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Títulos de Crédito – Apontamentos

2005-2006

Títulos de crédito

1. Noção

Normalmente a concessão de crédito diz respeito ao favorecimento de um devedor de


uma determinada prestação já que lhe facilita temporalmente a realização da prestação a
que está adstrito (p.ex. numa compra e venda em que se convenciona o pagamento do
preço ou de parte dele, a prazo).
Mas acontece também que em determinadas situações o crédito é ele próprio a causa-
motivo do negócio (p. ex. o contrato de empréstimo em que o devedor pretende obter
uma determinada prestação contra o diferimento da sua).
O crédito implica por conseguinte a confiança do credor na solvabilidade do devedor e o
decurso do tempo que medeia a prestação do credor e prestação do devedor.

O crédito constitui um factor fundamental para o desenvolvimento das actividades


comerciais.

Disponibilização i) investimento;
antecipada de bens capitais (bens ii) fazer girar uma empresa;
utilizáveis para a produção de outros bens). iii) diferimento do pagamento de
mercadorias ( permite ao comerciante vende-las
antes de as pagar)

A promoção do crédito é assim um dos objectivos fundamentais do direito comercial,


justificando-se assim a especialidade do regime dos actos comerciais e a criação de
específicos mecanismos técnico-jurídicos de promoção de concessão e circulação do
crédito.

Títulos de Crédito

Os títulos de crédito são antes de mais documentos que, contudo, devem obedecer a
uma forma escrita. Por outro lado, os títulos de crédito comprovam determinados factos,
não sendo todavia meros documentos probatórios. Antes, porém, os títulos de crédito
são documentos indispensáveis para a própria constituição dos direitos que neles são
mencionados. No entanto, ao contrário da escritura pública que é também um
documento escrito constitutivo do direito de propriedade sobre um determinado imóvel
mas cuja função se esgota com a própria celebração do acto de constituição, o título de

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crédito tem uma função que ultrapassa a constituição do direito. O título adere ao direito
a que está subjacente sendo dessa forma indispensável para o próprio exercício do
direito.
Os títulos de crédito destinam-se assim a tornar mais simples, rápida e segura a
circulação da riqueza e a concessão do crédito. E isto porque é bastante mais fácil e
seguro transmitir papeis escritos do que os próprios bens a que eles se referem.

Historicamente, o primeiro título de crédito a surgir foi a Letra de Câmbio. Na Idade


Média, receosos dos riscos que comportava o transporte de grandes quantias em
dinheiro, os comerciantes começaram a adoptar a pratica de entregar as quantias
monetárias a um banqueiro que em troca lhes dava uma littera que se destinava a ser
entregue a um outro banqueiro, designadamente no local onde o comerciante pretendia
efectuar as suas compras. Com o decorrer dos tempos uma mesma letra começou a
servir várias e sucessivas operações de circulação de crédito, através de sucessivas
ordens de pagamento nelas impostas, promovendo-se assim a facilidade, a segurança, e
a rapidez na transmissão de bens.

Vários séculos volvidos uma longa evolução decorreu ao nível dos títulos de crédito,
visando embora a prossecução dos mesmos objectivos.

2. As características gerais dos títulos de crédito.

a) Incorporação ou legitimação
Esta característica significa que a posse do titulo legitima o portador para exercer
ou transmitir o direito. É portanto a detenção material do título que confere ao
seu possuidor a sua legitimação; o que vale por dizer que mesmo que o
possuidor não seja o verdadeiro titular do direito ele estará legalmente habilitado
a exerce-lo ou transmiti-lo. E, por outro lado, o titular do direito estará
impossibilitado de o exercer se não tiver a posse do título. Tudo isto com base na
presunção de que o portador do titulo está de boa fé, sendo o verdadeiro dono
dele e por conseguinte titular do direito, acentuando-se assim a relação de
confiança que está na base da concessão de crédito.
Considerando ainda a posição do devedor, esta característica leva-nos a concluir
que este pode desonerar-se validamente da sua obrigação se cumprir perante o

