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DIDÁTICA E AVALIAÇÃO NO

ENSINO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Autora: Gabriela de Leon Nóbrega Reses

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Prof. Júlio Roussenq Neto

Revisão Gramatical: Prof. José Roberto Rodrigues



Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2010


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

570
S947c Reses, Gabriela de Leon Nóbrega.
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências
Biológicas/ Reses, Gabriela de Leon Nóbrega.
Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial,
Grupo UNIASSELVI, 2010.x ;
106. p.: il

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-340-2

1. Didática de Ciências Biológicas 2. Avaliação de


Ciências Biológicas I. Centro Universitário Leonardo
da Vinci I. Núcleo de Ensino a Distância III. Título
Gabriela de Leon Nóbrega Reses

Bacharel e licenciada em Ciências


Biológicas pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), mestre em Educação
Científica e Tecnológica, pela mesma Universidade.
Atua no ensino de Ciências e Biologia, em escolas
públicas e particulares. Professora de Fundamentos e
Metodologia de Ensino de Ciências e Prática de Ensino
de Biologia no Ensino Superior. Pesquisa na área de
ensino de ciências e educação ambiental. Publicou:
A construção da auto-gestão ambiental comunitária
pela mediação da universidade pública; Práticas
de aventura na natureza - outros significados.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
Didática das Ciências Biológicas........................................... 9

CAPÍTULO 2
As Relações da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas....................................... 27

CAPÍTULO 3
Organização, Planejamento e Avaliação
do Trabalho Pedagógico......................................................45

CAPÍTULO 4
Metodologias de Ensino de Ciências Biológicas ............. 61

CAPÍTULO 5
A Avaliação no Processo de Ensino e Aprendizagem
de Ciências Biológicas ......................................................... 83

CAPÍTULO 6
Contribuições e Limitações do Livro Didático
no Ensino de Biologia........................................................... 95
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Bem-vindo à disciplina “Didática e Avaliação no Ensino de Ciências


Biológicas”.

Quando decidimos atuar no ensino de Ciências Biológicas, carregamos


com essa escolha inúmeras responsabilidades, entre elas a necessidade de
compreender os saberes pedagógicos que são essenciais para o exercício da
profissão docente.

Para ter êxito como professores, oferecendo aos nossos alunos uma
formação científica de qualidade, precisamos buscar suporte em uma ciência
cujo objetivo fundamental é ocupar-se das estratégias de ensino, das questões
práticas relativas à metodologia e das estratégias de aprendizagem: a didática.

Todo o trabalho do professor com os educandos pressupõe uma perspectiva


didática clara. É a partir dela que cada educador seleciona objetivos, organiza
atividades, formula critérios de avaliação e determina procedimentos de atuação
para cada tipo de situação.

Nesta disciplina iremos nos aprofundar sobre os principais temas que fazem
parte do cotidiano docente:

• Os conceitos teórico-práticos da didática no ensino de Ciências Biológicas,


onde estudaremos a respeito dos principais conceitos da didática das ciências.

• As relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade no ensino de Biologia,


por serem questões de grande relevância para formarmos sujeitos que
participem criticamente das decisões e movimentos concernentes à ciência e
à tecnologia.

• O planejamento e a avaliação do trabalho pedagógico em Ciências Biológicas,


já que o professor que planeja e avalia o seu trabalho realiza o seu papel com
mais autonomia e propriedade.

• As metodologias de ensino de Ciências Biológicas e a relação professor-


aluno, em que discutiremos sobre as diferentes metodologias que podem ser
adotadas e os papéis dos sujeitos do processo educativo.

• Os critérios de seleção e estratégias para organização dos conteúdos de


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Biologia, respondendo à seguinte pergunta: como selecionar os conteúdos a
serem desenvolvidos, considerando o amplo currículo da disciplina?

• Emprego e análise de livros didáticos, já que o livro didático é um instrumento


que pode tanto enriquecer os momentos de ensino-aprendizagem, quanto
empobrecer. Isto dependerá da sua qualidade e da forma como é empregado.

• E por último, as práticas avaliativas no ensino de Ciências Biológicas, com o


objetivo de discutir sobre a seleção dos indicadores de aprendizagem, além
de refletir sobre o uso de diferentes estratégias avaliativas.

Todas essas temáticas serão abordadas em conjunto de indicações de artigos


científicos, audiovisuais, sites e livros que irão contextualizar essas questões e
complementar os seus estudos de pós-graduação. Não deixe de utilizar esses
materiais e de realizar as atividades recomendadas.

Bons estudos!

A autora.

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C APÍTULO 1
Didática das Ciências Biológicas

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender os principais conceitos da didática das ciências.

33 Realizar os questionamentos didáticos correspondentes às características


epistemológicas das ciências.
Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

Contextualização
Neste capítulo iremos refletir sobre o papel e os principais conceitos da
didática das ciências biológicas. Ao nos referirmos à expressão didática das
ciências biológicas, estamos automaticamente nos reportando à didática das
ciências.

Inicialmente, é importante compreendermos o significado da palavra didática.


Caso você busque este termo nos dicionários, encontrará “conjunto de processos
de ensinar, de acordo com métodos definidos” (ROCHA, 2000, p. 210). Esta
mesma fonte considera didático o que torna o ensino eficiente.

No entanto, como explicam Astolfi e Delevay (1990), foi em torno de 1955


que o substantivo feminino didática surgiu em algumas enciclopédias, e foi
definido como “a arte de ensinar”. Mas as discussões a respeito dos conceitos e
dos objetivos da didática não pararam por aí. Inúmeros estudiosos da educação
buscaram delimitar e compreender esse campo.

Para Astolfi e Delevay (1990), a didática leva em conta os conteúdos do


ensino como objetos de estudo, considerando os principais conceitos da disciplina
e a análise das suas relações. Ela também se interessa pela história desses
conceitos, pelo seu funcionamento social e pelas práticas que os conceitos
remetem e pelas suas formas de introdução no ensino. Além disso, ela se
aprofunda nas situações de classe, as representações e os modos de raciocínio
dos alunos e as estratégias de intervenção do docente, com o intuito de sugerir
diferentes possibilidades.

A didática das ciências interessa-se por todas as situações de apropriação


de saberes científicos, como os cursos das ciências, ensinos escolares, museus,
exposições e laboratórios.

Diante dessas perspectivas, iremos buscar compreender a origem e a


estrutura desse conhecimento através de uma reflexão epistemológica.

Reflexões Epistemológicas e a
Didática das Ciências
A reflexão epistemológica propõe um exame da estrutura do saber ensinado:
quais os principais conceitos que funcionam nas áreas das ciências, as relações
que unem esses conceitos, quais retificações de sentido se produzem na história

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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

desses conceitos. A partir dessa reflexão iremos perceber as consequências


didáticas que inferem no ensino escolar.

Epistemologia, também conhecida como a teoria do


conhecimento, é o ramo da filosofia que se dedica a compreender
as investigações da natureza, assim como as fontes e a validade do
conhecimento. Entre as suas principais questões estão: O que é o
conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos conseguir meios
para defendê-lo contra o desafio cético?

Você pode estar se perguntando: qual é o interesse dessa reflexão


epistemológica em relação à didática?

Para respondermos a essa questão temos que pensar primeiramente sobre


a função do ensino científico. Como bem colocam Astolfi e Delevay (1990), o
ensino de ciências fornece aos alunos subsídios para que eles possam responder
questões científicas e técnicas em sua vida cotidiana. Ao mesmo tempo, este
ensino busca aproximar e desenvolver nos sujeitos métodos de pensamento
que as ciências usam em seus laboratórios. Já dentro da perspectiva de Zanetic
(1990), o ensino das ciências tem a função de decodificar o mundo através do
conhecimento científico.

Independente dessas diferentes compreensões, os processos que deram


origem ao conhecimento científico devem fazer parte dos momentos de ensino-
aprendizagem, já que eles irão influenciar na forma como os sujeitos entendem e
se relacionam com a ciência.

Muitas vezes, quando refletimos sobre a origem do conhecimento


Conhecimento é
científico, surgem algumas ideias que durante séculos foram
neutro e gerado
através de um disseminadas, principalmente no cotidiano escolar. Uma delas é a de
processo linear. que este conhecimento é neutro e gerado através de um processo
linear. Os cientistas tirariam as suas conclusões a partir do esquema
chamado de OHERIC (O = observação; H = hipótese; E = experiência; R
= resultados; I = interpretação; C = conclusão).

No entanto, pesquisas relacionadas à metodologia da pesquisa científica


demonstraram que esse resumo metodológico não poderia ser considerado
universal, já que muitas descobertas ocorrem em outras conjunturas.
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Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

Além disso, em diversos materiais didáticos a construção do conhecimento


científico é relatada como um processo linear, sendo mostrada apenas a
acumulação de contribuições pessoais de cientistas, indo todos num sentido único.

A neutralidade da ciência também aparece em diversos discursos sobre


a mesma. Segundo essa concepção, os cientistas buscariam o conhecimento,
sem nenhum interesse, apenas com o objetivo de compreender os fenômenos da
natureza e/ou possibilitar uma melhor qualidade de vida à população, através do
avanço tecnológico, que geraria um crescimento econômico e social. No entanto,
se refletirmos sobre algumas construções da ciência, como a bomba atômica ou
até mesmo o fato de que nem toda descoberta da ciência chega de uma forma
homogênea a toda a sociedade (por exemplo, aos remédios que são patenteados
pelas indústrias farmacêuticas e muitas vezes não chegam aos países que mais
necessitam), iremos perceber que a ciência possui interesses, sim, sendo fruto,
muitas vezes, de instituições e sujeitos que visam o poder econômico e político.

Outro importante ponto é que a ciência é frequentemente apresentada através


de seus resultados atuais, silenciando-se as histórias das suas construções.

Diante dessas questões, Viana et al (1994, p.81) informam a necessidade de:

[...] apresentar a ciência como produto não acabado, como


consequência de um desenvolvimento científico e tecnológico,
desmistificando uma concepção de ciência a-histórica.
[...] Enfatizamos que a ciência e a tecnologia têm ligações
intrínsecas com o desenvolvimento e necessidades sociais.
Enfim, que esta ciência de que tanto falamos é produzida por
homens, que têm seus erros e seus acertos; que nem tudo o
que foi verdade num determinado momento continuará correto
pela eternidade, já que acontecem rupturas [...].

Para que isso ocorra é importante que se compreenda alguns conceitos da


epistemologia das ciências (ASTOLFI; DELEVAY, 1990), e assim encaminhar um
ensino de ciências com validade:

a) A Noção de Fato

Um dos objetivos da ciência seria a descrição tão exata quanto possível de


fatos observados ou criados experimentalmente.

No entanto, os fatos não são evidentes. Eles são interpretados dentro de


um contexto histórico-cultural e de um sistema de pensamentos, em relação
a uma teoria preexistente. Assim, um fato científico pode ser interpretado de
diferentes formas.

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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Um exemplo disso é o relato a respeito da construção da noção de


fotossíntese:

UM RESGATE HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO


DO CONCEITO DE FOTOSSÍNTESE

Os naturalistas, há aproximadamente 300 anos, afirmavam que


as plantas retiravam seu alimento do ambiente externo, assim como
fazem os animais, sendo que a fonte de nutrientes seria o solo. Jan
Baptista Van Helmont (1577-1644), um médico nascido na Bélgica,
foi quem produziu a primeira evidência experimental de que o solo
não é a fonte de alimentação das plantas.

O experimento de Helmont consistiu no seguinte: ele plantou um


salgueiro num pote de argila e adicionava apenas água ao pote. Ao
fim de cinco anos, o salgueiro tinha ganhado 82 quilos, enquanto a
terra havia perdido somente 3 gramas. Assim, Van Helmont concluiu
que o alimento da planta provinha da água e não do solo. Essa teoria
foi legitimada na época como verdade incontestável, já que Helmont
possuía dados concretos (as pesagens em balança) para comprovar
o que estava afirmando.

Figura 1 - O experimento de Van Helmont

Fonte: GUIMARÃES, L. B.; CASSIANI, S. Tópicos especiais


em Educação e Biologia. Florianópolis: UFSC, 2008.

No século XVIII, um dos temas que revolucionou o estudo da


química foi a queima, sendo que o estudo da fisiologia vegetal teve
um papel relevante nas pesquisas então desenvolvidas. Em 1771,
o químico inglês Joseph Priestley expôs um ramo de hortelã ao ar,
em que ardera uma vela de cera. Verificou, decorridos dez dias, que
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Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

outra vela podia ser queimada no mesmo ar. Priestley acreditava


ter “descoberto acidentalmente um método de restaurar o ar viciado
pela queima de uma vela”, conforme relatou. Concluiu, com base
no raciocínio lógico, que a vegetação seria o meio que a natureza
emprega para “restaurar” o ar. Complementando esta conclusão,
demonstrou que o ar “restaurado” pela vegetação não era, de modo
algum, inconveniente para um camundongo. Estes experimentos
permitiram explicar como o ar permanecia “puro” e capaz de manter
a vida, apesar da queima de material e da respiração de tantos
animais. Este conceito de fotossíntese gerou a compreensão de que
vegetais crescem para purificar e limpar a atmosfera.

O médico holandês Jan Ingenhousz (1730-1799) demonstrou


que o processo de purificação do ar só ocorre à luz solar. Concluiu
que as plantas, à noite ou à sombra, contaminam o ambiente que as
envolve, exalando ar prejudicial aos animais. Constatou também que
somente as partes verdes das plantas “restauram” o ar e que o Sol,
por si só, não tem o poder de fazê-lo sem a cooperação das plantas.

Em 1796, Jan Ingenhousz propôs a hipótese de que a planta


não trocava simplesmente “ar bom” por “ar ruim”. Sugeriu que a
planta, exposta ao sol, absorve o carbono do dióxido de carbono
e se desfaz somente do oxigênio, conservando o carbono para si,
como nutrição.

Nicholas Theodore de Saussure (1767-1845), aplicando os


princípios de medidas quantitativas de Lavoisier, mostrou que
volumes iguais de CO2 e de O2 são trocados durante a fotossíntese,
corroborando a hipótese de que a planta retém o carbono. No entanto,
demonstrou também que a planta ganhava mais peso do que poderia
dar conta o carbono assimilado do dióxido de carbono. Esta conclusão
permitiu que se chegasse à equação global da fotossíntese.

CO2 + H2O => (CH2O) + O2

Por mais de 100 anos acreditou-se que o oxigênio produzido


na fotossíntese vinha da molécula de dióxido de carbono, devido à
plausibilidade dessa concepção.

No entanto, C. B. Van Niel, em 1931, ao investigar a fotossíntese


em bactérias fotossintetizantes, verificou que as bactérias sulfurosas
produzem carboidratos a partir do dióxido de carbono, mas não
produzem oxigênio e sim glóbulos de enxofre.

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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

CO2 + 2H2S => (CH2O) + H2O + 2S

Niel então propôs que, nas algas fotossintetizantes e plantas


verdes superiores, era a água a molécula partida e não a de dióxido
de carbono, ou seja, o oxigênio liberado seria proveniente da água,
o que resultou na seguinte equação generalizada, em que H2A seria
uma substância oxidável qualquer.

CO2 + 2H2A => (CH2O) + H2O + 2A

Nas algas fotossintetizantes e plantas verdes, H2A corresponderia


à água. Mais tarde, em 1937, Robin Hill realizou experimentos com
cloroplastos, tendo obtido a produção de oxigênio na ausência de
gás carbônico, confirmando assim que o oxigênio liberado pelos
vegetais na fotossíntese vem da molécula de água absorvida, e não
do gás carbônico. Exatamente como Niel havia proposto após seus
experimentos com bactérias sulfurosas.

Para finalizar, a descoberta de que existem moléculas suficientes


de água para explicar todo o oxigênio produzido pelos vegetais
durante a fotossíntese foi expressa na seguinte equação:

6CO2 + 12H2O => C6H12O6 + 6H2O + 6O2

Fonte: Extraído e adaptado de: ALMEIDA, Rosiléia Oliveira de. Noção de


Fotossíntese: obstáculos epistemológicos na construção do
conceito científico atual e implicações para a educação em ciência.
Candombá - Revista Virtual, v. 1, n. 1, jan – jun 2005. p. 16 – 32.

Analisando
a história da Analisando a história da construção do conceito de fotossíntese é
construção do possível verificar que um mesmo fato científico pode ser interpretado
conceito de
de diferentes maneiras e não pode ser compreendido fora do contexto
fotossíntese é
possível verificar da história do pensamento.
que um mesmo
fato científico pode Além disso, concepções alternativas, apresentadas por muitos
ser interpretado de alunos e professores a respeito dessa temática, como a nutrição das
diferentes maneiras plantas pelo solo, a compreensão utilitarista da fotossíntese (fenômeno
e não pode ser
que purifica o ar para os animais) e a crença de que o oxigênio produzido
compreendido
fora do contexto na fotossíntese é oriundo das moléculas de dióxido de carbono e não da
da história do água, perpassaram a mente dos cientistas e precisaram sofrer rupturas
pensamento. para que houvesse uma transformação do estilo de pensamento.
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Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

Com isso, podemos perceber que a inclusão da História da Ciência pode ser
uma facilitadora da educação científica, além de desestabilizar a visão dos alunos
de que a ciência é um processo linear e preciso.

Uma interessante leitura que aborda diferentes visões da ciência


a respeito do movimento do sangue no corpo humano é a tese da
pesquisadora em educação Nadir Castilho Delizoicov: “Movimento
do sangue no corpo humano: história e ensino”. A pesquisadora,
além de apresentar estas visões, realiza uma interessante discussão
a respeito do papel da história da ciência no ensino.

b) A noção de obstáculo epistemológico

Gaston Bachelard, na sua obra “A formação do espírito científico:


Gaston Bachelard
contribuição para uma psicanálise do conhecimento”, relata que o
relata que o ato
ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo de conhecer
conhecimentos mal estabelecidos, superando esses obstáculos dá-se contra um
epistemológicos. Este mesmo autor convida-nos a pensar a ciência conhecimento
mais em termos de ruptura do que em termos de continuidade. anterior, destruindo
A superação dos obstáculos é fundamental no processo de conhecimentos mal
desenvolvimento do conhecimento científico. estabelecidos.

O resgate histórico da construção do conceito de fotossíntese demonstrou


que, para alcançar a compreensão atual que possuimos a respeito desse
fenômeno, foram necessárias diversas rupturas dos pensamentos dominantes de
períodos distintos.

Se você quiser conhecer mais a respeito da noção de obstáculos


epistemológicos, as seguintes obras de Gaston Bachelard serão uma
boa leitura:

• A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do


conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

• O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1996.

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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

c) Conceitos Científicos

Os conceitos científicos não designam um fato bruto, mas uma relação que
pode reaparecer em situaçõs diversas. Eles apresentam duas características
inseparáveis: possibilitam explicar e prever situações. Astolfi e Delevay (1990)
também explicam que um dado conceito científico pode ser definido de diversas
maneiras. Como, por exemplo, o conceito de respiração pode ser definido tanto
como uma troca gasosa no nível pulmonar, como um mecanismo de oxidação
celular ou de outras formas.

A partir dessas reflexões podemos pensar as consequências didáticas


que podem ser retiradas. O quadro a seguir foi extraído do livro “A didática das
ciências”, de Jean Pierri Astolfi e Michel Develay (1990, p. 33) e busca relacionar
as características de uma epistemologia contemporânea das ciências, com
questionamentos didáticos que devem ser levados em conta em qualquer situação
de ensino-aprendizagem.

AS CARACTERÍSTICAS DE UMA
QUESTIONAMENTO DIDÁTICO
EPISTEMOLOGIA CONTEMPORÂNEA
CORRESPONDENTE
DAS CIÊNCIAS
A metodologia geral da pesquisa para as ciências Que tipos de encaminhamentos de
da natureza não é do tipo OHERIC, versão simpli- aprendizagem permitem um ensino
ficadora que não dá conta do caráter abundante e calcado num método dogmático?
imprevisível da descoberta.
Os fatos em ciência tomam sentido em relação a um Como mostrar certos fatos evidencian-
sistema de pensamento preexistente. do que deram origem a interpretações
diversas ao longo da história em função
do estado de pensamento da época?
A ciência não se limita às suas produções atuais e Como mostrar as lacunas ainda presen-
estas não estão terminadas. tes em relação aos coceitos ensinados e
as atuais vias de pesquisa?

