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TENDÊNCIAS NO ENSINO

DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

CETEB

Brasília-DF.
Organizador:

Otacílio Antunes Santana

Avaliação e revisão:

Equipe Técnica do CETEB

DOCUMENTO DE PROPRIEDADE DO CETEB


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Nos termos da legislação sobre direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial
deste documento, por qualquer forma ou meio – eletrônico ou mecânico, inclusive por
processos xerográficos de fotocópia e de gravação – sem a permissão expressa e por
escrito do CETEB.

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Sumário

Apresentação............................................................................................................................................. 04
Organização do Caderno de Estudos......................................................................................................... 05
Organização do Curso................................................................................................................................ 06
Introdução.................................................................................................................................................. 07
Unidade I – Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia ................................................................. 08
Capítulo 1 – Abordagem Tradicional do Ensino de Ciências e de Biologia ...................................... 08
Capítulo 2 – Fundamentos Teóricos e Bases para o Ensino Contemporâneo de
Ciências e de Biologia .............................................................................................. 12
Capítulo 3 – Práticas Contemporâneas no Ensino-Aprendizagem de Ciências e de Biologia............. 17
Capítulo 4 – Avaliação do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista ................................... 21
Unidade II – Crise no Ensino de Ciências e de Biologia .......................................................................... 23
Capítulo 5 – Quantidade de Matéria Versus Qualidade na Formação ............................................. 23
Capítulo 6 – Alfabetização Científica e Técnica Versus Proezas Científicas .................................. 27
Capítulo 7 – Ciências de Situações ou Ciências Cotidiana? ........................................................... 30
Unidade III – O Professor de Biologia e a Formação Continuada em Serviço ....................................... 35
Capítulo 8 – Pesquisa como Prática Docente: Uma Perspectiva Formativa .................................... 35
Capítulo 9 – Relação Sujeito/Objeto da Pesquisa .......................................................................... 39
Capítulo 10 – Pesquisa Colaborativa: Uma Possibilidade .............................................................. 42
Unidade IV – Mudança Conceitual de Ensino de Ciências e de Biologia ............................................... 48
Capítulo 11 – Formação do Cidadão-Trabalhador-Estudante ......................................................... 48
Capítulo 12 – Ensino de Biologia e suas Implicações Sociais e Científicas .................................... 52
Capítulo 13 – Ensino de Biologia e as Possibilidades de Integração Escola Versus
Comunidade Local .................................................................................................. 58
Para (não) Finalizar ................................................................................................................................... 64
Referências................................................................................................................................................. 65

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Apresentação

Seja bem-vindo à Escola Aberta do CETEB – Curso Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia.

Este curso foi elaborado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento e ampliação de seus conhecimentos,
especificamente, no que se refere ao ensino de Ciências e de Biologia, fornecendo-lhe base teórica e instrumental que o
auxilie na tarefa conhecer abordagens diversas acerca das tendências da Ciência e da Biologia.

A carga horária deste curso é de 150 (cento e cinquenta) horas, cabendo a você administrar seu tempo, adequando-o a
sua disponiblidade, mas lembre-se, há um prazo para sua conclusão.

Considera-se importante a elaboração de um Plano de Estudos com no mínimo 10 (dez) horas semanais, para realização
e aprofundamento dos temas.

As atividades avaliativas encontram-se em documentos à parte e no ambiente virtual. Poderão ser enviadas por e-mail,
fax, correios, ao término de todo o curso.

Durante a realização do curso, haverá um tutor à sua disposição, para tirar dúvidas e apoiá-lo sempre que precisar.

Coordenação da Escola Aberta

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Organização do Caderno de Estudos

Organização do Curso: Apresentação dos objetivos e das unidades com seus respectivos capítulos.

Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido por você no Curso, indicando a importância deste para a
sua formação acadêmica.

Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática
e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada Curso.

Para refletir: Questões inseridas durante o estudo do Curso, para estimulá-lo a pensar a respeito do
assunto proposto. Registre aqui a sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante
é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita
sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.

Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de
dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto
básico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos
e enriquecê-los com a sua contribuição pessoal.

Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões.

Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer
o processo de aprendizagem.

Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a
reflexão.

Referências: Bibliografia citada na elaboração do Curso. Você poderá consultá-la também.

Bibliografia recomendada: Bibliografia indicada para consulta dos alunos.

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Organização do Curso

Objetivos
– Fazer um breve histórico.
– Descrever os fundamentos teóricos e as bases.
– Apresentar práticas contemporâneas no ensino-aprendizagem.
– Avaliar o processo de ensino tradicional e construtivista inseridos neste Curso.
– Observar a quantidade de matéria versus a qualidade na formação.
– Conceituar alfabetização científica e técnica e contrapor com as proezas científicas.
– Relacionar com as ciências de situações ou ciências cotidianas.
– Apresentar a pesquisa como prática docente.
– Relacionar relação sujeito/objeto da pesquisa.
– Descrever a pesquisa colaborativa.
– Observar a mudança conceitual de ensino.
– Apresentar a formação do cidadão-trabalhador-estudante.
– Demonstrar as implicações sociais e científicas e as possibilidades de integração escola e comunidade local.

Unidade I – Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia


Conteúdo Capítulo
Abordagem Tradicional do Ensino de Ciências e de Biologia 1
Fundamentos Teóricos e Bases para o Ensino Contemporâneo de Ciências e de Biologia 2
Práticas Contemporâneas no Ensino-Aprendizagem de Ciências e de Biologia 3
Avaliação do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista 4

Unidade II – Crise no Ensino de Ciências e de Biologia


Conteúdo Capítulo
Quantidade de Matéria Versus Qualidade na Formação 5
Alfabetização Científica e Técnica Versus Proezas Científicas 6
Ciências de Situações ou Ciências Cotidiana? 7

Unidade III – O Professor de Biologia e a Formação Continuada em Serviço


Conteúdo Capítulo
Pesquisa como Prática Docente: Uma Perspectiva Formativa 8
Relação Sujeito/Objeto da Pesquisa 9
Pesquisa Colaborativa: Uma Possibilidade 10

Unidade IV – Mudança Conceitual de Ensino de Ciências e de Biologia


Conteúdo Capítulo
Formação do Cidadão-Trabalhador-Estudante 11
Ensino de Biologia e suas Implicações Sociais e Científicas 12
Ensino de Biologia e as Possibilidades de Integração Escola Versus Comunidade Local 13

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Introdução

Este caderno de estudo é uma compilação de textos trazendo discussões e reflexões, para colaborar na construção do
conhecimento para o processo de ensino e aprendizagem, com exemplos e algumas práticas nas áreas de Ciências e
Biologia. Alguns conceitos podem ser transpassados a outras disciplinas.

O curso não é estático, participando de uma constante interferência não só individual, na figura do professor ou cientista,
como também social, que sofre a modelagem temporal e espacial. Isso não seria diferente no Ensino de Ciências e de
Biologia. A partir disso, tenta-se observar alguns conceitos e paradigmas e retornar a eles, para entender as práticas e
tendências contemporâneas.

Espero que este material contribua para aumentar o seu conhecimento, passando, a partir daqui, a gerar novas reflexões
e indagações, tornando-se um vício positivo e contagioso, colaborando com o Ensino de Ciências e Biologia.

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Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia Unidade I

Tendências do Ensino de Ciências


e de Biologia
Capítulo 1 – Abordagem Tradicional do Ensino de Ciências e de Biologia

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,

(i) Tradicional:
Acepções
• adjetivo de dois gêneros
1. relativo a tradição
2. conservado ou fundado na tradição

(ii) Contemporâneo:
Acepções
• adjetivo e substantivo masculino
1. que ou o que viveu ou existiu na mesma época
Ex.: <Balzac e Machado de Assis foram escritores c.> <os c. desse
episódio diferem muito em seus relatos>
2. que ou o que é do tempo atual
Ex.: <arte c.> <nossos c. tendem a ser individualistas>

• adjetivo
3. Rubrica: história.
relativo ao período da história mundial que, por convenção, se inicia com
a Revolução Francesa

A partir dos dois conceitos apresentados anteriormente, uma


primeira reflexão pode ser instigada: o ensino de Ciências e Biologia
envelhece?

No final do século XVIII, precisamente, em 1794, ocorreu a fundação da École Polytechnique, que pode ser considerada
como um divisor de águas no processo que procurou reorganizar a educação e, particularmente, o ensino das Ciências e
as instituições que o ofereciam. Criada para dar formação científica aos novos engenheiros e técnicos, a Polytechnique
serviu como modelo para tudo o que veio depois, em termos educacionais, no campo da ciência e da técnica. Muito do
que foi lá institucionalizado já vinha sendo testado em caráter não sistemático em diversas escolas militares francesas.
A fundação dessa escola teve a participação de diversos cientistas e foi o ponto culminante de discussões travadas ao
longo do século XVIII, no bojo do movimento iluminista (REIS et al. 2005; MILLOT, 1981).
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À medida que a ciência e a tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural
e social, o ensino de Ciências, em todos os níveis, foi ganhando destaque, sendo objeto de inúmeros movimentos de
transformação do ensino, podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das reformas educacionais, refletidos
pelas transformações no âmbito da política e economia (KRASILCHIK, 2000).

Um episódio significativo ocorreu durante a “Guerra Fria”, nos anos de 1960, quando os Estados Unidos, para vencer a
batalha espacial, fizeram investimentos de recursos humanos e financeiros sem paralelo na história da educação, para
produzir os hoje chamados projetos de 1a geração do ensino de Física, Química, Biologia e Matemática para o Ensino Médio.
A justificativa desse empreendimento baseava-se na ideia de que a formação de uma elite que garantisse a hegemonia
norte-americana na conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma escola secundária em que os cursos de Ciências
identificassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras científicas (KRASILCHIK, 2000).

Esse período marcante e crucial na história do ensino de Ciências, que influi até hoje nas tendências curriculares das
várias disciplinas, tanto no Ensino Médio quanto no Fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas últimas décadas, a
outras modificações, em função de fatores políticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez, em transformações
cumulativas das políticas educacionais, em função das quais ocorreram mudanças no ensino de Ciências, esquematizados
na figura 1.

O movimento dos grandes projetos visava à formação e à identificação de uma elite, refletindo não só a política
governamental, mas também uma concepção de escola, e teve propagação ampla nas regiões sob influência cultural
norte-americana, o que repercutiu de forma diferente em diversos países, ecoando as situações locais. Por exemplo, na
Inglaterra, concordou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma do ensino de Ciências, mas foi decidido que se
deviam produzir projetos próprios, consonantes com a organização escolar, de forma a preservar a influência acadêmica
e científica de instituições inglesas (REIS et al., 2005).

Figura 1 – Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino 1950-2000


Adaptado de Krasilchik, 2000.

Grupos de pesquisa surgiram procurando transformar a educação científica existente. Esses grupos dividiam-se, de forma
muito geral, em duas vertentes. A primeira era constituída de pesquisadores que partiam de questões de cunho prático
e imediato, buscando um enfoque psicopedagógico. A pergunta fundamental que regia o trabalho desse grupo era: como

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ensinar melhor as ciências? Para isso, implementaram diversas investigações sobre como os alunos compreendiam
os fenômenos que observavam, partindo da ideia de que eles, antes mesmo do processo de aprendizagem, já possuíam
modelos explicativos para aquilo que observavam. Seu objetivo era mapear os principais conceitos formulados pelos
alunos, chamados de conceitos intuitivos, visando a superá-los a partir de estratégias de ensino-aprendizagem. Desejava-
se substituir os conceitos intuitivos pelos ditos científicos (REIS et al., 2005).

Uma segunda vertente procurou delinear seus caminhos a partir de uma pergunta anterior ao “como ensinar melhor as
ciências?”. Essa pergunta tinha um caráter mais fundamental e teórico. A proposta era a de compreender primeiro o
“para que ensinar ciências?”. Esse tipo de questionamento visava a buscar um objetivo para o ensino das ciências.
Somente após a resposta a essa pergunta, poder-se-ia partir para questões de cunho mais prático, em que o como fazer
se constituiria num problema a ser superado (REIS et al., 2005).

Segundo Callan (1997), o fundamental era o aprendizado do funcionamento dos aparatos técnico-científicos com os quais
os cidadãos convivem em seu dia a dia. Esse processo tinha objetos técnicos como ponto de partida e chegada do estudo
dos conceitos científicos. Esses aparatos técnicos poderiam ir de alguns aparelhos eletrodomésticos básicos até alguns
um pouco mais sofisticados, como transistores e aspirinas. A maior crítica direcionada a esse tipo de formação é o fato
de que as modernas tecnologias mudam numa velocidade cada vez maior. Um ensino desse gênero não tem capacidade de
acompanhar tal mudança. Transistores, que foram citados em algumas épocas como exemplos, já são coisas do passado.
Nos dias de hoje, mesmo engenheiros, técnicos e especialistas em tecnologias avançadas vêm encontrando dificuldade
na atualização técnica. Os cursos de atualização nas empresas são a cada dia mais curtos, devido à velocidade de
lançamento de novos produtos. O conhecimento necessário à manutenção dos aparelhos torna-se obsoleto em questão
de meses. Seria difícil as escolas acompanharem tal processo (REIS et al., 2005).

Por outro lado, sabe-se que essas tecnologias baseiam-se em teorias que fundamentam sua existência. Essas teorias
são mais perenes e, devido a isso, menos passíveis de obsolescência rápida. Portanto, um ensino que pretendesse dar
base a um conhecimento tecnológico verdadeiro deveria ancorar seus conteúdos nessas teorias. A questão dos aparatos
tecnológicos ficaria como um complemento possível da aplicabilidade das teorias (KRASILCHIK, 2000).

No Brasil, a necessidade de preparação dos alunos mais aptos era defendida em nome da demanda de investigadores para
impulsionar o progresso da ciência e da tecnologia nacionais, das quais dependia o país em processo de industrialização,
que se ressentia da falta de matéria-prima e produtos industrializados durante a 2a Guerra Mundial e no período pós-
guerra, buscando superar a dependência e tornar-se autossuficiente, para o que uma ciência autóctone era fundamental.
Paralelamente, à medida que o país foi passando por transformações políticas em um breve período de eleições livres,
houve uma mudança na concepção do papel da escola, que passava a ser responsável pela formação de todos os cidadãos
e não mais, apenas, de um grupo privilegiado (REIS et al., 2005).

A Lei no 4.024, Diretrizes e Bases da Educação, de 21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participação das
ciências no currículo escolar, que passaram a figurar desde o 1o ano do Curso Ginasial. No Curso Colegial, houve,
também, substancial aumento da carga horária de Física, Química e Biologia. Essas disciplinas passavam a ter a função
de desenvolver o espírito crítico, com o exercício do método científico.

O cidadão seria preparado para pensar lógica e criticamente e, assim, ser capaz de tomar decisões com base em informações
e dados. Quando, de novo, houve transformações políticas no país, pela imposição da ditadura militar em 1964, também
o papel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a cidadania para buscar a formação do trabalhador, considerado,
agora, peça importante para o desenvolvimento econômico do país. A posterior Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº
5.692, promulgada em 1971, norteia claramente as modificações educacionais e, consequentemente, as propostas de
reforma no ensino de Ciências ocorridas nesse período. Mais uma vez, as disciplinas científicas foram afetadas, agora
de forma adversa, pois passaram a ter caráter profissionalizante, descaracterizando sua função no currículo. A nova
legislação conturbou o sistema, mas as escolas privadas continuaram a preparar seus alunos para o Curso Superior, e o
sistema público também se reajustou, de modo a abandonar as pretensões irrealistas de formação profissional no 1o e
2o Graus, por meio de disciplinas pretensamente preparatórias para o trabalho.

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A segunda metade da década de 1980 foi um período de discussões no campo da educação e, especialmente, no do
ensino de Ciências. O processo de abertura política, com a ampliação do debate educacional, associado às rápidas
transformações ocorridas desde o advento de novas tecnologias, fizeram com que as discussões sobre a formação
científica se intensificassem. Diversas linhas de pesquisa buscavam apontar um futuro para o ensino de Ciências. Sabia-
-se que os currículos e as metodologias do ensino de Ciências praticados nas escolas brasileiras não contemplavam as
demandas que vinham sendo postas no campo da educação (REIS et al., 2005).

A Constituição de 1988 deu especial importância à questão educacional e estabeleceu parâmetros importantes para
o ensino de Ciências, consolidados, posteriormente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394 de 1996.
A partir do Ensino Médio, o ensino de Ciências traz uma compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35, IV). Os conteúdos, as
metodologias e as formas de avaliação, organizados de tal forma que, ao final do Ensino Médio, o educando demonstre
domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna (Art. 36, § 1º).

A partir desse ponto, já se pode ter uma ideia da tendência mundial e


brasileira sobre ensino de Ciências e Biologia. Tente fazer a reflexão
da pergunta: O ensino de Ciências e Biologia, ao longo do tempo, foi
moldado pelas demandas de questões científicas ou pela situação
social e política?

Para ajudar a responder a questão acima, tem-se uma sugestão de


filme: Os eleitos – onde o futuro começa (The right stuff, 1983,
EUA) Direção: Philip Kaufman. O filme traz aspectos da Guerra Fria
entre EUA e URSS, nos fins do anos 1950. O tema é a competição
tecnológica entre as superpotências para sair na frente da corrida
espacial. Baseado no livro de Tom Wolfe “Os Eleitos”.

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Capítulo 2 – Fundamentos Teóricos e Bases para o Ensino Contemporâneo
de Ciências e de Biologia

O que mudou do século XIX aos dias atuais para as Ciências e a


Biologia: o conceito de vida ou o modo de pensar “o que é vida”?

No século XX, a ciência e os estudos biológicos influenciaram profundamente a vida do homem. A última metade do
século passado foi marcada pela Biologia Molecular, substituída, na primeira metade do século, pela Física Atômica, e,
atualmente, acrescida da Nanobiotecnologia. O texto O que é a vida, de Erwin Schrödinger, marcou uma época, não por
que tenha oferecido uma abordagem prática à compreensão do fenômeno da vida, mas por ter inspirado novas maneiras
de pensar. Contudo, não foram os teóricos biologistas que iniciaram a mudança de rumo da Biologia e estabeleceram a
nova ciência da Biologia Molecular.

Os físicos foram os pioneiros a desencadear uma nova pesquisa de maneira radical, utilizando o conhecimento básico
sobre a natureza química dos processos biológicos como quebra de paradigma e busca não só de respostas, mas também
de novas perguntas. Tem-se o exemplo de Max Delbrück, que, inspirado pelo princípio de complementaridade de Niels
Bohr, decidiu investigar os detalhes moleculares da hereditariedade, utilizada, posteriormente, como base para estudos
genéticos. Outro exemplo foi o de Linus Pauling, que procurou entender, em maior profundidade, a natureza das proteínas
celulares. Nesse processo, ele descobriu elementos estruturais essenciais, criando, figurativamente, uma costura entre
a Química e a Biologia (CHARBEL NIÑO; VIDEIRA, 2000).

Em destaque, tem-se, também, estudos de Francis Crick, um físico técnico que havia lidado com problemas de radar
durante a guerra e que, juntamente com James Watson, em1953, reconstruiu a estrutura da dupla hélice do DNA, a
partir de dados de difração de raios X. Com isso, eles concluíram como a informação genética poderia ser armazenada
e transferida de geração em geração (CHARBEL NIÑO; VIDEIRA, 2000).

Atualmente, tem-se uma ampla compreensão da organização celular do ponto de vista molecular, incluindo mecanismos
detalhados dos processos subjacentes às funções celulares. Essa questão não se mostrou um epílogo do século XIX
das ideias de Charles Darwin, Jean-Baptiste Lamarck, Gregor Mendel, Louis Pasteur e Robert Koch, com suas teorias
sobre as relações ecológicas e suas inferências em vários temas. Poder responder questões fundamentais da Biologia,
levantadas no século XIX, passou a ser possível por meio do conhecimento molecular abrangente, compilado no século
XX e lançado a investigações futuras, podendo ser até respondidas no século que se inicia.

Porém, a pergunta feita pela Ciência e Biologia moderna é “Como é gerada a informação genética e biológica dos seres
vivos e de suas relações?” Segundo Claude Shannon, o importante é ressaltar não a informação celular, e sim a transmissão
de suas características. A evolução, segundo esse autor, é vítima de catástrofes, ou seja, não privilegia as informações
genéticas e sim as transmissões (MURPHY, 2000). Com isso, emerge a mudança da visão darwinista do mundo.

A seleção natural não é apenas a interação entre mutação ao acaso e seleção determinista. Com um número tão grande
de alternativas, os acertos de mutações vantajosas aconteceriam raramente. Hoje em dia, essa interação entre acaso e
necessidade pode ser facilmente simulada em um computador, e observa-se que, se a seleção natural tivesse funcionando,
os humanos não existiriam.

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Na realidade, a evolução molecular próxima do limiar do erro inclui uma vasta gama de mutantes. O tipo mais bem
adaptado, o tipo selvagem, que tem um papel preponderante na teoria de Darwin, está presente apenas em pequeno
número, comparado com a população molecular total. Os numerosos mutantes encontram-se de fato agrupados ao
redor do tipo mais bem adaptado, de maneira que a sequência média de “consenso” representa a população total. Os
biologistas moleculares aprenderam a determinar tais sequências. Experimentos de clonagem revelaram que o tipo
selvagem, na verdade, corresponde à média de um espectro de milhares de sequências alternativas. Fundamentalmente,
essa população compreende apenas os mutantes capazes de uma reprodução eficiente. Esse resultado teórico foi
confirmado experimentalmente para populações virais. Como existem vários bilhões, ou mais de cópias que sofreram
menos mutações nessa distribuição molecular ou viral, a qual é totalmente estável abaixo do limiar do erro, é como se
um dado fosse lançado em bilhões de canais paralelos. Se um mutante melhor adaptado é encontrado, a distribuição
anterior não está mais abaixo do limiar do erro. Ela se torna instável e seu conteúdo informativo vaporiza-se, para se
condensar na proximidade de um novo tipo selvagem.

Apesar da continuidade dos processos moleculares subjacentes, pode-se ver que a evolução avança por meio de saltos
discretos. A seleção é tão eficiente por ser uma propriedade da população total, representando uma enorme sequência
paralela de eventos. Se quisesse simular esse processo, precisaria de um novo tipo de computador paralelo. O cérebro
humano é um desses computadores, contento bilhões de células nervosas, e cada uma conectada a cerca de mil a 10
mil vizinhas por meio de sinapses (MURPHY, 2000).

Neste início do século XXI, fica ciente de que questões análogas estão sendo formuladas em muitos ramos da Biologia.
Elas podem ser resumidas à pergunta “Como é gerada a informação?” Isso é válido para a evolução de moléculas, de
células e também do processo de pensamento em uma rede de células nervosas. Ainda mais empolgante é a apreciação de
que a natureza, aparentemente, se utiliza de princípios fundamentais similares nas implementações técnicas da genética
molecular, do sistema imune e do sistema nervoso. Os anos 1990 foram considerados, nos Estados Unidos, a década da
pesquisa sobre o cérebro. O legado da pesquisa biológica deste século será a compreensão profunda dos processos de
criação da informação no mundo vivo, que remeterá à questão fundamental “O que é vida?” (CHARBEL NIÑO e VIDEIRA,
2000; MURPHY, 1997).

Porém, o perigo está nos mecanismos. Com o advento do mapeamento genético (Projeto Genoma), pôde-se conhecer os
esquemas de construção de inúmeros seres vivos e saber como se chegou a eles durante a evolução. As raízes históricas,
entretanto, ainda são uma incógnita. Os escolásticos uma vez se perguntaram o que veio antes – se a galinha ou o ovo,
ou, em termos mais modernos, as proteínas ou os ácidos nucleicos, a função ou a informação. O mundo do RNA, portador
da legislatura genética e um executivo funcional, talvez, ofereça uma saída para esse dilema. Deve-se admitir que não
se sabe como as primeiras moléculas de RNA “ingressaram no mundo”. De uma perspectiva histórica, as proteínas
deveriam ter aparecido “primeiro”, mas a precedência histórica não é necessariamente idêntica à precedência causal. A
organização evolucionária exige armazenamento de informação autorreplicável, e apenas se conhecem os ácidos nucleicos
como capazes de assumir tal papel. Portanto, RNA, ou um precursor, teria sido necessário para colocar o carrossel da
evolução em movimento (MURPHY, 2000).

Encontra-se agora na posição de observar, em experimentos de laboratório, o processo de geração de informação em


sistemas que contêm ambos os componentes: proteínas (como enzimas) e ácidos nucleicos (como armazéns de informação).
Os vírus são sistemas-modelo inigualáveis. Entretanto, eles não podem ter se formado no mundo pré-biótico. Precisam
de uma célula hospedeira para sobreviver e evoluíram com sua ajuda, provavelmente, o fazendo, apenas, no período pós-
biótico. E, no entanto, existe uma forte analogia com o RNA do tipo viral em um ambiente semelhante a um hospedeiro.

A intensificação do conhecimento sobre o processo de geração de informação que alcançamos nos últimos 20 anos já
está começando a dar frutos. Utilizando-se métodos laboratoriais, é possível produzir novos tipos de remédios e drogas
naturais. Essas habilidades não se restringem ao nível molecular. Do mesmo modo, pode-se, com isso, compreender o
nível ontogênico dos seres vivos e intervir na eliminação de tumores, causando sua degeneração. Pode-se, também,
aprender como conhecer e modelar o sistema nervoso e seu modo de operação. A vida artificial e os computadores não
serão mais relegados ao mundo da ficção científica (CHARBEL NIÑO; VIDEIRA, 2000).