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detentor do título, sem necessidade de averiguar mais do que a legitimação


activa do portador em face da lei da circulação.
b) Circulabilidade
Destinados juridicamente a circular, no sentido de poder ser transmitida a sua
titularidade de uma pessoa para a outra, os títulos de crédito possibilitam
também a transmissão do direito representado no próprio título, fomentando
deste modo a difusão do crédito.
c) Literalidade
O direito representado no título de crédito é um direito literal porque para a
determinação da sua existência, conteúdo, limites e modalidades é
exclusivamente decisivo o teor do próprio titulo. Só deste modo se consegue
imprimir confiança a quem examine o titulo e principalmente a quem intervenha
na sua cadeia de circulação.
Os sucessivos portadores do título, dada a sua literalidade, poderão estar seguros
de que só os termos do próprio titulo é que os vincula não podendo ser colhidos
de surpresa através da invocação contra eles de quaisquer factos que não
transpareçam literalmente do documento.
d) Autonomia
O direito representado no título é autónomo em face do direito subjacente
emergente da relação jurídica logicamente anterior – a relação fundamental – à
emissão do próprio titulo. Por isso, ao portador do título não podem ser opostos
quaisquer meios de defesa emergentes da relação fundamental.
Por outro lado, o direito cartular é autónomo face aos portadores anteriores já
que cada uma dos sucessivos portadores adquire o título de forma originária,
como se o título tivesse nascido de novo nas suas mãos.

3. Classificação dos títulos de crédito quanto ao modo de circulação

O facto de a circulabilidade ser uma característica inerente a todos os títulos de crédito


não significa que não existam quaisquer regras formais que se imponham à sua
transmissão.
Assim, atendendo a este critério podem classificar-se os títulos de crédito em títulos
nominativos, títulos à ordem e ao portador.

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Títulos ao Não identificam o titular e


portador transmitem-se por mera entrega
real do documento.

Títulos à Mencionam o titular, tendo este,


ordem para transmitir o título apenas
de nele exarar endosso.

Títulos Mencionam o seu titular e o


nominativos formalismo da sua transmissão é
mais complexo.

Acções nominativas SA
(ART. 326º CSC) – a transmissão deve ser
exarada no próprio titulo pelo transmitente
(declaração de transmissão), bem como nele
deve ser também lavrado pertence, i.e.,
indicação do novo titular. É ainda necessário
um averbamento no livro de registo de acções
da sociedade emitente.

4. Os principais títulos de crédito.

A letra de câmbio

Saque a
Sacador Sacado
c
e
Tomador i
t
Aceitante e

 A letra é um título de crédito através do qual o emitente do título dá uma ordem


de pagamento (saque) de uma determinada quantia, em determinadas
circunstâncias de tempo e lugar, a um devedor (sacado), ordem essa a favor de
uma terceira pessoa (o tomador).

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 O sacado só assume a obrigação se e quando aceitar a ordem mencionada no


título, assinando transversalmente no rosto do titulo, acto que se denomina o
aceite e que converte o sacado em aceitante.
 A letra é um título de crédito, e como tal destinado à circulação. Sendo um título
à ordem, a sua transmissão efectua-se por meio de endosso, assumindo o
tomador a qualidade de endossante que transmite a letra a um endossado, o qual
por sua vez poderá praticar um acto idêntico a favor de outro endossado, e assim
por diante.
 Cada endosso terá uma causa própria e dará origem a uma nova obrigação
cartular, que tem por objecto a mesma prestação pecuniária – autonomia.
 Além do aceitante, como principal obrigado, todos os subscritores da letra se
obrigam solidariamente a efectuar a prestação devida; embora a obrigação
destes seja apenas uma obrigação de garantia.
 Temos uma sucessão de co-obrigados à mesma prestação, que forma a chamada
cadeia cambiária, na qual todos assumem posições diversas, na medida em que
cada um só se obriga perante os posteriores titulares.
 Temos ainda uma outra obrigação cambiária de garantia que é o aval.
 A eficácia das obrigações cambiárias de garantia depende da comprovação da
falta de aceite ou de pagamento pelo sacado, que o portador deve promover
através do protesto no cartório notarial competente.

A livrança

A livrança menciona uma promessa de pagamento de uma certa quantia, em


determinadas condições de tempo e lugar, pelo seu emitente a favor do tomador ou de
um posterior endossado que for seu legitimo portador ao tempo da data de vencimento
do título.
É também um título à ordem, transmissível por via de endosso que gera também
responsabilidade solidária de todos os signatários perante o legitimo portador, e cuja
eficácia das obrigações de garantia depende também aqui do protesto efectuado perante
a competente entidade notarial.