A construção da ciência não corresponde a uma pes- Quais exemplos atuais e passados
quisa qualquer de um ideal de verdade sem elo com podem mostrar as lacunas das pesquisas
o funcionamento das sociedades. em ciências?
Os conceitos científicos são, antes de tudo, respos- Como pensar o ensino científico por meio
tas a problemas. da resolução de problemas?
O conceito científico tem um poder preditivo, por Como permitir aos conceitos construídos
ser, antes de tudo, uma relação desvinculada de em classe ter uma função preditiva?
situações concretas que lhes deram sentido.
Um conceito científico pode ser formulado de uma Quais são os registros de formulação
maneira hierárquica em relação a diferentes níveis para um conceito dado?
de abstração.

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Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

Os conceitos não são ordenados em série linear, A colocação de uma situação de


mas cada conceito científico se encontra no centro aprendizagem para um conceito dado
de uma rede conceitual. leva em conta o campo conceitual desse
conceito?
As leis científicas consideram, muitas vezes, apenas Como é possível fornecer explicações
uma causa, a mais importante para explicar uma e ao mesmo tempo introduzir dúvidas
situação dada. sobre essas explicações?

Atividade de Estudos:

1) Escolha um dos questionamentos didáticos apresentados na


tabela anterior e realize uma reflexão. Busque relacioná-la com
o texto e com outros materiais didáticos que possam auxiliá-lo
nessa atividade (livros, textos, filmes, propagandas e sites).
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Se você quiser se aprofundar mais a respeito das questões


concernentes à epistemologia da ciência, um bom artigo é
“Apontamentos sobre o conceito de epistemologia e o
enquadramento categorial da diversidade de concepções de
ciência”, escrito por Olga Pombo, docente do Departamento de
Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Porto. Este
artigo está disponível no site:

http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/investigacao/cat_epist.htm

19
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Alguns Conceitos da Didática das


Ciências
Na seção anterior vimos que a construção do conhecimento científico não
ocorre de uma maneira linear e neutra, assim como não é, necessariamente, o
resultado da aplicação do método científico. Diante dessa compreensão, iremos
avançar os nossos estudos, refletindo sobre os principais conceitos da didática
das ciências. Estas concepções são fundamentais ao se pensar no processo de
ensino-aprendizagem:

a) Representações: pré-concepções, concepções espontâneas, concepções


intuitivas, concepções alternativas e ideias prévias

O conceito de “representação”, utilizado em didática, tem sua origem


na psicologia genética e social e tornou-se clássico a partir dos trabalhos de
Bachelard, Piaget e Bruner (ASTOLFI; DELEVAY, 1990). Entretanto, este termo
tem sido evitado em didática por alguns pesquisadores, que preferem a palavra
“concepção”, por considerarem que o primeiro assume diferentes conotações,
conforme a escola que o utiliza.

O emprego de adjetivos como “intuitivas” e “espontâneas” é também


suscetível de crítica, pois uma concepção não deve ser considerada como “algo
que esteja disponível na cabeça do aluno”, pois, na realidade, as ideias dos alunos
são construídas e emergem em função do contexto, das situações e interações às
quais os mesmos são confrontados. (COELHO ,1991).

Uma concepção é um modelo explicativo “já existente”, que tem


Uma concepção
uma origem ao mesmo tempo individual e social, que serve de sistema
é um modelo
explicativo “já de explicação eficaz e funcional, ainda que falso num plano científico.
existente”, que As concepções acerca do mundo são construídas pelos alunos a partir
tem uma origem do seu nascimento e o acompanham também em sala de aula, onde
ao mesmo tempo os conceitos científicos são inseridos sistematicamente no processo
individual e
de ensino e aprendizagem. Essas concepções são caracterizadas por
social, que serve
de sistema de carregarem uma grande conotação simplista como forma de explicar os
explicação eficaz e fenômenos ou preceitos científicos.
funcional, ainda que
falso num plano Os estudos sobre as concepções dos alunos referentes a
científico.
diferentes conceitos, como respiração, fotossíntese, reprodução e
relações ecológicas, por exemplo, tornaram-se comumente explorados
pelos pesquisadores em didática das ciências. Tais estudos apontam algumas

20
Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

importantes questões a serem consideradas. A primeira delas é o fato dos


estudantes possuírem ideias a respeito dos fenômenos, mesmo antes de terem
recebido algum ensinamento, e estas ideias têm uma certa estabilidade. Diante
disso, o aprendizado de um conceito depende destas ideias, o que pressupõe
uma concepção construtivista do aprendizado e, por fim, o conhecimento destas
ideias permite propor um ensino mais eficaz.

No entanto, é importante considerar que existem alguns limites que devem


ser considerados, tanto pelos pesquisadores, quanto pelos docentes das ciências,
com relação ao uso e à compreensão das concepções dos alunos.

Um desses limites é o fato de que as representações são estratégias cognitivas


em reposta a um problema. As respostas obtidas devem sempre estar relacionadas
com o seu contexto de produção. O outro é que a resposta dada é sempre
simultaneamente uma resposta dada aos seus questionadores. Dessa forma, o
aluno sempre busca antecipar as expectativas do seu interlocutor e alcançá-las.

As concepções alternativas apresentadas pelos alunos servem como ponto


de partida para a compreensão dos preceitos científicos dentro da perspectiva
construtivista. Seria necessário conhecer as concepções alternativas dos alunos,
para assim compreender sua implicação no processo de ensino. Para que
ocorra aprendizagem, o sujeito terá que transpor seus conflitos, preenchendo
as lacunas apresentadas pelo sujeito, pela falta de conhecimento sobre o
conteúdo. Quando o professor propõe uma situação-problema ao aluno, e este a
considera perturbadora, acredita-se que houve a instalação do conflito cognitivo
proporcionado por essa situação-problema. Neste aspecto, acredita-se que esta
perturbação possibilite ao aluno um aumento de seu conhecimento, propondo a
evolução destes conceitos (MORTIMER, 1992).

b) Transposição Didática

A transposição didática é um processo fundamental que permite a passagem


de um objeto de conhecimento (científico) a um objeto a ensinar (programa) e,
finalmente, a um objeto realmente ensinado (escolar). Ela parte do pressuposto
de que o ensino de um determinado elemento do saber só será possível se esse
elemento sofrer certas “deformações” para que esteja apto a ser ensinado. Ou
seja, a transposição didática procura mostrar as transformações pelas quais o
saber científico passou desde sua origem, por meio do trabalho do cientista,
passando pelo entendimento dos autores que incluem determinados conteúdos
nos livros didáticos destinados a faixas etárias específicas, até o seu ensino nas
salas de aula, pelos professores.
21
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

A teoria da Transposição Didática foi formulada originalmente


Yves Chevallard pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Em 1980, o matemático Yves
define a
Chevallard define a Transposição Didática como um instrumento
Transposição
Didática como eficiente para analisar o processo através do qual o saber produzido
um instrumento pelos cientistas (o Saber Sábio) se transforma naquele que está contido
eficiente para nos currículos e livros didáticos (o Saber a Ensinar) e, principalmente,
analisar o processo naquele que realmente aparece nas salas de aula (o Saber Ensinado).
através do qual o Ele analisou as modificações que o saber produzido pelo “sábio” (o
saber produzido
cientista) sofre até este ser transformado em um objeto de ensino
pelos cientistas (o
Saber Sábio) se (ASTOLFI; DELEVAY, 1990).
transforma naquele
que está contido Um conceito, ao ser transferido, transposto, de um contexto ao
nos currículos e outro, sofre severas modificações. Ao ser apresentado no ensino, tal
livros didáticos (o conceito guarda semelhanças com a ideia original nascida no contexto
Saber a Ensinar)
da pesquisa, porém já não é mais o mesmo conceito.
e, principalmente,
naquele que
realmente aparece No entanto, diversos pesquisadores da área de ensino de
nas salas de aula (o ciências vêm apontando a fragilidade desse processo. Os estudiosos
Saber Ensinado). colocam que essa forma de conceber o ensino traz embutida a ideia de
simplificação do saber, sendo equivocada e geradora de interpretações
ambíguas nas relações escolares, pois revela o desconhecimento de um processo
complexo de transformação do saber. Porém, essa suposta “simplificação” gera,
na verdade, um novo saber, que pode ser considerado como o Saber Escolar. Os
mesmos pesquisadores também colocam que essa simplificação não é apenas de
caráter conceitual, já que essa é a única forma de ensinar conceitos construídos
em séculos em apenas algumas poucas aulas semanais.

Segundo Astolfi e Delevay (1990), são cinco as regras da Transposição


Didática:

Regra I. Modernizar o saber escolar

Os novos saberes que surgem no âmbito das pesquisas científicas que


são utilizados pelas indústrias e novas tecnologias devem estar presentes nos
processos e materiais didáticos.

Regra II. Atualizar o saber a ensinar

Ao fazer a revisão de um livro didático deve-se ir além de apenas acrescentar


novos saberes. Há a necessidade de se eliminar alguns saberes que já estão
descartados, por estarem banalizados demais.

Regra III. Articular o saber “novo” com o “antigo”

22
Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

O Saber Sábio mais provável de ser transposto é aquele que permite uma
maior articulação deste novo conhecimento com o velho, já cristalizado no
contexto escolar, bastando reorganizar alguns de seus elementos.

Regra IV. Transformar um saber em exercícios e problemas

O Saber Sábio capaz de permitir a criação de uma ampla variedade de


exercícios e atividades didáticas tem uma maior chance de ser selecionado para a
transposição que aquele menos operacionalizável.

Regra V. Tornar um conceito mais compreensível

Conceitos desenvolvidos no processo de construção de


A transposição
novos saberes científicos, muitas vezes com considerável grau
didática se constitui
de complexidade, necessitam ser transformados para que seu em um excelente
aprendizado seja facilitado na escola. instrumento para
a leitura e análise
Como coloca Pinho (2000), a transposição didática se constitui do processo
em um excelente instrumento para a leitura e análise do processo transformador do
saber científico.
transformador do saber científico. Este conceito pode ser utilizado por
grupos sociais com diferentes práticas de referência, desde que estas
sejam levadas em consideração na realização da análise.

c) Os objetivos-obstáculos

É comum os alunos pensarem que compreendem um determinado conceito


que lhes é exposto, porém, em alguns casos, lhes falta compreender o que foi
necessário construir, e, principalmente, o que foi necessário abdicar para que este
conceito adquirisse sentido e valor. Isto é considerado um obstáculo, que não é
transposto facilmente. Ele está ligado a resistências muito fortes e a regressões
intelectuais, que estão dentro de todo um sistema de pensamento, de uma
construção minimamente coerente e explicativa.

Neste sentido, Westphal e Pinheiro (2005, p. 2) afirmam que:

A ideia de obstáculo tem relação com as representações


ou concepções prévias dos alunos, contudo não se trata
apenas que os alunos pensem de maneira diferente, mas
sim, que existe a necessidade de manter intactos os seus
sistemas de pensamento. Astolfi propõe, mesmo que não
necessariamente, nesta ordem: localizar o obstáculo, fissurá-
lo e trabalhar para a sua superação. A localização do obstáculo
corresponde a que os alunos tomem consciência da sua
existência, já que, na maioria das vezes, as representações,

23
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

inclusive aquelas funcionais, permanecem, em grande parte,


A oposição entre implícitas. A conscientização dos alunos de seu próprio
pontos de vista, funcionamento intelectual contribui para identificá-lo como
ou a diferença de tal, mesmo quando a superação não está ao seu alcance. O
enfoques, entre outro passo, a fissuração, é produzida quando se manifesta
os estudantes uma estabilização conceitual no indivíduo. Nesta etapa
de nível similar, atua, principalmente, o conflito sociocognitivo. A oposição
entre pontos de vista, ou a diferença de enfoques, entre os
aparece como um
estudantes de nível similar, aparece como um facilitador
facilitador natural
natural do progresso intelectual. E, por fim, a superação do
do progresso obstáculo representa a etapa final do processo, e depende da
intelectual. disponibilidade de um modelo explicativo alternativo, que seja
intelectualmente satisfatório e ao alcance do indivíduo.

Dessa forma, a superação dos obstáculos irá propiciar aos estudantes uma
tomada de consciência de suas lacunas, assim como abrirá espaços para a
ampliação dos seus conhecimentos científicos, possibilitando a construção de um
novo modelo explicativo.

Atividade de Estudos:

1) Explique o que são as representações ou concepções alternativas


e a importância de considerá-las durante as aulas de Ciências
Biológicas.
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2) Pesquise algumas concepções alternativas que comumente


surgem nas aulas de Biologia e elabore questões que possam
gerar um conflito cognitivo nos alunos.
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3) O que é a transposição didática? Em quais momentos ela está


presente no processo educativo?
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24
Capítulo 1 Didática das Ciências Biológicas

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4) De que forma é possível tornar o aluno ciente dos obstáculos


presentes nas suas concepções?
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Algumas Considerações
No primeiro capítulo do nosso Caderno de Estudos vimos que a didática das
ciências tem como principais preocupações a reflexão sobre o objeto de estudo da
ciência, sobre a construção do conhecimento científico e sobre sua relação com a
sociedade, na tentativa de partir com a visão dominante, a-histórica e dogmática
desta área do conhecimento.

Ampliar os nossos sentidos a respeito dos saberes da ciência e dos seus


processos de edificação é essencial para que possamos atuar criticamente
e termos sucesso na formação de estudantes conscientes e participativos das
decisões e produções científicas e tecnológicas.

Referências
ASTOLFI, J; DEVELAY, M. A didática das ciências. 4. ed. Campinas: Papirus,
1990.

COELHO, S. M. Referências bibliográficas organizadas em didática das ciências.


Cad. Cat. Ens. Fís. , Florianópolis, v. 8, n. 3, p. 181-192, dez. 1991.

DELIZOICOV, N. C. O movimento do sangue no corpo humano: história e


ensino. 2002. 253 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Florianópolis, 2002.

25
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

GUIMARÃES, L7. B.; CASSIANI, S. Tópicos especiais em Educação e


Biologia. Florianópolis: UFSC, 2008.

MORTIMER, E. F. Pressupostos epistemológicos para uma metodologia de


ensino de química: mudança conceitual e perfil epistemológico. Química Nova, v.
15, n. 3, p. 242-249, 1992.

PINHO, A. J. Regras da transposição didática aplicada ao laboratório didático.


Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 17. n. 2, p. 174-188, ago. 2000.

ROCHA, R. Minidicionário Ruth Rocha. São Paulo: Scipione, 2000.

VIANNA, D. M.; PINTO, K. N.; LIMA, S. F. Pode o Ensino de Física modificar


a concepção de Ciência do futuro professor de 1o segmento do 1o grau?, in:
Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 11, n. 2, p.79-87, ago., 1994.

WESTPHAL, M.; PINHEIRO, T. C. O objetivo obstáculo segundo Astolfi: uma


análise da formação prática do professor de ciências. Disponível em: <http://
www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xvi/cd/resumos/T0229-4.pdf>. Acesso em:
25 set. 2010.

26
C APÍTULO 2
As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer as relações da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e relacioná-


las com o ensino de Ciências Biológicas.

33 Utilizar as relações CTS nos processos de ensino-aprendizagem de Biologia.


28
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

Contextualização
Transgênicos, célula-tronco, produtos orgânicos, inseminação artificial,
clonagem, biocombustíveis, produtos ecológicos, poluição atmosférica, lixo tóxico,
aquecimento global... Na mídia comumente encontramos termos como estes,
que possuem um importante significado para a sociedade atual e que geram na
população inúmeros questionamentos. No entanto, como os estudantes de hoje
compreendem estes produtos da ciência e da tecnologia? Quais teorias utilizam
para se posicionarem perante tais temas? Nota-se que os avanços científicos e
tecnológicos ocupam pouco ou nenhum espaço nas aulas de Biologia. Porém, é
papel da escola e, consequentemente, do professor, proporcionar oportunidades
para discussões destes assuntos, considerando ainda seus aspectos éticos,
epistemológicos, religiosos e econômicos.

Pesquisadores do ensino de ciências têm destacado a necessidade de


educar o homem para a cidadania responsável, por meio de uma alfabetização
que contemple uma formação científica. É na escola, ambiente cultural apropriado,
que se deve iniciar um processo que permita aos cidadãos obter informações e
desenvolver a capacidade crítica.

Neste capítulo iremos discutir sobre as relações entre a ciência, tecnologia


e sociedade e como devemos atuar em sala de aula para que possamos formar
sujeitos participativos e atuantes nos encaminhamentos da ciência e da tecnologia.

O Que é Ciência, Tecnologia e


Sociedade?
Vivemos num mundo extremamente influenciado pela ciência e pela
tecnologia (C&T). Acordamos, trabalhamos e vamos dormir utilizando produções
dessas duas áreas. Podemos até dizer que nos tornamos dependentes dos
seus produtos.

Os autores Bazzo, Linsingen e Pereira (2003) explicam que a palavra


ciência tem a sua origem no latim (scientia) e equivale a saber e conhecimento.
De acordo com a concepção tradicional, a ciência é vista como um
empreendimento autônomo, objetivo, neutro e baseado na aplicação de um
código de racionalidade alheio de qualquer tipo de intervenção externa, sendo
que o conhecimento é produzido através do método científico. No entanto, ao
longo da história, estudiosos da filosofia da ciência – como Thomas Kuhn, que
demonstrou que a ciência possui uma dimensão social através da sua obra “A

29
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

estrutura das revoluções científicas”, e Bruno Latour, filósofo francês – pensam


a atividade científica como mais um processo social, regulado basicamente por
fatores como pressões econômicas, expectativas profissionais ou interesses
sociais específicos.

Já a tecnologia pode ser definida como um conjunto de sistemas projetados
para realizar alguma função, que transforma e constrói tanto a realidade física
quanto a realidade social. Além disso, deve-se considerar que qualquer tecnologia
está inserida em uma trama sociotécnica que a torna viável. Isto pode ser
exemplificado pelo carro, que é uma tecnologia formada por vários componentes
de diversas origens que, para funcionar, necessita de estradas, semáforos, lojas,
seguros, postos de abastecimento etc.

As sociedades modernas passaram a confiar na ciência e na tecnologia


como se confia em uma divindade. A supervalorização da ciência gerou o mito da
salvação da humanidade, ao considerar que todos os problemas humanos podem
ser resolvidos cientificamente (SANTOS; MORTIMER, 2000).

Historicamente, até meados do século XX, logo após a Segunda Guerra


Mundial, apesar da destruição em massa causada nesse conflito pelos inventos
tecnocientíficos, havia um grande clima de otimismo relacionado à ciência e
tecnologia.

Os primeiros computadores eletrônicos (1946), os primeiros transplantes de


órgãos, os primeiros usos de energia nuclear para o transporte (1945), assim como
a invenção da pílula anticoncepcional (1955), são exemplos de produções que
sustentaram este entusiasmo pela ciência e pela tecnologia (BAZZO; LINSINGEM;
PEREIRA, 2003). Acreditava-se que o desenvolvimento tecnocientífico seria
capaz de solucionar os inúmeros problemas do mundo, baseando-se no modelo
linear de desenvolvimento. Este modelo pode ser representado através da
seguinte equação:

+ ciência = + tecnologia = + riqueza = + bem-estar social

Esta concepção fortaleceu cada vez mais a visão de que a ciência é atividade
neutra, sem interesses, com intuito de apenas possibilitar o desenvolvimento da
sociedade. Predominava uma compreensão da C&T como esferas incontestáveis
e autônomas. Dessa forma, foi defendida uma autonomia política e econômica
à tecnociência, para que se pudesse desenvolver sem entraves o seu potencial
benfeitor e assim contribuir para o progresso social (SCHMALL, 2009).

30
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

No entanto, problemas ambientais, sociais, políticos e econômicos surgiram


nas grandes nações, decorrentes dessa evolução desenfreada da C&T. O
modelo linear de desenvolvimento passou a ser revisto e o otimismo presente na
população logo após a II Guerra estava agora sendo substituído pela desconfiança
em relação à C&T, devido, principalmente, aos problemas ambientais relacionados
ao seu desenvolvimento. Gerou-se uma necessidade de se avaliar a relação
que a evolução científico-tecnológica tem com a sociedade com a qual interage
(KOEPSEL, 2003).

Os anos 60 e 70 do século 20 demarcam um momento


de revisão e correção do modelo linear como base para
o delineamento da política científico-tecnológica. A velha
política do laissez-faire proposta para a ciência começa a
se transformar em uma nova política, mais intervencionista,
onde os poderes públicos desenvolvem e aplicam uma série
de instrumentos técnicos, administrativos e legislativos para
encaminhar o desenvolvimento científico e tecnológico e
supervisionar seus efeitos sobre a natureza e a sociedade
(BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 123).