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Mas, haverá limites, tanto naturais quanto normativos. Ter-se-á de determinar quais partes do conhecimento se devem
aplicar, apesar da consciência de possíveis efeitos colaterais, e quais aspectos se devem deixar de lado. Uma onda cega
de aplicações é tão perigosa quanto a proibição severa. A comunidade humana deverá descobrir racionalmente o que
pode ou não ser feito, o que deve ou não ser feito, entrando aqui as questões relevantes e éticas (BORGES; LIMA, 2007).
O futuro da pesquisa biológica vai discutir os crescentes problemas da avaliação de riscos, da responsabilidade e da
conduta ética, porque o principal objeto de estudo da pesquisa biológica é o homem e seu ambiente. Consequentemente,
os resultados da pesquisa são relevantes para todo mundo. Segundo Friedrich Dürenmatt, os problemas são totalmente
resolvidos apenas quando se imaginam os piores resultados possíveis. Os futurologistas são capazes de descrever apenas
as possibilidades mais promissoras (CHARBEL NIÑO; VIDEIRA, 2000). Evidentemente, existirão muitas descobertas e
invenções que, neste momento, desafiam a imaginação dos cientistas. É exatamente por essa razão que qualquer previsão
detalhada sobre o futuro será incorreta.
Apesar disso, um prognóstico é, razoavelmente, certo: se a humanidade se encaminha para o melhor ou para o pior, vai
depender do homem finalmente aprender o que ele não conseguiu aprender nos cinco milênios de sua história cultural,
ou seja, a agir racional e sensatamente no interesse da humanidade e a elaborar normas de conduta bem-definidas. Tais
normas são análogas a um programa genético e precisam ser estabelecidas, valendo para todos.
O homem encontra-se no mais alto degrau da escada da evolução, se colocar o homem como a criatura mais perfeita
evolutivamente, atingindo uma nova plataforma fora do alcance de qualquer outro organismo, de onde a evolução precisa
continuar de maneira radicalmente nova. Operando com base na seleção, a evolução exige a contínua reprodução, sujeita
à mutagênese da informação fixada nos genes como tipos de impressão (BORGES; LIMA, 2007).
Novas vias de comunicação entre células surgiram com a formação de estruturas e redes celulares. Estas foram,
inicialmente, mediadas por sinais químicos interceptados por receptores específicos e, finalmente, por sinais elétricos
recebidos por sinapses e passados para a próxima célula. Dessa forma, um comportamento geral correlato de um sistema
celular diferenciado pôde desenvolver-se, pré-programado no genoma apenas no seu layout. É a seleção que assegura
que esse layout opere a favor do organismo como um todo. Isso é incompatível com células individuais ou órgãos
funcionando uns contra os outros. Tal antagonismo somente pode assumir a forma de degenerações patológicas, como
o câncer. No sistema nervoso central, a comunicação intercelular deu origem a uma linguagem interna que controla
comportamentos, emoções, disposições e sentimentos. Até mesmo essa habilidade tornou-se geneticamente ancorada
e tem sido selecionada para não agir contra a espécie. Foi desta maneira que o homem surgiu durante a evolução; esse
comportamento geneticamente programado, individualista de espécies, é inerentemente egoísta, baseado na competição
e autoafirmação. Em casos em que aparece como altruísta, ele acaba sendo, em longo prazo, vantajoso para a espécie
ou clã, o que, por sua vez, é de alguma forma vantajoso para o indivíduo (MURPHY, 1997).
Foi assim que o homem desenvolveu uma faculdade específica, diferente da de outros primatas, que lhe permite alcançar
a formalização da linguagem interna, codificada, primeiramente, nas descargas das células nervosas. Essa formalização
não apenas facilita a comunicação entre membros de uma espécie, mas também é a base da capacidade de pensar, de
registrar resultados para benefício da humanidade e legá-los às gerações seguintes por escrito. Isso implica um novo
plano de transferência de informação, parecido com o plano original da informação genética que deu uma qualidade
totalmente nova à Química. No plano da mente humana, uma nova forma de evolução pode acontecer: a evolução cultural
da humanidade (BORGES; LIMA, 2007).
Entretanto, aqui reside o problema-chave. A humanidade não é algo como um organismo multicelular, em que cada célula
leva sua vida individual, mas assumiu um compromisso, por meio da legislatura genética, para o bem da coletividade
celular. Nem a informação cultural, nem o comportamento socialmente aceitável são herdados pelo indivíduo. Apesar
da evolução cultural da humanidade, que vem durando milhares de anos, as pessoas ainda fazem guerras e não menos
cruéis que as do passado. Iludimo-nos ao pensar que o comportamento socialmente aceitável é algo natural e que o
comportamento antissocial, ao contrário, é algo patológico. O socialmente aceitável é a norma apenas no sentido original
da palavra em Latim, norma que significa regra ou regulamento (MURPHY, 1997).

14
A humanidade está enfrentando um verdadeiro dilema, porque as tentativas anteriores de submeter a liberdade individual a
imposições, rebaixando o indivíduo para um status semelhante ao de uma célula sem vontade dentro de um todo orgânico
sob controle central, têm apenas prejudicado a humanidade em longo prazo e até resultaram na aniquilação de partes
da coletividade humana. Esses experimentos falharam em parte, porque o novo organismo não era a humanidade inteira,
mas, apenas, certo grupo, representante de interesses específicos que, frequentemente, violaram os direitos humanos
básicos. Em parte, falharam, porque as “células líderes” desse organismo eram, na maioria, indivíduos incapacitados,
auto-obcecados ou egoístas, essencialmente interessados em exercer o poder (CHARBEL NIÑO; VIDEIRA, 2000).

Ideologias não podem substituir a razão. Todos os grupos políticos que defendem a disciplina partidária deveriam se
dar conta disso. Eles defendem ideais que têm um fundamento válido, chamam-se socialistas – quem não apoiaria uma
consciência social? – ou partidos verdes – quem não gostaria de manter o ambiente saudável? – ou cristãos – quem
desejaria um mundo sem compaixão ou caridade? Isso se aplica igualmente a todos aqueles que querem colocar a liberdade
individual acima de tudo. O futuro da humanidade não será decidido no nível genético. Precisa-se de um sistema ético de
ligação entre todas as pessoas, e é aqui que a evolução do indivíduo para a humanidade aguarda sua consumação.

O mundo globalizado encontra-se acentuadamente dividido entre aqueles que conseguem participar das ocupações
produtivas e beneficiar-se dos avanços proporcionados pela tecnologia e aqueles que se encontram à margem delas.
Entretanto, conforme relatório da Unesco, organizado por Delors (2005), é meta para o século XXI criar uma sociedade
com condições de vida harmoniosas e produtivas para todos, o que implica um engajamento social intenso, que pode ser
assegurado por uma proposta educativa que possibilite o acesso a um tipo de conhecimento capaz de ampliar e enriquecer
a interpretação de mundo dos sujeitos (BORGES; LIMA, 2007).

O ensino de Ciências e Biologia, não obstante isso, em sua totalidade requer a orientação de construir currículos levando
em conta questões atuais decorrentes das transformações econômicas e tecnológicas provocadas pelo aumento da
interdependência entre as nações, em um mundo como o atual, de tão rápidas transformações e de tão difíceis contradições.
Estar formado para a vida significa mais do que reproduzir dados, determinar classificações ou identificar símbolos.
Significa: saber informar-se, comunicar-se, argumentar, compreender e agir; enfrentar problemas de diferentes naturezas;
participar socialmente, de forma prática e solidária; ser capaz de elaborar críticas ou propostas; e, especialmente, adquirir
uma atitude de permanente aprendizado (MEC, 2002).

As atuais necessidades formativas, em termos de qualificação humana, pressionadas pela reconfiguração dos modos de
produção e explicitadas nos PCNs (MEC, 2002), exigem a reorganização dos conteúdos trabalhados e das metodologias
empregadas, delineando a organização de novas estratégias para a condução da aprendizagem de Biologia.

As demandas da sociedade contemporânea requerem que a escola revise as práticas pedagógicas, e tal revisão passa,
necessariamente, pela reorganização dos conteúdos trabalhados, abandonando aqueles sem significação e elegendo um
conjunto de temas que sejam relevantes para o aluno, no sentido de contribuir para o aumento da sua qualidade de vida
e para ampliar as possibilidades de ele interferir positivamente na comunidade da qual faz parte.

Exigem, também, repensar as estratégias metodológicas, visando à superação da aula verbalística, substituindo-a por
práticas pedagógicas capazes de auxiliar a formação de um sujeito competente, apto a reconstruir conhecimentos e
utilizá-los para qualificar a sua vida.

Sobre o primeiro ponto, conteúdos trabalhados na Educação Básica, os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2002)
preconizam que a escolha recaia sobre aqueles capazes de auxiliar na qualificação da vida individual e coletiva.

Nessa medida, a elevada ocorrência de propostas sobre temas ambientais indica a preocupação dos professores brasileiros
com a promoção de aprendizagens que contribuam para uma transformação positiva nas formas de relacionamento do
ser humano com o ambiente.

Quanto a estratégias de ensino e procedimentos utilizados em sala de aula pelos professores brasileiros, segundo ponto
mencionado, é possível afirmar que houve um avanço em relação às formas de trabalho predominantes em décadas

15
anteriores (KRASILCHIK, 2004). Atualmente, a utilização de estratégias didáticas que dão relevo ao diálogo entre teoria e
prática, incentivando o aluno a ser protagonista de sua aprendizagem e exigindo dele autoria de textos e ideias, apresenta-
-se distante das formulações tecnicistas dos anos sessenta e setenta e das formulações de cunho predominantemente
político dos anos de 1980 e 1990.

A leitura dos livros Origem das Espécies (Charles Darwin) e O que


é Vida? (Erwin Schrödinger) são sugestões de discussões de temas
que envolvem não só a prática de Ciências, como também a didática
de transmissão do adquirido, que os autores sabem fazer muito bem.

16
Capítulo 3 – Práticas Contemporâneas no Ensino-Aprendizagem de Ciências
e de Biologia

Do tempo de nossos avós até hoje, o ensino de Ciências e Biologia


continua o mesmo? O que mudou: os temas ou a metodologia de
ensino?

A sociedade contemporânea é profundamente permeada por conhecimentos e habilidades elaborados pelos processos
formais de escolarização. A escola, enquanto instituição moderna, é corresponsável pela formação dos sujeitos, atuando,
concomitantemente, com outras instituições universais, como a família e a religião (igreja), por exemplo. A pesquisa
em educação tem como um de seus enfoques essenciais a atividade formativa, desenvolvida pelas diversas instituições
escolares mediante sua prática pedagógica (SANTOS; VECHIA, 2008).

Segundo Santos e Vechia (2008), ao escrever o ensino contemporâneo, deve-se levar em consideração todos os processos
e atores, como: as ciências da educação, o processo educativo, os agentes educativos, a educação formal e informal, a
prática pedagógica, a postura pedagógica, didática e social, a realidade educativa, o aspecto pedagógico e a formação
continuada. Isso vai diferenciar e segregar o ensino-aprendizagem atual do passado (SANTOS; VECHIA, 2008).

Os desafios do mundo contemporâneo, particularmente os relativos às transformações pelas quais a educação escolar
precisa passar, incidem diretamente sobre os cursos de formação inicial e continuada de professores, cujos saberes e
práticas, tradicionalmente estabelecidos e disseminados, dão sinais inequívocos de esgotamento. Se é consensual e
inquestionável que o professor de Ciências Naturais, ou de alguma das Ciências, precisa ter o domínio de teorias científicas
e de suas vinculações com as tecnologias, fica cada vez mais claro, para uma quantidade crescente de educadores, que
essa característica é necessária, mas não suficiente, para um adequado desempenho docente. A atuação profissional
dos professores das Ciências no Ensino Fundamental e Médio, do mesmo modo que a de seus formadores, constitui um
conjunto de saberes e práticas que não se reduzem a um competente domínio dos procedimentos, conceituações, modelos
e teorias científicos (DELIZOICOV et al., 2002).

O desafio de pôr o saber científico ao alcance de um público escolar em escala sem precedentes – público representado,
pela primeira vez em nossa história, por todos os segmentos sociais e com maioria expressiva oriunda das classes e
culturas que, até então, não frequentaram a escola, salvo exceções – não pode ser enfrentado com as mesmas práticas
docentes das décadas anteriores ou da escola de poucos para poucos. A razão disso é que não só o contingente estudantil
aumentou, mas também porque a socialização, as formas de expressão, as crenças, os valores, as expectativas e a
contextualização sociofamiliar dos alunos são outros.

Por sua vez, o conhecimento disponível, oriundo de pesquisas em educação e em ensino de Ciências, acena para a
necessidade de mudanças, às vezes bruscas, na atuação do professor dessa área, nos diversos níveis de ensino. Assim,
distinguindo-se de um ensino voltado, predominantemente, para formar cientistas, que não só direcionou o ensino de
Ciências, mas ainda é fortemente presente nele, é imperativo ter como pressuposto a meta de uma ciência para todos.

Justamente com a meta de proporcionar o conhecimento científico e tecnológico à imensa maioria da população
escolarizada, deve-se ressaltar que o trabalho docente precisa ser direcionado para sua apropriação crítica pelos alunos,
de modo que efetivamente se incorpore no universo das representações sociais e se constitua como cultura.

17
Em oposição consciente à prática da ciência morta, a ação docente buscará construir o entendimento de que o processo
de produção do conhecimento que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui uma atividade humana, sócio-histórica
determinada, submetida a pressões internas e externas, com processos e resultados ainda pouco acessíveis à maioria
das pessoas escolarizadas, e, por isso, passíveis de uso e compreensão acríticos ou ingênuos, ou seja, é um processo de
produção que precisa, por essa maioria, ser apropriado e entendido.

Cabe registrar a dificuldade da grande maioria dos docentes no enfrentamento desse desafio. Se solicitar os exemplos de
manifestações e produções culturais, certamente são citados: música, teatro, pintura, literatura e cinema. A possibilidade
de a ciência e a tecnologia estarem explicitamente presentes numa lista dessa natureza é remota. No entanto, a própria
concepção de ciência e tecnologia apresentada acena para um conjunto de teorias e práticas culturais, em seu sentido
mais amplo (DELIZOICOV et al., 2002).

A conceituação mais clássica de cultura exclui os empreendimentos das ciências aplicadas e da tecnologia, incorporando,
somente, as contribuições das Artes, Letras e Ciências desinteressadas, que elevam o espírito humano, perspectiva mais
próxima das escolas francesa e alemã. As contribuições materiais, contudo, são consideradas bens culturais desde as
primeiras concepções antropológicas de cultura, perspectiva mais próxima da escola anglo-americana, sob influência das
pesquisas etnológicas originárias da Antropologia, desde o início do século XX (DELIZOICOV et al., 2002).

A tecnologia, por meio de invenções históricas marcantes, como a do relógio, da imprensa e das máquinas a vapor e
elétricas, modificou profundamente a cultura: o modo de ser, perceber, produzir e viver das pessoas. Mesmo assim, há
50 anos, era possível argumentar que esse empreendimento comprometido com os bens materiais da humanidade não se
integrava à cultura. A opção por um ensino/aprendizagem de ciência e tecnologia como cultura, sem perder de vista as
relações benefício-prejuízo dessas áreas no convívio dos cidadãos deste novo século, justifica-se por convicção, mesmo
antes das evidências da chamada cibercultura contemporânea, e é hoje, a nosso ver, imperativa, sob o risco de manter
ou mesmo ampliar a exclusão (no sentido material, espiritual e, também, digital) da maioria do conhecimento básico
nessas áreas (DELIZOICOV et al., 2002).

Como os resultados do conhecimento científico e tecnológico permeiam a vida cotidiana de modo sem precedentes, esse
desafio vem sendo contínuo e sistematicamente exposto nos últimos 20 anos, com respostas muito acanhadas de todo
o sistema escolar, inclusive da graduação.

Particularmente nos últimos 5 anos, tem-se acompanhado a produção de materiais didáticos que, de uma forma ou de
outra, contemplam o conhecimento mais recente. Trata-se de um conjunto minoritário de livros didáticos e, principalmente,
paradidáticos, além da oferta de materiais digitais em páginas na rede web e CD-ROMs, que já vem sendo utilizado,
embora por uma minoria de professores.

Mantém-se o desafio de incorporar à prática docente os programas de ensino, os conhecimentos de ciência e tecnologia
relevantes para a formação cultural dos alunos, sejam os mais tradicionais, sejam os mais recentes e desequilibrantes.
Ainda é bastante consensual que o Livro Didático (LD), na maioria das salas de aula, continua prevalecendo como principal
instrumento de trabalho do professor, embasando significativamente a prática do docente. Sendo ou não intensamente
usado pelos alunos, é seguramente a principal referência da grande maioria dos professores.

Pesquisas realizadas sobre o LD, desde a década de 1970, têm, contudo, apontado para suas deficiências e limitações,
implicando um movimento que culminou com a avaliação institucional, a partir de 1994, dos LDs distribuídos nas escolas
públicas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Os resultados dessa avaliação têm sido periodicamente publicados
em Guias do Livro Didático, diponíveis em documentos impressos do MEC e eletrônicos (DELIZOICOV et al., 2002).

Com as críticas sistemáticas, há uma visível tendência para a eliminação de sérios equívocos, sobretudo de ordem
conceitual e metodológica, e o aparecimento de LDs produzidos por pesquisadores da área de ensino de Ciências e
Biologia. No entanto, tem-se a clareza de que o professor não pode ser refém dessa única fonte, por melhor que venha
a tornar-se sua qualidade.

18
Assim, o universo das contribuições paradidáticas, como livros, revistas, suplementos de jornais, vídeo cassetes, CD-
ROMs, TVs educativas e de divulgação científica e rede de web, precisa estar mais presente e de modo sistemático na
educação escolar. Mais do que necessário, é imperativo seu uso crítico e consciente pelo docente de Ciências Naturais
de todos os níveis de escolaridade. As tensões, as injunções e os interesses, também comerciais, desse universo só
reforçam a necessidade de estar alerta para seu uso crítico e consciente.

Também os espaços de divulgação científica e cultural, como museus, laboratórios abertos, planetários, parques
especializados, exposições, feiras e clubes de ciência, fixos ou itinerantes, não podem ser encarados só como oportunidades
de atividades educativas, complementares ou de lazer. Esses espaços não podem permanecer ausentes ou desvinculados
do processo de ensino/aprendizagem, mas devem fazer parte dele de forma planejada, sistemática e articulada (SANTOS;
VECHIA, 2008).

É injusto que professores e populações de alunos não tenham acesso à utilização plural e sistemática dos meios alternativos,
ao LD e àqueles espaços, quer pela dificuldade na disponibilidade imediata de uso, quer pela desorganização das instituições
escolares, quer pelo desconhecimento e até pela dificuldade de enfrentamento da utilização desses recursos. É preciso
que sejam incorporados na prática do cotidiano escolar, em favor da melhoria do ensino e da aprendizagem.

A investigação de problemas relacionados à educação em Ciências, muito embora seja bem recente, vem sendo realizada,
internacionalmente ou nacionalmente, desde meados da segunda metade do século XX. Em encontros de pesquisa das
áreas de ensino de Ciências, têm ocorrido discussões sobre o teor e a qualidade das investigações, bem como sobre a
relação entre elas, a sala de aula e a prática docente (DELIZOICOV et al., 2002).

No que se refere aos objetos de investigação e à qualidade, sabe-se que nossa produção, nessa área de pesquisa, é
comparável à dos países mais avançados. A disseminação dos resultados entre os pares pesquisadores tem sido considerada
satisfatória, dado o número de congressos, de revistas para publicação e de referências mútuas utilizadas. No entanto,
a apropriação, a reconstrução e o debate sistemático dos resultados de pesquisa na sala de aula e na prática docente
dos professores dos três níveis são sofríveis (SANTOS; VECHIA, 2008).

Mesmo levando em conta os avanços obtidos nas instituições universitárias, onde há grupos de pesquisa em ensino de
Ciências e cursos de pós-graduação, não obstante reduzidos, e o relativo sucesso alcançado por algumas iniciativas
desses grupos junto a coletivos de professores, persiste certa perplexidade diante das dificuldades de aproximação entre
esses polos, ainda bastante distanciados.

Os cursos de formação de professores de Ciências e Biologia constituem lócus privilegiado, para que essa disseminação
se intensifique, à medida que, sistemática e criticamente, o novo conhecimento produzido pela área de ensino de Ciências
passe a permear as ações docentes e torne-se objeto de estudo e discussão no currículo dos cursos.

Com louváveis exceções, lamentavelmente, nem sequer na maioria dos cursos de formação inicial em licenciatura essas
perspectivas tanto dos novos materiais didáticos quanto dos resultados de pesquisa são consideradas. A formação de
professores, na maioria dos cursos, ainda está mais próxima dos anos 1970 do que de hoje (DELIZOICOV et al., 2002).

Em defasagem, que exclui também o conhecimento do século XX em Ciências, implica mudanças estruturais e de atitude
dos envolvidos nessa formação, para além das exigências legais mínimas, ainda que seja frequentemente repropostas.
Essas perspectivas não podem ficar restritas a uma modalidade específica da formação, com uma prerrogativa muitas
vezes atribuída à formação continuada, mas devem permear todas as suas dimensões e modalidades: inicial e continuada,
presencial e a distância, específica da área e de cunho mais geral (DELIZOICOV et al., 2002).

A discussão e o uso desses conhecimentos nos distintos espaços educativos podem permitir uma atuação docente que,
de forma mais adequada, promova a educação científica nos vários níveis de ensino.

19
Em Delizoicov et al. (2002), os autores sugerem os seguintes sítios
eletrônicos que discutem o ensino de Ciências.

Revista de Ensino de Física <www.sbf.if.usp.br>

Caderno Catarinense de Ensino de Física <www.fsc.ufsc.br>.

Investigação em Ensino de Ciências


<www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm>.

Ciência e Educação <www.fc.unesp.br/fc/pos/index.htm>.

Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências


<www.cecimig.ufmg.br/ensaio/>.

Química Nova na Escola <www.sbq.org.br/ensino>.

20
Capítulo 4 – Avaliação do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista

Quando se confronta abordagens de ensino, sempre se pergunta:


“Uma é certa e a outra errada?”. Para iniciar este capítulo, fica a
seguinte reflexão: as abordagens ou os métodos de ensino podem
ser certos ou errados?

A abordagem tradicional do ensino privilegia o conteúdo e é centrada na figura do professor, encarregado de transmitir o
conhecimento. O aluno é um elemento passivo, que recebe e assimila o que é transmitido. Esse sistema de avaliação mede
a quantidade de informação absorvida, com ênfase na memorização e na reprodução do conteúdo por meio de exercícios,
privilegiando a preparação para o vestibular desde o início do currículo escolar (MORETTO, 2000).

Essa linha de ensino se difundiu no século XVIII, a partir do Iluminismo, e tinha por objetivo universalizar o acesso do
indivíduo ao conhecimento. Foi considerada não crítica e ultrapassada nas décadas de 1960 e 1970, mas ainda tem
prestígio entre os educadores. Seus defensores enfatizam que não há como formar um aluno crítico e questionador sem
uma sólida base de informação. Escolas que seguem esse modelo tendem a ser rígidas em relação à disciplina (COLL,
2006).

Em contrapartida, a linha construtivista dá prioridade à forma como o aluno aprende, enfatizando a construção do
conhecimento a partir das relações com a realidade. As escolas que seguem essa teoria têm como ponto de partida a
criança e os conhecimentos que ela traz consigo, buscando fazer com que esses saberes sejam aprofundados, reconstruídos
em diferentes momentos e de diversas formas (MORETTO, 2000).

O construtivismo nasceu a partir das ideias de Jean Piaget. Sua teoria de aprendizagem chegou ao Brasil na década de
1970, quando foram criadas algumas escolas experimentais ou alternativas. Hoje está largamente difundido, possuem
escolas e centros de ensinos que adotam, exclusivamente, esse método de ensino, bastante utilizado nas escolas europeias
(WADSWORTH, 1999).

O professor tem o papel de coordenar as atividades, perceber como cada aluno se desenvolve e propor situações de
aprendizagem significativas. O conteúdo é importante, mas o processo pelo qual o aluno chega a ele é a prioridade. Seus
defensores afirmam que mais importante do que a informação meramente transmitida é saber chegar a ela e estabelecer
relações e comparações. A aplicação dessa teoria tem possibilitado a formação de crianças que vão além do mero conteúdo
assimilado. São mais críticas, opinativas, investigativas. Sua disciplina está voltada para a reflexão e autoavaliação,
portanto, não é considerada rígida (MORETTO, 2000).

Na figura 2, observa-se, de maneira sucinta, as principais diferenças entre a abordagem de ensino tradicional e construtivista.

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Abordagem Abordagem
Tradicional Construtivista

X
– Enfoque no professor – Enfoque no aluno
– Enfoque no conteúdo – Enfoque na construção individual de
– A mente do aluno funciona como uma significados
“tábula rasa” – A aprendizagem é uma construção do
– O aluno é receptor passivo de aluno sobre conhecimentos prévios
conhecimento – Ênfase no controle do aluno sobre sua
– Memorização do conhecimento aprendizagem
– Habilidades e conhecimento são
desenvolvidos no contexto onde serão
utilizados
Figura 2 – Principais diferenças entre a abordagem de ensino tradicional e construtivista
Adaptado de Morretto, 2000.