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O cheque

O cheque é também uma ordem de pagamento de determinada quantia, dada por um


sacador a uma sacado, com a particularidade de este ser aqui necessariamente uma
instituição bancária habilitada a receber depósitos. Essa ordem é dada a favor de uma
determinada pessoa, o tomador.
O cheque pode ser um título à ordem quando identifica o nome do beneficiário da
ordem de pagamento que, neste caso, poderá transmitir o título através de endosso; ou
um titulo ao portador quando não contem o nome do beneficiário da ordem de
pagamento podendo assim ser transmitido por mera entrega real do titulo.

O regime jurídico da letra de câmbio

A extrema importância da letra de câmbio no comércio jurídico impõe um estudo mais


profundo do seu regime.

Antes de mais cabe referir que a letra é um título rigorosamente formal. O que implica
que o acto gerador da sua emissão tem de respeitar um conjunto de requisitos para que o
documento possa valer como letra de câmbio. Os requisitos estão revistos no artigo 1º
da LULL, para o qual remetemos.
A consequência da falta de um ou mais requisitos essenciais da letra, quando esta falta
não possa ser suprida nos termos da LULL, é a nulidade do título de crédito. O que
contudo nem sempre porá em causa o valor probatório do documento particular.
Todavia, frequentemente acontece a emissão de letras a que falta um ou mais requisitos
do art. 1º, conquanto delas conste pelo menos uma assinatura feita com a intenção de
contrair uma obrigação cambiária. Trata-se da chamada “letra em branco” que a lei
claramente admite no art. 10º da LULL, e que deve ser completada antes da data do seu
vencimento pelo portador de acordo com o pacto de preenchimento celebrado entre as
partes.

Os negócios jurídicos cambiários


1. O saque
O saque é o acto pelo qual o emitente da letra (sacador) cria a letra, através da qual
dá uma ordem ao sacado para que pague ao tomador a quantia mencionada na

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própria letra, nas condições de tempo e lugar dela constantes, exprimindo também a
promessa, para com todos os futuros portadores da letra, de que o sacado assumirá a
obrigação principal e pagará a divida no vencimento da letra; se este não o fizer, o
sacador obriga-se ele próprio a paga-la.

2. O aceite
O saque é a declaração de vontade pela qual o destinatário do saque – sacado –
assume a obrigação cambiária principal, ou seja a obrigação de, na data do
vencimento, pagar a quantia mencionada na letra a quem for legítimo portador dela.
O saque, por si só, não gera para o sacado qualquer obrigação cambiária; antes
porém, só pelo aceite é que o sacado se obriga convertendo-se em aceitante.
Normalmente, a aceite é feito pela assinatura transversal do sacado no lado esquerdo
do rosto da letra.

3. O endosso
“O endosso realiza o que alguns chamam a dinâmica da letra “. Não é mais do que
uma nova ordem de pagamento, dada pelo endossante (tomador da letra ou posterior
endossado) ao sacado para que pague a letra no vencimento ao portador, através de
uma declaração no verso da letra, seguida da assinatura.
Por vezes limita-se à assinatura do endossante, constituindo então o endosso em
branco.
O endosso deve ser puro e simples, abrangendo a totalidade do crédito, sendo nulo
se for apenas de parte dele.
Constitui a forma natural de transmissão da letra, que só pode deixar de circular por
esta via mediante declaração expressa nesse sentido, caso em que o sacador proíbe
expressamente o endosso através de uma cláusula não à ordem. Desta forma, a letra
passa a poder apenas circular como uma cessão ordinária de créditos – sendo que
desta forma, transmissão da letra só produzirá os seus efeitos em relação ao
devedor desde que lhe seja notificada ou por ele aceite (art. 583º C. Civ), para além
de que este poderá passar a opor ao cessionário todos os meio de defesa que
poderia opor ao cedente perdendo-se assim a característica da autonomia.

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4. O aval
O aval constitui um negócio cambiário pelo qual, em regra, um terceiro se obriga ao
pagamento, como garante de um dos obrigados cambiários. Na falta de indicação
expressa do avalizado, o aval deverá entender-se como tendo sido dado a favor do
sacador – cf. Art. 30º e 31º da LuLL.
O aval exprime-se pelas palavras “Bom por aval”, ou semelhante, seguidas da
assinatura do avalista, exaradas em qualquer local da letra ou numa folha anexa.
O aval é um acto gerador de uma obrigação de garantia pessoal que reforça a
obrigação de um dado subscritor da letra, com o qual o avalista responde
solidariamente.