Dessa forma, nas décadas de 60 e 70, a degradação ambiental passa a ser


um fator de discussão entre as grandes nações, assim como se passa a vincular
o desenvolvimento científico e tecnológico à guerra. Nesse momento da História,
a ciência e a tecnologia (C&T), até então incontestáveis, tornam-se objeto de
discussão política.

[...] a ciência começa a perder sua imagem de certeza


e credibilidade incondicional pautada na autoridade do
conhecimento, que deslumbrou várias gerações. Do mesmo
modo, a tecnologia perde sua imagem de benfeitora social,
cedendo lugar a críticas cada vez mais fortes quanto aos seus
resultados. (BAZZO, PEREIRA, LINSINGEN, 2000, p. 161).

Estas situações refletiram no âmbito acadêmico e educativo, originando os


estudos CTS, ou estudos sociais da ciência e da tecnologia.

Os estudos CTS definem um campo de caráter crítico a respeito


da tradicional imagem essencialista da ciência e da tecnologia. Eles
Os estudos CTS
buscam compreender a dimensão social da ciência e da tecnologia, definem um campo
tanto no que se refere aos fatores de natureza social, política ou de caráter crítico
econômica que modulam a mudança científico-tecnológica, como a respeito da
pelo que concernem às repercussões éticas ambientais ou culturais tradicional imagem
essencialista da
dessa mudança. ciência e
da tecnologia.

31
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Quadro 1 – Aspectos da abordagem CTS

Aspectos de CTS Esclarecimentos


1 - Um conceito científico pode ser for- A produção de novos conhecimentos tem estimulado
mulado de uma maneira hierárquica em mudanças tecnológicas.
relação a diferentes níveis de abstração.
2 - Os conceitos não são ordenados em A tecnologia disponível a um grupo humano influen-
série linear, mas cada conceito científi- cia sobremaneira o estilo de vida desse grupo.
co se encontra no centro de uma rede
conceitual.
3 - As leis científicas consideram, muitas Por meio de investimentos e outras pressões, a so-
vezes, apenas uma causa, a mais impor- ciedade influencia a direção da pesquisa científica.
tante para explicar uma situação dada.
O desenvolvimento de teorias científicas pode
4 - Efeitos da ciência sobre a sociedade influenciar a maneira como as pessoas pensam de si
próprias e sobre os problemas e suas soluções.
Pressões públicas e privadas podem influenciar a di-
5 - O Efeito da sociedade sobre a
reção em que os problemas são resolvidos e, como
tecnologia
consequência, promover mudança tecnológica.
A disponibilidade de recursos tecnológicos limitará
6 - Efeito da tecnologia sobre a ciência
ou ampliará os progressos científicos.

Fonte: Mckavanagh e Maher (1892, p. 72).

Os estudos CTS apresentam três grandes encaminhamentos: no campo


da pesquisa, das políticas públicas e da educação. No campo da pesquisa os
estudos CTS surgem como alternativa à visão acadêmica tradicional sobre a C&T,
promovendo novas discussões sobre uma visão socialmente contextualizada do
desenvolvimento científico e tecnológico. No campo das políticas públicas o novo
enfoque CTS promove a formulação de mecanismos democráticos facilitadores
da abertura dos processos de tomada de decisão sobre questões de políticas que
envolvem a C&T. E no campo da educação essa nova abordagem promove a
introdução de programas e disciplinas CTS no ensino médio e universitário. O
ensino fundamental também vem sendo influenciado pelos estudos CTS desde a
década de 80, quando a disciplina de Ciências começou a ser pensada de forma
mais crítica (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003).

32
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

Produtos da ciência e da tecnologia surgem diariamente em


diversas mídias. Cabe ao professor selecionar e analisar esses
materiais em conjunto com os alunos. Procure consultar fontes
sérias e seguras. Também é interessante comparar as notícias, de
um mesmo tema, publicadas em diferentes locais. Dessa forma será
possível mostrar aos estudantes como os mesmos conceitos, muitas
vezes, surgem de formas distintas.

Estimule a consulta de sites, revistas e jornais especializados


em divulgação científica, assim como encoraje-os a uma leitura
crítica das matérias, questionando quem foram os autores, quais
instituições envolvidas e quais os seus objetivos ao realizarem as
pesquisas ou produzirem essas tecnologias.

http://www2.uol.com.br/sciam/
http://cienciahoje.uol.com.br/

Os filmes “Nós que aqui estamos por vós esperamos” e “Uma


chance para viver” são obras que irão contribuir para a compreensão
da primeira parte desse capítulo. Assista-os e busque associar
as imagens e histórias do filme com as relações entre a ciência,
tecnologia e sociedade.

O Ensino de Ciências Biológicas


numa Perspectiva CTs
A educação na perspectiva CTS pretende modificar o ensino de Ciências
Biológicas de modo que este não mais transmita aos alunos a ideia de que a
ciência e a tecnologia são autônomas, neutras e incontestáveis. Além disso,
questiona a perspectiva essencialista da tecnociência. A intenção é mostrar ao
estudante que, como toda atividade social, o desenvolvimento da C&T também é
33
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

permeado por conflitos, contradições, interesses e, nem sempre, tem o objetivo


de proporcionar bem-estar social.

Ao integrar ciência, tecnologia e sociedade no ensino de ciências, busca-se


a alfabetização científica e tecnológica aliada à formação cidadã. A democracia
pressupõe que os cidadãos, e não só seus representantes políticos, tenham a
capacidade de entender alternativas e, com tal base, expressar opiniões e, em
cada caso, tomar decisões bem fundamentadas. (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA,
2003, p.144).

Os estudantes Santos e Mortimer (2000) caracterizam o currículo com ênfase


integram o em CTS como o ensino do conteúdo de Ciências no contexto autêntico
conhecimento do seu meio tecnológico e social, no qual os estudantes integram o
científico com a conhecimento científico com a tecnologia e o mundo social de suas
tecnologia e o experiências no dia a dia. Dessa forma, a proposta curricular das
mundo social de
disciplinas científicas corresponderia aos estudos dos conteúdos
suas experiências
no dia a dia. científicos e tecnológicos integrados à discussão de seus aspectos
históricos, éticos, políticos e socioeconômicos.

Diversas pesquisas que investigaram como deve ser estruturado um currículo


que visa uma perspectiva CTS, no Ensino Médio, apontaram que se deve ter
como objetivo central o desenvolvimento da alfabetização científica e tecnológica
dos cidadãos, auxiliando os estudantes a construir conhecimentos, habilidades e
valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência
e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões. Esses estudos
apontam que as propostas curriculares devem apresentar três objetivos gerais:

1º Aquisição de conhecimentos.

2º Utilização de habilidades.

3º Desenvolvimento de valores.

Os conhecimentos e as habilidades a serem desenvolvidos incluem: a


autoestima, a comunicação escrita e oral, o pensamento lógico e racional para
solucionar problemas, a tomada de decisão, o aprendizado colaborativo/cooperativo,
a responsabilidade social, o exercício da cidadania, a flexibilidade cognitiva e o
interesse em atuar em questões sociais (SANTOS; MORTIMER, 2000).

Os mesmos autores ainda dizem que o desenvolvimento de valores está


vinculado aos interesses coletivos, como os de solidariedade, de fraternidade, de
consciência do compromisso social, de reciprocidade, de respeito ao próximo e
de generosidade.

34
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

Estas questões podem ser exemplificadas através de situações comuns


do cotidiano, como a escolha de produtos químicos a serem utilizados. É muito
comum a opção ocorrer utilizando critérios como o preço e a eficiência dessas
substâncias para os fins desejados. Raramente os consumidores questionam
a origem do produto: se a sua produção gerou algum dano ambiental, se os
trabalhadores que participaram da sua elaboração foram explorados de maneira
desumana, se em alguma fase do processo foram descartados produtos que
agridem o ambiente, se é um objeto contrabandeado, se causa danos à saúde de
quem o produz ou o utiliza.

Nem sempre se terá a resposta para todas essas questões, no entanto essas
reflexões contribuem para a conquista de uma postura mais crítica com relação às
produções da ciência e da tecnologia.

No site do Youtube você irá encontrar o documentário “A história


das coisas”. Esse vídeo associa os nossos padrões de consumo ao
processo de produção de objetos utilizados e desejados por uma
grande parcela da população mundial. Ele revela as conexões entre
diversos problemas ambientais e sociais, e é um alerta pela urgência
em criarmos um mundo mais sustentável e justo.

Você deve estar se questionando: como ensinar biologia dentro de uma


perspectiva CTS?

A primeira compreensão que devemos ter para responder essa pergunta


é de que os conteúdos devem ser abordados com um caráter multidisciplinar.
Isso porque os temas científicos ou tecnológicos a serem desenvolvidos na
escola são potencialmente problemáticos do ponto de vista social. Desta forma,
é importante que se tenha a participação de diferentes disciplinas, para que se
percebam as origens históricas e culturais (história, artes e ensino religioso) e
as relações geográficas, políticas e econômicas (geografia). Ao longo desse
processo o aluno também deverá realizar registros (português), inclusive
através de gráficos matemáticos, buscar diferentes fontes de pesquisa sobre
os temas e assumir o papel de autores, realizando análises críticas e expondo
as suas opiniões sobre as diferentes temáticas.

Durante as discussões é importante evidenciar o poder de influência que


os alunos podem ter como cidadãos, bem como as questões éticas e os valores

35
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

humanos relacionados com a ciência e a tecnologia. Assim, os estudantes


poderão ser estimulados a participar democraticamente da sociedade, por meio
da expressão das suas opiniões.

Os autores Santos e Mortimer (2000) exemplificam que isso poderia ser
feito levando os alunos a perceberem o potencial de atuar em grupos sociais
organizados, como centros comunitários, escolas e sindicatos. Além disso, pode-
se mostrar de que forma os consumidores influenciam o mercado, selecionando
o que consumir. As discussões das questões sociais englobariam os aspectos
políticos, os interesses econômicos, os efeitos da mídia sobre o consumo, entre
outros. Discussões como essas podem propiciar ao aluno uma compreensão
maior dos mecanismos de poder, dentro das diversas instâncias sociais.

Os temas sociais relativos à ciência podem ser globais ou locais. Alguns


pesquisadores defendem a inclusão, no currículo, de temas globais. Tais temas
são caracterizados por afetar a vida das pessoas em várias partes do mundo e
por não serem passíveis de compreensão ou tratamento adequado somente em
contextos locais ou nacionais. Exemplos desse tipo de tema são: temas
A conscientização ambientais, saúde e população, questões econômicas, transporte e
dos indivíduos comunicação, alimentos e fome, e questões militares.
ocorre por meio
do diálogo com as
No entanto, outros educadores possuem a concepção de que os
suas condições
de existência, o temas selecionados devem ser locais, dos problemas presentes no
qual se traduz contexto do estudante. Esta visão está atrelada às contribuições de
numa proposta Paulo Freire (2005), que discute que a conscientização dos indivíduos
de educação ocorre por meio do diálogo com as suas condições de existência, o
libertadora, por qual se traduz numa proposta de educação libertadora, por meio dos
meio dos temas
temas geradores. Esses temas são trabalhados a partir do processo de
geradores.
problematização da realidade.

Tema gerador, conceito utilizado e desenvolvido pela pedagogia da


autonomia de Paulo Freire, é entendido como o assunto que centraliza
o processo da educação, sobre o qual acontecem os estudos,
pesquisas, análises, reflexões, discussões e conclusões. Segundo a
pedagogia da autonomia, o processo de escolha desses assuntos,
problemas ou temas geradores é fruto de uma mediação entre as
responsabilidades dos professores e os interesses dos alunos, o
que possibilita uma compreensão crítica dos sujeitos a respeito da
realidade em que estão inseridos.

Um exemplo prático do uso de temas geradores no ensino de

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Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

Biologia foi publicado na revista Ciência & Educação, no artigo “A


construção coletiva interdisciplinar em educação ambiental no
ensino médio: a microbacia hidrográfica do Ribeirão dos Peixes
como tema gerador”. Boa leitura!

http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v13n3/a08v13n3.pdf

A problematização é um processo no qual o educando se confronta com


situações de sua vida diária, desestabiliza o conhecimento anterior e cria uma
lacuna que o faz sentir falta do que ele ainda não sabe. Nesse sentido, a experiência
de vida do educando é o ponto de partida de uma educação que considera que
seu contexto de vida pode ser apreendido e modificado (DELIZOICOV, 1983).

A sugestão de Freire é que se parta de situações locais para a análise


de problemas regionais e nacionais. Já Leonardo Boff, com sua cosmovisão
ecológica, considera importante que a abordagem ocorra a partir de problemas
locais que se articulem com a dimensão global.

No contexto brasileiro poderiam ser discutidos temas como a ocupação


humana e a poluição ambiental (ocupação desordenada, saúde pública, poluição
da atmosfera, solos e recursos hídricos, o êxodo das populações em decorrência
da diversidade regional), fome e alimentos transgênicos, as fontes energéticas do
Brasil, seus efeitos ambientais, seus aspectos políticos.

Você viu que há divergências quanto à seleção de temas


globais ou regionais para se discutir nas aulas de Ciências e
Biologia. Enquanto alguns autores compreendem a necessidade
de se trabalhar com temas que atinjam a população mundial,
outros estudiosos defendem o uso de temáticas locais, seguindo
a concepção educacional de Paulo Freire. Qual é a sua opinião
como educador?

Com relação às estratégias para abordagem da temática, alguns autores


propõem o uso de palestras, demonstrações, jogos de simulação e desempenho
de papéis, fóruns e debates, projetos individuais e de grupo, redação de cartas
a autoridades, pesquisa de campo e ação comunitária. Além disso, podem ser
adotados pensamentos divergentes, solução de problemas, atividades de tomada

37
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

de decisões. Essas atividades seriam trabalhadas em sala, realizadas por


Independente pequenos grupos, discussões em sala de aula centradas no estudante,
da estratégia
envolvendo o uso de recursos midiáticos e outras fontes comunitárias.
selecionada é
importante que os
alunos participem O estudo de caso, envolvendo problemas reais da sociedade,
do processo construção de modelos de artefatos tecnológicos e uso de fatos
de ensino e da história da ciência também podem ser desenvolvidos, através
aprendizagem de pesquisas, apresentações orais e trabalhos escritos (SANTOS;
de uma forma
MORTIMER, 2000).
ativa, desde a
seleção do tema
a ser estudado Independente da estratégia selecionada é importante que os
até a seleção das alunos participem do processo de ensino e aprendizagem de uma forma
fontes a serem ativa, desde a seleção do tema a ser estudado até a seleção das fontes
pesquisadas e a serem pesquisadas e a apresentação dos resultados do problema.
a apresentação
O professor deverá assumir o papel de mediador do processo,
dos resultados do
problema. acompanhando os encaminhamentos, fazendo sugestões, auxiliando
os estudantes na construção das pesquisas e levantando problemas
que possam gerar a ampliação do perfil conceitual dos estudantes.

Atividade de Estudos:

1) Reflita sobre a fala de Linsingen, a respeito de uma educação


voltada para a Ciência e Tecnologia.

Figura 2 - Experimento

Fonte: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/datacomemorativas/


ciencia-tecnologia.htm>. Acesso em: 10 jul. 2010.

38
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

Educar, numa perspectiva CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) é,


fundamentalmente, possibilitar uma formação para maior inserção
social das pessoas no sentido de se tornarem aptas a participar dos
processos de tomadas de decisões conscientes e negociadas em
assuntos que envolvam ciência e tecnologia. (LINSINGEN, 2007,
p. 13).
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2) Uma das características do ensino de Biologia numa perspectiva


CTS é a abordagem dos conteúdos de uma forma multidisciplinar.
Analisando o conceito de educação CTS, por que é necessário
trabalhar outros saberes além da Biologia?
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3) Ao longo desse capítulo foram sugeridos três audiovisuais (“Nós


que aqui estamos por vós esperamos”, “Uma chance para viver” e
“A história das coisas”) que irão contextualizar as relações entre a
ciência, a tecnologia e a sociedade. Escolha um desses filmes e
reflita utilizando os conceitos trabalhados.
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39
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

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Algumas Considerações
Finalizo este capítulo propondo alguns questionamentos que possam guiar a
construção de uma proposta de ensino de Biologia numa perspectiva CTS:

• Que cidadãos busca-se formar por meio das propostas CTS?

• Pretende-se formar cidadãos do modelo capitalista atual ao ponto de


consumir cada vez mais, sem se considerar os reflexos desse consumo sobre
o ambiente e sobre a qualidade de vida da população?

Essas perguntas podem contribuir tanto para a seleção de temas e


conteúdos a serem abordados ao logo do processo, como auxiliam na escolha de
metodologias e materiais a serem utilizados.

Ensinar Biologia a partir dessa visão significa discutir concepções de


cidadania, modelo de sociedade, de desenvolvimento tecnológico, sempre tendo
em vista a situação socioeconômica e cultural do nosso país.

Referências
BAZZO, W. A.; LINSINGEN, I. V; PEREIRA, L. T. V. (Eds.). Introdução aos
estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Madrid: OEI, 2003.

DELIZOICOV, D. Ensino de física e a concepção freiriana de educação. Revista


de Ensino de Física, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 85-98, dez. 1983.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

LINSINGEN, I. Perspectiva educacional CTS: aspectos de um campo em


consolidação na América Latina. Ciência & Ensino. Campinas: UNICAMP,
número especial, 2007.
40
Capítulo 2 As Relações da Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS)
no Ensino de Ciências Biológicas

KOEPSEL, R. CTS no ensino médio: aproximando a escola da sociedade.


2003. 131 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Florianópolis, SC, 2003.

McKAVANAGH, C., MAHER, M. Challenges to science education and the STS


response. The Australian Science Teachers Journal, v. 28, n. 2, p.69-73, 1982.

SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Uma análise de pressupostos teóricos da


abordagem CTS (Ciência – Tecnologia – Sociedade) no contexto da educação
brasileira. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências. v. 2, n. 2, p.1-23, dez.
2000.

SCHMALL, A. V. Vestígios CTS no discurso dos licenciandos em Ciências


na UFSC. 130 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica,
Florianópolis, 2009.

41
C APÍTULO 3
Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender as principais etapas que constituem o trabalho pedagógico,


bem como a importância da avaliação desse processo.

33 Estruturar planejamentos de ensino e planos de aula voltados para o


ensino de Ciências Biológicas.

33 Selecionar conteúdos concernentes ao ensino de Biologia e utilizar


estratégias de organização desses conceitos.
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

Contextualização
Nos primeiros capítulos desse Caderno de Estudos abordamos os principais
conceitos da didática das Ciências Biológicas e refletimos a respeito da sua
origem. Também analisamos as relações presentes entre a ciência, a tecnologia
e a sociedade e a importância de se ensinar Biologia a partir de intervenções
pedagógicas que incluam as questões de CTS.

Nesse capítulo iremos estabelecer uma discussão a respeito das principais


etapas que constituem o trabalho pedagógico e compreender a necessidade de
possuir planejamentos de ensino e planos de aula bem estruturados, assim como,
exercitaremos a seleção de conteúdos concernentes ao ensino de Biologia e
utilizando estratégias de organização desses conceitos.

Ensinar exige um conjunto de saberes pedagógicos que são essenciais para


o exercício da profissão docente. Alguns desses saberes são a estruturação do
planejamento escolar e a avaliação, tanto dos sujeitos como dos processos da
prática educativa.

Em 2008 o governo de Pernambuco anunciou, em jornais


de ampla circulação, contratações temporárias de bacharéis para
exercerem funções de professores. “A novidade desta nova seleção
é que os candidatos com formação em bacharelado também poderão
concorrer.” (JC ONLINE, 2008). Essa proposta do governo gerou
uma grande repercussão nos grupos de estudiosos da educação. A
principal crítica é que esta ação, além de desvalorizar os profissionais
com licenciatura, demonstra descaso com o ensino, já que não existe
uma preocupação sobre como será o processo educativo.

Qual é a sua opinião sobre a contratação de bacharéis como


professores?

Muitas vezes, ao se pensar na atuação dos professores na escola,


associamos o seu trabalho com os momentos em que o educador encontra-
se em sala aula com os seus alunos. No entanto, este momento é apenas um
dos inúmeros outros que fazem parte do trabalho educativo. Entre eles estão o
planejamento e a avaliação escolar.