Para o ensino de Ciências e Biologia, não se há um consenso de qual das duas abordagens é melhor, ou mais satisfatória.
Alguns educadores defendem que quanto maior a informação e o conhecimento o aluno tem sobre os vastos temas inseridos
nessas disciplinas, maiores serão as chances de sucesso em futuras avaliações acadêmicas e extra-acadêmicas. Porém,
outros educadores apoiam o lado mais criativo e perceptivo do aluno frente aos vastos temas, investindo e despertando
uma cultura de construção de conhecimento, por meio de questionamento e busca da própria informação, formando um
aluno investigador (WADSWORTH, 1999).

Para o ensino de Ciências e Biologia, essas duas abordagens sempre estão presentes em congressos e publicações
científicas. Com o advento da educação a distância, alguns autores defendem a abordagem construtivista de ensino, o
que discordam os tradicionalistas, que descrevem em seus estudos que algumas ciências, como, por exemplo, Biologia,
Medicina e outros, só poderão ser ensinadas em sala de aula, laboratório e saídas de campo, com o professor o centro
do conhecimento. E, a partir daí, poder-se-ia pensar um princípio construtivista.

O certo é que se integrar essas duas abordagens, ter-se-á mais resultados satisfatórios na avaliação do conhecimento.
Realmente é difícil, no ensino de Ciências e Biologia, a total independência dos alunos, mesmo que estejam bem-equipados e
com as ferramentas necessárias para a construção do conhecimento, e isto, valendo tanto para termos teóricos e práticos.
Pensando assim, apesar de haver diferenças positivas e negativas das duas abordagens, não há uma mais equivalente do
que outra, ou mais certa e errada, e sim métodos diferentes para se atingir o mesmo objetivo: o conhecimento do aluno.

Sugere-se aqui a leitura do livro Construtivismo: a produção do


conhecimento em aula (MORETTO, V. P., 2000, 2 . ed. Rio de
janeiro: Dp&A Ed, 2000. 124p.), pois o autor, além de mostrar as
diferenças de ensino, aborda de forma teórica e prática as vantagens
e desvantagens de cada abordagem, destacando a construção do
conhecimento.

Fica aqui um questionamento: como as abordagens tradicional e


construtivista podem favorecer o ensino de Ciências e Biologia?

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Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia Unidade II

Crise no Ensino de Ciências e de Biologia

Quando se fala em crise, pensa-se logo em um colapso. O ensino


de Ciências e Biologia, segundo alguns autores, que serão
posteriormente apresentados, passaram por esse colapso. Antes
de começar, reflita: o que seria uma crise no ensino de Ciências e
Biologia?

Capítulo 5 – Quantidade de Matéria versus Qualidade na Formação

Há um método de “quantificação da qualidade” na formação de


alunos de Ciências e Biologia? Os conteúdos são apropriados para
a formação? São suficientes?

Os autores que mais profundamente abordam o tema do conteúdo relacionado à qualidade na formação dos alunos do ensino de
Ciências e Biologia são Kawasaki e El-Hani (2002), trazendo a discussão do conceito de vida para o ensino de Ciências e Biologia,
destacando a capacidade desse conceito de organizar teorias e modelos cognitivos sobre os sistemas vivos (EMMECHE; EL-HANI,
2000). Um tratamento da natureza da Biologia pode mostrar a necessidade de uma compreensão integrada dessa ciência pelos alunos.

Kawasaki e El-Hani (2002) argumentam que o ensino de Ciências e Biologia é uma organização viva, opondo-se à crescente
molecularização das explicações biológicas. O requisito para se compreender os padrões de organização observados nos
seres vivos indica a importância de se trabalhar com conceitos estruturantes do pensamento biológico (GAGLIARDI,
1986). Entre eles, destaca-se o de vida, por referir-se ao objeto da própria Biologia, em sentido mais geral.

Os conteúdos, às vezes, mais extensos e poucos profundos, trazem a preocupação de se realizar uma análise para o ensino
de Ciências e Biologia, visto que constituem, no Brasil, o principal meio de transposição de conteúdos do conhecimento
científico para o conhecimento escolar.

Kawasaki e El-Hani (2002) avaliaram os conteúdos dos oito livros mais usados pelas escolas brasileiras e dos livros
cujas editoras dominam o mercado de vendas naquela cidade, segundo a questão do ensino de o que é vida. São eles: 1)
AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Fundamentos de Biologia Moderna 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997; 2) LAURENCE,
J. Biologia. São Paulo: Nova Geração, 2000.; 3) LOPES, S. Bio. São Paulo: Saraiva, 1999.; 4) MARCZWSKI, M.; VÉLEZ,
E. Ciências Biológicas. São Paulo: FTD, 1999.; 5) MORANDINI, C.; BELLINELLO, L. C. Biologia. São Paulo: Atual
Editora, 1999.; 6) PAULINO, W. R. Biologia – Série Novo Ensino Médio. 5. ed. São Paulo: Ática, 2000.; 7) SILVA, C.;
SASSON, S.. Biologia. 1. ed. São Paulo: Saraiva,1998.; e 8) SOARES, J. L. Biologia no Terceiro Milênio: Biologia
Molecular, Citologia e Histologia. São Paulo: Scipione, 1999.

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Todos os livros afirmaram a complexidade de definir vida, dado que nem todos os organismos podem ser encaixados
facilmente em listas de propriedades comuns. Alguns autores explicitam a dificuldade de definir vida, em conexão com
uma abordagem essencialista: “Mas, como é muito difícil definir o que seja a ‘vida’, do ponto de vista estritamente
científico, sem envolvimentos filosóficos ou religiosos, crê-se que uma boa maneira de conceituar a Biologia é admiti-la
como a ciência que estuda os seres vivos, porque, afinal, dizer o que são seres vivos é muito fácil” (SOARES, 1999).

Os problemas suscitados pela tentativa de construir listas de características distintivas dos seres vivos são reconhecidos
por Laurence (2000): “Em Ciência, é muito difícil definir ou mesmo caracterizar alguma coisa ou algum fenômeno,
pois, frequentemente, nos deparamos com exceções”. Nesse trecho, que se encontra num capítulo sobre definições de
Biologia e vida, as dificuldades produzidas pela visão essencialista das definições ficam evidentes, dado que a existência
de ‘exceções’ é entendida como um problema de tal magnitude, que torna difícil definir ou até mesmo caracterizar os
fenômenos estudados pela ciência (KAWASAKI; EL-HANI, 2002).

Todos os conteúdos analisados propõem alguma caracterização dos seres vivos, seja por meio de listas de propriedades
que permitiriam diferenciá-los do que não é vivo, seja mediante uma caracterização geral, na descrição dos grupos de
seres vivos, de atributos particulares de cada grupo. Na maioria dos conteúdos analisados, as listas de propriedades
podem ser consideradas essencialistas (EMMECHE; EL-HANI, 2000), pretendendo apresentar condições necessárias e
suficientes para a qualificação de uma entidade como membro da classe dos seres vivos, sem justificativa teórica para
a escolha das propriedades ou explicação de sua coexistência por meio de alguma teoria subjacente.

Em outros conteúdos, porém, as listas de propriedades podem ser interpretadas mediante uma visão paradigmática
da definição de vida (EMMECHE; EL-HANI, 2000), porque a seleção das propriedades parece ter sido feita a partir de
uma justificativa teórica, de modo que elas apresentam inter-relações claras e o significado do conceito de vida emerge
de suas conexões com outros elementos de uma rede de conceitos incluída num paradigma. Amabis e Martho (1997)
colocam explicitamente a ideia de evolução como princípio unificador da Biologia, por dar coerência ao conjunto de
conhecimentos biológicos e permitir a compreensão do fenômeno da vida a partir de suas conexões com a compreensão
do processo evolutivo.

Apesar de a maioria dos conteúdos do ensino de Ciências e Biologia não dedicarem partes para a caracterização da vida,
é possível extrair dos textos ideias gerais a esse respeito, mediante a interpretação das concepções de Biologia, dos
modos de produção da Ciência, da abrangência da área, da estruturação dos conteúdos etc. (KAWASAKI; EL-HANI, 2002).

É comum a classificação dos seres vivos em ordem crescente de complexidade, categorizando-os em grupos de seres
“inferiores”, “intermediários” e “superiores”. Isso remonta a uma ideia muito influente no pensamento ocidental, a de
uma scala naturae ou “Grande Cadeia dos Seres” (LOVEJOY 1936), que permanece nas visões sobre a evolução que
enfatizam o progresso e o aperfeiçoamento. Embora essa ideia tenha sido muito criticada, ela se mantém em textos
didáticos de Biologia, inclusive do Ensino Superior. Essa maneira de apresentar os seres vivos contém implicitamente
a ideia de que a compreensão das entidades menores, em nível micro, é fundamental para a compreensão de entidades
maiores, em nível macro. Entretanto, a simples discussão dos seres vivos em níveis crescentes de complexidade não
assegura uma compreensão, por exemplo, das relações entre micro e macroestruturas nos organismos multicelulares
(KAWASAKI; L-HANI, 2002).

Quanto à busca de padrões comuns na diversidade da vida, uma tendência reducionista pode ser percebida, na medida em
que a unidade da vida é destacada nos níveis celulares e moleculares, sem esforço similar de unificação da compreensão
dos seres vivos em níveis de organização acima do celular. A ênfase sobre a microestrutura dos sistemas biológicos
usualmente resulta numa abordagem que isola estruturas celulares e moleculares dos contextos organísmico e ambiental.
Outra tendência reducionista é encontrada na associação íntima entre o fenômeno da vida e o nível bioquímico ou
molecular. Soares (1999), por exemplo, afirma: “O estudo da composição química da célula constitui o que chamamos
de Citoquímica, Biologia Molecular ou Bioquímica Celular. É um vasto, moderno e arrojado estudo pelo qual procuramos
compreender a natureza mais íntima de cada fenômeno que se passa no interior da célula, numa fascinante investigação,
para explicar cada procedimento normal ou anormal do organismo, justificando a natureza das doenças, procurando
corrigi-las ou evitá-las e entendendo melhor a própria vida. Pode-se fazer uma avaliação global e ter, assim, uma visão
24
geral dessa química espetacular que tão bem diferencia os sistemas viventes da matéria bruta”. Esse trecho sugere que a
vida será melhor compreendida quanto mais a investigação prosseguir no sentido de níveis cada vez mais microscópicos,
perdendo-se de vista a necessidade de conhecer não apenas os componentes moleculares e celulares dos organismos,
mas também os princípios de organização por meio dos quais emergem, a partir de tais componentes, sistemas vivos.

Encontram-se também conteúdos com uma visão informacional da vida. Amabis e Martho (1997), por exemplo, afirmam
que “o núcleo representa a ‘central de informações’ da célula. Ele é comparável à memória de um computador e armazena
milhares de instruções para a fabricação das proteínas celulares. Uma vez que essas moléculas comandam praticamente
todas as atividades da célula, o núcleo desempenha o papel de controlador indireto do metabolismo celular”. Todas as
instruções para o funcionamento da célula estariam escritas, em código, nas moléculas de DNA. A metáfora do programa
genético é bastante criticada na literatura (KAWASAKI; EL-HANI, 2002) e aparece de maneira forte nessa caracterização
do material genético como controlador do metabolismo celular.

As seções sobre origem da vida trazem discussões importantes para a definição de vida. A vida teria surgido quando
um agregado de moléculas com capacidade de realizar reações químicas ordenadas conseguiu manter sua organização e
isolar-se do ambiente. Essa ideia de sistemas fechados e autossuficientes poderia ser trabalhada com base na teoria da
autopoiese, mas nenhum livro usou os recursos conceituais dessa teoria para abordá-la (KAWASAKI; EL-HANI, 2002).

As ”formas limítrofes” entre sistemas vivos e matéria inanimada merecem atenção dos livros, em particular, os vírus,
entendidos como exceções. Os vírus e outras estruturas moleculares que apresentam propriedades características da
matéria bruta e de seres vivos parecem excepcionais, porque contradizem nossas intuições acerca da distinção entre
essas classes de entidades. Colocá-los de lado como exceções pode ser, contudo, uma solução inadequada. Emmeche
(1997) e Emmeche & El-Hani (2000) consideram que os vírus não são formas limítrofes, porque pressupõem, em termos
funcionais e evolutivos, a existência de células vivas, sendo melhor concebidos como uma espécie de última palavra em
parasitismo.

Exceções, como os vírus, parecem seguir necessariamente da tentativa de construir listas de condições necessárias e
suficientes para a vida. Elas podem refletir, assim, mais a inadequação de nossos procedimentos de definição do que a
natureza do que estamos tentando definir.

Por fim, encontra-se uma caracterização da vida a partir de seu contraexemplo, a morte. Amabis e Martho (1997),
por exemplo, observam que uma reflexão profunda sobre a vida deve levar em conta a morte. A partir da definição de
morte como processo irreversível de perda da atividade altamente organizada que caracteriza a vida, os autores tecem
considerações sobre a definição de vida (KAWASAKI; EL-HANI, 2002).

É um aspecto positivo que os conteúdos no ensino de Ciência e Biologia examinados, embora reconheçam a dificuldade
de definir vida, não evitem a discussão sobre como caracterizar seres vivos, diferenciando-os da matéria bruta, e, em
alguns casos, cheguem a tratar explicitamente do problema de definir vida (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). Outro elemento
positivo foi a identificação de livros que abordam esse problema em contextos paradigmáticos definidos. Contudo, as
tentativas de definir vida de maneira essencialista predominam nos livros didáticos (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). A
utilização de abordagens paradigmáticas da definição de vida é mais recomendável, parecendo especialmente adequado
para a transposição didática das discussões sobre definições de vida na Biologia teórica, o paradigma Neodarwinista,
no qual a vida é entendida como a seleção natural de replicadores (KAWASAKI; EL-HANI, 2002; EMMECHE; EL-HANI
2000), embora a teoria da autopoiese também possa ser utilizada com proveito.

A partir da avaliação do tema vida, pôde-se ter uma ideia de como se pode avaliar temas nos conteúdos e na qualidade
de formação para o ensino de Ciências e Biologia. Várias definições podem-se dar a diversificados temas, porém aquelas
que vão sendo apropriadas pelos alunos dependerão de uma capacidade de entendimento por eles. A absorção de vários
temas e de forma perene por parte dos alunos mostra a qualidade na formação de um curso de Ciências e Biologia,
em contra partida de uma aquisição volumosa e volátil. É isso que os educadores devem almejar no planejamento e na
definição de temas a serem lecionados.
Texto adaptado de Uma análise das definições de vida encontradas em livros didáticos de Biologia, do Ensino Médio, de Clarice Sumi Kawasaki Charbel Niño Al-Mami.

25
Ao final deste capítulo, para quem quiser aprofundar o conhecimento
na qualidade de formação de alunos de Ensino Médio e Fundamental,
fica a sugestão dos seguintes livros.

DEMO, P. Educação e qualidade. 4. ed. Campinas: Papirus,


1998. 160 p.

POVOA FILHO, F. L. Escola: solucionando problemas, melhorando


resultados. 2. ed. Belo Horizonte: Fund. C. Ottoni, 1996. 95 p.

RAMOS, C. Excelência na educação: a escola de qualidade total.


Rio de janeiro: Qualitymark. 164 p.

MONLEVADE, J. A. Idéias para a construção da qualidade da


educação. Ceilândia: Idea, 2007. 69p.

FRIGOTTO, G.; FERNANDEZ ENGUITA, M.; GENTILI, P. S


Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas.
5. ed. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1997. 204 p

BARBOSA, E. F. Implantação da qualidade total na educação.


Belo Horizonte: Fund. C. Ottoni, 1995. 188 p.

26
Capítulo 6 – Alfabetização Científica e Técnica Versus Proezas Científicas

O que seria alfabetização e proeza científica?

Quando no ensino de Ciências e Biologia se privilegia a capacidade para utilizar os saberes das disciplinas a fim de
enfrentar situações da existência (o que, às vezes, é chamado de ponto de vista “cidadão”), o aluno chega à proeza
científica, ou seja, à capacidade de responder a questões difíceis, ancoradas na perspectiva de uma disciplina. Cada
uma dessas perspectivas tem sua importância. A alfabetização científica visa, sobretudo, à formação, à inserção e à
capacidade criativa do cidadão na sociedade. A proeza científica privilegia a formação de especialistas e tem seu lugar,
sobretudo, à margem das especializações escolares dos que decidiram fazer uma carreira em que ciências e tecnologias
estão envolvidas (FOUREZ, 2003).

Os cursos de Ciências e Biologia que visam à formação de cientistas se ramificam em Física, Química e Biologia. Os que
visam à formação cidadã e, talvez, o da maioria dos jovens, falam de ambiente, de poluição, de tecnologia, de medicina,
de conquista espacial, da história do universo e dos seres vivos etc. São duas orientações diferentes.

A perspectiva da alfabetização científica pode-se expressar em termos de finalidades humanistas, sociais e econômicas
(FOUREZ, 2003). A figura 3 mostra a junção dos três diferentes objetivos para formação da Alfabetização Científica.

Os objetivos humanistas visam à capacidade de se situar em um universo técnico-científico e de poder utilizar as ciências
para decodificar seu mundo, o qual se torna, então, menos misterioso, ou menos mistificador. Trata-se, ao mesmo tempo,
de poder manter sua autonomia crítica na sociedade e familiarizar-se com as grandes ideias provenientes das ciências.
Resumindo, trata-se de poder participar da cultura do nosso tempo.

Os objetivos ligados ao social visam diminuir as desigualdades produzidas pela falta de compreensão das tecno-ciências e
ajudar as pessoas a se organizarem e dar-lhes os meios para participar de debates democráticos, que exigem conhecimentos
e um senso crítico (pensamos na energia, na droga ou nos organismos geneticamente modificados). Em suma, o que está
em jogo é uma certa autonomia na nossa sociedade técnico-científica e uma diminuição das desigualdades.

Objetivos
Objetivos Objetivos
Econômicos
Humanistas Sociais
e Políticos

Alfabetização
Científica

Figura 3 – Três diferentes objetivos para formação da alfabetização científica

Os objetivos ligados ao econômico e ao político visam participar da produção do mundo industrializado e do reforço de
nosso potencial tecnológico e econômico. A isso se acrescenta a promoção de vocações científicas e/ou tecnológicas,
necessárias à produção de riquezas.
27
Dessa maneira, pode-se destacar as diferenças entre duas perspectivas frequentemente opostas, mas complementares:
a que visa à formação do cidadão e a que visa à preparação de especialistas. Entretanto, não é garantido que a melhor
maneira de obter muitas vocações científicas seja centrar sobre as disciplinas. Pode-se, com efeito, suspeitar que os cursos
de ciências centrados muito cedo nas especialidades não motivam tantos jovens para uma carreira científica. Alguns deles,
de fato, experimentam um deficit de sentido quando se quer, deste modo, embarcá-los no mundo dos cientistas. E há um
problema evidente na formação dos professores: ela nem sempre os ajudou a mostrar como a visão dos cientistas não
é, necessariamente, um fim em si, mas uma mediação para melhor decodificar o mundo e dele participar. Resumindo, a
maneira de fazer funcionar a complementaridade entre essas duas abordagens ainda está por ser encontrada. De qualquer
modo, quanto às finalidades, a tensão existe entre os que veem a alfabetização científica e técnica de todos como objetivo
primeiro e os que preferem visar com prioridade à formação dos futuros cientistas. Entretanto, alguns se perguntam se
a melhor maneira de alcançar esse último objetivo não é dar a prioridade ao primeiro: se é dado a muitos o sentido do
que se pode fazer com as ciências, as vocações científicas poderiam se desenvolver (FOUREZ, 2003; OLIVEIRA, 1998).

Uma tensão aparece, também, quando se trata de ver se é o indivíduo ou uma coletividade que se quer capacitar, para se
“virar” no mundo técnico-científico. A tradição de ensino pensa espontaneamente em educar o indivíduo. É, geralmente,
dessa forma que a escola espera fazer de cada aluno um cidadão. Concretamente, todavia, nunca é inteiramente só que
se afronta a realidade, mas, também em grupo, em comunidade humana, em sociedade organizada (FOUREZ, 2003).

Assim, a competência de um laboratório de pesquisa não corresponde à soma das competências individuais, mas à maneira
como elas se articulam e se completam. De modo semelhante, faz sentido dizer que tal aluno tem uma representação
da alimentação no café da manhã, de forma a poder administrar suas decisões sobre isso; também faz sentido dizer que
uma classe adquiriu uma cultura compartilhada sobre esse ponto, de maneira que seus alunos podem discutir sobre isso,
sensatamente. Então, o sujeito da alfabetização científica não é mais o indivíduo isolado, mas o grupo. Da mesma forma,
uma coletividade local pode ser “alfabetizada” em relação à construção de uma indústria poluidora, ou em relação a uma
política frente às drogas. Isso significa que foi instaurada nessa comunidade uma cultura, formada de saber, saber fazer
e saber ser, permitindo uma discussão pertinente da situação (FOUREZ, 2003; OLIVEIRA, 1998).

Nessas condições, um debate democrático torna-se possível. É importante, então, na perspectiva que acabamos de
evocar, distinguir a alfabetização científica, a técnica individual e a coletiva. A escola, classicamente, só considera a
primeira. Contudo, em uma perspectiva de sociedade, é a segunda a mais significativa. É ela que visa à diversidade das
competências que um grupo consegue se escutar mutuamente e à instauração de uma cultura de comunicação, como
de uma deliberação que integre, nos debates de sociedade, o que tanto os especialistas cientistas quanto os diversos
usuários têm a oferecer (OLIVEIRA, 1998).

Se a escola se preocupasse mais com a alfabetização científica e a técnica dos indivíduos e dos grupos, ela trataria de
proporcionar aos alunos a experiência de ter participado de uma coletividade, praticando um debate. Ter vivido dessa
forma confere uma competência da qual se pode preparar explicitamente a transferência para outras situações.

Assim, um grupo alfabetizado cientificamente e tecnicamente, em relação a uma família de situações, pode se tornar
consciente de que aquilo que a competência, chamada, às vezes, de knowhow, adquire, em relação a esse conjunto de
situações, pode ser transferido para um outro. Por exemplo, tendo adquirido uma cultura relativa à alimentação no café
da manhã, os alunos podem tornar-se confiantes de que poderiam praticar uma operação semelhante frente aos meios de
transporte de sua cidade. E assim por diante. Há, portanto, em relação à alfabetização científica e técnica, uma polarização
entre duas atitudes educativas: a que promove a formação do indivíduo e reforça o seu poder, e a que visa a fortificar a
cultura cidadã das coletividades. Uma não anda sem a outra, mas pode-se perguntar se ocorre com frequência que um
ensinamento seja pensado com o objetivo de criar uma cultura de grupo que capacite uma coletividade, para deliberar
mecanismos sociais e políticas de decisões científicas e técnicas ou outros tipos de decisões que implicam ciências ou
tecnologias (FOUREZ, 2003).

28
Para finalizar este tópico, e retornando ao conceito de proeza científica, pode implicar também a transformação metafísica
do personagem cientista. A figura 4 mostra que as proezas científicas podem caminhar em uma intersecção entre a
ciência e o mito, em que repostas materiais, como prêmios, por exemplo, mistificam o cientista.
Editais e Projetos
(Dinheiro) Prêmios

Proezas
Ciência Mito
Científicas

Laboratórios Publicações

Figura 4 – Transformação metafísica do personagem cientista

Texto adaptado de Crise no ensino de Ciências, de Gérard Fourez.

Filmes sobre ficção científica mostram como seus autores foram


alfabetizados cientificamente, e, a partir disso, buscam proezas
científicas, sempre utópicas, como no caso dos filmes abaixo:

1. Contact é um filme dirigido por Robert Zemeckis, adaptado, em


1997, do romance homônimo do cientista norte-americano Carl
Sagan, tendo como atriz principal Jodie Foster, no papel da Drª
Eleanor Ann “Ellie” Arroway.

2. Armagedom é um filme estadunidense, de 1998, ano em que


houve uma intensa produção de filmes sobre desastres naturais,
como Impacto Profundo, que tratava de um tema similar.

29
Capítulo 7 – Ciências de Situações ou Ciências Cotidiana?

As ciências estão no dia-a-dia, em situações cotidianas. Viver é


estar sempre em contato com a ciência. A reflexão aqui é: você
faz ciência no seu dia a dia?

As ciências veiculam uma maneira de teorizar o mundo que as situa diferentemente segundo as classes sociais. Os
educadores não se enganam quando reivindicam sólidas formações científicas e destacam que a importância dessas
disciplinas reside especialmente na aprendizagem de uma realidade dura e inexorável. Essa capacidade de objetivação
do mundo e de considerá-lo fora de seu contexto afetivo e social, sem dúvida, origina ao mesmo tempo a força burguesa
e a do pensamento científico. Não é por nada, talvez, que há um ar de parentesco entre o discurso de um ministro das
finanças, anunciando novos impostos, e o do professor de Matemática, introduzindo seu curso. Ambos falam do rigor
dos números e das lógicas implacáveis, aos quais é preciso se curvar (FOUREZ, 2003).

A questão da naturalidade com que os objetos construídos a partir do conhecimento científico parecem inserir-se na nossa
vida cotidiana, vai nos dizer, exatamente, que esses objetos nada têm de natural (LACAN, 1992). Nem mesmo foram
propostos conforme a etnografia, por estudos descritivos que definiriam os entes e onde haveria, segundo a fenomenologia
(Husserl), uma abordagem metodológica que busca a “volta às coisas mesmas, numa tentativa de reencontrar a verdade
nos dados originários da experiência” (HOLANDA, 1986). Não foi da busca de uma percepção apurada, não adulterada
dos fatos, que a ciência surgiu. Lacan (1992) descreve que ampliar e melhorar o conhecimento que se tinha do mundo
não foi a característica da nossa ciência, mas “ter feito surgir no mundo coisas que, de forma alguma, existiam no plano
de nossa percepção... (e, mais) toda a evolução da matemática grega nos prova que o que sobe ao zênite é a manipulação
do número como tal... O sensus só está ali à maneira do que se pode contar, e o fato de contar dissolve rapidamente”
(LACAN, 1992; BAETA, 2005).

