava.
Teoria dos problemas: dialética e ciência
A multiplicidade não suporta qualquer dependência em relação ao idêntico
no sujeito ou no objeto. Os acontecimentos e as singularidades da Idéia não deixam
subsistir qualquer posição da essência como "aquilo que a coisa é". Sem dúvida, é
permitido conservar a palavra essência no caso de se estar apegado a ela, mas à condição
de dizer que a essência é precisamente o acidente, o acontecimento, o sentido, não
somente o contrário do que se chama habitualmente de essência, mas o contrário do
contrário: a multiplicidade não é mais aparência do que essência, não é mais múltipla do
que una. Os procedimentos da vice-dicção não se deixam, portanto, exprimir em termos
de representação, mesmo infinita; eles perdem aí, como se viu em Leibniz, seu principal
poder, que é o de afirmar a divergência ou o descentramento. Na verdade, a Idéia não é o
elemento do saber, mas de um "aprender" infinito que, por natureza, difere do saber, pois
aprender evolui inteiramente na compreensão dos problemas enquanto tais, na apreensão
e condensação das singularidades, na composição dos corpos e acontecimentos ideais.
Aprender a nadar, aprender uma língua estrangeira, significa compor os pontos singulares
de seu próprio corpo ou de sua própria língua com os de uma outra figura, de um outro
elemento que nos desmembra, que nos leva a penetrar num mundo de problemas até
então desconhecidos, inauditos. E a que estaríamos destinados senão a problemas que
exigem até mesmo a transformação de nosso corpo e de nossa língua? Em suma, a
representação e o saber modelam-se inteiramente sobre as proposições da con
o ou a uma nova interpretação (não-aristotélica) do teatro: teatro das multiplicidades que,
sob todos os aspectos, opõe-se ao teatro da representação, teatro que não deixa subsistir a
identidade de uma coisa representada, de um autor, de um espectador, de um personagem
em cena, qualquer representação que possa, através das peripécias da peça, vir a ser
objeto de uma recognição final ou de um recolhimento do saber, teatro de problemas e de
questões sempre abertas, levando consigo o espectador, a cena e os personagens no
movimento real de uma aprendiagem de todo o inconsciente, cujos últimos elementos
são ainda os problemas.
O que nos parecia corresponder à Diferença, que articula ou reúne por
si mesma, era esta Discordância acordante. Portanto, há um ponto em que pensar, falar,
imaginar, sentir etc., são uma mesma coisa, mas esta coisa afirma somente a divergência
das faculdades em seu exercício transcendente. Trata-se, pois, não de um senso comum,
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mas, ao contrário, de um "para-senso" (no sentido de que o paradoxo é também o
contrário do bom senso). Este para-senso tem as Idéias como elementos, precisamente
porque as Idéias são multiplicidades puras que não pressupõem qualquer forma de
identidade num senso comum, mas que, ao contrário, animam e descrevem o exercício
disjunto das faculdades do ponto de vista transcendente. Assim, as Idéias são
multiplicidades de fulgores diferenciais, como fogos-fátuos de uma faculdade a outra,
"virtual cauda de fogos", sem nunca ter a homogeneidade desta luz natural que
caracteriza o senso comum. Eis por que aprender pode ser definido de duas maneiras
complementares que se opõem igualmente à representação no saber: ou aprender é
penetrar na Idéia, em suas variedades e seus pontos relevantes; ou aprender é elevar uma
faculdade a seu exercício transcendente disjunto, elevá-la a este encontro e a esta
violência que se comunicam às outras. Eis também por que o inconsciente tem duas
determinações complementares que o excluem necessariamente da representação, mas
que o tornam digno e capaz de uma apresentação pura: seja que o inconsciente se defina
pelo caráter extra-proposicional e não atual das Idéias no para-senso, seja que ele se
defina pelo caráter não empírico do exercício paradoxal das faculdades.
Os corpos ideais de adjunção que determinam um problema permaneceriam
arbitrários se os corpos de base pão ressoassem, incorporando todas as grandezas
exprimíveis pelo adjunto. Uma obra em geral é sempre um corpo ideal, um corpo ideal de
adjunção. A obra é um problema nascido do imperativo e é tanto mais perfeita e total
num lance quanto o problema é melhor determinado progressivamente como problema. O
autor da obra, portanto, é bem denominado o operador da Idéia. Quando Raymond
Roussel estabelece suas "equações de fatos" como problemas a serem resolvidos, fatos ou
acontecimentos ideais que se põem a ressoar sob o lance de um imperativo de linguagem,
fatos que são eles próprios fiat; quando muitos romancistas modernos instalam-se nesse
ponto aleatório, nessa "mancha cega", imperativa, questionante, a partir de que a obra se
desenvolve como problema, fazendo ressoar suas séries divergentes symbol 190 \f
"Symbol" \s 12 eles não fazem Matemáticas aplicadas nem qualquer metáfora
matemática ou física, mas estabelecem esta "ciência", mathesis universal imediata em
cada domínio; eles fazem da obra um aprender ou uma experimentação e, ao mesmo
tempo, algo de total a cada vez, onde todo o acaso encontra-se afirmado em cada caso,
cada vez renovável, sem que talvez nunca subsista um arbitrário81

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