45
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Papel e Estruturação do
Planejamento Pedagógico
O planejamento escolar é processo, discussão, reflexão, negociação e
produção de significados. É espaço e momento de diálogo entre os saberes dos
professores e dos estudantes, de problematização, de traçar as possibilidades de
ensino e aprendizagem.
O planejamento
é um meio de É uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das atividades
se programar as didáticas em termos de sua organização e coordenação
ações docentes, em face dos objetivos propostos, quanto a sua revisão e
mas é também adequação do processo de ensino. O planejamento é um
um momento de meio de se programar as ações docentes, mas é também
um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à
pesquisa e reflexão
intimamente ligado reflexão. (LIBÂNEO, 1994, p. 221).
à reflexão.
Segundo este mesmo autor (idem), entre as inúmeras funções do
planejamento escolar estão as de:

• explicitar princípios, diretrizes e procedimentos de trabalho docente que


assegurem a articulação entre as tarefas da escola e as exigências do
contexto social e do processo de participação democrática;

• assegurar a racionalização, organização e coordenação do trabalho educativo;

• prever objetivos, conteúdos e métodos a partir da consideração das exigências


postas pela realidade social;

• facilitar a preparação das aulas: selecionar material didático em tempo hábil,


saber que tarefas professor e aluno devem executar, replanejar o trabalho
frente às novas situações que aparecem no decorrer das aulas.

Planejar o ensino é uma prática pedagógica cultural, social e política.


Dessa forma, o planejamento é uma reflexão das nossas opções e ações. Se
não pensarmos sobre o caminho que queremos dar ao nosso trabalho, ficaremos
entregues aos rumos estabelecidos pelos interesses dominantes da sociedade.

Existem basicamente três níveis de planejamento: o plano da escola, o plano


de ensino e o plano de aula.

46
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

a) O Plano da Escola
No plano de escola
encontramos
É o planejamento pedagógico e administrativo da unidade a concepção
escolar. Nele encontramos a concepção pedagógica do corpo pedagógica do
corpo docente,
docente, as bases teórico-metodológicas da organização didática, a
as bases teórico-
contextualização da escola, a caracterização da clientela, os objetivos metodológicas
educacionais gerais, a estrutura curricular, as diretrizes metodológicas da organização
gerais, o sistema de avaliação do plano e a estrutura organizacional e didática, a
contextualização
administrativa (LIBÂNEO, 1994). da escola, a
caracterização
da clientela,
os objetivos
educacionais
Não confunda Plano Escolar com Projeto Político- gerais, a estrutura
Pedagógico. Enquanto o primeiro termo se refere a uma proposta curricular,
geral, que orienta as ações de todos os segmentos da escola, as diretrizes
metodológicas
o Projeto Político-Pedagógico refere-se, especificamente,
gerais, o sistema
aos conteúdos, métodos e objetivos do processo de ensino- de avaliação do
aprendizagem. plano e a estrutura
organizacional
e administrativa
Oyafuso e Maia (1998, p. 65) consideram o Projeto (LIBÂNEO, 1994).
Político-Pedagógico como “o componente do Plano Escolar
que define o que ensinar e o que aprender”, tomando-o como “eixo
central do Plano Escolar, porque tem como objetivo principal o
processo de ensino-aprendizagem”. Para as autoras, a identidade da
escola revela-se no Plano Escolar. Dessa forma, o Projeto Político-
Pedagógico faz parte do Plano Escolar.

Este plano é base para o planejamento do processo educativo e é de extrema


necessidade que os professores conheçam o conteúdo, tanto para a orientação
do seu trabalho, quanto para garantir a unidade teórico-metodológica da escola. É
um documento resultante do trabalho coletivo, devendo ser discutido e consensual
por todo o corpo docente.

Estrutura do Plano Escolar

1. Identificação
2. Fins e objetivos
3. Autorização de funcionamento
4. Alunos e comunidade
5. Organização administrativa e técnica
6. Organização pedagógica

47
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

7. Corpo docente
8. Organização física
9. Conselhos escolares e de representação
10. Organização da vida escolar
11. Fins e objetivos dos cursos
12. Duração dos cursos e carga horária
13. Calendário escolar
14. Grade curricular
15. Organização e composição curriculares
16. Avaliação - verificação do rendimento escolar
17. Proposta pedagógica

b) O Plano de Ensino

O Plano de Ensino é um roteiro organizado das unidades didáticas,


O Plano de Ensino que pode ser para um ano, um semestre, um trimestre ou bimestre.
é um roteiro
organizado das Ele orienta a prática e dá uma espécie de norte, mas não restringe as
unidades didáticas, possibilidades e perspectivas dessa prática. O plano deve fornecer
que pode ser para coerência e consistência, admitindo as diferenças, novos rumos e
um ano, olhares. As chances de se desenvolver e de mediar boas aulas com
um semestre,
bons planos de ensino são maiores.
um trimestre
ou bimestre.
Nos momentos de planejamento construímos e negociamos
significados e os sentidos do que seja ensinar e aprender, de conhecimento e
conteúdo, de sujeitos (da educação, da escola, do currículo). Ao produzirmos os
nossos planos de ensino, refletimos sobre as aprendizagens, tornando este um
espaço de tensões positivas e construtivas, e um jogo de forças e relações de
poder. Ele também expressa as concepções que temos sobre cultura, ciência,
sexualidade, gênero, ética, religião, política, estética e tantos outros temas que
são explícitos ou não, de um jeito ou de outro (SANTOS; CHIQUITO; 2009).

E por tudo isso, o Plano de Ensino produz pessoas, tipos e modos


de ser sujeito, estudante e professor. Produz posições sociais e
É preciso que culturais, assumidas por professores e estudantes. Os sujeitos
os professores podem ser cidadãos, responsáveis, autônomos, flexíveis, solidários,
construam pontes
entre o significado comunicadores, éticos, livres... Depende dos sujeitos que queremos.
do conteúdo Dessa forma, o que precisa ser feito para formar esses tipos de alunos?
curricular e aquele O que faremos com esses sujeitos e como estes podem agir nos e
compreendido pelo com os nossos planos? Essas reflexões necessitam ser pensadas ao
aluno.
planejarmos os nossos objetivos e estratégias de ensino.

48
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

Dentro dessa perspectiva é importante que o professor conheça os saberes


dos estudantes e suas culturas, para que este educador possa elaborar objetivos
de ensino que potencializem o conhecimento dos estudantes e mediar outras
construções, para ampliar o perfil conceitual dos sujeitos. Para isso é preciso que os
professores construam pontes entre o significado do conteúdo curricular e aquele
compreendido pelo aluno. Também é necessário que os professores tenham uma
compreensão profunda, flexível e aberta do conteúdo, ou seja, que estejam atentos
para as dificuldades mais prováveis dos alunos perante os conceitos.

O Plano de Ensino pode ser considerado como um texto curricular, porque


produz e disciplina os significados, autoriza certos grupos e certas concepções,
desautorizando outros, dá valor e visibilidade a certas concepções e não a outras,
fabrica os saberes de uma determinada área de conhecimento, constitui e institui
o real que lhe serve de referência, inventa a escola e os sujeitos, suas ações
e suas práticas culturais, gera textos e discursos como aulas e instrumentos
de avaliação, relaciona-se ao movimento da indústria cultural (livros didáticos,
paradidáticos, recursos audiovisuais). (SANTOS; CHIQUITO; 2009).

Por isso, quando se entende por currículo as relações entre conteúdo


ensinado, as formas e possibilidades de ensinar e aprender e as identidades
que se criam nessa relação, baseado num contexto histórico e social, pode-se
concluir que o Plano de Ensino é um texto curricular, já que estas questões então
presentes na sua escrita.

Quando se fala de Plano de Ensino, podemos encontrar diferentes


layouts para a sua estrutura. Mas não é o layout que define a qualidade de um
planejamento. Ele deve apresentar os elementos necessários para que alcance
as funções almejadas para ele, já descritas anteriormente.

A seguir iremos propor uma estrutura de Plano de Ensino que representa


uma mescla de diferentes propostas. A sugestão é fruto de algumas experiências
como professora, da autora deste Caderno de Estudos.

Elementos que constituem um Plano de Ensino:

1 - Objetivo da escola: é o objetivo mais amplo, referente às intenções da escola


e que estão presentes no Projeto Político-Pedagógico da instituição. Como já
foi abordado, é de extrema importância que esse objetivo esteja claro para o
professor, para que a sua proposta pedagógica esteja em consonância com a
proposta escolar. Isto possibilita que se tenha uma mesma linha de atuação
do corpo docente.

2 - Justificativa da disciplina: este tópico deve responder à seguinte pergunta:

49
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

qual a importância e o papel da disciplina na formação do aluno? Esta questão


pode ser respondida levando-se em conta as funções sociais que possuem os
saberes abordados pela matéria.

3 - Objetivos didáticos: estes objetivos expressam o que o estudante poderá e


deverá fazer ao final de um determinado período didático. Dessa forma, este
campo não se refere à ação do professor, mas está centralizado no aluno. Os
objetivos não devem expressar apenas “o que ensinar”, mas devem também
contemplar as questões “como ensinar?” e “por que ensinar?”. Esta forma de
elaborar os objetivos possibilita contextualizar o ensino e a aprendizagem do
aluno (SANTOS; CHIQUITO; 2009).

4 - Conteúdos: Neste tópico são selecionados os conteúdos a serem


discutidos com os alunos. Também é importante lembrar, como coloca
Libâneo (1994), que os conteúdos não são constituídos apenas pelos
conceitos e temas referentes àquela disciplina, mas também as habilidades,
atitudes e convicções.

5- Indicadores de aprendizagem: este é um tópico que apenas recentemente


vem ocupando espaço nos planos de ensino, mas que assume uma enorme
importância nos processos de ensino e aprendizagem. Os indicadores de
aprendizagem são instrumentos que possibilitam aos professores refletir sobre
a sua prática. Eles são as respostas para a pergunta: como sei se o meu
estudante aprendeu? Dessa forma, eles representam sinais que demonstram
ao professor se houve, ou não, aprendizagem. Este instrumental assume um
papel central no processo avaliativo e deve ser pensado de uma forma que
visualize se houve alcance dos objetivos didáticos.

6 - Ações didáticas: são as expressões do trabalho docente. É o campo


de saberes, práticas e culturas que são produzidos na relação professor –
conhecimentos – estudantes.

As ações didáticas expressam as metodologias de ensino adotadas pelo


professor no processo de ensino e aprendizagem e expressam o que se entende
por ensinar e aprender. Elas podem ser consideradas um roteiro inicial de trabalho.
Mas esta organização inicial não é estanque, pode ser regulada e alterada.
Novos elementos, conteúdos e atividades podem ser incorporados. Depende
do movimento de avaliação processual das aprendizagens e das construções
geradas ao longo dos encaminhamentos pelos estudantes.

Para preparar esse item do plano, o professor deverá buscar responder às


seguintes questões:
50
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

• Que atividades os alunos deverão desenvolver para compreender esses


conteúdos?

• De que maneira o professor irá medir as atividades dos alunos e se os


mesmos alcançaram os objetivos de aprendizagem?

Como explica Libâneo (1994), a primeira tarefa é verificar os objetivos e os


conceitos a serem ensinados, pois eles determinarão os métodos e procedimentos
a serem aplicados, bem como os recursos de ensino. Em seguida devem ser
descritas as ações discentes e docentes correspondentes a cada passo da
sequência de uma aula ou de um conjunto de aulas.

Neste espaço não se deve esquecer de incluir as estratégias avaliativas


que irão analisar os indicadores anteriormente descritos. A avaliação também
faz parte do processo de ensino e aprendizagem e deve ser considerada uma
ação didática.

Atividade de Estudos:

1) Elabore um Plano de Ensino bimestral, destinado ao segundo ano


do Ensino Médio de uma escola localizada em uma comunidade
pesqueira, instalada em uma região próxima a um manguezal.
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O Plano de Aula é
um detalhamento
do Plano de Ensino.
c) O Plano de Aula O que foi previsto
em linhas gerais no
O Plano de Aula é um detalhamento do Plano de Ensino. O que Plano de Ensino é
foi previsto em linhas gerais no Plano de Ensino é agora especificado agora especificado
e sistematizado.
e sistematizado.

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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Para a sua elaboração é importante considerar que dificilmente se completa


em apenas uma aula o conjunto de saberes a serem desenvolvidos pelos
estudantes. Isto porque o processo de ensino e aprendizagem é constituído
por diversos momentos, como, por exemplo: o levantamento das concepções
alternativas dos alunos a respeito do tema, as atividades que irão gerar a
problematização dos temas, as discussões a serem realizadas durante o processo
de entendimento dos alunos, a sistematização desses saberes pelos educandos,
aplicação dos conteúdos e avaliação. Isso significa que é necessário planejar não
apenas uma aula, mas um conjunto de aulas.

Para a elaboração do Plano de Aula o professor deverá considerar as


propostas descritas no Plano de Ensino, assim como os seus objetivos. Também é
de extrema relevância considerar que cada novo tópico é continuação do anterior.

Dessa forma, durante a preparação do Plano de Aula, busque detalhar


todos os tópicos já descritos anteriormente no Plano de Ensino. Lembre que
este instrumental é indispensável para que se possa desenvolver aulas que
possibilitem aos alunos a aprendizagem a que eles têm direito como cidadãos.

Atividade de Estudos:

1) Temas relacionados com Engenharia Genética estão presentes


constantemente em inúmeros espaços da mídia, assim como no
cotidiano dos alunos. Assuntos como organismos geneticamente
modificados, alimentos transgênicos e armas biológicas
necessitam de abordagem na escola, assim como os conceitos
genéticos necessários para compreender o que são e as
consequências que podem gerar para a sociedade.

Prepare um Plano de Aula para uma turma de alunos do 3º ano do


Ensino Médio, que aborde esse assunto. Lembre da estrutura e das
orientações fornecidas neste capítulo sobre Plano de Aula.
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Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

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2) Analise o seguinte Plano de Aula, disponibilizado pela revista


Nova Escola, e reflita sobre as alterações didáticas que você
realizaria nesse planejamento:

Tema:

O SISTEMA CIRCULATÓRIO E A OCORRÊNCIA DE INFARTOS

Objetivos

Relacionar conceitos básicos do sistema circulatório com a ocorrência


de um infarto do miocárdio.

Conteúdos:

Sistema circulatório, infarto.

Introdução

Uma revista de grande circulação trouxe uma reportagem sobre o


aumento do risco de infartos cardíacos durante a Copa do Mundo
devido às grandes emoções dos torcedores. Aproveite essa
oportunidade para tratar com a turma o assunto, apresentando
conceitos do sistema circulatório.

Desenvolvimento

1ª aula

Comece relembrando com a turma alguns conceitos básicos. O


nosso corpo é composto por inúmeras células, que precisam de
nutrientes e de oxigênio para viver. Sabemos, por exemplo, que,

53
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

quando inspiramos o ar ao nosso redor, ele viaja até os pulmões. Mas


como o oxigênio aí contido pode chegar até às células dos nossos
músculos, do nosso sistema nervoso e de outras partes do corpo?

Espere um pouco para que a turma responda e, em seguida, conclua


que há um sistema de transporte de substâncias responsável pela
circulação de materiais que chegam até às células e que saem
destas – é o chamado sistema circulatório, que inclui os vasos
sanguíneos (artérias, veias e capilares), dentro dos quais corre o
sangue. Ele carrega consigo essas substâncias, levando-as até cada
parte do corpo onde são necessárias. Mas para que o sangue flua
pelos vasos é necessária uma bomba que o impulsione. Tal bomba
é o coração. Fica fácil então ver porque o coração é um órgão tão
importante: sem ele o sangue não circula pelo corpo; sem circulação
de sangue, diversas substâncias, como o oxigênio, não chegam até
às células; sem oxigênio as células morrem; e se as células morrem,
o organismo morre.

Peça aos alunos que apalpem delicadamente a região interna do


pulso, próximo ao tendão. Eles devem encontrar a pulsação. Diga
que cada vez que o coração bate o sangue é bombeado pelo corpo,
o que faz com que os vasos sanguíneos se dilatem e se contraiam,
de acordo com o fluxo de sangue que passa por eles. Por isso, cada
pulsação indica uma batida do coração. Explique que essa é uma
forma de medirmos nosso batimento cardíaco: contamos as pulsações
pelo período de um minuto. Podemos também fazer aproximações,
contando as pulsações por 15 segundos e multiplicando por 4, ou
contando por 10 segundos e multiplicando por 6. Peça para que os
alunos experimentem, tentando descobrir o seu batimento cardíaco.

Explique, então, que o nosso coração é dividido em quatro câmaras:


dois átrios (esquerdo e direito) e dois ventrículos (idem). O átrio
direito recebe o sangue vindo de diversas partes do corpo. Este
se comunica com o ventrículo direito, que expulsa esse sangue do
coração em direção aos pulmões, onde capta o oxigênio que nós
inspiramos. O sangue então retorna ao coração, desta vez entrando
pelo átrio esquerdo e seguindo para o ventrículo esquerdo, a partir
de onde o sangue é bombeado para o resto do corpo, levando o
oxigênio até às células e retornando ao coração para reiniciar o ciclo.

Pergunte aos alunos que tipo de tecido deve compor a parede do


coração para que ele possa bombear o sangue. Explique que a
parede cardíaca é muscular e que é por meio das contrações deste

54
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

tecido que o coração desempenha sua função de bomba. Diga que


a parede do coração, sendo muscular, também é viva e composta
de células como o resto do nosso corpo e, portanto, também precisa
ser irrigada de sangue para receber substâncias essenciais como o
oxigênio e nutrientes. De fato, ela é vascularizada, isto é, ela recebe
vasos sanguíneos que garantem o aporte de sangue para este tecido.

O que será que acontece, então, se por qualquer motivo essa


irrigação for impedida? Imaginemos o caso do entupimento de um
vaso sanguíneo: o fluxo sanguíneo é obstruído, de forma que a
porção do tecido muscular que receberia aquele sangue passa a
sofrer as consequências da carência de oxigênio. O resultado é a
morte celular. A isto damos o nome de infarto do miocárdio. Não é
preciso dizer que, não raro, um infarto pode levar à morte.

Distribua cópias da matéria de VEJA – Aguenta, Coração! – e peça


para que os alunos leiam para a próxima aula.

2ª aula

Explique aos alunos o que é a adrenalina: trata-se de um hormônio


que, em outros animais, é liberado normalmente em circunstâncias
de estresse, como uma luta ou uma fuga de um predador, por
exemplo. Ele tem a função de preparar o corpo para uma atividade
intensa, aumentando o batimento cardíaco – o que aumenta o aporte
de oxigênio para os músculos que serão requisitados na atividade
– e provocando a contração dos vasos sanguíneos. No caso do
ser humano, no entanto, o mesmo fenômeno fisiológico pode ser
desencadeado por situações não relacionadas a luta ou fuga, como,
por exemplo, por fortes emoções. Como nos lembra VEJA, acabamos
de entrar numa época de fortes emoções para grande parte dos
brasileiros: a Copa do Mundo.

Pergunte então como a descarga de adrenalina poderia contribuir


para a ocorrência de um infarto cardíaco, como aponta a pesquisa
da matéria. Explique que a constrição dos vasos facilita seu
entupimento, e que o ritmo acelerado do coração demanda um aporte
maior de oxigênio na parede cardíaca. Este quadro, que em pessoas
saudáveis não deve representar problemas, pode levar a um infarto
em pessoas que já possuam outras complicações relacionadas ao
coração. Convém, então, um lembrete àqueles que têm ou conhecem
alguém com problemas cardíacos, de redobrar a atenção em época
de jogos da Copa.

55
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Avaliação

Peça para que os alunos, individualmente ou em grupos, escolham


um dos outros fatores de risco para o coração relacionados na
reportagem (hipertensão, obesidade, etc.) e que façam um pequeno
trabalho explicando por que esses fatores oferecem risco. Verifique
se eles foram capazes de relacionar corretamente os conceitos
trabalhados em aula e os fatores de risco, oferecendo uma
explicação coerente.

Fonte: NOVA ESCOLA. O sistema circulatório e a ocorrência de infartos.


Revista Nova Escola. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/ensino-
medio/sistema-circulatorio-infarto-569541.shtml>. Acesso em: 10 ago. 2010.

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Um Importante Momento: a Seleção


Conteúdos de
de Conteúdos
ensino é o conjunto
de conhecimentos, Um dos momentos mais importantes da organização do trabalho
habilidades, pedagógico é a seleção de conteúdos. Na Biologia, assim como em
hábitos, modos outras ciências, a escolha dos conteúdos é uma tarefa difícil, quando
valorativos e pensamos na imensidão de temas que constituem essa área.
atitudinais de
atuação social,
organizados Além disso, é muito comum considerar como sinônimo de conteúdo
pedagogicamente o termo conceito. No entanto, como nos explica Libâneo (1994, p. 128),
e didaticamente, o significado de conteúdo é muito mais abrangente:
tendo em vista a
assimilação ativa Conteúdos de ensino é o conjunto de conhecimentos,
e aplicação pelos habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação
alunos na sua social, organizados pedagogicamente e didaticamente, tendo
prática de vida. em vista a assimilação ativa e aplicação pelos alunos na sua
prática de vida. Englobam, portanto: conceitos, ideias, fatos,

56
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

processos, princípios, leis científicas, regras, habilidades


cognoscitivas, modos de atividades, métodos de compreensão
e aplicação, hábitos de estudos, de trabalho e de convivência
social; valores, convicções e atitudes.