Lacan (1992) denomina de aletosfera (de aletéia, verdade) o lugar (com pretensões esféricas) onde se situam “essas
fabricações da ciência”. Lugar de uma verdade diferente: axiomática, puramente lógica, formalizada, referida apenas
a uma articulação significante que deve sustentar a coerência interna das suas proposições (BAETA, 2005). De fato,
foi à luz da ciência que se pôde apreender as dificuldades que se apresentavam no que, antes dela, se articulavam
como conhecimento, com a subjacência de dois princípios a serem cindidos – ”um que forma e outro que é formado” e
que remetem a uma unificação ideal, sob a imagem “do princípio macho e do princípio fêmea” – engodo desde sempre
implicado na idéia do conhecimento e que é fruto do esquecimento do efeito da incidência do discurso sobre os seres
falantes (BAETA, 2005).

A apropriação do paradigma construtivista tem gerado, na maioria das vezes, estratégias de ensino que tentam
simplesmente ampliar os conhecimentos que os estudantes já possuem dos fenômenos ou organizar o pensamento de
senso comum dos alunos. Além disso, nos casos em que as ideias alternativas são claramente antagônicas ou conflitantes
com os conceitos científicos, recorre-se aos chamados “experimentos cruciais”, na tentativa de criar uma insatisfação
com as ideias prévias e favorecer a construção do conhecimento científico (MORTIMER, 1996).

A aplicação dessas estratégias em sala de aula tem resultado numa relação de custo-benefício altamente desfavorável.
Gasta-se muito tempo com poucos conceitos, e, muitas vezes, esse processo não resulta na construção de conceitos
científicos, mas na reafirmação do pensamento de senso comum. A prática de sala de aula contribui para o aumento
da consciência do estudante sobre suas concepções, mas não consegue dar o salto esperado em direção aos conceitos
científicos (MORTIMER, 1996).

30
Essas perspectivas parecem desconhecer que aprender ciências envolve a iniciação dos estudantes em uma nova maneira
de pensar e explicar o mundo natural, que é, fundamentalmente, diferente daquelas disponíveis no senso comum. Aprender
ciências envolve um processo de socialização das práticas da comunidade científica e de suas formas particulares de
pensar e de ver o mundo, em última análise, um processo de “enculturação”. Sem as representações simbólicas, próprias
da cultura científica, o estudante, muitas vezes, mostra-se incapaz de perceber, nos fenômenos, aquilo que o professor
deseja que ele perceba (MORTIMER, 1996).

Além disso, essas propostas não conseguem tirar todas as consequências da teoria que parece inspirá-las. Apesar de
a maioria das estratégias de ensino que usam o conflito cognitivo no processo de ensino-aprendizagem ter uma raiz
piagetiana, elas parecem desconhecer duas características importantes da teoria da equilibração (PIAGET, 1977). A
primeira é que as lacunas são tão importantes quanto os conflitos. São poucos os autores, por exemplo, Rowell (1989),
que se referem às lacunas como um tipo de perturbação. Várias estratégias baseadas no conflito cognitivo parecem não
reconhecer que, muitas vezes, no processo de construção de uma ideia nova, a falta de informações para interpretar os
resultados de um experimento é obstáculo maior que o conflito entre as ideias dos estudantes e os resultados. A segunda
característica é relacionada à terceira forma de equilibração da teoria piagetiana. Muitas dificuldades no processo de
aprendizagem estão relacionadas à construção de totalidades, com forte poder de explicação, que podem ser generalizadas
a um grande número de fenômenos. Muitas vezes, o estudante permanece no plano dos esquemas, “procedimentos e
rituais” (EDWARDS; MERCER, 1987) e não passa para o plano superior dos princípios, das explicações. Em função disso,
o aluno não tenta generalizar essas explicações a fenômenos diversos, pois não as reconhece como gerais, e sim como
mais um esquema localizado. Essas dificuldades estão relacionadas às diferenças entre uma teoria científica, geral e
independente do contexto e os esquemas e subsistemas cotidianos, nem sempre gerais e, muitas vezes, dependentes
do contexto. Uma estratégia de ensino deveria lidar com essa terceira forma de equilibração e auxiliar os estudantes a
superarem suas dificuldades em generalizar (MORTIMER, 1996).

Outro tipo de problema nesses tipos de estratégia de ensino é a dificuldade que os alunos enfrentam em reconhecer e
vivenciar conflitos. Isso poderia explicar a improdutividade de certas discussões em grupo na sala de aula, em que os
estudantes tenderiam a desenvolver “cinturões protetores” (LAKATOS, 1970) em torno do núcleo central de suas ideias, em
vez de tentarem superar possíveis conflitos. Isso poderia ser explicado pelas diferentes fases da construção compensatória
na teoria piagetiana, uma vez que a existência de uma perturbação em potencial não significa, necessariamente, a
superação da ideia inicial. Os alunos poderiam não reconhecer a perturbação enquanto tal e suas ideias permaneceriam
inalteradas. Mesmo quando a reconhecessem, poderiam criar hipóteses ad-hoc para adaptar a velha ideia à perturbação
(MORTIMER, 1996).

As dificuldades apresentadas na aplicação pedagógica das ideias geradas no movimento construtivista são, portanto,
evidentes. Isso tem gerado um desenvolvimento de estratégias de ensino que procuram fugir dessa armadilha que a
explicitação das ideias prévias parece significar. Rowell e Dawson (1984), por exemplo, apontam para a ineficácia de se
usar uma estratégia de conflito no início de uma sequência didática, baseados na ideia de que uma teoria só é substituída
após outra melhor ter sido construída. Os autores optam, então, por construírem a melhor teoria primeiro e, só então, a
contrapõem às ideias dos estudantes. De maneira semelhante, Scott (1992) mostra que as explicações dos estudantes
para alguns fenômenos relacionados à pressão atmosférica não auxiliam na construção da explicação científica. Os
estudantes, por exemplo, explicam o colapso da embalagem do refresco, à medida que ele é sugado, tendo como base
a ideia de vácuo e a ação humana de sugar. Essas ideias não auxiliam a construção de uma explicação baseada nas
diferenças entre as pressões internas e externas. Scott também sugere a construção da nova explicação em primeiro
lugar, de forma independente das ideias prévias (MORTIMER, 1996).

Uma das características que um grande número de estratégias de ensino-aprendizagem parece ter, explícita ou
implicitamente, em relação às ideias prévias dos estudantes, é a expectativa de que essas ideias deverão ser abandonadas
e/ou subsumidas no processo de ensino. Nas estratégias que usam o conflito cognitivo, esse destino das ideias dos
estudantes é o resultado da superação da contradição, tanto entre ideias e eventos discrepantes, como entre ideias
conflitantes que se referem a um mesmo conjunto de evidências. Nas estratégias baseadas em analogias, é o resultado
de as ideias iniciais serem integradas e subsumidas numa ideia mais poderosa (MORTIMER, 1996).

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Essa expectativa tem sua origem numa visão construtivista de aprendizagem como um “processo adaptativo no qual os
esquemas conceituais dos aprendizes são progressivamente reconstruídos, de maneira a concordarem com um conjunto de
experiências e ideias cada vez mais amplo” (DRIVER, 1989). De acordo com esse tipo de visão, “concepções conflitantes
não podem ser simultaneamente plausíveis para uma pessoa” (HEWSON; THORLEY, 1989). Essas visões também têm
raízes na epistemologia piagetiana e se baseiam na ideia de que o desenvolvimento do conhecimento leva à construção
de estruturas conceituais cada vez mais poderosas.

Nessa visão, é possível reconhecer a gênese de qualquer ideia, ligando seus estágios mais avançados aos mais elementares.
Fodor (1983) resume esse princípio da teoria piagetiana do seguinte modo: “Uma criança em desenvolvimento constitui
uma série de lógicas tais que cada lógica contém, literalmente, a precedente, sendo a relação ‘contém’ assimétrica. As
lógicas tornam-se cada vez mais fortes, no sentido em que cada lógica ulterior contém a lógica anterior como uma de suas
partes”. Piaget concorda com essa caracterização ao comentar que “o que é perfeitamente exato é a ideia de que toda a
estrutura se converte em subconjunto de uma estrutura mais rica” (PIATELLI-PALMARINI, 1983). Como consequência,
não está claro, na teoria piagetiana, o lugar das ideias de senso comum. Os cientistas, por exemplo, não as usariam, uma
vez que, como sujeitos lógico-formais, as teriam superado, incorporando-as em ideias mais racionais (MORTIMER, 1996).

Essa característica do sujeito epistêmico piagetiano parece não prevalecer na vida cotidiana. Uma pessoa com formação
científica poderia rir da ingenuidade do pensamento infantil, capaz de inventar a entidade frio em contrapartida ao calor, e
de distinguir duas formas de “energia” que podem fluir de um corpo ao outro: o calor e o frio. No entanto, no seu cotidiano,
essa pessoa continuará a usar esses conceitos de uma forma muito natural. Mesmo porque soaria pedante alguém afirmar
que “vestiu uma blusa de lã porque ela é um bom isolante térmico, impedindo que o corpo ceda calor para o ambiente”.
Ora, nós vestimos lã porque ela é quente e nós estamos com frio. Não há aí nenhum vestígio de concepções ingênuas, mas
o uso da palavra calor num sentido de senso comum que a nossa cultura consagrou. Essa maneira de ver o mundo está
largamente incorporada como uma característica da cultura. Uma pessoa poderia adquirir a capacidade de distinguir essa
maneira cotidiana de ver o mundo de maneiras mais sofisticadas. Suprimir essas “concepções alternativas”, no entanto,
significaria suprimir o pensamento de senso comum e seu modo de expressão, a linguagem cotidiana. Uma expectativa
irreal e inútil. A linguagem cotidiana é o modo mais abrangente de se compartilhar significados e permite a comunicação
entre os vários grupos especializados dentro de uma mesma língua. Suprimi-la seria instaurar uma babel, impedindo que
diferentes grupos pudessem compartilhar de significados numa mesma cultura (MORTIMER, 1996).

Mesmo que o modelo de revolução científica pudesse ser aplicado a qualquer mudança conceitual na ciência, sua
transposição para o processo de ensino-aprendizagem desconhece as diferenças profundas entre um processo que ocorre
dentro de uma cultura científica e outro que é justamente um processo de “enculturação” (DRIVER et al., 1994). No
processo de aprendizagem de ciências, os estudantes não estão envolvidos com as fronteiras do conhecimento. Aprender
ciências está muito mais relacionado a se entrar num mundo que é ontológico e epistemologicamente, diferente do mundo
cotidiano. Esse processo de “enculturação” pode ocorrer, também, quando se tem que aprender teorias mais avançadas.
Aprender mecânica quântica para quem tem uma visão clássica do mundo tem essa mesma característica de um processo
de “enculturação” (MORTIMER, 1996).

Além disso, alguns autores têm tentado demostrar a dificuldade dos estudantes em abandonarem suas noções do dia-a-
dia. O trabalho de Galili e Bar (1992), por exemplo, mostra que os mesmos estudantes que tiveram um bom desempenho
em problemas sobre força e movimento, aos quais estavam familiarizados, revertem a um raciocínio pré-newtoniano de
“movimento requer força” em questões não familiares ou que envolvem um contexto cotidiano. Os autores concluem que
“essa ‘regressão’ a visões ingênuas pelos mesmos sujeitos é uma evidência a mais de que o processo de substituição de
crenças ingênuas por novos conhecimentos adquiridos nas aulas de Física é complicado e, muitas vezes, inconsistente”.

Esses resultados disponíveis na literatura foram confirmados por aqueles que obtivemos em sala de aula (MORTIMER,
1994) e reforçavam a ideia de que não é adequado descrever o processo de ensino como uma substituição das ideias
prévias dos alunos por ideias científicas. Apesar de já terem surgido artigos na literatura propondo modelos alternativos
para a mudança conceitual em sala de aula (MORTIMER, 1992 e 1995), é necessário um aprofundamento das bases
téoricas desses modelos. Esses modelos se assentam em duas premissas que divergem da base psicológica e filosófica

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que tem informado o construtivismo na sua versão mais centrada no indivíduo: a possibilidade de que uma pessoa possa
usar diferentes formas de pensar em diferentes domínios; e a possibilidade de que a construção de uma nova ideia possa,
em algumas situações, ocorrer independentemente das ideias prévias e não necessariamente como uma acomodação
de estruturas conceituais já existentes. É importante, portanto, aprofundar essas premissas, para dar suporte teórico a
esses modelos. Na seção que se segue, tentaremos discutir alguns aspectos relacionados à primeira dessas premissas.
Um outro debate relativo ao ensino de Ciências concerne à visão epistemológica que se tem de sua construção. Isso
faz considerar duas maneiras de pensar a noção de representação. A primeira julga que uma representação é como uma
imagem exata do real: seu espelho. Dizer que uma representação é verdadeira é, portanto, afirmar que ela reflete bem
a realidade. Mas pode-se, também, falar de uma representação como da construção humana que, em certos debates,
pode ocupar o lugar de uma situação. Nessa segunda maneira de ver, a representação não é absolutamente o espelho
da realidade; ela é como um “mapa”. É um artefato humano, uma técnica, uma encenação em função de objetivos. No
primeiro caso, a representação, o reflexo funciona independentemente de qualquer finalidade humana. No segundo, trata-
se de uma encenação feita por humanos, para humanos em função de objetivos (FOUREZ, 2003).
Essa dualidade de visões se reflete na concepção que se tem das finalidades do ensino de Ciências. Para alguns, elas
devem ser ensinadas porque são, ao menos provisoriamente, as melhores representações do mundo que temos. A idéia
subjacente é que há uma verdade sobre o mundo que se deve procurar, encontrar e ensinar. Esse modo de ver está
ligado às filosofias científicas, nas quais as ciências asseguram um pouco a continuidade das religiões, para garantir
uma base sólida à ordem social. O marxismo, aliás, é marcado por essa tendência, na medida em que sua pretensão a
uma análise científica da história parece, às vezes, com a pretensão a deter dela a única verdade. Em face da maneira
de ver, uma outra perspectiva considera as ciências como construções de representações sempre ligadas a um contexto
e a uma finalidade. Desse ponto de vista, não se falará mais de uma verdade global a encontrar, mas, sim, de construir
uma encenação de situações, em função de projetos a executar. Não é mais o caso de uma representação única do
verdadeiro, mas, sim, de uma multiplicidade de concepção e de modelização possíveis da mesma situação que se trata
de encenar (FOUREZ, 2003).
Do ponto de vista didático, de um lado, pede-se ao aluno que adquira a única verdade, que existe independentemente
de qualquer ponto de vista, de qualquer finalidade, e de todo projeto do sujeito. A ciência parece com uma religião que
se impõe. Do outro lado, trata-se de construir ou de se apropriar das representações. As ciências têm o aspecto de um
processo de invenção e de criatividade realizada pelos humanos e para os humanos. Para retomar a comparação dos
mapas, a primeira perspectiva procuraria o “verdadeiro” mapa de um território, enquanto a segunda consideraria uma
multiplicidade de mapas que podem ser todos válidos, mesmo se, em função de interesses específicos, uns pudessem
ser mais interessantes do que outros (FOUREZ, 2003).
O conteúdo da formação inicial dos professores de Ciências também é objeto de um debate. Se há consenso quanto à
importância de um sólido conhecimento da disciplina, se há um amplo acordo para a formação em didática, as posições
são divergentes quanto à utilidade de uma formação em epistemologia em história das ciências e nas abordagens
interdisciplinares diante das situações complexas ou das questões fundamentais provocadas pelos modelos científicos
(FOUREZ, 2003).
Tendo em vista a mínima parte em acordo com essas abordagens, as universidades não parecem dar a elas muita
importância. Talvez haja uma ligação entre essa posição de fato das universidades e a impressão que têm não poucos
alunos de que há um deficit de sentido em seus cursos de Ciências. Quando se defende a tese de que os cursos de Ciências
devem tornar os alunos capazes de ler o seu mundo, fica-se facilmente exposto à censura por deixá-los em sua bolha e
sua pequena sociedade, enquanto seria necessário, ao contrário, abri-los a todo o universo, à grande sociedade e a uma
cientificidade que resiste aos efeitos ideológicos. É, de fato, difícil negar que, com frequência, os jovens isolam-se no oásis
de seu pequeno mundo, por medo de se confrontar os conflitos de nossa sociedade. Eles ficam, então, à mercê da ideologia
dominante, que é, geralmente, um misto da ideologia espontânea dos dominantes e a dos dominados, misto arranjado
de modo que a reprodução social se faça). É por isso, dirão alguns que não é preciso procurar muito para ver o que tem
sentido para o aluno, mas é necessário convidá-lo a entrar no universo das ciências, as quais resistem aos efeitos da
ideologia dominante – sempre esperando que elas não engendrem demasiadas ideologias tecnocráticas) (FOUREZ, 2003).

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Outros, entretanto, responderão que esse universo científico tem pouca pertinência se ele não permite o confronto
com o mundo no qual nós vivemos. Ou, em outras palavras, se é verdade que não há nada de mais prático que uma boa
teoria, ainda é necessário que ela seja boa, ou seja, permita ler nosso mundo: o mesmo em que nós vivemos. Não se
trata, portanto, de ficar no “mundinho do aluno”, adaptando-se a ele, mas, sim, de construir um ensino de ciências e de
tecnologias que se articule com este mundo e consiga analisá-lo (FOUREZ, 2003).

A respeito dessas reflexões sobre a abertura a um mundo mais vasto que o “pequeno” mundo dos alunos, convém lembrar
o que foi dito quanto à diferença de posição das classes populares e das classes privilegiadas em relação a essa questão.
Na prática, para se representar adequadamente uma situação concreta, é raro que baste uma só disciplina. Esse pode
ser o caso no quadro limitado de um laboratório ou em uma sala de operação, ou, ainda, quando se trata de montar o
sistema elétrico de uma peça (entretanto, mesmo nesse caso “simples”, o problema implica, geralmente, questões de
segurança, de estética, de contabilidade etc.). Em uma situação menos visada, contudo, como o isolamento térmico
de uma habitação ou a compra de um carro, é necessário chamar diversas disciplinas, para se dar uma representação
pertinente do que se passa (FOUREZ, 2003).

A seguinte referência é uma ótima sugestão de livro que trata a


ciência e a vida cotidiana em uma abordagem humana:

MATURANA, H. R.; MAGRO, C.; PAREDES, V. Congnição, ciência


e vida cotidiana. 2. reimp. Belo Horizonte: Ed Ufmg, 2006. 203 p.
(Humanitas: Ed. UFMG).

34
Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia Unidade III

O Professor de Biologia e a Formação


Continuada em Serviço
Capítulo 8 – Pesquisa como Prática Docente: Uma Perspectiva Formativa

A pesquisa como método de ensino e construção do conhecimento


colabora com a formação do aluno de Ciências e Biologia?

Existe a possibilidade de uma formação que leve à autonomia, à


formação de um aluno independente?

A aplicação da metodologia da pesquisa na formação de professores e, consequentemente, no trabalho destes em sala


de aula, é a resposta apontada, inicialmente, por Stenhouse, na década de 1970. Atualmente, essa metodologia recebe
maior destaque na literatura educacional, por ser uma importante proposta de inovação curricular e da prática pedagógica.
Essas discussões, aliadas à proposta de formação reflexiva de professores, trouxeram à tona a necessidade de se (re)
construir a prática pedagógica e as relações estabelecidas na escola. O que, também, nos possibilita refletir sobre as
possibilidades de uma formação que levem à autonomia, à crítica e à autoria, tanto do professor quanto dos alunos, de
maneira que sejam eles mesmos responsáveis pela sua aprendizagem (LÜDKE et al., 2001).

Porém, é necessário levar em consideração que, de um lado desse cenário, predomina o reconhecimento internacional de
que a pesquisa tem um papel importante na formação e na prática do professor; de outro, existem críticas que vão desde
a pertinência epistemológica desses enfoques a questionamentos sobre as possibilidades de se formar efetivamente um
professor pesquisador/reflexivo (FARIAS, 2005).

A fundamentação desse modelo indagativo no ensino encontra-se na capacidade que o professor tem de formular questões
válidas sobre sua própria prática e de prefixar objetivos que tratem de responder a tais questões. Segundo Imbrenón
(2004) e Pereira (2008): i) os professores são inteligentes e podem propor uma pesquisa de forma competente e baseada
em suas experiências; ii) tendem a buscar dados, para responder a questões relevantes e a refletir sobre eles, para obter
respostas aos problemas do ensino; iii) desenvolvem novas formas de compreensão quando eles mesmos contribuem
para formular suas próprias perguntas e recolhem seus próprios dados para responder a elas.

Durante essas fases, pode ser necessária ajuda externa, que pode se concretizar em uma formação específica sobre o
tema ou problema, a metodologia de pesquisa ou sobre qualquer outro processo que ajude o professor a dar sentido a suas
próprias experiências (IMBRENÓN, 2004). Refletir, para agir com autonomia, parece ser umas das expressões-chave e que
caracteriza uma tendência marcante no contexto educativo atual. Entretanto, para se compreender mais profundamente
essa tendência, é preciso remeter-se ao contexto histórico-cultural em que ela tem origem (ALARCÃO, 1996).

Com base nesse cenário e sabendo-se que o “homem quer reaprender a pensar”, tornam-se importantes as discussões sobre
a formação de professores, como uma das estratégias para auxiliar o homem a reconquistar (ou mesmo a conquistar) sua
liberdade e emancipação. Nesse sentido, refletindo, inicialmente, sobre o modelo de racionalidade técnica, como concepção
que tem orientado a formação e a atuação profissional, verifica-se a sua inadequação para formar um profissional da
educação capaz de resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo que não pode ser reduzido a um processo de decisão
e atuação regulado por um sistema de raciocínio infalível, a partir de um conjunto de premissas (PEREIRA, 2008).
35
O fato é que a rigidez com que se entende a razão, sob a perspectiva positivista em que grande parte dos professores
foi formada, provoca essa incapacidade para atuar em um processo que não se propõe, simplesmente, a aplicar regras
definidas para alcançar os resultados já previsto e a deixar de considerar aqueles aspectos da prática que têm a ver com
o imprevisto, a incerteza, os dilemas e as situações de conflito (CONTRERAS, 2002).

Todas aquelas situações, nas quais as regras técnicas e os cálculos não são capazes de dar conta e para as quais se
requerem outras capacidades humanas, têm de ser entendidas e não desprezadas. Alterar ou ajudar na transformação
de paradigmas fortemente enraizados e consolidados num currículo baseado na ordem, fragmentação e linearidade
constitui-se numa tarefa árdua, porém, necessária (CHAIGAR; MARTINS, 2001).

Diante dessas considerações, torna-se evidente a necessidade de se construir a base reflexiva da formação e do trabalho
dos professores, para entender os processos utilizados na resolução de situações conflituosas do cotidiano docente,
nos momentos em que a racionalidade técnica não é capaz de oferecer respostas. Ou, ainda, para analisar a atuação
docente e as novas demandas que lhe são postas, frente às mudanças ocorridas, em todos os âmbitos, no mundo, e que
se refletem no contexto escolar (PEREIRA, 2008).

Herdada do positivismo, a racionalidade técnica prevaleceu ao longo de todo o século XX, servindo de referência para a
educação e a socialização dos profissionais, em geral, e dos docentes, em particular. Segundo esse modelo, a atividade
do profissional é, sobretudo, instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias
e técnicas científicas (PEREIRA, 2008).

A escola parece considerar o espaço da sala de aula como um espaço de aceitação e compreensão por parte dos alunos,
do saber do professor, concebendo-se esse saber como único e verdadeiro, o que evidencia uma não-preocupação com
os conhecimentos prévios de ambos. Pensar sobre a forma como apreender as construções de seus alunos à medida que
propõe as atividades; pensar nas situações de ensino ou como se ensina; fazer-se um verdadeiro artífice do processo
educativo; buscar ser um professor reflexivo, tudo isso fica em segundo plano (BOLZAN, 2002).

Assim, acredita-se que discutir sobre as contribuições dessas premissas, para a formação de professores, é fundamental
para a reavaliação e a reestruturação do atual cenário educacional brasileiro. Para tanto, propõem-se analisar e refletir
sobre as concepções dos professores sobre a pesquisa como fundamento de sua prática em sala de aula (PEREIRA, 2008).

Quando se realiza a pesquisa, primeiro se internaliza um problema, para o saber e o interpretar, e, depois, o levar para a
realidade em que se vive, com o objetivo de compreendê-lo ou, até mesmo, solucioná-lo. Para isso, é necessário o empenho
em avaliar e reavaliar o material de estudo, para que se tenha uma interpretação fiel do contexto. O dado coletado com
a pesquisa só reproduz a realidade. A sua análise e interpretação dependem dos objetivos e do trabalho do pesquisador
(OGLIARI, 2007).

Por sua vez, a análise dos dados depende de questionamentos que levam a duvidar sobre o que aparentemente demonstram
dizer. Para isso, o pesquisador precisa conhecer seus sujeitos, objetos e contexto pesquisado, bem como ter subsídios
teóricos para embasar suas interpretações. Para Ogliari (2007), é importante questionar os dados obtidos para a sua
investigação. A riqueza dos dados levantados pode estar na maneira como são analisados. Assim, o pesquisador que se
encontra imerso no contexto de uma pesquisa, cercada pela realidade de seus sujeitos e objetos, terá condições favoráveis
para interpretar e construir novos conhecimentos a partir dos dados analisados.