O vencimento e o pagamento da letra


A letra pode ser sacada de acordo com quatro modalidades de vencimento:
 À vista – pagável no acto de apresentação ao sacado;
 A um certo termo de vista – pagável decorrido um certo prazo sobre o aceite
ou sobre o protesto por falta de aceite;
 A um certo termo de data – pagável decorrido um certo prazo sobre a data do
saque;
 Em data certa – pagável num dia fixado na própria letra para esse efeito;
Se na letra não houver qualquer menção da época de pagamento deverá entender-se,
nos termos do art. 2º II LuLL, que a letra é pagável à vista.
As letras pagáveis à vista vencem-se mediante a simples apresentação ao sacado, o
que deverá fazer-se no prazo de um ano a contar da sua data.
Na letra a certo termo de vista, o prazo de vencimento conta-se do aceite ou do
protesto por falta de aceite.
Quanto às letras com vencimento em data certa ou a certo termo de data, deverão ser
apresentadas a pagamento na data do vencimento ou nos dois dias úteis seguintes.
Paga a letra, o sacado tem o direito a que ela lhe seja entregue com a respectiva
quitação, sujeitando-se, se a não obtiver, a que ela seja de novo endossada e a ter se
pagar de novo a um posterior endossado de boa fé.
Ao pagar, o sacado não tem de verificar a regularidade substancial da posição do
portador, mas apenas a regularidade formal da cadeia de endossos – cf. art.40º
LuLL.

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Protesto
A falta de aceite ou a falta de pagamento devem ser comprovadas através do
protesto que é uma acto jurídico declarativo, não negocial, praticado perante um
notário, destinado a comprovar e a dar conhecimento aos intervenientes na cadeia
cambiária da falta de aceite ou de pagamento, bem como a salvaguardar a
integridade do direito do portador.
Certifica que o sacado se recusou a aceitar a letra
Protesto por falta de que para tal lhe foi apresentada, ou a aceita-la
aceite
apenas parcialmente. É feito contra o sacador pois
este ao emitir a letra, prometeu ao tomador e aos
posteriores endossados que o sacado aceitaria a
letra.

Este protesto comprova que foi recusado o


Protesto por falta de
pagamento pagamento da letra para tal apresentada ao sacado e
é feito contra este, já que ao aceitar a letra se
obrigou a paga-la na data do vencimento.
Geralmente deve ser feito nos dois dias úteis
seguintes à data em que o pagamento deveria ter
lugar.
O portador que efectuar o protesto deve, no prazo de quatro dias, avisar o sacador e o
seu endossante da falta de aceite ou de pagamento. Cada um dos endossados deve em
seguida, no prazo de dois dias, avisar o seu endossante e os avalistas deverão ser
avisados no mesmo prazo que os seus avalizados (art. 45º LULL).
A falta de protesto não impede o portador de cobrar a letra do aceitante e do seu avalista
(se houver), mas inibe-o de cobrar letra do sacador, dos endossantes e dos demais co-
obrigados – art. 53º LuLL.

Acções de regresso
Todos os subscritores de uma letra são solidariamente responsáveis pelo pagamento dela
perante o portador que poderá accionar todos ou alguns deles, por qualquer ordem e sem
prejuízo de poder vir a accionar os restantes. O mesmo direito tem o subscritor da letra
que a tenha pago e por via de acção de regresso.

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O portador pode pedir, na acção, o pagamento da quantia da letra, os juros e as despesas


(do protesto, dos avisos e outras). Tem idênticos direitos o subscritor que pagar a letra,
quanto aos demais subscritores que perante ele sejam obrigados em via de regresso.

Prescrição
O direito cartular está sujeito a prazos de prescrição extintiva conforme o disposto no
art. 70º da LuLL.
Tais prazos são:
a) 3 anos contra o aceitante, a contar da data do vencimento da letra;
b) 1 ano do portador contra o sacador e os endossantes, a contar da data do
protesto;
c) 6 meses dos endossantes contra os outros e contra o sacador, a contar da data em
que o endossante pagou ou foi accionado;
d) os avalistas estão sujeitos aos mesmos termos dos seus avalizados – art. 32º, I
LuLL.

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