Dessa forma, podemos incluir em nosso planejamento de ensino conteúdos


com uma perspectiva relacionamental, como atitudes e valores. Ao considerar
estas questões como conteúdos, também devemos incluir indicadores que
possam avaliá-los ao longo do processo.

A escolha dos conteúdos é uma tarefa, em última instância, do professor.


É ele quem conhece os seus alunos, as suas características culturais, sociais e
econômicas e pode preparar esses sujeitos para as atividades práticas da vida.
Uma das formas de optar pelos conteúdos a serem abordados é respondendo às
seguintes perguntas:

• Que conteúdos os alunos deverão adquirir a fim de se tornarem preparados e


aptos para enfrentar as exigências da vida social, o exercício da cidadania, a
criação e o usufruto da cultura e da arte, a produção de novos conhecimentos
de acordo com o interesse de classe, as relações da ciência e da tecnologia
e da sociedade, as lutas pela melhoria das condições de vida e de trabalho?

• Que métodos são necessários para viabilizar o processo de ensino e


aprendizagem de modo que os alunos adquiram métodos próprios de
pensamento e ação?

Essas questões podem contribuir bastante quando pensamos que o currículo de


ensino de Biologia é grande, ao considerarmos a pequena carga horária normalmente
reservada para a disciplina (duas a três aulas por semana).

Além disso, os programas oficiais que atuam como diretrizes de orientação


geral para a estruturação do currículo também podem contribuir nesse processo
de seleção de conteúdo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam
a respeito dos conteúdos que constituem os currículos, além de guiarem os
procedimentos metodológicos a serem adotados pelos educadores. Mas é
importante que esses documentos sejam avaliados criticamente, confrontando
com a nossa visão de mundo e do processo pedagógico.

Para conhecer os programas oficiais, consulte os sites do Ministério


da Educação e da Secretaria de Educação do seu Estado.

http://portal.mec.gov.br/index

57
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Outro critério de seleção de conteúdo é a experiência de vida dos alunos e


as necessidades postas pelas tarefas profissionais, sociais, políticas e culturais
da sociedade. Quais conteúdos são importantes para que os alunos possam
participar da prática social? Quais conteúdos são importantes para que eles
possam dialogar com a ciência e com a tecnologia e assim realizar as suas
escolhas de uma forma consciente? Quais conteúdos são importantes para que os
sujeitos compreendam o bombardeio de notícias que abordam temas biológicos,
e possam opinar e se relacionar com esses conceitos?

Além disso, é importante considerar que, para uma melhor compreensão dos
conceitos biológicos, devem relacionar-se com conhecimentos de outras disciplinas
e com outras áreas de conhecimento, priorizando o desenvolvimento de conceitos
cientificamente produzidos e proporcionando reflexão a respeito das mudanças
constantes de tais conteúdos, em decorrência de descobertas emergentes.

Para finalizar essa discussão, listo algumas reflexões que devem ser
realizadas durante essa difícil tarefa de selecionar os conteúdos a serem
desenvolvidos na proposta curricular. Tenha o cuidado de optar por conteúdos que:

• procuram resgatar contextos de vivência e existência dos estudantes;

• permitem discutir e examinar impactos de ciência e tecnologia na sociedade,


envolvendo as dimensões ética, estética, política, social, econômica e
ambiental;

• estabelecem possibilidades de tratamento de conceitos considerados


estruturadores para os conteúdos biológicos, que compõem a área de
Ciências;

• propiciam o estabelecimento de relações importantes e significativas entre os


conceitos envolvidos;

• propiciam, com alguma frequência, múltiplos olhares para uma mesma


realidade, a partir das contribuições da disciplina.

A Avaliação do Processo de Ensino-


Aprendizagem
A avaliação do processo de ensino-aprendizagem deve ser uma atividade
constante ao longo do trabalho pedagógico.
58
Capítulo 3 Organização, Planejamento e
Avaliação do Trabalho Pedagógico

Quando falamos em avaliação, é comum sempre voltarmos essa


preocupação à aprendizagem dos alunos, e esquecemos que o processo também
deve ser analisado e questionado, para o alcance do sucesso desejado.

No quinto capítulo desse Caderno de Estudos iremos nos aprofundar mais a


respeito da avaliação no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, finalizo
esse capítulo colocando a necessidade de avaliar a organização e a estruturação
do trabalho pedagógico. Essa etapa nos permite modificar as nossas estratégias,
planejamentos e métodos, dando mais qualidade ao nosso trabalho.

Alguns questionamentos – como: “foi possível alcançar os


Ao considerarmos
objetivos de aprendizagem?”, “os alunos foram participativos ou
a avaliação como
meros espectadores do processo?”, “foi possível desenvolver todas um processo,
as atividades planejadas?”, “o que poderia mudar nessa prática para automaticamente
se obter com mais sucesso o alcance dos objetivos de ensino?” – realizaremos
contribuem para a regulação do processo. um diálogo
ininterrupto entre
professor e aluno,
Além disso, ao considerarmos a avaliação como um processo,
conhecimentos
automaticamente realizaremos um diálogo ininterrupto entre professor prévios,
e aluno, conhecimentos prévios, aprendizagem, ensino, metodologia, aprendizagem,
provas, tarefas, determinando que uma ação didática planejada para ensino, metodologia,
o depois relaciona-se com uma observação anterior e com uma provas, tarefas,
mediação do presente (SANDI; CHIQUITO, 2009). determinando
que uma ação
didática planejada
Uma das tarefas que contribuem muito para a avaliação do para o depois
trabalho pedagógico são os registros reflexivos realizados pelos relaciona-se com
professores. Elaborar registros depois das aulas possibilita questionar uma observação
sobre os acontecimentos dos momentos de ensino e identificar anterior e com uma
as conquistas dos alunos e os conteúdos que ainda precisam ser mediação
do presente.
mais bem discutidos. O saldo da avaliação serve de base para o
planejamento de ações futuras.

O site da revista Nova Escola traz o artigo “Escrita profissional:


a importância dos registros feitos pelos professores”, que enumera
as diversas formas de registro que podem ser utilizadas pelos
professores. Vale a pela conferir!

http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/
planejamento/escrita-profissional-427279.shtml

59
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Algumas Considerações
Para encerrar este capítulo é relevante colocar que todo e qualquer
profissional deve ter em sua prática docente o ato de pesquisar, elaborar e refletir.
Quem planeja tem atitude crítica diante do seu próprio trabalho. O educador,
quando é crítico, questiona sobre as diversas situações que surgem diariamente
na escola, prevendo ações que possam proporcionar as mudanças e melhorias
necessárias para se obter sucesso nos processos de ensino e aprendizagem.

Referências
JC ON-LINE. Estado abre 404 vagas para professor temporário. JC Online,
Recife, 15 abr. 2008. Disponível em: <http://jc.uol.com.br/>. Acesso em: 11 ago.
2010.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

OYAFUSO, A.; MAIA, E. Plano Escolar. Caminho para autonomia. São Paulo:
CTE, 1998.

SANDI, F. A.; CHIQUITO, R. S. Projeto para avaliação e planejamento. Coleção


Currículo em Movimento. São Paulo: FTD, 2009.

60
C APÍTULO 4
Metodologias de Ensino de Ciências
Biológicas

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer as diferentes possibilidades metodológicas de ensino de Ciências


Biológicas.

33 Perceber como a relação professor-aluno interfere no processo de ensino


e aprendizagem.

33 Selecionar as metodologias relevantes para o alcance dos objetivos de


ensino.
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

Contextualização
Quando pensamos sobre o ensino de Biologia, as primeiras questões que
surgem são: o que ensinar e como ensinar? Antes de responder a essas questões
deve-se ter em mente que os estudantes possuem diferentes formas de aprender
e se relacionar com o conteúdo. Krasilchik (2005) explica que existem quatro
níveis de alfabetização biológica:

1º) Nominal: quando o estudante reconhece os termos, mas não sabe seu
significado biológico.

2º) Funcional: quando os termos memorizados são definidos corretamente, sem


que os estudantes compreendam seu significado.

3º) Estrutural: quando os estudantes são capazes de explicar adequadamente,


com suas próprias palavras e baseando-se em experiências pessoais, os
conceitos biológicos.

4º) Multidimensional: quando os estudantes aplicam o conhecimento e


habilidades adquiridas, relacionando-as com o conhecimento de outras áreas,
para resolver problemas reais.

O quarto nível é aquele que deve ser atingido pelos estudantes que concluírem
o Ensino Médio. Eles deverão compreender os conceitos básicos da biologia e
estar aptos a desenvolver o seu pensamento de forma independente, aplicando
seu conhecimento em seu cotidiano e atuando na resolução de problemas.

No entanto, para que se alcance este nível de alfabetização biológica se faz


necessário rever as metodologias de ensino que comumente são utilizadas na escola.

Na disciplina de Biologia o conhecimento científico se estrutura de uma forma


sistemática, em que predomina o nível descritivo. Frequentemente, os conteúdos
são abordados de forma desvinculada da realidade, assim como dos aspectos
históricos e das questões sociais, possibilitando aos alunos apenas a memorização
dos conteúdos. Os estudantes assumem o papel de meros ouvintes, com ausência
da interatividade. Diante dessa situação, as metodologias de ensino precisam ser
revistas, de uma forma que gerem uma maior participação dos estudantes, já que
a forma pela qual o professor ensina, o domínio do conhecimento e a relação
deste com os educandos são decisivos no processo de ensino-aprendizagem.

Vygotsky (2000) diz que os conceitos científicos não são assimilados,


decorados, memorizados, eles surgem e se constituem por meio de uma imensa
tensão de toda a atividade do próprio pensamento. A formação dos conceitos
63
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

científicos apenas começa no momento em que se assimila pela primeira vez um


significado novo. Este significado novo age como veículo do conceito científico.
Pode-se dizer que a assimilação dos conceitos científicos se baseia igualmente
nos conceitos elaborados no processo da própria experiência do sujeito.

Com isso, as experiências de vida dos estudantes devem estar presentes ao


longo do processo educativo, permitindo que sejam feitas relações entre situações
vividas por eles com os conhecimentos científicos abordados. Infelizmente, as
relações nem sempre são feitas em sala de aula, gerando inúmeras críticas ao
ensino científico.

Delizoicov e Angotti (2000) apontam a forte crítica que o ensino das Ciências
Naturais sofre por seu excessivo distanciamento dos fenômenos e das situações
que constituem o universo dos alunos. Mas o autor também coloca que existe,
atualmente, uma maior preocupação de se trabalhar os mesmos conteúdos de
ensino de uma forma vinculada ao cotidiano do aluno. Além disso, no Ensino
Médio é possível uma efetiva aproximação dos modelos e das abstrações contidas
no conhecimento científico e sua aplicação em situações reais.

Nesse capítulo serão discutidas algumas metodologias e questões que


devem ser levadas em consideração para que se possibilite uma aproximação
do conhecimento científico com a vida dos educandos, gerando um alcance do
quarto nível de alfabetização biológica.

A Relação Professor-Aluno
As relações que existem em sala de aula são inúmeras: aluno x conteúdo,
aluno x aluno, conteúdo x professor e professor x aluno. A forma como essas
relações são estabelecidas em sala de aula é de extrema relevância ao longo do
processo de ensino e aprendizagem.

A interação entre professor e alunos possibilita mediar todas as outras


relações citadas anteriormente. Professor e educandos são indivíduos ativos em
constante interação e a sua relação tem como essência o trabalho realizado em
sala de aula e fora dela, considerando o contexto individual de cada um, suas
diferenças e conflitos próprios e com a sociedade. Essa relação é o resultado
de uma história de outras interações que serão compartilhadas na sala de aula,
contribuindo para a formação de cidadãos críticos, produtivos e competentes.

Libâneo (1996) destaca dois aspectos da relação aluno-professor: o cognoscitivo


e o socioemocional. O aspecto cognoscitivo é o processo que transcorre no ato de

64
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

ensinar e aprender. Nesse sentido, ao ministrar aulas o professor sempre tem em


vista tarefas cognoscitivas propostas para os alunos: objetivos de aula, conteúdos,
problemas e exercícios. Os alunos, por sua vez, dispõem de um grau determinado
de potencialidades conforme o nível de desenvolvimento, idade, experiências de
vida e conhecimentos já aprendidos.

Já os aspectos socioemocionais se referem aos vínculos afetivos entre


professor e aluno, como também as regras que possibilitam os encaminhamentos
e um relacionamento respeitoso entre todos os sujeitos (LIBÂNEO, 1996).

No entanto, não é possível desvincular os aspectos cognoscitivos dos


emocionais. Todas as questões convivem juntas em sala de aula e a postura do
professor diante dessas inúmeras situações será o instrumento de mediação
dessa vivência:

Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que


serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio,
mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações
com os alunos [...]. A afetividade não se acha excluída da
cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é
que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu
dever de professor no exercício de minha autoridade. Não
posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno
ao maior ou menor bem-querer que tenha por ele. (FREIRE,
1996, p.159-160).

Dessa forma, o professor será um mediador do processo de


Um educador
ensino-aprendizagem. Um educador mediador é aquele que não mediador é
se considera um detentor absoluto do saber, mas alguém que irá aquele que não
colaborar com o educando na construção do conhecimento. Dessa se considera um
forma, sua metodologia de trabalho coloca o aluno como sujeito do detentor absoluto do
processo educativo, interagindo e participando ativamente das aulas. saber, mas alguém
que irá colaborar
com o educando
As relações entre educador e educando devem ser mediadas pelo na construção do
diálogo. Dialogar significa se relacionar com o outro, sem ostentação e conhecimento.
sem preconceitos. É a possibilidade de compreensão do pensamento
do outro.

E o que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B.


Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do
amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por
isso, só o diálogo comunica. (FREIRE, 2005, p.115).

O que se pretende com o diálogo não é que o educando


reconstitua todos os passos dados até hoje na elaboração
do saber científico [e técnico]. Não é que o educando faça
adivinhações ou que se entretenha num jogo puramente

65
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

intelectualista de palavras vazias. O que se pretende com


o diálogo, em qualquer hipótese, é a problematização do
próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a
realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide
para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la.
(FREIRE, 1992, p. 52).

Através do diálogo o professor irá mediar as discussões do processo


educativo, trazendo para esses momentos questões ou situações que irão gerar
um conflito cognitivo nos alunos, que farão com que os educandos busquem
novos elementos para compreender e atuar criticamente em sua vida cotidiana.

A Experimentação no Ensino de
Biologia
A experimentação, na perspectiva construtivista, fornece ao professor
ferramentas para constatar e problematizar o conhecimento prévio dos alunos,
suas atitudes e métodos, o que poderá auxiliá-lo na condução de sua prática
pedagógica.

As aulas práticas apresentam importância fundamental no ensino de Biologia,


pois permitem aos educandos o contato direto com os fenômenos, manuseio de
equipamentos e observação de organismos. Com a utilização das aulas práticas
é fornecida aos educandos a possibilidade de enfrentarem resultados imprevistos,
oportunizando-lhes desafiar sua imaginação e raciocínio.

Sobre a experimentação no ensino das ciências apresentamos dez motivos para


a realização de atividades na escola:

1. estimular a observação acurada e o registro cuidadoso dos


dados;
2. promover métodos de pensamento científico simples e de
senso comum;
3. desenvolver habilidades manipulativas;
4. treinar em resolução de problemas;
5. adaptar as exigências das escolas;
6. esclarecer a teoria e promover a sua compreensão;
7. verificar fatos e princípios estudados anteriormente;
8. vivenciar o processo de encontrar fatos por meio da
investigação, chegando a seus princípios;
9. motivar e manter o interesse na matéria;
10. tornar os fenômenos mais reais por meio da experiência.
(HODSON, 1998 apud GALIAZZI et all, 2001, p. 252).

A origem do trabalho experimental nas escolas foi, há mais de 100 anos,


66
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

influenciada pelo trabalho experimental que era desenvolvido nas universidades.


Tinha por objetivo melhorar a aprendizagem do conteúdo científico, porque
os alunos aprendiam os conteúdos, mas não sabiam aplicá-los. Passado todo
esse tempo, o problema continua presente no ensino de Ciências (IZQUIERDO;
SANMARTÍ; ESPINET, 1999).

Isto indica que o ensino experimental e seus resultados não são a resposta
para todo e qualquer problema que se tenha no ensino de Ciências. Esta
questão está relacionada com a forma como essa atividade será mediada pelo
professor. Destaco mais uma vez que o estudante deverá ser um sujeito ativo na
construção do conhecimento científico e não um mero espectador. Além disso,
muitas vezes o professor busca reproduzir as experiências realizadas pelos
cientistas, seguindo todas as etapas do método científico, e, como já foi discutido
no primeiro capítulo, o método científico pode não ser o melhor caminho para que
se construa a aprendizagem.

A maneira de propor o problema e as orientações fornecidas pelo professor


aos seus estudantes determinará o envolvimento destes no decorrer da aula.
Existem várias propostas de encaminhamento de aulas práticas. Geralmente,
elas seguem critérios que permitem variar o grau de liberdade concedida aos
estudantes, para seu desenvolvimento.

No primeiro nível, o tipo mais diretivo, o professor oferece um


problema, dá instruções para sua execução e apresenta os
resultados esperados; no segundo nível os alunos recebem
o problema e as instruções sobre como proceder; no terceiro
nível é proposto apenas o problema, cabendo aos alunos
escolher o procedimento, coletar dados e interpretá-los; e
no quarto nível, os alunos devem identificar algum problema
que desejam investigar, planejar o experimento, executá-lo e
chegar até às interpretações dos resultados (KRASILCHIK,
2005, p. 86).

Os objetivos normalmente apontados pelos professores para


as atividades experimentais vêm sendo duramente criticados. Uma
dessas críticas é com relação à ênfase em formar cientistas. Um
percentual pequeno dos estudantes segue carreiras científicas,
portanto não se justifica fazer atividades experimentais para formar
cientista. Outras justificativas estão relacionadas com a conquista
de habilidades, como a observação e aprender a registrar dados.
Entretanto, essas são as aprendizagens mais importantes para
formar um cidadão?

Deve-se refletir também sobre a ênfase dada ao desenvolvimento


67
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

de habilidades manipulativas. Será necessário, na educação básica,


aprender a pesar considerando os algarismos significativos, a ler
corretamente o volume em uma bureta, a pipetar usando o dedo
indicador? (GALIAZZI et al., 2001).

Qual é a sua opinião sobre a experimentação no Ensino


Médio?

Em complementação aos argumentos apresentados na polêmica anterior,


os autores (GALIAZZI et al., 2001) colocam que as atividades experimentais
deveriam desenvolver atitudes e destrezas cognitivas de alto nível intelectual
e não destrezas manuais ou técnicas instrumentais. Concordo com os autores
que a experimentação contribui mais com o aprendizado e funciona como um
elemento problematizador e não como uma ferramenta de estímulo de registros
ou atividades manuais.

Desta forma, a experimentação assume um importante papel no ensino


de Ciências e deve estar inserida na organização do processo de ensino-
aprendizagem, através da “Metodologia da Mediação Dialética”, composta de
quatro etapas ou momentos pedagógicos (ARNONI, 2003). As etapas representam
o esforço teórico de compreensão das partes que se articulam no ato de ensinar,
com o propósito de gerar aprendizagem. As etapas da referida metodologia são
descritas, resumidamente, a seguir:

1º) Resgatando: fazer aflorar as representações do sujeito, em relação ao


conteúdo em estudo. Neste contexto, o sujeito entra em contato com o objeto
de estudo, registra suas interpretações e explicita o campo de significação
em relação ao assunto trabalhado. As elaborações geradas nessa etapa
caracterizam aspectos do saber imediato, considerado como ponto de partida
do processo de ensino.

2º) Problematizando: questionar o saber imediato (resgatando), na perspectiva


do saber mediato pretendido (saber científico), explicitando-se a contradição
entre ambos, visando: “provocar a superação do imediato no mediato e
possibilitar a elaboração de sínteses pelo aluno (problematizando)”.

3º) Sistematizando: trabalhar aspectos do saber científico, provocando a


superação do imediato no mediato, propiciando ao aluno a elaboração de
novas sínteses.