Pesquisar é, ainda, produzir algo novo. Para isso, deve-se refutar verdades absolutas, dados incontestáveis. Não se pode
rejeitar algo e produzir ideias e teorias novas sem a importante tarefa de argumentar. Explorar da melhor maneira possível
os dados obtidos é a pedra filosofal para uma boa argumentação. “Uma pesquisa tem de mostrar, no seu conteúdo final,
o que trouxe de ‘novo’, o que resultou do esforço, o que ficou entendido, compreendido, haja vista que estas são análises
feitas em cima da realidade, buscando compreendê-la ou, até mesmo, muda-lá” (PEREIRA, 2008).

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Nesse mesmo sentido, o autor aponta que a importância dessa ação está na tentativa de provocar os sujeitos, para que
se envolvam na busca de novas verdades. Pesquisar é, mediante questionamento crítico do contexto real, compreender
e fazer sua própria interpretação, (re)construindo sua teoria sobre o tema pesquisado. Deste modo, a pesquisa, como
princípio e fundamento da produção e emancipação dos sujeitos, baseada na interpretação da realidade, pode realizar
as mudanças necessárias ao ensino (BINI, 2007).

Educar pela pesquisa tem como condição primordial que o professor seja pesquisador, que maneje a pesquisa no ato de
“ler” ou “participar de cursos”, entretanto, pode-se atribuir essa postura na construção do professor pesquisador. Fica
claro, também, que a pesquisa é considerada pelos professores como uma importante estratégia para formar autores e
leitores, com vistas à autonomia e à autoformação do sujeito. Para o aluno, ela é subsídio para a (re)construção de sua
aprendizagem e para o professor, cerne de instrumento para a elaboração de seus materiais didáticos (DEMO, 2002).

A pesquisa é caracterizada como o processo de formação permanente em que se desenvolve a capacidade investigativa,
a autonomia e a criatividade (GALIAZZI, 2003). Pesquisa é, ainda, para outra parcela dos professores pesquisados, a
busca de diferentes recursos, ou de materiais de apoio a sua prática em sala de aula. Com essa concepção, corre-se o
risco de reduzir-se a pesquisa a simples manipulação de materiais, como livros, revistas ou Internet, ou, ainda, como
expressado por outro grupo de professores, “reunir informações”, como se a (re)construção do conhecimento acabasse
quando se consegue uma resposta ou ao utilizar diferentes meios pedagógicos (PEREIRA, 2008).

A maneira como a pesquisa é concebida nessas categorias, pode ser considerada, fragmentada e meramente instrucional.
Outro dado relevante é o fato da pesquisa ser concebida como um constante questionamento, em que se duvida dos
dados prontos, procura-se investigar a realidade posta, ter curiosidade de ainda buscar respostas ou soluções para as
situações/problemas (FARIAS, 2005).

Pesquisar é analisar dados, ter curiosidade, observar criticamente situações reais na busca de soluções para um problema.
Na análise de um problema, podem-se buscar respostas em teorias existentes com intenção de interferir na realidade,
(re)construindo novos conhecimentos e novas teorias que visam a soluções possíveis (OGLIARI, 2007). É importante
ressaltar o caráter reflexivo e analítico concebido à pesquisa pelos professores. Essa visão está atrelada a ideia de
professor reflexivo muito presente nas discussões atuais sobre formação docente. Farias (2005), ao fazer referência
aos estudos de Donald Schön, relata que o profissional reflexivo está atrelado ao profissional pesquisador ao procurar
identificar problemas e implementar alternativas de solução, registrando e analisando dados, o que faz com que a atividade
profissional deixe de ser distinta da atividade de pesquisa.

A análise de dados mostra que os professores dizem utilizar a pesquisa para agir em sociedade, relacionando-a à resolução
de problemas que ultrapassam os muros das escolas. A prática investigativa necessita de uma teoria que auxilie no
desvelamento do sentido político, cultural e econômico da escola na sociedade. Ela precisa desvendar como se concebe
a função social desses profissionais, bem como vem sendo incorporada na ação educativa escolar (FARIAS, 2005).

Ser professor pesquisador/reflexivo é ter a capacidade de utilizar o pensamento como atribuidor de sentido. A reflexão
baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça.
Sendo um processo simultaneamente lógico e psicológico, combina a racionalidade da lógica investigada com a
irracionalidade inerente à intuição e à paixão do sujeito pensante; une cognição e afetividade num ato específico, próprio
do ser humano (Pereira, 2008).

Dessa maneira, acredita-se que uma educação de qualidade é o objetivo da formação de professores e a razão de ser
de um bom profissional docente. Vale salientar que a busca da qualidade não se faz sem pesquisa e desenvolvimento
investigativo. A eterna inovação possibilita uma formação baseada tanto na aquisição de conhecimentos teóricos quanto
no desenvolvimento de capacidades de processamento da informação, análise e reflexão crítica em, sobre e durante a
ação, o diagnóstico, a decisão racional, a avaliação de técnicas e a reformulação de projetos, por exemplo (PEREIRA,
2008).

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As formações continuadas podem (e devem) ser subsídios teórico-metodológicos para auxiliar o professor a sistematizar
a pesquisa em sua prática pedagógica. Mesmo acreditando que um professor reflexivo/pesquisador é um profissional
autônomo e crítico, capaz de agir por conta própria em sua realidade, aposta-se no trabalho em conjunto, nas possibilidades
de se discutir com outros profissionais, da mesma área ou não, para o sucesso da pesquisa educacional. A realidade é
um todo complexo e por isso precisa ser pensada e avaliada em conjunto, unindo suas partes em discussões que visem
às respostas aos problemas, também reais e complexos (PEREIRA, 2008).

O que se deseja alcançar, portanto, é a formação de professores que fomente a (re)construção da prática pedagógica
e as relações estabelecidas na escola. Com o grupo de professores pesquisados, pôde-se perceber muitas ações que se
aproximam dessa prática crítica e com autoria, embora ainda seja necessário avançar em muitas discussões, principalmente,
no risco que se corre ao reduzir a pesquisa a simples coleta de informações e a fragmentá-la em um único saber. Percebe-
se, sem dúvida, um cenário promissor no sentido de mudanças da prática tradicional positivista.

Cabe, portanto, professores e pesquisadores da educação, a importante tarefa de (re)avaliar e (re)construir as concepções
e as teorias que permeiam a prática docente. Vale ressaltar, ainda, que pesquisar é produzir algo novo. O algo novo pode
ser nossa própria prática docente (PEREIRA, 2008).

Sugere-se aqui o Filme intitulado Mr. Holland – Adorável Professor,


dirigido por Stephen Herek. O filme retrata a formação do docente
por meio da prática e de situações cotidianas.

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Capítulo 9 – Relação Sujeito/Objeto da Pesquisa

Na pesquisa direcionada ao ensino de Ciência e de Biologia, quem


ou o que seria o objeto da pesquisa?

Desde o surgimento da humanidade, o homem tenta resolver seus problemas e ensaia explicações sobrenaturais. Produzir
ciência faz parte da atividade humana. Ensinar como o conhecimento é produzido exige pensá-lo numa dimensão de
historicidade, considerando que o processo de produção é determinado pelas condições sociais da época (BAPTISTA,
2002). A ciência nasceu da contemplação da natureza. Explicações sobrenaturais para os fenômenos satisfaziam às
civilizações primitivas. Essas explicações eram passadas de pai para filho dentro das pequenas comunidades e isso
perdurou até a instituição da escola, centrada no professor, dono do saber que, por meio de exposições, o transmitia aos
seus alunos, receptor passivo que deveria devolver nas provas tal como foram recebidos, sem nenhum questionamento
(BAPTISTA, 2002).
Surge a ciência experimental, na qual o mundo é observado a partir do real, do observável. Essa nova concepção de
ciência tem exercido influência nas propostas de ensino surgidas recentemente. A dificuldade na aquisição de novos
conhecimentos não está na existência de conhecimento prévio dos alunos, baseados em ideias intuitivas ou pré/conceituais
e sim na forma como esses conhecimentos são adquiridos. Assim, no ensino de Ciências e Biologia, o aluno deve
encontrar espaço para incorporar tanto os conhecimentos atualmente disponíveis quanto os mecanismos de produção
desses conhecimentos. Para isso, é necessário: a vivência da metodologia da investigação, que implica a capacidade de
problematizar a realidade; formular hipóteses sobre os problemas; planejar e executar investigações (experimentais ou
não); analisar dados; estabelecer críticas e conclusões (BAPTISTA, 2002).
A metodologia de pesquisa colabora no processo de formação do pensamento lógico e crítico do aluno por meio do
desenvolvimento de atividades de observação, de experimentação controlada, de análise de dados, de pesquisa bibliográfica,
de registro e comunicação de informações. A ciência pode ser entendida como um processo de descoberta de fatos e
busca de leis para explicar os fenômenos e enriquecer de maneira ordenada e inteligente os conhecimentos do homem
a respeito da natureza, ou sendo a ciência um corpo sistemático de conhecimento registrado e preservado, obtido por
observação, experimentação e estudo, o estudo das Ciências Biológicas. Para o educando, consiste em descobrir seu
mundo, a fim de conhecê-lo, esclarecendo suas dúvidas e valorizando o ambiente que o cerca. Assim, quando o aluno
pesquisa, formula hipóteses, observa, experimenta, quando aprende a deixar a natureza falar, permitindo-lhe responder
às suas perguntas, começa a entender as relações com o meio e o ser vivo (DEMO, 1997).
A pesquisa é a atividade em busca do saber já existente ou por descobrir (ZÓBOLI, 1994).
De acordo com Demo (1997), significa a construção de conhecimento original, de acordo com certas exigências científicas.
É uma investigação planejada e desenvolvida segundo normas da metodologia científica. O método de abordagem de
um problema em estudo confere o caráter científico à pesquisa. É, portanto, um exame cuidadoso para descobrir novas
informações, ampliar e verificar o conhecimento existente (BAPTISTA, 2002).
A pesquisa pode ser utilizada desde a pré-escola até a universidade. O pesquisador deve ser um indivíduo interessado em
resolver problemas, uma vez que o objetivo principal do ensino por meio da pesquisa é desenvolver no aluno uma concepção
emancipatória do mundo, tornando-o um sujeito crítico e transformador da realidade a qual está inserido. A pesquisa
incorpora, necessariamente, a prática ao lado da teoria. A aula que apenas repassa o conhecimento, dita tradicional,
não sai do ponto de partida, e, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira
treinamento, em que o aluno é condenado a escutar aulas, tomar notas, decorar e fazer provas (BAPTISTA, 2002).
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Assim, onde não aparece o questionamento não emerge a propriedade educativa escolar.

Não é possível sair da condição de objeto sem formar consciência crítica dessa situação e contestá-la com iniciativa
própria, fazendo desse questionamento o caminho de mudança. Nesse sentido, pesquisa e aprendizagem coincidem. Por
“questionamento”, compreende-se a referência à formação do sujeito competente, no sentido de ser capaz de, tomando
consciência crítica, formular e executar projeto próprio de natureza, do meio ambiente num todo. Não significa apenas
criticar, mas, com base crítica, intervir alternativamente (BAPTISTA, 2002).

Qualquer que seja o problema, uma pesquisa implica o preenchimento de requisitos básicos (DEMO, 1997).

• A explicação de uma pergunta/problema.

• A elaboração clara da descrição de um conjunto de passos que obtenha informações necessárias para respondê-las.

• A indicação do grau de confiabilidade na resposta obtida.

Se o pesquisador atender os requisitos apontados, então, será possível avaliar seus produtos segundo os parâmetros
do seu referencial.

As atividades executadas por um aluno ou por uma equipe são para resolver um problema que resulta em um relatório, um
modelo, uma coleção de organismos, enfim, um produto final concreto. Os seus objetivos educacionais mais importantes
são o desenvolvimento da persistência na execução de uma tarefa (KRASILCHIK, 1983).

A função do professor é orientar, auxiliar a resolver as dificuldades que forem surgindo no decorrer do trabalho, analisar
conclusões, o que exige dele uma postura bem diversa para a condução das atividades diretivas. Com frequência são
constatados casos de professores que pedem aos alunos que façam um projeto para a feira de Ciências ou exposições
escolares sem lhes dar maiores explicações. Os estudantes ficam sem saber o que fazer e são incapazes de atender a
ordem recebida (BAPTISTA, 2002).

Após a escolha do tema, a primeira fase do projeto, é preciso ser estabelecido um cronograma para sua execução,
com reuniões periódicas entre o orientador e os alunos, para analisar o andamento do trabalho. Quando o projeto fica
pronto, o professor deve julgar os seus resultados e avaliar o que é mais importante, o produto final ou o processo de
execução. Como a tarefa vem por fim, mais do que a aquisição de informações, as atitudes durante a sua execução,
itens como persistência, disciplina e aceitação de responsabilidades no grupo, devem ser levadas em conta na avaliação
final (BAPTISTA, 2002).

O método de projeto tem algumas limitações. A mais importante é o despreparo dos professores, pois a grande maioria
sente-se insegura diante da responsabilidade de orientar uma pesquisa, devido a falta de tempo para trabalhar com
indivíduos ou pequenos grupos e a falta de equipamentos para atender a necessidades diversas e imprevistas (BAPTISTA,
2002).

Nesse sentido, pesquisas desenvolvidas do tipo etnobiológica, como o exemplo dado por Baptista (2002), ou estudo das
conceituações desenvolvidas a respeito da Biologia pela comunidade, geralmente, dão bons resultados. Veja, a seguir,
um exemplo prático de pesquisa em Ciências Biológicas para 7a série do Ensino Fundamental, sobre o amido de alguns
alimentos (BAPTISTA, 2002). É importante considerar que, inicialmente, se faz necessário uma fundamentação teórica
acerca do assunto.

Texto adaptado de A pesquisa como método de ensino na área de Ciências Biológicas, do Ensino Médio, de Geilsa Costa Santos Baptista.

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1) Assunto: Pesquisando o amido em alguns alimentos*
2) Objetivos: Verificar a presença ou ausência do amido em alguns alimentos
comuns.
3) Problemas: Existem alimentos com a presença de amido e outros não. Como
reconhecê-los?
4) Material:
– pires;
– tubo de ensaio;
– frasco com conta-gotas;
– solução de amido;
– tintura de iodo;
– estante para tubo de ensaio;
– farinha de trigo;
– álcool;
– frasco com conta-gotas.
5) Procedimento:
5.1. Preparando a solução do amido:
5.1.1. Coloque uma colher de sopa de farinha de trigo ou fécula de batata com
100ml de água fria e misture.
5.1.2. Coloque uma panela com 500ml de água no fogo, até ferver. Tome muito
cuidado ao mexer com fogo; faça tudo na presença do adulto.
5.1.3. Quando a água estiver fervendo, coloque na panela a mistura de água e
farinha que você já preparou. Mexa por 2 minutos, sem deixar ferver novamente,
e, então, apague o fogo e deixe esfriar.
5.1.4. Após o resfriamento, faça uma filtração usando coador de plástico para
café e um filtro de papel.
5.2. Preparando a solução de iodo:
5.2.1. Se a tintura de iodo for muito escura, dilua a tintura com o dobro no
volume de álcool.
5.2.3. Coloque a solução diluída no frasco com conta-gotas.
5.3. Teste inicial:
5.3.1. Coloque 2 dedos de solução de amido num tubo de ensaio.
5.3.2. Num segundo tubo, coloque 2 dedos de água.
5.3.4. Pingue em cada tubo 4 gotas de solução de iodo.
5.3.5. Agite os 2 tubos e compare a cor de ambos.
5.4. Observe tudo e faça um relatório:
6) Resultados:
O aluno deverá anotar os resultados. O tubo com a solução de iodo com amido
ficou roxa e, com a solução de água com iodo, ficou vermelha.
7) Conclusão:
O aluno perceberá que a solução de iodo é um indicador da ocorrência do
amido, já que sua cor somente se transforma na presença dessa substância.
__________________
* BAPTISTA, G. C. S. (2002). A pesquisa como método de ensino na área de
Ciências Biológicas. Jornal A Página da Educação, Porto-Portugal, p. 19 – 19.

41
Capítulo 10 – Pesquisa Colaborativa: Uma Possibilidade

Descentralizando a figura do docente no processo de construção


do conhecimento, aparecem as figuras de novos atores principais
no processo de ensino/aprendizagem. Quem são?

A partir do entendimento de que a concepção de formação do professor-pesquisador se apresentaria como um movimento


contra-hegemônico e como um estímulo à implementação de novas modalidades de formação e de que há um terreno
teórico-metodológico fértil da pesquisa em educação, particularmente dos estudos sobre a formação do professor no
Brasil, é que se assentam os argumentos da relação entre pesquisa, formação do professor e prática docente (VENTORIM,
2005).

A ideia de assumir a formação do professor-pesquisador como um movimento contra-hegemônico, em frente ao processo


de desprofissionalização do professor e de instrumentalização da sua prática, junta-se à indicação da necessidade
de trazer o futuro para o presente dos professores (NÓVOA, 2001). Esse autor entende que o “excesso de passado”
(nostálgico, sem solução real) e o “excesso de futuro” (muito prospectivo) fazem escapar as possibilidades de pôr em
prática modalidades de formação alternativas, mesmo tendo em vista as “dificuldades em traduzirem-se em práticas”, em
face das condições políticas e estruturais do trabalho docente. Nesse trabalhar o futuro presente, o autor aponta como
importante a reconstrução do conhecimento do professor por um processo de “reflexão prática e deliberativa”, no qual a
investigação sistemática sobre o trabalho docente assume papel significativo. É no sentido de mobilizar dispositivos para
a implementação de propostas para a formação de professores, ou seja, no estar sendo, que tem se forjado o movimento
do professor pesquisador no Brasil.

Certeau (2002) forneceu pistas para compreender essa apropriação do texto, na verdade, “reapropriação no texto do
outro”. Ele fala da rede de relações entre leitor e leitura, que se caracteriza pela tensão e não pelo reflexo imediato, o
que pressupõe que a leitura introduz uma arte que não é passiva. Assim, essa relação instaura um “tecido textual” sem
proprietários individuais, mas torna-se coletiva quando mobilizada pela e na rede de relações do campo, o que o torna
“habitável”.

Com a apologia da impertinência do leitor, esse autor argumentou que, num “jogo de implicações e de astúcias”, a maneira
como um texto é lido cria a possibilidade de a leitura modificar o seu objeto, de modo que esse texto lido só tem sentido
em função dos seus leitores. Uma “produção própria do leitor” opera com a busca do sentido, da interpretação e da
combinação de um sistema de signos sob um texto que se oferece a uma “leitura plural”, que se torna “arma cultural”.
A leitura permite a criatividade, a invenção, a transgressão e a manifestação de liberdades, mesmo que somente entre
os autorizados (VENTORIM, 2005).

Como o desenvolvimento dessa pesquisa orienta-se, também, pela busca da “profunda conexão” e pela busca de indícios,
vestígios e sinais, conforme destacou, Ginzburg (1989), ou seja, a descrição e a compreensão da produção do conhecimento
sobre a formação do professor pesquisador.

De modo geral, considerando as diferenças de enfoques entre as abordagens teórico-metodológicas, o movimento de


formação do professor pesquisador configura-se na expressão do reconhecimento da importância da pesquisa na formação
e no trabalho docente, considerando o papel ativo e crítico do professor como sujeito investigador. Esse movimento de
caráter político, social e epistemológico pode representar uma das estratégias de ressignificação do trabalho do professor,
ou seja, a partir de uma formação específica, esse professor investigaria e produziria explicações sobre o ensino e a
realidade educativa entendida como prática social (VENTORIM, 2005).
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Essa perspectiva de formação defende a possibilidade da pesquisa na formação e na prática docente. Como instrumento
de construção da autonomia do professor, expressa no desenvolvimento de disposições para a produção e a reconstrução
de saberes e para as mudanças na prática docente. Por meio dessas investigações, pretende-se a compreensão e a
transformação do pensamento e da prática do professor. A pesquisa seria, então, o fundamento da formação e do
exercício docente (VENTORIM, 2005).

Reconhecida pela literatura internacional e nacional como um “movimento”, portanto, com sistematizações teórico-práticas
consolidadas, a formação do professor pesquisador tem sido focalizada como uma alternativa aos modelos de formação
baseados na racionalidade técnico-instrumental. A partir da literatura estrangeira, bem como com a literatura brasileira,
que em muito por ela é influenciada, considero abundante a produção acadêmica sobre essa temática, convergente em
muitos aspectos, mas com especificidades, particularmente, aquelas relativas à natureza e ao tipo de pesquisa “do
professor” e ao enfoque político e social dos autores. É visível a progressiva evolução dessa produção, tendo como marco
os anos de 1990, quando aparecem publicações abordando intencionalmente esse movimento. Essa produção, inserida
no debate mundial sobre a formação do professor, claramente visualizada nos anos de 1970, 1980, 1990 e 2000, tem
como referências principais os estudos originários de países como: Estados Unidos da América, Espanha, Inglaterra,
Portugal e Austrália (VENTORIM, 2005).

Por outro lado, é importante considerar o debate sobre a relação entre ensino e pesquisa no Ensino Superior e a pesquisa
educacional e suas implicações para a formação e atuação docente, incluindo a discussão sobre a participação do
professor nas pesquisas. Tem-se a perspectiva de que formar o professor pela pesquisa vem se constituindo por um debate
que articula a discussão sobre a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, a pesquisa educacional e a pesquisa sobre
formação do professor, marcadamente a partir da década de 1970. A denominada perspectiva de pesquisa com ensino
e ensino com pesquisa emerge como uma das interfaces da indissociabilidade entre ensino e pesquisa na universidade
(VENTORIM, 2005).

É consenso na literatura que, quando mediada pela pesquisa, a formação do professor pode representar estratégia de
produção de conhecimento, desenvolvimento profissional e mudança da prática docente, pois, rejeitando a perspectiva
de professor como consumidor de conhecimento acadêmico, transmissor e implementador do ensino, reconhece-se a
capacidade investigadora, tanto da sua prática pedagógica quanto da realidade em que se insere. Essa perspectiva questiona
a visão instrumental da prática e propõe a articulação entre conhecimento e ação, entendendo-os como integrantes de
um mesmo processo. Com isso, o papel do professor muda de foco e dirige-se para a produção de conhecimentos e a
construção da sua autonomia profissional. Assim, pretende-se a formação de professores pesquisadores, ou seja, “[...]
de professores que produzam conhecimentos sobre o pensar e fazer docentes, de modo que o desenvolvimento dessas
atitudes e capacidades permita-lhes reconstruir saberes, articular conhecimentos teóricos e práticos e produzir mudanças
no trabalho docente” (LISITA et al., 2001).

Os problemas de relacionamentos entre pesquisadores acadêmicos e professores, especialmente as questões de poder e


saber que excluem os professores do seu próprio processo de pesquisa, e a resistência ao não-reconhecimento da pesquisa
do professor como conhecimento válido, também são percebidos como questões consensuais na construção desse debate.

A formação do professor pesquisador é entendido como um movimento propositivo com potencial contra-hegemônico,
na medida em que pode contribuir para a construção de alternativas críticas na formação, redimensionando o papel
político-pedagógico do professor, da educação e da escola. Nesse contexto, as relações hierárquicas entre pesquisadores
universitários e escolas devem ser questionadas (ESTEBAN; ZACCUR, 2002). A citação de Geraldi (2000) é representativa
desse pressuposto: “[...] a professora tem o direito, a possibilidade e a legitimidade de ser uma pesquisadora de sua
prática, como projeto de resistência e de desenvolvimento profissional, sendo tal processo produtor de saberes válidos,
a partir de novas referências para a pesquisa-ação”.

A partir da análise da literatura brasileira sobre o movimento do professor pesquisador, foi possível perceber que
fatores interdependentes justificam a sua proposição no contexto nacional. Em específico, no Brasil, isso resulta de um
processo histórico de rediscussão da identidade e do papel da educação, da universidade, da escola e do professor. O

43
debate sobre os currículos dos cursos de graduação, especialmente os de formação de professor, sobre a fragilidade na
indissociabilidade entre ensino e pesquisa e o distanciamento entre escola e universidade, sobre os desafios da pesquisa
educacional, sobremaneira, na área da formação do professor, fazem parte desse processo. Esse debate expressa um
campo fértil para a construção de iniciativas teórico-práticas de formação (VENTORIM, 2005).

Portanto, do ponto de vista teórico e prático, a formação do professor pesquisador funda-se na ideia de transformação da
natureza da produção de conhecimentos sobre formação de professores e prática pedagógica, à medida que o professor,
sujeito de sua ação e formação, insere-se em processos investigativos sistematizados de sua própria prática. Esse ponto de
vista considera, então, que a formação do professor pesquisador se fundamenta numa dimensão política e epistemológica
que pressupõe a ressignificação do papel do professor e da escola. Quando se assume o professor como investigador,
abre-se um novo campo de possibilidades, na medida em que haveria também a ressignificação da pesquisa científica e
da formação (VENTORIM, 2005).

Considero que essa produção aponta uma crescente conjunção de relações que implicam a rediscussão do papel do
professor na pesquisa e na produção de conhecimentos sobre o ensino e dos interesses sobre quando, onde, quem e como
se produzem e se usam esses conhecimentos. Com isso, então, o argumento defendido de que a compreensão do processo
de produção de conhecimentos sobre o ensino se faz melhor na e com a aproximação das práticas dos professores, a
composição dos elementos teórico-metodológicos para a pesquisa sobre formação de professores, validando o saber
do professor como base para a pesquisa educacional, legitimando-a. De fato, nesse terreno, como problema e condição
necessária, o que importa é levar em conta o papel do professor nesse processo e o lugar que ocupam os seus saberes e
seus interesses. A articulação epistemológica, política, social e cultural entre teoria e metodologia engendra o processo
que é a própria prática ou o que se denomina de uma nova epistemologia da prática docente (VENTORIM, 2005).