4º) Produzindo: expressar a síntese do trabalho educativo, o saber aprendido.

68
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

Essa síntese representa o ponto de chegada do trabalho educativo,


possivelmente, com maior grau de complexidade que as representações
inicialmente apresentadas (resgatando). É o ponto de chegada provisório que
se torna, imediatamente, em um novo ponto de partida, e o ciclo não se fecha,
pois o ponto de chegada (produzindo) tem propriedades diferentes do ponto
de partida (resgatando) e, por permanecer aberto, cria possibilidade para que
novos ciclos se iniciem, na perspectiva da mediação dialética.

Dentro dessa metodologia a experimentação está inserida entre os momentos


de resgate das concepções dos estudantes sobre o tema investigado e também
de problematização, já que pode gerar um conflito cognitivo, dando abertura para
a construção de novos sentidos sobre o tema.

Leia o artigo “Objetivos das atividades experimentais no


Ensino Médio: a pesquisa coletiva como modo de formação de
professores de Ciências”, dos autores Maria do Carmo Galiazzi,
Jusseli Maria de Barros Rocha, Luiz Carlos Schmitz, Moacir Langoni
de Souza, Sérgio Giesta e Fábio Peres Gonçalves. Ele oferece
um interessante aprofundamento do tema e irá contribuir para a
discussão sobre experimentação no ensino de Biologia.

http://www2.fc.unesp.br/cienciaeeducacao/viewissue.php?id=22

O Cotidiano do Aluno no Processo


de Ensino-Aprendizagem
Ao se pensar o ensino de Biologia numa perspectiva transformadora, um
dos caminhos que possibilita a formação de cidadania é trabalhar situações
pertencentes ao cotidiano, de modo que, conhecendo-o, o indivíduo
pudesse debatê-lo e modificá-lo. Quando o processo
educativo parte do
cotidiano do aluno, o
Quando o processo educativo parte do cotidiano do aluno, o conhecimento deixa
conhecimento deixa de ser um conteúdo a ser memorizado e passa a de ser um conteúdo
fazer sentido na vida do estudante. Dessa forma, o sujeito consegue a ser memorizado
fazer outras relações e aplicá-lo na resolução de problemas. e passa a fazer
sentido na vida
do estudante.
Além disso, quando o professor traz para a aula questões do

69
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

cotidiano dos alunos, abre uma oportunidade para que se possa apresentar aos
alunos os possíveis aspectos relacionados a ciência – tecnologia – sociedade.
Muitos dos temas explicitam relações CTS e, ao promover essa reflexão com os
alunos, além de permitir uma compreensão crítica da realidade, viabiliza um olhar
mais apurado sobre a ciência e a tecnologia nas suas vidas.

O Uso das Concepções Alternativas


no Ensino de Biologia
Os dois grandes teóricos Piaget e Ausubel são considerados precursores
do Movimento das Concepções Alternativas (MCA). Embora precursores,
possuem alguns pontos comuns e outros divergentes. Ambos defendem que é
o sujeito, com suas ações, que irá determinar a organização e estruturação de
seu conhecimento. O sujeito é parte ativa do processo de desenvolvimento da
estrutura que irá determinar a organização e estruturação de seu conhecimento e
é parte ativa do processo de desenvolvimento da estrutura cognitiva. Ele é parte
atuante e essencial no processo de construção do conhecimento. Portanto, deve-
se considerar sua visão acerca do mundo, pois é ele o alvo de interesse neste
processo. Sem sua participação efetiva, a construção dos conceitos não ocorre;
portanto, não ocorre aprendizagem, somente transmissão de conhecimentos que
se apresentam desvinculados da realidade. (OLIVEIRA, 2005).

As concepções acerca do mundo são construídas pelos alunos a partir do


seu nascimento e o acompanham também em sala de aula, onde os conceitos
científicos são inseridos sistematicamente no processo de ensino e aprendizagem.
Essas concepções são caracterizadas por carregarem uma grande conotação
simplista como forma de explicar os fenômenos ou preceitos científicos e foram
elaboradas de forma e com a interação desses alunos com o meio ambiente em
que vivem e com as outras pessoas. Para o autor, a utilização das concepções
alternativas em sala de aula visa organizar e dar sentido às diversas situações de
ensino e conteúdos a serem ministrados.

Para Mortimer (1996), o ensino efetivo em sala de aula depende também


de um elemento facilitador representado pelo professor. Neste caso, o professor
propicia aos alunos situações sobre o conteúdo que possam utilizar em suas
concepções alternativas.

Para se ensinar a partir das concepções alternativas dos alunos se


desenvolve uma estratégia, na qual as concepções dos alunos são analisadas por
meio de uma situação-problema perturbadora, com o intuito de fazer com que os
alunos busquem, em suas concepções alternativas, respostas para tal problema.

70
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

Além disso, esta situação também motiva o professor a buscar estratégias


alternativas que estejam baseadas na realidade dos alunos.

Os professores devem considerar as concepções alternativas apresentadas


pelos alunos como ponto de partida para a aquisição de novos conceitos. Este
fato permite um maior incentivo na caminhada conjunta entre teoria e prática.

Ao desenvolver uma atividade que aborde uma situação-problema, com o


intuito de evidenciar as concepções alternativas dos alunos, deve-se seguir cinco
passos (COLL et al., 1998 apud OLIVEIRA, p. 241):

1 - O aluno deve confrontar-se com esta situação-problema


de forma surpreendente ou inesperada, tornando-se
perturbadora;
2 - Mediante a situação proposta, os alunos deverão observar
e identificar as variáveis implícitas na situação-problema;
3 - O aluno deverá testar ou experimentar este problema
proposto;
4 - Os alunos deverão organizar e interpretar as ideias
resultantes da exposição do problema;
5 - Com a compreensão da atividade proposta (situação-
problema), o aluno deverá refletir sobre a estratégia de
resolução por ele adotada e sobre os resultados obtidos.

No entanto, nem todas as atividades de ensino passam por esses cinco


passos, pois dependem da idade e da estrutura cognitiva do aluno. As dificuldades
apresentadas pela aprendizagem por descoberta estão relacionadas com o grau
de complexidade do conteúdo. (COLL et al., 1998).

O artigo de Eduardo Fleury Mortimer, “Construtivismo, mudança


conceitual e ensino de ciências: para onde vamos?”, fornece
alguns subsídios teóricos para a compreensão desses conceitos.

http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/N1/2artigo.htm

A História da Ciência no Ensino de


Biologia
Diversas pesquisas vêm mostrando a importância de incluir a história da
ciência no ensino científico. Segundo os estudiosos, trabalhar com a história da

71
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

ciência no processo educativo proporciona uma maior compreensão da natureza


do conhecimento científico; um melhor entendimento dos conceitos e teorias;
um entendimento dos obstáculos e possíveis dificuldades dos alunos; e uma
concepção das ciências como empresa coletiva e histórica e o entendimento das
relações com a tecnologia, a cultura e a sociedade. (CARNEIRO; GASTAL, 2005).

Acredita-se que a história e a filosofia das Ciências podem apresentar


algumas respostas à crise mundial da educação científica:

Podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses


pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem
tornar as aulas de Ciências mais desafiadoras e reflexivas,
permitindo, desse modo, o desenvolvimento do pensamento
crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral
de matéria científica, isto é, podem contribuir para a superação
do “mar de falta de significação” que se diz ter inundado as
salas de aula de Ciências, onde fórmulas e equações são
recitadas sem que muitos cheguem a saber o que significam;
podem melhorar a formação de professores, auxiliando o
desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica
e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão da
estrutura das ciências, bem como do espaço que ocupam no
sistema intelectual das coisas. (MATTHEWS, 1995, p. 178).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto do Ensino Fundamental como


do Ensino Médio, colocam que a dimensão histórica pode ser introduzida nas
séries iniciais na forma de história dos ambientes e invenções. Também é possível
o professor versar sobre a história das ideias científicas, que passa a ser abordada
mais profundamente nas séries finais do Ensino Fundamental.

Nos PCNs do Ensino Médio, os autores destacam que elementos da história


e da filosofia da Biologia tornam possível aos alunos a compreensão de que
há uma ampla rede de relações entre a produção científica e o contexto social,
econômico e político.

A apresentação destes aspectos pode ser útil, por


contribuir para dar ao aluno uma visão mais realista e
inteligível da ciência. Poderá ajudar a modificar as ideias
extraordinariamente irreais, fantásticas e antagônicas que,
segundo vários estudos demonstram, muitas pessoas fazem
da ciência e dos cientistas. Por isso, sempre que possível,
a narrativa do inquérito, os exercícios e outros materiais
descrevem a investigação em termos de pessoas, lugares e
incidentes que nela estão envolvidos. (CARNEIRO; GASTAL,
2005, p. 35).

As mesmas autoras também explicam que trabalhar com esta abordagem


histórica no ensino de Biologia não significa demonstrar uma filiação contínua
72
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

na construção do conhecimento, pois as teorias atuais não são necessariamente


decorrentes das anteriores. Uma abordagem histórica deveria estar centrada nas
rupturas epistemológicas. Apesar da epistemologia e da concepção de história
contemporânea já terem demonstrado que a produção do conhecimento científico
não é linear, os livros didáticos e os livros universitários conservam até hoje
este tipo de abordagem histórica. Ao se eliminar da história os problemas que
enfrentaram os pesquisadores da época, os obstáculos encontrados, as falsas
pistas seguidas e as controvérsias que existiram, se estará seguindo o programa
positivista de educação científica.

Além disso, a história da ciência também pode ser utilizada ao longo do


processo de ampliação do perfil conceitual dos estudantes, já que inúmeras
concepções dos alunos a respeito de diversos conceitos científicos eram as
mesmas dos cientistas dos séculos passados. Assim, algumas formas de
superação dos obstáculos epistemológicos utilizadas pelos cientistas também
podem ser aplicadas nas aulas de Biologia.

A tese da pesquisadora Suzani Cassiani, “Leitura e


fotossíntese: proposta de ensino numa abordagem cultural”, traz
algumas contribuições da inclusão da história da ciência no ensino a
respeito da fotossíntese.

http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000197598

A Leitura e a Escrita no Ensino de


Ciências
Atualmente vem se discutindo as contribuições do ensino de Ciências na
formação do leitor/autor. A leitura e a escrita são atividades amplamente utilizadas
no ensino de Ciências e têm merecido atenção de pesquisadores do ensino de
Ciências.

Nas aulas de Ciências é comum observarmos estudantes escrevendo o que


o professor dita ou anotando o que ele escreve no quadro. Outras vezes, a escrita
consiste no fornecimento de respostas a questionários que exigem a reprodução
de um texto-base ou o preenchimento de lacunas em exercícios propostos para
“reforçar” o conteúdo. Também ocorrem solicitações para que os estudantes façam

73
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

narrativas cujos temas frequentemente são bastante delimitados e requerem


formas bastante impessoais de escrever (CASSIANI; ALMEIDA, 2005).

No entanto, é comum os estudantes utilizarem a escrita e a leitura em outros


momentos para demonstrar um maior interesse e motivação, quando
As autoras Cassiani comparamos com o seu empenho durante as aulas de Ciências. Esta
e Almeida (2005) diferença está relacionada com a forma como essas atividades são
apresentam a concebidas na escola.
escrita como
possibilidade de
As autoras Cassiani e Almeida (2005), ao discutirem as possibilidades
expressão do
pensamento dos da escrita no ensino de Ciências, apresentam a escrita como possibilidade
alunos, sem a de expressão do pensamento dos alunos, sem a restringir apenas como
restringir apenas atividade que pode contribuir para a formação de conceitos científicos.
como atividade A escrita, proporcionada de uma maneira mais lúdica e informal, como
que pode contribuir a escrita de cartas, diários de bordo, histórias de ficção científica, entre
para a formação
outras, torna a atividade mais prazerosa, além de contribuir para que os
de conceitos
educandos assumam a função de autoria, e não apenas repitam conceitos
científicos.
sem que construam sentidos sobre estes saberes.

O Estudo do Meio e Outras Saídas


O estudo do meio é um componente do processo de ensino pelo qual o
conteúdo é estudado no seu relacionamento com atos sociais a ele conexos.

É um instrumento metodológico que leva ao aluno o conjunto


significativo que é o próprio meio físico e social. É um momento que permite
a contextualização dos conteúdos, e a sua aplicação na solução de problemas
que constituem o ambiente.

De acordo com Libâneo (1996), para a realização de um estudo do meio é


importante que se organize as seguintes etapas:

• Planejamento: na sala de aula o professor fará, em conjunto com os alunos,


um levantamento prévio dos fatos sociais, culturais, históricos, biológicos,
entre outros, que envolvem o tema de estudo. Partindo desse levantamento,
são feitas questões que deverão ser observadas e respondidas durante a
saída. É importante que o objetivo dessa atividade esteja bem claro para todos
os envolvidos. Nesse momento, também é organizada parte operacional da
atividade (autorizações, transporte, etc.).

• Execução: é a saída de campo. Além da observação podem ser realizadas


entrevistas, coleta de dados, fotografias, coleta de material biológico...
74
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

• Exploração dos resultados e avaliação: é o produto da pesquisa. Pode ser


um relatório, um artigo, um painel, um seminário, um debate. É o momento em
que professor deverá também sistematizar os conteúdos estudados, a partir
dos resultados da saída de estudos.

A Utilização de Recursos Midiáticos


no Ensino de Ciências Biológicas
Os autores Guimarães e Cassiani (2008) chamam a atenção para os
momentos em que as pessoas assistem a um programa de televisão, escutam
músicas ou leem revistas e livros. Estes momentos também são pedagógicos,
também ensinam algo daquilo que elas pensam ser, algo do mundo em que
vivem, algo, também, das questões, muitas delas, relativas à ciência. E, desta
forma, estes momentos atuam na instituição daquilo que elas são e daquilo que
compreendem do mundo.

A mídia apresenta uma dimensão pedagógica ao nos ensinar números e


aspectos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Em outras palavras, também
aprendemos sobre biologia lendo artefatos midiáticos. (GUIMARÃES;
CASSIANI, 2008).

Por isso, os educadores precisam rever suas práticas pedagógicas, com


o objetivo de conhecer os recursos da mídia que poderão ser utilizados para
favorecer sua comunicação e a aprendizagem com o educando. As discussões
encaminhadas a partir de certo conteúdo devem permitir interpretações, pois os
produtos midiáticos utilizados caracterizam-se como obras e, portanto, peças
culturais impregnadas de conceitos e intenções de seus autores.

O uso dos recursos tecnológicos, principalmente a internet, no âmbito


educacional, exige reflexões, principalmente sobre o impacto das tecnologias
da informação e comunicação na sociedade e sua influência no processo de
ensino-aprendizagem. Tecnologia e conhecimento integram-se para produzir
novos conhecimentos que permitam compreender problemas atuais, desenvolver
projetos alternativos e construir a cidadania.

A comunicação mediada pelo computador pode expandir as fronteiras


da escola, possibilitando a comunicação entre educandos, professores e
outros sujeitos. Porém, o uso do computador na sala de aula passa a ter
sentido apenas quando o professor o considera uma ferramenta de auxílio e
motivação à sua prática pedagógica, um instrumento renovador do processo
de ensino-aprendizagem.
75
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Diante de todas essas questões, é de grande importância que as mídias


sejam utilizadas nas aulas de Biologia, mas de uma forma crítica. Devem ser
discutidos em quais sentidos os produtos midiáticos analisados durante a aula
são transmitidos? Eles geram algum preconceito ou estereótipos? Abordam quais
conceitos? Qual é a importância desses conceitos em nossas vidas? Essa mídia
carrega interesses? Quais?

O Ensino de Biologia Através da


Pedagogia de Projetos
A Pedagogia de Projetos é uma mudança de postura pedagógica
fundamentada na concepção de que a aprendizagem ocorre a partir da resolução
de situações didáticas significativas para o aluno, aproximando-o o máximo
possível do seu contexto social, através do desenvolvimento do senso crítico, da
pesquisa e da resolução de problemas.

A Pedagogia de Projetos surgiu com influência da Escola Nova. A ideia era e


ainda é trabalhar com projetos que valorizem a pesquisa e o cotidiano do aluno.
É uma concepção filosófica que deve estar contemplada na Proposta Político-
Pedagógica da escola. A operacionalização dessa concepção ocorrerá por meio
de um projeto específico e com respostas precisas a algumas questões, como,
por exemplo: por que esse projeto? Qual a sua finalidade? Qual o seu objetivo?
Como o objetivo será executado?

Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de


renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na
América e no Brasil, na primeira metade do século XX. Os primeiros
grandes inspiradores da Escola Nova foram o escritor Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) e os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-
1827) e Friedrich Fröebel (1782-1852). Enquanto na América foi o
filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952).

Já no Brasil, as ideias da Escola Nova foram introduzidas em


1882 por Rui Barbosa (1849-1923). No século XX, vários educadores
se destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Podemos mencionar
Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), nomes
importantes de nossa história pedagógica.

Inspirados nas ideias político-filosóficas de igualdade entre os

76
Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

homens e do direito de todos à educação, esses intelectuais viam


num sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o único meio
efetivo de combate às desigualdades sociais da nação.

O movimento ganhou força na década de 1930, após a


divulgação do Manifesto da Escola Nova (1932). Nesse documento
defendia-se a universalização da escola pública, laica e gratuita.

Essa metodologia valoriza a participação do educando e do educador no


processo de ensino-aprendizagem, tornando-os responsáveis pela elaboração e
desenvolvimento de cada projeto de trabalho. Portanto, a escola e as práticas
educativas fazem parte de um sistema de concepções e valores culturais que
fazem com que determinadas propostas tenham êxito quando se ‘conectam’ com
alguma das necessidades sociais e educativas (HERNANDEZ, 1998).

Dentre os objetivos da pedagogia de projetos estão:

• Possibilitar a interação do aluno no processo de construção do conhecimento.

• Viabilizar a aprendizagem real, significativa, ativa e interessante.

• Trabalhar o conteúdo conceitual de forma procedimental e atitudinal.

• Proporcionar ao aluno uma visão globalizada da realidade e um desejo


contínuo de aprendizagem.

Segundo Hernández (1998), os projetos não podem ser considerados como


um modelo pronto e acabado ou como metodologia didática, ou separados de
sua dimensão política. Trabalhar com projetos significa dar sentido ao processo
do aprender e do ensinar. Eles devem estar voltados para uma ação concreta,
partindo da necessidade dos alunos de resolver problemas da sua realidade,
para uma prática social que pode ser adaptada ao contexto escolar através
de exposições, maquetes, músicas, danças, trabalhos artísticos, artesanatos,
passeios, dentre outros.

O trabalho com projetos também se caracteriza pela possibilidade de


propiciar uma frequente execução de tarefas por todos os alunos como sujeitos
ativos dentro do processo de construção, execução e avaliação do projeto.

No ensino de Biologia essa proposta é uma forma de trabalhar os conceitos


de uma forma contextualizada, em que o aluno se torna sujeito ativo do processo
de ensino-aprendizagem.
77
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Hansen (2006), ao investigar sobre o uso da metodologia baseada nos


Projetos de Trabalho, concluiu que ela proporciona o desenvolvimento da
compreensão de que a ciência ajuda a interpretar o mundo que nos cerca, mas,
principalmente, possibilita o desenvolvimento de algumas habilidades, tais como:
argumentar, relacionar, identificar, decidir e apresentar.