Pretende-se uma pesquisa realizada in loco, e, quiçá, feita com e/ou pelo próprio professor, no sentido de se comportar
como instrumento não somente de descrição, crítica e compreensão das práticas, mas de articulação entre conhecimento
e intervenção — pesquisa sobre e para a prática, mas, sobretudo, pesquisa com a prática.

Portanto, é preciso que sejam desenvolvidos novos sentidos, novas teorias que emergem de uma metodologia que pressupõe
o diálogo entre o objeto e a sua teorização e, sobretudo, as “invenções” e não as comprovações do já sistematizado. Isso
quer dizer o não propósito da produção do conhecimento com/pelo professor ter a responsabilidade com as “soluções”
das problemáticas da educação, mas com a construção de novos sentidos, “novas leituras e escrituras”, novas práticas
a serem problematizadas e cotejadas com novas explicações teórico-práticas. Nessas considerações, está presente
a proposta de uma pesquisa inventiva e criadora, em que o professor é sujeito e a prática é um contexto produtor de
problemas (VENTORIM, 2005).

Nessa direção, a pesquisa em educação constroi-se na própria dinâmica de construção da educação como prática social que
é. Portanto, as abordagens metodológicas da pesquisa com/sobre/do professor e seu cotidiano se fazem no próprio processo
de investigação. A nova epistemologia da prática docente apresenta-se interligada a uma reelaboração metodológica.
Para tanto, a pesquisa é concebida como uma prática de formação e as práticas de formação como instrumentos de
investigação. A dimensão formadora do processo de pesquisa com o cotidiano escolar e com a formação docente recusa
qualquer abordagem metodológica que se constitua aprioristicamente, pois esse cotidiano é singular, plural, efêmero,
instável e complexo (VENTORIM, 2005).

Os investimentos da produção sobre pesquisa educacional no Brasil expressam o cuidado que o trabalho de pesquisa
exige. Grosso modo, tencionando perspectivas, subvertendo conceitos e contextos, esses trabalhos discutem caminhos
da pesquisa para além da compreensão das questões metodológicas, sobremaneira a dimensão política e ética das
relações de interesses e poderes subjacentes à produção científica. Por isso a necessidade de se destacar apontamentos
essenciais de pesquisa que sugerem importantes argumentos para a relação pesquisa, formação do professor e prática
pedagógica (VENTORIM, 2005).

• Considerar que a crise de paradigmas epistemológicos, ao contrariar o cientificismo, a pretensa soberania do


fenômeno científico e a sua mercantilização, provoca diferentes possibilidades de apreender e transformar a
44
ciência. As disputas entre racionalidades científicas (ou não científicas) são societais e, portanto, políticas.
Esse processo só é possível se estiver relacionado com a transformação social dos modos de organizar a
sociedade.

• Questionar a visão unitária de mundo, de educação e de pesquisa, de modo a romper com a relação normativa,
prescritiva e homogenizadora entre prática social/educacional e resultados de pesquisa.

• Tomar como objeto de investigação o processo de pesquisa sobre a prática docente, pois ela já é a própria prática,
já é uma intervenção que deve ser permanentemente avaliada por todos os seus atores numa perspectiva de
trabalho coletivo e orgânico. A perspectiva colaborativa de pesquisa entre instituições e entre sujeitos parece
ser uma alternativa.

• Defender a pesquisa no campo da formação docente é argumentar pela aproximação entre pesquisadores
e professores, entre pesquisa e prática, a fim de somar esforços, para a construção de um conhecimento
mútuo e de um encontro entre suas teorias e suas práticas (saberes/fazeres emergentes e/ou subjacentes).
Os atores professores, produtores de saberes que são, não podem estar distantes dos processos de produção
de saberes e de definição da própria prática docente, pois o “ir a campo” significa, essencialmente, “validar
as representações da profissão” com os professores no seu tempo/espaço e não a priori.

• Considerar que o processo da pesquisa do/no/sobre/com o cotidiano escolar requer abertura diante da complexa
tarefa de apreender o real e, por isso, não se pode estar fixado em uma teoria ou em roteiros preestabelecidos,
mas permitir que a constituição dessa metodologia surja do movimento da prática que, acima de tudo, exige
negociações e mudanças e, necessariamente, transite pelos detalhes e pormenores pouco privilegiados, mas
potencialmente “explicativos” da prática docente. O hibridismo e a “insustentável leveza” da dinamicidade
dessa abordagem de pesquisa não dispensa a rigorosidade teórico-metodológica inerente à responsabilidade
ética, política e social do fazer investigativo.

Nesse sentido, parece posto o desafio de busca de outras formas de pesquisar. Em síntese, tomar o professor e seus
saberes em sua prática pedagógica, considerada como espaço/tempo de criação e reinvenção de saberes, reconciliando
e superando velhas dicotomias, requer o entendimento de um novo papel para esse sujeito (VENTORIM, 2005).

Define-se, então, a proposta de formação do professor pesquisador como o estudo sistemático e intencional por parte
dos professores sobre o seu próprio trabalho na escola, na aula e no seu processo de formação inicial e continuada.
É sistemático e intencionado porque exige maneiras ordenadas e planejadas de fazer, reunir, registrar e documentar
informações e dados da sua prática. Portanto, reafirma-se que não é uma atitude espontânea, ao contrário, é formalizada e
deliberada em que pressupõe a reconstrução das experiências e do conhecimento do professor num processo de confronto
de saberes (VENTORIM, 2005).

A definição da proposta de formação do professor pesquisador se dá, ou melhor, se modifica nas relações teórico-práticas
entre as noções de pesquisa e de formação que se modificam e, por sua vez, modificam suas relações. Essa dialética fez
compreender que pesquisa e formação se articulam em uma perspectiva dialógica em que os limites entre investigação e
formação são rompidos pelas noções de pesquisa, como prática de formação, e das práticas de formação, como estratégia
de investigação (VENTORIM, 2005).

Na conceituação da proposta do professor pesquisador está posta a ruptura com as relações dissociadas entre ensino e
pesquisa e teoria e prática e, também, de estranhamento entre professor e pesquisador e universidade e escola. Vê-se a
prática profissional como constituída pela relação ensino e pesquisa como também dela constituidora. Consequentemente,
ampliam-se as próprias concepções de formação inicial e continuada. Isso é um importante salto qualitativo no processo
de formação e na própria prática pedagógica. A pesquisa é um significativo instrumento de ampliação e aprofundamento
do saber “primeiro” do professor e das suas relações para além do contexto escolar (VENTORIM, 2005).

45
Nessa multiplicidade, no que se refere à formação do professor pesquisador, parece-me importante o princípio de superação
da experiência primeira de Bachelard (1999), por ela criar o sentido de problema e questionar alguns aspectos, entre
eles, o conhecimento primeiro de que a relação ensino e pesquisa somente pode se materializar a partir de princípios
científicos tradicionais e clássicos, a ideia de que a pesquisa é uma atividade de responsabilidade somente da academia,
a premissa de que a proposta de formação do professor pesquisador banalizaria o conceito e o exercício de pesquisa, o
pressuposto de que a “pesquisa do professor” pode ser desenvolvida sem condições de trabalho e de formação teórico-
prática — imperativos funcionais e inércia, então, obstáculos a serem superados.

A pesquisa assumiu identidades complementares, como: instrumentalização para uma prática refletida e para a produção
de conhecimento; princípio didático e metodológico; estratégia promovedora do processo de reflexão e de mudanças nas
práticas, considerando o desencadeamento da teorização e da realimentação da práxis pela problematização, revelando
um compromisso com a atividade científica; busca colaborativa de resolução de problemas, produção e sistematização
de conhecimentos oriundos da prática; forma de superação dos limites dos “aspectos acadêmicos e burocráticos das
pesquisas convencionais”; espaço de construção, formação e autoformação docente e do pesquisador; ressignificação
do trabalho do professor e do processo de pesquisa (VENTORIM, 2005).

Nesse contexto, a discussão sobre a natureza da pesquisa foi tensionada pela ditas concepções de pesquisa acadêmica
e de “pesquisa do professor”, o que modifica as relações entre experiência e razão, entre teoria e prática de formação
de professores e de mediação entre noções. Pressupõe-se o diálogo entre a conceituação da “pesquisa do professor”
com a pesquisa acadêmica, segundo um processo de incorporação mútua entre esses conceitos, tendo como base uma
perspectiva emancipatória que contempla a idéia de dialogia e de mediação entre noções (BACHELARD, 1999).

Caso se considere o pressuposto bachelardiano de que o conceito tem mais sentido quando muda de sentido, tanto na
sua forma como no seu objeto, acredita-se que o conceito de “pesquisa do professor” e o entendimento da abordagem
de formação do professor mediada pela pesquisa ganhem sentido singular na sua incorporação e no seu uso, mesmo
que incerto ou ambíguo, até serem captados no cotidiano pelos professores pesquisadores. Está posto, portanto, que
o reconhecimento da “pesquisa do professor” se articula com a ampliação do conceito de pesquisa academicamente
empregado, o que não indica uma pesquisa qualitativamente menor, mas com diferenças significativas, que não se
encaixam fidedignamente na lógica acadêmica do conceito de pesquisa (VENTORIM, 2005).

Acredita-se que, caso se tenha como referência aportes teóricos plurais e abertos de ciência, a exigência de definição da
“pesquisa do professor” pode aprisionar o próprio conceito, gerando obstáculos à relação teoria e prática. Na verdade,
essa definição já vem se dando no processo de construção do movimento do professor pesquisador (VENTORIM, 2005).

Nesse contexto, a pesquisa foi questionada em sua forma, em suas finalidades, em seu lugar e em sua execução e,
com isso, a discussão sobre os seus critérios de validade tornaram-se fundamentais. A indicação do uso articulado e
flexível de critérios foi percebida: a construção de uma concepção “mais ampla” de pesquisa que contempla dimensões,
como o vínculo com a prática, e não a condição de mudança imediata da prática; a produção de conhecimentos novos;
rigor e sistematização na coleta de dados; comunicação de resultados; introdução da dimensão crítica, interpretação
fundamentada em teorias atuais e reconhecidas; a clareza das idéias expressas na pesquisa; subjetividade do professor
e validade dialógica (VENTORIM, 2005).

Na verdade, essa formulação se configura como um desafio para a profissionalidade do professor, que envolve relações
de poderes, especialmente, o controle entre pesquisa educacional e realidade escolar. Portanto, o que está em jogo não
é a categorização entre tipos de pesquisa, mas a legitimidade das instituições formadoras, da identidade do professor
como intelectual crítico e de seus saberes a serem reelaborados por um processo que articula investigação e ação; ou
seja, uma pesquisa voltada diretamente para as questões da escola básica e da formação do professor, que emergem da
prática e a ela retornem (VENTORIM, 2005).

A partir do conceito de segunda ruptura de Santos (2001), tendo em vista validar a formação do professor mediada pela
pesquisa, sobretudo, a produção de saberes pelos professores está se propondo um confronto de conhecimentos também
entre as suas formas de produção. Pode-se dizer que se força o conhecimento científico a se relacionar com outras
46
formas de conhecimento, promovendo uma convivência ativa entre esses diferentes conhecimentos, enriquecendo-os. A
conceituação da “pesquisa do professor”, em seu necessário diálogo com a denominada pesquisa acadêmica, aponta o
entendimento do senso comum renovado proposto por esse autor, cujos redimensionamentos estão sujeitos a incorporações
mútuas. A incorporação ou a interpretação de um conceito pelo outro suscita possibilidades e, sem dúvida, ambiguidades
na formação e no exercício do professor que pesquisa ou que pretende inserir-se em projetos de investigação.

Com isso, tem-se a necessidade de uma diferente relação com o conhecimento e seu processo de produção, baseada
na diversidade e na abertura de pensamento, no repensar as certezas e apontar outras lógicas e novas explicações, na
comunicação e no compromisso profissional, o que implica o exercício da dúvida e do questionamento, tendo em vista
uma concepção processual de conhecimento. Compreendeu-se que a proposta de formação do professor pesquisador
pode representar essa perspectiva quando propôs a quebra com a visão tradicional de formação do professor e do
desenvolvimento da pesquisa educacional. Além disso, particularmente, alguns trabalhos se identificaram como filiados
à perspectiva considerada crítica e pós-moderna (VENTORIM, 2005).

O conceito de colaboração amplia-se para o reconhecimento dos saberes dos professores e não, apenas, como uma
associação entre pesquisadores e professores da educação básica, o que implica considerar o professor como participante
de todos os momentos da pesquisa, exigindo respeito e diálogo entre os conhecimentos dos professores e os produzidos
pela academia, bem como a ruptura com as relações hierárquicas. Cabe aqui uma aproximação com a ideia de Santos
(2001) de proliferação de comunidades interpretativas, para o conhecimento emancipatório enfrentar os “monopólios de
interpretação e de renúncia à interpretação”, ou seja, a possibilidade de a “pesquisa do professor” resistir à reprodução das
formas institucionais de fazer ciência e exercer princípios da aplicação edificante do conhecimento, como a solidariedade
e a argumentação, em detrimento do estranhamento e do silenciamento, respectivamente (VENTORIM, 2005).

As condições para a “pesquisa do professor” são amplas e de natureza diversa, pois estão implicadas num contexto de
relações administrativas, organizacionais, interpessoais, pedagógicas e políticas entre saberes e poderes. Consensualmente,
a garantia dessas condições indicou a possibilidade de a pesquisa se concretizar (VENTORIM, 2005).

Texto adaptado de A formação do professor pesquisador na produção dos encontros nacionais de Didática e Prática de Ensino, de Silvana Ventorim.

Uma referência de um livro que exemplifica este capítulo é: “DAVIS,


R. H. Global research on the environmental and agricultural
nexus for the 21st century: a proposal for collaborative
research among us etc. Gainesville: Univ Florida, 1995. 160 p.”.
O autor mostra a junção de várias partes na produção de um
conhecimento.

47
Tendências do Ensino de Ciências e de Biologia Unidade IV

Mudança Conceitual de Ensino de Ciências


e de Biologia

A mudança conceitual de ensino de Ciências e de Biologia trouxe


implicações sociais e uma maior inserção dos atores da educação
no resultado final do processo de ensino-aprendizagem. Quais as
implicações sociais de uma nova mudança conceitual de ensino de
Ciências e Biologia?

Capítulo 11 – Formação do Cidadão-Trabalhador-Estudante

A construção do conhecimento implica a construção da


cidadania?

A escola hoje, pelo menos em uma perspectiva teórica, encontra-se fortemente comprometida com um ensino de qualidade
e com a ideia de construção da cidadania. Os conteúdos escolares ensinados aos alunos são entendidos como parte de
um instrumental necessário para que todos compreendam a realidade à sua volta e adquiram as condições necessárias
para discutir, debater, opinar e mesmo intervir nas questões sociais que marcam cada momento histórico (SANTOS,
2005; ALCIONE, 1996).
O ensino de qualidade que a sociedade demanda atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional
vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade
brasileira, que considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação
de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na
sociedade em que vivem (SANTOS, 2005).
O problema é que, além de ser uma ideia extremamente ampla, nem todo professor e nem toda escola estão suficientemente
preparados para criar as condições práticas necessárias com o objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com
competência e consciência na sociedade. O propósito, aqui, não é avaliar o sentido teórico da expressão “educar para a
cidadania”, mas apenas encontrar alternativas dentro do ensino de Ciências que sejam realmente úteis na formação de
cidadãos críticos e participativos. Para isso, convém antes analisar alguns pontos que deverão ser levados em conta na
escolha de tais alternativas (SANTOS, 2005).
A primeira observação importante é considerar que faz parte, necessariamente, da educação para a cidadania, é que o aluno
consiga adquirir, na escola, a capacidade de entender e de participar social e politicamente dos problemas da comunidade
e saber posicionar-se pessoalmente, de maneira crítica, responsável e construtiva com relação, por exemplo, a problemas
científicos e tecnológicos que afetam toda a sociedade. Metas que devem e podem ser conquistadas, tanto na sala de
aula como fora dela, por meio do diálogo, como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas (PCNs, 1997).
48
Um caminho para isso é pensar que uma das funções mais importantes do professor comprometido com a ideia de
formar cidadãos é saber questionar os alunos. Não no sentido de avaliar seu desempenho escolar, se ele aprendeu ou
não os conteúdos conceituais, mas no sentido de fomentar posturas críticas, contestadoras, construtivas, solidárias,
comprometidas com o bem-estar individual e coletivo, tudo isso sustentado por um diálogo cuja argumentação esteja
alicerçada na maneira científica de pensar, ou seja, de maneira lógica, consistente e fundamentada. Talvez seja mesmo
esse o ponto central na hora de se educar para a cidadania (SANTOS, 2005).

De fato, os avanços científico-tecnológicos modernos têm dado aos professores inúmeras oportunidades de discussão. O
leque vai desde os problemas relacionados com clonagens, passando pelos transgênicos, pelas guerras tecnologicamente
sofisticadas, até dúvidas sobre as pesquisas científicas nacionais, as quais o governo brasileiro deveria dar mais atenção
e, portanto, fornecer mais investimento. É preciso trazer essas questões para discussão em sala de aula, tornando,
assim, possível aos alunos a aproximação entre ciência, tecnologia e sociedade. Mas isso exige que o professor saiba
fazer escolhas que ultrapassam os limites impostos pelo currículo formal, com a finalidade de priorizar a formação de
cidadãos realmente engajados e críticos (SANTOS, 2005).

O conhecimento consiste em um conjunto de capacidades pessoais desenvolvidas como resultado de uma síntese entre as
“informações que se recebem” e o “discernimento” que somos capaz de estabelecer sobre as informações recebidas. Esse
discernimento consiste na capacidade de interpretar, avaliar, julgar e decidir sobre a importância da informação recebida.
Essa capacidade, a meu ver, assemelha-se àquela que se espera de um cidadão autônomo, crítico e participativo, ainda
que a ideia de discernimento não se restrinja ao ser crítico, pois é mais ampla e se refere a tudo que o aluno consegue
identificar na informação que recebe (OAKESHOTT, 1968 apud SANTOS, 2005). O discernimento está relacionado com
o próprio conhecimento e não apenas com o espírito crítico. Só pode haver conhecimento de fato quando, junto com
cada informação, o aluno adquire “discernimento”, uma capacidade pessoal de pensar, não de qualquer maneira, mas
levando em conta aquela e outras informações como parte de um contexto mais amplo de informações (SANTOS, 2005).

Assim, o ensino é uma comunicação de informações e a aprendizagem é caracterizada por uma dupla atividade de
aquisição de informação e desenvolvimento progressivo do discernimento. Ambos aspectos, que compõem o processo
ensino-aprendizagem podem ser ensinados, ainda que não separadamente. O discernimento pode ser ensinado; e pertence
à deliberada empresa do professor ensiná-lo. Mas, embora não se possa transmitir, explicitamente, a um aluno a maneira
de pensar (não havendo aqui nenhuma regra), o “discernimento” só pode ser ensinado em conjunção com a transmissão
de informações, isto é, não pode ser ensinado numa aula separada, numa aula que não seja, por exemplo, de Geografia,
de Latim ou de Álgebra. Assim, do ponto de vista do aluno, a capacidade de pensar é algo aprendido como subproduto
da aquisição de informação; e, do ponto de vista do professor, é algo que, se é ensinado, deve ser captado indiretamente
durante o curso da transmissão. A maneira de fazê-lo só pode ser compreendida considerando-se o caráter do que será
transmitido (OAKESHOTT, 1968 apud SANTOS, 2005).

Segundo Santos (2005), o professor empenhado em desenvolver nos alunos o espírito crítico tem que perceber que este
e outros objetivos relacionados com a capacidade de pensar do aluno só podem ser alcançados de maneira indireta,
talvez por meio do caráter que ele, professor, imprime aos conteúdos expostos ao aluno, pelas escolhas conscientes das
atividades que serão desenvolvidas, pela própria maneira como o professor julga e relaciona aquilo que está ensinando,
e assim por diante.

Analisando cada uma das possibilidades críticas no ensino de Ciências e Biologia, conclui-se que ensinar um estudante a
ser crítico não resulta da simples transmissão de fatos relacionados à crítica. Assim como não se ensina uma pessoa a
ser justa relatando para ela ações de justiça, da mesma forma, não se ensina espírito crítico dando para o aluno exemplos
de crítica. Relatar o espírito crítico dos cientistas, ou dos homens que transformaram criativamente a sociedade no
passado, de pouco servirá para o aluno desenvolver espírito crítico pessoal (SANTOS, 2005).

O espírito crítico tampouco é um simples hábito que o aluno possa adquirir por adestramento. Deixar-se “adestrar” e ser
crítico são coisas contraditórias. Afirmar que um aluno é crítico significa reconhecer que é questionador, rebelde, inquieto,
e isso se opõe frontalmente a uma atitude simplesmente receptiva. Nem consiste naquela capacidade de criticar certas
atividades específicas, como quando se critica o desempenho de um jogador de futebol, ou o desempenho pessoal em
49
uma prova. A crítica sobre a qual estamos falando não se refere a um juízo sobre a eficiência ou não de determinadas
ações – como seria a crítica dirigida a um jogador que perde muitos gols –, mas sobre o valor, o mérito de uma ação, de
uma ideia, de uma lei, de um fato ou circunstância social (SANTOS, 2005).

O problema é sério e as consequências são problemáticas. Mesmo que se concorde em formar cidadãos críticos para
a sociedade, a escola não está disposta a questionar seus próprios valores, nem o professor está totalmente aberto à
crítica. Afirmar, por outro lado, que só algumas coisas devem ser objeto de crítica em detrimento de outras é contradizer
a própria crítica. De qualquer maneira, são questões interessantes que merecem aprofundamento. Todavia, isso nos
conduziria para uma outra discussão (SANTOS, 2005; PASSMORE, 1980).

Segundo Passmore (1980), o espírito crítico pode, sim, ser ensinado às crianças, porém de maneira indireta. Entendo
por “maneira indireta” um discurso ou uma atividade didática que não considere o espírito crítico como foco central
das atenções, mas que nos forneça alguma pista de que o aluno está adquirindo espírito crítico. A idéia de Passmore
parece luminosa nesse ponto. Trata-se de buscar atividades que exijam do aluno a reflexão, a análise acerca dos “valores
subjacentes” de um fato, de uma informação, de uma questão que esteja sendo ou deva ser discutida pela sociedade.
Significa incentivar o questionamento sobre o mérito valorativo de um tema ou assunto selecionado, de modo geral, pelo
professor. Como consequência, a discussão desencadeia-se quase que de forma natural (SANTOS, 2005).

Assim, consegue ser uma importante fonte de inspiração para educadores dispostos a criar atividades comprometidas
com a crítica, com a reflexão de problemas complexos, como os que envolvem, na atualidade, a ciência e a tecnologia.
E isso por duas razões. Por um lado, consegue mostrar como é possível reconhecer e definir temas atuais de análise –
necessidades ou problemas – ricos em implicações sociais e ao alcance dos alunos. Por outro lado, apresenta de maneira
simples como o professor pode discutir com profundidade o papel da ciência no mundo contemporâneo, recorrendo a uma
visão interdisciplinar (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).

A integração de elementos do ensino das Ciências com outros elementos do currículo, além de levar à análise de suas
implicações sociais, dá significado aos conceitos apresentados, aos valores discutidos e às habilidades necessárias para
um trabalho rigoroso e produtivo (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).

As relações do tema com a ciência, a tecnologia e a sociedade são evidentes. Os conhecimentos e as técnicas da
engenharia genética, em contraposição com a qualidade de vida das pessoas, provocam em todo mundo discussões que
tentam encontrar a forma de regulamentar o uso de organismos geneticamente modificados. Argumentos a favor ou
contra o desenvolvimento da pesquisa são levantados e diversos setores da sociedade são convocados para o debate. É
olhando para esse cenário que a atividade é planejada (SANTOS, 2005).

A modalidade didática escolhida e que pode servir para aperfeiçoar a capacidade de focalizar questões, considerando
diferentes facetas e apresentando conhecimentos e opiniões, fruto de reflexões empenhadas no tema, é uma simulação
do debate que realmente deve ocorrer na sociedade. Os objetivos perseguidos pela atividade são, por exemplo: conceituar
organismos geneticamente modificados – transgênicos; identificar os atores que devem participar do debate sobre o
seu uso; analisar argumentos a favor ou contra o cultivo e uso de transgênicos; analisar argumentos a favor ou contra
a pesquisa sobre organismos geneticamente modificados e discutir aspectos éticos relacionados à pesquisa científica.
Sob outro ponto de vista, pode-se afirmar que também são objetivos da atividade o desenvolvimento da capacidade de
expressar juízos de valor, justificar as decisões tomadas, diferenciar decisões pessoais de decisões coletivas e públicas,
saber ouvir e reconhecer a diversidade de opiniões em uma sociedade pluralista, numa palavra, desenvolver a capacidade
crítica do aluno (SANTOS, 2005; KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).

Os alunos são convidados a pesquisar sobre o tema: a atividade compreende, no início, leitura de textos, principalmente
de jornais e revistas, sobre a discussão relativa ao uso de transgênicos. Os recortes lidos são colecionados e servirão
de base para a argumentação e o professor fica encarregado de prover textos adequados para leitura (KRASILCHIK;
MARANDINO, 2004).

50
Atividades de debates de temas com simulação de representantes de diversas ideologias (ambientais e desenvolvimentistas)
e órgãos (governamentais, ONGs e sociedade civil) deveria ser uma constante no ensino de Ciências. Não se trata de
uma “receita” para se conseguir formar cidadãos críticos, autônomos e participativos, mas um exemplo, entre tantos
outros, do que se pode fazer nesse sentido. O confronto de visões e opiniões proposto nessa atividade é acompanhado
pela identificação de valores éticos, políticos e sociais subjacentes às questões científicas conceituais em jogo. E isso
faz desse tipo de atividade um terreno fértil de disponibilidade e de criatividade para se colocar em xeque as opções
adotadas pela ciência e pela tecnologia no mundo moderno, ou seja, determinar e discutir os valores que definem os
rumos da ciência e da tecnologia constitui a base para o desenvolvimento do espírito crítico dos alunos (SANTOS, 2005;
KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).

A atividade de aprendizagem contrapõe-se a uma simples tarefa escolar que, por não ser uma atividade, pouco contribui
para a aprendizagem (LEONTIEV, 1988). A diferença entre ambas está na relação que se estabelece entre os objetivos
aos quais uma atividade está ordenada e os motivos que estimulam o sujeito a participar dela. Um exemplo simples pode
ser a leitura de um livro: a ação de ler o livro tem como objetivo a aquisição do seu conteúdo, mas o motivo de quem está
lendo pode ser, simplesmente, fazer um exame na escola. Nesse caso, aquela leitura não passa de uma simples tarefa
escolar. Só se pode falar de atividade quando o objetivo da ação coincide com o motivo de quem a realiza. A leitura do
livro é uma atividade quando o motivo do leitor é também a aquisição do seu conteúdo. E como o motivo sempre nasce
de uma necessidade, o que motiva os sujeitos são suas necessidades. A conclusão, portanto, é esta: se as ações de
aprendizagem são dirigidas por motivos – por necessidades dos alunos e professores – e, além disso, coincidem com os
objetivos das próprias ações planejadas, nesse caso, estamos diante de verdadeira atividade de aprendizagem (SANTOS,
2005; LEONTIEV, 1988).

Há, de fato, uma necessidade em todos os estudantes, pelo menos na condição de consumidores, de conhecer as
possibilidades e os riscos potenciais do uso dos transgênicos. Além disso, há também a necessidade de desenvolver
a capacidade de expressar juízos de valor, de justificar posições assumidas ou decisões tomadas, de saber ouvir e
reconhecer a diversidade de opiniões em uma sociedade pluralista, numa palavra, de desenvolver a capacidade crítica.
Cabe ao professor despertar tais necessidades, a fim de estimular motivos pessoais que darão significado às ações de
todos na obtenção do resultado da atividade (SANTOS, 2005).

Os cursos de formação de professores de Ciências deveriam empenhar-se em preparar profissionais capazes de saber
programar atividades de aprendizagem que despertem uma visão interdisciplinar da Ciência, uma certa familiaridade com
o contexto entre valores e atividades científicas, como a ideia de neutralidade da Ciência (LACEY, 1998); a tese de que a
ciência é hoje uma “mercadoria” (OLIVEIRA, 2005); o mito do desenvolvimento como sinônimo de progresso econômico
e científico-tecnológico, que faz da ciência instrumento hegemônico e privilegiado de conhecimento (DUARTE, 2005); a
“indústria da saúde”, que inventa doenças ou reforça cada vez mais a defesa da chamada “proteção intelectual”; as patentes
sobre remédios (BERLAN, 2005); a superação das limitações políticas da sociedade das tecnociências (TESTART, 2002)
e tantas outras formas da ciência intervir e determinar a sociedade moderna. Todos esses são aspectos que deveriam
fazer parte habitual de um ensino de Ciências comprometido com a formação de cidadãos críticos (SANTOS, 2005).

Texto adaptado de O ensino de Ciências e a ideia de Cidadania, de Paulo Roberto dos Santos.

A sugestão deste capítulo fica na referência do livro “SPOSITO, M.


P. Trabalhador-estudante: um perfil do aluno do curso superior
noturno. São Paulo: Loyola, 1989. 140 p.” que mostra o que foi
compilado acima, e descreve de forma prática o perfil dos alunos
advindos da mudança conceitual no ensino de Ciências e Biologia.

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Capítulo 12 – Ensino de Biologia e suas Implicações Sociais e Científicas

Está cada vez mais evidente que a exploração desenfreada da


natureza e os avanços científicos e tecnológicos obtidos não
beneficiaram a todos. O ensino de Biologia pode ter impactos no
campo social e científico. Quais?

A racionalidade crescente no século XIX, que atribuiu ao homem a tarefa de dominar/explorar a natureza, aliada ao
também crescente processo de industrialização, o desenvolvimento centrado na Ciência e Tecnologia (C&T) passou a
ser visto como sinônimo de progresso. Mas, com as guerras mundiais, principalmente a segunda, esse desenvolvimento
passou a ser questionado. O arsenal de guerra, como as bombas nucleares, deixou bem explícito o poder destrutivo do
homem (ANGOTTI; AUTH, 2001).

O que, inicialmente, parecia um bem inegável a todos, com o passar dos anos revelou outras facetas. À medida que o
uso abusivo de aparatos tecnológicos tornava-se mais evidente, com os problemas ambientais cada vez mais visíveis,
a tão aceita concepção exultante de C&T, com a finalidade de facilitar ao homem explorar a natureza para o seu bem-
estar, começou a ser questionada por muitos. Não obstante a presença de debates permeados pela visão dos benefícios
acompanhados dos prejuízos, presentes até nos meios de comunicação, esse recurso estratégico do “sucesso” ainda
é evocado; as habituais divulgações de autonomia e neutralidade da C&T, principalmente, por cientistas, políticos,
engenheiros e legisladores, têm levado a concepções que favorecem um modelo tecnocrático político, uma imagem
equivocada (LUJÁN, 1996). Essa distorção não pode ser negligenciada por instituições e equipes responsáveis pela
educação escolar e pelo ensino de Ciências.

Está cada vez mais evidente que a exploração desenfreada da natureza e os avanços científicos e tecnológicos obtidos
não beneficiaram a todos. Enquanto poucos ampliaram potencialmente seus domínios, camuflados no discurso sobre
a neutralidade da C&T e sobre a necessidade do progresso para beneficiar as maiorias, muitos acabaram com os seus
domínios reduzidos e outros continuam marginalizados, na miséria material e cognitiva.

Os questionamentos sobre a intervenção dos seres humanos no ambiente e seus impactos tornaram-se bem expressivos
a partir da década de 1960, liderados por diversos movimentos de contestação, como o da contra cultura e o ecologista/
ambientalista. Na década de 1970, um passo decisivo foi a Conferência de Estocolmo, em 1972, com o lançamento
das “bases de uma legislação internacional do meio ambiente”, versando desde a questão das armas nucleares até a
exploração dos recursos naturais. Os diversos esforços, muitos deles de cooperação internacional, denunciando aspectos
de conduta e formas de vida tanto social quanto econômica, mesmo não resolvendo os problemas postos, trouxeram à
tona questões dicotômicas; de um lado, ampliaram-se os níveis de consciência crítica sobre os problemas oriundos do uso
indiscriminado de produtos descartáveis, de outro, porém, criaram-se, via propaganda intensiva, “novas necessidades”
direcionadas a ampliar o consumo e a viabilizar novas frentes de produção/lucro, com resultados em favor do consumismo
exagerado, detectados até o presente (ANGOTTI; AUTH, 2001) .

Enquanto nas populações europeia e norte-americana eram crescentes as manifestações contra a utilização de “tecnologias
poluentes”, em países como o Brasil, ainda pouco atentos a esses problemas, tal preocupação não foi sistemática, a
ponto de contrapor a adoção de políticas como a que resultou na paradoxal participação de nosso país na Conferência
de Estocolmo. A década de 1970 foi palco de variadas atitudes com relação ao meio ambiente e sua preservação: dos
superpreocupados/cautelosos, de um lado, aos despreocupados/agressivos, do outro. Enquanto países como a Itália
procuravam justificar um corte na expansão da economia (crescimento zero), os prudentes buscavam formas alternativas
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de desenvolvimento (entre zero e máximo). Em outros, como o Brasil, a “palavra de ordem” era o crescimento intensivo.
Aliás, pode-se facilmente notar em muitas nações que a lógica do “desenvolvimento” a qualquer custo ainda persiste.
Como a legislação sobre o controle ambiental é pouco rígida e os salários são baixos, os impostos são perdoados ou
minimizados por longos anos, amplos terrenos e infra estrutura são doados, as empresas globalizadas têm preferido
instalar grandes unidades no terceiro mundo (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Outras ideias que tomaram corpo, associando questões ambientais diretamente ao desenvolvimento econômico, foram
a do eco-desenvolvimento e a do desenvolvimento sustentável.

A primeira concebia o crescimento econômico não como meta, mas como meio. Uma consequência disso foi o famoso tripé
do desenvolvimento: viabilidade econômica, prudência ecológica e justiça social. Já a segunda, visava a um novo estilo
de desenvolvimento (autossustentável), com base em tecnologias alternativas e de forma a atingir um equilíbrio entre os
processos econômicos, ambientais e sociais. Com a reunião Rio 92, consolida-se a ideia de desenvolvimento sustentável,
a qual, aparentemente solucionadora dos problemas ambientais, foi mais uma das tentativas pouco significativas para
enfrentar os problemas reais. Por não ter critérios definidos, nem um significado próprio, abre a possibilidade para
variadas interpretações.

Uma vez que todos defendem o desenvolvimento sustentável – ricos e pobres, exploradores e explorados, incluídos
e excluídos –, algo deve estar errado nisso. Esse termo polissêmico, ao ser usado em muitos contextos, parece ter
contribuído mais para manter a “lógica vigente” do que para realmente questioná-la e alterá-la (JICKLING, 1992). O
desenvolvimento autossustentado representa uma síntese para responder a duas demandas sociais aparentemente
divergentes (ROSA, 1992).

É uma resposta política não só às pressões para a preservação do meio ambiente e à preocupação com a conservação
dos recursos naturais finitos, mas também à necessidade de aumentar a produção, para abranger parcelas crescentes
da população mundial excluídas dos benefícios da tecnologia moderna. Enquanto no âmbito do discurso os avanços
tecnológicos visam à melhoria das condições de vida da população, na prática do dia a dia, o que se vê é o agravamento
destas, principalmente nas populações já desfavorecidas. Um exemplo disso é a adoção de políticas direcionadas à
geração ou manutenção de empregos. Além de não terem resolvido o problema do desemprego no país, essas políticas
têm levado governantes a se “curvarem” diante do “poder do capital”, garantindo privilégios a detentores de riquezas e
aumentando ainda mais a exclusão social (ANGOTTI; AUTH, 2001).

A maioria da população continua assistindo a contradições e desmandos de forma bastante passiva. A lógica da eficiência
da C&T, a falta de uma política social autêntica e a busca por necessidades básicas, para garantir a sobrevivência, têm
levado os despossuídos a serem “cúmplices involuntários da degradação ambiental”. A consequência disso é a difusão
de pensamentos que levam a crer na quase impossibilidade de se implementar ações que promovam a justiça social,
principalmente em países emergentes (ANGOTTI; AUTH, 2001; BORRERO, 1990).

Estudos sobre o comportamento humano, presenciado e registrado em diferentes sociedades e formas de organização,
possibilitam perceber que, por mais sólidas que sejam as estruturas de controle populacional, tais como a do Império
Romano, há momentos de instabilidade e variação que podem desequilibrá-las: não há determinismo que resista numa
sociedade com evidente exclusão social (ANGOTTI; AUTH, 2001). Freire é bastante otimista sobre esse aspecto ao
afirmar que gosta de ser gente porque a História demarca “um tempo de possibilidades e não de determinismo”.

A globalização e as mega-fusões parecem tornar mais evidentes a exploração e as desigualdades. Simultaneamente,


cresce o descontentamento das populações exploradas que tendem a se mobilizar para mudar esse panorama de exclusão.
Exemplos contemporâneos no Brasil são os movimentos organizados, locais, regionais e nacionais, com destaque para
o Movimento dos Sem-Terra, agrupados por interesses comuns e, até mesmo, por faixas etárias, como os grupos da
terceira idade e os aposentados. Entre as reivindicações explícitas de todos esses grupos, a de uma educação mais
atuante, forte, comprometida com resultados em favor das maiorias está sempre presente (ANGOTTI; AUTH, 2001).

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O empenho de várias populações para conquistar sua independência e as negociações entre os países em desenvolvimento,
como a que resultou no Mercosul, constituem também novas organizações comprometidas com mudanças. Ao mesmo
tempo em que assistimos a uma intensificação da interdependência transnacional e das interações globais, assistimos a
um “desabrochar de novas identidades regionais e locais alicerçadas numa revalorização do direito às raízes” (SANTOS,
1997).

Relações sociais em tempo de incertezas são, de um lado, determinantes para o desenvolvimento da C&T; de outro,
são atingidas por esse desenvolvimento e nos desafiam a criar estratégias adaptativas e a buscar novas possibilidades
no campo do ensino/aprendizagem. Entre elas está a capacidade de entendimento das relações que estabelecemos com
os demais membros da espécie e a natureza e de sua historicidade. No caso da problemática ambiental, para além da
denúncia e da participação efetiva, nos processos pedagógicos, a ênfase pode ser dada para, principalmente, pensarmos
em romper com o antropocentrismo, concebendo o conjunto complexo do ambiente com os humanos, ao mesmo tempo
inseparáveis e responsáveis (ANGOTTI; AUTH, 2001).

As usuais concepções de educação relacionadas ao meio ambiente – sobre, no e para –, separadamente (sob a visão
naturalista), não dão conta da problemática ambiental. A educação sobre o meio ambiente resume-se basicamente ao
ensino de Ecologia, com vistas a entender seu funcionamento. A educação no meio ambiente tem o meio como objeto
de estudo. Na educação para o meio ambiente, já se parte de concepções prévias sobre o que seja meio ambiente e,
usualmente, as impõe. Com frequência, propunha-se a educação para o meio ambiente (desenvolvimento sustentável,
trabalho, trânsito, entre outros) como sendo a melhor estratégia para a solução dos problemas. As pessoas, em geral, não
conseguem perceber que lhe está impondo alguma coisa, que devem ser educadas para aquilo, não tendo condições ou
opções de escolha ou abertura para a reflexão sobre o tema, nem ver outras possibilidades que não sejam a sua própria
(ANGOTTI; AUTH, 2001).

A fundamentação e a concepção teórica que a maioria dos estudantes aprenderam, baseada na Ciência Clássica e Moderna,
privilegia em demasia uma determinada concepção de sociedade. A nova era na questão comportamental, iniciada com o
advento da Ciência Moderna, com o mecanicismo, as idealizações, a praticidade e a exploração da natureza, influenciou
significativamente, a configuração dos valores tão difundidos na sociedade nos últimos séculos. O indivíduo, supostamente
neutro, ao interagir com a natureza, conseguia extrair o conhecimento dela. E como era muito frequente ter as mesmas
percepções, deduzia-se o conhecimento extraído como verdadeiro (ANGOTTI; AUTH, 2001).

A busca e a identificação de regularidades, as generalizações e sínteses resultaram em um desenvolvimento notável da


Ciência Moderna, principalmente, nos três últimos séculos. A ciência newtoniana, a termodinâmica, a mecânica celeste, os
princípios de conservação, a cosmologia... adquiriram tamanho êxito que deles pôde ser derivada a ideia de que “todos os
movimentos observados na natureza, desde a familiar queda de uma gota de chuva até a trajetória cósmica dos cometas,
podem ser compreendidos em termos de simples leis de movimento expressas matematicamente” (GLEISER, 1997). Essa
concepção predominante até o início do século XX, e que conseguiu aplicar, com enorme eficiência, a Matemática, foi
pressuposto básico para fortalecer a ideia de que tudo estava predeterminado.

A racionalidade da Ciência, no que tange à possibilidade de manipular o ambiente de acordo com vontades próprias,
levou a uma “nova” visão da Ciência, à luz da gênese moderna, na qual “objetivamente, o mundo inanimado é muito mais
simples que o mundo animado, e este mais simples que o mundo social; por isso, era intrinsecamente necessário que o
controle racional, e em última análise científico, do meio, tivesse seguido precisamente essa ordem” (BERNAL, 1969).

Provavelmente serão de pouco valor as medidas adotadas que não vierem acompanhadas da mudança dos hábitos que
originaram os problemas em questão. As crenças e os valores das pessoas, construídos socialmente, dão-lhes uma
determinada visão de mundo e as conduzem a agir de uma forma ou outra (ou a se acomodar diante das ações externas).
São determinantes em suas atitudes e seus comportamentos. De acordo com os valores da maioria das pessoas, ainda
é muito mais importante o acúmulo material/financeiro do que a conservação do ambiente. Sob essa ótica, enfrentar
coletivamente os problemas complexos já “comuns” em nossa sociedade, torna-se tarefa quase inatingível (ANGOTTI;
AUTH, 2001).

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A participação de comunidades escolares no enfrentamento do lixo, por exemplo, vem crescendo e já está agregada a
suas atividades diárias. É preciso, também, atacá-lo em sua raiz, ou seja, buscando compreender como e por que todo
esse lixo é produzido, quem se beneficia e quem se prejudica com isso. Só reciclar não basta. Similarmente, atividades
como a visita a um bosque, a uma usina hidrelétrica, ao local de tratamento do lixo não são significativas em si, mas
poderão vir a ser à medida que forem vinculadas ao programa escolar e ao compromisso com uma outra visão de mundo
(ANGOTTI; AUTH, 2001).

As pessoas, ao se conceberem como integrantes de uma sociedade e se tornarem cientes de que progridem conjuntamente
com o desenvolvimento desta, entenderão melhor que, mesmo em parte submetidas e condicionadas pela crescente
utilização da tecnologia em seu meio, suas vidas não estão irrevogavelmente predeterminadas pela lógica inevitável, às
vezes, perversa, do desenvolvimento tecnológico (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Com os currículos, as metodologias e os processos político-pedagógicos priorizados no espaço escolar formal, o


entendimento de problemáticas, como a ambiental, tende, ainda, a se restringir a uma visão naturalista, quase romântica.
Insistimos que dimensões fundamentais da dinamicidade da vida – tais como a perspectiva histórica, a educação para um
presente e futuro de melhor qualidade de vida para todos, o caráter relacional da dimensão ambiental e as representações
sociais de natureza e do meio ambiente – são ainda incipientes no âmbito escolar (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Até porque o ensino de Ciências, apoiado nos grandes projetos traduzidos e/ou elaborados no país, nos anos 1960 e 1970,
em que pesam avanços em conteúdos e metodologias, propunha-se mais a identificar e a seduzir os alunos para as carreiras
científicas e tecnológicas do que para induzir discussões de fundo sobre CTS. Sabemos que tal objetivo “profissionalizante”
resultou em enorme fracasso, tanto nos países centrais quanto nos periféricos, tendo contribuído até para o distanciamento
e, não raro, para a negação das carreiras científicas pela maioria dos estudantes (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Ao referir-se à necessidade de proporcionar uma concepção mais global sobre alguns temas relevantes, como o da
problemática ambiental, o consenso mínimo, até hoje estabelecido, não passa da opinião segundo a qual algo de novo
deveria ser elaborado, já que as várias disciplinas envolvidas nas questões ambientais demonstram cada vez mais
abertamente sua impotência referente à necessária abordagem da estrutura complexa do meio ambiente. A sensação de
desamparo profundo, frente à falta de fundamentos suficientes para a prática educacional, dirigida para a conscientização
em relação aos problemas ambientais está onipresente (FLIKINGER, 1994).

Por isso, não se pode esperar de ninguém uma solução rápida do impasse; deveríamos, no entanto, tentar, num esforço
comum, contribuir com alguns elementos no mosaico cuja forma não pode ser antecipada. Weiner (1992) afirma que
o planeta Terra é um sistema que possui sete elementos básicos (ou esferas) em operação, “tanto no sentido figurado
quanto no sentido literal, em um número surpreendente de casos”. São eles: terra, água, ar, fogo, vida (biosfera), gelo
(criosfera) e inteligência (noosfera).

Isso exige buscar mais precisão com relação aos conceitos. Entre eles, os de meio ambiente e educação ambiental,
visto que eles são abstrações ou ideias que descrevem várias percepções (JICKLING, 1992). A falta de atenção para a
filosofia educacional no desenvolvimento da educação ambiental, de acordo com esse autor, tem permitido a expressão e
a difusão de ideias questionáveis. A carência de uma análise profunda dos conceitos centrais sobre educação ambiental
tem, como consequência, sem maiores preocupações, o enfoque de questões pontuais e bastante superficiais (ANGOTTI;
AUTH, 2001).

Reflexo disso é o alerta de geocientistas de que o Homo sapiens, mesmo pertencendo à esfera planetária mais recente
(a noosfera), e sendo fisicamente mais fraco do que muitas outras espécies, tornou-se tão poderoso que agora influi na
extinção de outros animais e está levando quatro outras esferas “– a hidrosfera, a atmosfera, a criosfera e a biosfera – à
iminência de mudanças drásticas” (WEINER, 1992).

Acredita-se que as reflexões e os discernimentos com base na História e na Filosofia da Ciência permitem deslocar o
eixo de compreensão homem, ambiente. Passa-se, assim, de uma visão simplista, tendo o homem separado do ambiente
e com a única função de explorá-lo (concepção associada à Ciência Moderna), a uma visão mais ampla, que o considera
como sujeito integrado ao meio ambiente e ciente da necessidade de sua conservação (ANGOTTI; AUTH, 2001).
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Isso requer uma atenção especial sobre a complexidade existente na integração do homem com o seu ambiente e sobre
o instrumental que a C&T possibilitou desenvolver, para auxiliar/facilitar essa integração, que tende a resultar mais
significativa. Podemos considerar a questão ambiental como inserida numa problemática maior, fazendo parte, entre
outras, das questões culturais, sociais e políticas e, como tal, deve ser compreendida nas relações sociais. A ampliação
do espectro das relações, na perspectiva mais global, deverá estar ligada a outras questões, contempladas nas suas
origens e suas consequências (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Seria mais efetivo pensarmos na biosfera, o conjunto dos componentes biológicos, e na sua correlação com outras esferas,
concebendo o homem incluído juntamente com os elementos físico-químicos. A atenção voltada para a interação e a
evolução das coisas de forma imbricada deve ampliar o grau de percepção acerca do condicionamento existente entre
as outras esferas e a vida (ANGOTTI; AUTH, 2001).

A relação com o ambiente é uma ação própria do ser vivo, e o entendimento da concepção de “cooevolução” facilita
percebê-la. A “cooevolução” dos sistemas biológicos e físico-químicos criou as condições para o desenvolvimento dos
seres humanos, que introduziram um novo tipo de interação: a interação humana. O imbricamento desses sistemas pode
ser considerado como consequência de uma característica intrínseca aos seres vivos: sua natureza biológica e físico-
-química, de modo que a evolução dos dois tipos de sistemas pode ser entendida como ocorrendo de forma interconectada
e interdependente (MORAES, 1998).

O entendimento da dinâmica homem/ambiente pode ser explorado no processo didático-pedagógico em contraposição


à “estaticidade”, ainda predominante em grande parte dos sistemas de ensino. Uma vez que a escola tem um papel
significativo na formação dos indivíduos, na sua cultura, nas suas relações sociais, ela necessita repensar seu papel.
Não se pode considerar como neutras, ou como naturais, as estruturas curriculares ditadas tradicionalmente. Elas
representam a reprodução de certos valores historicamente determinados, como, por exemplo, a cultura da passividade.
Considerá-las como neutras e naturais, desprovidas de caráter sociopolítico, é reforçar a concepção de uma sociedade
com nítidas relações de exploração/exclusão (ZANETIC (1981).

Em relação às inovações curriculares, há a necessidade de colocar-se, pelo menos, um mínimo de história da ciência,
epistemologia e discussão do impacto social da ciência e tecnologia no material educacional utilizado nas aulas de
Ciências (HOLTON,1979). Considerações similares são externadas por Tricário (1996) ao defender que “nas ações e nas
estratégias planejadas sejam discutidas as distintas concepções sobre a natureza do trabalho dos cientistas e a forma
como evolui a construção desse tipo de conhecimento”. Estudos têm atribuído um papel importante para os aspectos
históricos e epistemológicos da ciência e a interdisciplinaridade na alfabetização em ciência e tecnologia. Eles indicam a
necessidade de explorar os conhecimentos sob um caráter mais amplo, tendo uma reflexão crítica imbrincada, embora
vejam a dificuldade disso acontecer na prática (MITCHAM, 1990). É preciso contrastar as visões oficiais presentes nos
sistemas de ensino e constituir uma fonte de visões alternativas para este.

Perspectiva nessa direção pretende-se alcançar com a formação continuada dos professores dos níveis fundamental
e médio. Mas, como em nosso país esse tipo de formação está longe de ser uma realidade, de maneira sistemática,
o desafio está em, inicialmente, conseguir envolver os professores em atividades que enfocam essas questões para,
paulatinamente, comprometê-los.

O desafio é envolver/comprometer os professores em atividades colaborativas, para inquietá-los e desafiá-los em suas


concepções de ciência, de “ser professor” e em suas limitações nos conteúdos e nas metodologias (ANGOTTI; AUTH,
2001).