A dissertação de Michele Facin Hansen, “Projeto de trabalho


e ensino de ciências: uma relação entre conhecimentos
e situações cotidianas”, investigou a respeito do uso dessa
metodologia no ensino de Ciências e traz subsídios, teóricos e
práticos, que podem contribuir com aqueles que pretendem trabalhar
dentro dessa perspectiva.

http://www.ppgect.ufsc.br/disse.htm

Atividade de Estudos:

1) Atualmente, as relações professor-aluno vêm sendo discutidas no


processo educativo. Quais aspectos constituem essa relação? O
que significa ser um professor mediador?
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2) A experimentação no ensino de Biologia é muito incentivada e


valorizada por uma grande parte dos estudiosos do ensino de
Ciências. Quais as vantagens e os limites dessa metodologia?
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Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

3) Escolha um livro didático de Biologia e observe como a história


da ciência é expressa. A ciência é apresentada de forma linear?
Os modelos explicativos dos cientistas e a forma como foram
refutados são discutidos?
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4) De que forma podemos utilizar o cotidiano dos estudantes nas


aulas de Biologia? Por que fazê-lo?
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5) Investigue algumas concepções alternativas relacionadas com


temas biológicos que comumente são apresentadas por alunos e
proponha questões ou atividades que possam gerar um conflito
cognitivo nos sujeitos.
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Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

6) Planeje uma saída de campo, para realizar um estudo do


meio. Qual o ambiente a ser visitado? Quais os objetivos a
serem buscados nessa atividade? Como seria a elaboração
das questões a serem investigadas? Que materiais você levaria
para os seus alunos se prepararem para a saída? Como seria a
sistematização e avaliação dessa proposta?
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7) Proponha formas de escrita e de leitura que possam contribuir


para o ensino de Biologia.
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8) Escolha um artefato midiático e o apresente. Investigue o que ele


ensina de Ciências Biológicas e realize uma proposta para utilizá-
lo em uma aula de Biologia.
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Capítulo 4 Metodologias de Ensino
de Ciências Biológicas

9) Como a pedagogia de projetos pode contribuir para o ensino


de Biologia?
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Algumas Considerações
Nesse capítulo foram apresentadas diversas metodologias e questões
a serem consideradas nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências
Biológicas. Para ensinar não existe uma receita pronta. Tudo depende dos sujeitos
envolvidos, da realidade, da localidade, da estrutura da escola, das necessidades
dos alunos, da história e cultura dos educadores e educandos, além de muitos
outros fatores. O importante é que o professor busque conhecer os educandos e
reflita a respeito de como ensinar para formar cidadãos críticos e autônomos. A
partir daí, escolha os seus objetivos, conteúdos e estratégias. Busque apoio nos
referenciais teóricos e elabore um bom planejamento. Comece e reflita sobre a
sua prática, buscando melhorar sempre.

Referências
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In: Congresso Internacional: Pedagogia 2003 – Encontro por la unidad de los
educadores. Havana, Cuba, 2003.

CARNEIRO M. H.; GASTAL, M. História e filosofia das ciências no ensino de


biologia. Ciência & Educação. Bauru: UNESP, v. 11, n. 1, p. 33-39, 2005.

CASSIANI, S.; ALMEIDA, M. J. P. M. Escrita no Ensino de Ciências: autores do


ensino fundamental. Ciência e Educação. Bauru: UNESP, v. 11, n. 3, 2005.
81
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

COLL, C. et al. Os conteúdos na reforma. Porto Alegre: Artes médicas, 1998.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Metodologia do Ensino de Ciências. São


Paulo: Cortez, 2000.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GALIAZZI, M. C et al. Objetivos das atividades experimentais no Ensino Médio: a


pesquisa coletiva como modo de formação de professores de Ciências. Ciência
& Educação. Bauru: UNESP, v. 7, n. 2, p.249-263, 2001.

GUIMARÃES, L. B.; CASSIANI, S. Tópicos especiais em Educação e Biologia.


Florianópolis: UFSC, 2008.

HERNANDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

IZQUIERDO, M; SANMARTÍ, N; ESPINET, M. Fundamentación y diseño de las


prácticas escolares de ciencias experimentales. Enseñanza de las Ciencias,
Barcelona: UAB, v. 17, n. 1, p. 45-60, 1999.

KRASILCHIK, M. Práticas de Ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: Editora da


Universidade de São Paulo, 2005.

MATTHEWS, M. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de


reaproximação. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 12, n.3, p. 164-214,
1995.

MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: para


onde vamos? Revista Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre:
UFRGS, v. 1 n. 1, p. 20-39, 1996.

OLIVEIRA, S. S. Concepções alternativas e ensino de biologia: como utilizar


estratégias diferenciadas na formação inicial de licenciados. Revista Educar,
Curitiba: Editora UFPR, n. 26, p. 233-250, 2005.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

82
C APÍTULO 5
A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Entender a avaliação como momento constituinte e obrigatório do processo


educativo.

33 Estruturar indicadores de aprendizagem nas diferentes avaliações.

33 Empregar diferentes estratégias avaliativas, considerando os objetivos e


conteúdos a serem avaliados.
Capítulo 5 A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

Contextualização
Todos nós já fomos avaliados na escola e/ou avaliamos alguém. Provas,
trabalhos, seminários, relatórios, pesquisas, atividades... Qual é o sentido de tudo
isso? Por que avaliar? O que avaliar? Devemos considerar apenas os conceitos?
E como devemos avaliar? Quais instrumentais podem ser utilizados?

Nesse capítulo iremos discutir sobre o papel da avaliação no processo de


ensino-aprendizagem e como fomentá-la na disciplina de Biologia.

Por que Avaliar?

Quando o assunto é avaliação, é comum surgirem frases como “registrar


os resultados”, “verificar o nível de conhecimento” ou “ver se os alunos
compreenderam ou não o conteúdo ensinado”. Essas expressões denunciam
o entendimento de avaliação como um momento pontual de verificação da
aprendizagem do aluno.

Ao atribuirmos à avaliação um significado de balanço da aprendizagem,


dando a ela um sentido somativo, o processo não é considerado como contínuo e
ininterrupto, mas apenas um momento do processo, separado dos demais. Dessa
forma, estamos investindo numa avaliação em que o resultado da aprendizagem
é considerado apenas no final do período de formação e não de uma forma em
que possa ocorrer a regulação contínua de todo o processo.

Se quisermos privilegiar o desenvolvimento do aluno, a regulação deve ser


contínua e não pontual, e essa continuidade é dada através de um levantamento
de informações. Nesse processo de diagnóstico devem ser consideradas as
perguntas feitas pelos alunos, as atividades desenvolvidas em sala, as correções
das tarefas, os trabalhos em equipes e outros trabalhos realizados em sala de
aula ou fora dela.

Regulação é a mediação promovida pelo professor. A avaliação


que tem como função a regulação tem como principal objetivo
identificar a origem das dificuldades dos alunos. Dessa forma, a
mediação não deve focalizar orientações de uma atividade, mas sim
o aprendizado do aluno.

85
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

O importante para a nossa atuação como educadores é, além de levantar


informações, analisá-las e saber como mobilizar saberes para enfrentar as
dificuldades no decorrer dos dias letivos. (SANDI; CHIQUITO, 2009).

Estes mesmos autores explicam que a avaliação processual se caracteriza


pela interação no decurso do processo de formação, por promover um diálogo
ininterrupto entre professor, aluno, conhecimentos prévios, aprendizagem, ensino,
conteúdo, metodologias, provas, tarefas, determinando que uma ação didática é
planejada para depois relacionar-se com uma observação anterior e
com uma mediação do presente.
Dessa forma,
diagnosticar se os
objetivos foram Uma avaliação aproxima os tempos em certo sentido, pois
atingidos no final não precisamos esperar um longo período de formação para colher
de um período informações e promover a mediação. Este é um processo que se recria
de formação não e se reinventa o tempo todo, por considerar aspectos das aprendizagens
é o suficiente. É
de ontem, de hoje e de amanhã.
necessário que
ocorra uma análise
do processo Nesse sentido, também podemos considerar a avaliação como
de ensino- uma prática diagnóstica. Ela é baseada em múltiplas informações,
aprendizagem coletadas durante todo o processo educativo, que possibilitam uma
durante toda regulação contínua das produções dos alunos, possibilitando assim
a formação do
uma mediação que esteja de acordo com as necessidades de cada um.
sujeito, para que se
possa organizar os
encaminhamentos Dessa forma, diagnosticar se os objetivos foram atingidos no
de forma que final de um período de formação não é o suficiente. É necessário
mediações de que ocorra uma análise do processo de ensino-aprendizagem
regulação sejam
durante toda a formação do sujeito, para que se possa organizar
realizadas em todos
os momentos. os encaminhamentos de forma que mediações de regulação sejam
realizadas em todos os momentos.

O que Avaliar?
Quando levantamos essa questão, devemos buscar a sua resposta em um
instrumento educacional, já discutido anteriormente no capítulo 3: o planejamento
escolar. Lá, além de selecionar os conteúdos a serem desenvolvidos, você
também traçou os objetivos e indicadores de aprendizagem que foram escolhidos
a partir da pergunta “como sei se o estudante aprendeu?”. Esta questão irá lhe
mostrar o que deverá ser observado, questionado, abordado e remediado ao
longo do processo.

Segundo Sandi e Chiquito (2009), os indicadores de aprendizagem expressam


86
Capítulo 5 A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

o domínio do conhecimento real, pois revelam o que o estudante já é capaz de


fazer com certa autonomia, e permitem a visualização da dinâmica, da mecânica do
objetivo didático, ou seja, do seu funcionamento e da sua extensão.

Por exemplo, se um dos conteúdos a serem desenvolvidos num determinado


momento é alimentação e saúde, alguns indicadores que podem demonstrar se
houve ou não aprendizagem são:

• A compreensão da organização e metabolismo celular como base do


metabolismo do corpo humano, demonstrada nos instrumentais avaliativos.

• Apropriação de uma alimentação equilibrada.

• Um maior consumo de frutas e verduras na escola.

• A não adoção de dietas de restrição nutricional sem o acompanhamento de


especialistas.

• Saber a composição nutricional dos alimentos e a importância dos tipos de


nutrientes na estruturação e funcionamento do organismo.

• Compreender os processos do sistema digestório, as diferentes etapas da


digestão, assim como o destino final dos nutrientes.

• Relacionar as disfunções geradas por uma alimentação não equilibrada.

Como você pode ter notado, alguns indicadores nem sempre serão observados
na escola, mas eles também constituem elementos que irão demonstrar as
aprendizagens dos sujeitos. Por isso, você também pode considerá-los.

É importante colocar que, ao se privilegiar apenas o ensino de


Através dos
conceitos, não se estará preparando os estudantes para um mundo indicadores de
em constantes mudanças, que controla e é controlado por diversas aprendizagem e
tecnologias e com inúmeras exigências de conhecimento e adaptação. dos objetivos é
Dessa forma, a avaliação deverá contemplar indicadores que possível mapear a
demonstrem se houve uma aprendizagem que vise esses aspectos. mediação favorecida
em sala de aula.
Os instrumentos,
Através dos indicadores de aprendizagem e dos objetivos as metodologias,
é possível mapear a mediação favorecida em sala de aula. Os os conteúdos,
instrumentos, as metodologias, os conteúdos, as relações, as as relações, as
concepções darão pistas de como a mediação ocorreu. concepções darão
pistas de como a
mediação ocorreu.
Também é necessário ressaltar que, ao se ensinar Biologia numa

87
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

perspectiva critica, o trabalho pedagógico percebe o processo cognitivo como


contínuo, inacabado, portanto, em construção. Assim, a avaliação abandona a
concepção de que o erro e a dúvida constituem obstáculos para o processo. Ao
contrário, os erros e as dúvidas dos alunos constituem importantes elementos
para avaliar o processo de mediação desencadeado pelo professor entre o
conhecimento e o aluno. A ação docente também estará sujeita a avaliação e
exigirá observação e investigação visando à melhoria da qualidade do ensino.

Para finalizar, antes de traçar os indicadores de avaliação a serem utilizados


no processo educativo, é importante compreender conteúdo como o conjunto de
conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação
social. Por isso, não apenas os conhecimentos científicos devem ser considerados
ao se pensar nos indicadores, mas sim todos esses elementos que também
constituem o currículo de ensino de Biologia.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais concernentes ao ensino


de Biologia colocam quais as habilidades e competências a serem
desenvolvidas na disciplina.

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf

Como Avaliar?
Quando os conteúdos são desenvolvidos, o professor deve adaptar os
procedimentos de avaliação do processo, acompanhando e valorizando todas
as atividades dos alunos, como os trabalhos individuais, os trabalhos coletivos, a
participação espontânea ou mediada pelo professor, o espírito de cooperação e,
mesmo, a pontualidade e a assiduidade.

As avaliações realizadas ao longo do processo, como provas, trabalhos


ou por outros instrumentos individuais ou em grupo, são essenciais para obter
um balanço periódico do aprendizado dos alunos, e também têm o sentido de
administrar sua progressão. Elas não substituem as outras modalidades contínuas
de avaliação, mas as complementam.

Independente do instrumental de avaliação utilizado, é importante constar


nesse material algumas informações:

• os objetivos bimestrais/trimestrais que estarão sendo avaliados.


88
Capítulo 5 A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

• os indicadores de aprendizagem, planejados para o bimestre ou outros próprios


dos conteúdos, ou aqueles considerados pelo professor como necessários.

Além dessas informações, um interessante instrumento que pode ser


incluído nas atividades avaliativas é a “Caixa de Diálogo” proposta por Sandi e
Chiquito, (2009). O objetivo dessa estratégia é informar o aluno e a sua família
sobre o processo de ensino-aprendizagem. Através dela se torna possível a
individualização do feedback.

Para a elaboração da caixa de diálogo deve-se apontar os indicadores de


aprendizagem que estão sendo considerados nessa avaliação. O professor irá
assinalar o que o aluno ainda precisa rever.

Por exemplo:

Colégio Preparação para a Vida

Disciplina: Biologia

Professor (a):______________________________________________________________
Data: ___/___/___ Ano: ________ Turma: _______________________________
Aluno: ________________________________________________________________­­­___

Objetivo: Compreender o funcionamento do sistema cardiovascular, associado aos outros siste-


mas, através de dinâmicas e discussões, para uma percepção da homeostase corporal.

Prezado aluno, alguns aspectos de sua aprendizagem, assinalados abaixo, ainda precisam ser
revistos:

1 - ( ) Associa o sistema circulatório com as suas respectivas funções.

2 - ( ) Entende o funcionamento deste sistema, compreendendo os processos fisiológicos que o


constituem.

3 - ( ) Compreende as doenças que atingem o sistema cardiovascular, associando com as suas


formas de prevenção.

4 - ( ) Identifica as relações desse sistema com os outros que formam o organismo.

Nota:________

Observação: _________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
89
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Este instrumental deixa claros os indicadores que estão sendo observados,


além de dialogar com o aluno o que deve ser estudado novamente. Dessa forma,
a avaliação se torna mais transparente, não sendo apenas diagnóstica, mas
também formativa, já que apresenta os avanços e as dificuldades que vão se
manifestando ao longo do processo.

Ao utilizar a prova como atividade avaliativa, procure tomar cuidado na


elaboração das questões, para que ela se torne mais interessante e atinja a sua
real intenção.

Lembre-se sempre de que as perguntas virão dos objetivos didáticos.


Se não desejamos somente verificar, mas também diagnosticar, com vistas a
potencializar o processo de aprendizagem, então a avaliação deve ser acima de
tudo informativa, tanto para o professor quanto para o aluno. Há perguntas que
ajudam a criar o que será avaliado: O que o aluno deverá saber sobre o que será
avaliado? O aluno compreendeu o quê? Se o aluno sabe fazer ou ser... o quê?

As questões de prova iniciadas por quantos, o que e quais exigem respostas


prontas, que tiram a capacidade de reflexão e autoria e, consequentemente, de
mobilização de conceitos. São perguntas que não incentivam o pensamento,
apenas incentivam e pedem a memorização de conceitos.

Figura 3 – A prova...

Fonte: Disponível em: <http://depositodocalvin.blogspot.com/>. Acesso em: 10 ago. 2010.

Dessa forma, busque utilizar em suas provas questões que problematizem


o conhecimento, possibilitando a reflexão, a construção de sentidos e o uso dos
conhecimentos e habilidades trabalhados no processo de ensino.

90
Capítulo 5 A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

Por exemplo:

A questão de uma forma menos reflexiva e que exige apenas a memorização


de conceitos:

Os alvéolos pulmonares realizam:

a- ( ) As trocas gasosas nos pulmões


b- ( ) O transporte de gases
c- ( ) Inspiração e a expiração
d- ( ) a produção de gás carbônico

Já uma questão que objetiva avaliar o mesmo conteúdo, porém de uma


forma mais problematizadora:

Leia o texto que segue:

O Enfisema pulmonar é uma doença crônica, na qual os alvéolos pulmonares


são gradualmente destruídos. Cerca de 10-15% dos fumantes mais suscetíveis
ao efeito nocivo do fumo é que desenvolvem a doença. À medida que vão
fumando, vão piorando a sua capacidade pulmonar. Os fumantes, na maioria das
vezes, passam a sentir as alterações causadas pela doença só após vários anos.
A principal característica da doença é a falta de ar. Na maioria das vezes, são
tabagistas de longa data, que, em torno dos 65 anos de idade, passam a sentir
falta de ar para fazer esforços. A falta de ar no início só é notada para os grandes
e médios esforços. Mantendo o hábito do fumo, poderão chegar a uma fase mais
avançada da doença, em que falta de ar surge com tarefas simples como tomar
banho, se vestir ou se pentear, por exemplo. Neste momento, muitos tornam-
se incapacitados para o trabalho e passam a maior parte do tempo na cama ou
sentados para não sentir falta de ar.

Fonte: Extraído e adaptado de: ABC da saúde. Enfisema Pulmonar. Disponível


em: < http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?179>. Acesso em: 10 ago. 2010.

Com relação à função dos ALVÉOLOS PULMONARES:

a- ( ) É onde acontece a troca gasosa do oxigênio pelo dióxido de carbono


(hematose) e estão localizados nos pulmões.

b- ( ) É onde ocorre a produção de energia das células e estão localizados


nos brônquios.

c- ( ) É onde o oxigênio entra, após ser liberado pelas hemácias, para

91
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

ser expelido através da expiração. Já o dióxido de carbono entra no


sangue para ser levado para as células. Os alvéolos estão localizados
nos pulmões.

d- ( ) É o pigmento encontrado na hemácia que transporta os gases


respiratórios.

Além das provas, trabalhos, atividades e outros mecanismos, é possível


desenvolver a autoavaliação. Esta é uma oportunidade para o estudante fazer
uma apreciação de seu comportamento, como também relatar suas dificuldades.
É por meio da autoavaliação que o aluno avalia o seu desempenho e analisa a
sua própria performance com base nos objetivos e indicadores. São questões que
podem ser usadas nos processos de autoavaliação:

• Como você realiza suas tarefas?



• Você fez estudos complementares em casa? Quais?

• Que dificuldades você teve durante o estudo da Unidade?
Dessa forma,

a avaliação
acontece durante • Quais indicadores e objetivos não foram alcançados? Por quê?
todo o período de
formação e devem- • O que você ainda não compreendeu do assunto estudado?
se considerar,
na mediação, as • Como você avalia as tarefas realizadas em sala?
diversas funções
da avaliação: Dessa forma, a avaliação acontece durante todo o período de
somativa,
formação e devem-se considerar, na mediação, as diversas funções
prognóstica,
da avaliação: somativa, prognóstica, diagnóstica, formativa. Ela é um
diagnóstica,
formativa. dispositivo didático que favorece a aprendizagem e deve ser planejada
com muito cuidado em nossos planos e planejamentos de ensino.

Esse assunto não se esgota nesse capítulo. São inúmeros os


estudos e pesquisas que vêm sendo realizados e que irão fortalecer
a nossa prática como educadores. Este artigo irá contribuir para uma
reflexão do ensino de Biologia.

• Avaliação, Ensino e Aprendizagem de Ciências, José Luis P.


B. Silva e Edilson Fortuna de Moradillo – Disponível em:

http://www.fae.ufmg.br/ensaio/v4_n1/4112.pdf

92
Capítulo 5 A Avaliação no Processo de Ensino e
Aprendizagem de Ciências Biológicas

Atividade de Estudos:

1) Faça uma reflexão a respeito do papel da avaliação no processo


de ensino e aprendizagem.

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2) Em dezembro de 2003 a questão abaixo foi divulgada no site


da Folha online, em uma reportagem que divulgava respostas
supostamente presentes em questões de vestibular.

De que forma a questão poderia ser reescrita para que se


tornasse mais problematizadora?
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93
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Algumas Considerações
Para encerrar esse capítulo, coloco que é por meio da concepção de
aprendizagem que as mediações e as avaliações são pensadas. Essas
concepções determinam todas as escolhas que se faz e como se faz. A forma
como concebemos a educação irá refletir em nossa prática. Por isso, busque
refletir sobre os sentidos da avaliação e dos papéis do aluno e do professor
durante esse processo.

Referência
SANDI, F. A; CHIQUITO, R. S. Projeto para avaliação e planejamento. Coleção
Currículo em Movimento. São Paulo: FTD, 2009.

94
C APÍTULO 6
Contribuições e Limitações
do Livro Didático no
Ensino de Biologia

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer as possíveis contribuições e limitações dos livros didáticos no


ensino de Ciências Biológicas.

33 Analisar e selecionar livros didáticos de Biologia.

33 Fazer uso de livros paradidáticos e literários no ensino de Biologia.


Capítulo 6 Contribuições e Limitações do
Livro Didático no Ensino de Biologia

Contextualização

Entre os artefatos mais utilizados nos processos educativos temos os livros


didáticos. Sabemos que o emprego desse material recebe diversas críticas,
sendo considerado por diversos estudiosos como um dos grandes problemas
da educação, já que muitas vezes é o principal instrumento utilizado pela grande
maioria dos professores, durante a preparação e realização das aulas.

Mas até que ponto o livro didático pode ser considerado uma ameaça para
a educação? Como ele pode ser utilizado sem que se torne uma armadilha
pedagógica? Conheça a sua história e reflita sobre como selecionar um livro
didático adequado. Esse “vilão da educação” pode assumir, sem culpas, o papel
de “mocinho”, caso seja bem manuseado.

O Programa Nacional do Livro


Didático
O uso do livro didático no ensino vem sendo amplamente
Todos os estados
discutido. Alguns pesquisadores da educação até mesmo propõem
adotaram os livros
o seu não uso pelos professores e alunos, para que se possa ter recomendados
melhorias na educação. pelo PNLD e erros
graves, que foram
No entanto, esse panorama vem sofrendo mudanças, desde apresentados em
1985, com a implementação do Programa Nacional do Livro Didático um artigo também
escrito por Bizzo em
(PNLD) através do Decreto-Lei nº. 91.542, em que as principais
1996, para a revista
características do programa de distribuição dos livros didáticos do Ciência Hoje, ainda
Brasil foram definidas. são encontrados em
edições atuais de
Como Bizzo (2000) explica, a compra e a distribuição de livros didáticos.
material didático realizadas pelo Ministério da Educação (MEC) até
1994 garantiam que as escolas recebessem livros escolhidos pelos próprios
professores. Mas nem sempre esses materiais eram adequados à ação educativa.

A partir de 1995, no bojo do PNLD 1997, o MEC tomava iniciativas para


orientar ações educativas em todo o país, buscando melhorias nos materiais
didáticos. Essas medidas visavam conferir maior eficácia ao processo de ensino-
aprendizagem, no sentido de melhorar o desempenho dos alunos em seus
estudos e fornecer alternativas de ação pedagógica ao professor, estabelecendo
referenciais de qualidade na educação.

97
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Em 1997, os professores de escolas públicas passaram a receber um guia


que contém resenhas dos livros didáticos inscritos pelas editoras e aprovados por
avaliação rigorosa baseada em critérios previamente estabelecidos pelo MEC.
Os professores podem escolher entre livros que não contêm erros conceituais,
metodologia de ensino deficiente, que não veiculam preconceitos de qualquer tipo
e que não colocam a integridade física de alunos e professor em risco.

No entanto, nem todos os estados adotaram os livros recomendados pelo


PNLD e erros graves, que foram apresentados em um artigo também escrito por
Bizzo em 1996, para a revista Ciência Hoje, ainda são encontrados em edições
atuais de livros didáticos.

Uma das maiores preocupações está relacionada com os erros conceituais e


a disseminação de preconceitos que, até 1997, eram comuns nos livros didáticos
e que, apesar de terem reduzido em grande quantidade, em decorrência do
PNLD, ainda surgem em algumas coleções.

Os erros conceituais fazem parte do processo de construção de conhecimento,


mas é preciso tomar muito cuidado, pois um erro na educação pode ser tão grave
quanto um erro médico, como explica Bizzo (1996, p. 36): “Definições genéricas
errôneas ou a utilização prática equivocada de algum conceito poderá levar o
aluno a voltar a repetir o equívoco em diversas situações, comprometendo sua
atuação social e profissional no futuro, podendo inclusive expô-lo a riscos”.

Um exemplo desses erros foi encontrado em uma coleção recente, ainda


utilizada por escolas. Trata-se de informações equivocadas sobre doenças
sexualmente transmissíveis, predispondo os alunos contra portadores desse tipo
de doença e contrariando as campanhas de solidariedade a favor dos portadores
de AIDS: “As doenças sexualmente transmissíveis se propagam durante o ato
sexual ou outra forma qualquer de contato físico entre uma pessoa infectada com
outra sadia.” (FONTINHA; SILVA, 1996, p.168).

Trechos de livros também traziam elementos preconceituosos. Um livro trazia


a seguinte afirmação:

Você sabia que a AIDS ataca mais os homossexuais, por


terem uma vida mais promíscua, com permanente troca de
parceiros?...

As prostitutas... mais jovens e bonitas eram muito solicitadas


a fazer shows em boates na Zona Sul do Rio, onde prostitutas
contaminadas de outros bairros e da periferia seguem para as
diversas casas noturnas, disseminando o vírus da doença na
população sadia (ASSUNÇÃO, 1995, p. 212 -213).

98
Capítulo 6 Contribuições e Limitações do
Livro Didático no Ensino de Biologia

Quando os alunos leem esse tipo de texto, podem construir sentidos


formados por preconceitos e estereótipos que irão constituir a identidade desses
sujeitos. Por isso, quando adotamos materiais com essa qualidade, estaremos
ensinando valores que, em nossos discursos, como professores, condenamos,
mas que são ensinados ao serem lidos pelos estudantes nos livros didáticos ou
outros materiais escolhidos por nós, educadores. E, assim, corremos o risco de
cairmos em contradição, além de formarmos alunos preconceituosos.

Os livros didáticos, muitas vezes, possuem uma estrutura de conteúdo


e apresentam listas e classificação de nomes para serem memorizados, sem
nenhum incentivo à consciência crítica. São atividades de cópias, exercícios
limitados que podem ser transcritos dos textos, experiências mal formuladas,
desvalorizando, assim, a aprendizagem significativa (BIZZO, 1996).

Os alunos que estudam utilizando livros didáticos com essas características


se tornam passivos ao serem submetidos a excessivas cópias sem fundamentos
e reflexões, não lhes dando a oportunidade de usar a criatividade e de pensar
sobre o assunto estudado.

Diante desse panorama se faz necessário refletir sobre o uso desse material
no ensino de Ciências Biológicas. Qual é o papel do livro didático? Quais critérios
devem ser considerados ao se adotar um livro didático? Quais outros materiais
podem ser utilizados para enriquecer o processo educativo? Essas questões
serão abordadas a seguir.

Qual é o Papel do Livro Didático no


Ensino de Biologia?
Diante de tantas críticas realizadas anteriormente, qual seria a função do
livro didático para o ensino?

O fato do governo federal investir e cobrar melhorias das editoras, através do


PNLD, e de fornecer gratuitamente este material para todas as escolas públicas
demonstra a importância que este artefato assumiu na educação escolar. A
necessidade do livro didático é indiscutível, sendo ainda o principal instrumento
de direcionamento de professores e alunos em suas atividades de sala de aula.

No entanto, Silva e Carvalho (2004) ressalvam que professores e alunos


acabam tornando-se dependentes do livro didático. Ao invés de o utilizarem como
instrumento de contribuição para o desenvolvimento da autonomia e do senso

99
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

crítico, acabam tornando o livro didático o roteiro principal, ou exclusivo, do processo


de ensino-aprendizagem. Além disso, o livro didático pode encaminhar a construção
de diversos sentidos, dependendo da sua composição:

Efetivando um olhar crítico sobre as possibilidades de


contribuição deste valioso artefato didático escolar, podemos
conceber duas possibilidades na condução de seu emprego na
prática educativa: enquanto instrumento que pode contribuir no
favorecimento de uma conscientização sobre as pluralidades
culturais que compõem a realidade social, por meio de uma
política cultural comprometida com a difusão dos valores das
diversas culturas, ou ainda, sua utilização como instrumento
de manutenção de preconceitos e fortalecimento dos valores
culturais hegemônicos, através do “silenciamento” sobre
determinadas culturas, principalmente aquelas consideradas
“minoritárias” e sobre outras realidades diversas. (SILVA;
CARVALHO, 2004, p. 2).

Muitos professores utilizam o livro didático adotado pela escola como única
ferramenta educativa, assim como buscam no seu conteúdo as falas a serem
apresentadas durante a sua aula, apenas repetindo discursos presentes no livro.
São essas situações que tornam o uso do livro nocivo. É possível utilizar esse
material didático no processo educativo sem torná-lo uma armadilha educativa.
Um livro de boa qualidade, que inclui em seu texto sentidos e conhecimentos de
diversas culturas e livre de preconceitos, pode contribuir muito para o processo,
além de complementar os estudos construídos pelos professores e alunos.

Bizzo (2000) coloca que o livro didático deve ser considerado


O livro didático um material de apoio, assim como uma ampla gama de materiais
deve ser
considerado um que também podem contribuir para a sua prática docente, que inclui
material de apoio, livros paradidáticos, literários, softwares, filmes, documentários, jogos,
assim como uma propagandas, histórias em quadrinhos, músicas e imagens.
ampla gama de
materiais que Bons livros, acompanhados de variados meios de ensino, com
também podem
abordagens que buscam trabalhar questões atuais de forma crítica e
contribuir para
a sua prática conforme a realidade em que os alunos vivem, podem desempenhar
docente, que inclui um bom papel.
livros paradidáticos,
literários, O livro didático, enquanto instrumento de difusão, reprodução e
softwares, filmes,
representação dos valores de determinada sociedade, é um espaço
documentários,
jogos, privilegiado de circulação e difusão de ideologias, é um espaço onde
propagandas, são difundidos aspectos políticos, culturais, científicos, valorativos,
histórias em de gênero, etnia, papel social, dentre muitos outros que caracterizam
quadrinhos, determinada sociedade e, dentro desta, os grupos, classes e os
músicas e imagens
próprios indivíduos.

100
Capítulo 6 Contribuições e Limitações do
Livro Didático no Ensino de Biologia

Os discursos e as imagens veiculadas nos livros didáticos têm


o poder de representar pessoas, costumes, posturas e valores,
podem contribuir para “dizer” que determinados costumes,
posturas ou ações estão “certos” ou “errados”, devem ser
“imitados” ou “sancionados”, dentre inúmeros outros aspectos
que transitam ideologicamente pelas páginas destes materiais
nas escolas (SILVA; CARVALHO, 2006, p. 8).

O livro didático pode se constituir num bom recurso para professores e


alunos, enquanto espaço onde são transmitidos conhecimentos científicos e,
ao mesmo tempo, se provoque e se instigue o pensamento e a criatividade dos
alunos. Seria mais um material de apoio ao trabalho do professor.

No entanto, principalmente a forma do professor utilizar esse material é que


irá resultar no sucesso, ou não, do processo de ensino-aprendizagem. O papel
do professor, prioritariamente, é desmistificar as supostas “verdades” que são
veiculadas nos textos dos livros didáticos, por meio da contextualização destas
afirmativas com a realidade vivenciada pelos alunos, demonstrando que todo
discurso é carregado de intenções, que todo discurso é construído historicamente,
num tempo e espaço determinados, segundo interesses e objetivos claros, no
sentido de informar “algo” ou “alguma coisa” a fazer, utilizando do maior poder de
convencimento possível, tornando uma verdade aceita e inquestionável na vida
dos alunos.

Diante disso, a principal função do professor é a de construir discursos e


ações contraideológicos, na tentativa de preencher os vazios, ou brechas,
encontrados no discurso “oficial”, contribuindo na construção de discursos que
possam orientar a conscientização e a atuação concreta dos alunos no entorno
social de que fazem parte. Assim, podemos afirmar que a postura do professor
perante o livro didático é que determinará qual função este livro desempenhará
na escola, pois, sendo praticamente o único material escolar que o aluno tem
a possibilidade de ler, de manusear, a forma como os alunos são orientados a
utilizar o livro na escola é determinante para uma relação salutar entre alunos
e livro didático, para que este livro se constitua num instrumento que realmente
contribua na aprendizagem significativa (SILVA; CARVALHO, 2006).

A Análise e a Seleção de Livros


Didáticos
A escolha do livro didático deve ser realizada levando-se em consideração
as reflexões feitas anteriormente. Ao se compreender as possibilidades e as
contribuições do livro didático, e o papel do professor como orientador do seu
101
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

manuseio, percebe-se a necessidade de se optar por livros utilizando


O primeiro passo
um olhar crítico a respeito de sua estrutura.
na escolha do
livro é buscar as
orientações do O primeiro passo na escolha do livro é buscar as orientações do
Programa Nacional Programa Nacional do Livro Didático. Os livros propostos pelo PNLD
do Livro Didático. sofreram uma criteriosa análise de especialistas, que selecionam e
realizam uma resenha das coleções apresentadas pelas editoras. Os
critérios utilizados para a avaliação do PNDL 2011 foram:

1 - Cumprimento das normas oficiais: respeito à legislação e às diretrizes


relativas ao Ensino Fundamental.

2- Ética e Cidadania: observância de princípios éticos necessários à construção


da cidadania e ao convívio social republicano.

3- Proposta Pedagógica: coerência e adequação da abordagem teórico-


metodológica assumida pela coleção, no que diz respeito à proposta didático-
pedagógica explicitada e aos objetivos visados.

4- Conteúdos: correção e atualização de conceitos, informações e


procedimentos; ênfase na pesquisa e experimentação.

5- Manual do Professor: observância das características e finalidades


específicas do Manual do Professor e adequação da coleção à linha
pedagógica nele apresentada.

6- Projeto gráfico: adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos


objetivos didático-pedagógicos da coleção.

Nélio e Bizzo (2000) também propõem quatro perguntas básicas para


selecionar o livro didático:

1 - O livro é correto do ponto de vista conceitual?

2 - A metodologia de ensino proposta é estimulante, evitando longas listas a


serem memorizadas e textos a serem transcritos?

3 - Existe preocupação com a integridade física do aluno nas atividades práticas?

4 - Existe a evidente preocupação em evitar os preconceitos e estereótipos,


retratando a diversidade étnica, evitando associar classe social, etnia, gênero
e minorias a figuras mais ou menos prestigiadas socialmente?
102
Capítulo 6 Contribuições e Limitações do
Livro Didático no Ensino de Biologia

Caso alguma questão mereça não como resposta, o professor deve


reconsiderar a decisão de escolher o livro para os seus alunos.

A utilização do livro didático deve passar por uma crítica que envolva escola e
alunos, para que possam ser adotados livros que contemplem questões de gênero,
etnia, classe social, multiculturalismo, culturas locais, dentre outras, empenhadas
em desmistificar supostas verdades absolutas, que coincidentemente procuram
legitimar os valores e ideais de culturas hegemônicas.

Deve o professor, antes de escolher um livro didático para a sua


Deve o professor,
disciplina, analisá-lo minuciosamente para perceber quais são os antes de escolher
critérios relevantes para o ensino de Ciências de seus alunos, o que falta um livro didático
ou não e o que mais condiz com a realidade de seus alunos. Tendo em para a sua
vista também a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, as disciplina, analisá-lo
minuciosamente
experiências vividas por eles ao longo de sua vida, aos ensinamentos
para perceber quais
passados pelos avós, e que eles (alunos) consequentemente acabam são os critérios
reproduzindo nas aulas, tais conhecimentos populares, juntamente relevantes para o
com os conhecimentos científicos, tornam a aula e a disciplina mais ensino de Ciências
prazerosas e significantes para os alunos, pois se sentirão eles como de seus alunos, o
que falta ou não e o
contribuidores para o andamento e ensino das aulas ministradas pelo
que mais
professor (BIZZO, 1996). condiz com
a realidade de
É comum os meios de comunicação afirmarem que a causa da seus alunos.
má qualidade do ensino está diretamente relacionada aos erros dos
livros didáticos. No entanto, a crítica deve se voltar para a compreensão das
precariedades da realidade educacional brasileira e dos fatores que contribuem
para a sua manutenção. É necessário superar um ensino que apenas reproduz
o que é dito, alunos que copiam e memorizam textos. Mas, para que isso ocorra,
o professor deve estimular que os alunos utilizem diferentes fontes de estudo e
pesquisa e não apenas o livro didático.

O MEC disponibiliza em seu site o Guia do Livro Didático,


referente ao PNLD. Este material traz reflexões interessantes e
aborda de uma forma mais detalhada os critérios de seleção de livros
didáticos. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article
&id=12391&Itemid=668

103
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

Livros Paradidáticos (LPD) e


Literários
O livro paradidático é aquele que tem como objetivo ensinar e
O livro paradidático divertir. Este tipo de material pode ter clara a intenção pedagógica,
é aquele que tem
como objetivo utilizando uma linguagem narrativa, ficcional, e de um imaginário
ensinar e divertir. como suporte ou manipulação de conceitos, o que o aproxima
bastante de um texto literário (onde estão os romances, a literatura
infantojuvenil, os contos, os poemas, entre outros gêneros). Pode
ser usado de modo complementar ao livro didático nas diversas disciplinas,
incluindo Ciências e Biologia.

O paradidático lúdico é o que transmite informações através do jogo,


propondo atividades ou experiências que estimulam as sensações, as emoções
e a razão.

O uso desses livros possibilita a contextualização do saber, o que muitas


vezes não está claro nos livros didáticos. É importante colocar que esses artefatos
também carregam valores e conceitos e necessitam ser escolhidos de uma
forma crítica. Eles devem estar presentes no planejamento de ensino e estarem
relacionados com os conteúdos que estão sendo abordados. Dessa forma, eles
não serão utilizados para apenas estimular a leitura ou para tornar o ensino
prazeroso, mas contribuirão para a construção do conhecimento científico.

Procure deixar claro no objetivo de ensino o porquê de utilizar o livro


escolhido e não outro. Isso não significa impor a construção de um sentido único.
Os alunos podem e devem produzir sentidos de acordo com a sua história e o seu
contexto, mas será um direcionamento, para que a atividade atinja a sua função
pedagógica. Possibilite aos estudantes uma reflexão a respeito da leitura. Isto
pode ser feito através de debates, produção de materiais que representem a obra
lida, teatros ou discussões.

Atividade de Estudos:

1) Como foi discutido nesse capítulo, o uso do livro didático no ensino


sofre diversas críticas dos meios de comunicação, até mesmo de
profissionais da educação. Qual é a sua opinião sobre a utilização
desse material no ensino de Biologia?
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Capítulo 6 Contribuições e Limitações do
Livro Didático no Ensino de Biologia

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2) Escolha um livro didático de Biologia e realize uma análise desse


material. Busque utilizar os critérios propostos pelo MEC e por
Nélio Bizzo.
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3) Os livros paradidáticos e literários podem ser de grande valia no


processo educativo. Proponha um livro dessa categoria e fale
sobre as possibilidades de abordagem do material escolhido. A
quais conteúdos ele remete? De que forma eles são tratados?
Quais atividades podem viabilizar e enriquecer as discussões
sobre o livro que será desenvolvido pelos alunos?
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Algumas Considerações
Nesse capítulo vimos que utilizar o livro didático no ensino de Biologia não
é, necessariamente, um elemento negativo para a qualidade das aulas. Ele pode
ser um instrumental valioso para uma disciplina que precisa representar os seus
conceitos através de fotografias, gráficos e desenhos esquemáticos, sendo de
105
Didática e Avaliação no Ensino de Ciências Biológicas

grande relevância ao considerarmos que na maioria das salas de aulas brasileiras


não encontramos materiais como data-show ou retroprojetores. Além disso, é um
artefato que possibilitará ao estudante aprofundar e dar continuidade aos seus
estudos em casa.

No entanto, caso não possua uma boa qualidade, o livro didático pode
construir concepções errôneas e até mesmo disseminar estereótipos e
preconceitos entre os estudantes. Por isso, deve-se analisar com cautela o
material a ser adotado pela escola, assim como, não considerar o livro didático
como o único instrumento de ensino.

Busque enriquecer as suas aulas com outras fontes, como, por exemplo,
livros paradidáticos ou literários, músicas, filmes, revistas, jornais, publicidades,
experimentos, simulações, sites de internet confiáveis e tantos outros produtos
que fazem parte do cotidiano do estudante.

Bom trabalho!

Referências
ASSUNÇÃO, M. Ciências: a caminho do futuro. Belo Horizonte: Vigília, 1995.

BIZZO, N. M. V. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 2000.

BIZZO, N. M. V. Graves erros de conceitos em livros didáticos de ciência.


Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 21, n. 121, p. 26-30, jun. 1996.

BIZZO, Nélio M. V. Falhas no ensino de ciências. Ciência Hoje, Rio de Janeiro,


n. 27, v. 159, p. 26-31, abr. 2000.

FONTINHA, S. R; SILVA, P. M. Ambiente: componentes e interações. São Paulo:


Nacional Ed., 1996.

SILVA, R. C.; CARVALHO, M. A. O livro didático como instrumento de difusão


de ideologias e o papel do professor intelectual transformador. III Encontro de
Pesquisa em Educação da UFPI. Anais, 2004.

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