Históricos e epistemológicos são realizados com os professores, para que se deem conta de que a atual configuração
dos currículos e a formação/experiência que muitos possuem, permeadas de estereótipos habituais sobre ciência (neutra,
objetiva e imparcial), compromete novas perspectivas, mesmo diante da intenção de vários deles desenvolver seu trabalho
numa perspectiva “construtivista”. Além disso, com a exploração da ideia de temática (FREIRE, 1987), buscamos
desencadear o processo de ensino-aprendizagem com vistas a superar a fragmentação excessiva, ainda fortemente
presente, principalmente, no nível médio.
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Para o estudo/compreensão de questões complexas, como a ambiental, buscamos desenvolver trabalhos interdisciplinares
em torno de temáticas nas quais os conhecimentos são estudados enquanto necessários para compreensão destas (e outras
afins). É a dimensão contextual reconhecida na orientação dos novos PCNs para o Ensino Médio, que considera também
a necessidade do trabalho interdisciplinar. Pelo menos nós, docentes das “Ciências da Natureza e suas Tecnologias”,
precisamos enfrentar conjuntamente tal desafio (ANGOTTI; AUTH, 2001).

Texto adaptado de Ciência e tecnologia: implicações sociais e o papel do professor, de José André P. Angotti e Milton Antonio Auth.

Um livro pioneiro que exemplifica as implicações sociais de um tema


de Ciências e Biologia foi: “SILVA, C. E. L. Ecologia e sociedade:
uma introdução às implicações sociais da crise ambiental. São
Paulo: Loyola, 1978. 286 p.”. Fica aqui a sugestão de leitura.

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Capítulo 13 – Ensino de Biologia e as Possibilidades de Integração Escola Versus
Comunidade Local

Você já participou de alguma atividade da integração escola e


comunidade? De quem partiu a iniciativa?

O ensino das ciências tem sofrido grandes alterações nas últimas décadas, como consequência da evolução do próprio
conceito de Ciência e de fatores socioculturais, políticos e econômicos. A História mostra-nos que cada época tem seus
valores preferenciais que contribuem para a caracterizar e para a sua transmissão, a escola assumiu e assume um papel
privilegiado (CARVALHO, 1985), pois existe uma relação de interdependência entre ela e a sociedade que lhe deu origem
e que ela serve (CORTESÃO, 1982). Segundo Domingos (1984), “o sistema educativo é um reflexo da sociedade em que
se insere e da prospecção no futuro das linhas mestras da sua evolução”.

Uma das intenções fundamentais dos novos currículos diz respeito à natureza do seu projeto pedagógico: imprimir uma
nova orientação ao processo educativo, fazendo-o convergir para a formação integral dos alunos, sendo, nesse sentido,
assinalado um papel nuclear ao desenvolvimento de atitudes e à conscientização de valores e subordinando-se a aquisição
de conhecimentos ao desenvolvimento de competências. Tal projeto deve se refletir na reformulação das metodologias
de ensino-aprendizagem relativas aos padrões tradicionais, apelando-se para a intensa participação de cada aluno na
construção e na avaliação das suas aprendizagens e para o incentivo da sua autonomia (MARTINS, 2008).

Hoje em dia, a escola tem como papel principal ajudar os alunos na sua compreensão acerca do mundo e dos seus papéis
presentes e futuros (ROOY, 1994). E, de fato, a melhor garantia do que se pode ter de uma utilização responsável e
ética da ciência é um público alfabetizado do ponto de vista científico. Para esse objetivo, é nossa função, enquanto
professores, aumentar as bases do conhecimento científico bem como facilitar o diálogo social, moral e ético, respeitante
à pesquisa e ao desenvolvimento do conhecimento científico (ARMSTRONG; WEBER, 1991).

É, também, função de todos os professores de Ciências estimular a disposição dos alunos para a aprendizagem dos
conteúdos (ALONSO; MAS, 1995). Muitas vezes, operacionaliza-se o interesse do aluno para com a ciência por meio
de sua motivação para o estudo, pelo agrado e disponibilidade que demonstra, pela pontualidade no cumprimento das
tarefas que lhe são confiadas, pelo grau de atenção durante a aula etc. Essa concepção é reduzida a um caráter bastante
instrumental, o que significa dizer que a atitude do aluno é concebida como um meio para alcançar bons resultados na sua
aprendizagem das ciências. Mas pode-se, também, estimular a própria atitude dos alunos perante a ciência, a construção
do conhecimento científico, a aplicação dos progressos científicos no mundo real. Esta, na maior parte das vezes, é uma
resposta emocional à maneira como o aluno entende a ciência (KOBALLA; CRAWLEY,1985).

O desenvolvimento de uma atitude perante a ciência é considerado, muitas vezes, como um objetivo periférico às
finalidades cognitivas delineadas pelos professores. Embora muitos professores variem as suas metodologias de ensino,
para melhorar a motivação dos alunos para a aprendizagem, utilizando recursos variados, muitas vezes as lições diárias
tendem a focar-se na memorização de fatos, conceitos e princípios, enquanto o desenvolvimento de atitudes para com
a ciência é muitas vezes esquecido. O pressuposto que os alunos adquirem atitudes positivas para com a ciência ao
aprender mais fatos científicos não pode ser considerado válido (MARTINS, 2008).

Deste modo, será necessário planificar o desenvolvimento de atitudes positivas perante a ciência, num ensino que
enfatiza competências e processos de pensamento científicos e atende à natureza da ciência e, também, sua perspectiva
de interdependente da tecnologia e de fatores sociais (CTS). São cenários reais que envolvem o uso de estratégias
propiciadoras da consecução de importantes objetivos do ensino das ciências, para preparação de futuras carreiras
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científicas, mas, principalmente, para preparação do cidadão comum, que se verá forçado a viver em uma sociedade
científico-tecnológica, em que terá que pensar e agir de acordo com princípios científicos (Martins, 2008).
Também é importante ter em consideração a atitude do professor para com a ciência que, sendo o reflexo da sua própria
visão de ciência, é refletida na maneira como o professor ensina a disciplina. De fato, o futuro do ensino das ciências não
assenta apenas no currículo, mas também, e, principalmente, no professor de Ciências. Qualquer falha na planificação
ou durante o ensino para o desenvolvimento de atitudes positivas perante a ciência pode resultar num currículo que não
atinge o objetivo de preparar alunos aptos a tomarem decisões ditadas pela suas futuras necessidades (MARTINS, 2008).
Os professores devem desenvolver currículos e orquestrar experiências, cujo objetivo será desenvolver nos alunos
atitudes gerais, percepções, conceitos e capacidades, ou seja, competências científicas. Para tal, necessitam de treino
específico para esse tipo de ensino, bem como partilhar impressões e conhecimentos com colegas. Mas, acima de tudo,
necessitam de tempo para refletir sobre a sua própria prática. Essa reflexão permitirá um aumento dos conhecimentos
básicos sobre a educação científica, permitindo desenvolver experiências mais eficazes no sentido de se alcançarem os
objetivos do ensino das ciências (BAIRD, 1991). O professor deve empenhar-se numa contínua formação pedagógica,
metodológica e científica. A reflexão do professor acerca das suas próprias ideias sobre a ciência e sobre como se produz
o conhecimento científico influenciam as opções que faz em nível pedagógico.
A tarefa dos professores das áreas científicas é, hoje em dia, criar uma nova visão do ensino-aprendizagem da ciência que
permita aos jovens acompanhar as mudanças sociais, o avanço das fronteiras da ciência e da tecnologia e o significado
que estas têm para a vida, não só no momento presente, mas, igualmente, no futuro. A educação tem de se abrir para
uma visão pluralista e mutável do mundo, uma visão que permita a cada um desenvolver a sua singularidade e integrar-se
depois no conjunto social (MARTINS, 2008).
A aprendizagem tem de ser ativa e permanente, em contraste com a aprendizagem passiva e a memorização de fatos
que caracterizou, durante muito tempo, o ensino tradicional da ciência. É necessário que os jovens encontrem relação
entre as matérias científicas que estudam e os seus próprios problemas; tem de haver identificação com o objeto de
estudo, de forma a preencher a lacuna entre o que se aprende na sala de aula e a vida “lá fora”. Quando os alunos tratam
de problemas reais estão explorando as suas próprias vidas, o seu próprio futuro, porque são parte do problema, assim
como parte da solução (VIEIRA, 1990).
Durante bastante tempo, ensinar Ciências foi, de acordo com uma concepção empirista/indutivista, transmitir um corpo
de conhecimento organizado enquanto patrimônio cultural que ajuda a compreender o mundo natural (MARTINS, 2008).
O ensino era expositivo, retórico, apelando à simples memorização de fatos e conceitos, numa inconsistência total com
a própria natureza científica. A ciência, tal como era ensinada, era constituída por listas de nomes para decorar, por
um conjunto de respostas rígidas a perguntas relacionadas com pequenos pormenores. Nessas aulas, o aluno tinha um
comportamento passivo, não intervindo no processo (DOMINGOS, 1984). O conteúdo da educação científica não reflitia o
estado atual da ciência, encontrando-se bastante atrasado. Não acompanhava a evolução do pensamento epistemológico
e esse desfasamento era grande em relação aos avanços da ciência e da filosofia da ciência, nomeadamente como foi
apontado por Kuhn (1970).

Depois da Segunda Guerra Mundial, seguiu-se um período de grande desenvolvimento tecnológico e forte industrialização,
com grandes repercussões em todos os níveis da sociedade, incluindo os currículos escolares que, rapidamente, se tornaram
obsoletos. Esses currículos não estavam adaptados aos alunos e não correspondiam às necessidades da sociedade.
Também a surpreendente supremacia soviética no projeto de exploração espacial, com o lançamento da cápsula espacial
Sputnik, aumentou o sentimento da absoluta necessidade de modificação do ensino das ciências (MARTINS, 2008).

Surge, então, um momento de crise que os cientistas procuram ultrapassar, propondo uma necessária reformulação dos
currículos escolares, com vista à formação de futuros cientistas. Nessa perspectiva, a tendência dominante no ensino
de Ciências passou a ser o desenvolvimento curricular com ênfase numa ciência pura, cuja finalidade seria produzir mais
cientistas, para preencher as necessidades das sociedades em rápido desenvolvimento. A tônica dos vários projetos
curriculares era o processo de “inquérito”: “pensar como um cientista” e “o gosto da ciência pela ciência” (MARTINS,
2008).
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Esse movimento de transformação curricular concentrou-se na elaboração de materiais a fornecer aos alunos acerca do
que é a ciência e dos grandes conceitos em que ela assenta. Para a Biologia, isso significava acentuar-se que a ciência
é um processo, uma maneira de conhecer o mundo. Significava a apresentação dos assuntos e das teorias gerais que
estão na base de toda a disciplina e significa, ainda, retirar-se importância à sistemática e à morfologia, bem como à
atividade laboratorial rotineira de dissecar, observar, desenhar e decorar rótulos (Martins, 2008). Significava a introdução
da genética, do comportamento, da fisiologia celular, da microbiologia, da evolução, da ecologia, por meios diferentes
da lição tradicional. A importância dada à investigação científica reflitia-se na orientação dos materiais de ensino no
sentido da pesquisa e a sua apresentação na sala de aula organizava-se em redor de discussões e trabalhos de laboratório
e de uma ampla variedade de atividades centradas no aluno, em vez da anterior técnica expositiva (DOMINGOS, 1984).

A essência do ensino de Ciência consistia em mostrar algumas das conclusões a que a ciência chegou no contexto em
que surgiram e foram verificadas. Pretendia-se ensinar Ciências como um conjunto de processos investigativos, como
forma de estruturar o pensamento e a ação. Isso corresponde a dar a conhecer ao aluno os problemas levantados e as
experiências realizadas, mostrar-lhe os dados obtidos e fazê-lo seguir a interpretação pela qual esses dados se transformam
em conhecimentos científicos (FONSECA; SILVA, 1978). Surge a concepção da descoberta na aula de Ciências.

Considerava-se importante para o professor de Biologia fomentar um tipo de ensino que conduzisse os alunos à
aprendizagem dos processos de inquérito sem, no entanto, separá-los do “produto” da ciência. Uma vez que o produto da
ciência não deve ser considerado separadamente dos processos por meio dos quais a informação é alcançada, tornava-se
importante desenvolver um tipo de aprendizagem em que o aluno, colocado no papel de um investigador, seguisse no seu
trabalho os diferentes passos do inquérito científico (ROSENTHAL, 1986).

Um aspecto negativo de toda essa revolução foi um reducionismo científico da concepção de descoberta, transmitindo aos
alunos a convicção errônea do empirismo do trabalho do cientista: a ideia de que, seguindo o “método científico”, obteriam,
em situação de aula, resultados idênticos aos dos cientistas e que ser cientista é seguir, cuidadosamente, o “método
científico”. O trabalho laboratorial resultou no desenvolvimento de atitudes positivas e de interesse relativo às ciências,
revelou-se útil no desenvolvimento de capacidades científicas, na aprendizagem de aspectos da natureza da ciência,
na aquisição de conhecimento científico e no desenvolvimento de atitudes, desde que corretamente utilizado. Segundo
Hurd (1987), o trabalho de laboratório pôde centrar-se em problemas individuais ou sociais de ciência e tecnologia, em
que os alunos precisam localizar, reunir e organizar informação e formar uma interpretação lógica para o seu significado.
Nessa perspectiva de estudar os problemas nos quais os alunos têm um interesse pessoal, como nutrição, medicamento,
crescimento da população humana, entre outros, os problemas laboratoriais concluem com uma proposta de ação sobre
o que deveria ser feito para mudar, melhorar, corrigir ou alterar. No entanto, vários estudos referidos por Reis (1996)
mostram que os professores de Ciências continuam a utilizar o trabalho laboratorial, essencialmente, como um meio de
promover a aquisição e a compreensão de conteúdos programáticos aprendidos previamente de forma expositiva, tal
como já faziam os seus colegas no início do século.

Saliente-se, no entanto, que todo esse movimento de reforma representa um grande avanço, pois o aluno passou a assumir
um papel mais ativo na sala de aula. A própria ideia de ciência também passou de uma coleção de verdades absolutas
para um conjunto de processos para adquirir conhecimentos.

Atualmente, pensa-se que o ensino de Ciências não se deve restringir aos conteúdos científicos ou aos processos para
os adquirir, o que criaria, nos alunos, a concepção de que a ciência é, apenas, um corpo organizado de conhecimentos.
Para os alunos, é importante perceberem que, por detrás dos conhecimentos, existe um processo dinâmico de construção,
influenciado por vários fatores (MARTINS, 2008).

60
Muito mais recente é a filosofia de ensinar Ciências como uma atividade humana ligada à resolução de problemas da
sociedade e à produção de objetos técnicos que abrem novas possibilidades ao homem (VAZ; VALENTE, 1996). É um ensino
que enfatiza competências e processos de pensamento científicos e atende à natureza da ciência, na sua perspectiva de
interdependente da tecnologia e dos fatores sociais.

Propõem-se cenários que envolvem o uso de estratégias propiciadoras da consecução de importantes objetivos do
ensino das ciências, quer no que respeita à preparação para futuras carreiras científicas, quer em relação à preparação
do cidadão comum, que se verá, necessariamente, forçado a viver numa sociedade científico-tecnológica, em que será
chamado a pensar e a agir cientificamente. A investigação laboratorial, o trabalho de equipe, o trabalho interdisciplinar
dos temas e a ênfase na resolução de problemas reais, na procura, interpretação e análise reflexiva de informação são
formas de facilitar a consecução de tais objetivos (FONSECA, 1996).

Segundo Vaz e Valente (1995), perspectivam-se várias vertentes para a educação em Ciências.

• História da Ciência ou Histórias da Ciência (o estudo do processo de construção das teorias científicas permite
seguir uma lógica de raciocínio de aprofundamento teórico semelhante ao que ocorreu, na realidade, durante
a construção do conhecimento científico; ou, ainda, o estudo das pressões sociológicas e psicológicas a que
o cientista está sujeito e que pode mostrar as várias condicionantes a que a construção do conhecimento
científico se sujeita, dentro e fora da comunidade científica).

• Objetos técnicos e sua relevância no dia a dia (o estudo das pressões que a tecnologia exerce sobre a ciência,
para que ambas evoluam no sentido de proporcionar meios técnicos cada vez melhores para a sociedade).

• Atividade laboratorial para reforçar a socialização nas práticas científicas (o aluno, em laboratório, simula
as condições de trabalho laboratorial de um cientista, visando obter capacidades de investigação científica
laboratorial).

• Cidadania e colocação de dilemas e problemas da humanidade para ajudar a estruturar o processo de tomada
de decisões e compreender como os valores trespassam essas decisões, visando à alfabetização científica
para todos (VAZ; VALENTE, 1995).

Não há a melhor estratégia para ensinar Ciências. Esta deve estar selecionada de acordo com as finalidades e os objetivos
delineados. Nenhuma delas poderá, por si só, ter sucesso com todos os alunos ou permitirá atingir, por si só, todas as
metas. Existem diferentes formas de ensinar e diferentes formas de aprender, estando estas diretamente relacionadas
com os objetivos a atingir (MARTINS, 2008). A utilização exclusiva ou sistemática da mesma estratégia por parte do
professor conduzirá a uma aprendizagem rotineira devendo, por isso, ser alcançado um equilíbrio de diferentes abordagens,
potencialmente úteis nas aulas de Ciências (GAMA, 1991). É necessário dar importância, nas estratégias de ensino-
aprendizagem, ao papel do aluno, ao papel do professor, às questões que dizem respeito ao currículo, ao ambiente da
sala de aula, potencialmente motivador do ensino e da aprendizagem.

Esse projeto propõe, como estratégia preferida, o processo de “inquérito”, mas dava-se ênfase a todas as estratégias
que envolvessem um espírito investigativo e a todas as atividades de discussão. As estratégias de discussão são um
meio para chegar ao conhecimento em si, ao mesmo tempo permitem alcançar importantes objetivos do domínio afetivo
(SOLOMON, 1992). Para tal, é indispensável uma definição prévia dos objetivos; um plano das atividades de discussão;
uma avaliação contínua, que permitirá sucessivas correções à trajetória seguida para se alcançar a meta; uma conclusão
final. A comunicação empática entre professor e aluno surgirá facilmente se o professor tiver uma atitude não diretiva,
fugindo a modelar e controlar o comportamento do aluno, mas auxiliando-o a conduzir-se como pessoa responsável,
assumindo as consequências das suas próprias atitudes. Durante a discussão, perante a resposta ou a opinião do aluno,
o professor deve tomar uma posição orientadora ou clarificadora, pela qual o vai orientar para as operações intelectuais
desejadas. Uma discussão eficaz, isto é, que permita uma aprendizagem duradoura, depende da orientação da mesma
(SOLOMON, 1992). Recentemente, têm sido sugeridas aulas de discussão envolvendo assuntos atuais, que permitem
estabelecer a ligação dos conteúdos científicos à realidade atual ao mesmo tempo que, ao participar na discussão, o
61
aluno compreende como se pode agir em sociedade, desenvolvendo competências como, por exemplo, a argumentação
em defesa de um ponto de vista (CHERIF; SOMERVILL, 1995).

A exploração de filmes e diapositivos também é uma estratégia muitas vezes utilizada pelos professores de Ciências,
consistindo o papel destes em orientar a discussão, envolvendo o aluno na atividade de aprendizagem. Nessa discussão,
o professor terá de verificar se todos os alunos compreenderam as ideias básicas do filme, explorando ao máximo os
vários aspectos. Existem vários tipos de filmes que podem ser utilizados pelo professor de Ciências nas suas aulas: o filme
didático, especialmente concebido para promover a aprendizagem, quer de um tema científico, quer dos processos de
investigação científica, e o filme desenvolvido em torno de situações que suscitam uma abordagem científica. Esse último
apresenta a vantagem de tratar temas científicos relacionando-os com a vida diária, constituindo uma boa motivação
para os conteúdos científicos, embora o primeiro, centrado apenas num tema, facilite a aprendizagem de um conteúdo
científico específico (DOMINGOS, 1984).

Os diapositivos, recursos utilizados já anteriormente, mas apenas com fins ilustrativos, surgiram também como
potenciadores das atividades de discussão. Fomentam o diálogo, a confrontação de ideias, a participação, chegando-se,
deste modo, ao conhecimento. Inquérito refere-se a um método de discussão no qual o professor fornece aos alunos um
número limitado de observações e dados de experiências, solicitando-lhes que interpretem os dados e raciocinem sobre o
problema colocado. Cada exercício decorre sempre de acordo com uma certa sequência: a interpretação, a generalização
e a conclusão. O problema é apresentado e, posteriormente, fornecido um conjunto de dados relacionados com esse
problema. Os alunos são encorajados a discutir entre si enquanto o professor coordena a discussão, desenvolvem uma
sequência de raciocínios e procuram generalizar a partir dos dados disponíveis. O professor manterá a discussão dentro
de limites relacionados com o tópico. O objetivo é dar aos alunos a oportunidade de discutir e argumentar. A estratégia
de ensino implementada pelo modelo de ensino pelo inquérito implica o confronto intelectual com o que é desconhecido
e inesperado, para se chegar à (re)descoberta do conhecimento científico (GAMA, 1991).

Essa estratégia de ensino permite, ainda, a abordagem de textos relativos a investigações científicas, naquilo que é
denominado “inquérito do inquérito” (DOMINGOS, 1984), em que os alunos investigam, analisam e inquirem um texto
investigativo em que os cientistas relatam as experiências realizadas, as suas dificuldades, as conclusões, a hipótese
etc. Reside aqui o caráter investigativo dessa atividade ao mesmo tempo que permite abarcar a evolução dos conceitos
científicos, as limitações impostas à evolução científica em determinados períodos históricos, a evolução dos instrumentos
e materiais científicos, a limitação da técnica à investigação de determinados problemas, a comunicação científica nos
diferentes períodos históricos, isto é, permite atingir uma perspectiva histórica do conhecimento.

O inquérito pode surgir associado a outras estratégias de ensino-aprendizagem, nomeadamente as atividades de


laboratório, o trabalho de campo, a consulta de documentos e a pesquisa bibliográfica. O trabalho de pesquisa bibliográfica,
anteriormente considerado trabalho do cientista ou do universitário, começou a ser exigido a todos os alunos, pois permite
adquirir capacidades úteis a qualquer cidadão (DOMINGOS, 1984). A maior parte do conhecimento pode encontrar-se por
consulta bibliográfica em revistas, livros, jornais, dicionários e, recentemente, em enciclopédias eletrônicas e na Internet.
Qualquer cidadão precisa de estar informado, não recebendo passivamente a informação que lhe é fornecida, mas antes
sabendo analisar, discutir, descobrir discrepâncias, distinguir os fatos das ideias, por em causa as fontes, tirar as suas
conclusões, isto é, julgar por si numa forma de pensar crítica toda e qualquer informação recebida.

Como o trabalho laboratorial era encarado como uma estratégia fulcral no ensino das Ciências, todas as atividades,
nomeadamente a discussão, iriam permitir auxiliar o trabalho laboratorial, preparando-o e completando-o. Desse modo,
as estratégias laboratoriais não se limitam à execução de uma experiência mas, antes, envolvem o aluno em todos os
passos do raciocínio científico, permitindo-lhe trabalhar como um cientista, vivendo e compreendendo os processos
da ciência. Se o trabalho no laboratório é fulcral em ciência, não se deve esquecer que, para a Biologia, o conceito de
laboratório ultrapassa os limites das quatro paredes, estendendo-se para a natureza onde há muito para investigar. As
chamadas visitas de estudo pretendem alcançar um maior contato entre a escola e o meio, motivando os alunos para a
aprendizagem e favorecendo uma boa relação professor-aluno (MARTINS, 2008).

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Entre essas visitas de estudo, saliente-se as visitas a museus de ciência e indústria e museus de História Natural que,
segundo Chagas (1993), desenvolveram uma modalidade não formal de ensinar Ciência, que corre paralelamente ao ensino
formal a cargo das escolas. Essa educação não formal se processa fora da esfera escolar, com o propósito de ensinar
Ciência a um público heterogêneo, desenvolvendo-se de acordo com os gostos do indivíduo, num clima especialmente
concebido, para se tornar agradável: são organizadas exposições, estimulando a participação, a interatividade, a
manipulação dos objetos expostos.

Devido à preparação especial, os professores de Ciências têm uma responsabilidade acrescida na formação integral dos
alunos, necessária à sua futura participação ativa enquanto cidadãos de uma sociedade científica e tecnologicamente
desenvolvida (MARTINS, 2008).

Texto adaptado de Uma perspectiva histórica do ensino das Ciências Experimentais, de Élia Martins.

Um projeto de grande impacto que trata a integração escola-


comunidade é o “Amigos da Escola”, coordenado pela Rede
Globo. Sugerimos que ingressem no sítio eletrônico http://
amigosdaescola.globo.com/ e observem os exemplos de projetos
na área de Ciências e Biologia.

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Para (não) Finalizar
Ao final deste estudo, começa a prática. A prática de formação e construção do conhecimento transpassando a barreira
escolar com implicações sociais e atividades comunitárias.

Uma última reflexão capturada do Blog de Carlos Fiolhais (http://dererummundi.blogspot.com/), descrita a partir do livro:
Herbário, de Jorge Sousa Braga.

Welwitschia Mirabilis
“No meio do mais árido deserto
Há uma planta que consegue medrar,
E até se dá ao trabalho de florir,
Mesmo que não haja ninguém por perto,
Que a possa contemplar.”

Este poema pode até ser relacionado com a teoria quântica. A planta do deserto existe mesmo que não haja ninguém
para a ver e a admirar, com os olhos de uma cor qualquer. Uma das grandes discussões do século XX foi, precisamente,
a que ocorreu entre Albert Einstein e Niels Bohr sobre a teoria quântica. Uma das questões era: existe a realidade
independentemente do observador? Existirá a Lua se não houver alguém a olhar para ela?

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